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IMPRESSIONISMO reflexdes e percepcoes Meyer Schapiro tradugio de Ana Luiza Dantas Borges preficio de Sonia Salzstein Cosac & Naify cara detalhe de O camarote 1874, Pierre-Auguste Renoir [ver feontispicio Figuea 8a) lntenusstowtsao:nertexOrs £ pencungbes foi publicado em acordo com George Brazile, Inc. Publishers, ‘Madson Avenue, 171, Nova York, wy 100006, 0A © George Brazile, In. 1997 (© Gosac & Naif, 2002 Proje grficoe capa Blaine Ramos Revisdo da tadacdo Célia Euvaldo ¢ Fabiana Werneck Preparagdo Celso Donizete Cruz Preparagto do prficio CSssio Arantes Leite Revisto Paulo Roberto de Moraes Sarmento atlas ma Fome do Departamento Nocona do Lio Funda siboteca Nacional Schapiro, Meer 90440961 Meyer Schapito:Impressoniemo:refleate percep “Tub orignal: Imprsioni flonan prions “rads: Ana Lin Dantas Borges Sto Pale Cone& Naf. 002 60 459 st ISBN 857501166 07: 709409) {cAne europa do elo st 3 Impressions Fraga 4p Meyer Sco Rua General Jardim. 770, 2° andar ‘1223-010 Sio Paulo SP Tel: 551) 3281444 Fan (5510) 52578164 infow@cossenaily.com br ‘wow cosaemaif.com.br Atendimento 20 professor: [511] 321851466, 2. "En some oe impresionite ‘extdane Fevoition humaine oe Fe plus vance qi jus is et ard escombnsisons ‘de ances spi compiqter communes” Madang suc, eaae comp, 3, Pai 1902 2 Chases Grose Tristan Gobir, ‘Ceres comple opi 8 22 cAapiruto 10 IMPRESSIONISMO E CIENCIA ‘A relagdo entre o impressionism e a ciéncia de seu tempo ¢ interessante tanto pela hist6ria das idéias quanto pelo julgamento da arte. & conhecido o fato de que (08 quadros impressionistas, quando surgiram pela primeira vez, eram freqliente- mente depreciados como inexatos em telagao a natureza e explicados como uma aberragio do olhar do artista. Em resposta, o romancistae critcoliterdrio e de arte Edmond Duranty, amigo dos pintores, afirmou que a cor nesses quadros satisfaria o fisico mais exigente e que a nova arte acompanhava as descobertas contempori- neas da ciéncia, Alguns anos depois, defendendo os impressionistas, o poeta Jules Laforgue declarou nao somente que o trabalho desses artistas era cientifico como também que o aspecto estranho do colorido impressionista correspondia a sensibi- lidade mais avangada na evolugao da percepgao da cor na espécie humana.' Lafor- gue conhecia 0 argumento de um oftalmologista, Hugo Magnus, muito discutido nas décadas de 1870 € 1880, de que, na espécie humana, a percepcao da cor havia se desenvolvido em tempos histdricos a partir de um estado primitivo no qual somente quatro ou cinco cores eram discriminadas, tal como evidenciado — supu- nha ele — nos escritos de Hometo. Segundo essa teoria incorreta, a nossa dise rminaga0 mais sutil das cores teria surgido ao longo dos tiltimos vinte séculos. Em resposta a essa posiclo,crticos argumentaram que o impressionismno no cera arte verdadeira exatamente por ser cientifico —a ciéncia ea arte sendo, como escreveu o poeta Stéphane Mallarmé, “faculdades inimigas” (embora ele, como colega artista, admirador e simptico ao movimento, nao criticasse os impressio- histas desse ponto de vista). O que cada um desses dois dominios representava era usado para excluir 0 outro. A ciéncia requeria 0 raciocinio estito; era a fonte dos avangos técnicos e sustentava uma atitude otimista em relagio a sociedade cexistente, enquanto os artistas conferiam um valor superior a0 sentimento e & individualidade e eram mais criticos das convicgBes de entao sobre o progresso. A ciéncia ea arte eram freqiientemente consideradas, a principio, opostas entre si embora pudessem se conciliar na obra de uma personalidade excepcional Tal ocorreu, no citculo dos pintores modernos, com o poeta Charles Cros, autor de “L’Heure verte” “A hora verde"}, poema de 1868 que apresenta muitas qualidades impressionistas.* Cros também {oj admirado como o inventor do foné srafo e autor de dissertacdes sobre a fotografia em cores e sobre a comunicagao com planctas distantes. Villiers de L'Isle-Adam tomou Cros como modelo para ‘Thomas Edison em seu romance cientifico-filosofico de 1886 L’Eve Future [A Eva IMPRESSIONISMO Jutura}, Edison, escreveu Villiers, j& era um mito ¢ pertencia & humanidade e, por: . Vier de Vide Asm, tanto, péde ser o tema de um romance. Villiers, pensando em Cros, retrato Edie !we.em Orwrescomplis vt ton com talento tanto na cléncacomona at. Estaseram “apltudescongint- Tahar sS1A En Stem res, applications diférentes, mystéricux jumeawx” [aptidoes congéneres, aplicacdes diferentes, gémeos misteriosos). Em um mundo em que arte e céncia pareciam hostis uma outra, a sua unio ou conciliacio ea estranha — um mistério. e outro pont de vista, pintores da década de 1880, como Seurat e Signac, admiradores da ciéncia, reagiram contra o impressionismo precisamente por nao ser suficientemente cientifico. Visavam a uma arte mais moderna por meio da obediéncia estrita as leis da Optica e a percepcao da cor. ‘Visdes opostas persistiram no século xx, quando os artistas que abandonaram a representasao naturalista subestimaram o impressionismo como uma arte mal direcionada, que aspirava & imagem fiel do mundo visivel — uma espécie de foto- {grafia em cores. Como alguns artistas académicos, os pintores impressionistas haviam usado fotografias para ausiliar na realizacio de seus quadros. Mas no tinham se prendido estritamente & fotografia em preto-e-branco como modelo; a foto sugeria possibilidades de mancha e composicao ou Ihes lembrava um lugar ‘que haviam visto realmente e que os atraira como tema, Contrariando uma opi- nio muito difundida, os impressionistas, que eram entrevistados com freqiién- cia, nunca declararam que sua meta fosse cientifica, Nao estavam muito preocu- pados, pelo menos antes de 1886 (e mesmo depois, de uma maneira limitada), ‘com o que os cientistas tinham a dizer sobre cor ¢ luz. No entanto, em suas novas obras havia varios aspectos desafiadores que provocavam questoes sobre a conexao do impressionismo com a céncia Por volta de 1875, 0s pintores impressionistas tinham introduzido um colorido com uma gama e uma luminosidade que poderiam ser descritas como espectrais. Esse colorido ndo era dominado, como na arte mais antiga, pelos tons de marrom cu cinza ou um tinico matiz sentido como tonalidade do conjunto, porém quase ‘sempre exibia a gama e a aparente pureza ¢ efeito luminoso do arco-iris. Alem disso, nas pinturas impressionistas, ha, na aparéncia do mundo, uma qualidade difana que também é caracteristica do espectro. Na ciéncia da cor, o espectro & ‘uma faixa de matizes nao identificados com um objeto especifico, Aparecendo na natureza nesses efeitos de refracdo ocasionais e surpreendentes, como o arcoviris, (ea iridescéncia de finas peliculas ou camadas de agua), 0 espectro foi estudado pelos cientistas como um artefato do laboratério. Na medida em que os pintores impressionistas também decompunham os objetos — fazendo-os parecer impre- isos e, muitas vezes, indecifréveis, ¢ substituindo-os por um rico jogo de cores que em sua sucessio tinha uma aparéncia espectral —, suas cores sugeriam uma subordinacao ao modelo cientifico de luz e co. Nas pinturas de Monet e Renoir, a gama de cores desviava-se das cores dos objetos representados. Ao contrastar seus esforgos com a obra de um artista rea- lista da geracao anterior — Courbet, que também pintou algumas paisagens a luz do sol —, reconhecemos 0 impulso poderoso dos pintores impressionistas para explorar o espectro de cores em suas paisagens; dessa maneira, faziam lembrar 0 prisma de Isaac Newton, Impressionismo e ciéncia 223 4: Fromentn va bras ais fm um cal Sa rete desert, Tar vis montana louradss, rom. scares ou sa fines Fromentin. op ce. 1984 Pas 24 ‘Um aspecto de sua arte freqiientemente citado como resultado da observagio cientifica foi o uso das sombras em fortes tonalidades azuis, especialmente na neve, onde ficam mais evidentes sob um limpido céu azul. Os pintores mais anti- g08 certamente haviam notado os surpreendentes matizes nas sombras, mas nfo os transpuseram para a tela. William James, um psicélogo muito atento, escreveu ‘que as sombras eram marrons; podemos entender por que, jé que foi diseipulo do pintor William Morris Hunt, que Ihe ensinou a pinté-las dessa maneira, esta- belecendo, para James, uma concepgio para toda a vida © azulado das sombras havia sido observado hi muito tempo, mas nao fora transposto para a pintura.4 Essas sombras surpreendentemente coloridas torna- ram-se freqitentes na arte impressionista. Os novos pintores estavam convencidos de que as sombras nao sdo simplesmente auséncia de luz, mas reas escurecidas om um colorido particular de que se pode aproximar na pintura por meio de alguns ajustes dos intervalos de luminosidade entre tons claros e escuros — por ‘exemplo, pintando as éreas sombreadas em uma tonalidade mais clara do que na arte anterior. Isso, por sua vez, produziria uma qualidade mais convincente de luz solar forte, um efeito mais intenso de iluminacao difusa, do que no altamente con- trastado claro e escuro convencional. As sombras azuis no quado da pega, de Monet iver 1.15}, sao similares a cor azul local do telhado e se tornam elementos de tum conjunto maior de tons no qual as sombras, as cores induzidas e as cores locais — todas azuis, ¢ da mesma substincia de pigmento — atuam juntas. ‘Outra caracteristica importante da cor para a idéia da afinidade dos impressio- nistas com a ciéncia contemporinea é a nosao do chamado contraste simultineo. Esse conceito também desempenha um papel no colorido das sombras, mas, em principio, nao é idéntico a esse colorido, que depende tanto do contraste quanto . “Escreverelo meu primeira Fart cemiig s principio floséfico, no fui eu que o formule, mas Malebranche, Procure muito, mas rio encontre nenhum 4.*Devemos nos empenhar pela infaliblidade sem slegar ‘que a conseguimos, (Walebranche) Impressionismo e ciéncia 231 12.°A ale vp doe amare oe, ta Cathedral, Pais 997 cap. 8p 1g0 (alla pee es james) 13. Para um conhcimento simile otra com um cons compare prs eit, er Wiliam Gilpin, Remarks on Fos ‘Stoner ad ther Woodland View atch Petree Beaty, tated The Ses New Fae Hamper 2 en es 1791, 129808 31653 “As vasa também surge um bom eft quand oe soba nae ‘adem ento-nrte so. foe blo, presenta mises us 9 ipa que param sobte 0 Dorzone Se, sb ess pate da atmosfera, se estende a Horst, stan ela prolong com am roveniente do tom ae mines, ema uma parécia mito pio esc — Ainda asim, eudeveris ‘er nidado ao acnaetar 0 itor 1 node com aquela foca total em que eres, k pide ser, A aparénia de res ise piu exceto em dist 9 mito remota, fede, ‘embora oars poss er permis: soda natures para as prc, especador, quem vesado (ae, A potest toe possi, protec extreme sda que opetr com ess 30, tami e alas cpl crete a que do Bees ineligis Nema poesia nem pata so um ice adoquad x profnde sasdhsprendiage onan. © sparen icons nantes Com ese cdadoentetato espa o mate prom: ante do diab a sa palsagem, ~ sobre ada sus psager A nacreza tinge dos 0 ses gu dos deesa mania harmon Comatc xinaentadason 60 thas eres a amino, ve reo ov amarelo— qualquer ‘ase scp le se mitra com das 232 impressionistas. Ele usou 0 contraste simultineo, mas nao da mesma maneira que os impressionistas, Os quadros dos impressionistas raramente eram, se € que chegaram a ser alguma vez, coerentes na reprodusao de cores induzidas. Em algumas pinturas, especialmente quando queriam criar um efeito de uz solar intensa ou pretendiam obter uma crosta de cor viva com um maximo de tons contrastantes, pequenos, subdivididos, os impressionistas estavam atentos a qualquer coisa que os suprisse com as notas de cor que pudessem usar em seu exame da cena, no momento de pintar o quadro, Nao testavam as cores escolhi- das segundo as leis de Chevreul, como mostra um estudo atento de um seg- ‘mento da pintura da catedral de Rouen, de Monet [vee ric. 10} ‘Ai vemos que a quantidade de amarelo ¢ laranja na sombra nfo é simples- ‘mente um reflexo do amarelo nas partes iluminadas da pedra da catedral — a pedra, na realidade, nao é to branca —, mas também tem a ver com o céu azul «,acima de tudo, com o enlevo do pintor diante do fendmeno sublime da catedral a luz do sol, Também corresponde a visio do romancista Joris-Karl Huysmans, ‘que, ao descrever a fachada da catedral, escreveu que a luz do sol “os amarelos cantavam aleluia".* Na verdade, essa qualidade da luz nao condiz com a luz predominantemente laranja e vermelha da tarde. quando a fachada acidental & iluminada diretamente pelo por-do-sol. Na escolha dessas cores, o pintor nao poderia ter seguido Chevreul como modelo, da maneira como os mestres da Re- nnascenga obedeceram as normas anatOmicas ou aplicaram a perspectiva com ‘medidas precisas. Monet trabalhou de uma maneira mais espontinea, lirica, res- pondendo ao que se apresentava imediatamente aos seus olhos, ¢ isso porque ele estava alerta, buscando essa qualidade, que seria absorvida segundo uma con: ‘cepstio inspirada do quadro como um todo colorido. Muito tempo antes, os artistas estavam cientes de que essas estranhas manifes- tagdes de cor aparecem sob a luz solar forte e mesmo em uma iluminagdo menos intensa: mas tinham decidido elimind-las considerando-as acidentais. Em uma pas- sagem de um manual de pintura de paisagem, no comeso do século xtx, 0 pintor- autor Pierre-Henri de Valenciennes falou de ilusdes épticas produzidas por cores que “iludem 0 olho tanto quanto as produzidas por linhas” E advertiu: “O que é ‘ago na natureza nao deve ser representado, pois mesmo que alguém conseguisse reproduziclo com a maior exatio, 86 teria se esforsado para apresentar uma ilusio ¢. portanto, uma mentira Seu conselho foi levado a sério pela maioria dos artistas A empreitada impressionista desafiou abertamente essa sabedoria editorial tradicional. A busca persistente dos impressionistas por tons imprecisos, supos- tamente ilusérios, no campo visual nao foi uma adesto a doutrina cientifica — embora, em alguns aspectos, fosse compativel com Chevreul e o espirito da cién- cia — ou &s conclusoes dos cientistas em relaga0 ao que o pintor deveria fazer. Essas conclusdes dependeram menos da ciéncia do que do gosto artistico do cien- tista, ou de sua teoria do conhecimento, a sua ideia do que ura representacio deveria ser, o que se deveria representar se a intencio fosse representat 0 cha mado objeto real. E nesses termos que devemos ler as prescrigoes dos cientistas ‘modernos em relagao 3 pintura. E 0 mesmo se aplicaa alguns psicdlogos da nossa época que escreveram sobre arte. IMPRESSIONISMO > asTuzes sombre do quae se grande principio de harmo ria, que deriva da tefl dacor (erento poo. at quand oaré

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