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FATIMA MARTIN RODRIGUES FERREIRA ANTUNES O futebol nas fabricas WORREVISTA USP ntroduzido em S40 Paulo no final do século passado como esporte de elite, o fu- tebol foi, aos poucos, se po- pularizandoe fazendoadep- tos por todas as camadas soci- ais. Emmeioaclasse trabalha- dora, nas fabricas e nos terre- nos descampados dos bairros operdarios, ele conquistouuma posigdo de destaque. As margens dos rios foram transformadas em campos de futebole passaramafuncionar como ponto de encontro e di- vertimento de trabalhadorese suas familias. A expansio dos times de varzea e a incorpora- 40 de seus jogadores aos clu- bes tradicionais foram etapas importantes da difusdo do fu- tebolno Brasil. Aoladodavar- zea,osclubesmantidos porem- presas, principalmente indts- trias, foramimportante meiode popularizagao dojogo. No ano em que se comemo- raocentendrio daintrodugéo do futebol no Brasil, o presen- te artigo visa discutir a parti- cipagao do futebol de fabrica PAU Petey asain ay) Poe Soro ators REVISTA USP 103 1 Ch Miso Rodrigues Fino, Nepione FutsbalGrasiove 2 ‘Foon Janno, Crags Brabiera 1964.5 & 2 1 FatmaManinn F Arnos, "Diverbo ou vabihe? Ode bean da Fabien 2.0. Tama 124%) SaoP au, verve de 1004. pp 8, WOS REVISTA USP no processo de difusdio e profissionalizagao do esporte. FORMAGAO DOS CLUBES DE FABRICA Entre 0s clubes de fétrrica, um dos mais famosos foi aquele mantido pela Cia, Pro- ‘gresso Industrial, mais conhecida como Fé- brica Bangu do Rio de Janeiro, uma tecela- gem brasileira de capital portugués. © The Bangu Athletic Club foi fundado em 1904 pelos funciondrios ingleses - téenicos e mes- tres especialmente contratados na Inglaterra- »parase divertirem nas horas de folga,coma devida aprovagao dos diretores da tecela- gem(1). A diregio da empresa comprou as camisas e cedeu um terreno de sua proprie- dade para a instalagio do campo de futebol. Sem esse tipo de ajuda, a prética esportiva teria sido invidvel. Contudo, os ingleses do Bangu ndo conseguiram formar duas equi- pes completas para jogarem entre si, Além disso, a localizagaio de Bangu, um bairro su- burbano, e as dificuldades de transporte desencorajavam seus compatriotas, que tra- balhavam em outras empresas, de irem até 14. A solugo foi recorrer aos operdrios da tecelagem, que certamente estavam com muita vontade de arriscar alguns chutes. Assim os trabalhadores tiveram acesso a um jogo até entdo exclusivo da coldnia inglesae das camadas sociais mais favorecidas. Atra- vés do Bangu, 0 futebol comegau ase demo- cratizar no Rio de Janeiro. ‘A singularidade do Bangu no processo de popularizagio do futebol foi a de jé ter nascido como clube de fabrica, incorporan- do desde 0 inicio os operarios a sua equi semmaioresrestrigdes, a0 contrério dasclu- bes da elite carioca e da colénia inglesa. O casoda Fabrica Bangusetomnouconhecido, porque oclube logose projetou para o fute- bol da divisdo principal, disputande tornei- 0s com 0 Fluminense, 0 Botafogo ¢ outros. Mas este nao foi o primeiro clube do tipo a aparecer. Muitos outros surgiram de forma espontanea ¢ isolada, como 0 Votorantim Athletic Club, fundado em 1902, também por iniciativa de engenheiros e técnicos in- gleses da Fabrica de Tecidos Votorantim, na regido de Sorocaba, interior de S40 Pau- lo (2). Também a Regoli e Cia, Ltda, do bairro da Mooca, em Sao Paulo, tinha seu clube de futebol. Em 1909, por ocasifio da compradessa tecelagem por RodolfoCrespi, © grémio passou a chamar-se Crespi F.C. Anos mais tarde, j4 na década de 30, rebatizado Clube Atlético Juventus, o time ficaria mais famoso que a propria fébrica, a exemplodo que ocorreucomoBangue, até certo ponto, com o proprio Juventus da Ité- lia-quelhe inspirouonome -,nascido como clube dos trabalhadores da fabrica de auto- méveis Fiat. Tal como acontecera com os clubes de vérzea, que rapidamente se espalharam por Sio Paulo, também os clubes de fébrica se tornaram comuns, Nos anos que se segui- ram, seu ntimero nao parou de crescer, sen- domesmodificilapontarainddstria quendo tivesse ao menos um pequeno nticleo cons- ido, Formou-se uma tradigao de futebol amador praticado em clubes de fabrica cri- ados por intermédio dos préprios trabalha- dores, mas com 0 apoio das empresas, cuja colaboragdo materiale financeira foi funda- mental para acontinuidade desta iniciativa. Intimeros clubes surgiram de partidas de futebol improvisadas na rua ou no patio. da fébprica, durante o intervalo para oalmo- 0. Aos poucos, a brineadeira ia ganhando organizagao. Como muita gente queria par- ticipar, os times comegavam a ser formados no interior de cada segdo de uma mesma inddstria, Comocrescimentodonimerode times, mais partidas iam sendo realizadas, aumentando 0 tempo de jogo. Logo, sé 0 intervalo para 0 almogo ja nao bastava. Es- tendeu-se, entdo, aatividade para os ins de semana. O gosto pelo futebol crescia e com ele a vontade de melhorar as condigdes de sua prética, de jogar como os ingleses, com equipes completas, uniformes, uma bolade couro, um campo, um lugar para se reuni- rem e guardar 0 material esportivo; enfim, vontade deorganizarum“clubedefutebol”. Mas como conseguir os recursos necesséri- 0s? Embora a cotizagdo entre os interessa~ dos fosse uma solugdo possivel, era insufici- ente para dar conta de todos os custos que a pratica do futebol nos moldes desejados envolvia. Geralmente,os valorespagoseram irris6rios, quase simbélicos, Assim, recor- rerAdiregioda fabricaeraumasaidavidvel, sendo fundamental, paraamanutengiodes- sa atividade. Além disso, havia certa afini- dade entre a fébrica ¢ o clube, jd que tudo comegara em fungdo de relagbes de ami de estabelecidas no espago do trabalho. No entanto, uma vez obtide o consentimento da diretoriae a garantiadecontinuidade da pritica esportiva, gragas a colaboragdo ma- terial que ela se comprometia a proporcio- nar, a organizagio do clube de futebol ga- nhava contornos diferentes. A diregdo da fétbrica passava a subsid aras atividades do clube; por exemplo, ce- dendo um terreno de propriedade da em- resa para ainstalagdo do campo de futebol ea construcao da sede social ou, entiio,con- tribuindo para o pagamento de aluguéis. Mensalmente, ela oferecia ao clube uma quantia em dinheiro, a fim de complemen- tarseu orgamento, que inclufadespesascom conservacdo ¢ limpeza da sede social e do campo, pagamento de impostos, energia elétrica, limpeza dos uniformes, transporte de jogadores ¢ outras. Quanto ao material esportivo, a fabrica poderia fornecer desde as camisas até as bolas e as chuteiras. O clube ndo se restringia A pritica do futebol. Também desenvolvia atividades so-

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