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Universidade Federal de Santa Catarina Campus Reitor João David Ferreira Lima Departamento de Direito Curso de Graduação em Direito (Noturno)
Universidade Federal de Santa Catarina Campus Reitor João David Ferreira Lima Departamento de Direito Curso de Graduação em Direito (Noturno)
Florianópolis
2021
Guilherme Boff Freda
Florianópolis
2021
Guilherme Boff Freda
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de
“Bacharel” e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina
____________________________
Prof. Dr. Luiz Henrique Cademartori
Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
_____________________________
Prof. Dr. Gilson Wessler Michels
Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina
________________________
Prof. Dr. Solon Sehn
Avaliador
________________________
Profa. Dra. Carolina Sena Vieira
Avaliadora
Universidade Federal de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho tem como objetivo realizar uma distinção entre a chamada subvaloração e
o subfaturamento. As duas figuras estão presentes no âmbito do comércio exterior e possuem
pelo menos um elemento em comum: a diminuição do valor aduaneiro e, consequentemente,
da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação, o que pode causar confusão entre
ambas. Tal tarefa será empreendida a partir da análise da legislação aplicável, com o auxílio da
doutrina especializada e de acórdãos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o
que permitirá que sejam analisados diversos aspectos de cada uma das referidas figuras, como
a licitude, a presença de dolo, as hipóteses de caracterização e as consequências advindas de
sua prática. Por fim, a partir do que será analisado ao longo dos capítulos voltados a cada um
dos fenômenos em questão, será possível realizar cotejamento entre ambas, a fim de encontrar
as suas semelhanças e diferenças.
This study aims to distinguish the so-called undervaluation and the underinvoicing. Both figures
are present in the international trade sphere and both have at least one element in common,
which can cause confusion: the reduction of the customs value and consequently the reduction
of the tax base amount used to calculate the customs taxes. Such task will be done given the
applicable legislation, with support of specialized scholars' teachings and decisions of the
Administrative Council of Tax Appeals (Carf), instruments that will allow the analysis of
various aspects of each one of the figures in question, such as its unlawfullness, the intention
of the importer that commits it, the possibilities of its characterization and the consequences the
comes with its practice. Lastly, from what will be analyzed along the chapters dedicated to each
one of the figures in question, it will be possible to do a detailed comparison between both, so
that a conclusion of its similarities and differences can be reached.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11
2 VALORAÇÃO ADUANEIRA............................................................................ 12
2.1 NOÇÕES GERAIS ................................................................................................ 12
4 SUBFATURAMENTO ........................................................................................ 39
4.1 NOÇÕES GERAIS E CONCEITO ....................................................................... 39
1 INTRODUÇÃO
gerais que regem a aplicação dos métodos de valoração aduaneira e os pressupostos que
ensejam a aplicação de um ou outro método no caso concreto.
Após, será abordado o conceito de subvaloração e seu delineamento por parte da
doutrina, para que se possa, então, adentrar os aspectos específicos dessa figura, notadamente
de que maneira ela se configura, a relação de sua caracterização com a conduta propriamente
dita do importador, a licitude ou ilicitude a ela vinculada, a ausência de dolo na conduta do
importador que a pratica e as consequências jurídicas da sua ocorrência.
No capítulo subsequente, será percorrido o mesmo caminho em relação ao
subfaturamento, analisando o seu conceito, as hipóteses de sua configuração, a presença de dolo
na conduta do importador que comete tal infração, a ilicitude relativa a essa conduta e as
consequências jurídicas da sua caracterização.
Por fim, no último capítulo deste trabalho, será realizado um cotejamento entre as duas
figuras, a fim de distingui-las, a partir do que foi visto nos capítulos antecedentes, bem como
será destacada uma situação específica que parece aproximar, ainda que de forma
circunstancial, o subfaturamento e a subvaloração.
2 VALORAÇÃO ADUANEIRA
A valoração aduaneira pode ser conceituada como o procedimento por meio do qual é
aferido o valor aduaneiro. Esse, por sua vez, serve de parâmetro para a tributação sobre a
importação (FOLLONI, 2005, p. 87), o que hoje é feito, em geral, segundo princípios e critérios
técnicos e legais aprovados e praticados no âmbito internacional (PONCIANO, 2013, p. 267).
Thiago Santos Canario Barroca (2016, p. 149) destaca que a finalidade de se estabelecer
um método para a valoração aduaneira é precisamente a padronização da base de cálculo dos
tributos incidentes na importação.
A função precípua do valor aduaneiro é determinar a base de cálculo do imposto de
importação – e dos seus equivalentes estrangeiros, nos demais países signatários do AVA –, na
hipótese de a alíquota aplicável ser “ad valorem”, consoante a previsão expressa do art. 75,
caput e I, do Decreto 6.759/2009:
Art. 75. A base de cálculo do imposto é (...):
I - quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro apurado segundo as
normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT
1994.
13
Tal circunstância, no entanto, dentre outros problemas, abria certa margem para
alterações arbitrárias por parte das autoridades aduaneiras (SEHN, 2021b, p. 86), o que poderia
ocorrer, por exemplo, para fins de maior arrecadação ou mesmo para fins protecionistas, isto é,
aumentando a base de cálculo dos tributos aduaneiros incidentes sobre os produtos importados
com o fim de favorecer os nacionais.
O referido problema da falta de neutralidade na valoração aduaneira teve cabo, pelo
menos em tese, com o advento do AVA, momento em que foi adotada a noção positiva de valor
aduaneiro, em detrimento da noção teórica (TÔRRES, 2005, p. 226).
Tal intuito consta do próprio preâmbulo do referido acordo, que dispõe que é necessário,
no âmbito do comércio internacional, a adoção “de um sistema equitativo, uniforme e neutro
para a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores
aduaneiros arbitrários ou fictícios”.
A adesão dos países à atual concepção de valor aduaneiro, por meio da incorporação do
AVA, além de ter afastado a possibilidade da adoção de bases de cálculo arbitrárias pelas
autoridades aduaneiras, também inverteu a relação entre estas e os importadores no que diz
respeito ao ônus de demonstrar a compatibilidade do valor declarado com os parâmetros legais,
sendo essas algumas das razões pelas quais se entende que o referido acordo representa
verdadeiro avanço no comércio internacional (SEHN, 2021b, p. 86).
No mesmo sentido, afirma Jonathan Barros Vita (2013) que:
[e]ssa presunção jurídica relativa, aparentemente opera de forma à garantir a
presunção de validade do valor declarado pelo contribuinte, o qual pode ser
infirmado através do uso dos métodos de valoração aduaneira, conforme
infere-se dos consideranda do AVA3.
Atualmente, o AVA – e, por consequência, toda a concepção que com ele passa a ser
aplicada – é efetivamente o paradigma no que diz respeito à valoração aduaneira, de modo que
é à luz dessa normativa que ocorre o controle, por parte da autoridade aduaneira, que acaba por
ensejar a caracterização de uma das figuras que serão analisadas adiante, a subvaloração4.
3
O autor faz referência ao seguinte considerando: “Reconhecendo que a base de valoração de mercadorias para
fins aduaneiros deve ser tanto quanto possível o valor de transação das mercadorias a serem valoradas.”
4
O que não significa, por outro lado, que não haja relação do AVA com o subfaturamento. Essa relação, em que
pese seja mais indireta, existe e será, também, abordada adiante.
15
dezembro do mesmo ano, estabelece seis métodos de valoração aduaneira: (i) o método do valor
da transação; (ii) o método do valor de transação de mercadorias idênticas; (iii) o método do
valor de transação de mercadorias similares; (iv) o método do valor dedutivo; (v) o método do
valor computado; e (vi) o método da razoabilidade.
A utilização de tais métodos, no entanto, não pode ser feita de forma alternativa ou
aleatória, mas sim de forma sequencial e por exclusão (TÔRRES, 2005, p. 237). Ou seja, o
segundo método só pode ser adotado caso haja algum impeditivo para que o primeiro o seja; o
terceiro só pode ser utilizado caso o segundo não o possa ser e assim sucessivamente.
O primeiro método está previsto no art. 1º do AVA, com a seguinte redação:
1. O valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto
é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda para
exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições
do Artigo 8, desde que:
(a) não haja restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo
comprador, ressalvadas as que:
(i) sejam impostas ou exigidas por lei ou pela administração pública do país
de importação;
(ii) limitem a área geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas;
ou
(iii) não afetem substancialmente o valor das mercadorias;
(b) a venda ou o preço não estejam sujeitos a alguma condição ou contra-
prestação para a qual não se possa determinar um valor em relação às
mercadorias objeto de valoração;
(c) nenhuma parcela do resultado de qualquer revenda, cessão ou utilização
subseqüente das mercadorias pelo comprador beneficie direta ou
indiretamente o vendedor, a menos que um ajuste adequado possa ser feito de
conformidade com as disposições do Artigo 8; e
(d) não haja vinculação entre o comprador e o vendedor ou, se houver, que o
valor de transação seja aceitável para fins aduaneiros, conforme as disposições
do parágrafo 2 deste Artigo.
Os “ajustes” do art. 8 a que se refere o dispositivo são os seguintes:
(a) - os seguintes elementos na medida em que sejam suportados pelo
comprador mas não estejam incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar
pelas mercadorias:
(i) comissões e corretagens, excetuadas as comissões de compra;
(ii) o custo de embalagens e recipientes considerados, para fins aduaneiros,
como formando um todo com as mercadorias em questão;
(iii) o custo de embalar, compreendendo os gastos com mão-de-obra e com
materiais.
(b) - o valor devidamente atribuído dos seguintes bens e serviços, desde que
fornecidos direta ou indiretamente pelo comprador, gratuitamente ou a preços
16
5 “2. Ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou a exclusão, no valor aduaneiro, no todo
ou em parte, dos seguintes elementos:
(a) - o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação;
(b) - os gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias
importadas até o porto ou local de importação; e
(c) - o custo do seguro”.
6 “3. Os acréscimos ao preço efetivamente pago ou a pagar, previstos neste Artigo, serão baseados exclusivamente
em dados objetivos e quantificáveis.
4. Na determinação do valor aduaneiro, nenhum acréscimo será feito ao preço efetivamente pago ou a pagar se
não estiver previsto neste Artigo”.
17
Com efeito, o caráter preferencial deste método parece se justificar exatamente pelo fato
de que a concepção de valor aduaneiro do AVA procura trazer carga maior de objetividade, em
comparação com a Definição de Valor de Bruxelas, na medida em que o preço efetivamente
pago ou a pagar é extraído diretamente da fatura comercial, impedindo que haja qualquer
alteração arbitrária por parte da autoridade aduaneira.
Os demais requisitos – que serão analisados com maior detalhamento no tópico 3.2.1
deste trabalho – podem ser sumarizados da seguinte maneira: (i) a operação deve constituir uma
operação de compra e venda internacional; (ii) não deve haver, no contrato de compra e venda
internacional, nenhuma das cláusulas de limitação do preço, posse ou domínio previstas no art.
1.1; (iii) deve haver dados objetivos e quantificáveis relativamente aos ajustes do art. 8º -
requisito que decorre da Nota Interpretativa ao art. 8.3; e (iv) não deve haver vinculação entre
o importador e o exportador ou, caso haja, que essa relação não influencie no preço da operação
(SEHN, 2021b, p. 91).
Caso se verifique pelo menos um dos fatores impeditivos à utilização do método do
valor da transação das mercadorias que estão sendo importadas, utiliza-se o segundo método,
previsto no art. 2º do AVA:
1. (a) Se o valor aduaneiro das mercadorias importadas não puder ser
determinado segundo as disposições do Artigo 1, será ele o valor de transação
de mercadorias idênticas vendidas para exportação para o mesmo país de
importação e exportados ao mesmo tempo que as mercadorias objeto de
valorarão, ou em tempo aproximado. [...]
O terceiro método está previsto no art. 3º e leva em consideração mercadorias similares
àquelas que estiverem sendo importadas, devendo ser utilizado caso não haja mercadorias
idênticas que possam ser tomadas como parâmetro:
1. (a) Se o valor aduaneiro das mercadorias importadas não puder ser
determinado segundo as disposições dos Artigos 1 e 2, será ele o valor de
transação de mercadorias similares vendidas para exportação para o mesmo
país de importação e exportados ao mesmo tempo que as mercadorias objeto
de valoração ou em tempo aproximado.
O art. 5º do AVA estabelece o quarto método, chamado de método dedutivo, que recebe
esta denominação porque, com a sua utilização, o valor aduaneiro é obtido a partir do preço
pelo qual a mercadoria foi vendida no mercado interno (isto é, após a importação), deduzidos
os elementos elencados nos itens (i), (ii) e (iii) do parágrafo 1 do referido dispositivo:
1. (a) Se as mercadorias importadas ou mercadorias idênticas ou similares
importadas forem vendidas no país de importação no estado em que são
importadas, o seu valor aduaneiro, segundo as disposições deste Artigo,
basear-se-á no preço unitário pelo qual as mercadorias importadas ou as
mercadorias idênticas ou similares importadas são vendidas desta forma na
18
A representação maior dessa ideia é o fato de que o último método é o que dá maior
margem para que o valor aduaneiro seja determinado com menor objetividade (“critérios
razoáveis”).
De todo modo, cumpre destacar afirmação de Thiago Santos Canario Barroca (2016, p.
162) segundo a qual por meio de todos os métodos substitutivos – isto é, do segundo ao sexto
– o valor aduaneiro é determinado com base em suposições. Isso porque o valor que pode ser
chamado de real é o do primeiro método, o valor da transação, que é, como já visto, o paradigma
para a valoração aduaneira atualmente.
Nesse sentido, ainda, Juan Patricio Cotter (2016, p. 130) afirma que:
o Acordo persegue como objetivo o estabelecimento de um sistema mais
equitativo, uniforme e neutro de valoração aduaneira das mercadorias que, na
maior medida possível, seja o valor de transação [...]7.
A análise feita neste tópico, como se verá, é de especial utilidade para o estudo da
subvaloração, ao qual é dedicado o capítulo 3 deste trabalho.
A fim de tratar do objeto principal deste trabalho, qual seja, os institutos da subvaloração
e do subfaturamento, afigura-se pertinente abordar, sobretudo a título de contextualização, os
procedimentos de fiscalização e controle no âmbito dos quais é constatada, ou não, a presença
de elementos que podem caracterizar uma das duas figuras em questão.
A Constituição Federal, em seu art. 237, atribuiu ao Ministério da Fazenda – atualmente,
Ministério da Economia – a competência para exercer os poderes de fiscalização e controle
sobre o comércio exterior8.
O Poder Executivo Federal, por meio do art. 63, III e XVIII, do Decreto 9.745/2019,
por sua vez, atribuiu à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil a competência para
aplicar as legislações tributária e aduaneira, editar as normas necessárias à sua execução, além
de exercer o controle do valor aduaneiro9.
7
Tradução livre. Original: “El Acuerdo persigue como objetivo la fijación de un sistema más equitativo, uniforme
y neutro de valoración en aduana de las mercancias que, en la mayor medida posible, sea el valor de transacción
[...]”.
8 “Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários
nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”
9 “Art. 63. À Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil compete: [...]
III - interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira, de custeio previdenciário e correlata, e editar os atos
normativos e as instruções necessárias à sua execução;
[...]
20
XVIII - dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar o controle do valor aduaneiro e de preços de
transferência de mercadorias importadas ou exportadas, ressalvadas as competências do Comitê Brasileiro de
Nomenclatura”.
21
10
“§ 2º A DI selecionada para canal verde, no Siscomex, poderá ser redirecionada para outro canal de conferência
aduaneira durante a análise fiscal, quando forem identificados indícios de irregularidade na importação.”
11
“Art. 638. Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do
pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e
da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na
declaração de exportação (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de
1988, art. 2o; e Decreto-Lei nº 1.578, de 1977, art. 8º).
[...]
§ 2º A revisão aduaneira deverá estar concluída no prazo de cinco anos, contados da data:
I - do registro da declaração de importação correspondente (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação
dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de 1988, art. 2o)”
22
Como mencionado no tópico 2.2 deste trabalho, o AVA estabelece seis métodos para a
correta valoração da mercadoria em vias de importação, sendo o primeiro deles o método do
valor da transação, preferencial sobre os demais.
A fim de compreender as hipóteses em que pode haver a caracterização da chamada
subvaloração, é relevante tratar das situações que ensejam a utilização dos métodos
substitutivos do valor da transação.
Relembra-se, ainda, que apenas se uma (ou mais) destas circunstâncias estiver presente
é que a autoridade aduaneira pode aplicar um dos métodos subsequentes, na ordem estabelecida
no AVA, não podendo, portanto, fazê-lo com base em outros motivos, por exemplo, sob o
pretexto de que o valor da transação se afasta dos padrões normais ou valores indicativos
(TREVISAN, 2018, p. 219).
Antenori Trevisan Neto (2010, p. 276), Vera Lúcia Feil Ponciano (2008, p. 272), Heleno
Taveira Tôrres (2005, p. 239), Solon Sehn (2021b, p. 91), Thiago Santos Canario Barroca
(2016, p. 162) e Augusto Fauvel de Moraes (2017, p. 28) apontam que o primeiro12 requisito
12
Em que pese a numeração ordinal aqui adotada, que se justifica apenas a título de conveniência em termos de
redação, não há ordem no que se refere aos requisitos para a aplicabilidade de cada um dos métodos de valoração
aduaneira. Todos devem estar presentes, de modo que, caso não se verifique qualquer um deles, deve-se aplicar o
método subsequente.
23
13 Como será visto no capítulo 4, esse requisito se mostra especialmente relevante no que se refere à distinção
entre a subvaloração e o subfaturamento.
14
OPINIÃO CONSULTIVA 10.1
24
sobre a veracidade e a exatidão das informações deve ser baseada naquilo que é objetivamente
passível de análise.
Em outras palavras, sendo possível, como visto acima, a solicitação de esclarecimentos
complementares – os quais, por sua vez, devem ser baseados em elementos de fato reais (“on
the basis of actual facts”) – é com base neles que a autoridade aduaneira deve concluir se
definitivamente possui, ou não, motivos para duvidar da veracidade ou exatidão das
informações.
Importa, ainda, mencionar o entendimento de Solon Sehn (2021a, p. 102) de que, caso
a autoridade aduaneira deixe de comunicar ao importador seus motivos para duvidar da
veracidade ou exatidão das informações e, aplicando método substitutivo ao valor da transação,
constitua crédito tributário complementar relativamente aos tributos incidentes sobre a
importação, o referido lançamento deve ser anulado por cerceamento do direito de defesa. De
acordo com o autor, os motivos para esse entendimento são os seguintes:
[...] o AVA estabeleceu uma exceção à regra do art. 14 do Decreto nº
70.235/1972, que dispõe sobre o procedimento administrativo fiscal. Esse
dispositivo estabelece que ‘a impugnação da exigência instaura a fase litigiosa
do procedimento’. Assim, à luz desse preceito, segundo entende a
Jurisprudência do Carf, ‘só se discute cerceamento do direito de defesa a partir
do momento em que tal direito pode ser exercido. Ou seja, a partir da etapa de
impugnação’.15 Portanto, não há ‘[...] nulidade do auto de infração sob a
alegação de que a autoridade autuante deixara de oferecer prazo para que o
sujeito passivo ofereça contrarrazões às conclusões consignadas no laudo
técnico produzido no curso da ação fiscal’.16 Contudo, em matéria de
valoração, esse entendimento não é aplicável. A autoridade aduaneira deve
necessariamente comunicar os motivos ao importador, abrindo prazo razoável
para fins de contestação (AVA, art. 1.2.a) antes da constituição do crédito
tributário, sob pena de nulidade do auto de infração.
Com efeito, consistindo o AVA em acordo internalizado pelo Brasil e possuindo,
portanto, força de lei ordinária, não poderia o Decreto 70.235/1972 ser utilizado como
fundamento para o entendimento de que no curso dos procedimentos de controle do valor
aduaneiro não haveria litígio e, portanto, não haveria que se falar em cerceamento de defesa.
15
Em nota de rodapé, o autor cita os seguintes julgados: “Carf (3ª Seção, 1ª Câmara, 2ª T.O.). Ac. Nº 310200.676.
Relator: Conselheiro Luis Marcelo Guerra de Castro. S. 25/05/2010. No mesmo sentido, cf.: Acs. nºs 20181498,
10517234, 30.133707, 10615779, 10195473 e 10421003.”
16
Em nota de rodapé, o autor cita o seguinte julgado: “Carf (3ª Seção, 1ª Câmara, 2ª T.O.). Ac. nº 3102410.625.
Relator: Conselheiro Luis Marcelo Guerra de Castro. S. de 18/03/2010.”
27
O segundo requisito que deve estar presente para que seja aplicável o método do valor
da transação consta no art. 1.1 do AVA:
1. O valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto
é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda
para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as
disposições do Artigo 8, desde que: [...] (grifo nosso)
A expressão “venda para exportação para o país de importação” significa que a operação
sob análise deve estar inserida no âmbito de um contrato de compra e venda internacional
(CARVALHO, 2007, pp. 110-111; SEHN, 2021, p. 97). Disso decorre que o bem importado
não pode ter sido, por exemplo, objeto de doação, comodato, aluguel ou leasing (MEIRA, 2012,
p. 269).
Ademais, tendo em vista que não há uma definição de “compra e venda” no AVA, o já
mencionado CTVA da OMA emitiu a Opinião Consultiva 1.1, por meio da qual afirmou, inter
alia, que o conceito de venda, para fins de aplicação do método do valor da transação, deve ser
entendido “no sentido mais amplo possível”1718.
Outro requisito, constante nos itens “a”, “b” e “c” do art. 1.1 do AVA, diz respeito às
especificidades contratuais em que a compra e venda internacional é realizada. Em suma, a
operação não deve estar sujeita a nenhuma das cláusulas de limitação do preço, da posse ou do
domínio (SEHN, 2021, p. 98) previstas no referido dispositivo, exceto se for o caso de uma das
hipóteses dos subitens “i”, “ii” e “iii” do item “a”, que tratam, respectivamente, de limitação
legal ou imposta pela administração pública, de limitações concernentes à área geográfica em
que pode haver a revenda da mercadoria importada e das limitações que não afetem
“substancialmente” o preço19.
17
Tradução livre. Original: “[...] in the widest sense […]”.
18
Para emitir tal opinião, o CTVA adotou, expressamente, a premissa de que a intenção primeira do AVA é a de
que o valor da transação deve ser utilizado tanto quanto possível, o que reforça a vasta primazia desse método
sobre os demais: “[...] in conformity with the basic intention of the Agreement that the transaction value of
imported goods should be used to the greatest extent possible [...]”.
19
“1. O valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto é, o preço efetivamente pago ou
a pagar pelas mercadorias em uma venda para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as
disposições do Artigo 8, desde que:
(a) não haja restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo comprador, ressalvadas as que:
28
Como abordamos no subtópico 2.2, acima, o art. 8.3 prevê que os acréscimos ou ajustes
ao valor aduaneiro devem ser baseados exclusivamente em dados objetivos e quantificáveis.
A nota interpretativa referente a esse dispositivo prevê, assim, esse outro requisito, de
que o método do valor da transação não pode ser aplicado caso tais dados não sejam revestidos
de objetividade e quantificabilidade20 - o que, aliás, reforça a ideia de que o método do valor da
transação é baseado exclusivamente em elementos reais.
Por fim, o AVA também prevê que o primeiro método de valoração não pode ser
adotado quando as partes – importador e exportador – forem vinculadas e essa circunstância
influenciar o valor envolvido na operação.
Os critérios que determinam se essa vinculação entre as partes é determinante ou não
para a aplicação dos métodos de valoração estão estabelecidos, principalmente, no art. 1.2 e no
art. 15.42122.
(i) sejam impostas ou exigidas por lei ou pela administração pública do país de importação;
(ii) limitem a área geográfica na qual as mercadorias podem ser revendidas; ou
(iii) não afetem substancialmente o valor das mercadorias;
(b) a venda ou o preço não estejam sujeitos a alguma condição ou contra-prestação para a qual não se possa
determinar um valor em relação às mercadorias objeto de valoração;
(c) nenhuma parcela do resultado de qualquer revenda, cessão ou utilização subseqüente das mercadorias pelo
comprador beneficie direta ou indiretamente o vendedor, a menos que um ajuste adequado possa ser feito de
conformidade com as disposições do Artigo 8”.
20
“Inexistindo dados objetivos e quantificáveis com relação aos acréscimos previstos pelas disposições do Artigo
8, o valor de transação não poderá ser determinado de acordo com o disposto no Artigo 1”.
21
Sobre o tema, ver: SEHN, Solon. Curso de Direito Aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 99-106.
22
“2. (a) Ao se determinar se o valor de transação é aceitável para os fins do parágrafo 1, o fato de haver vinculação
entre comprador e vendedor, nos termos do Artigo 15, não constituirá, por si só, motivo suficiente para se
considerar o valor de transação inaceitável. Neste caso, as circunstâncias da venda serão examinadas e o valor de
transação será aceito, desde que a vinculação não tenha influenciado o preço. Se a administração aduaneira, com
base em informações prestadas pelo importador ou por outros meios, tiver motivos para considerar que a
vinculação influenciou o preço, deverá comunicar tais motivos ao importador, a quem dará oportunidade razoável
para contestar. Havendo solicitação do importador, os motivos lhe serão comunicados por escrito.
(b) no caso de venda entre pessoas vinculadas, o valor de transação será aceito e as mercadorias serão valoradas
segundo as disposições do parágrafo 1, sempre que o importador demonstrar que tal valor se aproxima muito de
um dos seguintes, vigentes ao mesmo tempo ou aproximadamente ao mesmo tempo:
(i) o valor de transação em vendas a compradores não vinculados de mercadorias idênticas ou similares, destinadas
a exportação para o mesmo país de importação;
(ii) O valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como determinado com base nas disposições do
Artigo 5;
(iii) o valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como determinado com base nas disposições do
Artigo 6;
Na aplicação dos critérios anteriores, deverão ser levadas na devida conta as diferenças comprovadas nos níveis
comerciais e nas quantidades, os elementos enumerados no Artigo 8 e os custos suportados pelo vendedor, em
29
3.2 SUBVALORAÇÃO
Conforme visto acima, a valoração das mercadorias objeto de importação está muito
longe de poder estar sujeita ao livre-arbítrio seja do importador, seja da autoridade aduaneira,
pois o AVA – acordo internacional que, por ter sido assinado e juridicamente internalizado pelo
Brasil, é efetivamente parte do ordenamento jurídico pátrio – prevê métodos objetivos para a
realização da valoração e, mais, estabelece detalhadamente os critérios para a adoção de um ou
outro método.
Ocorre que, como exposto no tópico 2.3, a valoração não consiste em ato unilateral. Ela,
primeiramente, corresponde a uma conduta do importador, que informa o valor que entende
correto e que é considerado válido salvo se for “contestado pelas autoridades aduaneiras a partir
dos parâmetros objetivos, equitativos e neutros nele estabelecidos” (SEHN, 2021b, p. 86 apud
LYONS, 2010, pp. 286-28723).
Posteriormente, durante o despacho aduaneiro, é novamente realizada, desta vez pela
autoridade aduaneira, a título de fiscalização ou – para utilizar o termo adotado pelo art. 76 do
Regulamento Aduaneiro – controle. É por esse motivo que Rodrigo Mineiro Fernandes (2013,
p. 242) destaca que:
O procedimento de valoração aduaneira é o método utilizado para quantificar
a base de cálculo do imposto de importação, não apenas no procedimento
fiscal de ofício efetuado pela fiscalização aduaneira, mas também pelo
importador quando prepara e registra a sua declaração de importação.
vendas nas quais ele e o comprador não sejam vinculados, e que não são suportados pelo vendedor em vendas nas
quais ele e o comprador não sejam vinculados, e que não são suportados pelo vendedor em vendas nas quais ele o
comprador sejam vinculados;
(c) Os critérios estabelecidos no parágrafo 2 (b) devem ser utilizados por iniciativa do importador, e
exclusivamente para fins de comparação. Valores substitutivos não poderão ser estabelecidos com base nas
disposições do parágrafo 2 (b).
[...]
4. Para os fins deste Acordo, as pessoas serão consideradas vinculadas somente se:
(a) uma delas ocupar cargo de responsabilidade ou direção em empresa da outra;
(b) forem legalmente reconhecidas como associadas em negócios;
(c) forem empregador e empregado;
(d) qualquer pessoa, direta ou indiretamente, possuir, controlar ou detiver 5% ou mais das ações ou títulos emitidos
com direito a voto de ambas;
(e) uma delas, direta ou indiretamente, controlar a outra;
(f) forem ambas, direta ou indiretamente, controladas por uma terceira pessoa; ou
(g) juntos, controlarem direta ou indiretamente uma terceira pessoa;
(h) forem membros da mesma família”.
23
LYONS, Timothy. EC Customs Law. 2 ed. Nova York: Oxford University Press, 2010.
30
24
Em termos proporcionais, tais divergências não parecem ser frequentes, sobretudo porque o primeiro método de
valoração – que adota o valor da transação – é utilizado em mais de 90% das importações
(http://www.wcoomd.org/en/topics/valuation/overview/what-is-customs-valuation.aspx). Todavia, por óbvio, isso
não diminui a importância das situações em que há essa divergência, até mesmo porque tais ocasiões, em termos
absolutos, efetivamente representam elevado número de operações e, sobretudo, grandes quantias monetárias.
31
25
Acórdão nº 3402002.852, proferido pela 4ª Câmara – 2ª Turma Ordinária em 26/01/2016. Relator: Antonio
Carlos Atulim.
26
De acordo com o acórdão, essa circunstância era incontroversa no processo.
33
fungíveis, que se perfaz com a tradição do objeto - artigo 579 do CC/02) que,
como é consabido, ao lado do mútuo (artigo 586 do CC/02), é uma das
espécies do gênero empréstimo constante do Código Civil brasileiro. Por
conseguinte, segundo o Órgão Internacional investido da função de promover
uma interpretação uniforme e segura do AVA-GATT [CTVA da OMC], na
hipótese de estarmos diante de transação internacional feita por contratos
comodato, deve-se, para fins de valoração aduaneira, ser afastado o princípio
geral do valor de transação e ser utilizada a ordem de prioridade estabelecida
no Acordo.
[...]
Dessarte, bem andou a autoridade fiscal ao afastar a aplicação do valor da
transação para a determinação do valor aduaneiro in casu.
Veja-se que pelo fato de não estarmos diante de contrato de compra e venda,
o AVA-GATT já nos direcionada para os métodos substitutivos de valoração
aduaneira, independentemente da verificação dos requisitos constantes das
alíneas a, b, c, e d do artigo 1º do Acordo.27
Esse é, portanto, o delineamento que importa fazer no que diz respeito às noções gerais,
ao conceito e às hipóteses de caracterização da chamada subvaloração.
27
Acórdão nº 3402-007.015, proferido pela 3ª Seção de Julgamento – 4ª Câmara – 2ª Turma Ordinária, em
22/10/2019. Relatora: Thais de Laurentiis Galkowicz.
34
A rigor, afigura-se, em verdade, até mesmo difícil imaginar que o importador possa
prever a ocorrência da subvaloração, ou seja, prever que, utilizando-se, por exemplo, do
primeiro método de valoração quando não deveria, o valor aduaneiro aplicado em determinada
operação de importação será menor do que aquele ao qual chegará a autoridade aduaneira
quando realizar a valoração corretamente. Na medida em que essa afirmação está relacionada
com o tópico 3.2.2.2., abaixo, opta-se por deslocar as considerações que ela merece para o
referido item.
Como foi visto acima – e como o próprio prefixo “sub” atrelado à figura em análise, não
por acaso, indica –, a subvaloração consiste na circunstância em que o valor aduaneiro
declarado pelo importador é menor do que aquele ao qual chega a autoridade, em razão da
aplicação indevida da regras do AVA.
Essa circunstância parece indicar que o locus operacional28 da subvaloração não está na
conduta (valorar incorretamente a mercadoria, dada a situação fática concreta e as regras do
AVA), mas no resultado (redução do valor aduaneiro advindo da correção29 da valoração pela
autoridade).
Em outras palavras, em determinada situação concreta, só há que se falar na ocorrência
efetiva da subvaloração quando a correção da valoração por parte da autoridade implicar valor
aduaneiro maior do que aquele declarado pelo importador. Se o valor advindo dessa correção
for menor que o declarado, não ocorre a subvaloração.
Dito ainda de outro modo, a mera aplicação equivocada das regras do AVA ou a mera
presença de elementos objetivos que impliquem dúvida sobre a veracidade ou exatidão das
informações prestadas pelo importador não são capazes, por si só, de implicar a redução do
valor aduaneiro. Só se pode afirmar “o valor aduaneiro declarado pelo importador é menor do
que o devido” a partir do momento em que a autoridade realiza a valoração da maneira correta
e constata que o valor devido é maior do que o declarado30.
28
A expressão “locus operacional” é utilizada, neste trabalho, no sentido de demarcar, com a maior precisão
possível, o momento jurídico, por assim dizer, em que se concretiza determinada figura, isto é, em que se pode
falar da sua ocorrência efetiva. Assim, subdividiu-se a figura da subvaloração em dois momentos ou fenômenos
jurídicamente relevantes: (1) a conduta do importador, consistente na utilização errônea das regras do AVA, e (2)
o resultado dessa conduta, consistente na declaração e consequente recolhimento a menor dos tributos incidentes
sobre a importação.
29
Faz-se referência, aqui, ao ato de corrigir.
30
Poder-se-ia afirmar que, no caso de a subvaloração decorrer unicamente de um dos ajustes positivos (ou seja,
no caso de a “aplicação indevida das regras do AVA” consistir na não inclusão de um desses ajustes), verificar-
35
Neste ponto, relembra-se que a valoração aduaneira é regida, dentre outros, pelo
princípio da neutralidade, como consignado expressamente no preâmbulo do AVA31. Logo, não
há qualquer espaço, nesse âmbito, para que a autoridade busque determinar o valor aduaneiro
de modo que ele seja maior do que o declarado.
A correta valoração aduaneira32, de acordo com as regras e princípios do AVA, deve ser
realizada independentemente do resultado que dela advirá (valor aduaneiro maior ou menor que
o declarado).
Assim, a efetiva ocorrência da subvaloração, ao mesmo tempo em que independe da
vontade do importador, está fora do âmbito de controle da autoridade. O que deve ser, sem
dúvida, objeto de controle da autoridade, a teor do art. 76, caput e parágrafo único, do RA, é
que a valoração aduaneira seja corretamente realizada, isto é, que as regras do AVA sejam
corretamente aplicadas, independentemente se, em decorrência disso, o valor aduaneiro será
menor ou maior que o declarado.
se-ia de antemão que a correta valoração pela autoridade aduaneira implicará valor aduaneiro maior do que o
declarado. Todavia, além de essa não ser a regra, não parece que essa hipótese específica, por si só, possa
determinar que se diga, a título de descrever o fenômeno da subvaloração como um todo – abarcando todas as
hipóteses de sua ocorrência – que o locus operacional da subvaloração é a conduta e não o resultado.
31
“Reconhecendo a necessidade de um sistema eqüitativo, uniforme e neutro para a valoração de mercadorias para
fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios.”
32
Aqui, faz-se referência à aplicação do AVA pela autoridade, não pelo importador.
36
[...]
I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de
imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de
falta de declaração e nos de declaração inexata.
Portanto, caso ocorra a chamada subvaloração, o sujeito passivo, além de, é claro,
recolher a diferença de tributo devido, deverá recolher a quantia referente à multa no percentual
de 75 sobre a referida diferença.
Outro aspecto que merece ser abordado acerca da subvaloração diz respeito à sua
licitude ou ilicitude.
Nem todos os autores citados anteriormente tratam especificamente dessa questão.
Dentre aqueles que o fazem, pode-se mencionar Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 251),
que entende que a subvaloração se trata de “uma irregularidade dentro do campo da licitude”,
e Luciano Bushatsky Andrade de Alencar (2019, p. 94), para o qual se trata de ato ilícito.
Na jurisprudência do Carf, encontramos posicionamentos no sentido de reconhecer a
licitude da figura analisada, como no processo nº 10074.000322/2007-23, em que a Conselheira
Relatora afirma que:
[...] a subvaloração não caracteriza ato ilícito, mas sim um erro na
interpretação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio GATT que tem como
consequência a declaração pelo importador de valor aduaneiro a menor33.
Em que pese não se possa afirmar categoricamente esta ideia, parece que a doutrina e a
jurisprudência, quando mencionam que a subvaloração não consiste em ato ilícito, têm como
intuito justamente diferenciá-la do subfaturamento. No entanto, ainda que seja esse o caso, o
presente tópico se justifica sobretudo a título de rigor terminológico no que se refere à
antijuridicidade dos atos jurídicos em geral.
Pois bem. A fim de tratar dessa questão e tendo em vista a aparente falta de unanimidade,
clareza ou, ainda, rigor terminológico no que diz respeito ao caráter lícito ou ilícito da
subvaloração, afiguram-se relevantes breves considerações a respeito da conceituação dos atos
ilícitos.
Sob o ponto de vista dogmático, os atos jurídicos são divididos entre lícitos e ilícitos,
isto é, entre aqueles praticados conforme ou em desconformidade com a lei, respectivamente
(FERRAZ JUNIOR, 2016, p. 89).
33
Acórdão nº 3402-007.015, proferido pela 3ª Seção de Julgamento – 4ª Câmara – 2ª Turma Ordinária, em
22/10/2019. Relatora: Thais de Laurentiis Galkowicz.
37
Não há, portanto, a rigor, qualquer possibilidade de se verificar nuances entre o lícito e
o ilícito, isto é, não se pode falar em atos menos ou mais lícitos, nem menos ou mais ilícitos. A
juridicidade ou antijuridicidade de determinado ato possui caráter absoluto, não admitindo
gradações.
No que diz respeito ao resultado da figura ora sob análise, o importador, em última
instância, ou cumpre ou descumpre as obrigações de declarar e recolher o tributo devido. Em
relação a essa temática, Luciano Amaro (2010, p. 457) destaca que:
As obrigações tributárias (quer respeitem à prestação de tributo, quer se
refiram a deveres formais ou instrumentais) supõem a possibilidade de
descumprimento. Como se dá com quaisquer normas de conduta, o
destinatário do comando pode, por variadas razões (desde o simples
desconhecimento do preceito normativo até a vontade consciente de
adotar uma conduta contrária ao comando legal), proceder de modo
diferente do querido pela ordem jurídica. (grifo nosso)
Como afirma o referido autor, o descumprimento da obrigação tributária pode se dar por
inúmeros motivos. Tais razões, no entanto, não são relevantes para fins de caracterizar o
referido inadimplemento.
No que se refere à figura que ora se analisa, a rigor, parece ser igualmente irrelevante34,
para fins de caracterizar a subvaloração como lícita ou ilícita, se a aplicação indevida das regras
do AVA se deu por um erro de boa-fé ou por divergências na interpretação das referidas normas.
Em relação à boa-fé, é irrelevante porque, como vimos, está-se diante de fenômeno que
independe de dolo35.
No que se refere à divergência interpretativa, tal circunstância só parece ser
juridicamente relevante no âmbito de eventual pré-contencioso estabelecido quando do controle
do valor aduaneiro. Explica-se.
Antes da decisão36 da autoridade aduaneira por meio da qual essa entende,
definitivamente, que as regras do AVA foram inadequadamente aplicadas, não se pode dizer
que há subvaloração, consoante a conclusão extraída do tópico 3.2.2.2, pois a mera conduta do
importador (aplicação equivocada das regras do AVA, erro de boa-fé etc.) não implica,
necessariamente, diminuição do valor aduaneiro.
34
É necessário ressaltar que se faz referência a essa irrelevância única e exclusivamente para fins de identificar a
licitude ou ilicitude na redução da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação. Para fins de distinguir
a subvaloração do subfaturamento, a motivação da conduta do importador é, com efeito, da maior relevância, como
será visto no tópico 4.2.2.
35
Com efeito, quando se afirma que determinada figura jurídica (a exemplo de uma infração tributária) independe
de dolo, não se está dizendo que não deve haver dolo para a sua caracterização, mas sim que a sua presença é, em
termos jurídicos, absolutamente irrelevante.
36
Emprega-se, aqui, a palavra “decisão” no sentido lato.
38
importação. Não à toa, como foi visto acima, a sanção aplicável neste caso é justamente àquela
que é comum às demais situações em que há recolhimento a menor.
Em outras palavras, a subvaloração não advém propriamente de uma conduta ilícita em
si mesma, mas resulta num ilícito na medida em que implica o descumprimento, ainda que
parcial, da obrigação tributária, ensejando, ainda, a aplicação da multa correspondente.
Tal ideia, aliás, parece presente na afirmação de Antenori Trevisan Neto (2010, p. 287)
de que “a subvaloração não resulta da prática de um ato ilícito” (grifo nosso).
Portanto, a conduta propriamente dita do importador, tomada isoladamente, não parece
que possa ser considerada, por si só, como pertencente ao campo da ilicitude. Completamente
diferente é a situação em que o importador adota conduta que, por si só, constitui infração,
como é o caso das fraudes, tema que será examinado adiante.
4 SUBFATURAMENTO
Tendo em vista que o valor aduaneiro representa a base de cálculo dos tributos
incidentes sobre a importação, há importadores que, quando do registro da DI, informam valor
a menor a fim de que as exações alcancem quantias totais menores.
Seguindo situação hipotética semelhante àquela utilizada no tópico 3.2.1, imagine-se
que o comprador/importador pagou R$ 1.000,00 por determinada mercadoria. Ao registrar a
DI, no entanto, opta, de maneira absolutamente consciente e intencional, por declarar a quantia
de R$ 500,00 como sendo o valor aduaneiro referente àquela importação, justamente com a
intenção de que os tributos incidentes sobre essa operação sejam menores. Está-se diante de
caso típico da figura objeto deste capítulo.
O subfaturamento, portanto, pode ser conceituado como a situação em que a parte,
mediante fraude, informa um valor aduaneiro diverso do efetivamente pago ou a pagar pelo
40
produto importado, visando à redução indevida da base de cálculo dos tributos aduaneiros
(CARVALHO, 2007, p. 207; SEHN, 2017, pp. 15-16).
Luciano Bushatsky Andrade de Alencar (2019, p. 67), dando enfoque às diversas
repercussões dessa infração, destaca que:
o subfaturamento consiste em prática ilícita, repercutindo não só na seara
tributária, mas também na penal e cambial. Para os que defendem esta posição,
o subfaturamento é a declaração de valor a menor, através de alteração da
realidade, pressupondo a prática de falsidade, seja ela material ou ideológica.
Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, pp. 250-251), por sua vez, entende que, em termos
de interesses públicos37 juridicamente protegidos, tais repercussões não se limitam às áreas
tributária, penal e cambiária:
O subfaturamento é uma das operações fraudulentas com maior grau de
ilicitude, por afrontar tanto a arrecadação tributária na incidência dos impostos
e contribuições sobre o comércio exterior, quanto o principal bem jurídico
tutelado pelas normas aduaneiras: o controle aduaneiro. Além, é claro, da
afronta aos Princípios Constitucionais da Isonomia e da Livre Concorrência.38
O autor explicita, ainda, de que maneira tais princípios são afrontados e o papel do
Estado no combate a tais práticas:
Não são apenas os cofres públicos que são lesados com o subfaturamento, mas
também a livre concorrência: em setores muito competitivos, qualquer
redução de algum elemento de custo (no caso, os impostos e contribuições
incidentes na importação) altera, de forma incisiva, o mercado, prejudicando
as empresas que atuam de forma lícita. Também o controle cambial é afetado
com a evasão de divisas, visto que a remessa da diferença entre os valores
pactuados e os valores declarados na operação subfaturada dar-se-á de forma
ilícita, à margem do controle regular. A Administração Aduaneira tem o dever
constitucional (art. 237) de efetuar o controle aduaneiro, tanto para resguardar
os interesses fazendários, quanto para defender a livre concorrência e outros
direitos econômicos e sociais.
O próprio AVA, aliás, possui disposições que demonstram a importância de que a
autoridade, quando do exercício do seu poder fiscalizatório sobre a valoração aduaneira, tenha
segurança de que está lidando com documentos e afirmações verdadeiras, a exemplo do art. 17
e do § 6º do Anexo III, já mencionados anteriormente.
Restando delineado o conceito de subfaturamento e as principais consequências que tal
prática acarreta, é relevante adentrar em maiores especificidades, notadamente as diferentes
modalidades utilizadas para a prática desta infração, as sanções que devem ser aplicadas caso
37
Com essa expressão, não nos referimos à figura do interesse público presente sobretudo nas normas de direito
administrativo, mas sim a interesses que o ordenamento jurídico opta por, direta ou indiretamente, proteger.
38
Em relação especificamente à afirmação do autor de que o subfaturamento é uma das infrações com “o maior
grau de ilicitude” – e embora a razão da utilização da referida obra neste tópico não seja esse trecho, mas aquele
que lhe é subsequente –, reporta-se às considerações feitas no tópico 3.2.2.4.
41
haja a comprovação de sua ocorrência e outras particularidades que permitirão com que sejam
abordadas, no capítulo 5, as distinções específicas existentes entre essa figura e a subvaloração.
FERNANDES, 2013, p. 251; TREVISAN NETO, 2010, p. 287), meios de fraude que serão
analisados a seguir.
39
“Art. 18. A DI será instruída com os seguintes documentos:
I - via original do conhecimento de carga ou documento equivalente;
II - via original da fatura comercial, assinada pelo exportador;
III - romaneio de carga (packing list), quando aplicável; e
IV - outros, exigidos exclusivamente em decorrência de Acordos Internacionais ou de legislação específica.”
43
Isso porque a Receita Federal pode, por exemplo, por expressa permissão do parágrafo
único do art. 82 do RA40, estabelecer contato com a autoridade aduaneira do país do exportador,
a fim de que sejam obtidas as faturas originais referentes a determinada importação, as quais,
confrontadas com as faturas apresentadas pelo importador no Brasil, são aptas a comprovar
cabalmente o subfaturamento.
Essa situação já foi objeto de casos julgados pelo Carf, podendo-se mencionar, a título
de exemplo, o acórdão proferido no processo nº 10521.000799/2007-93, cujos seguintes trechos
importa transcrever:
Conforme se extrai do Relatório de Fiscalização (fls. 129-146), A Inspetoria
da Receita Federal do Brasil em Porto Alegre – RS, recebeu informação da
Aduana Norte Americana em resposta ao pedido formulado pela DRF-
Rio Grande relativa às importações efetuadas pela empresa Max Nutrition.
De acordo com o documento, as faturas comerciais apresentadas pela
empresa brasileira eram falsas, tendo sido a documentação original
entregue pelo diretor de vendas da empresa americana, Max Muscle.
[...]
Fácil perceber que, no caso em tela, diferente do alegado pela recorrente, a
Max Nutrition (Brasil) utilizou-se de falsidade material, substituindo a fatura
original emitida pela Max Muscle (EUA) por uma outra, falsa, com declaração
de valores (muito) inferiores ao efetivamente praticados, configurando a
hipótese de subfaturamento.
O mesmo acórdão, aliás, confirma, em outro trecho, a circunstância de que a falsidade
material é, geralmente, praticada unilateralmente pelo importador:
[A] falsidade material é típica dos casos onde o importador não atua em
conjunto com o exportador, visto que se vê obrigado a produzir novo
documento, diferente do original, para subfaturar os preços praticados. Prova
disso, a fraude foi desvendada inclusive com a colaboração da empresa
estrangeira, que apresentou os documentos originais à Aduana norte-
americana41.
Assim, na falsidade material, a fraude não recai apenas sobre o conteúdo da fatura
comercial, pois esse foi, em princípio, efetivamente objeto de declaração verdadeira do
exportador. Esse conteúdo verdadeiro, no entanto, não é apresentado pelo importador ao Fisco,
pois, como visto acima, ou a fatura verdadeira é completamente omitida, ou é alterada de modo
a distorcer as informações consignadas, de forma verdadeira, pelo exportador.
40
“Parágrafo único Nos casos previstos no caput, a autoridade aduaneira poderá solicitar informações à
administração aduaneira do país exportador, inclusive o fornecimento do valor declarado na exportação da
mercadoria.”
41
Acórdão nº 3402-008.623, proferido pela 3ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, em
22/06/2021. Relator: Sílvio Rennan do Nascimento Almeida.
44
42
“Art. 557. A fatura comercial deverá conter as seguintes indicações:
I - nome e endereço, completos, do exportador;
II - nome e endereço, completos, do importador e, se for caso, do adquirente ou do encomendante predeterminado;
III - especificação das mercadorias em português ou em idioma oficial do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio,
ou, se em outro idioma, acompanhada de tradução em língua portuguesa, a critério da autoridade aduaneira,
contendo as denominações próprias e comerciais, com a indicação dos elementos indispensáveis a sua perfeita
identificação;
IV - marca, numeração e, se houver, número de referência dos volumes;
V - quantidade e espécie dos volumes;
VI - peso bruto dos volumes, entendendo-se, como tal, o da mercadoria com todos os seus recipientes, embalagens
e demais envoltórios;
VI - peso bruto dos volumes;
VII - peso líquido, assim considerado o da mercadoria livre de todo e qualquer envoltório;
VII - peso líquido dos volumes;
VIII - país de origem, como tal entendido aquele onde houver sido produzida a mercadoria ou onde tiver ocorrido
a última transformação substancial;
IX - país de aquisição, assim considerado aquele do qual a mercadoria foi adquirida para ser exportada para o
Brasil, independentemente do país de origem da mercadoria ou de seus insumos;
X - país de procedência, assim considerado aquele onde se encontrava a mercadoria no momento de sua aquisição;
XI - preço unitário e total de cada espécie de mercadoria e, se houver, o montante e a natureza das reduções e dos
descontos concedidos;
XII - custo de transporte a que se refere o inciso I do art. 77 e demais despesas relativas às mercadorias
especificadas na fatura;
XIII - condições e moeda de pagamento; e
XIV - termo da condição de venda (INCOTERM).”
45
Na falsidade ideológica, a fatura que instrui a DI é verdadeira, isto é, ela foi assinada
pelo exportador exatamente com as declarações nela constantes, a teor do que exige o art. 18,
II, da IN nº 680/200643.
O aspecto enganoso, neste caso, reside no próprio conteúdo da fatura, de modo que,
partindo do pressuposto de que essa foi devidamente assinada pelo exportador conforme
exigido pelo dispositivo mencionado, infere-se que a falsidade ideológica necessariamente
ocorre mediante conluio entre importador e exportador (SEHN, 2021a, p. 149).
Rodrigo Mineiro Fernandes (2013, p. 252) entende que, tratando-se de subfaturamento,
sempre há, em última instância, a falsidade ideológica. A questão, portanto, seria verificar se,
no caso concreto, ela está, ou não, acompanhada da falsidade material. De todo modo, o autor
não nega a distinção e as implicações, sobretudo probatórias, advindas da presença de uma ou
de outra natureza de falsificação em determinado caso concreto.
A respeito especificamente da falsidade ideológica, Mineiro afirma (2018, p. 174):
Já na falsidade documental ideológica, a ilicitude consiste na alteração de
conteúdo do documento, ou seja, seu conteúdo apresenta declarações falsas,
sem correspondência com a realidade dos fatos. Normalmente, tal falsidade é
praticada mediante conluio entre o exportador e o importador, de forma a
dificultar o conhecimento da Administração Aduaneira do preço efetivamente
praticado na operação comercial, violando o controle aduaneiro. Não se trata
de uma mera infração de natureza tributária, com o objetivo de reduzir o
montante do tributo devido na importação, mas uma grave lesão ao controle
aduaneiro, com a falsa declaração expressa à Aduana de uma situação fática
que não corresponde à realidade da operação comercial efetuada na
importação.
Ainda na mesma obra, o autor (2013, p. 253) ressalta, em trecho que diz respeito a ambas
as formas de falsificação – mas que, aparentemente, tem ainda maior valia relativamente à
falsidade ideológica –, que “a operação comercial efetivamente praticada poderá ser
comprovada através de outros documentos como, por exemplo, as ordens de compra e as faturas
pro forma, cotações de preço, conjugados ou não com documentos financeiros”.
Isso porque, como já mencionado, na falsidade ideológica há conluio entre o importador
e o exportador, de modo que esse último emite e assina a fatura verdadeira, porém, com
conteúdo (preço das mercadorias, por exemplo) que não corresponde à verdade. Logo, não há
uma segunda fatura a ser obtida pela autoridade e tampouco a perícia técnica poderia comprovar
qualquer falsificação.
43
Ver nota de rodapé 26, acima.
46
Assim, a prova a ser produzida pela autoridade aduaneira deve envolver, em geral, a
comprovação de que houve o pagamento de um valor a maior em relação àquele informado
quando do registro da DI. A respeito dessa circunstância, Solon Sehn (2021a, p. 162) afirma
que a caracterização da falsidade ideológica “resulta da própria demonstração da discrepância
entre o valor declarado e o preço real”, o que, inclusive, repercute na determinação da base de
cálculo dos tributos em caso de subfaturamento, como será visto no tópico 4.3.1., adiante.
Conforme se pode concluir daquilo que foi exposto no tópico 4.2.1., no subfaturamento,
o importador informa preço diferente daquele efetivamente pago ou a pagar visando,
justamente, à redução ilegal da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação
(SEHN, 2021a, p. 156).
Ademais, como vimos, tal prática envolve necessariamente uma fraude, mediante
falsidade ligada à fatura comercial, seja ela material, adulterando a fatura original ou a
substituindo por uma falsa, seja ideológica, emitindo fatura verdadeira, mas com conteúdo
enganoso.
A doutrina, ademais, para fins especificamente de tratar do subfaturamento, extrai os
conceitos de fraude e conluio dos arts. 72 e 73 da Lei nº 4.502/1964, que preveem o dolo
expressamente (SEHN, 2017, p. 15; PONCIANO, 2013, pp. 271-272; CARVALHO, 2007, p.
209; BUSHATSKY, 2019, p. 89):
Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária
principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo
a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou
jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.
Portanto, o próprio ordenamento jurídico, ao conceituar a fraude, prevê expressamente
que essa ocorre de maneira dolosa.
Ademais, além de tal elemento constar expressamente nos dispositivos acima
transcritos, os próprios meios pelos quais o subfaturamento é praticado não deixam dúvidas da
presença do dolo. Isso porque não há como se imaginar que o importador possa adulterar a
fatura comercial, ou que ele e o exportador pudessem acordar em declarar ao Fisco valor irreal,
de forma não intencional.
Nas palavras de Edmar Oliveira Andrade Filho (2003, p. 124):
47
Marco Aurelio Greco (2001, p. 150), afirma que a palavra “fraude”, quando utilizada
no âmbito das relações tributárias, pode se referir a dois conceitos, quais sejam:
1) fraude à lei, em que há atos lícitos e violação indireta ao espírito da lei ou
ao ordenamento jurídico como um todo; e 2) a fraude contra o Fisco em que
a conduta agride diretamente uma norma que assegura um direito ou crédito
do Fisco – existente ou em curso de formação – de modo a escondê-lo ou
impedir o seu surgimento.
Tratando-se do subfaturamento, tem-se a segunda das situações narradas pelo autor,
notadamente uma conduta que agride diretamente uma norma que assegura um direito ou
crédito do Fisco.
De fato, a mera conduta consistente na fraude da fatura comercial está essencialmente
ligada à redução do valor aduaneiro, até mesmo porque, como foi visto no tópico anterior, é
precisamente essa a intenção manifestada pelo importador.
Não se está a afirmar, é claro, que o subfaturamento independe do resultado (a redução
da base de cálculo dos tributos). Afinal, se não fosse esse o caso, não se estaria sequer diante
de hipótese dessa infração. Esse resultado, porém, está inerentemente atrelado à conduta do
importador, visto que esse a adota absolutamente consciente do fato de que a falsificação –
material ou ideológica – da fatura implicará a redução da base de cálculo.
Portanto, ao contrário do que ocorre na subvaloração, a circunstância de o valor
aduaneiro correto ser maior do que o declarado está essencialmente ligada à conduta fraudulenta
do importador. É nesse sentido que se pode afirmar, em contraposição ao que foi concluído
quanto à subvaloração, que o locus operacional do subfaturamento está vinculado à conduta do
fraudador.
A outra conclusão que se pode extrair da lição de Marco Aurelio Greco acima transcrita
diz respeito à ilicitude no subfaturamento.
48
Inicialmente, é relevante notar que não há qualquer dúvida acerca do caráter ilícito dessa
figura. Trata-se efetivamente de infração punida com penas rigorosas – uma das penalidades
sobre as quais pende a controvérsia doutrinária apontada no tópico 4.3.2., relembra-se, é a de
perdimento da mercadoria – e que, ademais, é cometida necessariamente mediante fraude, o
que parece não deixar dúvidas acerca da antijuridicidade da prática em questão.
O que importa notarmos, todavia, sobretudo para os fins a que se destina este trabalho,
é que, ao contrário do que ocorre na subvaloração, o subfaturamento não é ilícito apenas na
medida em que acarreta a redução da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a importação.
O mero fato de que se trata de figura praticada sempre por meio de fraude já denota que
a ilicitude não se verifica apenas no recolhimento a menor das exações. O caráter ilícito do
subfaturamento se verifica, num primeiro momento, na conduta propriamente dita do
importador, que falsifica os documentos que embasam o valor aduaneiro a ser adotado em
determinada operação de importação.
Num segundo momento, verifica-se outra ilicitude (isto é, o descumprimento de outra
norma jurídica), qual seja, o recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a importação,
ocasionado precisa e inerentemente pela fraude.
44
“Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens,
direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou
preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os
documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de
contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.”
50
45
O dispositivo é reproduzido pelo art. 703 do RA: “Art. 703. Nas hipóteses em que o preço declarado for diferente
do arbitrado na forma do art. 86 ou do efetivamente praticado, aplica-se a multa de cem por cento sobre a diferença,
sem prejuízo da exigência dos tributos, da multa de ofício referida no art. 725 e dos acréscimos legais cabíveis
(Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 88, parágrafo único)”.
51
Diante de tudo o que foi exposto, é possível cotejar os elementos de cada uma das figuras
analisadas neste trabalho, a fim de diferenciá-las e, por fim, destacar uma situação de possível
ocorrência que implica uma aproximação entre a subvaloração e o subfaturamento e que,
consequentemente, pode ser causa de confusão entre ambos.
5.1 DISTINÇÃO
46
A expressão “contexto normativo”, neste trabalho, refere-se aos fundamentos políticos que, em linhas gerais,
justificam a existência do conjunto de normas que rege cada uma das figuras analisadas.
52
5.1.2 Caracterização
Outro critério que se pode utilizar, a partir do que foi visto nos capítulos 3 e 4 deste
trabalho, para diferenciar a subvaloração e o subfaturamento diz respeito às próprias hipóteses
de caracterização de cada um desses fenômenos.
Viu-se que o fenômeno da subvaloração consiste na redução da base de cálculo dos
tributos incidentes sobre a importação em decorrência da aplicação, pela autoridade aduaneira,
das regras do AVA de modo diverso daquela pela qual o importador realizou a valoração.
Essa aplicação diversa (e que, ao menos juridicamente, pode ser considerada a correta,
isto é, aquela que subsome a situação fática às regras de valoração do AVA em conformidade
com o direito positivo), por sua vez, pode ser ocasionada por diversos fatores, por exemplo: (i)
não inclusão dos ajustes previstos no art. 8 do AVA; (ii) incidência de uma das regras que
determinam a inaplicabilidade do método de valoração adotado pelo importador; e (iii) presença
53
de elementos objetivos que ensejem a dúvida, por parte da autoridade, acerca da veracidade ou
exatidão das declarações apresentadas pelo importador.
O subfaturamento, diferentemente, consiste na redução da base de cálculo dos tributos
incidentes sobre a importação ocasionada pela falsificação da fatura comercial por parte do
importador.
A falsificação, por sua vez, pode consistir em falsidade material ou ideológica. Naquela
primeira, a fraude recai diretamente sobre a própria fatura comercial, de modo que ou o
importador altera a fatura original para que nela passe a constar a informação enganosa ou a
própria fatura original é substituída por uma falsa. Na falsidade material, a fatura em si é
verdadeira, isto é, foi emitida e assinada pelo vendedor da mercadoria. O seu conteúdo, todavia,
é falso.
No entanto, por qualquer que seja o meio que se pratique o subfaturamento, não há
qualquer identidade, relativamente a esse aspecto, com a subvaloração, uma vez que, nessa
última, a autoridade aduaneira está diante de informações verdadeiras47, de acordo, sobretudo,
com a ideia segundo a qual, no âmbito do AVA, o importador age de maneira presumidamente
lícita (TÔRRES, 2005, p. 229).
Assim, também no que se refere a esse aspecto, pode-se diferenciar a subvaloração e o
subfaturamento a partir do que foi visto nos capítulos 3 e 4.
5.1.3 Dolo
47
É possível, como foi visto, que haja, no máximo, dúvida sobre a veracidade das informações prestadas. Se houver
efetiva comprovação da inveracidade, estar-se-á diante de subfaturamento. Essa aproximação circunstancial entre
ambas as figuras será analisada no tópico 5.2., abaixo.
54
Elemento que acaba por corroborar a ideia de que não há dolo na subvaloração consiste
na própria (im)possibilidade de que o importador preveja o resultado de sua conduta,
circunstância que se relaciona diretamente com o critério que abordamos no tópico 3.2.2.2. Isso
porque, na subvaloração, não se pode afirmar que o importador sabia do resultado (redução da
base de cálculo) no momento em que adotou sua conduta (valoração aduaneira da maneira X,
incorreta). Só se pode dizer efetivamente que o valor aduaneiro era maior a partir do momento
em que a autoridade realiza a valoração (da maneira Y, correta) e essa circunstância resulta em
discrepância a maior.
Logo, também à luz desse aspecto é possível diferenciar a subvaloração do
subfaturamento.
Além dos critérios objeto dos tópicos antecedentes, também foi analisado, nos tópicos
3.2.2.4. e 4.2.3., a licitude ou ilicitude relacionadas às figuras objeto deste trabalho.
Em relação ao subfaturamento, viu-se que a doutrina não diverge quanto ao seu caráter
ilícito. Não poderia ser diferente, já que se trata de inequívoca infração aduaneira e tributária.
Ademais, o fato de que se está diante de ato fraudulento permite concluir que, neste caso, a
própria conduta do importador (falsificar a documentação de instrução obrigatória da DI para
fraudar a fiscalização aduaneira) é eivada de ilicitude. O resultado dessa conduta (a diminuição
do valor aduaneiro e o consequente recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a
importação), por sua vez, é igualmente ilícito, notadamente sob o ponto de vista tributário48.
No que se refere à subvaloração, foi visto que a jurisprudência e a doutrina,
majoritariamente, classificam-na, sem ressalvas, como pertencente ao campo da licitude,
enquanto o subfaturamento consistiria – e efetivamente consiste, como visto acima – em ato
ilícito.
Tais afirmações parecem ter como intuito distinguir as duas referidas figuras. No
entanto, diante da ideia incontroversa de que a toda sanção corresponde um ato ilícito e
considerando que o recolhimento a menor dos tributos incidentes sobre a importação – resultado
último da subvaloração – é punido com a multa prevista no art. 44, I, da Lei nº 9.430/1996,
concluiu-se que a subvaloração está relacionada efetivamente a um ato ilícito.
48
Não se pode perder de vista – especialmente para a conclusão a que se chega neste tópico – que, em que pese
essa classificação da ilicitude pelo ramo do direito a que ela diz respeito, o ilícito é sempre uma transgressão à lei,
de modo que, a rigor, “não importa aos doutrinadores diferenciar o ilícito civil, o penal ou o tributário” (STAHL,
2015, p. 323).
55
Assim, foi possível concluir que a distinção propriamente dita não está na circunstância
de a ilicitude estar presente em uma e não na outra, mas sim no fato de que, no subfaturamento,
há um elemento da própria conduta do importador que, por si só, constitui ato ilícito, qual seja,
a falsificação da fatura comercial com a intenção de recolhimento a menor dos tributos devidos.
Em outras palavras, a subvaloração não se origina, propriamente, de uma conduta ilícita,
em que pese acabe implicando uma. O subfaturamento, por outro lado, tem origem
precisamente em uma conduta fraudulenta, cuja antijuridicidade é notória e, não à toa, punida
com alto rigor pelas normas aduaneiras sancionatórias.
Por fim, outro aspecto que foi analisado no presente trabalho diz respeito ao locus
operacional da subvaloração e do subfaturamento, isto é, à determinação do momento em que
se pode afirmar que se concretiza cada uma dessas figuras.
Concluiu-se, em síntese, que o subfaturamento está inerentemente atrelado, em seu
resultado, à própria conduta do importador. Afinal, esse último falsifica a fatura comercial
precisamente para que o valor aduaneiro seja, por meio de fraude, reduzido.
Na subvaloração, por outro lado, concluiu-se que só se pode constatar efetivamente a
sua ocorrência quando da correta aplicação das regras do AVA por parte da autoridade
aduaneira. Isso porque o valor aduaneiro a que chegará a autoridade ao corretamente aplicar as
regras de valoração não necessariamente será superior àquele declarado pelo importador.
Em outras palavras, portanto, a conduta do importador, ao aplicar (incorretamente) tais
regras à mercadoria que pretende importar, não está inerentemente atrelada ao resultado
(redução do valor aduaneiro decorrente da indevida aplicação do AVA).
A referida situação pode tomar diversos rumos. Por exemplo: (a) o importador pode
prestar os esclarecimentos e esses serem aceitos pela autoridade49; (b) o importador pode prestar
esclarecimentos e esses não serem considerados suficientes para elidir a dúvida; (c) o
importador, ao prestar os esclarecimentos, pode apresentar a fatura comercial e a autoridade,
por sua vez, diante da permanência da suspeita, pode dar início a procedimento de fiscalização
com o objetivo de apurar a eventual falsificação do referido documento.
Na primeira hipótese (a), permanece aplicável o método do valor da transação, não
havendo qualquer redução ou majoração do valor aduaneiro. Na segunda (b), aplica-se um dos
métodos substitutivos, o que pode implicar a chamada subvaloração. Na terceira hipótese
descrita (c), é possível que por meio do procedimento de fiscalização não se consiga comprovar
efetivamente qualquer falsificação. Neste caso, permanece a dúvida, mas afasta-se o primeiro
método, o que também pode acarretar subvaloração. É possível, no entanto, que se constate – e
se comprove – falsificação da fatura comercial, ocasião em que se estará diante do
subfaturamento50.
Portanto, o pressuposto de aplicabilidade do primeiro método de valoração segundo o
qual a autoridade aduaneira não pode ter dúvidas acerca da veracidade ou exatidão das
informações parece ser o fator com maior potencial de causar confusão entre as duas figuras,
visto que determinada situação, tal como a hipotética narrada acima, pode ensejar a
caracterização de uma ou outra figura, a depender das circunstâncias.
Tais circunstâncias, como se pode inferir, podem dizer respeito a questões
extremamente sutis, relativas, por exemplo, à força probatória dos elementos aos quais a
autoridade aduaneira pode ter acesso no caso concreto.
De todo modo, como é possível perceber, essa aparente aproximação entre a
subvaloração e o subfaturamento não é conceitual, mas sim absolutamente circunstancial, de
modo que só se pode falar nessa aproximação em uma situação específica e apenas no sentido
de que o elemento que enseja a caracterização de uma e não de outra figura é a circunstância de
o Fisco (a) ter permanecido apenas com a dúvida acerca da veracidade ou exatidão das
informações prestadas ou (b) ter, efetivamente, comprovado a fraude.
49
Neste caso, o importador poderia, por exemplo, comprovar documentalmente alguma característica peculiar da
operação de compra e venda que faz com que o preço pago ou a pagar seja drasticamente reduzido.
50
Partindo do pressuposto, é claro, de que a falsificação tenha como objetivo diminuir o valor aduaneiro.
58
Em outras palavras, tal aproximação não implica, de forma alguma, qualquer identidade
entre o subfaturamento e a subvaloração, não alterando em nada o fato de que se trata de duas
figuras conceitual e fundamentalmente distintas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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