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2 Breve historia dos conceitos e das ideias em ecologia A ecologia ¢ uma disciplina bastante polimorfa, constituida principalmente a partir do século XTX ao redor de varias correntes de pensamento ~ Deléage (1991) identifica trés principais: a corrente botanica, a corrente geol6gica ea corrente popu- lacional. Contrariamente as afirmagées de alguns autores, nao existe nada de “ecol6gico” nos escritos de Aristoteles, de Linné ou mesmo de Buffon. Faz-se necessario esperar a geografia vegetal do século XIX para que se constitua o quadro conceitual que per- ita a elaboraco dos conceitos centrais da ecologia (ACOT, 1988). Sabemos que o termo vekologia foi criado em 1866 por um dos mais ardorosos discfpulos de Charles Darwin, Emst Haeckel, que Ihe atribuiu 0 seguinte sentido: + “Cigneia da economia, do modo de vida, das relagdes vitais externas dos orga- nismos.” + “Por vekologia entendemos a totalidade da ciéncia das relagdes do organismo com o meio ambiente, compreendendo, em sentido amplo, todas as condigdes de existéncia.” B, em 1868, “a oekologia ou distribuicdo geogriifica dos organismos...” Dessa forma, Haeckel forjou o termo, defini o campo cientifico... mas no con- tribuiu para a emergéncia da disciplina. A geografia das plantas do século XIX ‘A geografia vegetal nasceu da extraordinaria fecundidade das numerosas expedi- es que, no quadro de intengdes pré-coloniais, foram comandadas pelas grandes po- ‘éncias maritimas do século XVIII: a Franea, a Inglaterra e a Holanda (ACOT, 1988). Sos n Citaremos dois autores, com suas contribuigées maiores: + Alexandre de Humboldt. Essai sur la géographie des plantes, 1805. + Alphonse de Candolle. Géographie botanique raisonnée, 1855 is dois reais precursores da ecologia, cujas contribuigdes cientificas em relagdo 4 ecologia nascitura sio mais importantes do que aquelas de Haeckel. Mas 0 verda- deiro fundador da ecologia, nesta linhagem de pensamento, segundo Pascal Acot, é Eugen Warming, professor de botanica na Universidade de Copenhague, que publi- cou em 1895 um tratado de geobotdnica vegetal tendo como titulo o termo “ecolo- gia”. Nele notadamente esta escrito: “A geografia vegetal trata da distribuicdo das plantas na superficie da terra, ¢ dos principios que a determinam. Podemos considerar esta distribuicdo de dois pontos de vista diferentes, e, por consequéncia, dividir esta ciéneia em dois ramos: 4 geobotinica floristica e a geobotinica ecoligica”. Mas uma nova etapa é superada quando a América se ampara na ecologia vege- tal nascente —¢ a obra de Warming é seu ponto de separagfo... e sua testemunha, Em 1896, o tratado de Warming nio continha em sua bibliografia sendio uma nica obra assinada por um botinico amerieano. Na edigao inglesa de 1909, dentre 300 novos titulos, 115 etam provenientes dos Estados Unidos! Esta irupgiio es- petacular da botdnica americana em ecologia é devida a trés categorias de fatores, de ordem institucional (ao mesmo tempo produto e expressai direta de necessidades de ordem econémica), circunstancial (0 continente americano e seus vastos ecossiste- mas) ¢ cientifica (inventariar as riquezas dos Estados), Retenhamos aqui dois autores maiores: + Henry Chandler Cowles, que publicou em 1899 sua tese sobre as sucessdes ve- getais. + Frédéric Clements, que publicou em 1905 seu Research Methods in Ecology, ¢ depois, em 1916, Plant Succession. Influenciado por Cowles, ele desenvolveu a ideia de uma homeostasia das formagies vegetais. Estas sfio assemelhadas a su- perorganismos A Teoria dos Ecossistemas O termo biocenose ~ conjunto de seres vivos que coexistem num mesmo habitat - foi criado por Karl Mabius em 1877, num trabalho dirigido pelas autoridades prussi- anas para explicar e remediar o sumigo dos bancos de ostras nas costas do Schles- swig-Holstein, imediatamente apés o desenvolvimento dos transportes ¢ do comércio da Europa, em plena revolugio industrial. CO termo ecossistema 6 devido a Arthur Tansley (1935), botanico britanico forte- mente eontrario a visto “organismica” de Clements. Mas o artigo fundador do enfo- que ecossistémico é atribuido sem divida alguma a Raymond Lindeman que pos- tumamente foi publicado em 1942, gragas a Evelyn Hutchinson: The Trophie-Dy- namic Aspect of Ecology. Lindeman tinha ent&io 28 anos. Depois, em 1953, surge publicada a magistral obra de Eugene Odum, Funda- mentals of ecology, que estabelece as bases do estudo dos ecossistemas. A ecologia das populacdes © campo “populacional” da ecologia inicialmente se construin a partir de trés correntes: a corrente oriunda da botnica ¢ da geografia das plantas; a corrente mate- matica e demogréfica; a corrente da ecologia animal. ‘Naturalmente, estas correntes is vezes convergiram —de modo que podemos di" zer que a ecologia animal foi identificada apos ou a partir de uma determinada matu- ragio da ecologia vegetal, Mas foi necessirio esperar 0 desenvolvimento em poten | cial de uma corrente darwiniana, que se encarnou verdadeiramente na ecologia a partir de sua fase modema, na segunda metade do séeulo XX, para que a ecologia das populagdes encontrasse sua plenitude. Efetivamente, em sua Histoire de l’écolo- _gie (Historia da ecologia) Pascal Acot esereve: “4 argumentagdo consistindo em apresentar a ecologia do final do século XIX corrente biogeogréifica ¢ da corrente darwinia- como oriunda ao mesmo tempo da ¢ ha, teoricamente justa, ékistoricamente falsa: as duastradigdes nfo se encontrardio vendo nos primeiros decénios do século XX, bem depois que a ecologia se tenha constituido plenamente como wma disciplina da biologia”. A sociologia vegetal ‘A botinica dos agrupamentos vegetais marcou a ecologia desde o final do século XIX, Podemos ver sua emergéncia com 0 texto de Grisebach (1868): “Denominarei formagdo fitogeografica um grupo de plantas apresentando wm cariter fsionémico definido, al como um prado, uma floresta, etc. Ora ela écons ‘ida de uma imnica espécie, ora de um complexo de espécies dominantes pertencen- ddo.auma mesma familia... de modo que as pradarias alpinas sto quase que exclusi- yamente compostas de ervas perenes”. 20 e tres mate os di- natu- oten- logia colo- » KIX nia aro enha slo > um nsti- Charles Flahaut publicou em Paris, em 1900, seu Projet de nomenclature phyto- géographique (Projeto de nomenclatura fitogeogrifico), nos anais do Congresso In- temacional de Botnica. A ciéncia dos agrupamentos vegetais vai se tomar o lugar de trabalhos e de enfrentamentos onde se opordo notadamente a Escola de Uppsala e a Escola de Zurich-Montpellier. A primeira definiu a associago vegetal pela espécie dominante, enquanto que a segunda desenvolveu 0 conceito de espécie caracteri Esta ruptura, a introdugao do conceito de espécie caracteristica, é provocada por Josias Braun-Blanquet, que publicou juntamente com E, Furrer, em 1913, no Bulletin de la Société Languedocienne de Géographie, em Montpellier, Remarques sur l'étude de groupements des plantes (Notas sobre o estudo de agrupamentos de plantas). Eles retomam a definigao de Flahaut e Schroeter, aceita pelo III Congresso Inter- nacional de Botnica de Bruxelas (maio de 1910). ica. “A associacdo é um agrupamento vegetal de composigdo floristica determina- da, apresentando uma fisionomia uniforme, crescendo em condicdes sazonais uni- formes’ e acrescentam: ‘e possuindo uma ou varias espécies caracteristi is’ as quais ‘sido espécies localizadas exclusivamente, ou quase, numa associacao dada’.” A Escola de Zurich-Montpellier de sociologia vegetal nasceu com esta obra, pu- blicada em 1913. A obra-mestra, firmada por Pavillard e Braun-Blanguet, Vocabulai- rede sociologie végétale (Vocabulario de sociologia vegetal), foi publicada em 1925 Apesar ou por causa da riqueza das andlises desenvolvidas pela fitossociologia, esta impediu a emergéncia da biologia das populagdes das plantas, que nao surgita se- io a partir de uma ecologia animal florescente na segunda metade do século XX!! A configuragao ecolégica creseimento das populagdes foi caracterizado desde 1838 por um matemati- co de Bruxelas, Pierre-Frangois Verhulst (Note sur la loi que la population suit dans son accroissement) (Nota sobre a lei seguida pela populagdo em seu inere- mento) ~ embora esta nota tenha passado despercebida na época e que a teoria de um crescimento logistico das populacées tenha sido atribuida ao zodlogo america- no Raymond Pearl (1870-1940). De fato, é Pearl quem marca a histéria da ecologia enio Verhulst. 1. The Population Biology of Plants, de Joba Harper, publicada em 1977, Dessa forma, nos anos 1920, Pearl descreve o crescimento das populagdes pela i formula: ' c : av sat=rn( *) K Onde NV indica o efetivo da populagao, Ka capacidade-limite do meio e ra taxa intrinseca de aumento. Sua obra maior, The Biology of Population Growth (A biologia do crescimento da populagao), foi publicada em 1925. Raymond Pearl pensava ter descoberto uma lei de crescimento tinica, vilida para todas as populagdes, 0 que provocou vivas e, finalmente, fecundas controvérsias, ja que a ecologia das populagées dela se origina. Em 1921 Pearl convidou Alfred Ja- mes Lotka a trabalhar em seu laboratério. Nascido na Europa Central, de pais nor- te-americanos, Lotka era fisico e trabalhava na indiistria quimica nos Estados Unidos. “Retomando os trabathos mateméticos do entomologista de origem canadense William Robin Thompson sobre as relacdes hospedeiro-parasita, Lotka propée um sistema de equacées diferenciais para descrever as flutuagées periédicas de duas espécies em relacdes presas-predadores” (ACOT, 1994), Ele publicou em 1925 seus Elements of Phisical Biology (Elementos de biologia fisica) (reedi¢io em 1956 numa versio revisada: Elements of Mathematical Bio- logy). Os trabalhos de Lotka nao terdo repereussio notavel antes de serem associa- dos aqueles do grande matemitico italiano Vito Volterra. Em suas Lecons sur la théorie mathematique de la lutte pour la vie (Ligdes sobre a teoria mateméitica da Juta pela vida) publicadas em Paris, em 1931, Volterra estabeleceu as bases matema- ticas das relagdes do tipo predadores-presas, Neste contexto tedrico elaborado por Pearl, Lotka ¢ Volterra se desenvolveu uma ecologia experimental na qual se notabilizou o eedlogo soviético Georgii Frant- sevich Gause. Ele estabeleceu o principio de exclustio competitiva, segundo 0 qual duas espécies nfio podem coexistir duravelmente num mesmo lugar, ¢ forneceu, jun- tamente com Alistair Crombie, uma demonstragdo experimental confirmando a teo- ria do nicho. as A ecologia animal E, Shelford, zodlogo da Universidade de Chicago ¢ colaborador de F, Cle- ments, publicou em 1907 uma nota sobre a distribuigdo das cicindelas em relagio com os estados das sucessdes vegetais. Fla marcard uma primeira etapa no desenvol- n ataxa nento Ja para sias, jé red Jax is nor- nidos. dense Je um e duas ogia al Bio ssocia- sur la fica da atemd- volveu Frant- > qual _jun- 10 vimento da ecologia animal, Pelo jogo de andlises comparativas emerge ento 0 con- ceito de “equivaléncia ecolégica” de espécies diferentes: tal espécie exercendo em sua comunidade bidtica um papel comparavel a tal outra espécie em outra comuni- dade. No caso dos passaros que passam longo tempo no mar, por exemplo, os gran- des mandrides (Stercorparius skua) € as fragatas (Fregata magnificiens) se alimen- tam por piratagem das andorinhas-do-mar, respectivamente em zonas setentrionais ¢ tropicais, Estas pesquisas ulteriormente levaram Charles Elton (1927) a atribuir ao con- ceito de nicho ecolégico” um conteitdo estritamente funcional: “# cémodo [...] dispor de um termo que desereve 0 estatuto de um animal em sua comunidade para indicar o que nela ele faz, e ndo somente com quem ele se assemetha, ¢ 0 termo é aquele de nicho”. Paralelamente afirma-se a importincia tebrica de uma pritica secular: a luta bio- Logica. Nao é efetivamente surpreendente, observa Pascal Acot (1988), que nos jovens Estados Unidos da América se tenham reproduzido as primeiras tentativas de con- trole biologic em grande escala. O recuo constante da “fronteira” para 0 Oeste, 0 desenvolvimento das comunicagses por via ferrovidria, a extensio gradual de mo- noculturas de milho e trigo nas grandes planicies, de parreirais na California e na Flérida, de famo e algodao nos estados do Sudeste, contribuiram para a criagdo das condigdes de surgimento de graves problemas ligados as poluicdes devastadoras, importadas ou autéctones. “Opioneiro da luta bioldgica em grande escala foi Charles Valentine Riley. De origem inglesa, ele emigra para os Estados Unidos aos 17 anos de idade. De jovem funciondrio de uma fazenda e entomologista amador, torna-se jornalista no depar- tamento de entomologia da célebre Prairie Farmer. Em 1868, com a idade de 25 anos, € nomeado Entomologista do Estado do Missouri. Estes detalhes testemu- ham 0 dinamismo impressionante dos Estados Unidos da época: por um lado, ha- via “entomologistas do Estado ponsabilidades especialistas néo universitérios. Impensdivel na Europa de entdo!” (ACOT, 1988). Riley exerce uma fungdo major na luta outrora conduzida contra dois destruido- res cujas devastagdes afetaram gravemente a Europa no primeiro caso, ¢ os Estados €, por outro, era possivel engajar nestas altas res- 2. Termo atribuide a Grinnell (1917), Unidos, no segundo: o inseto filoxera, parasita da parreira; a cochinilha australiana, Ieerya purchasi, que devastou as plantagdes californianas de citrinos (desde 1868). No primeiro caso, ele descobre a origem americana do devastador e preconiza a enxertia das plantas francesas nas cepas americanas resistentes que ele havia envia- do 4 Europa. Os processos foram irreversiveis. No segundo caso, que Ihe valeu um reconhecimento mundial, ele parte da constatagdo de que a cochinilha australiana niio era economicamente nociva em seu pais de origem para nele pesquisar os agen- tes de controle. Em 1889, a soltura pelos plantadores de citrinos de 10.000 cochis Ihas Novius cardinalis culminou, um ano e meio depois, na regulagio do Icerya pur- chasi aquém de seu limiar de intolerancia. ‘Mas 0 tratado fundador da ecologia animal moderna é devido a Charles Elton, zoélogo da Universidade de Oxford: & com a idade de 26 anos que ele publica sua cé- lebre obra Animal Ecology (Beologia animal). Podemos situar nela as bases da ecolo- gia das comunidades animais: teoria do nicho ecolégico, ideia de estruturagao pirami- dal das diversas populagdes que compdem uma biocenose, conceito de cadeia alimen- tar ede redes tréficas (primeira representagio gréfica desde 1912 com “o complexo de antonimo do algodoeiro”, um inseto parasita desta planta - DROUIN, 1991). A grande virada dos decénios 1950-1970: a emergéncia da ecologia moderna Limitar-me-ei aqui a resgatar cinco figuras-chave: Hutchinson, os irmaos Odum, Lack, MacArthur. AA figura de George Evelyn Hutchinson marca um longo periodo da histéria da ecologia, tanto pela importincia de seus trabalhos quanto pela qualidade cientifica dos universitérios que ele formou: Raymond Lindeman, Eugene P. Odum, Howard T. Odum, Lawrance Slobodkin, Robert MacArthur e a ecologista militante Raquel Carson, dentre outros. Apés seus estudos de zoologia em Cambridge (Inglaterra), ele lecionou por dois anos em Johanesburgo; depois, em 1928, entrou na Universidade de Yale, onde per- maneceu até sua aposentadoria em 1971. E em Yale que ele se interessa pelos traba- Thos de Wladimir Vernadsky, volta-se para a biogeoquimia, inspira os trabalhos de Raymond Lindeman ¢ as pesquisas realizadas por H.T. Odum nos anos 1950, sobre 05 ciclos tréficos e biogeoquimicos. Hutchinson estudou notadamente os efeitos das atividades humanas no ciclo do carbono e do fosforo. Em 1957, por ocasiio do “Simpésio sobre a Biologia Quantitativa de Cold Spring Harbor”, Hutchinson, ao recorrer a teoria dos conjuntos, propde uma forma- 4 lois Der ba- s de bre old ma- sica, representaria uma fonte utilizdvel pelas po- lizagdio matemiitica do “nicho ecolégico” enquanto “hipervolume em n dimensdes”, onde cada dimensao, bioldgica ou pulagdes da biocenose. Com a publicacio, em 1953, de seu Fundamentals of Ecology (Fundamentos da ecologia), os Irmios Odum, antigos alunos de Hitchinson, revolucionaram o univer- so da ecologia, langando as bases do pensamento sistémico. Em 1945, fisico Erwin Schriidinger havia langado as bases da termodinimica do ser vivo (What is Life?, Cambridge University Press, 1945) (O que é a vida’), Nesta obra ele sublinha que, contrariamente aos sistemas nao vivos que “endem para um estado permanente onde ndo observamos mais nenhum acontecimento”, isto é, para um estado de equilibrio do sistema que corresponde a sua entropia mi ma, os seres vivos parecem ndo obedecer ao segundo principio da termodinamica, Ao contrdrio, ao se alimentarem, beberem e respirarem, eles evitam a evolugio ripi- a para o estado de entropia méxima, que é aquele de sua morte. Hutchinson e os irmios Odum foram os primeiros a considerar que os ecossiste- ‘mas comportam-se, no plano termodinamico, como seres vivos: “Os organismos vi- vos, os ecossistemas ¢ a biosfera inteira possuem a caracteristica termodindmica essencial de ser capazes de criar ¢ manter um estado elevado de ordem interna, ow de baixa entropia”. O ecossistema é doravante pensado como uma maquina termodindmica, capaz de se manter em estado de equilibrio, oscilando ao redor do climax. Ao descrever as flutuagdes oscilantes da abundincia de populagdes de lebres ¢ linees, as equagdes de Lokta-Volterra ~ como as andlises dos mecanismos homeos- titicos no seio dos ecossistemas pelos irmaos Odum — expuseram o problema da re- lacdo das populagdes e suas interagdes. David Lack trara aqui uma contribuigdo essencial, que constituira a base do im- pulso da ecologia populacional e, posteriormente, da ecologia evolutiva. Consa- grando seus trabalhos aos problemas de competigiio, Lack defendeu a tese da autor- regulacdo das populagdes, a0 desenvolver 0 conceito de densidade/dependéncia subjacente a lei logistica de crescimento das populagdes: determinados fatores bidti- cos, tais como a quantidade de alimento disponivel ou a pressao predatéria ou de pa- rasitismo, podem depender da densidade da populacao e regulé-la. A publicagdo em 1954 da obra The Natural Regulation of Animal Numbers (A regulago natural da quantidade de animais) marca uma data-chave na histéria da ecologia, visto que ela “se ope” obra de Andrewartha ¢ Birch, intitulada The Distribution and Abundan- os q q e Omsang0an90 oor ce of Animals (A distribuigdio ¢ a abundancia dos animais) que defende a tese contré- ria da importancia fundamental dos fatores externos, como as variagdes climaticas, Enfim, é necessario citar Robert MacArthur, matematico e professor de biologia nna Universidade de Princeton — pai da teoria das estratégias biodemograficas ¢ co- criador, com Edward Wilson, da biogeografia insular (1963 ¢ 1967). Ele abre a era _ da ecologia evolutiva. Mas desaparece demasiadamente cedo, levado por um cancer em 1972, com a idade de 42 anc © conceito de biosfera e a ecologia global Inventor do coneeito de biosfera, o geoquimico Wladimir Vernadsky, naseido em Petersburgo em 1863, ¢ hoje considerado o pai da ecologia global. Oriundo de uma familia aristocratica esclarecida nomia politica ~, ele foi confrontado ao mesmo tempo com as reviravoltas sociais que afetaram seu pais ¢ coma diversidade das grandes correntes de pensamento que marearam o final do século XIX. Desde sua adolescéncia, Wladimir Vernadsky se familiariza com as obras majores da literatura cientifica europeia: ele leu Darwin ¢ Humboldt e participou das discussdes do circulo animado no liceu Alexandrov de Petersburgo por A.N. Krasnov, que se transformou num botiinico ¢ biogedgrafo de primeira linha, Ele aborda dominios tio variados como a cristalografia, a pedologia, a geoquimica ca filosofia das ciéncias. Mas sua contribuigdo maior, sem davida, € ctiagao do conceito de biosfera (ef. encarte 2). Ao conceber a vida terrestre como uma totalidade, abordé-la no contexto da dindmica geoquimica planctiria, ele con- tribuiu para a transformagio da ecologia numa ciéneia da Terra. seu pai era professor de eco- Encarte 2 © conceito de biosfera Se 0 inventor do termo é o gedlogo austriaco Edward Suess, o conceito de biosfera foi definido por Wladimir Vernadsky na década de 1920, Este geoquimico russo, considerado hoje 0 pai da ecologia global (no sentido de ecologia do planeta), publicou em 1926 uma obra maior que Ihe é consagrada: A biosfera. (© fio condutor desta obra, ignorada por longo tempo pelos ecélogos, é “chamar a aten- «G0 dos nawuralstas, dos geéogos e principolmente dos biélogos para @ importéncia do estudo quan- titativo da vida em suas relagdes incissoliveis com os fendémenos quimicos do planeta”. Para Ver- rnadsky,a biosfera é a regiao da crosta terrestre ocupada e animada pela vida. Em outros ter- mos, a Vida, toda matéria viva, é apreendida como uma componente indivisivel deste tecido superficial de nosso planeta que é a biosfera. Uma componente que transforma as irradia- | g6es césmicas em energia terrestre ativa, 26 © contri- naticas. nascido ede eco- s sociais cato que Enguanto Vernadsky sonha com uma construgao ecol6gica global em tomno do concel- to de biosfera, Lotka desenvolve nos Estados Unidos a tradicéo geoquimica e termodinamica da cigncia europeia do século XIX num sentido completamente diferente, aquele de uma modelagio matemética que antecipa a cibernética vindoura. A forma mais elaborada destes desenvolvimentos se encontra em sua obra classica, intitulada Eléments de biologie physique (Elementos de biologia fsica) (DELEAGE, 1991). Dessa forma, Vernadsky e Lotka forneceram as bases de uma ciéncia da globalidade de ‘nosso mundo bem antes que ele estivesse preparado para mensurar seu alcance. Quando, em janeiro de 1945, Vernadsky morre, a geoquimica ainda no havia reconhecido a funcio determinante da vida no ciclo dos elementos, e, apés os traumatismos de uma guerra plane- ‘ria, as sociedades em reconstrugao tém outras preocupacdes em mente. Hoje a viséo da terra viva enquanto gigantesca méquina termodindmica animada pela vida abre novas perspectivas para uma ecologia global, embora ainda incipiente. Perspectivas | ‘que todos concerne,jé que se trata da regulacio da biosfera, de seu desenvolvimento duré- | vel, de uma solidariedade subjacente entre todos os seres vivos viajando ne mesmo barco, no mat ma Area de Nog, mas no pane Terra | Esta abordagem integrada do funcionamento da biosfera, de seus ecossistemas, com- porta o grande mérito de “nos preporar para melhor discerie as implicacées da emergéncio na biosfera de um novo ator ecolégico planetdrio: a espécie humana” (DELEAGE, 1991). Embora publicada em 1926 (em russo, e, em 1929, em francés) sua obra intitula- da A biosfera permaneceu por longo tempo sem a repereussiio que merecia, Redes- cobrimos hoje, com o aumento em potencial de uma ecologia global e das inquieta- ¢6es relativas a dominagao de homem sobre o planeta, a fecundidade deste pensador de primeira grandeza que, na aurora do século XX, atraia a atengio sobre a vida como forga geolégica planetiria —ideia retomada por Lovelock a partir do conceito de “sulfuroso” de Gaia (ef. cap. 4).

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