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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CAMPUS REITOR JOÃO DAVID FERREIRA LIMA


DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO (NOTURNO)

Guilherme Boff Freda

Subvaloração e subfaturamento: caracterização e distinção

Florianópolis
2021
Guilherme Boff Freda

Subvaloração e subfaturamento: caracterização e distinção

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em


Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Gilson Wessler Michels
Coorientadora: Ana Cláudia de Andrade

Florianópolis
2021
Guilherme Boff Freda

Subvaloração e subfaturamento: caracterização e distinção

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de
“Bacharel” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina

Florianópolis, 23 de setembro de 2021.

____________________________
Prof. Dr. Luiz Henrique Cademartori
Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

_____________________________
Prof. Dr. Gilson Wessler Michels
Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof. Dr. Solon Sehn
Avaliador

________________________
Profa. Dra. Carolina Sena Vieira
Avaliadora
Universidade Federal de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS

Várias pessoas, direta ou indiretamente, colaboraram para a realização deste trabalho e


para a minha formação na graduação de modo geral, merecendo, portanto, os agradecimentos
aqui postos.
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Ronaldo Maciel Freda e Ivanilde Inês Boff
Freda, pelo apoio incondicional sem o qual as minhas conquistas não teriam sido possíveis.
Ao meu orientador, professor Gilson Wessler Michels, e à minha coorientadora, Ana
Cláudia de Andrade, agradeço pelo grande auxílio e pela confiança, bem como aos membros
da banca, professora Carolina Sena Vieira e professor Solon Sehn, pelos importantes
apontamentos feitos em relação ao trabalho.
Agradeço, novamente, ao professor Solon Sehn, pela inspiração diária e pelo efetivo
apoio ao desenvolvimento acadêmico e profissional de todos os integrantes do escritório, bem
como a todos os demais colegas de trabalho, em especial à Ana Cláudia de Andrade, pelo apoio
e pelas lições diárias.
Agradeço ao Vinícius Loss, pelos valiosos ensinamentos e por toda a confiança
depositada em mim ao longo do tempo em que trabalhamos juntos.
Por fim, agradeço aos meus amigos e colegas de faculdade, Francisco Henrique Pinheiro
Marques, Lucas Hellmann e Taisi Copetti, que me acompanharam lado a lado nesta última etapa
da graduação, bem como a todos os demais amigos que me apoiaram nesta trajetória, em
especial Bernardo Senna, Cinthia Machado dos Santos, Eduardo Fonseca Maciel, Fernanda Ruy
e Silva, Gabriel Gonçalves Masiero ,Gustavo Miguel Marthendal, Luiz Eduardo Martins Fleck,
Marco Antonio Toresan, Marlon Estacheski, Vinícius Vasconcellos e Thiago da Veiga Ferreira.
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma distinção entre a chamada subvaloração e
o subfaturamento. As duas figuras estão presentes no âmbito do comércio exterior e possuem
pelo menos um elemento em comum: a diminuição do valor aduaneiro e, consequentemente,
da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação, o que pode causar confusão entre
ambas. Tal tarefa será empreendida a partir da análise da legislação aplicável, com o auxílio da
doutrina especializada e de acórdãos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o
que permitirá que sejam analisados diversos aspectos de cada uma das referidas figuras, como
a licitude, a presença de dolo, as hipóteses de caracterização e as consequências advindas de
sua prática. Por fim, a partir do que será analisado ao longo dos capítulos voltados a cada um
dos fenômenos em questão, será possível realizar cotejamento entre ambas, a fim de encontrar
as suas semelhanças e diferenças.

Palavras-chave: Direito aduaneiro. Direito tributário. Subfaturamento. Subvaloração.


Valoração aduaneira. Fraude de valor.
ABSTRACT

This study aims to distinguish the so-called undervaluation and the underinvoicing. Both figures
are present in the international trade sphere and both have at least one element in common,
which can cause confusion: the reduction of the customs value and consequently the reduction
of the tax base amount used to calculate the customs taxes. Such task will be done given the
applicable legislation, with support of specialized scholars' teachings and decisions of the
Administrative Council of Tax Appeals (Carf), instruments that will allow the analysis of
various aspects of each one of the figures in question, such as its unlawfullness, the intention
of the importer that commits it, the possibilities of its characterization and the consequences the
comes with its practice. Lastly, from what will be analyzed along the chapters dedicated to each
one of the figures in question, it will be possible to do a detailed comparison between both, so
that a conclusion of its similarities and differences can be reached.

Key-words: Customs law. Tax law. Underinvoicing. Undervaluation. Customs valuation.


Invoice fraud.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AVA Acordo de Valoração Aduaneira


Carf Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CTVA Comitê Técnico de Valoração Aduaneira
IN Instrução Normativa
MP Medida Provisória
OMA Organização Mundial das Alfândegas
OMC Organização Mundial do Comércio
RA Regulamento Aduaneiro
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11
2 VALORAÇÃO ADUANEIRA............................................................................ 12
2.1 NOÇÕES GERAIS ................................................................................................ 12

2.2 O ACORDO DE VALORAÇÃO ADUANEIRA ................................................. 14

2.3 DESPACHO DE IMPORTAÇÃO E CONTROLE DO VALOR ADUANEIRO 19

3 REGRAS DE VALORAÇÃO ADUANEIRA E SUBVALORAÇÃO ............. 22


3.1 CRITÉRIOS PARA A UTILIZAÇÃO DOS MÉTODOS SUBSTITUTIVOS ..... 22

3.1.1 Veracidade e exatidão das informações prestadas ........................................... 22

3.1.2 Venda do país exportador para o país importador .......................................... 27

3.1.3 Cláusulas contratuais mencionadas no art. 1.1 ................................................. 27

3.1.4 Existência de dados objetivos e quantificáveis quanto aos acréscimos ........... 28

3.1.5 Vinculação entre importador e exportador ....................................................... 28

3.2 SUBVALORAÇÃO .............................................................................................. 29

3.2.1 Noções gerais e conceito ...................................................................................... 29

3.2.2 Aspectos específicos da subvaloração ................................................................ 33

3.2.2.1 Ausência de dolo .................................................................................................... 33

3.2.2.2 Locus operacional da subvaloração ...................................................................... 34

3.2.2.3 Consequência jurídica da subvaloração ............................................................... 35

3.2.2.4 Caráter lícito ou ilícito da subvaloração .............................................................. 36

4 SUBFATURAMENTO ........................................................................................ 39
4.1 NOÇÕES GERAIS E CONCEITO ....................................................................... 39

4.2 ASPECTOS ESPECÍFICOS DO SUBFATURAMENTO .................................... 41

4.2.1 Hipóteses de caracterização ................................................................................ 41

4.2.1.1 Falsidade material ................................................................................................. 42

4.2.1.2 Falsidade ideológica ............................................................................................. 45

4.2.2 Presença do dolo no subfaturamento ................................................................. 46


4.2.3 Locus operacional e ilicitude do subfaturamento ............................................. 47

4.3 CONSEQUÊNCIAS DO SUBFATURAMENTO ................................................ 48

4.3.1 Determinação da base de cálculo........................................................................ 48

4.3.2 Penalidade aplicável ............................................................................................ 50

5 SUBVALORAÇÃO E SUBFATURAMENTO: DIFERENÇAS E


APROXIMAÇÃO ................................................................................................................... 51
5.1 DISTINÇÃO .......................................................................................................... 51

5.1.1 Contexto normativo ............................................................................................. 51

5.1.2 Caracterização ..................................................................................................... 52

5.1.3 Dolo ....................................................................................................................... 53

5.1.4 Licitude ou ilicitude ............................................................................................. 54

5.1.5 Locus operacional ................................................................................................ 55

5.1.6 Conclusão diante do cotejamento entre os aspectos de ambas as figuras ...... 55

5.2 APROXIMAÇÃO CIRCUNSTANCIAL .............................................................. 56

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 58


11

1 INTRODUÇÃO

É inegável a importância que o comércio internacional tem para a economia mundial e,


consequentemente, para o desenvolvimento econômico de qualquer nação. A importação, por
sua vez, como uma das faces do comércio internacional, é relevante tanto para abastecer o
mercado consumidor final nacional quanto para, muitas vezes, permitir que a indústria brasileira
adquira os insumos necessários para a fabricação de produtos que ou serão consumidos no
território nacional ou serão destinados ao exterior, auxiliando, também nessa situação, para o
desenvolvimento econômico do país.
Consequência lógica de tal circunstância é o fato de que a valoração aduaneira e a
fiscalização, por parte dos Estados, sobre o referido fenômeno possui peculiar relevância no
âmbito da atividade das empresas cujas operações envolvam diretamente a importação ou a
exportação de bens e, por conseguinte, no escopo do comércio exterior brasileiro.
Por outro lado, partindo da perspectiva não das empresas, mas da administração pública
enquanto ente competente para monitorar o comércio exterior, também é indispensável que
existam mecanismos que efetivamente permitam com que a autoridade aduaneira controle e
fiscalize não apenas a entrada e a saída propriamente ditas de mercadorias do seu território, mas
também os diversos aspectos a elas inerentes, a exemplo do valor que lhes é atribuído para fins
de determinação da base de cálculo dos tributos incidentes sobre o comércio exterior.
É nesse contexto que se inserem as figuras cuja análise é objeto do presente trabalho,
quais sejam, a subvaloração e o subfaturamento.
Assim, no primeiro capítulo, será realizada uma digressão no histórico da valoração
aduaneira, abordando o contexto em que esse fenômeno está situado, conceitos fundamentais a
ele relativos e outras noções que se afigurem relevantes para a compreensão da matéria. Além
disso, serão abordados, brevemente, os procedimentos a que estão sujeitas as mercadorias
trazidas ao país com a finalidade de serem integradas ao mercado nacional.
Serão examinados, ainda, os aspectos mais relevantes do Acordo de Valoração
Aduaneira (AVA), sobretudo a mudança de concepção acerca dos critérios paradigma para a
valoração aduaneira, fenômeno que se deu exatamente por meio do referido acordo. Neste
ponto, é relevante também abordar os princípios que atualmente regem a determinação do valor
aduaneiro, na medida em que tais normas possuem direta relação com o tema do trabalho.
No capítulo subsequente, serão analisadas questões mais específicas do AVA,
notadamente os métodos que esse acordo estabelece para a valoração das mercadorias, as regras
12

gerais que regem a aplicação dos métodos de valoração aduaneira e os pressupostos que
ensejam a aplicação de um ou outro método no caso concreto.
Após, será abordado o conceito de subvaloração e seu delineamento por parte da
doutrina, para que se possa, então, adentrar os aspectos específicos dessa figura, notadamente
de que maneira ela se configura, a relação de sua caracterização com a conduta propriamente
dita do importador, a licitude ou ilicitude a ela vinculada, a ausência de dolo na conduta do
importador que a pratica e as consequências jurídicas da sua ocorrência.
No capítulo subsequente, será percorrido o mesmo caminho em relação ao
subfaturamento, analisando o seu conceito, as hipóteses de sua configuração, a presença de dolo
na conduta do importador que comete tal infração, a ilicitude relativa a essa conduta e as
consequências jurídicas da sua caracterização.
Por fim, no último capítulo deste trabalho, será realizado um cotejamento entre as duas
figuras, a fim de distingui-las, a partir do que foi visto nos capítulos antecedentes, bem como
será destacada uma situação específica que parece aproximar, ainda que de forma
circunstancial, o subfaturamento e a subvaloração.

2 VALORAÇÃO ADUANEIRA

2.1 NOÇÕES GERAIS

A valoração aduaneira pode ser conceituada como o procedimento por meio do qual é
aferido o valor aduaneiro. Esse, por sua vez, serve de parâmetro para a tributação sobre a
importação (FOLLONI, 2005, p. 87), o que hoje é feito, em geral, segundo princípios e critérios
técnicos e legais aprovados e praticados no âmbito internacional (PONCIANO, 2013, p. 267).
Thiago Santos Canario Barroca (2016, p. 149) destaca que a finalidade de se estabelecer
um método para a valoração aduaneira é precisamente a padronização da base de cálculo dos
tributos incidentes na importação.
A função precípua do valor aduaneiro é determinar a base de cálculo do imposto de
importação – e dos seus equivalentes estrangeiros, nos demais países signatários do AVA –, na
hipótese de a alíquota aplicável ser “ad valorem”, consoante a previsão expressa do art. 75,
caput e I, do Decreto 6.759/2009:
Art. 75. A base de cálculo do imposto é (...):
I - quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro apurado segundo as
normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT
1994.
13

No que se refere especificamente à legislação brasileira, o valor aduaneiro serve, ainda,


para se chegar às bases de cálculo dos demais tributos aduaneiros, como o imposto sobre
produtos industrializados (IPI) incidente na importação, conforme o art. 14, I, “b”, da Lei
4.502/19641, e o PIS-Cofins-Importação, consoante o art. 3º, I, cumulado com o art. 7º, I, ambos
da Lei 10.865/2004, com a redação dada pela Lei 12.865/20132.
O Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), que, conforme mencionado, determina, hoje,
o valor aduaneiro das mercadorias importadas, foi aprovado na rodada de Tóquio para as
negociações sobre o GATT, em 1973.
Antes disso, era comum que os países adotassem a chamada “Definição de Valor de
Bruxelas”, a qual previa que a valoração fosse realizada com base no “preço normal” do
produto, em detrimento do valor efetivamente pago pela mercadoria, conforme o art. 1º da
Convenção sobre Valoração de Mercadorias para Fins Aduaneiros:
Para a aplicação dos direitos aduaneiros ad valorem, o valor das mercadorias
importadas destinadas a consumo, é o preço normal, ou seja, o preço estimado
que se possa fixar para estas mercadorias, no momento em que os direitos
aduaneiros são exigíveis, como resultado de uma venda efetuada em
condições de livre concorrência, entre um comprador e um vendedor
independentes um do outro.
Pela mera leitura do dispositivo, notadamente pela expressão “preço estimado”,
percebe-se a diferença da concepção de valor aduaneiro para a Definição de Valor de Bruxelas
em relação àquela criada quando do advento do AVA. O “preço normal” correspondia ao valor
teórico ou conceitual do bem (SEHN, 2021b, p. 86; TREVISAN, 2018, p. 387), o que contrasta
com a fundamentação exclusivamente objetiva da noção de valor adotada pelo AVA (TÔRRES,
2005, p. 225).
Sob a égide da Definição de Valor de Bruxelas, a autoridade aduaneira possuía
competência para aferir se o valor atribuído à mercadoria pelo importador era condizente com
os valores praticados no mercado (TÔRRES, 2005, p. 226).

1 “Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável:


I - quanto aos produtos de procedência estrangeira, para o cálculo efetuado na ocasião do despacho;
[...]
b) o valor que servir de base, ou que serviria se o produto tributado fôsse para o cálculo dos tributos aduaneiros,
acrescido de valor dêste e dos ágios e sobretaxas cambiais pagos pelo importador;”
2 “Art. 3º O fato gerador será:
I - a entrada de bens estrangeiros no território nacional;
[...]
Art. 7º A base de cálculo será:
I - o valor aduaneiro, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º desta Lei;”
14

Tal circunstância, no entanto, dentre outros problemas, abria certa margem para
alterações arbitrárias por parte das autoridades aduaneiras (SEHN, 2021b, p. 86), o que poderia
ocorrer, por exemplo, para fins de maior arrecadação ou mesmo para fins protecionistas, isto é,
aumentando a base de cálculo dos tributos aduaneiros incidentes sobre os produtos importados
com o fim de favorecer os nacionais.
O referido problema da falta de neutralidade na valoração aduaneira teve cabo, pelo
menos em tese, com o advento do AVA, momento em que foi adotada a noção positiva de valor
aduaneiro, em detrimento da noção teórica (TÔRRES, 2005, p. 226).
Tal intuito consta do próprio preâmbulo do referido acordo, que dispõe que é necessário,
no âmbito do comércio internacional, a adoção “de um sistema equitativo, uniforme e neutro
para a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores
aduaneiros arbitrários ou fictícios”.
A adesão dos países à atual concepção de valor aduaneiro, por meio da incorporação do
AVA, além de ter afastado a possibilidade da adoção de bases de cálculo arbitrárias pelas
autoridades aduaneiras, também inverteu a relação entre estas e os importadores no que diz
respeito ao ônus de demonstrar a compatibilidade do valor declarado com os parâmetros legais,
sendo essas algumas das razões pelas quais se entende que o referido acordo representa
verdadeiro avanço no comércio internacional (SEHN, 2021b, p. 86).
No mesmo sentido, afirma Jonathan Barros Vita (2013) que:
[e]ssa presunção jurídica relativa, aparentemente opera de forma à garantir a
presunção de validade do valor declarado pelo contribuinte, o qual pode ser
infirmado através do uso dos métodos de valoração aduaneira, conforme
infere-se dos consideranda do AVA3.
Atualmente, o AVA – e, por consequência, toda a concepção que com ele passa a ser
aplicada – é efetivamente o paradigma no que diz respeito à valoração aduaneira, de modo que
é à luz dessa normativa que ocorre o controle, por parte da autoridade aduaneira, que acaba por
ensejar a caracterização de uma das figuras que serão analisadas adiante, a subvaloração4.

2.2 O ACORDO DE VALORAÇÃO ADUANEIRA

O AVA, incorporado ao direito brasileiro por meio do Decreto 1.355, de 30 de


dezembro de 1994, após autorização feita por meio do Decreto Legislativo 30, de 15 de

3
O autor faz referência ao seguinte considerando: “Reconhecendo que a base de valoração de mercadorias para
fins aduaneiros deve ser tanto quanto possível o valor de transação das mercadorias a serem valoradas.”
4
O que não significa, por outro lado, que não haja relação do AVA com o subfaturamento. Essa relação, em que
pese seja mais indireta, existe e será, também, abordada adiante.
15

dezembro do mesmo ano, estabelece seis métodos de valoração aduaneira: (i) o método do valor
da transação; (ii) o método do valor de transação de mercadorias idênticas; (iii) o método do
valor de transação de mercadorias similares; (iv) o método do valor dedutivo; (v) o método do
valor computado; e (vi) o método da razoabilidade.
A utilização de tais métodos, no entanto, não pode ser feita de forma alternativa ou
aleatória, mas sim de forma sequencial e por exclusão (TÔRRES, 2005, p. 237). Ou seja, o
segundo método só pode ser adotado caso haja algum impeditivo para que o primeiro o seja; o
terceiro só pode ser utilizado caso o segundo não o possa ser e assim sucessivamente.
O primeiro método está previsto no art. 1º do AVA, com a seguinte redação:
1. O valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto
é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda para
exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições
do Artigo 8, desde que:
(a) não haja restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo
comprador, ressalvadas as que:
(i) sejam impostas ou exigidas por lei ou pela administração pública do país
de importação;
(ii) limitem a área geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas;
ou
(iii) não afetem substancialmente o valor das mercadorias;
(b) a venda ou o preço não estejam sujeitos a alguma condição ou contra-
prestação para a qual não se possa determinar um valor em relação às
mercadorias objeto de valoração;
(c) nenhuma parcela do resultado de qualquer revenda, cessão ou utilização
subseqüente das mercadorias pelo comprador beneficie direta ou
indiretamente o vendedor, a menos que um ajuste adequado possa ser feito de
conformidade com as disposições do Artigo 8; e
(d) não haja vinculação entre o comprador e o vendedor ou, se houver, que o
valor de transação seja aceitável para fins aduaneiros, conforme as disposições
do parágrafo 2 deste Artigo.
Os “ajustes” do art. 8 a que se refere o dispositivo são os seguintes:
(a) - os seguintes elementos na medida em que sejam suportados pelo
comprador mas não estejam incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar
pelas mercadorias:
(i) comissões e corretagens, excetuadas as comissões de compra;
(ii) o custo de embalagens e recipientes considerados, para fins aduaneiros,
como formando um todo com as mercadorias em questão;
(iii) o custo de embalar, compreendendo os gastos com mão-de-obra e com
materiais.
(b) - o valor devidamente atribuído dos seguintes bens e serviços, desde que
fornecidos direta ou indiretamente pelo comprador, gratuitamente ou a preços
16

reduzidos, para serem utilizados na produção e na venda para exportação das


mercadorias importadas e na medida em que tal valor não tiver sido incluído
no preço efetivamente pago ou a pagar:
(i) materiais, componentes, partes e elementos semelhantes incorporados às
mercadorias importadas;
(ii) ferramentas, matrizes, moldes e elementos semelhantes empregados na
produção das mercadorias importadas;
(iii) materiais consumidos na produção das mercadorias importadas;
(iv) projetos da engenharia, pesquisa e desenvolvimento, trabalhos de arte e
de design e planos e esboços necessários à produção das mercadorias
importadas e realizados fora do país de importação.
(c) royalties e direitos de licença relacionados com as mercadorias objeto de
valoração que o comprador deve pagar, direta ou indiretamente, como
condição de venda dessas mercadorias, na medida em que tais royalties e
direitos de licença não estejam incluídos no preço efetivamente pago ou a
pagar;
(d) - o valor de qualquer parcela do resultado de qualquer revenda, cessão ou
utilização subseqüente das mercadorias importadas que reverta direta ou
indiretamente ao vendedor.
Além dos acréscimos mencionados, os quais devem ser incluídos no valor aduaneiro no
âmbito das importações ocorridas em qualquer país que tenha incorporado o AVA, o art. 8
também prevê, em seu parágrafo 2, que os Estados signatários devem optar pela inclusão, ou
não, no valor aduaneiro, do frete, do seguro e das despesas relativas ao manuseio da carga entre
a origem e o destino5.
Por fim, os parágrafos 3 e 4 do art. 8 preveem, respectivamente, que os acréscimos
previstos no artigo em questão devem ser baseados exclusivamente em dados objetivos e
quantificáveis e que estes ajustes previstos expressamente no art. 8 são os únicos que podem
ser realizados para se chegar ao valor aduaneiro6.
O critério do valor da transação consiste no primeiro método, sendo, portanto,
preferencial em relação aos demais. De acordo com este método, deve-se verificar o preço
efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas, acrescido dos custos de
importação, caso esses não tenham sido incluídos no preço (TÔRRES, 2005, p. 237).

5 “2. Ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou a exclusão, no valor aduaneiro, no todo
ou em parte, dos seguintes elementos:
(a) - o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação;
(b) - os gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias
importadas até o porto ou local de importação; e
(c) - o custo do seguro”.
6 “3. Os acréscimos ao preço efetivamente pago ou a pagar, previstos neste Artigo, serão baseados exclusivamente
em dados objetivos e quantificáveis.
4. Na determinação do valor aduaneiro, nenhum acréscimo será feito ao preço efetivamente pago ou a pagar se
não estiver previsto neste Artigo”.
17

Com efeito, o caráter preferencial deste método parece se justificar exatamente pelo fato
de que a concepção de valor aduaneiro do AVA procura trazer carga maior de objetividade, em
comparação com a Definição de Valor de Bruxelas, na medida em que o preço efetivamente
pago ou a pagar é extraído diretamente da fatura comercial, impedindo que haja qualquer
alteração arbitrária por parte da autoridade aduaneira.
Os demais requisitos – que serão analisados com maior detalhamento no tópico 3.2.1
deste trabalho – podem ser sumarizados da seguinte maneira: (i) a operação deve constituir uma
operação de compra e venda internacional; (ii) não deve haver, no contrato de compra e venda
internacional, nenhuma das cláusulas de limitação do preço, posse ou domínio previstas no art.
1.1; (iii) deve haver dados objetivos e quantificáveis relativamente aos ajustes do art. 8º -
requisito que decorre da Nota Interpretativa ao art. 8.3; e (iv) não deve haver vinculação entre
o importador e o exportador ou, caso haja, que essa relação não influencie no preço da operação
(SEHN, 2021b, p. 91).
Caso se verifique pelo menos um dos fatores impeditivos à utilização do método do
valor da transação das mercadorias que estão sendo importadas, utiliza-se o segundo método,
previsto no art. 2º do AVA:
1. (a) Se o valor aduaneiro das mercadorias importadas não puder ser
determinado segundo as disposições do Artigo 1, será ele o valor de transação
de mercadorias idênticas vendidas para exportação para o mesmo país de
importação e exportados ao mesmo tempo que as mercadorias objeto de
valorarão, ou em tempo aproximado. [...]
O terceiro método está previsto no art. 3º e leva em consideração mercadorias similares
àquelas que estiverem sendo importadas, devendo ser utilizado caso não haja mercadorias
idênticas que possam ser tomadas como parâmetro:
1. (a) Se o valor aduaneiro das mercadorias importadas não puder ser
determinado segundo as disposições dos Artigos 1 e 2, será ele o valor de
transação de mercadorias similares vendidas para exportação para o mesmo
país de importação e exportados ao mesmo tempo que as mercadorias objeto
de valoração ou em tempo aproximado.
O art. 5º do AVA estabelece o quarto método, chamado de método dedutivo, que recebe
esta denominação porque, com a sua utilização, o valor aduaneiro é obtido a partir do preço
pelo qual a mercadoria foi vendida no mercado interno (isto é, após a importação), deduzidos
os elementos elencados nos itens (i), (ii) e (iii) do parágrafo 1 do referido dispositivo:
1. (a) Se as mercadorias importadas ou mercadorias idênticas ou similares
importadas forem vendidas no país de importação no estado em que são
importadas, o seu valor aduaneiro, segundo as disposições deste Artigo,
basear-se-á no preço unitário pelo qual as mercadorias importadas ou as
mercadorias idênticas ou similares importadas são vendidas desta forma na
18

maior quantidade total ao tempo da importação ou aproximadamente ao tempo


da importação das mercadorias objeto de valoração a pessoas não vinculadas
àquelas de quem compram tais mercadorias, sujeito tal preço às seguintes
deduções:
(i) as comissões usualmente pagas ou acordadas em serem pagas ou os
acréscimos usualmente efetuados a título de lucros e despesas gerais, relativos
a vendas em tal país de mercadorias importadas da mesma classe ou espécie;
(ii) os custos usuais de transporte e seguro bem como os custos associados
incorridos no país de importação;
(iii) quando adequado, os custos e encargos referidos no parágrafo 2 do Artigo
8; e
(iv) os direitos aduaneiros e outros tributos nacionais pagáveis no país de
importação em razão da importação venda das mercadorias.
O quinto método, por meio do qual se adota o chamado valor computado, está previsto
no art. 6º e se baseia no custo de produção da mercadoria, acrescido dos demais elementos
previstos no mesmo dispositivo:
l. O valor aduaneiro das mercadorias importadas, determinado segundo as
disposições artigo, basear-se-á num valor computado. O valor computado será
igual à soma de:
(a) o custo ou o valor dos materiais e da fabricação, ou processamento,
empregados na produção das mercadorias importadas;
(b) um montante para lucros e despesas gerais, igual àquele usualmente
encontrado em vendas de mercadorias da mesma classe ou espécie que as
mercadorias objeto de valoração, vendas estas para exportação efetuadas por
produtores no país de exportação, para o país de importação;
(c) o custo ou o valor de todas as demais despesas necessárias para aplicar a
opção de valoração escolhida pela Parte, de acordo com o parágrafo 2 do
Artigo 8.
Por fim, o sexto método, também chamado de residual (TÔRRES, 2005, p. 238), the
fall-back method (SEHN, 2016, p. 222) ou, ainda, arbitramento puro (BARROCA, 2016,
p. 162) está previsto no art. 7º do AVA:
1. Se o valor aduaneiro das mercadorias importadas não puder ser determinado
com base no disposto nos Artigos 1 a 6, inclusive, tal valor será determinado
usando-se critérios razoáveis condizentes com os princípios e disposições
gerais deste Acordo e com o Artigo VII do GATT 1994 e com base em dados
disponíveis no país de importação.
A circunstância de que o só se pode utilizar um método se o anterior não puder ser
utilizado revela o esforço, por parte dos responsáveis pela elaboração do AVA, de que a
determinação do valor aduaneiro esteja sempre o mais revestida de objetividade possível.
Afinal, a objetividade deve nortear a prática aduaneira como um todo (TÔRRES, 2005, p. 240).
19

A representação maior dessa ideia é o fato de que o último método é o que dá maior
margem para que o valor aduaneiro seja determinado com menor objetividade (“critérios
razoáveis”).
De todo modo, cumpre destacar afirmação de Thiago Santos Canario Barroca (2016, p.
162) segundo a qual por meio de todos os métodos substitutivos – isto é, do segundo ao sexto
– o valor aduaneiro é determinado com base em suposições. Isso porque o valor que pode ser
chamado de real é o do primeiro método, o valor da transação, que é, como já visto, o paradigma
para a valoração aduaneira atualmente.
Nesse sentido, ainda, Juan Patricio Cotter (2016, p. 130) afirma que:
o Acordo persegue como objetivo o estabelecimento de um sistema mais
equitativo, uniforme e neutro de valoração aduaneira das mercadorias que, na
maior medida possível, seja o valor de transação [...]7.
A análise feita neste tópico, como se verá, é de especial utilidade para o estudo da
subvaloração, ao qual é dedicado o capítulo 3 deste trabalho.

2.3 DESPACHO DE IMPORTAÇÃO E CONTROLE DO VALOR ADUANEIRO

A fim de tratar do objeto principal deste trabalho, qual seja, os institutos da subvaloração
e do subfaturamento, afigura-se pertinente abordar, sobretudo a título de contextualização, os
procedimentos de fiscalização e controle no âmbito dos quais é constatada, ou não, a presença
de elementos que podem caracterizar uma das duas figuras em questão.
A Constituição Federal, em seu art. 237, atribuiu ao Ministério da Fazenda – atualmente,
Ministério da Economia – a competência para exercer os poderes de fiscalização e controle
sobre o comércio exterior8.
O Poder Executivo Federal, por meio do art. 63, III e XVIII, do Decreto 9.745/2019,
por sua vez, atribuiu à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil a competência para
aplicar as legislações tributária e aduaneira, editar as normas necessárias à sua execução, além
de exercer o controle do valor aduaneiro9.

7
Tradução livre. Original: “El Acuerdo persigue como objetivo la fijación de un sistema más equitativo, uniforme
y neutro de valoración en aduana de las mercancias que, en la mayor medida posible, sea el valor de transacción
[...]”.
8 “Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários
nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”
9 “Art. 63. À Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil compete: [...]
III - interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira, de custeio previdenciário e correlata, e editar os atos
normativos e as instruções necessárias à sua execução;
[...]
20

Entre as normas que efetivamente regulamentam a importação, merecem destaque o


Decreto 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro) e a Instrução Normativa (IN) 680/2006. A
integralidade dessa última e os arts. 542 a 579-A daquele primeiro tratam do despacho
aduaneiro de importação, procedimento praticado pela Receita Federal com a finalidade de
efetivar o desembaraço aduaneiro, isto é, autorizar o ingresso da mercadoria no mercado
nacional. É por meio desse procedimento que a Receita Federal analisa as informações
declaradas pelo importador e confere a sua exatidão e correção (VIEIRA, 2007, p. 39).
Entre os diversos aspectos da operação de importação que devem ser verificados pelo
fiscal, está o controle do valor aduaneiro, regulamentado por meio do Decreto 6.759/2009
(Regulamento Aduaneiro) e, no âmbito infralegal, por meio da Instrução Normativa 327/2003.
É o que estabelece o caput do art. 76 do Regulamento Aduaneiro, o qual Heleno Taveira Tôrres
(2005, p. 236) afirma se tratar de uma espécie de princípio da universalidade relativamente aos
mecanismos do controle em questão:
Art. 76. Toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao
controle do correspondente valor aduaneiro.
O parágrafo único do mencionado dispositivo, por sua vez, dispõe que o controle do
valor aduaneiro deve ser realizado de acordo com as disposições do AVA, ocasião em que os
métodos vistos no tópico 2.2., acima, possuem especial relevância:
Parágrafo único. O controle a que se refere o caput consiste na verificação da
conformidade do valor aduaneiro declarado pelo importador com as regras
estabelecidas no Acordo de Valoração Aduaneira.
A fiscalização, no entanto, pode seguir diferentes caminhos e adquirir nuances
igualmente diversas. Isso porque no âmbito do despacho de importação ocorre a conferência
aduaneira, momento em que o bem é selecionado para um dos canais de conferência, cada um
dos quais dotado de maior ou menor rigor no que diz respeito à fiscalização, conforme dispõe
o art. 564, parágrafo único, do Regulamento Aduaneiro:
Art. 564. A conferência aduaneira na importação tem por finalidade
identificar o importador, verificar a mercadoria e a correção das informações
relativas a sua natureza, classificação fiscal, quantificação e valor, e confirmar
o cumprimento de todas as obrigações, fiscais e outras, exigíveis em razão da
importação.
Parágrafo único. A fim de determinar o tipo e a amplitude do controle a ser
efetuado na conferência aduaneira, serão adotados canais de seleção (Norma
Relativa ao Despacho Aduaneiro de Mercadorias, Artigos 64 e 65, aprovada

XVIII - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar o controle do valor aduaneiro e de preços de
transferência de mercadorias importadas ou exportadas, ressalvadas as competências do Comitê Brasileiro de
Nomenclatura”.
21

pela Decisão do Conselho do Mercado Comum - CMC nº 50, aprovada no


âmbito do Mercosul, de 2004, e internalizada pelo Decreto nº 6.870, de 2009).
Os referidos canais estão previstos no art. 21 da já mencionada IN 680/2006, cada um
dotado de maior ou menor rigor em termos de fiscalização:
Art. 21. Após o registro, a DI será submetida a análise fiscal e selecionada
para um dos seguintes canais de conferência aduaneira:
I - verde, pelo qual o sistema registrará o desembaraço automático da
mercadoria, dispensados o exame documental e a verificação da mercadoria;
II - amarelo, pelo qual será realizado o exame documental, e, não sendo
constatada irregularidade, efetuado o desembaraço aduaneiro, dispensada a
verificação da mercadoria;
III - vermelho, pelo qual a mercadoria somente será desembaraçada após a
realização do exame documental e da verificação da mercadoria; e
IV - cinza, pelo qual será realizado o exame documental, a verificação da
mercadoria e a apuração de elementos indiciários de fraude.
O § 2º do mesmo dispositivo estabelece, ainda, que, na hipótese de serem identificados
indícios de irregularidade na importação, a mercadoria inicialmente selecionada para o canal
verde pode ser redirecionada para outro canal de conferência10.
Imediatamente após a conferência, o produto deve ser desembaraçado, a teor do art. 48
da IN 680/2006. Todavia, mesmo após esse ato, a Receita Federal pode, no prazo de 5 anos
contados da data do registro da Declaração de Importação (DI), realizar a chamada revisão
aduaneira, consoante o art. 638, caput e § 2º, I, do RA11.
A verificação, pela autoridade aduaneira, da conformidade do valor aduaneiro declarado
na DI com a legislação aplicável – notadamente o AVA –, por sua vez, é realizada, em geral,
após o despacho de importação, de acordo com o art. 31 da IN 327/2003:
Art. 31. Os procedimentos fiscais para verificação da conformidade do valor
aduaneiro declarado às regras e disposições estabelecidas na legislação serão
realizados após o despacho aduaneiro de importação, sob a responsabilidade
da unidade da SRF com jurisdição sobre o domicílio fiscal do importador e
que possua atribuição regimental para executar a fiscalização aduaneira.

10
“§ 2º A DI selecionada para canal verde, no Siscomex, poderá ser redirecionada para outro canal de conferência
aduaneira durante a análise fiscal, quando forem identificados indícios de irregularidade na importação.”
11
“Art. 638. Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do
pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e
da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na
declaração de exportação (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de
1988, art. 2o; e Decreto-Lei nº 1.578, de 1977, art. 8º).
[...]
§ 2º A revisão aduaneira deverá estar concluída no prazo de cinco anos, contados da data:
I - do registro da declaração de importação correspondente (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação
dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de 1988, art. 2o)”
22

É possível perceber, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro (assim como o de


qualquer Nação que tenha a pretensão de controlar minimamente a entradas e saída de bens do
seu território) efetivamente estabeleceu um nada apequenado corpo de normas de atribuição de
competência e de regulamentação de todos os aspectos concernentes à fiscalização das
importações.
É nesse contexto e nesse grupo de procedimentos, portanto, que as declarações e
informações prestadas pelo importador são fiscalizadas e controladas e, consequentemente, é
nesse contexto que podem surgir as figuras da subvaloração e do subfaturamento, conforme
será visto nos dois capítulos imediatamente seguintes.

3 REGRAS DE VALORAÇÃO ADUANEIRA E SUBVALORAÇÃO

3.1 CRITÉRIOS PARA A UTILIZAÇÃO DOS MÉTODOS SUBSTITUTIVOS

Como mencionado no tópico 2.2 deste trabalho, o AVA estabelece seis métodos para a
correta valoração da mercadoria em vias de importação, sendo o primeiro deles o método do
valor da transação, preferencial sobre os demais.
A fim de compreender as hipóteses em que pode haver a caracterização da chamada
subvaloração, é relevante tratar das situações que ensejam a utilização dos métodos
substitutivos do valor da transação.
Relembra-se, ainda, que apenas se uma (ou mais) destas circunstâncias estiver presente
é que a autoridade aduaneira pode aplicar um dos métodos subsequentes, na ordem estabelecida
no AVA, não podendo, portanto, fazê-lo com base em outros motivos, por exemplo, sob o
pretexto de que o valor da transação se afasta dos padrões normais ou valores indicativos
(TREVISAN, 2018, p. 219).

3.1.1 Veracidade e exatidão das informações prestadas

Antenori Trevisan Neto (2010, p. 276), Vera Lúcia Feil Ponciano (2008, p. 272), Heleno
Taveira Tôrres (2005, p. 239), Solon Sehn (2021b, p. 91), Thiago Santos Canario Barroca
(2016, p. 162) e Augusto Fauvel de Moraes (2017, p. 28) apontam que o primeiro12 requisito

12
Em que pese a numeração ordinal aqui adotada, que se justifica apenas a título de conveniência em termos de
redação, não há ordem no que se refere aos requisitos para a aplicabilidade de cada um dos métodos de valoração
aduaneira. Todos devem estar presentes, de modo que, caso não se verifique qualquer um deles, deve-se aplicar o
método subsequente.
23

para a aplicabilidade deste método de valoração é a veracidade e exatidão das afirmações,


declarações e documentos apresentados e prestados pelo importador13.
Tal requisito não está expresso no AVA. Vera Ponciano e Heleno Taveira Tôrres o
sustentam unicamente com base nas normas veiculadas pelos arts. 82 e 85 do Decreto
4.543/2002, o qual equivale, atualmente, ao Decreto 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), que
possui a mesma redação no que se refere a esses dispositivos:
Art. 82. A autoridade aduaneira poderá decidir, com base em parecer
fundamentado, pela impossibilidade da aplicação do método do valor de
transação quando (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 17, aprovado pelo
Decreto Legislativo no 30, de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de
1994):
I - houver motivos para duvidar da veracidade ou exatidão dos dados ou
documentos apresentados como prova de uma declaração de valor; e
II - as explicações, documentos ou provas complementares apresentados pelo
importador, para justificar o valor declarado, não forem suficientes para
esclarecer a dúvida existente.
Solon Sehn e Thiago Santos Canario Barroca, por outro lado, também nas passagens
acima referenciadas, destacam que se trata de interpretação do art. 17 do AVA (que, não à toa,
é expressamente referido pelo caput do art. 82) e do § 6º do Anexo III, em conjunto com a
Opinião Consultiva nº 10.1 proferida pelo Comitê Técnico de Valoração Aduaneira da
Organização Mundial das Alfândegas (OMA).
Os dispositivos mencionados estabelecem o seguinte:
Artigo 17
Nenhuma disposição deste Acordo poderá ser interpretada como restrição ou
questionamento dos direitos que têm as administrações aduaneiras de se
asseguraram de veracidade ou exatidão de qualquer afirmação, documento ou
declaração apresentados para fins de valoração aduaneira.”
“6. O Artigo 17 reconhece que, ao aplicar o Acordo, as administrações
aduaneiras podem ter necessidades de averiguar a veracidade ou a exatidão de
qualquer afirmação, documento ou declaração que lhes for apresentada para
fins de valoração aduaneira. As Partes concordam ainda que o Artigo admite
igualmente que se proceda a investigações para, por exemplo, verificar se os
elementos para a determinação do valor, apresentados ou declarados às
autoridades aduaneiras alfandegárias, são completos e corretos. Os Membros,
nos termos de suas leis e procedimentos nacionais, têm o direito de contar com
a cooperação plena dos importadores para tais investigações.
A Opinião Consultiva nº 10.1 do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira da OMA,
por sua vez, dispõe, naquilo que concerne ao presente trabalho, o seguinte14:

13 Como será visto no capítulo 4, esse requisito se mostra especialmente relevante no que se refere à distinção
entre a subvaloração e o subfaturamento.
14
OPINIÃO CONSULTIVA 10.1
24

Segundo o Acordo, as mercadorias importadas devem ser valoradas com base


nos elementos de fato reais. Portanto, qualquer documentação que
proporcione informações inexatas sobre esses elementos estaria em
contradição com as intenções do Acordo. Cabe observar, a este respeito, que
o Artigo 17 do Acordo e o parágrafo 6 do Anexo III enfatizam o direito das
administrações aduaneiras de comprovar a veracidade ou exatidão de qualquer
informação, documento ou declaração apresentados para fins de valoração
aduaneira. Consequentemente, não se pode exigir que uma administração leve
em conta uma documentação fraudulenta. Ademais, quando uma
documentação for comprovada fraudulenta, após a determinação do valor
aduaneiro, a invalidação desse valor dependerá da legislação nacional.
Portanto, em síntese, (i) as administrações aduaneiras têm o direito de se assegurar da
veracidade e da exatidão das informações que são a elas prestadas; e (ii) os bens importados
devem ser valorados com base em elementos de fato reais, de modo que qualquer documentação
que proporcione informações inexatas contrariam as intenções do AVA.
Se o AVA garante à autoridade aduaneira o direito de se assegurar de que está lidando
com documentos e informações reais e exatas, bem como considerando que o intuito dos
elaboradores do acordo é o de que o valor da transação corresponda efetivamente à realidade,
careceria de lógica pensar que pudesse ser adotado o valor da transação na hipótese de haver
dúvidas acerca da exatidão e veracidade daquilo que foi informado pelo importador.
Ademais, em que pese o art. 17 do AVA, o § 6º do Anexo III e a Opinião Consultiva nº
10.1 se refiram ao direito das autoridades aduaneiras de se assegurar acerca da veracidade e
exatidão das informações apresentadas, o Comitê de Valoração Aduaneira da Organização
Mundial do Comércio (OMC) já se manifestou no sentido de que, além de um direito, a
solicitação de esclarecimentos (acompanhados de documentos, se for o caso) do importador
acerca de tal questão é também um dever da autoridade aduaneira. Trata-se da Decisão 6.1, em
que o referido órgão afirmou o seguinte, naquilo que nos é relevante:
Reafirmando que o valor da transação é a base primária de valoração de acordo
com o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT 1994 (de agora
em diante chamado de ‘Acordo’);
Reconhecendo que a administração aduaneira pode ter que lidar com casos em
que possui motivos para duvidar da veracidade ou exatidão das informações

TRATAMENTO APLICÁVEL AOS DOCUMENTOS FRAUDULENTOS


1. O Acordo obriga que as administrações aduaneiras levem em conta documentos fraudulentos?
2. O Comitê Técnico de Valoração Aduaneira emitiu a seguinte opinião: Segundo o Acordo, as mercadorias
importadas devem ser valoradas com base nos elementos de fato reais. Portanto, qualquer documentação que
proporcione informações inexatas sobre esses elementos estaria em contradição com as intenções do Acordo. Cabe
observar, a este respeito, que o Artigo 17 do Acordo e o parágrafo 6 do Anexo III enfatizam o direito das
administrações aduaneiras de comprovar a veracidade ou exatidão de qualquer informação, documento ou
declaração apresentados para fins de valoração aduaneira. Consequentemente, não se pode exigir que uma
administração leve em conta uma documentação fraudulenta. Ademais, quando uma documentação for
comprovada fraudulenta, após a determinação do valor aduaneiro, a invalidação desse valor dependerá da
legislação nacional.
25

ou dos documentos apresentados pelos comerciantes para embasar o valor


declarado;
Enfatizando que, ao fazê-lo, a administração aduaneira não deve prejudicar os
interesses comerciais legítimos dos comerciantes;
Considerando o Artigo 17 do Acordo, o parágrafo 6 do Anexo III do Acordo
e as relevantes decisões do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira;
Decide o que segue:
Quando uma declaração é apresentada e a administração aduaneira tem
motivos para duvidar da veracidade ou exatidão das informações ou dos
documentos apresentados para embasar essa declaração, a administração
aduaneira pode solicitar ao importador que preste esclarecimentos adicionais,
incluindo documentos ou outras evidências, de que o valor declarado
representa a totalidade do valor efetivamente pago ou a pagar pelos bens
importados, ajustado de acordo com as regras do Artigo 8. Se, após receber os
esclarecimentos adicionais, ou não havendo resposta, a administração
aduaneira continuar tendo dúvidas razoáveis acerca da veracidade ou exatidão
do valor declarado, a administração pode, tendo em mente as regras do Artigo
11, considerar que o valor aduaneiro dos bens importados não pode ser
determinado sob as regras do Artigo 1. Antes de tomar uma decisão final, a
administração aduaneira deve comunicar ao importador, por escrito se
assim for requerido, seus fundamentos para duvidar da veracidade ou
exatidão das informações ou documentos apresentados e ao importador
deve ser concedida oportunidade razoável para responder. Ao tomar uma
decisão final, a administração aduaneira deve comunicar ao importador,
por escrito, sua decisão e seus respectivos fundamentos. (grifo nosso)
Novamente nos valendo das premissas de que um dos intuitos do AVA é o de que as
mercadorias sejam valoradas com base em elementos reais e de que o método do valor da
transação é efetivamente preferencial em relação aos demais, afigura-se coerente que, se a
administração tem o direito de se assegurar da veracidade e exatidão das informações, o
importador também deve ter o direito de demonstrar que aquilo que foi informado quando do
registro da DI é verdadeiro e exato.
Ademais, ainda em relação às situações em que a autoridade possui dúvidas sobre a
veracidade ou exatidão das informações, é relevante a afirmação de Solon Sehn (2021b, p. 92)
de que:
[a] dúvida capaz de ensejar o afastamento do valor da transação não se resume
a uma impressão subjetiva do Auditor Fiscal. É necessária a fundamentação
do ato fiscal.
Tal conclusão está em conformidade com os dispositivos do AVA e do RA que preveem
o direito-dever de que a autoridade solicite esclarecimentos ou mesmo a apresentação de
documentos pelo importador acerca das declarações feitas quando do registro da DI.
Isso porque o fato de que ao importador é dada a oportunidade de elidir a dúvida da
autoridade parece apontar justamente no sentido de que a certeza e a segurança dessa última
26

sobre a veracidade e a exatidão das informações deve ser baseada naquilo que é objetivamente
passível de análise.
Em outras palavras, sendo possível, como visto acima, a solicitação de esclarecimentos
complementares – os quais, por sua vez, devem ser baseados em elementos de fato reais (“on
the basis of actual facts”) – é com base neles que a autoridade aduaneira deve concluir se
definitivamente possui, ou não, motivos para duvidar da veracidade ou exatidão das
informações.
Importa, ainda, mencionar o entendimento de Solon Sehn (2021a, p. 102) de que, caso
a autoridade aduaneira deixe de comunicar ao importador seus motivos para duvidar da
veracidade ou exatidão das informações e, aplicando método substitutivo ao valor da transação,
constitua crédito tributário complementar relativamente aos tributos incidentes sobre a
importação, o referido lançamento deve ser anulado por cerceamento do direito de defesa. De
acordo com o autor, os motivos para esse entendimento são os seguintes:
[...] o AVA estabeleceu uma exceção à regra do art. 14 do Decreto nº
70.235/1972, que dispõe sobre o procedimento administrativo fiscal. Esse
dispositivo estabelece que ‘a impugnação da exigência instaura a fase litigiosa
do procedimento’. Assim, à luz desse preceito, segundo entende a
Jurisprudência do Carf, ‘só se discute cerceamento do direito de defesa a partir
do momento em que tal direito pode ser exercido. Ou seja, a partir da etapa de
impugnação’.15 Portanto, não há ‘[...] nulidade do auto de infração sob a
alegação de que a autoridade autuante deixara de oferecer prazo para que o
sujeito passivo ofereça contrarrazões às conclusões consignadas no laudo
técnico produzido no curso da ação fiscal’.16 Contudo, em matéria de
valoração, esse entendimento não é aplicável. A autoridade aduaneira deve
necessariamente comunicar os motivos ao importador, abrindo prazo razoável
para fins de contestação (AVA, art. 1.2.a) antes da constituição do crédito
tributário, sob pena de nulidade do auto de infração.
Com efeito, consistindo o AVA em acordo internalizado pelo Brasil e possuindo,
portanto, força de lei ordinária, não poderia o Decreto 70.235/1972 ser utilizado como
fundamento para o entendimento de que no curso dos procedimentos de controle do valor
aduaneiro não haveria litígio e, portanto, não haveria que se falar em cerceamento de defesa.

15
Em nota de rodapé, o autor cita os seguintes julgados: “Carf (3ª Seção, 1ª Câmara, 2ª T.O.). Ac. Nº 310200.676.
Relator: Conselheiro Luis Marcelo Guerra de Castro. S. 25/05/2010. No mesmo sentido, cf.: Acs. nºs 20181498,
10517234, 30.133707, 10615779, 10195473 e 10421003.”

16
Em nota de rodapé, o autor cita o seguinte julgado: “Carf (3ª Seção, 1ª Câmara, 2ª T.O.). Ac. nº 3102410.625.
Relator: Conselheiro Luis Marcelo Guerra de Castro. S. de 18/03/2010.”
27

3.1.2 Venda do país exportador para o país importador

O segundo requisito que deve estar presente para que seja aplicável o método do valor
da transação consta no art. 1.1 do AVA:
1. O valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto
é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda
para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as
disposições do Artigo 8, desde que: [...] (grifo nosso)
A expressão “venda para exportação para o país de importação” significa que a operação
sob análise deve estar inserida no âmbito de um contrato de compra e venda internacional
(CARVALHO, 2007, pp. 110-111; SEHN, 2021, p. 97). Disso decorre que o bem importado
não pode ter sido, por exemplo, objeto de doação, comodato, aluguel ou leasing (MEIRA, 2012,
p. 269).
Ademais, tendo em vista que não há uma definição de “compra e venda” no AVA, o já
mencionado CTVA da OMA emitiu a Opinião Consultiva 1.1, por meio da qual afirmou, inter
alia, que o conceito de venda, para fins de aplicação do método do valor da transação, deve ser
entendido “no sentido mais amplo possível”1718.

3.1.3 Cláusulas contratuais mencionadas no art. 1.1

Outro requisito, constante nos itens “a”, “b” e “c” do art. 1.1 do AVA, diz respeito às
especificidades contratuais em que a compra e venda internacional é realizada. Em suma, a
operação não deve estar sujeita a nenhuma das cláusulas de limitação do preço, da posse ou do
domínio (SEHN, 2021, p. 98) previstas no referido dispositivo, exceto se for o caso de uma das
hipóteses dos subitens “i”, “ii” e “iii” do item “a”, que tratam, respectivamente, de limitação
legal ou imposta pela administração pública, de limitações concernentes à área geográfica em
que pode haver a revenda da mercadoria importada e das limitações que não afetem
“substancialmente” o preço19.

17
Tradução livre. Original: “[...] in the widest sense […]”.
18
Para emitir tal opinião, o CTVA adotou, expressamente, a premissa de que a intenção primeira do AVA é a de
que o valor da transação deve ser utilizado tanto quanto possível, o que reforça a vasta primazia desse método
sobre os demais: “[...] in conformity with the basic intention of the Agreement that the transaction value of
imported goods should be used to the greatest extent possible [...]”.

19
“1. O valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto é, o preço efetivamente pago ou
a pagar pelas mercadorias em uma venda para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as
disposições do Artigo 8, desde que:
(a) não haja restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo comprador, ressalvadas as que:
28

3.1.4 Existência de dados objetivos e quantificáveis quanto aos acréscimos

Como abordamos no subtópico 2.2, acima, o art. 8.3 prevê que os acréscimos ou ajustes
ao valor aduaneiro devem ser baseados exclusivamente em dados objetivos e quantificáveis.
A nota interpretativa referente a esse dispositivo prevê, assim, esse outro requisito, de
que o método do valor da transação não pode ser aplicado caso tais dados não sejam revestidos
de objetividade e quantificabilidade20 - o que, aliás, reforça a ideia de que o método do valor da
transação é baseado exclusivamente em elementos reais.

3.1.5 Vinculação entre importador e exportador

Por fim, o AVA também prevê que o primeiro método de valoração não pode ser
adotado quando as partes – importador e exportador – forem vinculadas e essa circunstância
influenciar o valor envolvido na operação.
Os critérios que determinam se essa vinculação entre as partes é determinante ou não
para a aplicação dos métodos de valoração estão estabelecidos, principalmente, no art. 1.2 e no
art. 15.42122.

(i) sejam impostas ou exigidas por lei ou pela administração pública do país de importação;
(ii) limitem a área geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas; ou
(iii) não afetem substancialmente o valor das mercadorias;
(b) a venda ou o preço não estejam sujeitos a alguma condição ou contra-prestação para a qual não se possa
determinar um valor em relação às mercadorias objeto de valoração;
(c) nenhuma parcela do resultado de qualquer revenda, cessão ou utilização subseqüente das mercadorias pelo
comprador beneficie direta ou indiretamente o vendedor, a menos que um ajuste adequado possa ser feito de
conformidade com as disposições do Artigo 8”.
20
“Inexistindo dados objetivos e quantificáveis com relação aos acréscimos previstos pelas disposições do Artigo
8, o valor de transação não poderá ser determinado de acordo com o disposto no Artigo 1”.
21
Sobre o tema, ver: SEHN, Solon. Curso de Direito Aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 99-106.
22
“2. (a) Ao se determinar se o valor de transação é aceitável para os fins do parágrafo 1, o fato de haver vinculação
entre comprador e vendedor, nos termos do Artigo 15, não constituirá, por si só, motivo suficiente para se
considerar o valor de transação inaceitável. Neste caso, as circunstâncias da venda serão examinadas e o valor de
transação será aceito, desde que a vinculação não tenha influenciado o preço. Se a administração aduaneira, com
base em informações prestadas pelo importador ou por outros meios, tiver motivos para considerar que a
vinculação influenciou o preço, deverá comunicar tais motivos ao importador, a quem dará oportunidade razoável
para contestar. Havendo solicitação do importador, os motivos lhe serão comunicados por escrito.
(b) no caso de venda entre pessoas vinculadas, o valor de transação será aceito e as mercadorias serão valoradas
segundo as disposições do parágrafo 1, sempre que o importador demonstrar que tal valor se aproxima muito de
um dos seguintes, vigentes ao mesmo tempo ou aproximadamente ao mesmo tempo:
(i) o valor de transação em vendas a compradores não vinculados de mercadorias idênticas ou similares, destinadas
a exportação para o mesmo país de importação;
(ii) O valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como determinado com base nas disposições do
Artigo 5;
(iii) o valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como determinado com base nas disposições do
Artigo 6;
Na aplicação dos critérios anteriores, deverão ser levadas na devida conta as diferenças comprovadas nos níveis
comerciais e nas quantidades, os elementos enumerados no Artigo 8 e os custos suportados pelo vendedor, em
29

3.2 SUBVALORAÇÃO

3.2.1 Noções gerais e conceito

Conforme visto acima, a valoração das mercadorias objeto de importação está muito
longe de poder estar sujeita ao livre-arbítrio seja do importador, seja da autoridade aduaneira,
pois o AVA – acordo internacional que, por ter sido assinado e juridicamente internalizado pelo
Brasil, é efetivamente parte do ordenamento jurídico pátrio – prevê métodos objetivos para a
realização da valoração e, mais, estabelece detalhadamente os critérios para a adoção de um ou
outro método.
Ocorre que, como exposto no tópico 2.3, a valoração não consiste em ato unilateral. Ela,
primeiramente, corresponde a uma conduta do importador, que informa o valor que entende
correto e que é considerado válido salvo se for “contestado pelas autoridades aduaneiras a partir
dos parâmetros objetivos, equitativos e neutros nele estabelecidos” (SEHN, 2021b, p. 86 apud
LYONS, 2010, pp. 286-28723).
Posteriormente, durante o despacho aduaneiro, é novamente realizada, desta vez pela
autoridade aduaneira, a título de fiscalização ou – para utilizar o termo adotado pelo art. 76 do
Regulamento Aduaneiro – controle. É por esse motivo que Rodrigo Mineiro Fernandes (2013,
p. 242) destaca que:
O procedimento de valoração aduaneira é o método utilizado para quantificar
a base de cálculo do imposto de importação, não apenas no procedimento
fiscal de ofício efetuado pela fiscalização aduaneira, mas também pelo
importador quando prepara e registra a sua declaração de importação.

vendas nas quais ele e o comprador não sejam vinculados, e que não são suportados pelo vendedor em vendas nas
quais ele e o comprador não sejam vinculados, e que não são suportados pelo vendedor em vendas nas quais ele o
comprador sejam vinculados;
(c) Os critérios estabelecidos no parágrafo 2 (b) devem ser utilizados por iniciativa do importador, e
exclusivamente para fins de comparação. Valores substitutivos não poderão ser estabelecidos com base nas
disposições do parágrafo 2 (b).
[...]
4. Para os fins deste Acordo, as pessoas serão consideradas vinculadas somente se:
(a) uma delas ocupar cargo de responsabilidade ou direção em empresa da outra;
(b) forem legalmente reconhecidas como associadas em negócios;
(c) forem empregador e empregado;
(d) qualquer pessoa, direta ou indiretamente, possuir, controlar ou detiver 5% ou mais das ações ou títulos emitidos
com direito a voto de ambas;
(e) uma delas, direta ou indiretamente, controlar a outra;
(f) forem ambas, direta ou indiretamente, controladas por uma terceira pessoa; ou
(g) juntos, controlarem direta ou indiretamente uma terceira pessoa;
(h) forem membros da mesma família”.
23
LYONS, Timothy. EC Customs Law. 2 ed. Nova York: Oxford University Press, 2010.
30

Diferentemente, Jonathan Barros Vita (2013) destaca que a técnica da valoração


aduaneira propriamente dita é realizada sempre pela autoridade aduaneira.
Em que pese essa afirmação, é inegável que, pelo menos em termos fáticos, esse
procedimento também corresponde a uma atuação do importador no sentido de valorar a
mercadoria em vias de importação à luz das regras do AVA, de modo que essa aparente
divergência a respeito de qual é o sujeito que efetivamente realiza a valoração aduaneira não
interfere no que se pretende abordar.
Pois bem. A essa bilateralidade – pelo menos fática – do fenômeno da valoração
aduaneira, soma-se a circunstância de que a técnica de redação do AVA destoa
significativamente daquela geralmente utilizada para a elaboração dos textos normativos
brasileiros. Nesse sentido, Solon Sehn (2021b, p. 88) destaca que, no referido acordo:
Os enunciados são mais extensos e prolixos, sendo acompanhados de notas
interpretativas. Essas, por outro lado, não são adotadas no País. Aqui os textos
legais são redigidos em frases curtas e concisas, articuladas sucessivamente
em artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens. Isso, evidentemente, não
significa que a legislação brasileira seja referência internacional em termos de
boa técnica nem que o acordo seja destituído dessa característica. O que se
pretende ressaltar é que a linguagem e o formato são diferenciados,
dificultando a compreensão por parte de operadores não especializados.
Na mesma linha, Luciano Bushatsky Andrade de Alencar (2019, p. 66) afirma que o
AVA “é um instrumento de complexa aplicação. Assim, não é incomum ao particular, ou
mesmo ao agente fiscal, cometer erros na aplicação de seus dispositivos”.
Todo esse contexto, somado, ainda, ao fato de que, na prática, o fenômeno ora analisado
está sujeito a toda a dinamicidade das operações de importação, faz com que seja esperada a
ocorrência de divergências interpretativas entre o importador e a autoridade aduaneira24.
Tendo em vista esse contexto, imagine-se a seguinte situação: o importador, quando do
registro da DI, declara que o método de valoração a ser utilizado nessa determinada operação é
o do valor da transação, o que faz com que o valor aduaneiro, nesse caso hipotético, seja de R$
1.000,00.
A autoridade aduaneira, no entanto, considerando os critérios que ensejam a
inaplicabilidade do primeiro método – abordados no tópico 3.1, acima –, entende que deve ser

24
Em termos proporcionais, tais divergências não parecem ser frequentes, sobretudo porque o primeiro método de
valoração – que adota o valor da transação – é utilizado em mais de 90% das importações
(http://www.wcoomd.org/en/topics/valuation/overview/what-is-customs-valuation.aspx). Todavia, por óbvio, isso
não diminui a importância das situações em que há essa divergência, até mesmo porque tais ocasiões, em termos
absolutos, efetivamente representam elevado número de operações e, sobretudo, grandes quantias monetárias.
31

aplicado o segundo método – o do valor da transação de mercadorias idênticas. No entanto, isso


faz com que o valor aduaneiro seja de R$ 1.100,00.
Logo, haja vista que a função precípua do valor aduaneiro é servir como base de cálculo
dos tributos incidentes sobre a importação, caso fosse mantido o valor declarado pelo
importador, as exações seriam automaticamente menores. Está-se diante de hipótese da
chamada subvaloração.
Na doutrina, essa figura recebe conceitos ligeiramente diversos, mas que convergem
quanto à ideia central desse fenômeno. Marcelo Pimentel de Carvalho (2007, p. 208), por
exemplo, entende que a subvaloração é “a declaração de valor aduaneiro inferior ao apurado
em face de divergências quanto à interpretação do AVA e à subsunção dos fatos jurídicos a
este”.
Antenori Trevisan Neto (2010, p. 287) – concordando com a definição acima – afirma
que a referida figura é o fenômeno que resulta da “imperfeita aplicação das regras do AVA,
derivada, por exemplo, de interpretação divergente da adotada pelas autoridades fiscais, ou
mesmo de erros cometidos de boa-fé”.
Ambas as conceituações são acolhidas, ainda, por Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p.
251).
Luciano Bushatsky Andrade de Alencar (2019, p. 69), por sua vez, conceitua a
subvaloração como “erro de subsunção dos fatos jurídicos às determinações legais (constantes
do AVA)”.
Guilherme Oliveira de Arruda (2016, pp. 342-343) afirma que se trata de “declaração a
menor do valor aduaneiro, estabelecido em conformidade com o Gatt”.
Solon Sehn (2016, p. 161), por sua vez, conceitua a subvaloração como “a redução da
base de cálculo decorrente da aplicação equivocada dos métodos de valoração aduaneira, de
boa-fé, sem a apresentação de declarações e documentos inverídicos ou inexatos”.
O mesmo autor afirma, ainda – dando enfoque, especificamente, à conduta que deve
ser adotada quando a autoridade se depara com a necessidade de rejeitar o valor declarado pelo
importador –, que, nestas situações, “a autoridade aduaneira desconsidera o valor declarado a
partir de parâmetros objetivos, equitativos e neutros previstos no AVA” (2021b, p. 93). Essa
parece ser, aliás, a definição que capta com maior amplitude todas as hipóteses de subvaloração.
Assim, como mencionado, em que pese as diferentes formulações mencionadas acima
e muito embora os demais estudiosos do tema não exponham um conceito delimitado a respeito
32

da subvaloração, não parece haver na doutrina divergência sobre a hipótese de caracterização


desse fenômeno.
Trata-se, portanto, da situação em que a autoridade aduaneira, aplicando os critérios
previstos no AVA, determina o valor aduaneiro de maneira diversa daquela por meio da qual a
valoração foi realizada pelo importador, e esse novo valor acaba por ser superior àquele
declarado pelo importador.
A incorreção da valoração, por sua vez, pode ocorrer seja na hipótese de a autoridade
aduaneira rejeitar o método de valoração utilizado pelo importador, seja no caso de entender
que os ajustes referidos pelo art. 8 não foram realizados corretamente.
A título de exemplo dessa última situação (incorreção no que se refere aos ajustes
devidos), pode-se mencionar o caso julgado pelo Carf no processo nº 10516.720012/2013-2125,
em que foi proferido acórdão cujo seguinte trecho importa para a questão ora analisada:
DA SUBVALORAÇÃO DO VALOR ADUANEIRO
A mesma situação ocorre em relação ao descumprimento das regras relativas
à valoração aduaneira. Os documentos apreendidos comprovam que a empresa
mantinha o controle paralelo de valores pagos em moeda estrangeira relativos
a custos que deveriam ser incluídos no valor aduaneiro.
Exemplifica esta constatação a Fatura ZG011B/10 (fl. 28) emitida pela
empresa Gainmax Limited. Ela foi utilizada para instruir a DI nº 10/1523488-
9, registrada em 01/09/2010 e desembaraçada em 06/09/2010. Essa fatura
aparece registada na pasta de trabalho “Controle de pagamentos.xls”, planilha
“Plan1” (fls. 121-123). Na figura 12 (fl. 375), na linha 39 destacada aparece o
montante pago por esta fatura, US$ 13.469,18, e, no comentário da cédula
139, consta no que consistiu a diferença de US$ 13.469,18: Comissão e
Aduana.
A fatura apresentada no despacho tinha o valor de US$ 59.194,08, e a este
valor foram adicionados o frete do transporte marítimo e o seguro. Os valores
referentes à ‘Comissão’ paga ao intermediário/representante na China, bem
como a despesa de ‘Aduana’ não foram adicionados ao Valor Aduaneiro,
ficando este subvalorado em US$ 13.469,18. (grifo nosso)
Exemplo da primeira situação, por sua vez (rejeição do método de valoração utilizado
pelo importador), pode ser colhido do caso julgado, também pelo Carf, no processo nº
10074.000322/2007-23, em que o método adotado pelo importador – o do valor da transação –
foi rejeitado em razão do fato26 de que as importações foram realizadas no âmbito de contrato
de comodato:
É incontroverso no presente processo que as importações ocorreram sob
o abrigo de contrato de comodato (empréstimo gratuito de coisas não

25
Acórdão nº 3402002.852, proferido pela 4ª Câmara – 2ª Turma Ordinária em 26/01/2016. Relator: Antonio
Carlos Atulim.
26
De acordo com o acórdão, essa circunstância era incontroversa no processo.
33

fungíveis, que se perfaz com a tradição do objeto - artigo 579 do CC/02) que,
como é consabido, ao lado do mútuo (artigo 586 do CC/02), é uma das
espécies do gênero empréstimo constante do Código Civil brasileiro. Por
conseguinte, segundo o Órgão Internacional investido da função de promover
uma interpretação uniforme e segura do AVA-GATT [CTVA da OMC], na
hipótese de estarmos diante de transação internacional feita por contratos
comodato, deve-se, para fins de valoração aduaneira, ser afastado o princípio
geral do valor de transação e ser utilizada a ordem de prioridade estabelecida
no Acordo.
[...]
Dessarte, bem andou a autoridade fiscal ao afastar a aplicação do valor da
transação para a determinação do valor aduaneiro in casu.
Veja-se que pelo fato de não estarmos diante de contrato de compra e venda,
o AVA-GATT já nos direcionada para os métodos substitutivos de valoração
aduaneira, independentemente da verificação dos requisitos constantes das
alíneas a, b, c, e d do artigo 1º do Acordo.27
Esse é, portanto, o delineamento que importa fazer no que diz respeito às noções gerais,
ao conceito e às hipóteses de caracterização da chamada subvaloração.

3.2.2 Aspectos específicos da subvaloração

É relevante, ainda, abordar algumas características específicas da figura ora analisada,


sobretudo a fim de que, adiante, possa-se cotejar os seus aspectos com os do subfaturamento.

3.2.2.1 Ausência de dolo

O dolo pode ser descrito como o elemento da conduta do sujeito consistente na


circunstância de que esse possui o conhecimento e a vontade de realizar determinada infração
(SEHN, 2021a, pp. 38-39, apud SCHUNEMANN, 2013, p. 129).
Com base em tal definição e, de outro lado, a partir da conceituação dada pela doutrina
e do delineamento que foi feito acerca das hipóteses de caracterização da subvaloração, é
possível concluir, desde já, que nessa figura não há que se falar em dolo.
Isso porque é juridicamente irrelevante que o importador tenha tido a intenção de valorar
as mercadorias incorretamente e, por consequência, declarar valor aduaneiro a menor. A
subvaloração restará igualmente caracterizada e as consequências advindas de tal fenômeno
serão precisamente as mesmas.

27
Acórdão nº 3402-007.015, proferido pela 3ª Seção de Julgamento – 4ª Câmara – 2ª Turma Ordinária, em
22/10/2019. Relatora: Thais de Laurentiis Galkowicz.
34

A rigor, afigura-se, em verdade, até mesmo difícil imaginar que o importador possa
prever a ocorrência da subvaloração, ou seja, prever que, utilizando-se, por exemplo, do
primeiro método de valoração quando não deveria, o valor aduaneiro aplicado em determinada
operação de importação será menor do que aquele ao qual chegará a autoridade aduaneira
quando realizar a valoração corretamente. Na medida em que essa afirmação está relacionada
com o tópico 3.2.2.2., abaixo, opta-se por deslocar as considerações que ela merece para o
referido item.

3.2.2.2 Locus operacional da subvaloração

Como foi visto acima – e como o próprio prefixo “sub” atrelado à figura em análise, não
por acaso, indica –, a subvaloração consiste na circunstância em que o valor aduaneiro
declarado pelo importador é menor do que aquele ao qual chega a autoridade, em razão da
aplicação indevida da regras do AVA.
Essa circunstância parece indicar que o locus operacional28 da subvaloração não está na
conduta (valorar incorretamente a mercadoria, dada a situação fática concreta e as regras do
AVA), mas no resultado (redução do valor aduaneiro advindo da correção29 da valoração pela
autoridade).
Em outras palavras, em determinada situação concreta, só há que se falar na ocorrência
efetiva da subvaloração quando a correção da valoração por parte da autoridade implicar valor
aduaneiro maior do que aquele declarado pelo importador. Se o valor advindo dessa correção
for menor que o declarado, não ocorre a subvaloração.
Dito ainda de outro modo, a mera aplicação equivocada das regras do AVA ou a mera
presença de elementos objetivos que impliquem dúvida sobre a veracidade ou exatidão das
informações prestadas pelo importador não são capazes, por si só, de implicar a redução do
valor aduaneiro. Só se pode afirmar “o valor aduaneiro declarado pelo importador é menor do
que o devido” a partir do momento em que a autoridade realiza a valoração da maneira correta
e constata que o valor devido é maior do que o declarado30.

28
A expressão “locus operacional” é utilizada, neste trabalho, no sentido de demarcar, com a maior precisão
possível, o momento jurídico, por assim dizer, em que se concretiza determinada figura, isto é, em que se pode
falar da sua ocorrência efetiva. Assim, subdividiu-se a figura da subvaloração em dois momentos ou fenômenos
jurídicamente relevantes: (1) a conduta do importador, consistente na utilização errônea das regras do AVA, e (2)
o resultado dessa conduta, consistente na declaração e consequente recolhimento a menor dos tributos incidentes
sobre a importação.
29
Faz-se referência, aqui, ao ato de corrigir.
30
Poder-se-ia afirmar que, no caso de a subvaloração decorrer unicamente de um dos ajustes positivos (ou seja,
no caso de a “aplicação indevida das regras do AVA” consistir na não inclusão de um desses ajustes), verificar-
35

Neste ponto, relembra-se que a valoração aduaneira é regida, dentre outros, pelo
princípio da neutralidade, como consignado expressamente no preâmbulo do AVA31. Logo, não
há qualquer espaço, nesse âmbito, para que a autoridade busque determinar o valor aduaneiro
de modo que ele seja maior do que o declarado.
A correta valoração aduaneira32, de acordo com as regras e princípios do AVA, deve ser
realizada independentemente do resultado que dela advirá (valor aduaneiro maior ou menor que
o declarado).
Assim, a efetiva ocorrência da subvaloração, ao mesmo tempo em que independe da
vontade do importador, está fora do âmbito de controle da autoridade. O que deve ser, sem
dúvida, objeto de controle da autoridade, a teor do art. 76, caput e parágrafo único, do RA, é
que a valoração aduaneira seja corretamente realizada, isto é, que as regras do AVA sejam
corretamente aplicadas, independentemente se, em decorrência disso, o valor aduaneiro será
menor ou maior que o declarado.

3.2.2.3 Consequência jurídica da subvaloração

A consequência jurídica advinda da caracterização da subvaloração não merece grandes


digressões, por se tratar de questão sobre a qual não se constata qualquer controvérsia
doutrinária, tampouco falta de clareza legal.
Isso porque (i) a subvaloração, sob a perspectiva tributária, consiste na redução da base
de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação e, como foi visto, (ii) não há que se falar
na eventual intenção do importador de que tal base de cálculo seja inferior àquela utilizada para
a apuração das exações caso as regras do AVA tivessem sido corretamente aplicadas.
Assim, à subvaloração deve ser aplicada a consequência jurídica comum a todas as
situações em que há apenas o recolhimento de tributos a menor.
Tal consequência, que consiste, ressalta-se, em sanção, está prevista no art. 44 da Lei nº
9.430/1996:
Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes
multas:

se-ia de antemão que a correta valoração pela autoridade aduaneira implicará valor aduaneiro maior do que o
declarado. Todavia, além de essa não ser a regra, não parece que essa hipótese específica, por si só, possa
determinar que se diga, a título de descrever o fenômeno da subvaloração como um todo – abarcando todas as
hipóteses de sua ocorrência – que o locus operacional da subvaloração é a conduta e não o resultado.
31
“Reconhecendo a necessidade de um sistema eqüitativo, uniforme e neutro para a valoração de mercadorias para
fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios.”
32
Aqui, faz-se referência à aplicação do AVA pela autoridade, não pelo importador.
36

[...]
I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de
imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de
falta de declaração e nos de declaração inexata.
Portanto, caso ocorra a chamada subvaloração, o sujeito passivo, além de, é claro,
recolher a diferença de tributo devido, deverá recolher a quantia referente à multa no percentual
de 75 sobre a referida diferença.

3.2.2.4 Caráter lícito ou ilícito da subvaloração

Outro aspecto que merece ser abordado acerca da subvaloração diz respeito à sua
licitude ou ilicitude.
Nem todos os autores citados anteriormente tratam especificamente dessa questão.
Dentre aqueles que o fazem, pode-se mencionar Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 251),
que entende que a subvaloração se trata de “uma irregularidade dentro do campo da licitude”,
e Luciano Bushatsky Andrade de Alencar (2019, p. 94), para o qual se trata de ato ilícito.
Na jurisprudência do Carf, encontramos posicionamentos no sentido de reconhecer a
licitude da figura analisada, como no processo nº 10074.000322/2007-23, em que a Conselheira
Relatora afirma que:
[...] a subvaloração não caracteriza ato ilícito, mas sim um erro na
interpretação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio GATT que tem como
consequência a declaração pelo importador de valor aduaneiro a menor33.
Em que pese não se possa afirmar categoricamente esta ideia, parece que a doutrina e a
jurisprudência, quando mencionam que a subvaloração não consiste em ato ilícito, têm como
intuito justamente diferenciá-la do subfaturamento. No entanto, ainda que seja esse o caso, o
presente tópico se justifica sobretudo a título de rigor terminológico no que se refere à
antijuridicidade dos atos jurídicos em geral.
Pois bem. A fim de tratar dessa questão e tendo em vista a aparente falta de unanimidade,
clareza ou, ainda, rigor terminológico no que diz respeito ao caráter lícito ou ilícito da
subvaloração, afiguram-se relevantes breves considerações a respeito da conceituação dos atos
ilícitos.
Sob o ponto de vista dogmático, os atos jurídicos são divididos entre lícitos e ilícitos,
isto é, entre aqueles praticados conforme ou em desconformidade com a lei, respectivamente
(FERRAZ JUNIOR, 2016, p. 89).

33
Acórdão nº 3402-007.015, proferido pela 3ª Seção de Julgamento – 4ª Câmara – 2ª Turma Ordinária, em
22/10/2019. Relatora: Thais de Laurentiis Galkowicz.
37

Não há, portanto, a rigor, qualquer possibilidade de se verificar nuances entre o lícito e
o ilícito, isto é, não se pode falar em atos menos ou mais lícitos, nem menos ou mais ilícitos. A
juridicidade ou antijuridicidade de determinado ato possui caráter absoluto, não admitindo
gradações.
No que diz respeito ao resultado da figura ora sob análise, o importador, em última
instância, ou cumpre ou descumpre as obrigações de declarar e recolher o tributo devido. Em
relação a essa temática, Luciano Amaro (2010, p. 457) destaca que:
As obrigações tributárias (quer respeitem à prestação de tributo, quer se
refiram a deveres formais ou instrumentais) supõem a possibilidade de
descumprimento. Como se dá com quaisquer normas de conduta, o
destinatário do comando pode, por variadas razões (desde o simples
desconhecimento do preceito normativo até a vontade consciente de
adotar uma conduta contrária ao comando legal), proceder de modo
diferente do querido pela ordem jurídica. (grifo nosso)
Como afirma o referido autor, o descumprimento da obrigação tributária pode se dar por
inúmeros motivos. Tais razões, no entanto, não são relevantes para fins de caracterizar o
referido inadimplemento.
No que se refere à figura que ora se analisa, a rigor, parece ser igualmente irrelevante34,
para fins de caracterizar a subvaloração como lícita ou ilícita, se a aplicação indevida das regras
do AVA se deu por um erro de boa-fé ou por divergências na interpretação das referidas normas.
Em relação à boa-fé, é irrelevante porque, como vimos, está-se diante de fenômeno que
independe de dolo35.
No que se refere à divergência interpretativa, tal circunstância só parece ser
juridicamente relevante no âmbito de eventual pré-contencioso estabelecido quando do controle
do valor aduaneiro. Explica-se.
Antes da decisão36 da autoridade aduaneira por meio da qual essa entende,
definitivamente, que as regras do AVA foram inadequadamente aplicadas, não se pode dizer
que há subvaloração, consoante a conclusão extraída do tópico 3.2.2.2, pois a mera conduta do
importador (aplicação equivocada das regras do AVA, erro de boa-fé etc.) não implica,
necessariamente, diminuição do valor aduaneiro.

34
É necessário ressaltar que se faz referência a essa irrelevância única e exclusivamente para fins de identificar a
licitude ou ilicitude na redução da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação. Para fins de distinguir
a subvaloração do subfaturamento, a motivação da conduta do importador é, com efeito, da maior relevância, como
será visto no tópico 4.2.2.
35
Com efeito, quando se afirma que determinada figura jurídica (a exemplo de uma infração tributária) independe
de dolo, não se está dizendo que não deve haver dolo para a sua caracterização, mas sim que a sua presença é, em
termos jurídicos, absolutamente irrelevante.
36
Emprega-se, aqui, a palavra “decisão” no sentido lato.
38

Ademais, em algum momento, uma das interpretações divergentes há de prevalecer. Se


a prevalente for a da autoridade aduaneira e o valor aduaneiro for maior do que o declarado
pelo importador, pode-se definitivamente falar em aplicação inadequada das regras do AVA
com redução do valor aduaneiro (subvaloração) e, a partir deste momento, por outro lado, é
juridicamente irrelevante a circunstância de a referida aplicação errônea ter se dado por
divergência de interpretações ou por mero erro. Fato é que houve um recolhimento a menor dos
tributos incidentes sobre a importação.
Além disso, deve-se ter em mente que, via de regra, o consequente legal para o
descumprimento de obrigação ou dever (ato ilícito) é a sanção (CARVALHO, 2019, p. 516;
SCHOUERI, 2019, p. 855). Nesse sentido, de acordo com Edmar Oliveira Andrade Filho (2003,
pp. 35-36):
a ilicitude está associada à idéia de um comportamento que viola um dever
jurídico de uma determinada maneira, isto é, quando alguém não deixa de
fazer o que deve ser feito – o que é obrigatório –, ou quando alguém faz o que
não pode ser feito, o que é proibido.
[...]
O ilícito é, em regra, objetivado normativamente pela figura do ‘fato típico’,
cuja realização concreta constitui o pressuposto da sanção.
A ideia em questão, de que o ato ilícito está, via de regra, ligado a uma sanção, encontra
fundamento, no campo da teoria do direito, sobretudo na teoria de Hans Kelsen (2009, p. 124),
segundo o qual:
a ação ou omissão determinada pela ordem jurídica, que forma a condição ou
o pressuposto de um ato de coerção estatuído pela mesma ordem jurídica,
representa o fato designado como ilícito ou delito.
Como visto no tópico 3.2.2.3, a Lei nº 9.430/1996 tratou de vincular a incidência da
multa no percentual de 75 ao não recolhimento do tributo devido – sendo esse não recolhimento,
ainda que parcial, o resultado último da subvaloração, conforme visto no tópico 3.2.2.2.
Assim, partindo-se da premissa de que só se fala em subvaloração a partir do momento
em que é constatado que o valor aduaneiro a que chegou a autoridade aduaneira é maior do que
o declarado, bem como considerando o delineamento feito acima acerca da antijuridicidade dos
atos jurídicos em geral, parece ser plausível concluir que a subvaloração está relacionada, a
rigor, em seu locus operacional (a diminuição da base de cálculo ocasionada pela incorreta
valoração aduaneira), a um ato ilícito.
Por outro lado, é necessário ter em mente que, de acordo com a conclusão a que se
chegou, a subvaloração corresponde a um ato ilícito apenas na medida em que, em última
instância, implica a declaração e o recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a
39

importação. Não à toa, como foi visto acima, a sanção aplicável neste caso é justamente àquela
que é comum às demais situações em que há recolhimento a menor.
Em outras palavras, a subvaloração não advém propriamente de uma conduta ilícita em
si mesma, mas resulta num ilícito na medida em que implica o descumprimento, ainda que
parcial, da obrigação tributária, ensejando, ainda, a aplicação da multa correspondente.
Tal ideia, aliás, parece presente na afirmação de Antenori Trevisan Neto (2010, p. 287)
de que “a subvaloração não resulta da prática de um ato ilícito” (grifo nosso).
Portanto, a conduta propriamente dita do importador, tomada isoladamente, não parece
que possa ser considerada, por si só, como pertencente ao campo da ilicitude. Completamente
diferente é a situação em que o importador adota conduta que, por si só, constitui infração,
como é o caso das fraudes, tema que será examinado adiante.

4 SUBFATURAMENTO

No capítulo 3, acima, foi conceituada a subvaloração e abordadas as principais


particularidades dessa figura, um dos fenômenos que podem ser constatados durante ou após o
despacho de importação. Resta, agora, percorrer o mesmo caminho em relação ao
subfaturamento, conceituando-o e abordando aspectos específicos que, depois, serão
considerados para a diferenciação entre ambas as figuras.

4.1 NOÇÕES GERAIS E CONCEITO

Tendo em vista que o valor aduaneiro representa a base de cálculo dos tributos
incidentes sobre a importação, há importadores que, quando do registro da DI, informam valor
a menor a fim de que as exações alcancem quantias totais menores.
Seguindo situação hipotética semelhante àquela utilizada no tópico 3.2.1, imagine-se
que o comprador/importador pagou R$ 1.000,00 por determinada mercadoria. Ao registrar a
DI, no entanto, opta, de maneira absolutamente consciente e intencional, por declarar a quantia
de R$ 500,00 como sendo o valor aduaneiro referente àquela importação, justamente com a
intenção de que os tributos incidentes sobre essa operação sejam menores. Está-se diante de
caso típico da figura objeto deste capítulo.
O subfaturamento, portanto, pode ser conceituado como a situação em que a parte,
mediante fraude, informa um valor aduaneiro diverso do efetivamente pago ou a pagar pelo
40

produto importado, visando à redução indevida da base de cálculo dos tributos aduaneiros
(CARVALHO, 2007, p. 207; SEHN, 2017, pp. 15-16).
Luciano Bushatsky Andrade de Alencar (2019, p. 67), dando enfoque às diversas
repercussões dessa infração, destaca que:
o subfaturamento consiste em prática ilícita, repercutindo não só na seara
tributária, mas também na penal e cambial. Para os que defendem esta posição,
o subfaturamento é a declaração de valor a menor, através de alteração da
realidade, pressupondo a prática de falsidade, seja ela material ou ideológica.
Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, pp. 250-251), por sua vez, entende que, em termos
de interesses públicos37 juridicamente protegidos, tais repercussões não se limitam às áreas
tributária, penal e cambiária:
O subfaturamento é uma das operações fraudulentas com maior grau de
ilicitude, por afrontar tanto a arrecadação tributária na incidência dos impostos
e contribuições sobre o comércio exterior, quanto o principal bem jurídico
tutelado pelas normas aduaneiras: o controle aduaneiro. Além, é claro, da
afronta aos Princípios Constitucionais da Isonomia e da Livre Concorrência.38
O autor explicita, ainda, de que maneira tais princípios são afrontados e o papel do
Estado no combate a tais práticas:
Não são apenas os cofres públicos que são lesados com o subfaturamento, mas
também a livre concorrência: em setores muito competitivos, qualquer
redução de algum elemento de custo (no caso, os impostos e contribuições
incidentes na importação) altera, de forma incisiva, o mercado, prejudicando
as empresas que atuam de forma lícita. Também o controle cambial é afetado
com a evasão de divisas, visto que a remessa da diferença entre os valores
pactuados e os valores declarados na operação subfaturada dar-se-á de forma
ilícita, à margem do controle regular. A Administração Aduaneira tem o dever
constitucional (art. 237) de efetuar o controle aduaneiro, tanto para resguardar
os interesses fazendários, quanto para defender a livre concorrência e outros
direitos econômicos e sociais.
O próprio AVA, aliás, possui disposições que demonstram a importância de que a
autoridade, quando do exercício do seu poder fiscalizatório sobre a valoração aduaneira, tenha
segurança de que está lidando com documentos e afirmações verdadeiras, a exemplo do art. 17
e do § 6º do Anexo III, já mencionados anteriormente.
Restando delineado o conceito de subfaturamento e as principais consequências que tal
prática acarreta, é relevante adentrar em maiores especificidades, notadamente as diferentes
modalidades utilizadas para a prática desta infração, as sanções que devem ser aplicadas caso

37
Com essa expressão, não nos referimos à figura do interesse público presente sobretudo nas normas de direito
administrativo, mas sim a interesses que o ordenamento jurídico opta por, direta ou indiretamente, proteger.
38
Em relação especificamente à afirmação do autor de que o subfaturamento é uma das infrações com “o maior
grau de ilicitude” – e embora a razão da utilização da referida obra neste tópico não seja esse trecho, mas aquele
que lhe é subsequente –, reporta-se às considerações feitas no tópico 3.2.2.4.
41

haja a comprovação de sua ocorrência e outras particularidades que permitirão com que sejam
abordadas, no capítulo 5, as distinções específicas existentes entre essa figura e a subvaloração.

4.2 ASPECTOS ESPECÍFICOS DO SUBFATURAMENTO

4.2.1 Hipóteses de caracterização

Vera Lúcia Feil Ponciano (2008, p. 284), em artigo voltado à caracterização do


subfaturamento e à possibilidade de aplicação da pena de perdimento a essa sanção – questão
sobre a qual pende divergência na doutrina, como será abordado no tópico 4.3.1., adiante –,
trata da fraude ora analisada partindo do pressuposto de que sempre haveria o conluio entre
importador e exportador a fim de diminuir a base da cálculo dos tributos incidentes sobre a
importação, por meio de um pagamento realizado, por assim dizer, fora da visão da autoridade
aduaneira. Nas palavras da autora:
A transação envolvendo promessa de pagamento da diferença de valores
oportunamente, por vias indiretas, com o objetivo de introduzir mercadoria no
país com o pagamento menor de tributos, é um ‘acordo’ que pode ser feito
entre importador e exportador. A simulação que ocorre, nessa condição, se
subsume na própria definição do termo ‘subfaturar’, o qual, para Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira, significa “emitir fatura com preço abaixo do
efetivamente cobrado, para burlar o fisco ou, no caso de exportação, as
normas de compra e venda de moeda estrangeira, sendo a diferença recebida
à parte, sem escrituração”.
Ponciano conclui, em trecho que parece confirmar nossa interpretação de seu
entendimento, que, “[a]ssim, subfaturar é emitir documento fiscal de valor inferior à venda
contratada” (grifo nosso).
A autora, portanto, entende que, tratando-se de subfaturamento, há, necessariamente,
conluio entre o importador e o exportador.
No entanto, com exceção da referida autora, a opinião na doutrina é unânime no sentido
de que a infração ora analisada pode ser praticada também unilateralmente. Solon Sehn (2017,
p. 15), aliás, noticia que a maior parte dos casos de fraude e sonegação na importação se dá por
meio da falsificação da fatura, o que não envolve necessariamente conluio entre importador e
exportador. Tal informação é, ainda, corroborada por Rodrigo Mineiro Fernandes (2018, p.
174).
Além disso, a doutrina de modo geral entende que a prática desta infração se dá,
basicamente, de duas maneiras: por meio da falsidade material e da falsidade ideológica
(SEHN, 2021a, p. 149; CARVALHO, 2007, p. 212; BUSHATSKY, 2019, p. 67;
42

FERNANDES, 2013, p. 251; TREVISAN NETO, 2010, p. 287), meios de fraude que serão
analisados a seguir.

4.2.1.1 Falsidade material

A chamada falsidade material, no âmbito do subfaturamento, ocorre quando a fraude


recai diretamente sobre o principal documento que ampara a declaração do valor aduaneiro: a
fatura, um dos documentos que devem instruir a DI (art. 18 da IN nº 680/200639).
As formas pelas quais esse tipo de falsificação ocorre são duas: (a) ou a fatura original,
emitida pelo exportador – e que contém o valor verdadeiro efetivamente pago ou a pagar pela
mercadoria – é alterada pelo importador, (b) ou esse último emite uma fatura falsa, que substitui
a original para fins de instrução da DI, (SEHN, 2021a, p. 149).
Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 252), tratando dessa última situação – substituição
da fatura verdadeira por uma falsa –, noticia, ainda, a frequência dessa fraude e o fato de que
ela é comumente conjugada com a interposição fraudulenta de terceiros:
Na falsidade documental material, a ilicitude consiste na adulteração da forma
do documento, no seu aspecto externo. Ocorre esta prática fraudulenta
quando, por exemplo, o importador ou seu representante substitui a fatura
enviada pelo exportador por outra fatura. O documento fraudulento foi
produzido pelo importador, por seu representante, ou por sua conta e ordem,
para adulterar os elementos principais da fatura comercial (nome do
importador ou real adquirente, nos casos de interposição fraudulenta e
ocultação; preço, no caso de subfaturamento). Este procedimento é muito
frequente nas fraudes apuradas pela Administração Aduaneira brasileira, com
a conjugação de subfaturamento e interposição fraudulenta de terceiros, com
a fraude documental abrangendo tanto o importador, quanto o preço praticado.
Por meio da falsidade material, como é possível inferir, a fraude pode ocorrer
unilateralmente por parte do importador. De um lado, esse caminho implica, por óbvio, menos
empecilhos para o referido interveniente relativamente ao seu objetivo de reduzir a base de
cálculo dos tributos incidentes sobre a operação. De outro, abre, por assim dizer, uma porta para
que o Fisco consiga mais facilmente obter os elementos necessários para comprovar a fraude e
embasar o auto de infração.

39
“Art. 18. A DI será instruída com os seguintes documentos:
I - via original do conhecimento de carga ou documento equivalente;
II - via original da fatura comercial, assinada pelo exportador;
III - romaneio de carga (packing list), quando aplicável; e
IV - outros, exigidos exclusivamente em decorrência de Acordos Internacionais ou de legislação específica.”
43

Isso porque a Receita Federal pode, por exemplo, por expressa permissão do parágrafo
único do art. 82 do RA40, estabelecer contato com a autoridade aduaneira do país do exportador,
a fim de que sejam obtidas as faturas originais referentes a determinada importação, as quais,
confrontadas com as faturas apresentadas pelo importador no Brasil, são aptas a comprovar
cabalmente o subfaturamento.
Essa situação já foi objeto de casos julgados pelo Carf, podendo-se mencionar, a título
de exemplo, o acórdão proferido no processo nº 10521.000799/2007-93, cujos seguintes trechos
importa transcrever:
Conforme se extrai do Relatório de Fiscalização (fls. 129-146), A Inspetoria
da Receita Federal do Brasil em Porto Alegre – RS, recebeu informação da
Aduana Norte Americana em resposta ao pedido formulado pela DRF-
Rio Grande relativa às importações efetuadas pela empresa Max Nutrition.
De acordo com o documento, as faturas comerciais apresentadas pela
empresa brasileira eram falsas, tendo sido a documentação original
entregue pelo diretor de vendas da empresa americana, Max Muscle.
[...]
Fácil perceber que, no caso em tela, diferente do alegado pela recorrente, a
Max Nutrition (Brasil) utilizou-se de falsidade material, substituindo a fatura
original emitida pela Max Muscle (EUA) por uma outra, falsa, com declaração
de valores (muito) inferiores ao efetivamente praticados, configurando a
hipótese de subfaturamento.
O mesmo acórdão, aliás, confirma, em outro trecho, a circunstância de que a falsidade
material é, geralmente, praticada unilateralmente pelo importador:
[A] falsidade material é típica dos casos onde o importador não atua em
conjunto com o exportador, visto que se vê obrigado a produzir novo
documento, diferente do original, para subfaturar os preços praticados. Prova
disso, a fraude foi desvendada inclusive com a colaboração da empresa
estrangeira, que apresentou os documentos originais à Aduana norte-
americana41.
Assim, na falsidade material, a fraude não recai apenas sobre o conteúdo da fatura
comercial, pois esse foi, em princípio, efetivamente objeto de declaração verdadeira do
exportador. Esse conteúdo verdadeiro, no entanto, não é apresentado pelo importador ao Fisco,
pois, como visto acima, ou a fatura verdadeira é completamente omitida, ou é alterada de modo
a distorcer as informações consignadas, de forma verdadeira, pelo exportador.

40
“Parágrafo único Nos casos previstos no caput, a autoridade aduaneira poderá solicitar informações à
administração aduaneira do país exportador, inclusive o fornecimento do valor declarado na exportação da
mercadoria.”
41
Acórdão nº 3402-008.623, proferido pela 3ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, em
22/06/2021. Relator: Sílvio Rennan do Nascimento Almeida.
44

Relativamente à última situação narrada acima – falsificação da fatura verdadeira para


fins de apresentação ao Fisco –, Solon Sehn (2021a, pp. 152-153) aponta os elementos sobre os
quais deve recair a falsidade para fins de caracterização da falsidade material, diferenciando a
efetiva falsificação de uma mera irregularidade na fatura. Nas palavras do autor:
Não basta a constatação de simples irregularidade ou preterição de
formalidade não essencial. O falso deve ser relativo a fato juridicamente
relevante. A autoridade aduaneira não pode concluir pela falsidade material
apenas porque constatou divergências, por exemplo, no logotipo do
exportador, decorrentes da comparação entre o documento e o ‘site’ da
empresa. Tampouco pode afirmar a falsidade em face da ausência de indicação
do cargo ou da função do signatário.
De acordo com tal entendimento, divergências relativas a tais elementos – apontados de
modo exemplificativo, não exaustivo – podem servir apenas como um indício para uma
fiscalização mais profunda.
Tal afirmação se dá em razão do critério utilizado pelo autor para qualificar o que seria
juridicamente relevante para fins de caracterizar a falsidade material, qual seja, o art. 557 do
RA42, que determina quais elementos devem ser indicados na fatura comercial que, por sua vez,
deve instruir a DI, por determinação do art. 18 da IN 680/2006, como já mencionado.
Solon Sehn (2021a, p. 154), por fim, ressalta que a comprovação propriamente dita da
falsidade material deve ser realizada por meio de perícia técnica.

42
“Art. 557. A fatura comercial deverá conter as seguintes indicações:
I - nome e endereço, completos, do exportador;
II - nome e endereço, completos, do importador e, se for caso, do adquirente ou do encomendante predeterminado;
III - especificação das mercadorias em português ou em idioma oficial do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio,
ou, se em outro idioma, acompanhada de tradução em língua portuguesa, a critério da autoridade aduaneira,
contendo as denominações próprias e comerciais, com a indicação dos elementos indispensáveis a sua perfeita
identificação;
IV - marca, numeração e, se houver, número de referência dos volumes;
V - quantidade e espécie dos volumes;
VI - peso bruto dos volumes, entendendo-se, como tal, o da mercadoria com todos os seus recipientes, embalagens
e demais envoltórios;
VI - peso bruto dos volumes;
VII - peso líquido, assim considerado o da mercadoria livre de todo e qualquer envoltório;
VII - peso líquido dos volumes;
VIII - país de origem, como tal entendido aquele onde houver sido produzida a mercadoria ou onde tiver ocorrido
a última transformação substancial;
IX - país de aquisição, assim considerado aquele do qual a mercadoria foi adquirida para ser exportada para o
Brasil, independentemente do país de origem da mercadoria ou de seus insumos;
X - país de procedência, assim considerado aquele onde se encontrava a mercadoria no momento de sua aquisição;
XI - preço unitário e total de cada espécie de mercadoria e, se houver, o montante e a natureza das reduções e dos
descontos concedidos;
XII - custo de transporte a que se refere o inciso I do art. 77 e demais despesas relativas às mercadorias
especificadas na fatura;
XIII - condições e moeda de pagamento; e
XIV - termo da condição de venda (INCOTERM).”
45

4.2.1.2 Falsidade ideológica

Na falsidade ideológica, a fatura que instrui a DI é verdadeira, isto é, ela foi assinada
pelo exportador exatamente com as declarações nela constantes, a teor do que exige o art. 18,
II, da IN nº 680/200643.
O aspecto enganoso, neste caso, reside no próprio conteúdo da fatura, de modo que,
partindo do pressuposto de que essa foi devidamente assinada pelo exportador conforme
exigido pelo dispositivo mencionado, infere-se que a falsidade ideológica necessariamente
ocorre mediante conluio entre importador e exportador (SEHN, 2021a, p. 149).
Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 252) entende que, tratando-se de subfaturamento,
sempre há, em última instância, a falsidade ideológica. A questão, portanto, seria verificar se,
no caso concreto, ela está, ou não, acompanhada da falsidade material. De todo modo, o autor
não nega a distinção e as implicações, sobretudo probatórias, advindas da presença de uma ou
de outra natureza de falsificação em determinado caso concreto.
A respeito especificamente da falsidade ideológica, Mineiro afirma (2018, p. 174):
Já na falsidade documental ideológica, a ilicitude consiste na alteração de
conteúdo do documento, ou seja, seu conteúdo apresenta declarações falsas,
sem correspondência com a realidade dos fatos. Normalmente, tal falsidade é
praticada mediante conluio entre o exportador e o importador, de forma a
dificultar o conhecimento da Administração Aduaneira do preço efetivamente
praticado na operação comercial, violando o controle aduaneiro. Não se trata
de uma mera infração de natureza tributária, com o objetivo de reduzir o
montante do tributo devido na importação, mas uma grave lesão ao controle
aduaneiro, com a falsa declaração expressa à Aduana de uma situação fática
que não corresponde à realidade da operação comercial efetuada na
importação.
Ainda na mesma obra, o autor (2013, p. 253) ressalta, em trecho que diz respeito a ambas
as formas de falsificação – mas que, aparentemente, tem ainda maior valia relativamente à
falsidade ideológica –, que “a operação comercial efetivamente praticada poderá ser
comprovada através de outros documentos como, por exemplo, as ordens de compra e as faturas
pro forma, cotações de preço, conjugados ou não com documentos financeiros”.
Isso porque, como já mencionado, na falsidade ideológica há conluio entre o importador
e o exportador, de modo que esse último emite e assina a fatura verdadeira, porém, com
conteúdo (preço das mercadorias, por exemplo) que não corresponde à verdade. Logo, não há
uma segunda fatura a ser obtida pela autoridade e tampouco a perícia técnica poderia comprovar
qualquer falsificação.

43
Ver nota de rodapé 26, acima.
46

Assim, a prova a ser produzida pela autoridade aduaneira deve envolver, em geral, a
comprovação de que houve o pagamento de um valor a maior em relação àquele informado
quando do registro da DI. A respeito dessa circunstância, Solon Sehn (2021a, p. 162) afirma
que a caracterização da falsidade ideológica “resulta da própria demonstração da discrepância
entre o valor declarado e o preço real”, o que, inclusive, repercute na determinação da base de
cálculo dos tributos em caso de subfaturamento, como será visto no tópico 4.3.1., adiante.

4.2.2 Presença do dolo no subfaturamento

Conforme se pode concluir daquilo que foi exposto no tópico 4.2.1., no subfaturamento,
o importador informa preço diferente daquele efetivamente pago ou a pagar visando,
justamente, à redução ilegal da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação
(SEHN, 2021a, p. 156).
Ademais, como vimos, tal prática envolve necessariamente uma fraude, mediante
falsidade ligada à fatura comercial, seja ela material, adulterando a fatura original ou a
substituindo por uma falsa, seja ideológica, emitindo fatura verdadeira, mas com conteúdo
enganoso.
A doutrina, ademais, para fins especificamente de tratar do subfaturamento, extrai os
conceitos de fraude e conluio dos arts. 72 e 73 da Lei nº 4.502/1964, que preveem o dolo
expressamente (SEHN, 2017, p. 15; PONCIANO, 2013, pp. 271-272; CARVALHO, 2007, p.
209; BUSHATSKY, 2019, p. 89):
Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária
principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo
a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou
jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.
Portanto, o próprio ordenamento jurídico, ao conceituar a fraude, prevê expressamente
que essa ocorre de maneira dolosa.
Ademais, além de tal elemento constar expressamente nos dispositivos acima
transcritos, os próprios meios pelos quais o subfaturamento é praticado não deixam dúvidas da
presença do dolo. Isso porque não há como se imaginar que o importador possa adulterar a
fatura comercial, ou que ele e o exportador pudessem acordar em declarar ao Fisco valor irreal,
de forma não intencional.
Nas palavras de Edmar Oliveira Andrade Filho (2003, p. 124):
47

A fraude à qual se refere o texto normativo é toda ação ou omissão praticada


com ardil, astúcia, malícia ou má-fé, com a qual o sujeito passivo visa a
impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária ou que implique
a modificação de algum dos outros aspectos (quantitativo, pessoal, territorial
ou temporal) da relação jurídica tributária. (grifo nosso)
Não há dúvida, portanto, de que o subfaturamento corresponde a infração eivada de
dolo, isto é, em que a parte possui e efetivamente manifesta a intenção de fraudar a fiscalização
com a precípua finalidade de diminuir a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a
importação.

4.2.3 Locus operacional e ilicitude do subfaturamento

Marco Aurelio Greco (2001, p. 150), afirma que a palavra “fraude”, quando utilizada
no âmbito das relações tributárias, pode se referir a dois conceitos, quais sejam:
1) fraude à lei, em que há atos lícitos e violação indireta ao espírito da lei ou
ao ordenamento jurídico como um todo; e 2) a fraude contra o Fisco em que
a conduta agride diretamente uma norma que assegura um direito ou crédito
do Fisco – existente ou em curso de formação – de modo a escondê-lo ou
impedir o seu surgimento.
Tratando-se do subfaturamento, tem-se a segunda das situações narradas pelo autor,
notadamente uma conduta que agride diretamente uma norma que assegura um direito ou
crédito do Fisco.
De fato, a mera conduta consistente na fraude da fatura comercial está essencialmente
ligada à redução do valor aduaneiro, até mesmo porque, como foi visto no tópico anterior, é
precisamente essa a intenção manifestada pelo importador.
Não se está a afirmar, é claro, que o subfaturamento independe do resultado (a redução
da base de cálculo dos tributos). Afinal, se não fosse esse o caso, não se estaria sequer diante
de hipótese dessa infração. Esse resultado, porém, está inerentemente atrelado à conduta do
importador, visto que esse a adota absolutamente consciente do fato de que a falsificação –
material ou ideológica – da fatura implicará a redução da base de cálculo.
Portanto, ao contrário do que ocorre na subvaloração, a circunstância de o valor
aduaneiro correto ser maior do que o declarado está essencialmente ligada à conduta fraudulenta
do importador. É nesse sentido que se pode afirmar, em contraposição ao que foi concluído
quanto à subvaloração, que o locus operacional do subfaturamento está vinculado à conduta do
fraudador.
A outra conclusão que se pode extrair da lição de Marco Aurelio Greco acima transcrita
diz respeito à ilicitude no subfaturamento.
48

Inicialmente, é relevante notar que não há qualquer dúvida acerca do caráter ilícito dessa
figura. Trata-se efetivamente de infração punida com penas rigorosas – uma das penalidades
sobre as quais pende a controvérsia doutrinária apontada no tópico 4.3.2., relembra-se, é a de
perdimento da mercadoria – e que, ademais, é cometida necessariamente mediante fraude, o
que parece não deixar dúvidas acerca da antijuridicidade da prática em questão.
O que importa notarmos, todavia, sobretudo para os fins a que se destina este trabalho,
é que, ao contrário do que ocorre na subvaloração, o subfaturamento não é ilícito apenas na
medida em que acarreta a redução da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação.
O mero fato de que se trata de figura praticada sempre por meio de fraude já denota que
a ilicitude não se verifica apenas no recolhimento a menor das exações. O caráter ilícito do
subfaturamento se verifica, num primeiro momento, na conduta propriamente dita do
importador, que falsifica os documentos que embasam o valor aduaneiro a ser adotado em
determinada operação de importação.
Num segundo momento, verifica-se outra ilicitude (isto é, o descumprimento de outra
norma jurídica), qual seja, o recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a importação,
ocasionado precisa e inerentemente pela fraude.

4.3 CONSEQUÊNCIAS DO SUBFATURAMENTO

4.3.1 Determinação da base de cálculo

O AVA outorga à legislação interna o papel de regular os procedimentos fiscais e a


apuração do valor aduaneiro no caso de fraude, conforme interpretação extraída do art. 17 e do
§ 6º do Anexo III do AVA, bem como da Opinião Consultiva 10.1 do CTVA da OMC
(CARVALHO, 2007, p. 226; SEHN, 2021b, pp. 92-93).
O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, prevê soluções para os casos em que,
por algum motivo, a base de cálculo de algum tributo não puder ser determinada de acordo com
as normas que, via de regra, regulamentam esse aspecto. Não é diferente no que diz respeito
aos tributos incidentes sobre as operações de comércio exterior.
É por isso que o art. 88 da Medida Provisória nº 2.135-35/2001 prevê o seguinte:
Art. 88. No caso de fraude, sonegação ou conluio, em que não seja possível a
apuração do preço efetivamente praticado na importação, a base de cálculo
dos tributos e demais direitos incidentes será determinada mediante
arbitramento do preço da mercadoria, em conformidade com um dos seguintes
critérios, observada a ordem seqüencial:
I - preço de exportação para o País, de mercadoria idêntica ou similar;
49

II - preço no mercado internacional, apurado:


a) em cotação de bolsa de mercadoria ou em publicação especializada;
b) de acordo com o método previsto no Artigo 7 do Acordo para
Implementação do Artigo VII do GATT/1994, aprovado pelo Decreto
Legislativo no 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto no
1.355, de 30 de dezembro de 1994, observados os dados disponíveis e o
princípio da razoabilidade; ou
c) mediante laudo expedido por entidade ou técnico especializado.
O caput do dispositivo, especificamente por meio da expressão “no caso de fraude [...],
em que não seja possível a apuração do preço efetivamente pago na importação”, evidencia que
o subfaturamento é abarcado por tal previsão. É o que afirmam, ainda, Solon Sehn (2021a, p.
162), Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 254), Vera Lúcia Feil Ponciano (2013, p. 270). Os
dois últimos autores afirmam, ademais, que tal previsão vai ao encontro, inclusive, do que
estabelece o art. 148 do Código Tributário Nacional44.
Além disso, Solon Sehn (2021a, p. 162), tendo em vista a distinção apontada no tópico
4.2.1., alerta para o fato de que, por razões lógicas, o arbitramento previsto no art. 88 da MP nº
2.158-35/2001 não é cabível no caso de falsidade ideológica, na medida em que a infração
praticada sob essa modalidade de fraude é caracterizada justamente pela diferença entre o valor
declarado e o que foi efetivamente praticado.
Neste caso, portanto, a autoridade invariavelmente tem conhecimento do valor objeto
do contrato de compra e venda pelas partes, devendo utilizá-lo para a determinação da base de
cálculo. O autor afirma, ainda, que, se não for esse o caminho adotado pela autoridade, o auto
de infração padece de nulidade, por vício material.
Em primeiro lugar, parece que tal conclusão vai ao encontro justamente da redação do
caput do art. 88 da MP Nº 2.158-35/2001 (“em que não seja possível a apuração do preço
efetivamente praticado na importação”).
Além disso, a utilização de outro valor (arbitrado) que não o efetivamente praticado,
mesmo tendo a autoridade conhecimento desse último, iria contra um dos princípios do AVA,
qual seja, o da primazia do valor da transação, como visto no tópico 2.2., acima.

44
“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens,
direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou
preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os
documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de
contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.”
50

4.3.2 Penalidade aplicável

A penalidade aplicável ao subfaturamento é objeto de divergência na doutrina,


porquanto, à primeira vista, parece haver dois dispositivos aptos a regular a matéria. O primeiro
é o parágrafo único do art. 88 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que assim dispõe45:
Parágrafo único. Aplica-se a multa administrativa de cem por cento sobre a
diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente praticado na
importação ou entre o preço declarado e o preço arbitrado, sem prejuízo da
exigência dos impostos, da multa de ofício prevista no art. 44 da Lei no 9.430,
de 1996, e dos acréscimos legais cabíveis.
O outro é o art. 689, VI, c/c § 3º, do RA:
Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes
hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art.
105; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, caput e § 1º, este com a redação
dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59):
[...]
VI - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer
documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado
ou adulterado.
A divergência, portanto, tem por objeto definir se a penalidade aplicável ao
subfaturamento é multa ou o perdimento da mercadoria.
Solon Sehn (2021a, p. 172) entende que a penalidade aplicável é aquela prevista no
art. 88 da MP 2.158-35/2001, na medida em que a referida Medida Provisória estabelece uma
sanção específica para o caso de subfaturamento, ou seja, em razão da aplicação da regra da
especialidade.
O autor afirma, ainda, que “tampouco se deve cogitar da aplicação cumulativa do
perdimento e da sanção do art. 703”, sob pena de caracterização de bis in idem.
Outra parte da doutrina, no entanto, afirma que ao subfaturamento é aplicável a pena
de perdimento, como é o caso, por exemplo, de Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 262-263).
Todavia, não se afigura relevante, para este trabalho, qualquer aprofundamento acerca
dessa discussão. O que importa notar é que, mesmo havendo divergência quanto à penalidade
aplicável ao subfaturamento, nenhuma das duas sanções sob discussão é aquela aplicável à
subvaloração, vista no tópico 3.2.2.3., circunstância que será de especial valia na determinação
dos fatores que diferenciam as duas figuras objeto deste trabalho.

45
O dispositivo é reproduzido pelo art. 703 do RA: “Art. 703. Nas hipóteses em que o preço declarado for diferente
do arbitrado na forma do art. 86 ou do efetivamente praticado, aplica-se a multa de cem por cento sobre a diferença,
sem prejuízo da exigência dos tributos, da multa de ofício referida no art. 725 e dos acréscimos legais cabíveis
(Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 88, parágrafo único)”.
51

5 SUBVALORAÇÃO E SUBFATURAMENTO: DIFERENÇAS E


APROXIMAÇÃO

Diante de tudo o que foi exposto, é possível cotejar os elementos de cada uma das figuras
analisadas neste trabalho, a fim de diferenciá-las e, por fim, destacar uma situação de possível
ocorrência que implica uma aproximação entre a subvaloração e o subfaturamento e que,
consequentemente, pode ser causa de confusão entre ambos.

5.1 DISTINÇÃO

5.1.1 Contexto normativo

O primeiro critério em relação ao qual se pode cotejar os diversos aspectos da


subvaloração e do subfaturamento diz respeito ao próprio contexto normativo46 em que cada
uma das figuras em questão está inserida.
No que diz respeito à subvaloração, viu-se que esse fenômeno se insere sobretudo no
âmbito da regras de valoração aduaneira estabelecidas no AVA.
O referido acordo, como foi visto, não se presta ao controle de operações fraudulentas,
competindo aos Estados desenvolver legislação interna sobre o tema e preparar as autoridades
para esse tipo de atuação (CARVALHO, 2007, p. 209).
Com efeito, o intuito do acordo não é esse, mas o de estabelecer um arcabouço
normativo que permita valorar as mercadorias importadas de acordo com critérios objetivos,
equitativos e neutros (SEHN, 2021b, p. 93), adotados uniformemente em âmbito global, em
detrimento de valores arbitrários e fictícios, consoante estabelece o próprio preâmbulo do AVA:
Reconhecendo a importância das disposições do Artigo VII do GATT 1994 e
desejando elaborar normas para sua aplicação com vistas a assegurar maior
uniformidade e precisão na sua implementação;
Reconhecendo a necessidade de um sistema eqüitativo, uniforme e neutro para
a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de
valores aduaneiros arbitrários ou fictícios.
Isso não significa, é claro, que os elaboradores e representantes dos Estados Partes do
AVA ignorem a ocorrência de fraudes no âmbito do comércio exterior. O acordo, inclusive, faz
referência a esse tipo de atividade no art. 17, que dispõe:
Nenhuma disposição deste Acordo poderá ser interpretada como restrição ou
questionamento dos direitos que têm as administrações aduaneiras de se

46
A expressão “contexto normativo”, neste trabalho, refere-se aos fundamentos políticos que, em linhas gerais,
justificam a existência do conjunto de normas que rege cada uma das figuras analisadas.
52

asseguraram de veracidade ou exatidão de qualquer afirmação, documento ou


declaração apresentados para fins de valoração aduaneira.
O § 6º do Anexo III, no entanto, ao tratar do dispositivo colacionado acima, remete aos
Estados Partes a elaboração de leis e procedimentos voltados à fiscalização da veracidade das
informações prestadas:
6. O Artigo 17 reconhece que, ao aplicar o Acordo, as administrações
aduaneiras podem ter necessidades de averiguar a veracidade ou a exatidão de
qualquer afirmação, documento ou declaração que lhes for apresentada para
fins de valoração aduaneira. As Partes concordam ainda que o Artigo admite
igualmente que se proceda a investigações para, por exemplo, verificar se os
elementos para a determinação do valor, apresentados ou declarados às
autoridades aduaneiras alfandegárias, são completos e corretos. Os Membros,
nos termos de suas leis e procedimentos nacionais, têm o direito de contar
com a cooperação plena dos importadores para tais investigações.
Em suma, a subvaloração é caracterizada no âmbito do AVA, instrumento normativo
cujo intuito é a determinação do valor aduaneiro, por meio de critérios neutros, em quantia que
seja a mais próxima possível dos elementos efetivamente reais.
O subfaturamento, diferentemente, é configurado no âmbito da legislação nacional que
tem como finalidade o combate às fraudes aduaneiras, isto é, punir o infrator que frustra não
apenas a arrecadação de tributos, mas também o próprio controle aduaneiro (MINEIRO, 2013,
p. 250).
Portanto, o contexto normativo de cada uma das figuras já parece evidenciar a distinção
entre ambas.

5.1.2 Caracterização

Outro critério que se pode utilizar, a partir do que foi visto nos capítulos 3 e 4 deste
trabalho, para diferenciar a subvaloração e o subfaturamento diz respeito às próprias hipóteses
de caracterização de cada um desses fenômenos.
Viu-se que o fenômeno da subvaloração consiste na redução da base de cálculo dos
tributos incidentes sobre a importação em decorrência da aplicação, pela autoridade aduaneira,
das regras do AVA de modo diverso daquela pela qual o importador realizou a valoração.
Essa aplicação diversa (e que, ao menos juridicamente, pode ser considerada a correta,
isto é, aquela que subsome a situação fática às regras de valoração do AVA em conformidade
com o direito positivo), por sua vez, pode ser ocasionada por diversos fatores, por exemplo: (i)
não inclusão dos ajustes previstos no art. 8 do AVA; (ii) incidência de uma das regras que
determinam a inaplicabilidade do método de valoração adotado pelo importador; e (iii) presença
53

de elementos objetivos que ensejem a dúvida, por parte da autoridade, acerca da veracidade ou
exatidão das declarações apresentadas pelo importador.
O subfaturamento, diferentemente, consiste na redução da base de cálculo dos tributos
incidentes sobre a importação ocasionada pela falsificação da fatura comercial por parte do
importador.
A falsificação, por sua vez, pode consistir em falsidade material ou ideológica. Naquela
primeira, a fraude recai diretamente sobre a própria fatura comercial, de modo que ou o
importador altera a fatura original para que nela passe a constar a informação enganosa ou a
própria fatura original é substituída por uma falsa. Na falsidade material, a fatura em si é
verdadeira, isto é, foi emitida e assinada pelo vendedor da mercadoria. O seu conteúdo, todavia,
é falso.
No entanto, por qualquer que seja o meio que se pratique o subfaturamento, não há
qualquer identidade, relativamente a esse aspecto, com a subvaloração, uma vez que, nessa
última, a autoridade aduaneira está diante de informações verdadeiras47, de acordo, sobretudo,
com a ideia segundo a qual, no âmbito do AVA, o importador age de maneira presumidamente
lícita (TÔRRES, 2005, p. 229).
Assim, também no que se refere a esse aspecto, pode-se diferenciar a subvaloração e o
subfaturamento a partir do que foi visto nos capítulos 3 e 4.

5.1.3 Dolo

O outro elemento utilizado neste trabalho para distinguir a subvaloração do


subfaturamento consiste no dolo.
Essa fraude é – e não poderia ser diferente – praticada com dolo, isto é, de maneira
absolutamente consciente e intencional (SCHUNEMANN, 2013, p. 129, apud SEHN, 2021a,
pp. 38-39), com o intuito de efetivar o resultado mencionado no parágrafo anterior (redução do
valor aduaneiro).
Diferente é o que ocorre na subvaloração, em que as circunstâncias que ensejam a
aplicação das regras do AVA de forma diversa daquela adotada pelo importador não são
causadas de má-fé por esse último, até mesmo porque, como foi visto, o próprio AVA pressupõe
um agir lícito do contribuinte (TÔRRES, 2005, p. 229).

47
É possível, como foi visto, que haja, no máximo, dúvida sobre a veracidade das informações prestadas. Se houver
efetiva comprovação da inveracidade, estar-se-á diante de subfaturamento. Essa aproximação circunstancial entre
ambas as figuras será analisada no tópico 5.2., abaixo.
54

Elemento que acaba por corroborar a ideia de que não há dolo na subvaloração consiste
na própria (im)possibilidade de que o importador preveja o resultado de sua conduta,
circunstância que se relaciona diretamente com o critério que abordamos no tópico 3.2.2.2. Isso
porque, na subvaloração, não se pode afirmar que o importador sabia do resultado (redução da
base de cálculo) no momento em que adotou sua conduta (valoração aduaneira da maneira X,
incorreta). Só se pode dizer efetivamente que o valor aduaneiro era maior a partir do momento
em que a autoridade realiza a valoração (da maneira Y, correta) e essa circunstância resulta em
discrepância a maior.
Logo, também à luz desse aspecto é possível diferenciar a subvaloração do
subfaturamento.

5.1.4 Licitude ou ilicitude

Além dos critérios objeto dos tópicos antecedentes, também foi analisado, nos tópicos
3.2.2.4. e 4.2.3., a licitude ou ilicitude relacionadas às figuras objeto deste trabalho.
Em relação ao subfaturamento, viu-se que a doutrina não diverge quanto ao seu caráter
ilícito. Não poderia ser diferente, já que se trata de inequívoca infração aduaneira e tributária.
Ademais, o fato de que se está diante de ato fraudulento permite concluir que, neste caso, a
própria conduta do importador (falsificar a documentação de instrução obrigatória da DI para
fraudar a fiscalização aduaneira) é eivada de ilicitude. O resultado dessa conduta (a diminuição
do valor aduaneiro e o consequente recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a
importação), por sua vez, é igualmente ilícito, notadamente sob o ponto de vista tributário48.
No que se refere à subvaloração, foi visto que a jurisprudência e a doutrina,
majoritariamente, classificam-na, sem ressalvas, como pertencente ao campo da licitude,
enquanto o subfaturamento consistiria – e efetivamente consiste, como visto acima – em ato
ilícito.
Tais afirmações parecem ter como intuito distinguir as duas referidas figuras. No
entanto, diante da ideia incontroversa de que a toda sanção corresponde um ato ilícito e
considerando que o recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a importação – resultado
último da subvaloração – é punido com a multa prevista no art. 44, I, da Lei nº 9.430/1996,
concluiu-se que a subvaloração está relacionada efetivamente a um ato ilícito.

48
Não se pode perder de vista – especialmente para a conclusão a que se chega neste tópico – que, em que pese
essa classificação da ilicitude pelo ramo do direito a que ela diz respeito, o ilícito é sempre uma transgressão à lei,
de modo que, a rigor, “não importa aos doutrinadores diferenciar o ilícito civil, o penal ou o tributário” (STAHL,
2015, p. 323).
55

Assim, foi possível concluir que a distinção propriamente dita não está na circunstância
de a ilicitude estar presente em uma e não na outra, mas sim no fato de que, no subfaturamento,
há um elemento da própria conduta do importador que, por si só, constitui ato ilícito, qual seja,
a falsificação da fatura comercial com a intenção de recolhimento a menor dos tributos devidos.
Em outras palavras, a subvaloração não se origina, propriamente, de uma conduta ilícita,
em que pese acabe implicando uma. O subfaturamento, por outro lado, tem origem
precisamente em uma conduta fraudulenta, cuja antijuridicidade é notória e, não à toa, punida
com alto rigor pelas normas aduaneiras sancionatórias.

5.1.5 Locus operacional

Por fim, outro aspecto que foi analisado no presente trabalho diz respeito ao locus
operacional da subvaloração e do subfaturamento, isto é, à determinação do momento em que
se pode afirmar que se concretiza cada uma dessas figuras.
Concluiu-se, em síntese, que o subfaturamento está inerentemente atrelado, em seu
resultado, à própria conduta do importador. Afinal, esse último falsifica a fatura comercial
precisamente para que o valor aduaneiro seja, por meio de fraude, reduzido.
Na subvaloração, por outro lado, concluiu-se que só se pode constatar efetivamente a
sua ocorrência quando da correta aplicação das regras do AVA por parte da autoridade
aduaneira. Isso porque o valor aduaneiro a que chegará a autoridade ao corretamente aplicar as
regras de valoração não necessariamente será superior àquele declarado pelo importador.
Em outras palavras, portanto, a conduta do importador, ao aplicar (incorretamente) tais
regras à mercadoria que pretende importar, não está inerentemente atrelada ao resultado
(redução do valor aduaneiro decorrente da indevida aplicação do AVA).

5.1.6 Conclusão diante do cotejamento entre os aspectos de ambas as figuras

Tendo em vista o delineamento realizado no presente capítulo, em suma, a subvaloração


e o subfaturamento são fenômenos fundamentalmente distintos, que se originam de condutas
completamente diferentes e que são objeto de regimes jurídicos igualmente distintos (a técnica
da valoração aduaneira de acordo com as regras do AVA, de um lado, e combate à fraude de
acordo com a legislação nacional, de outro).
56

5.2 APROXIMAÇÃO CIRCUNSTANCIAL

Em que pese a diferenciação, à luz de diversos aspectos, das figuras da subvaloração e


do subfaturamento, há uma situação de possível ocorrência em que as duas figuras parecem se
aproximar, ainda que apenas circunstancialmente.
A referida situação será abordada a partir de dois trechos da obra de Solon Sehn que
parecem abarcar essa aproximação. Em primeiro lugar, relembra-se o pressuposto de
aplicabilidade do primeiro método de valoração segundo o qual não deve haver dúvida sobre a
veracidade ou exatidão das informações (2021b, pp. 92-93):
O primeiro pressuposto de aplicabilidade do método do valor da transação –
de acordo com a interpretação do art. 17 e do § 6º do Anexo III adotada pelo
Comitê Técnico de Valoração Aduaneira (CTVA) da OMA – consiste na
veracidade e na exatidão das afirmações, das declarações e dos documentos
apresentados pelo interessado para fins de valoração do produto. Daí que,
segundo a Opinião Consultiva nº 10.1 desse Comitê: (a) os produtos devem
ser valorados com base em elementos de fato reais; (b) qualquer
documentação que proporcione informações inexatas contrariam as intenções
do acordo; e (c) quando uma documentação for comprovada fraudulenta, após
a determinação do valor aduaneiro, a invalidação dessa dependerá da
legislação de cada país.
O autor, então, destaca duas situações que podem ocorrer tendo em vista o referido
pressuposto de aplicabilidade do primeiro método:
Portanto, em regra, duas são as possibilidades: (i) nos casos de dúvida acerca
da veracidade e da exatidão das afirmações, das declarações e dos
documentos apresentados pelo interessado para fins de valoração, a autoridade
aduaneira – após cientificar o importador de seus motivos – deve afastar o
método do valor da transação, apurando o crédito tributário mediante
aplicação de um dos critérios sucessivos previstos no AVA (método do valor
de transação de mercadorias idênticas, método do valor de transação de
mercadorias similares, método do valor dedutivo, o método do valor
computado ou método da razoabilidade ou do último recurso); e (ii) nas
hipóteses de certeza da falsidade, entendida como tal aquela que pode ser
objetiva e efetivamente provada pela autoridade aduaneira, os métodos do
AVA deixam de ser aplicáveis, devendo o crédito tributário ser apurado de
acordo com o art. 88 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. (grifo nosso).
Tome-se a seguinte situação hipotética como exemplo: o importador registra a DI
declarando como valor aduaneiro o montante de R$ 1.000,00. A autoridade aduaneira, após
verificar que, via regra, a mercadoria em questão tem um custo de produção de R$ 1.200,00 e
que mercadorias idênticas são, geralmente, importadas por R$ 1.400,00, notifica o importador
para que esclareça tal valor, pois tem razões objetivas para duvidar da veracidade ou da exatidão
das informações prestadas.
57

A referida situação pode tomar diversos rumos. Por exemplo: (a) o importador pode
prestar os esclarecimentos e esses serem aceitos pela autoridade49; (b) o importador pode prestar
esclarecimentos e esses não serem considerados suficientes para elidir a dúvida; (c) o
importador, ao prestar os esclarecimentos, pode apresentar a fatura comercial e a autoridade,
por sua vez, diante da permanência da suspeita, pode dar início a procedimento de fiscalização
com o objetivo de apurar a eventual falsificação do referido documento.
Na primeira hipótese (a), permanece aplicável o método do valor da transação, não
havendo qualquer redução ou majoração do valor aduaneiro. Na segunda (b), aplica-se um dos
métodos substitutivos, o que pode implicar a chamada subvaloração. Na terceira hipótese
descrita (c), é possível que por meio do procedimento de fiscalização não se consiga comprovar
efetivamente qualquer falsificação. Neste caso, permanece a dúvida, mas afasta-se o primeiro
método, o que também pode acarretar subvaloração. É possível, no entanto, que se constate – e
se comprove – falsificação da fatura comercial, ocasião em que se estará diante do
subfaturamento50.
Portanto, o pressuposto de aplicabilidade do primeiro método de valoração segundo o
qual a autoridade aduaneira não pode ter dúvidas acerca da veracidade ou exatidão das
informações parece ser o fator com maior potencial de causar confusão entre as duas figuras,
visto que determinada situação, tal como a hipotética narrada acima, pode ensejar a
caracterização de uma ou outra figura, a depender das circunstâncias.
Tais circunstâncias, como se pode inferir, podem dizer respeito a questões
extremamente sutis, relativas, por exemplo, à força probatória dos elementos aos quais a
autoridade aduaneira pode ter acesso no caso concreto.
De todo modo, como é possível perceber, essa aparente aproximação entre a
subvaloração e o subfaturamento não é conceitual, mas sim absolutamente circunstancial, de
modo que só se pode falar nessa aproximação em uma situação específica e apenas no sentido
de que o elemento que enseja a caracterização de uma e não de outra figura é a circunstância de
o Fisco (a) ter permanecido apenas com a dúvida acerca da veracidade ou exatidão das
informações prestadas ou (b) ter, efetivamente, comprovado a fraude.

49
Neste caso, o importador poderia, por exemplo, comprovar documentalmente alguma característica peculiar da
operação de compra e venda que faz com que o preço pago ou a pagar seja drasticamente reduzido.
50
Partindo do pressuposto, é claro, de que a falsificação tenha como objetivo diminuir o valor aduaneiro.
58

Em outras palavras, tal aproximação não implica, de forma alguma, qualquer identidade
entre o subfaturamento e a subvaloração, não alterando em nada o fato de que se trata de duas
figuras conceitual e fundamentalmente distintas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No primeiro capítulo, abordamos questões preliminares ao tema central do trabalho,


quais sejam, o intuito da valoração aduaneira, a mudança de paradigma no que diz respeito a
essa técnica implementada pelo AVA, os princípios que regem a aplicação das regras do
referido acordo e a estrutura normativa que, na ordem jurídica interna, instrumentaliza o
controle do valor aduaneiro e a fiscalização para coibir eventuais fraudes praticadas no âmbito
do comércio exterior.
No segundo capítulo, analisamos mais detalhadamente as regras de valoração aduaneira
instituídas pelo AVA, notadamente no que diz respeito à aplicação dos métodos estabelecidos
pelo acordo em questão. No mesmo capítulo, adentramos a análise de uma das duas figuras
objeto deste trabalho, a subvaloração, abordando o conceito dado pela doutrina, as hipóteses de
caracterização desse fenômeno, a ilicitude ou licitude ligadas à sua configuração, a ausência de
dolo na conduta da parte interessada e as consequências jurídicas advindas da sua
caracterização.
No terceiro capítulo, procuramos percorrer o mesmo caminho em relação ao
subfaturamento, de modo a permitir que, ao final, fizéssemos um cotejamento entre os
principais aspectos de uma e outra das figuras analisadas.
Assim, foi possível concluir que, com exceção da aproximação entre as duas figuras que
abordamos no final do tópico 4.4. – que é meramente circunstancial e não implica, de forma
alguma, identidade entre os dois fenômenos –, a subvaloração e o subfaturamento são
efetivamente figuras jurídicas fundamentalmente distintas, com regimes jurídicos próprios e
sujeitas a consequências igualmente distintas.
59

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