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DIREITO DO
TRABALHO

TEÓRICA
FILIPE SCHUMACHER - COM COLABORAÇÃO
DE JOANA DIAS
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota Introdutória
Esta sebenta de Direito do Trabalho, disponibilizada pela Comissão de Curso dos
estudantes do 3.º Ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto no ano letivo 2022/2023, foi elaborada pelo estudante Filipe Schumacher, com
o apoio e colaboração de Joana Dias, que elaborou os apontamentos semanais da
Unidade Curricular em questão, e reviu, posteriormente, o conteúdo do documento.
O material utilizado foi, essencialmente, o conteúdo lecionado pela docente Maria Regina
Redinha, bem como a leitura do Manual Contrato de Trabalho (3.ª ed.) de João Leal
Amado e do Manual Direito do Trabalho (2019) de João Leal Amado, Milena Silva
Rouxinol, Joana Nunes Vicente, Catarina Gomes Santos e Teresa Coelho Moreira.
Relembra-se ainda que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não
dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura da
bibliografia obrigatória.
Bom estudo!

Joana Dias e Filipe Schumacher 1


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Índice:
1. Introdução ………………………………………………………………………………………………………………… 4
2. Caracterização do ordenamento jurídico laboral ………………………………………………………. 5
2.1. Perspetiva histórica ……………………………………………………………………………………. 5
2.2. Caracterização do ramo de Direito do Trabalho …………………………………………. 8
3. Fontes do Direito do Trabalho …………………………………………………………………………………. 11
3.1. Fontes internacionais ……………………………………………………………………………….. 12
3.2. Fontes internas …………………………………………………………………………………………. 13
3.3. Articulação das fontes ………………………………………………………………………………. 17
3.4. Âmbito de aplicação da normatividade laboral …………………………………………. 21
4. Noção de contrato de trabalho …………………………………………………………………………………. 25
5. Reconhecimento do contrato de trabalho ………………………………………………………………… 27
6. Trabalho em plataformas digitais ……………………………………………………………………………. 33
7. Relações atípicas de emprego …………………………………………………………………………………. 35
7.1. Trabalho a tempo parcial ………………………………………………………………………….. 38
7.2. Trabalho intermitente ………………………………………………………………………………. 41
7.3. Comissão de serviço ………………………………………………………………………………… 44
7.4. Teletrabalho …………………………………………………………………………………………….. 45
7.5. Trabalho temporário ………………………………………………………………………………… 50
7.6. Contrato a termo ……………………………………………………………………………………… 57
8. Tempo de trabalho …………………………………………………………………………………………………. 68
9. Modo de proteção da laboralidade …………………………………………………………………………. 77
9.1. Tutela da personalidade do trabalhador …………………………………………………… 77
9.2. Igualdade e não discriminação ………………………………………………………………… 89
10. Formação do contrato de trabalho ……………………………………………………………………….. 101
10.1. Contrato de trabalho como contrato de adesão ……………………………………… 102
10.2. Período experimental …………………………………………………………………………… 103
10.3. Forma do contrato de trabalho ……………………………………………………………… 105
10.4. Dever de informação …………………………………………………………………………… 106

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10.5. Atividade do trabalhador ……………………………………………………………………… 108


10.6. Invalidade do contrato de trabalho ………………………………………………………. 112
10.7. Direitos e deveres das partes ……………………………………………………………….. 113
10.8. Inclusão de determinadas cláusulas ……………………………………………………… 118
11. Férias …………………………………………………………………………………………………………………. 121
12. Retribuição …………………………………………………………………………………………………………. 125
13. Vicissitudes contratuais ……………………………………………………………………………………… 133
13.1. Suspensão do contrato de trabalho ………………………………………………………. 133
13.2. Transmissão da empresa ………………………………………………………………………. 140
13.3. Cedência Ocasional de trabalhadores ………………………………………………….. 140
14. Cessação do contrato de trabalho ………………………………………………………………………. 141
14.1. Caducidade do contrato de trabalho …………………………………………………….. 143
14.2. Revogação do contrato de trabalho ……………………………………………………… 144
14.3. Despedimento pelo empregador ………………………………………………………….. 145
14.4. Resolução pelo trabalhador …………………………………………………………………. 153
14.5. Denúncia pelo trabalhador …………………………………………………………………… 154
15. Aula aberta “Teletrabalho no período pós-pandemia” ……………………………………….. 156

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1. INTRODUÇÃO:
Nota de apoio ao estudo: repertoriojulaboral.blogspot.com contém elementos
complementares de informação (adicionais ao Moodle da disciplina). Só são aqui
colocados materiais dos quais a professora tem o controlo editorial, nomeadamente
publicações da Professora e de colegas que coloquem em texto aberto.
Na atualidade, com a pandemia, há movimentos de retração do trabalho (grandes
tendências de demissões, etc.), uma contração do tempo de trabalho (e consequentemente
com menos rendimento), etc.
O direito do trabalho tem uma história recente (séc. XIX), sendo um dos mais recentes
ramos do direito privado. Começa a ficar desatualizado por causa do que foi referido
anteriormente.
Nesta unidade curricular vamos centrar-nos na evolução do contrato de trabalho (as
diferentes fases vitais do contrato de trabalho desde o início à sua extinção). Mas antes,
começaremos pela caracterização inicial do sistema normativo laboral, com atenção às
fontes do seu Direito, aos princípios que regem o Direito do Trabalho, ao acento
constitucional, e, depois, ao contrato de trabalho.

RECONHECIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO:


O reconhecimento e qualificação do contrato de trabalho é hoje uma das 3 principais
matérias que chegam aos tribunais de trabalho, dado que como o trabalho tem
jurisdição própria, há um leque restrito de matérias que chegam aos tribunais de trabalho.
As restantes duas matérias que mais vezes chegam aos tribunais de trabalho são os
acidentes de trabalho e as questões à volta da cessação do contrato.
Como dizia um juslaboralista clássico, “o contrato de trabalho é como um elefante”, pois
toda a gente o reconhece imediatamente, mas pouca gente o consegue descrever. Esta
operação é tão mais difícil quando se dá a circunstância de uma das partes desse contrato
querer fugir à verdadeira natureza dele, e, portanto, tudo faz para camuflar o “elefante”,
desde logo ao atribuir outro nome ou até de assinar funções muito distintas.

OBJETO DO CONTRATO:
Normalmente o objeto dos contratos é específico, na medida em que não pode haver
objetos indeterminados nos contratos. Porém, no contrato de trabalho não é bem assim,
pois no Direito do Trabalho o objeto é relativamente indeterminado, dado que só se
vai determinando com a execução do programa contratual.
Há uma delimitação genérica do objeto, i.e., alguém se obriga a prestar a sua atividade,
mas, verdadeiramente, como e quando o vai fazer é determinado no dia a dia. O
empregador é uma das partes que tem a faculdade de dizer à outra parte o que vai fazer
no dia a dia, concretizando o objeto laboral. Isto escapa à asserção básica da determinação
do objeto.

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2. CARACTERIZAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO


LABORAL:
2.1 PERSPETIVA HISTÓRICA:
Porquê a especificidade do contrato de trabalho relativamente aos outros? É uma história
relativamente recente se contemplarmos a evolução jurídica. O contrato de trabalho é
recente, porque ele também se liga a uma realidade relativamente recente. O trabalho
subordinado a um contrato de trabalho está ligado a uma forma de organização social que
se tornou dominante apenas com a revolução industrial.
O Direito de Trabalho é fruto do capitalismo (ou existe para tornar o capitalismo
suportável). Qualquer que seja a perspetiva ideológica, dificilmente reconhecemos
“Direito de Trabalho” antes do estabelecimento desta forma de organização social-
económica.
Em Portugal, as primeiras leis de natureza laboral remontam ao final do séc. XIX (1891).
Até aí não havia predominância na forma de trabalhar que hoje é objeto do contrato de
trabalho.
Mas recuemos um pouco, …
O sistema feudal, em que não há liberdade de escolha, é começado a ser posto em causa
com o surgimento de cidades e economia artesanal, mas só acaba verdadeiramente com
o nascimento da sociedade moderna, e essa emergência está ligada à industrialização
que possibilitou que o trabalho humano passasse a ser prestado se forma salariada.
Com a industrialização, grandes números de pessoas passaram a prestar a sua
atividade. Este crescimento do número de mão de obra disponível adveio do êxodo dos
campos para as fabricas, provocando, então, essa nova forma de organização social
económica.
Estas pessoas eram obrigadas a aceitar as condições de trabalho impostas pelos
empresários, o que quer dizer que a revolução industrial foi, também, uma revolução
social ao alterar profundamente as condições de trabalho e o modo de trabalhar, desde
logo as competências exigidas para o trabalho (a máquina padroniza o método de trabalho
+ trabalho é homogéneo e simples = perda de importância dos saberes da artesoaria,
deixando, desde logo, de ser importante a habilidade especifica da pessoa para o
desempenho da atividade.
I.e., qualquer pessoa poderia fazer o trabalho, desde que tivessem habilidades médias.
Assim, a máquina coloca o trabalho mais acessível a todas as pessoas. Este é o 1.º fator
que imprime esta alteração social económica).
Ora, se a mão de obra requerida para o processo pode ser menos qualificada e
especializada, então significa que toda a gente pode ser chamada à produção, inclusive as
mulheres e crianças sem formação especifica, aumentando a disponibilidade de pessoas
para o trabalho.

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2.º fator: prende-se com a perda de autonomia profissional. Os trabalhadores


especializam-se numa fase do processo produtivo. São empregues como trabalhadores
encarregados de alimentar a máquina a carvão, por exemplo. São trabalhadores de uma
parcela do processo.
3.º fator: a produção das necessidades da mão de obra. A industrialização traz cortes nas
necessidades da mão de obra. Isto, ainda hoje, é um fator de que o trabalho não se abstrai.
Fala-se, atualmente, da robotização do processo produtivo, levando ao desaparecimento
de profissões (fenómeno recorrente e que se densifica).
4.º fator: a despersonalização do trabalho. Com a industrialização e aumento do número
de trabalhadores, as relações entre trabalhadores e empregadores tornam-se mais
distantes, objetivas e hierarquizadas.
5.º fator (o qual resulta dos outros): a divisão social do trabalho, i.e., a separação das
tarefas de execução e a parcelarização do trabalho transformou o processo produtivo, e,
com isso, também transformou o modo de relacionamento entre as pessoas.

É por tudo isto que aparece o trabalho subordinado como um fenómeno massificado!

Isto conduziu a uma melhoria das condições económicas das populações? Até este
momento tínhamos um sistema constringente, i.e., um sistema em que não há liberdade
para decidir o trabalho.
Com o advento do capitalismo, este estado de coisas altera-se e com a revolução industrial
massifica-se, surgindo um novo problema: agora temos mais gente a trabalhar do que
a necessidade de mão de obra. Logo, se há excesso de oferta, o preço cai.
Nas condições de livre negociação e livre estabelecimento das condições contratuais, o
que acontecia é que os salários eram salários que não asseguravam a sobrevivência do
trabalhador, e as condições eram de extrema penosidade (miséria das classes
trabalhadoras).
Com o alastramento das condições infra-humanas de vida surgem problemas sociais
gravíssimos os quais obrigam à introdução do contrato laboral.
O contrato de serviços (como era denominado) não resolvia tudo. O contrato até chegava
a ser uma realidade como difícil para muita gente, então a solução foi intervir nesse
campo. Intervir porquê? Intervir porque temos um contrato entre A e B, mas o contrato
pressupõe igualdade entre as partes, que existe juridicamente no Direito Civil.
Porém, para que um contrato surja é preciso declaração de vontade, e vontade pressupõe
liberdade. E qual é a liberdade do sujeito quando em causa está a sua sobrevivência? A
reflexão em torno do condicionamento do carácter alimentar do salário levou a que o
Estado tivesse de intervir nesta relação contratual entre particulares.

De que maneira o Estado começou a intervir nos contratos?

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o Começou por intervir estabelecendo limites às possibilidades de exigência de uma


das partes. Com isto surgiu o Direito de Trabalho. E estas primeiras intervenções
disseram respeito ao tempo de trabalho e certas categorias de trabalhadores. Mas eram
intervenções eventuais (p.e., nas minas só podem trabalhar maiores de x anos, etc.).
o Ao longo do tempo estas intervenções tópicas tomaram uma carga tal que afastaram
a relação contratual do comum dos contratos para a tornar numa relação lógica e
metodologicamente diversa da relação contratual civil. Assim, o Direito do Trabalho
torna-se autónomo ramo do Direito, pois passa a ter uma lógica diferenciada da
matriz civilista. Com a emergência de uma nova lógica aparece uma nova
metodologia, ou seja, a forma de atuação do Direito Civil não é equivalente à forma
de atuação do Direito do Trabalho. Claro que mantém alguma feição civilista, porque,
apesar de tudo, o contrato de trabalho não deixa de ser uma relação contratual.

Caracterização destas relações contratuais:


o Tem uma jurisdição própria.
o Tem fontes normativas específicas diferentes de qualquer outro ramo do Direito.
Temos mais fontes aqui do que no Direito Civil e um sistema móvel de articulação
das fontes.
o Caracterização técnica: é um sistema dotado de autonomia científica, não obstante a
vicissitude histórica.
Vejamos a seguinte timeline …

FASE DE FASE DE FASE


REVOLUÇÃO FASE ENTRE A
CRESCIMENTO E APÓS 1973
INDUSTRIAL AFIRMAÇÃO 1.ª E A 2.ª GM CONSOLIDAÇÃO

Constituída por um
Situação A partir da 2.ª
conjunto de lei sociais
híbrida entre GM, entramos
avulsas e o Direito do
as duas na chamada
Trabalho ainda não
guerras “fase do ouro do
tem propriamente uma
Direito do
coerência sistemática
Trabalho”
(até à 1.ª GM)
Em 1973 dá-se a primeira grande crise energética e isso altera as condições de trabalho
de forma acentuada, o que significa que a partir dai entramos num tempo de sucessivas
crises em que alguns movimentos tentaram a adaptação e outros a destruição daquilo que
havia sido conseguido neste período e resultado do que acontecera atrás. Esta é a fase,
então, das crises.
Inicialmente pensou-se que seria uma fase transitória e que quando descesse o preço do
barril tudo voltaria ao normal. Porém, verificou-se que eventualmente o barril desceu,
mas outros elementos entraram em cena e novas exigência de adaptação do Direito do
Trabalho à realidade se fizeram sentir.

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É a partir desta fase que começamos a ouvir falar de flexibilidade (adaptação das
condições laborais à procura e condições sociais), de precariedade, e que começamos a
ouvir que o Direito de Trabalho é o suspeito da resolução das crises económicas. É,
verdadeiramente, um momento em que se apela à adaptação.
Portanto, neste percurso o Direito do Trabalho tem sofrido alterações profundas. É um
percurso recente, mas bastante acidentado. Isto passou-se a nível global, e é o que se
passou em Portugal, ainda que diferido no tempo porque só a partir de 1974 é que
começou a existir o Direito do Trabalho como objeto de estudo académico, o que
significa uma diferença no modo de projetar a importância do trabalho e do seu direito. E
isto provoca vicissitudes políticas (praticamente apanhamos o comboio em termos
científicos quando ele já estava em grandes dificuldades).

2.2 CARACTERIZAÇÃO DO RAMO DE DIREITO DO


TRABALHO:
o Recente: ainda estamos em fase de apuramento de muitas questões (p.e., conceito de
consentimento e quais devem ser as suas características numa relação contratual: é
reconhecido pelos juslaboralistas, porém com as várias formas de consentimento é
difícil denominá-lo, obrigando a reformular o conceito de consentimento, i.e., aquilo
que é a manifestação livre da vontade para que possamos continuar a falar de
contrato).
o Autónomo lógica e metodologicamente: o modo de ser é diferente do modo de ser
civilista. É um “direito de par” porque é um direito que se destina à proteção de uma
das partes. Enquanto o Direito Civil é equidistante das partes, o Direito do Trabalho
não. Entre as 2 partes há naturalmente uma contraposição essencialmente conflitual
de interesses, e esta contraposição não é deixada de fora do Direito, mas sim regulada
protegendo uma das partes.
o Forte componente de direito positivo: é um direito de legislação, porque não se
deixa totalmente ao arbítrio das partes, dado que a intervenção é feita ao nível
superior, ao nível vinculativo, i.e., tem de haver intervenção dos poderes públicos
apenas feita pela via legislativa, o que significa que a legislação tem um papel crucial
do ponto de vista da lógica do Direito. A componente positivista é muito acentuada,
porque sem esta fonte normativa externa não temos Direito do Trabalho.

o Contínua adaptação do direito às alterações económicas e sociais: O Direito do


Trabalho é um Direito em que todo o edifício normativo recebe o input da conjuntura
económica e social (p.e., troika que incidiu sobre matérias laborais).
o Ligação do Direito do Trabalho à tecnologia (característica tendencial): podemos
referir 3 instrumentos (estes instrumentos são sobreponíveis à timeline anteriormente
mencionada):
- Relógio: delimitação do tempo e condições de trabalho em geral. Marca as fases
até à 2.ª GM.
- Automóvel: com a sua produção em massa temos uma fase fordista. Numa
relação salarial prestada sobretudo por homens que trazia um sustento próprio e

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familiar. Trabalho a tempo completo prestado num local bem definido, durante
um tempo de trabalho pré-determinado, e que era um trabalho que possibilitava
uma carreira profissional porque era evolutivo – começava-se na base
organizacional, e com o decurso do tempo e da aprendizagem podia chegar-se a
níveis mais elevados da cadeia hierárquica e funcional. Era um emprego estável,
seguro, confiável e evolutivo
- Computador: a partir +/- de 1973, a lógica passa a ser outra. Pode trabalhar-se
em qualquer lugar e a qualquer hora, esfumando-se a importância do tempo e do
local. Os trabalhadores passam a ser mais qualificados que o empregador, dado
que dominam o instrumento de trabalho. Quem domina o processo técnico é o
trabalhador.

O trabalho é uma componente essencial da vida, pois é o trabalho que assegura o


rendimento de grande parte das pessoas, tendo um caráter alimentar para a maior parte
dos trabalhadores, ainda que haja trabalhadores com outras fontes de rendimento, ou que
estejam numa posição tal que esta característica alimentar deixa de existir. Mas mesmo
que não precisem é o trabalho que cumpre uma nidificação da posição social. A posição
de trabalho é um elemento identificador social, e, como tal, é um elemento estruturante
da sociedade. Assim, o Direito do Trabalho tem de ter em atenção esta componente
quando corrige o desequilíbrio natural entre as partes.

Elementos associados ao contrato de trabalho: falamos ainda de elementos associados


ao contrato de trabalho e que representam uma compensação pela atividade desenvolvida
(são uma retribuição não pecuniária e que se constituem como salário emocional com
proteção jurídica, ainda que não tao intensa como o salário strictum sensu). Uma situação
em que trabalhador que se vê sistematicamente retirado das prestações sem causa aparente
pode constituir uma forma de assédio, porque associado à prestação do trabalho está a
projeção identitária e social do individuo.
Direito coletivo do trabalho: A par com a autonomia privada existe uma autonomia
privada coletiva. Na verdade, a 2ª fase da timeline ficou conhecida como “movimento
operário”. Perante o desequilíbrio individual no contrato, o que aconteceu foi que os
trabalhadores se começaram a organizar para, coletivamente, conseguirem melhores
condições salariais e de trabalho. Esta organização coletiva deu origem a sindicatos e ao
movimento sindical.
Com o crescimento do movimento sindical apareceram os instrumentos coletivos de
trabalho, i.e., fontes normativas que já não resultam da lei, ou da fixação das condições
contratuais, mas que resultam da negociação entre uma pluralidade de empregadores e
uma pluralidade de trabalhadores, normalmente organizados em sindicatos. Estes entes
coletivos têm a capacidade de intervenção. Até 1973 há uma grande predominância da
dimensão coletiva e, por consequência, do direito coletivo do trabalho.

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Porém, hoje fala-se no declínio dos sindicatos, da crise da representatividade, porque


neste contexto a organização social e outros fatores acabam por levar a alguma erosão da
força dos agentes coletivos e das suas fontes.
Mas como se explica a força desta dimensão durante tanto tempo? Pela existência de uma
arma poderosa constituída pela greve. A greve que é, no fundo, um direito que resulta de
um “não direito”, i.e., é um não direito juridificado. A abstenção de trabalhar quando se
está obrigado a trabalhar gerou a greve, que é a última arma da ação coletiva. Ora, este
“não direito” que se transforma em direito é uma particularidade do Direito do Trabalho.
Não temos em contrato uma abstenção à qual se está obrigado transformado em direito
(o mais parecido é a exceção de não cumprimento).

Influência ou refluxo que este ramo do direito tem sobre a matriz: O Direito do
Trabalho autonomizou-se do Direito Civil no processo de estabelecimento de uma lógica
própria, mas hoje já começa a ter, e já tem, uma solidez incontestável, sendo que ele
próprio influencia sobre a sua origem. De que maneira é que esta influência é visível?
É uma influência que se nota pontualmente em muitos aspetos na conformação de alguns
institutos, mas é muito nítida na área da responsabilidade e na área da igualdade e não
discriminação. Porquê na área da responsabilidade? Porque verdadeiramente a
responsabilidade objetiva nasceu com o Direito do Trabalho, na revolução industrial. Até
aí era uma responsabilidade baseada na reprovação da conduta do sujeito). Com a
Revolução Industrial começaram a acontecer acidentes com as máquinas os quais
modificavam a vida das pessoas sem qualquer reparação, pois não havia segurança social,
ou condutas infracionais no sentido de ao empregador ser imputável uma
responsabilização. Na verdade, o empregador tinha feito tudo, cumprindo as normas
necessitadas de segurança, por isso não havia nada a reprovar, contudo, o acidente tinha
provocado danos terríveis à pessoa.

Perante a disseminação destes acidentes, frequência, alteração das condições de vida de


pessoas que não tinham depois meios de sobrevivência, o direito forjou este princípio da
responsabilização baseada no benefício da utilização, objetivando a responsabilidade.

Este instituto e o aparecimento desta forma de responsabilidade, conjuntamente com a


complexidade de organização social, vai estender-se a outros domínios, como aos
veículos automóveis, instalação de energia elétrica e gás, utilização de animais, etc.
Da mesma forma, o Direito do Trabalho exporta o que consideramos o direito da
igualdade e não discriminação. Estes direitos começaram por ser um direito de natureza
legal (para trabalho igual salário igual). A partir deste princípio laboral muitos outros
fatores foram sendo introduzidos no reconhecimento da igualdade material entre os
trabalhadores, nomeadamente no sentido da igualdade de género, que começa por ser uma
das áreas em que começaram a notar-se as primeiras medidas de ação positiva, como por
exemplo as normas relativas à parentalidade, inicialmente apenas relativas à maternidade.
São medidas de correção de assimetrias laborais de determinadas classes.

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Foi nesta segregação do princípio da igualdade e não discriminação que se estabelecem a


bases do que é hoje o princípio no seu todo, tendo começado o direito da igualde e não
discriminação a ser dotado de alguma especificidade organizacional. Hoje é um edifício
normativo coerente que tem alguns subprincípios, alguma nomenclatura, e uma dinâmica
própria.

3. FONTES DO DIREITO DO TRABALHO:

O Direito do Trabalho ocupa-se do trabalho, não de todo o trabalho humano, mas do


trabalho subordinado ou dependente, i.e., do trabalho prestado por conta de outrem.
Como refere André Gorz, o trabalho que aqui releva é aquele que se analisa “numa
atividade paga, realizada por conta de um terceiro (o empregador), com vista à
realização de fins que não fomos nós próprios a escolher, e segundo modalidades e
horários fixados por aquele que nos paga”.
O art.º 11 do Código do Trabalho (doravante “CT”) indica uma noção diferente da contida
no Código Civil, no art.º 1152, pelo que temos vigentes duas noções diferentes de contrato
de trabalho:
o Art.º 11 do CT: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se
obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no
âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
o Art.º 1152 do CC: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga,
mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa,
sob a autoridade e direção desta”.

Tendencialmente o Direito do Trabalho só se ocupa desta forma de prestação de atividade


humana. Portanto, o objeto do Direito do Trabalho é, em princípio, o trabalho
subordinado, ainda que haja desvios a esta afirmação dado haver formas de trabalho
autónomo ou independente que estão também elas sob a alçada do Direito do Trabalho,
total ou parcialmente, como é o caso de contratos de trabalho em funções públicas, ou o
caso de certas formas de contratos de trabalho marítimo. Portanto, há uma expansão de
território do objeto/âmbito objetivo do Direito do Trabalho.
Há ainda situações em que o Direito do Trabalho se aplica mesmo não havendo vínculo
jurídico, como é o caso da proteção dispensada dos candidatos a emprego (não são
trabalhadores subordinados dado procurarem um emprego -> o Direito do Trabalho volta
a extravasar o seu objeto ao não deixar estas pessoas sem qualquer tipo de proteção).
Seja em que circunstância for há sempre lugar à aplicação da normatividade laboral com
os contornos referidos. Isto faz-se através das fontes do Direito do Trabalho. Fontes que
têm especificidade – art.º 1 do CT. Assim como fontes especificas temos os instrumentos
de regulamentação coletiva (IRC/IRCT). Assim, à semelhança do que acontece com outro
qualquer ramo do Direito temos fontes internacionais e fontes internas.

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Mas antes, recordaremos a noção de fontes do Direito, que está presente no Manual
“Direito do Trabalho”: “Fontes de Direito são modos de elaboração e de revelação de
regras jurídicas, regras de Direito objetivo, de que a regulação de origem contratual
extravasaria. Todavia, a considerar-se o Direito como conceito coincidente com o de
ordem jurídica, já aí se incluiria o contrato, lei das partes”.

3.1 FONTES INTERNACIONAIS:


o Convenções generalistas – não têm área preferencial de aplicação. Todas elas, de
forma mais ou menos desenvolvida encerram princípios relativos ao trabalho:
- Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 23 e 24).
- Pacto relativo aos Direitos Civis e Políticos (art.º 8/3; 22; 25/c; 26).
- Pacto sobre direitos económicos, sociais e culturais (art.º 3, 6, 7, 8, 9).
- Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 3, 6, 7, 8, 9).
o Convenções OIT 1 – Portugal ratificou 82 Convenções e um Protocolo, das quais as
8 Convenções fundamentais; as 4 Convenções de governação e 70 das 177
Convenções técnicas. Das 82 Convenções ratificadas, 72 estão em vigor. A OIT cobre
áreas como a duração e organização do tempo de trabalho, segurança e saúde,
liberdade sindical, entre outros.
o Carta Social Europeia revista (Conselho da Europa) – trave-mestra das discussões
de natureza laboral no seio do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. De acordo
com o Manual de “Direito do Trabalho” ficamos a saber que o cumprimento da Carta
é monitorizado por via de 2 mecanismos: relatórios periódicos enviados pelos EM e
um procedimento de reclamações coletivas.
o Direito da UE – tratados, CDFUE e direito derivado. Durante muito tempo a UE não
teve uma preocupação voltada para as situações sociais como o trabalho, a não ser
nos aspetos que contendiam com o livre funcionamento do mercado. No entanto, a
partir do Tratado de Lisboa essa orientação infletiu-se e hoje há um alargamento do
âmbito de preocupações da união relativamente ao trabalho. Ainda neste âmbito,
importa mencionar a uniformização sentida ao nível das matérias relativas à
segurança social e as relativas à livre circulação de trabalhadores.

1
OIT: Organismo especializado nas Nações Unidas voltado para as questões do trabalho. É
composta por representantes dos trabalhadores, empregadores e dos governos que tem por objeto
o trabalho, e cuja forma de atuação preferencial é através de convenções (vinculativas) que depois
são ratificadas pelos EM, embora também haja outros instrumentos importantes como as
recomendações (não vinculativas). “O surgimento da OIT […] reflete a convicção de que a paz
mundial deveria assentar, desde logo, na paz social” (Manual “Direito do Trabalho”).

Filipe Schumacher e Joana Dias 12


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3.2 FONTES INTERNAS:


o CRP (com um peso reforçado dada a constitucionalização dos princípios
fundamentais do trabalho) – pertencemos ao grupo de ordenamentos jurídicos onde
há uma constitucionalização do trabalho. Principais incidências constitucionais:
- Princípio da segurança no emprego (art.º 53 da CRP): proíbe os
despedimentos sem justa causa, ou por motivos políticos/ideológicos, i.e., proíbe
o arbítrio na cessação desta relação. Note-se que esta conceção de segurança no
emprego vai muito para alem do teor literal do art.º 53, porque leva implícita uma
determinada conceção do trabalho (modelo da relação fortemente ancorado no
período da 2.ª GM até 1973).
Isto faz com que no ordenamento jurídico laboral português seja excecional a
predeterminação do termo do vínculo. Por defeito, a vocação do trabalho é
indeterminada no tempo.
- Comissões de trabalhadores (art.º 54 da CRP).
- Liberdade sindical (art.º 55 da CRP).
- Direitos das associações sindicais e contratação coletiva (art.º 56 da CRP).
- Direito à greve e proibição do lock-out (art.º 57 da CRP): o direito à greve é
um direito fundamental e para que não tenha possibilidade de ser neutralizado,
leva à proibição do lockout, i.e., o encerramento das instalações e paralisação da
atividade da empresa por decisão do empregador. Portanto, para que o lockout
seja utilizado contra a greve, a CRP proíbe-o, como medida indispensável do
direito à greve.
- Direito ao trabalho (art.º 58 da CRP).
- Direitos dos trabalhadores (art.º 59 da CRP).
(Atentemos agora à sistematização destas incidências constitucionais feita por
Jorge Leite)
- Direitos individuais gerais …
… Liberdade de escolha de profissão género de trabalho (art.º 47/1).
… Liberdade de acesso à função publica (art.º 47/2).
… Igualdade no acesso à profissão (art.º 58/2).
… Direito ao trabalho (art.º 58).

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- Direitos individuais dos trabalhadores …


… Direito à segurança no emprego (art.º 53).
… Direito à retribuição suficiente (art.º 59/1/a; 59/2/a).
… Direito a condições de trabalho socialmente dignificantes (art.º 59/1/b
e c).
… Direito à limitação da jornada de trabalho (art.º 59/1/d).
… Direito ao repouso (art.º 59/1/d).
… Direito à assistência no desemprego (art.º 59/1/e).
… Direito à reparação em caso de acidente ou doença profissional (art.º
59/1/f).
- Direitos de exercício coletivo …
… Liberdade sindical (art.º 55).
… Direito à criação de comissões de trabalhadores (art.º 54).
… Direito de contratação coletiva (art.º 56).
… Direito de greve (art.º 57).
- Direitos de participação …
… Participação na elaboração da legislação laboral (art.º 56/2/a). Há a
necessidade de pronuncia em matéria de legislação laboral, havendo um
processo legislativo próprio.
… Direito à representação nos organismos de concertação social (art.º
56/2/d).
… Direito à participação nos processos de reestruturação da empresa (art.º
54/5/c).

o Lei ordinária – Código do Trabalho (Lei 7/2009), legislação conexa, legislação


especial, Código de Processo do Trabalho. Código do Trabalho completado por uma
regulamentação do Código do Trabalho (Lei 105/2009). Lei do contrato de trabalho
em funções públicas (Lei 35/2014). Possui ainda uma multiplicidade de regimes
especiais do contrato de trabalho e uma lei de reparação de acidentes de trabalho e
doenças profissionais (Lei 98/2009). Ainda há outras normas articuladas com outros
objetos e outras matérias de regulação.

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o IRC (Instrumentos de Regulamentação Coletiva) – resultam do encontro de vontade


de entidades com funções representativas:
- IRC de origem negocial: resultam da contratação coletiva, que incumbe ao
estado promover. Há diversos tipos de IRC’s negociais.
… Convenção coletiva (papel principal) emana da autonomia privada
coletiva, que pode revestir 3 modalidades aferidas pela participação do
lado do empregador (dado que do lado dos trabalhadores a participação é
sempre constante) …
… Contrato coletivo quando esse resulta da celebração entre uma
associação sindical e uma associação de empregadores (2/3);
… Acordo coletivo entre sindicatos e uma pluralidade de
empregadores, para diferentes empresas;
… Acordo de empresa entre sindicato e empregador para uma
empresa ou estabelecimento.
Nota: Do lado dos trabalhadores há sempre um sindicato e do lado
dos empregadores há uma variabilidade.
… Acordo de adesão é um acordo pelo qual as partes aderem a uma
convenção coletiva já existente.
… Decisão arbitral que resulta da arbitragem voluntária durante o
processo negocial.
- IRC de origem não negocial: surgem porque muitas vezes não existem
organizações com densidade necessária para elaboração do IRC negocial, seja por
força da pulverização sindical, pela inexistência de sindicato, etc. Ora, quando
isso acontece temos possibilidades de uma …
… Portaria de extensão, i.e., a extensão de um IRC pré-existente a outro
setor de atividade. Ou seja, a portaria de extensão ainda tem uma ligação
ténue com a natureza negocial, porque trata-se de estender um IRC
negocial a um âmbito em que não existe IRC negocial, portanto é um
instrumento puramente técnico que mantem o conteúdo do IRC negocial.
… Portaria de condições de trabalho, que não vai propriamente estender o
IRC negocial, mas vai fixar condições de trabalho mais aproximadas da
realidade do setor em questão. Assim, aqui já não mantém o resquício de
natureza negocial.
… Decisão arbitral nos processos de arbitragem obrigatória constituem
IRC não negociais.

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o Usos laborais (art.º 1 do CT) – Estes são, em primeiro lugar, usos, ou seja, não há
aqui diferença especifica quanto à noção de usos conhecida das fontes gerais do
direito, apenas se distingue porque que estes usos dizem respeito a matérias laborais.
Diz o art.º 1 que os usos são atendíveis se não contrariarem o princípio da boa-fé.
Assim, percebe-se que nem todos os usos laborais são fontes de Direito, mas apenas
os atendíveis (aqueles que podem, por força da lei, ser considerados, dai serem fontes
indiretas de direito), e que constituam práticas generalizadas que não contrariem o
princípio da boa-fé (limitação adicional que não conhecemos consideração dos usos
enquanto fonte geral de direito).

Posto isto, podemos concluir que nestas fontes internas é possível denotar-se a
especificidade do Direito do Trabalho porque:
o Além dos patamares dos “degraus convencionais”, vamos ainda encontrar um outro,
i.e., uma fonte adicional de Direito – os IRC, dada a extensão da sua expressão no
Direito do Trabalho.
o Como já foi brevemente referido anteriormente, temos uma constitucionalização da
normatividade laboral. É uma característica importante porque não é muito
frequente.
Beneficiamos do facto de termos uma constituição recente em termos europeus
(remonta a 1976, portanto uma altura em que as preocupações axiológicas eram
diferentes das preocupações do final do séc. XIX/inicio do séc. XX, datas em que as
constituições europeias têm origem). Assim, com o caráter recente da Constituição
veio a importação da axiologia contemporânea dela e o “trabalho” faz parte desse
acervo de valores, que se traduziu, muito influenciado por uma conjuntura política
favorável, neste elenco de direitos de natureza individual e não individual.
Esta constitucionalização laboral é importante porque:
- Há um regime jurídico privilegiado neste elenco (vide art.º 17 e 18 CRP – os DF
ou são fundamentais ou têm tratamento análogo aos DF, tendo um reforço de
efetividade).
- Há leis de concretização procedimentalizadas, i.e., as leis laborais têm uma
procedimentalização própria que faz intervir nesse processo as organizações
representativas dos trabalhadores.
- Há reserva de lei parlamentar relativamente às matérias laborais incluídas no
círculo inicial (art.º 165 da CRP).
Estas três notas têm, depois, uma extensão metodológica importante: com este regime
e importância que o ordenamento jurídico atribui, o cânone interpretativo tem de ser
um cânone conforme à CRP.
Aliás, esta nota pode influenciar, em última análise, o âmbito de aplicação do Direito
do Trabalho (hoje fala-se de uma interpretação finalista do Direito do Trabalho, e essa
naturalmente não pode ignorar a Constituição).
o Por fim, podemos ainda falar noutra especificidade: as fontes de Direito do Trabalho
têm uma articulação própria. É sobre isso que falaremos em seguida.

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3.3 ARTICULAÇÃO DAS FONTES:


Se esta questão da articulação das fontes fosse ser resolvida como no Direito Civil, então
a questão terminava apenas com a hierarquia (como se de uma pirâmide se tratasse):
teríamos a CRP, a Lei, os IRC e as cláusulas dos contratos de trabalho e esta questão
terminaria aqui. Mas no Direito do Trabalho esta questão da articulação é mais
complexa:
1. DIFERENTES FORÇAS NORMATIVAS DA LEI: Acontece que, quando
falamos de Lei em Direito do Trabalho temos de considerar a sua força normativa:
temos normas imperativas (normas que não podem ser afastadas), normas
relativamente imperativas (normas que dispõem o mínimo de condições, mas
aceitam que essas podem ser melhoradas por outras fontes, assim estabelecendo
patamares mínimos de direitos), normas dispositivas/supletivas (normas que podem
ser afastadas pela vontade das partes).
Nota: Há, também quem chame à categoria das normas relativamente imperativa de
normas imperativas mínimas. Isto é, temos normas que constituem a ordem pública
laboral que não podem ser afastadas, constituindo-se como padrões mínimos de
aceitação das relações de trabalho (há um bloco alargado destas normas dada a
constitucionalização da relação de trabalho).
Resumindo, …
NORMAS IMPERATIVAS
LEI NORMAS RELATIVAMENTE IMPERATIVAS
NORMAS DISPOSITIVAS/SUPLETIVAS
Problema: o legislador não indica quais são as normas imperativas, relativamente
imperativas ou supletivas, pelo que é o intérprete que tem de fazer esse trabalho
através da interpretação da norma individualmente considerada e a sua
articulação com o instituto em que se insere (p.e., o art.º 338 do CT diz que “é
proibido”, pelo que será norma imperativa. O art.º 214 diz “pelo menos 11 horas”
de descanso, pelo que será relativamente imperativa, nada impedindo que seja
estabelecido um direito a um descanso de 14 horas. O art.º 248/1 sobre a marcação
do período de ferias tem natureza supletiva. É uma disposição ao alcance do acordo
de vontade entre as partes; etc.).
Mas atenção, evidentemente que esta alteração dos planos hierárquicos nunca atinge
a CRP. O sistema móvel das fontes é sempre infraconstitucional.

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2. IRC QUE SE SOBREPÕE À LEI: Além disso, podemos ainda ter situações em que
o IRC (i.e., um instrumento que provém da autonomia privada coletiva. Na ordenação
clássica é inferior à Lei) se sobreponha à Lei, invertendo a ordenação clássica que
conhecemos.
Quando e porque é que isto acontece? Veja-se o art.º 3 do CT, em que o legislador na
ordenação das fontes parte do princípio de que por defeito as normas laborais são
normas dispositivas/supletivas (i.e., só quando há imperatividade é que não são
supletivas). Deste modo, o IRC pode passar à frente da lei porque é uma
regulamentação de proximidade. Se o IRC, nomeadamente o contrato coletivo, é fruto
da negociação entre representantes dos trabalhadores e empregadores, naturalmente
está em melhor posição para se ocupar das especificidades do setor/área/empresa do
que uma regulamentação geral e abstrata. Portanto, percebe-se que possa responder
melhor às exigências da realidade a que se destina.
- 1.º requisito: Assim sendo, o IRC pode sobrepor-se à lei, apenas se esta não
se opuser, como é no caso em que a lei é imperativa. Isto faz sentido por força
da natureza negocial. O art.º 3/1 é a afirmação da regra da supletividade, ainda
que haja muitas exceções a esta regra, tendo por isso um alcance mais limitado.
- 2.º requisito: Esta inversão já não fará sentido nas portarias de condições de
trabalho (desparece o vínculo de negociação). Daí o art.º 3/2 do CT introduzir uma
exceção ao art.º 3/1, dado que a lógica de proximidade e foco não se verifica. Caso
assim não fosse tínhamos uma inversão substantiva da hierarquia das leis. O IRC
não pode sobrepor-se se for uma portaria de condições de trabalho. Assim, a
portaria de condições de trabalho, ainda que mais favorável, continua a não subir.
Para que haja a alteração tem de haver o caráter negocial da fonte.
- 3.º requisito: O art.º 3/3 do CT expressa uma preocupação para o
estabelecimento de condições mínimas de direitos irrevogáveis, pelo que este
artigo impõe ainda que há um conjunto de matérias enunciadas no artigo
relativamente às quais a inversão só se pode dar se atendermos ao resultado, e
o resultado tem de ser obrigatoriamente a melhoria das condições → Princípio
do tratamento mais favorável (IRC só se sobrepõe à lei nestas matérias se o
resultado for a melhoria das condições de trabalho, pelo que estas matérias
constituem aquilo que se chama por standards mínimos de proteção).
Em suma: esta articulação que pode levar à aplicação da Lei ou de um IRC depende
de uma análise prévia e da ponderação concreta da situação – situação hermenêutica
mais exigente do que a que se verificaria se a pirâmide hierarquia fosse estabelecida
de forma imperativa. Deste modo, há que atender à natureza da norma legal e ao seu
resultado.

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3. CONTRATO DE TRABALHO QUE SE SOBREPÕE À LEI: Temos, também,


em jogo o contrato de trabalho que não é uma fonte de Direito tecnicamente
qualificada como tal, mas que tem cláusulas que se destinam a introduzir cetos direitos
numa determinada situação. Ainda relativamente ao contrato importa mencionar,
como refere João Leal Amado, que “o contrato de trabalho é a ´figura central´ e a
´razão de ser´ do Direito do Trabalho”, mas também este ramo “desconfia do
contrato individual, podendo mesmo ser concebido como um vasto sistema de
controlo da liberdade contratual”.
- 1.º requisito: Dispõe o art.º 3/4 que podemos afastar a Lei em favor do contrato
de trabalho quando a lei não se opuser a isso. Por outras palavras, o afastamento
da Lei dá-se quando esta não tiver imperatividade que obste à consideração do
clausulado do contrato.
- 2.º requisito: Resulta também do art.º 3/4 que o “salto” do contrato de trabalho
para cima da lei só pode ocorrer se daí resultar na melhoria das condições do
trabalhador, funcionando sempre o princípio do tratamento mais favorável,
independentemente da matéria em causa.

Nota importante: admitir que uma norma possa ser afastada por IRC, não significa que
possa ser afastada pelo contrato de trabalho. Ou seja, o art.º 3/5 determina que a natureza,
em princípio dispositiva, não deve ser considerada relativamente ao CDT. Assim, como
vimos, a natureza dispositiva encolhe relativamente ao clausulado do contrato de
trabalho, dado que a autonomia privada tem um âmbito de atuação mais restrito do que o
da autonomia privada coletiva.

(Até agora vimos as relações entre a Lei e os IRC e a Lei e o contrato de trabalho.
Vamos agora estudar as relações entre o IRC e o contrato de trabalho)

4. CONTRATO DE TRABALHO QUE SE SOBREPÕE AOS IRC: Quando


estamos perante um caso de autonomia coletiva (IRC) e de autonomia individual
(contrato de trabalho), a articulação entre estes 2 graus está no art.º 476 do CT.
- Requisito: As disposições de IRC só podem ser afastadas pelo contrato de
trabalho quando este estabelecer condições mais favoráveis ao trabalhador
(princípio do tratamento mais favorável).

Filipe Schumacher e Joana Dias 19


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Resumindo, …
o O princípio do tratamento mais favorável pode ser encontrado: na sobreposição do
contrato à lei dentro do âmbito de afastamento permitido pela lei (imperatividade);
vamos encontrá-lo na sobreposição de IRC no âmbito dos standards mínimos; e na
relação entre contrato individual e contrato coletivo/IRC.
Atenção que o princípio do tratamento mais variável só funciona em determinados
condicionalismos, não sendo incondicional. Ainda se consegue perceber que nestas
três situações temos de fazer, sempre, uma análise comparativa, e a determinação da
melhor situação é dificultada pelo princípio do tratamento mais favorável.
o As leis podem em princípio ser afastadas por IRC, a não ser que delas resulte que não
pode acontecer esse afastamento (barreira da imperatividade).
o Há normas que constituem um mínimo de proteção (art.º 3/3 – elenco taxativo) e que
admitem um progresso/aperfeiçoamento.
o No que diz respeito à relação entre lei e contrato funciona sem condicionamento
dentro do princípio do tratamento mais favorável.
o Razão de ser deste sistema: particular elasticidade da normatividade de raiz coletiva
sobre a normatividade de alcance geral.

Caso prático para melhor compreensão desta matéria sobre a articulação de fontes:
Imaginemos que temos um contrato de trabalho q prevê que seja devido um subsídio de
Natal ao trabalhador correspondente a 75% da sua retribuição mensal. Esse trabalhador
está abrangido por um IRC que prevê que tem de ser de 80%. A lei estabelece que o
subsídio de Natal é equivalente a 100% da retribuição (art.º 263). Quanto é que o
trabalhador leva para casa? O contrato de trabalho não se aplica porque não é o mais
favorável (75% é menos de 100%). Assim, o jogo é entre o IRC e a lei, pelo que o art.º 2
diz que se for uma portaria das condições de trabalho não pode. Mas não sendo uma
portaria das condições de trabalho temos de atentar ao art.º 3/1 e 3. Uma norma relativa
ao pagamento de uma prestação retributiva é uma norma que pode caber na alínea j) do
art.º 3/3, pelo que só se admite o afastamento se for para melhorar as condições. Neste
caso, o IRC não esta a melhorar (porque 80% é menor que 100%), pelo que se aplica a
Lei. Só se poderia sobrepor se previsse, por exemplo 120%.

(Após termos o conhecimento das premissas técnicas, vamos agora ocupar-nos das
premissas substantivas, porque também aqui encontramos alguns
desvios/especificidades relativamente à atuação de outros ramos do direito,
particularmente no Direito civil)

Filipe Schumacher e Joana Dias 20


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3.4 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA NORMATIVIDADE


LABORAL:
Assente que a normatividade laboral é uma normatividade que tem características
próprias quanto às fontes, processo/procedimento legislativo, vamos com este pano de
fundo passar a precisar-nos com a matéria sobre a qual ela incide (qual o quid do Direito
do Trabalho).
Como já sabemos, o objeto do Direito do Trabalho é o trabalho
subordinado/dependente/trabalho salariado/trabalho por conta de outrem (são
todas expressões equivalentes, tendo cada uma conotação diferenciada, apesar de
identificarem uma mesma realidade).
Contudo, …

Isto que significa que se dirige, sobretudo, a trabalhadores dependentes/subordinados


(alcance subjetivo).
Por vezes, além do trabalho dependente, o DT também se aplica:
a. A montante ao estatuto de trabalhar dependente/subordinado (pré-estatuto).
b. A outras situações que não são imediatamente reconduzíveis à noção de
trabalho subordinado/dependente.

a. Aplicação do DT a um pré-estatuto, i.e., antes de adquirir uma situação de


laboralidade:
É a aplicação do DT aos candidatos a emprego, aos que procuram um emprego
subordinado, mas ainda não têm essa qualidade.
Ora, o DT não regula tudo, já que não há uma regulamentação do estatuto do
candidato a emprego, mas há regulação de aspetos pontuais da candidatura ao
emprego, os quais são protegidos pelo DT.
É o que acontece, por exemplo, com a tutela dos Direitos de personalidade do trabalho
(p.e., art.º 17/1 do CT - é uma proteção que se estende a montante da própria
constituição do trabalho; art.º 19 do CT; aspetos de proteção da igualdade e contra
a discriminação; etc.). Podemos concluir que esta extensão do âmbito subjetivo do
DT acontece sobretudo em matéria de direitos pessoais, pois ainda não existe uma
relação constituída que justifique a regulamentação de aspetos funcionais.

b. Aplicação do DT a situações que que não são imediatamente reconduzíveis à


noção de trabalho subordinado/dependente:
Hoje, o DT aplica-se também a situações autónomas, i.e., a situações em que não
existe um vínculo de subordinação, mas que existe uma relação de
autonomia/independência, como é o caso de algumas prestações de serviço. Assim,
trata-se da consideração de situações de autonomia que se aproximam muito da
dependência, e que socialmente têm a mesma razão de ser.

Filipe Schumacher e Joana Dias 21


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Esta extensão é, desde logo, prevista no código para as situações ditas equiparadas.
De acordo com o art.º 10 do CT, “as normas legais respeitantes a direitos de
personalidade, igualdade e não discriminação, segurança e saúde no trabalhado são
aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho de uma pessoa a outra
sem subordinação jurídica, sendo que o prestador de trabalho se considera na
sujeição económica do beneficiário da atividade”.
Posto isto, quando é que estamos perante uma situação equiparada?
- A situação equiparada trata-se de um conceito indeterminado que no nosso
ordenamento jurídico se preenche de uma forma qualitativa, i.e., apreciando a
situação em concreto de modo a excluir a subordinação, mas fazendo ainda
apelo à dependência económica (quando entre prestador e o beneficiário da
prestação, há um vínculo tal que muito se assemelha ao vínculo de subordinação
na perspetiva económica). Isto acontece quando o prestador tem apenas proventos
vindos de uma única prestação, como é exemplo de um agricultor que tem só um
cliente. Note-se, porém, que nem todos têm dependência económica.
- Esta dependência económica acontece nos 2 polos do espetro de atividades: em
trabalhos de artesoaria, de manufatura muito especializada ou muito ligada à
pessoa do prestador OU em polos de atividade altamente especializadas, por
exemplo nos empregos ligados à componente tecnológica (o programador só atua
perante determinada empresa/organização que tem um produto específico,
portanto se lhe faltar a encomenda daquela empresa ele fica sem rendimentos).

- De acordo com a literalidade do art.º 10 do CT, este artigo diz-nos que estamos
perante uma situação equiparada quando há dependência económica do
beneficiário da atividade, obtendo-se através da apreciação da situação em
concreto.

Este sistema significa que temos uma organização das relações de trabalho, para
efeitos normativos, tripartida:

SITUAÇÕES DE SITUAÇÕES SITUAÇÕES DE


SUBORDINAÇÃO EQUIPARADAS AUTONOMIA

Estas situações equiparadas não têm um estatuto unitário (ao contrário do que se passa
em Espanha, em que o reconhecimento desta realidade subjacente a esta classificação é
objeto de um estatuto próprio, determinado quantitativamente pela percentagem de
rendimento do trabalhador).

Filipe Schumacher e Joana Dias 22


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Entre nós, como já foi referido, é remetida para a concretização casuística, exceto
quando há legislação especial incidente sobre algumas destas relações (p.e., no caso do
regime do contrato do domicílio, que é um regime especial. Há uma concretização
regulamentar do regime de uma situação equiparada, circunscrito a este tipo de
situações, mas que aqui não se esgota dado existirem situações equiparadas fora do
domicílio).

(Acabamos agora de ver que o DT se estende, para além das situações do trabalho
dependente, às situações equiparadas. Mas não ficamos por aqui, uma vez que o DT,
em certas situações, chega mesmo a regular situações autónomas, quer tenham ou não
dependência económica)

Além da extensão do DT a situações de dependência económica, o DT mantém uma


extensão mais ousada porque chega mesmo a regular situações autónomas, quer
tenham ou não dependência económica. É o que acontece em três situações:
- No trabalho em funções públicas (ainda que nem todo).
- Nos contratos de desavença.
- No trabalho marítimo, que a par do trabalho marítimo subordinado regula
também a prestação de trabalho marítimo em autonomia.
O facto de haver justificação para alargarmos o DT ao a estas situações tem levado autores
a considerar que, se calhar, já não fará tanto sentido a separação entre autonomia e
subordinação, como fez no passado, sendo o melhor, no limite, juntar os tipos contratuais
da subordinação e da autonomia (perspetiva mais radical).
Entre este quadro e proposta existem varias gradações/variações, sendo que a que tem
mais consistência teórica é a perspetiva de que não é preciso chegar a tanto, bastando
estender a aplicação do DT sempre que exista identidade de justificação para aplicação
da normatividade laboral – Se essa dependência se encontrar fora do contrato de direito
de trabalho, então segundo os teorizadores desta percetiva, há uma identidade de motivos
que se lhe justifica a aplicação do DT, o que implica uma análise finalista do DT (pegamos
na situação concreta e dissecamos essa realidade para ver se as finalidades do DT estão
ou não presentes).
Esta questão da extensão é muito falada no seio dos prestadores que trabalham com
plataformas digitais. Verdadeiramente não podemos falar do estatuto dos trabalhadores
das plataformas digitais, pois estas são distintas e cada uma tem relações distintas com os
trabalhadores que praticam a sua atividade. Ora, esta questão dividiu a doutrina e na
jurisprudência até começou a estabilizar-se a opinião de que os trabalhadores das
plataformas digitais eram trabalhadores dependentes (acórdão britânico relativo ao Uber).
No entanto, mesmo essa consideração de dependência não levou à integração dos
trabalhadores da Uber na categoria dos subordinados, mas à integração na 3ª categoria
intermedia.

Filipe Schumacher e Joana Dias 23


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Em suma: Há duas ordens de extensões do âmbito subjetivo do DT – a montante da


constituição de uma relação de trabalho, que se reconduz à proteção parcial do estatuto
do candidato a emprego, e uma outra que se dirige às formas autónomas de prestação de
atividade, seja no âmbito da equiparação, seja no âmbito da autonomia propriamente dita.

(Depois de termos visto o âmbito de aplicação do DT, falaremos do âmbito objetivo)

Cartografia objetiva do Direito do Trabalho – âmbito objetivo do DT:


Além da particularidade relativamente ao âmbito de aplicação, temos particularidades no
que diz respeito ao âmbito objetivo do DT, i.e., ao modo como se articula o conteúdo
com a legislação laboral.
Nós temos um sistema muito complexo fruto das vicissitudes históricas e do processo
legislativo diacronicamente muito espaçado ao longo das décadas e, também, pelo facto
de até 2003 não termos uma lei geral do trabalho muito completa/condensada num único
diploma (o CT verdadeiramente não é um código, mas uma regulamentação geral do
trabalho, e que só existe como tal desde 2003). Até aí a pluralidade de diplomas gerou
este sistema complexo que às vezes é de difícil arrumação.

Em face do que dissemos relativamente às fontes, percebemos que temos um paradigma


normativo das relações de trabalho:
o Uma relação que tem o seu regime principal, segundo um desenho constitucional
(art.º 53) e que se reconduz a uma relação dotada de indefinição temporal e de
características estáveis. Constituído pela relação de laboralidade indeterminada.
o Com a evolução das relações de trabalho, esse regime principal tem vindo a ceder
terreno a regimes secundários. Constituídos pelas relações a que falte um dos
elementos do regime principal - veja-se a contratação a termo.
Assim sendo, temos um centro, só que esse centro cada vez mais está fragmentado em 2
blocos normativos e é em torno deste núcleo que se constitui o comum das relações de
trabalho. Porém, podemos ainda falar em 3 tipos de contratos:
- Porém, encontramos contratos que têm regimes especiais, i.e., contratos que
por força do seu objeto, sujeitos, ou de qualquer outro elemento essencial da
relação justificam uma regulamentação própria/especial. É o que acontece com
algumas modalidades do contrato de trabalho (p.e., teletrabalho – os elementos
utilizados justificam um regime especial; caso das figuras faladas anteriormente:
trabalho em funções públicas, devido à natureza da prestação e da qualidade de
prestadores, e o trabalho marítimo, cujo local da prestação coincide com o local
de residência do trabalhador durante a prestação, devendo se regular esses
aspetos particulares). Há ainda outras situações que justificam regulamentação
especial.

Filipe Schumacher e Joana Dias 24


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- Mais se indica, que temos ainda contratos que têm diferenças estruturais
relativas ao CDT (contrato de trabalho), embora se verifiquem neles a situação de
subordinação. Aqui acentua-se a especialidade, porque aqui não é uma questão de
regime especial, mas o contrato ser diferenciado relativamente ao comum do
contrato de trabalho (p.e., do trabalho temporário, modalidade regulada no
condigo, porque aí temos uma alteração da regulamentação e da própria
estrutura contratual: o tipo contratual é diferenciado ao comum dos CDT).
- Finalmente na periferia deste arranjo temos os contratos equiparados e já só há
lugar à aplicação da normatividade laboral nos seus aspetos mais fundamentais
que dizem respeito à proteção da pessoa do trabalhador.
Atenção: Resumidamente, temos o núcleo com o comum das relações e depois temos os
contratos especiais, os contratos de regimes especiais e os contratos equiparados. Apesar
disso, na falta de previsão aplicamos a regulamentação do núcleo, conforme determinam
as regras hermenêuticas (na insuficiência da especialidade remetemos à generalidade).

4. NOÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO:


Como já vimos anteriormente, temos 2 noções para o CDT:
- Art.º 1152 do CC: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se
obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a
outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”.
- Art.º 11 do CT: Contrato de trabalho como "aquele pelo qual uma pessoa se
obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas,
no âmbito de organização e sob a autoridade destas".

Estas duas noções têm algumas diferenças:


o Da noção do CC especifica-se que a atividade pode ser intelectual ou manual, e essa
especificação desaparece da noção laboral no CT.
No que diz respeito a esta questão da especificação do carater intelectual ou manual
temos vicissitudes históricas, discutindo-se, na altura de criação do CC a equiparação
da atividade e estatuto. Evidentemente que com o CT, que entra em vigor em 2003,
esta questão já estava arrumada pelo que não se justificaria a sua manutenção.

o Ao passo que o CC fala em autoridade e direção, o CT fala em organização e


autoridade, precisando que a pessoa que se obriga tem de ser uma pessoa singular.
Assim, só pessoas físicas podem obrigar-se a prestar a sua atividade de acordo com o
CT. Porque esta especificação das pessoas singulares? Por causa da dependência
económica, excluindo-se as organizações que possam ser mais insipientes, mas que
na cadeia da subcontratação poderiam reclamar o estatuto de prestadores.

Filipe Schumacher e Joana Dias 25


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Mas a última e a verdadeira alteração que temos de nos preocupar é a (já mencionada
agora mesmo) substituição de direção por organização. Porquê? Porque a direção
é cada vez mais uma direção rarefeita dada a especialização e tecnicidade das
profissões, e, portanto, o empregador tem dificuldade em poder orientar tecnicamente
o trabalho, dado não ser especialista de todas as funções que compõem a empresa.
Portanto, com o evoluir da tecnologia e da técnica, as profissões tornam-se
especializadas e a direção técnica do trabalho foi se esbatendo em favor de uma
direção determinativa, i.e., uma direção que apenas delimitada a prestação ou
lhe assinala objetivos.
(p.e., um médico ou um advogado, dada a especialização e a tecnicidade das suas
profissões, não podem receber instruções técnicas, pelo que o empregador apenas
interfere no modo de execução quanto ao tempo e ao local dessa profissão).
Há quem fale no poder determinativo da prestação (dizer ao trabalhador o que é
que ele vai fazer) e conformativo (quando e onde). As particularidades técnicas são
discricionárias do prestador. O que quer dizer que a subordinação hoje se basta
pela potencialidade do exercício e não o exercício efetivo per se. Se a direção
efetiva se desvanece resta a integração funcional/organizacional, ou seja, o facto de a
prestação estar incluída no âmbito de uma organização que o trabalhador não controla
nem pode fixar regras. Dai a substituição da autoridade pela organização.

Nota: O CDT é um contrato através de uma pessoa singular se obriga a prestar


atividade a outra no âmbito de uma organização e sob autoridade. Veja-se que não há
qualquer dificuldade de interpretação e compatibilização destas duas noções, pois
ambas se traduzem na mesma consequência, embora sejam indagações diferenciadas.
Assim sendo, apesar das duas noções diferentes que vimos, para efeitos de
qualificação, temos verdadeiramente só uma, pois lemos um dos seus vetores de
forma muito próxima.
Nota: Apesar das duas noções só existe um regime, pois o art.º 1153 do CC abdica
da regulamentação.
Nota: O CDT tem uma particularidade jurídica que é o facto de ser um contrato
com um objeto relativamente indeterminado (contrário à determinação do objeto,
exigência dos negócios). O empregador tem o poder de autoridade sobre a prestação
de outrem, o que significa que vai poder determinar a prestação ao longo que decorre
o programa contratual. Embora haja definição abstrata no objeto, esse só se determina
com a execução do contrato. Alguém é contratado para funções administrativas, com
determinada categoria profissional, mas quais as funções que vão ser desempenhadas
só se determina à medida que o contrato decorre. Tanto que existe a possibilidade de
alguém exercer funções que não se integrariam propriamente nesse objeto abstrato.

Posto tudo isto, podemos concluir que, em regra, a existência de um contrato de


trabalho é um critério para a aplicação do DT, embora nem sempre isso aconteça. Mas
de todo o modo a regra é que o DT seja chamado pela existência de um CDT.

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5. RECONHECIMENTO DO CDT:
O CDT tem importância:
o Na definição da situação jurídica das partes que o integram (critério microjurídico,
porque define a posição jurídica das partes).
o Porque desencadeia sempre a aplicação do Direito do Trabalho (DT) (critério
macrojurídico). Temos DT para além do CDT, mas não há CDT sem DT.

Ora, para o seu reconhecimento, o CDT tem 2 elementos essenciais que se reconduzem
de um SINALAGMA FUNDAMENTAL:
o Prestação de uma atividade (que pelas características fácticas é sempre uma
prestação de facto positivo).
+
o Essa prestação de atividade abre lugar ao pagamento de uma retribuição. Deste
modo, não há CDT por trabalho benévolo (trabalho não remunerado).

o No entanto, este sinalagma base do contrato de trabalho (em que de um lado temos a
prestação de uma atividade e do outro temos o pagamento de uma retribuição) faz
parte de uma relação obrigacional complexa, uma vez que a relação estrutural é
também acompanhada de outras prestações e deveres acessórios de conduta, p.e., a
necessidade de agir de boa-fé na execução do programa laboral contemplado.

o Podemos reduzir a estrutura contratual a um sinalagma técnico, mas isso não explica
verdadeiramente o que está em causa e porque é que o DT se preocupa com este
sinalagma.

Quanto à retribuição:
o Não se trata de uma mera relação de troca devido à natureza da retribuição e a
importância que esta tem para o seu credor (não é uma mera retribuição contratual,
pois dela dependem pressupostos da vida económica do trabalhador, sendo por isso a
retribuição uma garantia especial e de garantia adicional relativa ao comum das
remunerações contratuais).

Quanto à prestação:
o Pode-se dizer que pode ser composta por qualquer atividade humana, desde que
lícita e suscetível de constituir um objeto contratual, o que quer dizer que pode ser
uma atividade altamente especializada, uma prestação absolutamente infungível,
fungível, uma prestação técnica, material, etc.

o Apesar de tudo colocam-se problemas em termos qualificatórios: se assim é, qualquer


atividade humana pode ser desempenhada no quadro de contrato de trabalho OU no

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quadro de um contrato de prestação de serviço → note-se que ambos se


reconduzem à categoria ampla de prestação de serviço.
Logo, se qualquer atividade humana laborativa pode ser objeto de um CDT ou CPS
(contrato de prestação de serviços), não havendo reserva tipológica, então temos
problemas de qualificação porque se torna difícil reconhecer as condições em que essa
atividade se desenrola.
Também por força da natureza do DT (protetora), há muitas vezes a tentação de
encobrir a verdadeira natureza contratual, fazendo-a arredar do universo laboral,
ou seja, muitas vezes há a deslaboralizaçao da atividade para fugir à aplicação do DT.
Este é o 1º problema.

o Temos ainda de considerar o facto de a prestação não ser desligada da integridade


pessoal. É uma prestação em que o sujeito empenha a energia laboratitva, mas
também dimensões da sua personalidade (é pelo trabalho que as pessoas se
reconhecem, se socializam, se realizam em vários domínios da sua personalidade,
etc.). Deste modo, a prestação está ligada indissociavelmente à personalidade de
quem a executa, tanto que privar alguém da possibilidade da realização da prestação,
mesmo mantendo a retribuição, é uma ofensa à sua personalidade, por isso existe o
chamado dever de ocupação efetiva (não basta pagamento da retribuição para que haja
cumprimento do contrato, além disso tem de haver uma ocupação efetiva, i.e., a
possibilidade de realizar a prestação de facto). As situações em que alguém fica
afastado da possibilidade de executar o seu trabalho equivalem a uma violação
contratual dada a quebra do sinalagma que afeta a personalidade do individuo.

o Esta atividade prestada pressupõe uma RELAÇÃO DE


SUBORDINAÇÃO/DEPENDÊNCIA JURÍDICA, a qual é uma relação diferente
das do Direito privado, pois existe uma relação hierárquica em que um tem o poder
de influir na prestação do outro.
Evidentemente que esta subordinação/dependência tem limites: desde logo os que
decorrem lei (temos um bloco normativo de normas imperativas); de um
reconhecimento da personalidade geral a todos os indivíduos (reconhecimento do
Direito Civil), mas também o reconhecimento da personalidade laboral e da
normatividade contratual, ao nível dos IRC e contratos individuais.

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A questão técnica principal que resulta deste sinalagma que acabamos de ver é o
PROBLEMA DA QUALIFICAÇÃO (o qual constitui hoje uma das três grandes áreas
temáticas discutidas nos tribunais), pelo que não só há dificuldades técnicas de
reconhecimento do tipo, há ainda uma certa tendência para fugir ao DT sempre que
possível.
O nosso problema qualificativo principal:

TRABALHO TRABALHO
SUBORDINADO (CDT) VS.
AUTÓNOMO (CPS)

Como vimos anteriormente, se a atividade pode ser a mesma e em ambos há lugar à


contrapartida de uma retribuição, na prática torna-se difícil o reconhecimento. O que
fazemos?
MÉTODO INDICIÁRIO: É um método comparativo que consiste em comparar e
ponderar as características típicas de um tipo com o outro. Assim, este método é uma
ponderação da situação concreta com um padrão tipo de cada contrato.
Ora, existe uma série de indícios que nos permitem caracterizar um CDT (ver a pág.
32 desta sebenta):
o Existência de um estabelecimento ou determinação de um local de trabalho (dado
que o trabalhador trabalha onde o mandam).
o Num tempo que ele não autodetermina e que é assinalado posteriormente.
o Com os instrumentos que lhe são fornecidos,
o Sem a possibilidade de se fazer substituir, e o trabalhador não corre o risco da
prestação, dado que este corre por conta do empregador.
o O risco que o trabalhador corre por conta do empregador.
Pelo contrário, num contrato de prestação de serviços (CPS), revertemos estes indícios:
o Escolhe o tempo, o local, os instrumentos, colhe o risco, etc.
Assim sendo, o método indiciário diz que quando temos dúvidas de qualificação temos
de pegar na situação concreta e fazer uma check list com os indícios. Portanto, ou temos
uma resposta inequívoca ou não temos:
o Se temos resposta inequívoca o problema está resolvido.
o Mas como vimos hoje as situações podem ser fluídas/novas, como acontece com
as plataformas digitais, nas quais o método fica pouco próprio para dar as
respostas (será abordado mais para a frente).
O que é certo é que este método indiciário é a única ferramenta de qualificação que
dispomos, esse é o problema. É então claro que o método indiciário é as vezes
insuficiente para uma resposta clara, porque não nos basta uma ponderação
quantitativa, não definimos um CDT porque temos quatro índices para um lado e três
para o outro (i.e., o facto de ser quatro índices para o trabalho subordinado e três para o
trabalho autónomo não significa necessariamente que estejamos perante um CDT).

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O peso dos índices também é relevante e são relativos entre si, pelo que não podemos
fazer uma mera apreciação quantitativa.
(p.e., um vendedor que tem de apresentar os produtos junto dos clientes acaba por não
ter um local de trabalho fixo, e esse facto de não estar na empresa não é significativo,
mas se for secretário dessa mesma empresa já é).

Assim sendo, como é que saímos então deste relativo universo fluido? Não saímos. Temos
sempre presente estas dificuldades, embora atenuadas porque temos no ordenamento
jurídico uma PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE: presunção de existência de CDT
(art.º 12 do CT).
Este art.º 12 do CT veio ajudar-nos porque estabelece esta presunção de laboralidade e
diz que quando se verificarem determinados indícios (pelo menos dois) presume-se a
existência de um CDT. Atenção que é uma presunção relativa, a qual admite prova em
contrário. Mas é um 1º instrumento para chegarmos à determinação da verdadeira
natureza do contrato.
No entanto, não é tudo! Esta presunção de laboralidade só nos pode dar um de dois
resultados:
o Ou temos presunção de CDT (subordinação).
o Ou não temos presunção de CDT (autonomia),
Mas não nos deixa chegar à terceira situação intermédia entre subordinação e
autonomia: as situações equiparadas.
Se a presunção exclui existência de contrato diz que estaremos perante autonomia, mas
não indica qual autonomia: equiparada ou de plena autonomia? Falta nos aqui uma etapa
qualificatória, o que obriga a ume esforço adicional ao intérprete depois da aplicação da
presunção.
Nota: Há sistemas e países que em vez de presunção de laboralidade têm uma presunção
de autonomia (situação inversa, ao recolher os índices para afastar o tipo, em vez de captar
o tipo). Claro está que esses esquemas ou não têm o 3º tipo, ou têm logo mecanismo de
reconhecimento dessa situação.

Além deste instrumento há, do ponto de vista processual, uma outra figura que nos
permite aceder à natureza da prestação: AÇÃO DE RECONHECOMENTO DA
EXISTÊNCIA DE CDT (art.º 186-K do CPT).
Estamos no plano adjetivo. Ora, esta ação tem uma tramitação própria que se desencadeia,
não por iniciativa das partes/parte interessada na qualificação do CDT, mas por ação da
Autoridade para as Condições de Trabalho, entidade que entre nós tem funções
fiscalizadoras, e que no âmbito destas funções pode chegar à conclusão de que há uma
relação laboral incaptável.
Nestes casos vai elabora uma participação que remete ao Ministério Público,
desencadeando a ação de reconhecimento da existência de CDT.

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Em suma: Este problema qualificativo tem entre nós 2 instrumentos principais de


efetivação: um substantivo (presunção de CDT, que se aciona desde que se verifiquem
pelo menos 2 indícios dos numerados no art.º 12 do CT); um processual (ação de
reconhecimento do CDT). Logo, esta qualificação de CDT e de CPS atende sobretudo
às condições em que essa atividade se vai desenrolar.

Ora, se por um lado temos uma noção muito balizada de CDT (no CC e no CT, como
vimos anteriormente), o mesmo já não acontece com a prestação de serviços, dado que
esta é um poço sem fundo: quase todos os arranjos da composição contratual produtiva
faz-se através da prestação de serviços. Portanto esta noção abrangente torna-se pouco
reconhecível. Aliás, até sofre de um fenómeno de identificação, na medida em que
correntemente falamos da prestação de serviços a propósito de situações que não são
propriamente prestação de serviços.

Portanto, temos no art.º 1154 do CC uma noção prestação de serviço: “é aquele em que
uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho
intelectual ou manual, com ou sem retribuição”:
o O que avulta deste contrato é o resultado da atividade, e não tanto a atividade em
si.
o O contrato de prestação de serviços pode ser oneroso ou não (ao passo que o CDT
tem de ser sempre oneroso, como já vimos).
o (p.e., determinado advogado presta a sua atividade num escritório, que ele
próprio criou e organizou. Podemos reconhecer que estamos perante uma
prestação de atividade num regime liberal. Imaginemos que a partir de
determinada altura esse advogado continua a exercer as mesmas funções, mas
tem um cliente que passa a ocupar exclusividade, i.e., tem um volume tal de
atividade que não lhe permite atender outros clientes. O nosso advogado que
estava em regime liberal passa a exercer a sua atividade em exclusivo para
aquela empresa. Com o decorrer do tempo a empresa passa a determinar as horas
de atendimento para consultas dos membros da empresa, passa a reservar
determinar dias para reuniões, etc. Passa, resumidamente, a interferir um pouco
na organização da atividade do advogado. Mas a atividade dele é a mesma. O
que fazia antes e depois é o mesmo. Juridicamente alterou o seu estatuto? A
verdade é que a partir do momento em que trabalha de forma estabilizada para
a empresa aceita uma hétero determinação, e a expetativa de quem beneficia da
prestação também é diferente. Com o decurso do tempo há uma alteração da
relação no sentido de haver a expectativa de que o advogado esteja sempre
disponível para dar resposta às solicitações dirigidas, deixando o resultado de
estar presente na definição da sua atividade).

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O Código Civil, além da definição apresentada anteriormente, ainda prevê e regula três
modalidades da prestação de serviço:
o Mandato.
o Deposito.
o Empreitada.
o Nota: A par destes há outros não contidos no CC, mas que têm o seu regime em
diplomas extravagantes.

(Para concluir, regressaremos ao método indiciário para vermos quais são então os
índices que este método indiciário utiliza, …)

Como foi referido anteriormente, temos de encontrar ferramentas que nos auxiliem na
qualificação, a começar desde logo pelo MÉTODO INDICIÁRIO, que idealiza um CDT
e um CPS e retiramos dele as suas características identificadoras. Seguidamente faz uma
ponderação da situação concreta, confrontando-a com uma tábua de
indícios/elementos/índices:

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Nota: O método tem hoje algumas propostas alternativas. Por exemplo a abordagem
finalista falada anteriormente, ou o “teste ABC”, em que se avalia a situação concreta em
função de três parâmetros: existência de direção, integração na organização,
circunstâncias relativas ao prestador. Nada de muito diferente ao método indiciário
clássico, à exceção da pulverização dos índices que é concentrada em três parâmetros
mais genéricos.

6. TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS:


Esta situação da qualificação ganhou recentemente novo alento dado o grande problema
originado pela prestação de trabalho em plataformas digitais.
Ora, a questão existe quando temos aquilo a que chamamos de fenómeno de
crowdsourcing: exteriorização da prestação de atividade, em que há uma chamada, mais
ou menos condicionada, para a prestação da atividade respondida por uma série de
pessoas, ou por, pelo menos, mais do que uma pessoa.
Neste fenómeno, mas no ponto de vista de quem presta a atividade temos
potencialmente uma situação de crowdwork que pode ser, como toda a atividade
humana, ou dependente, ou autónomo. Podemos mencionar duas definições desta noção
de crowdwork:
o Posição de Eurofound: Forma de emprego que usa uma plataforma em linha para
permitir que organizações e indivíduos tenham acesso a um grupo indefinido e
desconhecido de outras organizações ou indivíduos para resolução de problemas
específicos, prestação de serviços ou troca de produtos.
o Posição de Adrian Tódoli Signes: Prestação de serviço, tradicionalmente
realizada por um trabalhador, descentralizada para um número indefinido de
pessoas em forma de chamada ou convocatória.
Se reduzirmos esta situação à perspetiva individual o que temos é uma interface entre
utilizadores e vários prestadores.
Características destas plataformas digitais:
o Uso de TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) que permitem a
interação entre os intervenientes desta relação;
o Essa interface tem de forçosamente recolher e tratar dados relativos às interações
entre intervenientes;
o Essa plataforma será tão mais eficiente e valiosa quanto maior o seu efeito de rede.
E associado a este efeito de rede há outro efeito que é o efeito the winner takes it
all.

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Quatro categorias destas plataformas do ponto de vista da finalidade:


o De agregação (há uma recomposição das micro-tarefas onde a plataforma junta
as múltiplas prestações desempenhadas por múltiplos prestadores).
o De facilitação (há aqui uma função de intermediação e não interferência na
relação que se estabelece entre os utilizadores. Há uma promoção de contactos e
de ligação das partes).
o De gestão (há uma gestão de determinado projeto ou atividade e garantia da sua
qualidade).
o De organização (o que a plataforma faz é uma ordenação de concursos de
projetos).

Quanto ao critério de participação dos intervenientes estes quatro grupos de


plataformas podem ser arrumados quanto à sua forma e confiança que projetam de
acordo com as coordenadas escritas. Isto é um outro dado importante na consideração das
relações que se estabelecem a partir da plataforma.

Nota: Se perspetivarmos estas duas linhas (observação do tipo de atividade e do tipo de


plataforma, i.e., o que se propõe a plataforma a fazer) verificamos que o crowdwork é
apenas uma fração de todo o trabalho realizado em plataformas, porque este pode também
ser realizado entre indivíduos.

Quanto à regulação desta situação não temos uma regulamentação geral, mas temos
uma proposta de presunção de CDT. Existe unicamente uma definição, ou uma
preocupação, setorial com a Lei 45/2018, a chamada lei da Uber, que é uma lei que não
se ocupa da definição do estatuto legal, mas que no meio da regulamentação da atividade
de transportes acaba por ter normas com incidência laboral.
Assim, no art.º 10/10 dessa Lei encontramos a norma que nos diz que: “ao vínculo
jurídico estabelecido entre o operador de TVDE e o motorista afeto à atividade, titulado
por contrato escrito assinado pelas partes, e independentemente da denominação que as
partes tenham adotado no contrato, é aplicável o disposto no art.º 12 do Código do
Trabalho”.

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Ora, é evidente que a toda a prestação de trabalho se aplica o art.º 10/2 do CT, pelo
que o que esta norma do art.º 10/10 apenas acrescenta de útil é:
o Tem de haver um contrato escrito entre o condutor e o utilizador. Mais se indica
que a esta norma nada adianta a referência de que a denominação contratual é
irrelevante, pois esta diz respeito ao nomen iuris (matéria de direito, a qual é
subtraída à disponibilidade das partes).
o A oura questão que emerge desta norma é a de que, ao contrário do que vimos
inicialmente para o comum das plataformas, aqui a plataforma não desempenha a
mesma função que as anteriores. Na verdade, quem presta a atividade de
transporte nunca interage diretamente com a plataforma. Quem está em interação
constante com a plataforma é o operador TVDE, operador que por seu turno está
ligado aos motoristas. Ou seja, entra a plataforma e quem presta a atividade há um
operador TVDE.

Assim, se já tínhamos um problema de reconhecimento do tipo de atividade, agora


ficamos com dois problemas: o do reconhecimento inicial e outro que advém da relação
entre os motoristas e os operadores TVDE.
No art.º 12 temos uma presunção de laboralidade assente nos princípios clássicos:
Local de trabalho alheio, instrumentos alheios, retribuição certa e periódica, função de
direção ou chefia horário de trabalho determinado.
Mas será que atendente às características da prestação em causa esta presunção é
confiável para o reconhecimento da verdadeira relação entre os motoristas e a plataforma?
Nenhum dos critérios se aplica à relação concreta – o que evidencia a tal valência/crise
do método indiciário. Perante isto, há quem afaste o método, há quem proponha novos
índices (intensidade e conexão, as funções da avaliação sobre o desempenho da avaliação,
i.e., o rating, etc.) e há quem proponha o abandono do método através da abordagem
finalista.
Nota: O Acórdão O’Connor vs. UBER é importante.

7. RELAÇÕES ATÍPICAS DE EMPREGO:


Até há bem pouco tempo o reconhecimento contratual era mais fácil pois até aqui existia
apenas um modelo contratual com ligeiras variações.

Atualmente, o nosso modelo de relações de trabalho está assente num paradigma


jurídico constitucional assente numa ideia de trabalho industrial que tem os caracteres
da coluna da esquerda, o que faz com que haja cada vez mais relações que escapam a esse
modelo porque lhes falta uma das características aí enunciadas. Assim, ao longo dos
últimos tempos assistido a uma emergência das relações atípicas.

I.e., tem-se dado a emergência constante de relações a que chamamos atípicas (na forma
de organização do trabalho, do ponto de vista jurídico).

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CARACTERÍSTICAS

O paradigma (i.e., a relação laboral standard, o emprego normal ou típico) deveria ser o
“emprego por tempo indeterminado”, pois só uma relação temporalmente indeterminada é
que confere estabilidade, paradigma esse que resulta do art.º 53 da CRP.

Estas relações atípicas de emprego são atípicas por pouco tempo, na medida em que:
o Ou são bem-sucedidas e dão origem a formas consolidadas de prestação da
atividade;
o Ou elas não têm sucesso do ponto de vista social e económico, e desaparecem.
Alguns exemplos de relações bem-sucedidas que deram origem a formas consolidadas
encontramos na secção do Código do Trabalho relativa às modalidades de CDT.

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Assim, além do modelo principal temos ainda uma série de modalidades contratuais que
são, no fundo, derivações do modelo dominante:
o Contrato a termo resolutivo;
o Trabalho a tempo parcial;
o Trabalho intermitente;
o Comissão de serviço;
o Teletrabalho;
o Trabalho temporário;

Questão – Será este elenco uma lista aberta ou fechada (i.e., esta questão consiste em
saber se pode a autonomia das partes criar outras modalidades para além das que o
código contempla)?
Resposta – É uma lista aberta, pois o nosso Ordenamento Jurídico reconhece o
princípio da liberdade contratual, não havendo nenhuma restrição a esse princípio na
matéria laboral.
Por outro lado, há outras modalidades que o próprio Código prevê e regula fora desta
secção. Esta secção não esgota todas as modalidades que o código contempla: caso da
figura prevista no art.º 101, ou da cedência ocasional de trabalhadores.
Mas mais, há outras modalidades fora do código em regimes especiais. Portanto estas
modalidades são as modalidades altas do sistema, mas há mais para além delas.
Se procurarmos pontos comuns nestas figuras veremos que elas vão dar, no fundo, a uma
de duas soluções: ou à determinação ou indeterminação temporal dos vínculos (o nosso
sistema é dual com dois polos ao longo dos quais se organizam as relações de trabalho).

Resumo:
o Temos um sistema plural e nesse sistema plural encontramos várias
modalidades contratuais. O que quer dizer que elas são, ainda, conformações do
mesmo tipo (tipo CDT), embora com a adição de características próprias. Se já
temos dificuldades no reconhecimento do tipo principal vamos ter dificuldades
acrescidas no caso destas modalidades novas, porque todas requerem um esforço
qualificatório adicional.
A par do modelo dominante, temos outras variantes do CDT. Agrupam-se na
secção relativa às modalidades, mas não esgotam todas as modalidades.
o O trabalho nas plataformas demonstrou os limites do método indiciário. Mas
as modalidades evidenciam também como não estamos preparados para o
verdadeiro reconhecimento de cada uma destas figuras.

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Estas modalidades iniciam-se no art.º 139 do Código do Trabalho. O facto de estes


estarem previstos no Código do Trabalho faz destas modalidades contratos típicos, não
obstante a atipicidade revelada relativamente ao modelo jurídico constitucional.

Por outras palavras, há divergências pontuais relativamente ao paradigma jurídico


constitucional, mas do ponto de vista técnico todas estas modalidades são contratos
típicos e nominados porque tem o seu regime no Código.

Ora, quando falámos da organização do nosso sistema jurídico laboral falámos da dupla
polarização em torno de dois regimes:

o Regime de contratação indeterminada;


o Contratação a termo, o que está a surgir como um método alternativo/secundário
porque tem naturalmente uma capacidade gravitacional relativamente a outras
figuras, i.e., há figuras que já estão a ser modeladas a partir da duração pré-
determinada que resulta da aposição de um termo resolutivo (p.e., contrato de
muita curta duração – figura que tem por referência o contrato a termo
resolutivo).

Regime Comum

7.1 TRABALHO A TEMPO PARCIAL:


REGIME JURÍDICO:
O trabalho a tempo parcial tem reconhecimento legislativo desde 1971. Mas mesmo até
chegar a 2009, com a sua entrada no Código do Trabalho, houve vida para esta
modalidade como podemos ver nos seguintes exemplos: LEI 103/99; Art.º 43 do DL
409/71; Art.º 180 e seguintes do Código Trabalho de 2003.
Atenção: Quando falamos desta modalidade temos também de considerar a sua previsão
no âmbito da OIT (Convenção de 1985) e diretiva 97/81/CE.

Filipe Schumacher e Joana Dias 38


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No que diz respeito à diretiva, ela resulta de um acordo entre os parceiros sociais
europeus que depois foi transformada em diretiva pela chancela das instituições da União
Europeia2.
É uma diretiva simples que naturalmente foi buscar o denominador comum dos países
membros, enveredando por uma regulamentação de enquadramento e não por grandes
avanços substantivos. Ela ocupa-se dos seguintes aspetos enunciados:
o Objeto; âmbito de aplicação; definições; princípios de não discriminação;
possibilidades de trabalho a tempo parcial; disposições relativas à aplicação.
A ideia desta diretiva é o estabelecimento de um princípio de equiparação de
tratamento entre os trabalhadores que prestam atividade em tempo parcial e os que
prestam segundo o regime comum (pretende-se que o trabalho a tempo parcial não
constitua de per si um fator de discriminação).

NOÇÃO:
Segundo o art.º 150/1 do CT considera-se trabalho a tempo parcial: “Trabalho a tempo
parcial corresponde ao período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a
tempo completo em situação comparável” → Critério quantitativo sendo, por isso, uma
noção que se basta com a diminuição do período normal do CDT, qualquer que seja a
medida dessa diminuição.
Nota: Os IRC podem dizer o que consideram ser o trabalho a tempo parcial. Logo, neste
caso é evidente a autonomia privada coletiva a conformar a própria noção do que seja
trabalho a tempo parcial. Apesar disso, não há muitos IRC que o fazem.
Não obstante, a modelação temporal do trabalho a tempo parcial pode ser definida, como
prevê o art.º 150/3 do CT:
o À semana;
o Ao mês;
o Ao ano.
O art.º 150/3 CT prevê, ainda, que os números destes dias de trabalho devem ser
estabelecidos por acordo, para não se ficar dependente da vontade de uma das partes.
Art.º 150/4 do CT: Disposição axial neste regime que estabelece que as situações de
trabalhador a tempo parcial e a tempo completo são comparáveis quando prestem:
o Idêntico trabalho no mesmo estabelecimento, tomando em conta a mesma
antiguidade e qualificação, ou
o Idêntica atividade noutro estabelecimento da mesma empresa, tomando em conta
a mesma antiguidade e qualificação, ou
o Disposição de IRC ou legal aplicável a trabalhador a tempo completo, com a
mesma antiguidade e qualificação.
De acordo com o n.º 4 e 5 deste artigo defere-se sempre para a situação mais próxima
dentro do mesmo estabelecimento, empresa ou IRC.

2
Na base desta diretiva está um IRC a nível europeu, daí a existência de um acordo quadro.

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ÂMBITO DE APLICAÇÃO:
O regime do Código ocupa-se da:
o Modalidade de contratos a tempo parcial: Caso seja uma modalidade de
contrato a tempo parcial ab initio (i.e., contrato ab initio celebrado para que a sua
execução ocorra a tempo parcial);
o E de outra figura atinente com ela, que é o acordo de passagem para o regime
de trabalho a tempo parcial: Temos uma alteração contratual, aquilo a que
chamamos de uma novação do contrato, segundo a qual alguém que trabalha a
tempo completo passa para o regime a tempo parcial. Este acordo tem, ainda, um
período experimental inicial e um período de retratação, i.e., pode a situação
reverter-se.
Em qualquer dos casos estamos perante contratos formais que têm um âmbito
mínimo da forma legal estabelecida (não se bastam com a redução a escrito, é
preciso que a redução a escrita incida sobre cláusulas estabelecidas na lei – art.º 153
do CT). Há um âmbito mínimo da forma legal estabelecida tanto num caso como no
outro.

FATORES DE PREFERÊNCIA PARA O TRABALHO A TEMPO PARCIAL:


A lei ocupa-se ainda do estabelecimento de fatores de preferência para trabalho a
tempo parcial, nomeadamente quando ao acesso ao trabalho a tempo parcial pode
conduzir à melhor conciliação entre a vida pessoal e profissional. Estes fatores são:
o Responsabilidades familiares;
o Capacidade de trabalho reduzida;
o Deficiência ou doença crónica;
o Frequência de estabelecimento de ensino.

FORMA DO TRABALHO A TEMPO PARCIAL:


A forma só importa ao Direito quando é inobservada, i.e., os problemas jurídicos só
surgem quando não há observância da forma legalmente prescrita.
Ora, em DT, mais do que em Direito Civil ou Direito Comercial, as invalidades tendem
a ser tratadas com muita parcimónia, porque as invalidades no CDT conduzem a situações
complicadas: não é possível restituir a energia laborativa já despendida. Todo o ramo do
direito é influído por um princípio de conservação do contrato.
Falando da forma escrita, o resultado é a NULIDADE por inobservância de forma,
mas aqui a nulidade não é total: é uma nulidade que atinge apenas a cláusula de tempo
parcial (aposição de condições a tempo parcial), porque o que é nulo não é contrato, mas
a estipulação de tempo parcial, o que significa que o contrato se mantém como contrato
a tempo completo. Isto vale tanto para inobservância de forma total, como para a falta
de indicação normal de trabalho.

Filipe Schumacher e Joana Dias 40


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Atenção: O CDT de regime comum não está sujeito a forma, é consensual, por
isso pode ser sempre recuperado porque não tem especiais exigências de forma.
Seria diferente se o Contrato comum estivesse sujeito a uma formalidade
especifica. O CDT é, em princípio, um contrato consensual, e só quando há
modelações particulares relativamente ao modelo comum é que aparecem
exigências de forma, portanto a inobservância formal fica centrada nessas
condições particulares. É uma invalidade de incidência parcial.
o Nota: Esta exigência formal vale também para a transição do regime comum para
o regime a tempo parcial. Tem de haver observância de forma nesse sentido.

7.2 TRABALHO INTERMITENTE:


Articula períodos de atividade e períodos de inatividade, tal como o trabalho a tempo
parcial (especialmente no caso de modelação anual do trabalho parcial).
O trabalho intermitente começou por ser previsto em 1999 no âmbito de outra figura.
Também foi previsto nos estatutos dos profissionais de espetáculo numa lei de 2008
(articulava-se a possibilidade de períodos de atividade e de inatividade).

Art.º 157/1 CT dispõe que: “A empresa que exerça a atividade com descontinuidade ou
intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja
intercalada por um ou mais períodos de inatividade”:
o Daqui retiramos que o trabalho intermitente só é possível no âmbito
empresarial (empresa que tenha fluxo de atividade descontinuo ou com
intensidade variável – ou têm uma ou outra). A verdade é que não existe empresa
que não esteja sujeita a descontinuidade ou variabilidade da procura, mesmo
empresas com procura de mercado bem sedimentada. Há sempre uma flutuação
no fluxo de atividade.
o Em termos de recurso ao trabalho intermitente estamos balizados apenas pela
existência da empresa – são só as organizações empresariais que podem recorrer
ao trabalho intermitente.
O art.º 157/2 CT acrescenta que: “O contrato de trabalho intermitente não pode ser
celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário”.
o Não é possível a cumulação de especialidades neste vínculo – cada um destes
afastamentos da norma-regra já traz instabilidade ao vínculo laboral, portanto se
houver cumulação de especialidades essa instabilidade acentua-se.
Este contrato está sujeito a forma escrita (art.º 158/1 do CT) com a observância de um
âmbito mínimo:
o Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
o Indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de
trabalho a tempo completo.

Filipe Schumacher e Joana Dias 41


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Tal como acontece no trabalho a tempo parcial, também aqui a inobservância não
arrasta a nulidade de todo o contrato – o contrato é aproveitado sem a cláusula de
intermitência pelo mesmo mecanismo que vimos suceder no tempo parcial.
Sendo um contrato que tem um âmbito mínimo de forma, a falta de indicação da duração
efetiva da atividade, ou uma que seja inferior ao limite mínimo legal, leva à nulidade da
clausula e conversão automática da clausula do limite mínimo legal de duração
efetiva da atividade (podemos concluir que a norma do art.º 158/3 do CT é então uma
cláusula imperativa).
O contrato intermitente, porque articula períodos de atividade e de inatividade, a lei
permite que:
o A conformação aconteça em intervalos regulares ou irregulares. Por exemplo:

o Por outro lado, os períodos de atividade podem ser feitos por referência a
unidade de tempo (quatro meses, ano, etc.), ou com duração de uma sequência
de atividade e inatividade. O que interessa é que haja indicação do início e termo
de cada período, para tornar preciso o objeto do contrato (art.º 159 do CT).
Contudo, há limites para o poder das partes fixarem esta intermitência:
o O período mínimo de prestação de trabalho a tempo completo anual são cinco
meses (não pode haver períodos inferiores a cinco meses, se for inferior é trabalho
parcial de conformação anual).
o Tem de haver prestação de trabalho por um período mínimo de três meses
consecutivos.
o Portanto tanto pode a conformação anual mínima da intermitência ser feita de
uma forma quantitativa em bloco, como de uma forma serial. Por exemplo:

o Mais se indica que para contrariar a instabilidade resultante desta modalidade (os
trabalhadores não sabem quando vão ser chamados) há lugar ao estabelecimento
de um pré-aviso mínimo de vinte dias, por defeito – art.º 159/3 do CT. Quanto
à cumulação da atividade é no mínimo trinta dias (cumulação de atividade – art.º
160/1 do CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 42


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Ora, importa enunciar que a intermitência da prestação não significa intermitência da


remuneração, porque há direitos ainda nos períodos de inatividade (o trabalhador
conserva a sua disponibilidade para a prestação e, por isso, essa disponibilidade tem de
ser remunerada. A remuneração pode ser estabelecida em IRC ou, na falta de previsão de
IRC, 20% da retribuição base). A remuneração dos períodos de inatividade é uma figura
cara (significa para as empresas remunerar sem recolher o benefício direto da prestação).
Assim, torna-se uma modalidade com pouca aplicação prática.
Atenção: Esta remuneração durante a inatividade não impede que o trabalhador tenha
outra atividade (não é necessária a exclusividade durante o período de intermitência).

7.3 COMISSÃO DE SERVIÇO:


A comissão de serviço é um expediente de Direito Administrativo, através do qual alguém
desempenha funções fora do seu âmbito contratual e funcional de origem.
o Exemplos: Professores que a partir de determinado momento desempenham
funções de coordenação, ou funções de governação em organismos públicos.
Estas pessoas vão em comissão de serviço: têm um vínculo em determinada
organização/departamento, mas, provisoriamente, vão desempenhar essas
funções, normalmente de gestão e de administração, noutros serviços.

Não é essa comissão de serviço que nos importa, apesar desta afinidade com a figura
de Direito Administrativo.

De acordo com o art.º 161 do CT – “Pode ser exercido, em comissão de serviço:


o Cargo de administração ou equivalente;
o De direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-
geral ou equivalente;
o Funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos;
o Ou ainda, desde que instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRC)3
o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança
em relação a titular daqueles cargos e funções de chefia”.

Quer isto dizer que esta modalidade de contrato de trabalho tem um ÂMBITO
FUNCIONAL DELIMITADO, ao contrário do que acontece com as modalidades
referidas até agora.
No entanto, esta figura é muito controversa porque constitui uma fuga a princípios
essenciais do ordenamento jurídico aboral.

3
Mais uma vez a desempenhar função legitimadora.

Filipe Schumacher e Joana Dias 43


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Ora, a Comissão de Serviços tem duas fontes:


o Alguém que tem uma vinculação segundo o regime comum ao empregador e passa
a desempenhar as suas funções em regime de comissão de serviço. O que acontece
é que há um acordo modificativo do CDT preexistente (Comissão “Interna”).
(p.e., A presta atividade a B com um CDT pelo regime comum. A partir de
determinada altura A vai passar a desempenhar funções de chefia em regime de
comissão de serviço, o que significa que vai se sobrepor ao CDT o acordo de
modificação do contrato pré-existente).
Este acordo é um acordo de novação da relação laboral – modifica-se o
contrato pré-existente de acordo com o regime da comissão de serviço, mas
MANTÉM-SE O CONTRATO BASE, i.e., há manutenção do tronco comum
contratual, HAVENDO UMA MODIFICAÇÃO, cujo tamanho depende da
autonomia privada.

o Também pode haver comissão de serviço porque alguém é ab initio contratado


para exercer as suas funções neste sistema (Comissão “externa”) – art.º 162 do
CT: “Pode exercer cargo ou funções em comissão de serviço um trabalhador (…)
admitido para o efeito”.
É nesta segunda hipótese que existe um contrato de trabalho. Ora, nesta segunda
hipótese temos de considerar duas variantes:
- COM cláusula de continuidade de emprego: Se houver cláusula de
continuidade de emprego, finda a comissão de serviço, o trabalhador tem
o seu lugar na organização, mantendo o vínculo laboral, embora com
outras funções, como é evidente – art.º 162/2 do CT.
- SEM cláusula de continuidade de emprego: O caso anterior não é
obrigatório, pelo que pode não existir cláusula de continuidade de emprego
finda a comissão de serviço. É aqui que reside o problema desta figura
porque isto equivale a um desvio ao princípio da tendencial
indeterminação temporal do CDT. Nesta segunda hipótese alguém é
contratado por uma duração determinada indefinida, podendo ver
cessar o seu vínculo fora das circunstâncias previstas para tal. Assim,
há autores que dizem que esta modalidade é inconstitucional porque
contraria o art.º 53 da CRP na medida em que vai permitir a cessação do
CDT fora das circunstâncias previstas para tanto.
Em suma: não é toda a comissão de serviço que é questionada, mas
apenas esta hipótese de não haver cláusula de continuidade de
emprego.

Filipe Schumacher e Joana Dias 44


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Forma da Comissão de Serviço:


Como acontece com as restantes modalidades o contrato é formal com conteúdo mínimo
obrigatório, a que se adiciona o âmbito funcional restrito (só determinadas funções,
entendidas de forma lata, é que podem dar origem à Comissão de Serviço), e em que há
livre denúncia pelas partes – art.º 163 do CT.
O regime da cessação consta do art.º 164 do CT, mais concretamente os seus efeitos.
Se FALTAR A FORMA ESCRITA OU A INDICAÇÃO DO OBJETO CONTRATUAL
→ O contrato de Comissão de Serviço é nulo parcialmente e vale como contrato de
regime comum pela conversão operada.

Nota: Esta figura, ao contrário do trabalho intermitente, tem grande representação prática,
sobretudo em empresas com complexidade organizacional, como bancos e seguradoras.

Em suma: É uma espécie de inspiração de Direito. A designação não é exatamente


coincidente com a lógica do Direito Administrativo, tendo apenas em comum o facto de
poder dar origem a um exercício transitório de funções distintas das originais.

7.4 TELETRABALHO:
Breve nota histórica: A 1.ª regulamentação em Portugal foi em 2003, pelo que Portugal
foi o 1.º país a ter um regime positivo para o teletrabalho. No entanto, apesar de termos o
regime não tivemos teletrabalhadores até à pandemia. Na verdade, houve um aumento
exponencial de situações de teletrabalho e, apesar de terem vindo a decrescer, o certo é
que já não regressaram ao ponto de partida. Esta situação acabou por se refletir numa
grande alteração da sua fisionomia jurídica.
Até 2020 o recurso ao teletrabalho foi sempre um recurso impulsionado pela autonomia
privada. Em 2020 altera-se esta situação com a legislação COVID-19 quando o
teletrabalho passa a ser obrigatório, depois recomendado (fortemente), depois
simplesmente recomendado, até que em 2022 deixou de ser recomendado.
Tem sido utilizado como ferramenta de resposta a crises sociais (veja-se que se tem
voltado a pensar em regressar ao teletrabalho com a atual crise energética).

O Código do Trabalho de 2003 foi praticamente contemporâneo na sua feitura o qual


decorre do Acordo Quadro Europeu sobre Teletrabalho de 2002. É um acordo quadro
autónomo, i.e., resulta apenas da negociação entre parceiros sociais europeus - não tem a
chancela da diretiva para tornar a sua aplicabilidade geral.
Mas tem, naturalmente, uma grande importância na medida em que organizou, do ponto
de vista do direito, uma nova forma de trabalhar.

Filipe Schumacher e Joana Dias 45


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Segundo este acordo Quadro Europeu de 2002, o teletrabalho caracterizava-se pela:


o Utilização das tecnologias de informação → TECNOLOGIA.
+
o Deslocalização da prestação laboral do local assinalado pelo empregador →
DESLOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA.

Ora, esta noção passou em grande medida para o Código de 2003, transpondo
uma noção de teletrabalho muito próxima da do acordo quadro, sendo uma
noção assente na prestação de trabalho habitualmente fora da empresa do
empregador & prestação realizada com recurso às TIC.
Apesar do atual Código do Trabalho de 2009 também contemplar estes dois
elementos, tem outra noção de teletrabalho (art.º 165 do atual CT) (Ver pág. 47
desta sebenta).

Esta noção é muito ampla, tanto que permite recobrir toda a TIPOLOGIA
FUNCIONAL do teletrabalho:
o Desde aqueles que trabalham offline, ou seja, os que têm de realizar determinada
tarefa sem ligação ao beneficiário da prestação;
o Os que têm ligação num sentido (one way), recebendo por email as tarefas, mas
depois têm de entregar fisicamente o resultado da atividade;
o Ou a hipótese largamente dominante hoje que é o trabalho online.

Quanto à TIPOLOGIA ORGANIZACIONAL do teletrabalho podemos referir quatro


hipóteses:
o Teletrabalho no domicílio é a hipótese que pensamos logo quando pensamos em
teletrabalho, mas não é a única.
o Modalidades que implicam a deslocação do trabalhador para instalações que não
as instalações centrais do empregador:
- Teletrabalho nos centros satélite: Não são as instalações centrais do
empregador, mas há ainda uma ligação do espaço ao empregador (p.e.,
uma empresa com sede em lisboa com escritório em castelo branco, onde
os trabalhadores podem exercer a sua atividade).
- Teletrabalho nos centros comunitário – Não são as instalações centrais
do empregador, ou seja, já não são propriedade ou de gestão ou de
organização do empregador. São centros, tendencialmente organizados por
Autarquias ou por outras entidades públicas, ou de natureza semelhante,
para os quais convergem teletrabalhadores de várias empresas para prestar
a sua atividade.

Filipe Schumacher e Joana Dias 46


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Teletrabalho móvel, no qual se pode incluir o nomadismo digital. Atenção que


nem todos os nómadas digitas são teletrabalhadores, pelo menos à luz do Direito
interno, mas muitos nómadas digitais são teletrabalhadores.

Quanto à TIPOLOGIA JURÍDICA temos duas possibilidades:


o Acordo novatório (i.e., que leva à novação de um contrato anterior).
o Celebração de um contrato inicial, já com essa finalidade.

Mais recentemente temos um Acordo Quadro europeu autónomo sobre Digitalização.


Neste, a preocupação passou a incidir sobre a necessidade de compliance sobre o tempo
de trabalho, prevenindo-se sobre a conexão, sobretudo na sua vertente de direito à
desconexão.
Este acordo quadro sobre a digitalização já teve tradução pelo ordenamento jurídico
positivo quando na Lei 83/2021 se dispôs que: “O controlo da prestação de trabalho por
parte do empregador deve respeitar os princípios da proporcionalidade e da
transparência, sendo proibido impor a conexão permanente, durante a jornada de
trabalho, por meio de imagem ou som”.

Como já foi referido anteriormente, a noção do teletrabalho está no art.º 165 CT:
“Considera-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica
do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso
a tecnologias de informação e comunicação”.
o O art.º 165/2 CT, que não existia, diz-nos que o regime, ou grande parte do regime
do teletrabalho, se aplica a todas as situações contidas nos art.º 168, 169-A, 169-
B, 170 e 171. Ou seja, faz aplicar o regime de Teletrabalho a situações equiparadas
(extensão do âmbito material do DT). O núcleo do regime do teletrabalho
aplica-se ao trabalho à distância em situação equiparada e ao teletrabalho.
Se compararmos a noção de teletrabalho no CT de 2003 e no CT de 2009 percebemos
que há alterações:
o Alterações na literalidade (“prestação laboral” → “prestação de trabalho”;
“subordinação jurídica” → “subordinação jurídica do trabalhador a um
empregador”).
o Alterações na substância. Quando falávamos de “habitualmente fora de
empresa” passou-se a falar de “local não determinado pelo empregador”.
- Ora, no domínio da legislação anterior entendia-se que quando falávamos
de “habitualmente fora da empresa” falávamos de uma exteriorização
geográfica com determinados atributos (permanente ou não, continuada
ou não) porque havia o adverbio de modo “habitualmente”, entendendo-se
que deveria haver preponderância quantitativa e qualificativa dos períodos
de exteriorização sobre a permanência.

Filipe Schumacher e Joana Dias 47


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

- Agora passamos a falar de “local não determinado pelo empregador”, o


que torna isto tudo mais impreciso, ambíguo e pouco rigoroso porque o
local de trabalho faz parte do objeto contratual – definir onde se presta a
prestação é fundamental para a caracterização do contrato, e nessa medida
a determinação do local de trabalho depende do acordo das partes4.
Se é mais impreciso, como devemos interpretar esta expressão? Significa
apenas que é o local onde falta o controlo ou a gestão do local pelo
empregador. Deste modo, “local não determinado” tem de ser
interpretado restritivamente, de modo a ter esse significado.
Esta interpretação restritiva é uma restrição relativamente à noção
anterior, na medida em que exclui os centros satélite onde ainda existe
alguma gestão do empregador e controlo deste! Não exclui, contudo, os
nómadas digitais.

Breve nota sobre os NÓMADAS DIGITAIS – mas afinal quem são eles?
o É uma forma de trabalho à distância, que pode ter forma de trabalho autónomo ou
subordinado (é uma subespécie do trabalho à distância). Logo, como tem de ser de
possível execução em qualquer local, não pode ter grande lastro físico.
o Não se levantam grandes problemas se esta forma de atividade for prestada por
portugueses em Portugal. A questão do nomadismo digital subordinado releva de
uma forma aguda quando é transnacional, porque aí temos a potencial
aplicabilidade de vários ordenamentos jurídicos5 OU até da potencial
inaplicabilidade de qualquer ordenamento jurídico.
… Como solucionar? Nesta questão atentemos ao art.º 6 CT: Daqui podemos
aferir que os nómadas digitais ficarão sujeitos a este regime quando se
verifique o disposto no art.º 6. O problema é que muito dificilmente estes
trabalhadores reúnem as circunstâncias descritas no artigo.

Noção chave de Teletrabalho: TIC. Mas basta a utilização das TIC para preenchermos
o tipo? Não, porque assim seriamos quase todos teletrabalhadores porque quase todos nós
usamos TIC. Para que as TIC sejam um elemento qualificador tem de haver utilização
intensiva e não seja apenas auxiliar/facilitadora.
Quando falamos aqui de TIC falamos num sentido amplo, incluindo não só os
equipamentos, mas também os serviços que se usam com esses equipamentos e tecnologia
de inteligência artificial.

4
Claro, está, que há uma das partes que pode colocar essa questão como uma clausula pré-
determinada, mas não pode unilateralmente fixá-la porque os trabalhadores têm o centro da sua
vida organizada em determinado local e não podem ser deslocalizados arbitrariamente.
5
Logo, este não é tanto um problema de Direito do Trabalho, mas sim de Direito Internacional
Privado.

Filipe Schumacher e Joana Dias 48


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O art.º 165/2 também se alterou, como vimos, de forma a estender o âmbito de


aplicação do DT às situações de dependência económica no que diz respeito às
disposições de: equipamentos e sistemas; organização, direção e controlo do trabalho;
deveres especiais; privacidade; segurança e saúde.

EM SUMA: A alteração legislativa do CT de 2003 para o CT de 2009 deu como resultado


duas conclusões contraditórias:
o Encolheu o tipo, pois exclui dele os centros satélites;
o Alargou o regime jurídico às situações de equiparação.

Questão dos teletrabalhadores que prestem a sua atividade em plataformas:


Questiona-se se este regime é ou não adequado a proteger estes trabalhadores? As
vulnerabilidades que esses trabalhadores têm não são colmatadas pelo regime do
Teletrabalho. O que é certo é que esta questão está em cima da mesa no âmbito das
alteações em curso.

Regime jurídico: O teletrabalho é um contrato formal. Quanto ao acordo quadro


importa mencionar que este incide sobre aspetos6 que são ainda hoje a espinha dorsal do
regime português.
Notas particulares do regime: esta funcionalização do Teletrabalho a situações de crise
social também se estende a situações de crise pessoal, com o direito à passagem do regime
de Teletrabalho aos trabalhadores vítimas de violência doméstica (art.º 166/2). Esse
direito está dependente das condições do art.º 195.
Além desta situação, os trabalhadores com filhos com idade até 3 anos têm direito a
exercer a atividade em regime de teletrabalho quando compatível com a atividade
desempenhada (art.º 166/3 do CT).

Além da tutela da privacidade em geral no trabalho, há ainda uma tutela particular no


caso destes trabalhadores em regime de teletrabalho.
Os teletrabalhadores no domicílio em situação equiparada têm um regime próprio
(Lei 101/2009). Temos o CT para a subordinação, que se estende às atuações equiparadas
em geral pelo n.º 2, mas além disso temos o trabalho do domicílio objeto de regime
próprio que se sobrepõe ao regime geral por ser especial. Portanto, perante uma situação
de equiparação temos de ver se ela cabe ou não na lei mencionada: se couber iremos
aplicar a lei, e se não couber aplica-se o art.º 165/2. Claro, está, que a situação mais
vantajosa advém do regime da Lei 101/2009.

6
Considerações gerais; Definição e objeto; Carácter voluntário; Condições de trabalho; Proteção
dados; Privacidade; Equipamento; Saúde e Segurança; Organização do trabalho; Formação;
Direitos coletivos; Aplicação e acompanhamento.

Filipe Schumacher e Joana Dias 49


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Direito à sociabilidade informática: Os teletrabalhadores são, por definição,


teletrabalhadores isolados, ou relativamente isolados, i.e., são trabalhadores que não
fazem parte de um coletivo organizacional. Portanto, à partida os seus direitos coletivos
são de difícil exercício. Para estreitar este “gap” no exercício dos direitos coletivos o
legislador previu no art.º 169 o direito de participação à distância nas reuniões realizadas.

O condicionamento da execução da informação tem riscos acrescidos específicos para a


saúde e segurança dos trabalhadores. Assim, há normas específicas para quem executa a
prestação em equipamentos dotados de visores alfanuméricos (DL 349/93 e Portaria
989/93 – Prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com
equipamentos dotados de visor) e também especificações técnicas para a harmonia do
posto de trabalho.

7.5 TRABALHO TEMPORÁRIO:


Trabalho temporário designa uma forma particular de atividade laboral. É a
modalidade mais complexa dado ser a que mais se afasta do modelo paradigmático.
É uma figura com história conturbada:
o Esteve sempre associada a situações de intermediação especulativa e ao tráfico de
mão de obra (figura francesa de intermediação de mão de obra – marchandaje,
que é um tipo de ilícito no Ordenamento jurídico francês).
o Nas suas origens remotas esteve subjacente um juízo de reprovação axiológico, e
sempre foi vista com desconfiança.
o Mesmo quando se estabeleceu de forma clara a transparente foi sempre
acompanhada de grandes prevenções e cautelas legislativas.
o A conformação atual nasceu pós a 2.ª GM quando um advogado em véspera de
ter um prazo se viu sem ajuda de secretariado e resolveu recorrer a uma anterior
secretária para que o ajudasse nas minutas que tinha de entregar. Ela estava
afastada, mas dada a situação cedeu, e o advogado pensou que haveria muita gente
que estivesse em emergências e pensou em abrir uma empresa de estabelecimento
do trabalho temporário.

Apesar de tudo o que foi mencionado há vantagens e mais-valias sociais e


económicas nesta forma de trabalho.

Nota: Esta modalidade do CDT conheceu a legitimação legislativa, entre nós, em 1989.
No entanto, só entrou no Código em 2009. Até ao Código de 2009 houve uma
regulamentação unitária que se ocupava de todas estas vertentes. Hoje não é assim, pois
no CT ficou apenas a parte comercial e a parte laboral, sendo que a parte
administrativa foi remetida para um diploma próprio.

Filipe Schumacher e Joana Dias 50


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Esta figura é complexa porque também ela é heterogénea do ponto de vista jurídico: é
uma figura triangular na qual se faz a interseção de relações de natureza distinta e
temos, por isso, confluência de dimensões administrativas, comerciais e laborais, tudo na
mesma figura (esta figura introduz um terceiro elemento numa relação que é
estruturalmente bilateral).

Diretiva de 2008 (2008/104/CE):


Quando falamos de trabalho temporário temos de ter em consideração as disposições do
Ordenamento Jurídico interno e uma Diretiva de 2008, cujo prazo de transposição
terminou em 2011. Haverá aqui alguns pontos de fricção entre o Ordenamento Jurídico
interno e a diretiva, que também ela tem uma história atribulada:
o Esta diretiva demorou cerca de vinte anos a ser negociada, e com tanta
dificuldade de consenso relativamente a encontrar solução para todos os EM,
quando ela apareceu praticamente já estava transposta em toda a Europa
continental.
o Ela tem como âmbito de regulamentação as matérias elencadas nos art.º 1 até 14
da Diretiva. E o problema surge no art.º 4 da Diretiva que diz respeito às
restrições ou proibições ao trabalho temporário. Assim, a regra entre nós é a
excecionalidade do trabalho temporário.
Ora, a Diretiva, no art.º 4/1 parte do pressuposto inverso: a regra é o livre recurso
ao trabalho temporário, pois essa era na altura a filosofia dominante das
conceções laborais europeias, e, portanto, entendia-se que as modalidades
alternativas eram úteis e benéficas para a flexibilização do sistema e que davam
melhor resposta social equitativa.
A transposição da Diretiva tem sido objeto de referências episódicas, mas nunca
se suscitou formalmente esta questão da inconstitucionalidade.

Diretiva de 2009 (1152) – Diretiva Transparência:


O prazo de transposição aconteceu em agosto de 2022, e também ela contém disposições
que se refletem no trabalho temporário, nomeadamente quanto ao dever de informação
previsto no art.º 4 desta Diretiva. No nosso ordenamento jurídico podemos considerar que
a transposição mínima está verificada.

Relativamente à relação aparentemente triangular do trabalho temporário / Soma


de dois contratos:
Quando falamos de trabalho temporário falamos de uma relação aparentemente
triangular:
Uma Empresa de Trabalho Temporário (ETT) → Contrata trabalhadores → Esses
trabalhadores não vão prestar a sua atividade à empresa que os contrata, mas a um 3.º
utilizador (Portanto temos três frentes – três polos subjetivos).

Filipe Schumacher e Joana Dias 51


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A empresa que contrata o trabalhador temporário (ETT) tem como objeto precisamente a
disponibilidade da força de trabalho. Há um esvaziamento técnico da empresa.

Mas do ponto de vista contratual temos verdadeiramente uma junção de dois


contratos:
o Um CDT entre a ETT e o trabalhador.
o Um contrato dito de utilização entre o utilizador e a ETT.
o Além disso, temos uma relação de trabalho entre o utilizador e o trabalhador,
mas esta relação de trabalho está separada do contrato (é um dos raros casos em
que a relação se desprende do facto jurídico que lhe dá origem). Exatamente para
ilustrar essa situação é que a relação laboral está representada a tracejado no
esquema em cima.

Contrato de Trabalho (CDT) + Contrato de Utilização + Relação laboral não contratual.


Nota: Esta estrutura assim descrita até parece relativamente ordenada do ponto de vista
jurídico, mas é fonte de muitos problemas, quanto mais frentes de interesses maior a
sua conflitualidade.

Existem ainda outras relações triangulares:


o Figura da cedência ocasional é parecida com o Trabalho Temporário (mas é ≠
do Trabalho Temporário):
- Exemplo de cedência ocasional: Temos um CDT entre A e B, mas supondo que
no decurso desse contrato de trabalho A tem uma grande quebra nas suas
encomendas e deixa de ter possibilidade de ocupar B da forma que o fazia até aí,
então para evitar o despedimento cede a disponibilidade de B a C. A é o cedente,
C é o cessionário, e B o trabalhador (é uma situação muito próxima do trabalho
temporário).
- Na cedência ocasional verdadeiramente temos uma relação triangular pois
só temos um contrato e a operação realiza-se através de um contrato com
intervenientes de três partes. Todos participam no contrato e para que haja
contrato de cedência tem de haver um concurso de três declarações de vontade. O
negócio perfeciona-se com as três vontades convergentes.

Filipe Schumacher e Joana Dias 52


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- A figura da cedência ocasional não está nas modalidades de CDT, mas está
nas vicissitudes da relação contratual porque na verdade o contrato de cedência
é um contrato superveniente ao CDT. O CDT inicial entre A e B vai-se manter e
o contrato de cedência procede a uma novação das condições do contrato.
- Requisitos de admissibilidade da cedência ocasional: Previsão em IRC +
Verificação cumulativa das condições previstas no art.º 289/1 do CT.

o Em matéria de relações triangulares temos também a possibilidade de encontrar uma


cessão da posição contratual:
- Aqui também não temos verdadeiramente uma relação triangular perfeita,
porque o que acontece é que quando o empregador cedente cede posição
contratual para o cessionário, ele desaparece de cena e a relação mantém-se
bilateral entre trabalhador e cessionário.
- Ou seja, a relação era entre A e B, inicialmente, mas há uma cessão da posição
contratual de A, passando C a ser empregador e A sai de cena.

o Podemos ainda mencionar a figura do destacamento:


- Muitas vezes é referida em proximidade com o trabalho temporário, mas o que
se passa aqui é um distanciamento do empregador relativamente ao trabalhador,
pois o empregador pode destacar o trabalhador para trabalhar num outro Estado.

o Ainda no catálogo das situações plurais podemos mencionar a pluralidade de


empregadores, prevista no art.º 101 do CT: “O trabalhador pode obrigar-se a
prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária
de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas
organizativas comuns”:
- O mesmo trabalhador pode vincular-se à prestação de atividade com vários
empregadores, todavia estes empregadores têm de ter entre si alguma relação,
seja societária, participações recíprocas de domínio ou grupo, ou partilhem
estruturas organizativas comuns, que podem estar ou não formalmente
constituídas (podemos considerar meras situações de facto).
- No entanto, nesta organização há um empregador que tem um papel
destacado relativamente aos demais. É o que representa os demais nos
cumprimentos dos deveres (empregador alfa, porque a atuação de um deles é
predominante face aos distantes).

Filipe Schumacher e Joana Dias 53


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No trabalho temporário temos então esta configuração em que o polo destacado é


constituído pela Empresa de Trabalho Temporário (ETT), que é o polo comum às
duas relações contratuais.

Ora, mas se temos esta distinção entre contrato e relação de trabalho com intervenientes
distintos, significa que o que compõe o estatuto do trabalhador é fragmentado por duas
entidades (empresa de trabalho temporário e o utilizador). Assim, temos dois contratos:
o Um contrato de trabalho (CDT) para cedência temporária, sendo que o CDT pode
ter uma configuração determinada ou indeterminada, pelo que este pode ser:
- CDT temporário (art.º 180 a 182 do CT): formal, causal e celebrado a termo
resolutivo.
- CDT por tempo indeterminado para cedência temporária (art.º 183 e 184 do
CT): formal.
o Um contrato de utilização de trabalho temporário (art.º 175 a 179 CT): É o
contrato entre a empresa de trabalho temporário (ETT) e o utilizador – modalidade da
prestação de serviço, tem um conteúdo formal determinado na lei (tem um âmbito
mínimo), é um contrato causal porque só é admitido para celebração numa das
hipóteses legalmente previstas, ou seja, ele tem de ter uma causa legitimadora, e é
forçosamente celebrado a termo resolutivo, isto é, com pré definição temporal. Além
disso, é um contrato oneroso, como não podia deixar de ser (há comercialidade quanto
mais não seja pela subjetividade do interveniente da empresa de trabalho temporário).

Contrato de trabalho por tempo indeterminado: A empresa de trabalho temporário


celebra com o utilizador um contrato de utilização que é forçosamente temporário, com
determinação temporal. Mas o CDT pode ser por tempo indeterminado, o que significa
que a vinculação de B à empresa de trabalho temporário não tem horizonte temporal
definido.
Então, o trabalhador fica afeto ao posto de trabalho do utilizador durante x meses, ao fim
dos quais retorna à empresa de trabalho temporário, e que será utilizado depois por outros
utilizadores.
Este esquema é consecutivo se a empresa de trabalho temporário tiver sempre
utilizadores.
Porém isto raramente acontece: temos períodos de atividade intercalados com períodos
de inatividade = situações de intermitência.

Filipe Schumacher e Joana Dias 54


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Condições legitimadoras do contrato de utilização:


o Substituição direta ou indireta de trabalhador ausente ou que, por qualquer
motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
o Substituição direta ou indireta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente
em juízo ação de apreciação da licitude do despedimento;
o Substituição direta ou indireta de trabalhador em situação de licença sem
retribuição;
o Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo
parcial por período determinado;
o Atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades
decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o
abastecimento de matéria-prima;
o Acréscimo excecional de atividade da empresa;
o Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não
duradouro;
o Necessidade decorrente da vacatura de postos de trabalho quando já decorra
processo de recrutamento para o seu preenchimento;
o Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da atividade
durante dias ou partes do dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente
metade do período normal de trabalho praticado no utilizador;
o Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar direto, de natureza social,
durante dias ou partes do dia;
o Realização de projeto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de
empresas ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial.

Condições negativas para a celebração:


o Não pode exceder o período estritamente necessário à satisfação da necessidade;
o Não pode ter por objeto posto de trabalho particularmente perigoso para a
segurança e saúde do trabalhador, a não ser que exista qualificação profissional
bastante;
o Necessidade que não haja sido assegurada por trabalhador despedido (por
despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho) nos últimos doze
meses.

Limites máximos de duração:


o A duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações,
não pode exceder a duração da causa justificativa;
Limites do contrato
de utilização de TT

o A duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações,


não pode exceder também o período de dois anos – duração máxima normal;
o A duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações,
não pode exceder os seis meses em caso de vacatura de posto de trabalho
quando já decorra processo de recrutamento;
o A duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações,
não pode exceder a duração de doze meses em caso de acréscimo excecional
de atividade.

Filipe Schumacher e Joana Dias 55


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o A duração do contrato de trabalho temporário não pode exceder a do contrato


de utilização;
o O contrato de trabalho temporário a termo certo tem um limite de seis
termo certo ou com termo incerto)
Limites do CDT temporário (com

renovações, exceto quando se trate de substituição de trabalhador ausente.


o Período estritamente necessário à satisfação da necessidade;
o A duração do contrato de trabalho temporário a termo certo, incluindo renovações,
não pode exceder dois anos – duração máxima normal a termo certo;
o A duração do contrato de trabalho temporário a termo certo, incluindo renovações
não pode exceder os seis meses quando seja celebrado em caso de vacatura de
posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento;
o A duração do contrato de trabalho temporário a termo certo, incluindo renovações,
não pode exceder os doze meses quando seja celebrado para acréscimo
excecional de atividade da empresa;
o O contrato de trabalho temporário a termo incerto dura pelo tempo necessário à
satisfação de necessidade temporária do utilizador, não podendo exceder os
limites de duração referidos anteriormente;
o Quatro anos – duração máxima a termo incerto.

o Dezoito meses – contratação do primeiro emprego.

Partilha do estatuto do empregador na qual verificamos que o utilizador fica com as


prerrogativas desse estatuto e com tudo aquilo que está ligado intrinsecamente ao CDT,
e a empresa fica com os encargos e obrigações pois é ela que assume o risco.

Situações de solidariedade e subsidiariedade que esta partilha de estatutos origina:


o SOLIDARIEDADE:
- Créditos laborais e encargos sociais dos últimos três anos no caso de celebração
de contrato de utilização com ETT não licenciada;
- Reparação de danos de acidente de trabalho se não for exigida a junção da
apólice de seguro ao contrato de utilização;
- Pagamento do montante da compensação que caberia ao fundo de compensação
do trabalho por cessação do contrato de utilização quando não for anexada ao
contrato de trabalho prova de adesão a fundo;
- Encargos e obrigações legais relativos à segurança social e seguro de acidentes
de trabalho dos trabalhadores.
o SUBSIDIARIEDADE (utilizador):
- Pagamento dos créditos salariais e encargos sociais.

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Invalidades – especificidade do regime. Normalmente à invalidade sucede-se a


conversão, mas aqui essa conversão pode ser paralisada se nos primeiros trinta dias da
prestação do trabalho se optar por uma indemnização.

Última intervenção legislativa foi a Lei 93/2021, embora isto seja provisório porque há
uma proposta de lei (Proposta de Lei 15/XV), veremos se é isso que vai acontecer. Essa
proposta de lei pretende:
o Reforço das regras sobre sucessão de contratos de utilização;
o Limitação da renovação dos contratos de trabalho temporário;
o Introdução de requisitos mais robustos para a atribuição e manutenção de licenças
das empresas de trabalho temporário;
o Obrigatoriedade de vínculos mais estáveis nas empresas de trabalho temporário;
o Alargamento da compensação no caso de cessação de contrato a termo, certo ou
incerto, para vinte e quatro dias por ano.

7.6 TRABALHO A TERMO:


O regime da contratação a termo está presente Código do Trabalho, mas antes disso
impõe-se referir a Diretiva 1999/70/CE:
- Esta é uma Diretiva pactuada, i.e., é uma Diretiva que resulta de um acordo
quadro entre parceiros sociais europeus “para a consecução de um maior
equilíbrio entre a flexibilidade do tempo de trabalho e a segurança dos
trabalhadores” (preâmbulo).
De acordo com o acordo quadro que constitui o conteúdo útil da Diretiva, são dois os
objetivos prosseguidos por esta regulamentação:
o Melhoria da qualidade do trabalho;
o Evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos a termo, i.e., o
contrato a termo é um contrato que não corresponde ao dever-ser das relações de
trabalho.
Se é preciso evitar abusos (estabelecer limites) na contratação a termo, então o
que é desejável é que a contratação tenha uma duração indeterminada ou
indefinida (não significa que tenha de ser perpétua. Pelo menos o que se quer é
que não se saiba à partida quando é que acaba).

Âmbito de aplicação da Diretiva (art.º 2 da Diretiva):


o Parâmetro positivo: Trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação
laboral, desde que o sejam a termo (n.º 1).

Filipe Schumacher e Joana Dias 57


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o Parâmetros negativos: Possibilidade de não serem abrangidas pelas disposições


da Diretiva as situações de formação profissional inicial ou a regimes de
aprendizagem; nem a contratos e relações de trabalho estabelecidos no âmbito de
um programa específico, público ou que beneficie de comparticipação de carácter
público, de formação, integração ou reconversão profissional (n.º 2).

Como acontece em quase todas as Diretivas há uma certa indefinição da conceptologia


da Diretiva. Assim, importa atentarmos nas duas noções chave:
o Trabalhador contratado a termo: “Trabalhador titular de um contrato de
trabalho ou de uma relação laboral concluída diretamente entre um empregador
e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais
como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um
acontecimento” (art.º 3/1 da Diretiva).
Mais uma vez encontramos uma referência tanto aos trabalhadores contratados a
termo (contrato de trabalho com um termo resolutivo), como aqueles que estão
numa relação laboral direta entre empregador e trabalhador que tenha uma
duração pré-determinada (em função de data, tarefa ou acontecimento). Veja-se
que é por estas razões que esta diretiva não tem aplicabilidade nos casos de
trabalho temporário.

o Trabalhador permanente em situação comparável (art.º 3/2 da Diretiva):


“Trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo
que, na mesma empresa realize um trabalho ou uma atividade idêntica ou similar,
tendo em conta as qualificações ou competências”.
Ora, como sabemos em todas as modalidades, além do problema da qualificação
há o problema da equiparação de tratamento: somos constantemente convocados
a fazer uma operação metodológica de comparação da situação daqueles que
tenham modalidade de contrato de trabalho fora do regime comum e aqueles que
tenham essa posição no seu vínculo. Para que isso seja mais fácil no âmbito da
contratação a termo, encontramos esta noção de trabalhador permanente em
situação comparável.

Esta Diretiva ocupa-se ainda da não discriminação/equiparação de tratamento,


proclamando o princípio de tratamento não menos favorável:
o Propõe-se a operação de comparação com trabalhador com um contrato de
trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa realize um
trabalho ou uma atividade idêntica ou similar, tendo em conta as qualificações
ou competências (i.e., comparação com os trabalhadores ditos permanentes) e
estabelece-se a regra da proporcionalidade temporal.

Filipe Schumacher e Joana Dias 58


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“No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores


contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores
permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros
terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas
justificarem um tratamento diferente” (art.º 4/1 da Diretiva).

o Como é que se faz essa comparação entre quem tem um contrato a termo e
quem está numa situação de trabalho permanente?
Ora, de acordo com o quadro definitório da Diretiva, esta operação de comparação
começa por ser feita com um trabalhador com contrato a termo da mesma empresa
→ Caso não exista um com as mesmas qualificações e situações, vamos comparar
com os trabalhadores com contrato sem termo com categoria prevista em IRC
aplicável, que também pode não existir → O passo seguinte é comparar com um
trabalhador a tempo completo e permanente (sem termo) sem qualquer estatuto
adicional que não seja aquele que resulte da lei → Se finalmente não for possível,
então resta-nos atender às práticas nacionais.
O que é que isto quer dizer? Quer dizer que mais uma vez procedemos a essa
comparação com uma posição mais próxima e que vai até à mais distante,
privilegiando sempre uma situação de proximidade na aferição da equiparação de
tratamento.

(Resumo desta operação de comparação)

A Diretiva propõe-se a prevenir os abusos do recurso à contratação a termo com a


adoção de uma das três hipóteses que fornece (art.º 5 da Diretiva).
o Estabelecimento de razões objetivas que justifiquem a renovação dos contratos ou
relações laborais;
o Estabelecimento de uma duração máxima dos sucessivos contratos de trabalho ou
relações laborais a termo;
o Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.
Nota: A repressão dos abusos pode fazer-se através de um destes três mecanismos, pelo
menos. Ora como veremos destas três situações, o nosso Ordenamento Jurídico consagra
inequivocamente as duas últimas.

Filipe Schumacher e Joana Dias 59


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Obrigação de informação (art.º 6 da Diretiva):


Além destas medidas, a Diretiva prevê ainda medidas adicionais de estabelecimento de
parâmetros de transparência no recurso à contratação a termo através do reforço da
informação (art.º 6). Prevê-se também que esta informação se estenda aos órgãos de
representação dos trabalhadores:
o “Os empregadores deverão informar os trabalhadores contratados a termo sobre
as vagas disponíveis na empresa ou no estabelecimento para garantir que tenham
as mesmas oportunidades que outros trabalhadores de aceder a postos de
trabalho permanentes. Esta informação poderá ser prestada através de anúncio
geral afixado no local adequado da empresa ou do estabelecimento”.
o “Na medida do possível, os empregadores deverão facilitar o acesso dos
trabalhadores contratados a termo às oportunidades de formação adequadas com
vista ao aumento das suas competências, do progresso na sua carreira e à
mobilidade profissional”.

Por tudo o que acabamos de analisar, podemos concluir que a Diretiva estabelece um
nível mínimo de proteção destes trabalhadores que passa pela sua aproximação ao
estatuto dos trabalhadores permanentes, com medidas que visem garantir que a
contratação a termo não é usada para situações de permanência, e se mantém no reduto
fixado para as suas funções.

Ora, esta Diretiva não se bastar com a sua simples menção histórica, na medida em que
tem dado origem a uma densa jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido da
sua concretização:

Estes acórdãos transformaram-se em acórdãos-marco do entendimento das disposições


mais importantes da Diretiva nos últimos quinze anos, nomeadamente no que diz respeito
a determinadas categorias dos trabalhadores, por exemplo.

Filipe Schumacher e Joana Dias 60


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Temos uma situação particular que levanta alguns problemas quanto a esta
regulamentação – o contrato a termo em funções públicas:
A Diretiva não quer que a contratação a termo seja usada indiscriminadamente, mas
que se mantenha dentro do reduto funcional para a qual ela é pensada. Ora, temos uma
situação particular que levanta alguns problemas relativamente a esta regulamentação que
se prende com o regime dos trabalhadores em funções públicas. Estes têm uma lei
própria na qual também se prevê a sua contratação a termo, e é um regime
determinado pela natureza das funções dos trabalhos, daí que tenha sido entendimento
dominante que não poderia haver conversão de contratação a termo em tempo
indeterminado neste âmbito, porque o princípio geral das funções públicas é o princípio
do concurso público. Se se dá a conversão, isso significa que alguém acede a funções
públicas sem concurso público.
No entanto, esta questão é uma questão que exorbita das possibilidades estabelecidas na
Diretiva, o que leva a grande debate doutrinal, e também a algumas questões
jurisprudenciais internas que agora têm um novo desenvolvimento face ao último acórdão
referido (Pérez López) no qual o Tribunal de Justiça decidiu que havia conversão do
contrato da enfermeira em questão dos serviços de saúde espanhóis. Na sequência deste
acórdão há um acórdão nacional que segue a mesma solução, o qual ainda não foi
publicado.

(Depois de termos analisado esta Diretiva do contrato a termo, vamos agora ver o que
consta no Código do Trabalho)

REGIME COMUM DA CONTRATAÇÃO A TERMO:


O contrato a termo é, como a designação evidencia, um contrato ao qual é aposto um
termo resolutivo (cláusula acessória típica dos contratos que vai acidentalmente
influenciar o seu regime). Mas aqui o termo não é um elemento acidental do negócio, mas
o elemento estruturante do tipo, pelo que é essencial.
O que é um termo: Cláusula da qual os efeitos do negócio ficam dependentes de um
acontecimento FUTURO e CERTO. Alguma coisa que vai acontecer no futuro.

O art.º 135 do CT prevê que ao contrato de trabalho pode ser aposta, por escrito,
condição ou termo SUSPENSIVO nos termos gerais:
o Um contrato de trabalho com condição suspensiva significa que a celebração
deste contrato só produz efeitos a partir da verificação de um conhecimento
FUTURO e INCERTO.

Filipe Schumacher e Joana Dias 61


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o Um contrato de trabalho com um termo suspensivo significa que os efeitos do


contrato ficam dependentes da verificação de um acontecimento FUTURO e
CERTO.

Centremo-nos nos elementos RESOLUTIVOS (perante os quais o contrato deixa de


produzir os seus efeitos):
o Como vimos, o CT, no art.º 135, apenas se ocupa da condição e termo suspensivo,
e nada nos diz quanto à condição resolutiva, porque a aposição de uma
CONDIÇÃO RESOLUTIVA NÃO É ADMITIDA, na medida em que nestas
situações o contrato de trabalho deixaria de produzir os seus efeitos quando se
verificasse um acontecimento futuro e incerto. Se a cessação dos seus efeitos
ficassem dependentes de um acontecimento futuro e incerto isso seria uma
situação de instabilidade permanente, além de que nas causas de cessação do
contrato não está prevista essa situação.

o Pelo contrário, quanto ao TERMO RESOLUTIVO há uma secção inteira que o


regula (art.º 139 a 149 do CT). Assim sendo, um contrato a termo resolutivo
diz-nos que o contrato vai produzir os seus efeitos até que se verifique o tal
acontecimento futuro certo.
CONTRATAÇÃO A TERMO RESOLUTIVO: Situações em que um contrato
de trabalho vê os seus efeitos cessar pelo decurso do tempo (verificação de
um termo). Por força da complexidade dessa situação, tem uma função de
elemento caracterizante do tipo, e já não de elemento acidental.

Art.º 139 CT: Estabelece que o regime legal previsto nesta secção não pode ser afastado
por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, a não ser no caso do art.º 145/2
CT. Portanto, é um regime em larga medida imperativo.
Esta modalidade contratual (CONTRATO DE TRABALHO A TERMO), com a
aposição do termo resolutivo, é uma modalidade:
o Causal, porque a sua admissibilidade está sujeita a uma causa validante
(legitimadora).
o Formal, porque é um contrato sujeito a forma escrita.
o De duração determinada, porque há uma aposição de um termo (este termo vai
determinar a duração deste contrato de trabalho).

Art.º 140 CT – admissibilidade das situações que justificam a aposição do termo


resolutivo, i.e., o tempo (temos uma cláusula geral que é complementada/conjugada
com uma enumeração exemplificativa):

Filipe Schumacher e Joana Dias 62


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o N.º 1 – CLÁUSULA GERAL: “Só pode ser celebrado para a satisfação de


necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e
apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”.
Portanto, temos de ter uma necessidade temporária (ou seja, não pode ser uma
necessidade que faça parte do processo produtivo empresarial), tendo de ser
objetivamente definida pelo empregador.
+
o N.º 2 – ENUMERAÇÃO EXEMPLIFICATIVA DE UM ELENCO DE
NECESSIDADES TEMPORÁRIAS. Como se trata de um elenco explicativo, admite
outras situações. Mas é tão flexível que é difícil conceber situações para além dele.
Mas em rigor ele é aberto.

o Prevê-se ainda no n.º 4 algumas hipóteses em que não estamos na articulação da


cláusula geral com o elenco exemplificativo, mas na enumeração de situações
taxativamente previstas no Código. Aqui já não estamos no quadro da necessidade
temporária, mas no quadro de situações excecionais que justificam a contratação a
termo.
Este elenco do n.º 4 é um elenco com necessidades não temporárias, relativas ao
lançamento de novas atividades/empresas e à contratação de um trabalhador em
situação de desemprego de muita longa duração (enquanto medida de fomento do
emprego).

VARIANTES E MODALIDADES DO TERMO:


A contratação a termo está a ganhar terreno com um polo dinamizador de várias outras
modalidades, mas além disso, dentro da contração a termo, podemos considerar
algumas variantes. Como vimos, o termo é SEMPRE um acontecimento FUTURO e
CERTO, mas:
o Essa certeza pode ser determinada com precisão (sendo um termo certo
referido a uma data de calendário) → TERMO CERTO.
o Pode não se conseguir determinar com precisão essa certeza. Ou seja,
podemos ainda ter situações em que temos a certeza de que vão acontecer, só não
sabemos com precisão o dia em que isso acontecer, ou seja, da data que isso vai
acontecer (p.e., fixação de um termo em função da chegada de determinadas
matérias-primas que começam a ser transportadas) → TERMO INCERTO.

A causalidade do art.º 140 é uma modalidade de contrato a termo certo. Porque o contrato
a termo incerto tem uma instabilidade acrescida, a sua celebração é rodeada de
precauções adicionais → Assim, o art.º 140/3 do CT diz-nos que “Sem prejuízo do
disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação

Filipe Schumacher e Joana Dias 63


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referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do art.º 140/2” (causalidade


TAXATIVA do contrato a termo incerto, i.e., a celebração destes contratos esta confinada
a apenas algumas situações).
Ou seja, daquele quadro que está apresentado no art.º 140/2, apenas algumas situações
possibilitam a celebração de contrato a termo incerto. Há um encolhimento das
hipóteses legitimadoras da celebração de um contrato a termo incerto.

Depois de termos visto o termo certo e incerto, podemos ainda mencionar outra sub-
modalidade do contrato a termo – o contrato de muito curta duração:
No que diz respeito ao contrato de muito curta duração a causalidade é positiva e negativa
(art.º 142 do CT):
- Causalidade positiva: Só pode ser celebrado por um acréscimo excecional e
substancial da atividade de empresa cujo ciclo apresente irregularidades
decorrentes do respetivo mercado ou de natureza estrutural.
- Causalidade negativa: Essa necessidade tem de ser impossível de assegurar
pela estrutura permanente da empresa.
É utilizado em atividades sazonais no setor agrícola ou do turismo. A duração não pode
ser superior a trinta e cinco dias, não está sujeito a forma escrita, devendo o empregador
comunicar a sua celebração e o local de trabalho ao serviço competente da segurança
social (art.º 142/1 do CT).
A duração total de contratos de trabalho a termo celebrados entre o mesmo trabalhador e
empregador não pode exceder setenta dias de trabalho no ano civil (art.º 141/2 do CT).

FORMA DO CONTRATO A TERMO:


De acordo com o art.º 141/1 CT o contrato a termo é um contrato formal e a sua forma
legal tem um conteúdo mínimo obrigatório: “Identificação, assinaturas e domicílio ou
sede das partes; Atividade do trabalhador e correspondente retribuição; Local e período
normal de trabalho; Data de início do trabalho; Indicação do termo estipulado e do
respetivo motivo justificativo; Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo,
da respetiva cessação”.
No entanto, este âmbito mínimo da forma legal não tem todo natureza substantiva / ad
substantiam, i.e., a inobservância da forma tem efeitos diferentes consoante as menções
em causa. Deste modo, podemos ter:
o Formalidades substantivas / ad substantiam: Escrito; identificação, assinaturas
e domicílio ou sede das partes; data de celebração do contrato + data início do
trabalho; omissão ou insuficiência do motivo justificativo (sem estes elementos
temos uma invalidade formal).

Filipe Schumacher e Joana Dias 64


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o Formalidades probatórias / ad probationem: Domicílio ou sede dos contraentes;


categoria profissional ou funções ajustadas; retribuição; local de trabalho; período
normal de trabalho.
No âmbito do motivo justificativo (uma precisão em termos formais que o legislador nos
deixa): tratando-se de um contrato causal, o motivo justificativo da celebração tem de ser
feito com uma forma precisa, com referência a factos necessários para estabelecer o nexo
relacional entre a justificação causal e a aposição do termo (art.º 141/3 do CT).
Logo, é preciso dizer de onde vem o acréscimo e quais os factos que determinam esse
acréscimo. Porquê esta precisão/necessidade adicional de especificação do motivo? Para
que exteriormente alguém que não esteja envolvido na organização empresarial possa
comprovar a sua verificação.

PERÍODO EXPERIMENTAL NO TRABALHO A TERMO:


No âmbito da contratação a termo há regras específicas no que diz respeito ao período
experimental (o período experimental vem previsto nos art.º 111 e seguintes do CT):
- No art.º 112/2 do CT encontramos algumas regras específicas para a duração
do período experimental na contratação a termo:
O período experimental tem a duração de trinta dias em caso de contrato com
duração igual ou superior a seis meses.
O período experimental tem a duração de quinze dias em caso de contrato a termo
certo com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo incerto cuja
duração previsível não ultrapasse aquele limite.
(A matéria do período experimental está desenvolvida no subcapítulo 10.2 desta sebenta)

DURAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO (parâmetro de controlo


estabelecido pela diretiva) – art.º 148 do CT:
Logo pelas disposições iniciais ficámos a ver que a contratação a termo não pode exceder
o período necessário à satisfação na necessidade temporária → A duração da
necessidade temporária é o limite máximo da duração do contrato.
Mas isto não significa que haja uma duração mínima do contrato a termo. Pode ter
duração de algumas horas, dias ou semanas. O que há é uma duração mínima normal, i.e.,
o legislador parte do princípio de que para haver contratos com uma duração muito curta
tem de haver justificação adicional relativamente ao comum dos contratos.
Duração mínima normal é de seis meses: No art.º 148/2 o legislador diz que só
excecionalmente (nas alíneas a) a g) do art.º 140/2) podemos ir abaixo dos seis meses,
mas podemos, pois o que há é uma duração quase normalizada e fixada nos seis meses.

Filipe Schumacher e Joana Dias 65


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Ora, mas a duração também está anexada à variante do contrato. Para os contratos a termo
certo, e para o comum das causas justificativas, a duração máxima é de dois anos,
mas este limite máximo de dois anos pode ser inferior, pois como vimos na hipótese
do art.º 148/2, nas alíneas a) a g) do art.º 140/2 pode haver duração mínima inferior a
seis meses, i.e., se a duração máxima são seis meses, a duração mínima não poderá ser
inferior a seis (não se inclui a alínea h) deste artigo). Nas situações previstas no n.º 4 há
também referência aos dois anos após o início do motivo justificativo.
“Logo, se o fundamento da contratação a termo certo for o da al. h) do n.º 2 do art.º 140,
ou se for o n.º 4 do mesmo preceito, ou ainda se o contrato se basear, tão-só, na cláusula
geral do n.º 1, em todos estes casos encontrará aplicação o limite mínimo de 6 meses de
duração, ex vi do art.º 148/2” (“Contrato de Trabalho”, de João Leal Amado).

Resumo:
o Duração mínima normal: 6 meses.
o Duração máxima do contrato a termo certo:
o Comum das causas justificativas: 2 anos.
o Contratação inferior a 6 meses: alíneas a) a g) do art.º 140/2.
o Lançamento de nova atividade, início de funcionamento, desempregados
muito longa duração: 2 anos após o início do motivo justificativo.

RENOVAÇÃO DO CONTRATO A TERMO CERTO:


Relativamente ao contrato a termo certo, este pode estender-se enquanto durar a
necessidade temporária, mas pode acontecer que a previsão das partes não tenha
acompanhado essa extensão temporal (quando as partes celebram o contrato não
anteveem que a necessidade se vai estender para além da duração fixada no contrato).
Então nessa hipótese coloca-se a hipótese da renovação do contrato a termo – art.º
149 CT.
Está, ainda, na livre disponibilidade das partes aceitar ou não a renovação: mas se as
partes nada disseram sobre isso aquando da sua celebração, significa que o contrato
se renova automaticamente (art.º 149/2 do CT). Porquê esta renovação automática?
Porque o legislador prefere alguma estabilidade na instabilidade, do que a solução oposta.
Contudo, esta renovação automática pode ser paralisada através de declaração receptícia
de uma das partes (art.º 144 do CT).
As partes podem ainda acordar desde o início que o contrato de trabalho a termo certo
não fica sujeito a renovação (art.º 149/1 do CT).
O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a duração total
das renovações não pode exceder a do período inicial daquele (art.º 149/4 do CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 66


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

CADUCIDADE DO CONTRATO A TERMO CERTO (art.º 344 do CT):


A forma natural de extinção do contrato a termo é o decurso do tempo (art.º 344/1 do
CT). Termina por caducidade, mas a caducidade não é aqui automática (“o contrato de
trabalho a termo certo caduca […] desde que o empregador ou o trabalhador comunique
à outra parte a vontade de o fazer cessar”) → Tem de haver uma iniciativa das partes
para obstar à caducidade.
Essa declaração tem de ser feita com antecedência de quinze dias (empregador) ou oito
dias (trabalhador).
Verificando-se a caducidade há lugar a uma compensação de caducidade calculada
segundo a forma de pagamento de dezoito dias de retribuição por cada ano de antiguidade
(art.º 344/2 do CT).

Em suma: A renovação (do contrato a termo certo) é automática, a caducidade não o é!

DURAÇÃO E RENOVAÇÃO DO CONTRATO A TERMO INCERTO:


A duração do contrato de trabalho a termo incerto não pode ser superior a quatro anos em
qualquer circunstância (art.º 148/5 do CT).
É importante referir que não há renovação do contrato a termo incerto. Se é
dependente do acontecimento que não é certo, o contrato vai durar até essa verificação.

CADUCIDADE DO CONTRATO A TERMO INCERTO (art.º 345 do CT):


O regime da caducidade dos contratos a termo incerto está previsto no art.º 345: “O
contrato de trabalho a termo incerto caduca quando, prevendo-se a ocorrência do termo,
o empregador comunique a cessação do mesmo ao trabalhador, com a antecedência
mínima de sete, 30 ou 60 dias conforme o contrato tenha durado até seis meses, de seis
meses a dois anos ou por período superior”.
Quanto às regras para a compensação, é uma fórmula mista mais complexa do que a do
contrato a termo certo: Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo incerto, o
trabalhador tem direito a compensação que corresponde à soma dos seguintes montantes:
- A dezoito dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de
antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato.
- A doze dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de
antiguidade, nos anos subsequentes.

Filipe Schumacher e Joana Dias 67


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SUCESSÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO A TERMO (art.º 143 do CT):


De acordo com a Diretiva, o art.º 143 do CT estabelece um princípio de proibição de
sucessão de vínculos precários. Há um período de congelamento das admissões com
vínculos não estáveis (“período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato,
incluindo renovações”).
Esta parece uma boa medida em termos teóricos, mas tem escassa aplicabilidade prática
pois é sempre possível através de alguma engenharia laboral contornar esta situação
através de transferências internas, etc.
Deste princípio de proibição de sucessão excluem-se algumas situações, como as
atividades sazonais e outras previstas em outras alíneas do n.º 2 deste art.º 143 do CT.
A função polarizada do regime da contratação a termo fica muito evidente se
perspetivarmos os regimes especiais de alguns contratos a termo (indicados em baixo),
relativamente aos quais o regime geral de contratos a termo certo funciona como regime
supletivo.
São então contratos a termo com regime especial:

8. TEMPO DE TRABALHO:
Matéria lecionada pelo Sr. Professor Francisco Liberal Fernandes

Nota inicial: Atualmente tem-se falado na semana de quatro dias, sem quebra de salário
e com uma efetiva redução do tempo de trabalho. Até agora, as horas do dia em que não
se trabalhava eram compensadas nos outros dias. Contudo, pretende-se, atualmente,
reduzir mesmo o tempo de trabalho, sendo trinta e cinco horas no setor privado, e menos
cinco horas no setor público (e não uma concentração nos outros dias). O Tribunal de
Justiça tem feito vários acórdãos sobre o tempo de trabalho.
O regime normal é trabalhar cinco dias por semana, quarenta horas por semana, que
se dividem igualmente por dia, normalmente. O Código regula essencialmente regimes
específicos (regimes especiais) → art.º 203/1 do CT (limites máximos do período normal
de trabalho).
O fundamento destas normas neste âmbito do tempo de trabalho é garantir a saúde,
segurança e a produtividade do trabalhador.

Filipe Schumacher e Joana Dias 68


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Como se pode ler no Manual de Direito do Trabalho, relativamente ao tempo de


trabalho: “delimitar o tempo de trabalho, apartando-o do tempo de repouso, tem o
significado de traçar a linha que separa os períodos de heterodisponibilidade, ou
subordinação, do trabalhador, dos de autodisponibilidade e, portanto, liberdade”.

Assim, neste âmbito da duração e organização do tempo de trabalho importa ter presente
algumas noções essenciais presentes nos art.º 197 e seguintes do Código do Trabalho:
o Noção de tempo de trabalho (art.º 197 do CT):
- “Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador
exerce a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as
interrupções e os intervalos previstos no n.º 2 do art.º 197”.
… Assim sendo, este é um conceito tripartido, na medida em que é tempo de
trabalho: o tempo em que o trabalhador exerce a sua atividade (art.º 197/1/1.ª
parte); o tempo em que o trabalhador permanece adstrito à realização da
mesma (art.º 197/1/2.ª parte) e as interrupções e intervalos, que são períodos
legalmente equiparados a tempo de trabalho (art.º 197/2) (Manual de Direito do
Trabalho).
- Estas interrupções e intervalos previstos no n.º 2 são períodos que a lei qualifica e
inclui no tempo de trabalho, apesar de não ser trabalho efetivo. Em suma, é a Lei que
define o que é tempo de trabalho, sendo que da definição apresentada, podem existir
períodos de não trabalho.
- A segunda parte deste art.º 197/1 do CT vai mais além, pois diz que também é tempo
de trabalho o tempo que o trabalhador está disponível para trabalhar, de acordo com
o contrato, ou seja, é uma situação em que o trabalhador não executa a atividade, mas
tem de estar disponível para trabalhar, pelo que o trabalhador “não desfruta de um
estatuto (legal ou convencional) de indisponibilidade para trabalhar, não
beneficiando por isso de autonomia para gerir o seu próprio tempo”, de acordo com
o Sr. Professor Francisco Liberal Fernandes. Este tempo (chamado de tempo de
disponibilidade) tem colocado problemas de qualificação. A nossa Lei parece não
oferecer dúvidas do ponto de vista literal ao equipar o trabalho efetivo e as situações
em que ele permanece adstrito (quando o trabalhador está obrigado a estar disponível
para trabalhar quando exista essa obrigação de disponibilidade). No Direito
Comunitário, nomeadamente na Diretiva do tempo de trabalho, isto não é bem assim
e tem levantado problemas.
- A obrigação do registo dos tempos de trabalho é uma forma de controlo e garantia
do cumprimento das normas (art.º 202 do CT).
- O tempo de trabalho pode apresentar uma forma estática (os tempos de trabalho e
os tempos de descanso são constantes, i.e., sem variações) ou uma forma dinâmica
(o tempo de trabalho varia de acordo com as necessidades da empresa).

Filipe Schumacher e Joana Dias 69


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o Noção de período normal de trabalho (art.º 198 do CT):


- “O tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de
horas por dia e por semana”. Corresponde ao quantum temporal da prestação
devida pelo trabalhador.
- O período normal de trabalho é um período convencionado pelas partes, pelo que
a lei apenas fixa os limites máximos.
Portanto, no regime normal, as partes não podem ultrapassar os limites máximos
diários e semanais, na medida em que isso poria em causa os direitos ao repouso e a
um limite máximo da jornada de trabalho, direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados (art.º 59/1/d) da CRP).
Dentro desses limites a regra é a contratualização do tempo de trabalho, i.e., este
período tem um carácter voluntario e é fruto de um acordo entre as partes.
- Limites máximos do período normal de trabalho: oito horas diárias e quarenta
horas semanais (art.º 203/1 CT), podendo o teto máximo a respeitar pelas partes ser
inferior (art.º 203/4 CT).

o Noção de período de descanso (art.º 199 do CT):


- “Entende-se por período de descanso o que não seja tempo de trabalho”.
- Aqui, à semelhança do Direito Comunitário7, a lei usa um conceito bilateral: o tempo
ou é de trabalho ou é de descanso.
- Esse tempo de trabalho é definido pelas regras aplicadas ao CDT (Contrato de
Trabalho) e com os limites da lei, e o restante período é tempo de descaso.

o Dever de abstenção de contacto / Direito à desconexão (art.º 199-A do CT):


- Este art.º 199-A foi introduzido em 2021 pela Lei 83/2021, de 6/12, cuja lei modifica
o regime do teletrabalho. Apesar disso, este art.º 199-A não diz respeito só ao
teletrabalho, mas a todos os regimes de trabalho (é aplicável a todas as relações de
trabalho e formas de organização de trabalho).
- “O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de
descanso, ressalvadas as situações de força maior”. Logo, o empregador tem o dever
de se abster de contactar.
- O n.º 2 do mesmo artigo diz que “Constitui ação discriminatória, para os efeitos do
art.º 25, qualquer tratamento menos favorável dado a trabalhador, designadamente
em matéria de condições de trabalho e de progressão na carreira, pelo facto de
exercer o direito ao período de descanso, nos termos do número anterior”. Esta
norma destina-se, mais uma vez, a proteger o tempo de descanso. O Sr. Professor tem
dúvidas que na prática isso proteja efetivamente.

7
Este sistema binário adotado pelo legislador português resulta do DUE. Com efeito, resulta
(atualmente) da Diretiva 2003/88/CE.

Filipe Schumacher e Joana Dias 70


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o Horário de trabalho (art.º 200 do CT):


- “Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do
período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso
semanal”. Logo, quando se celebra um CDT, no horário deve estar fixado a hora de
entrada e de saída, bem como o intervalo para o almoço (i.e., o intervalo de
descanso). Depois também deve afixar o período de descanso semanal.
- Primeiro, entenda-se a importância do horário de trabalho, na medida que condiciona
a vida pessoal e familiar do trabalhador.
- A nossa Lei estabelece e fixa, à semelhança da Diretiva 2003/88, no art.º 203 do CT,
os períodos máximos de trabalho. No entanto, logo a seguir estabelece derrogações:
… Art.º 203/3 do CT: Períodos de tolerância, i.e., períodos de quinze minutos
que não podem ter caráter normal. É um período não remunerado, mas que se
prolonga às tais oito horas diárias.
… Art.º 203/2 do CT: Consagra uma regra/exceção permanente ao período
das oito horas diárias. Há muitas empresas que trabalham sete dias por semana.
Posto isto, a lei com esta norma faculta ao empregador a possibilidade de
empregar trabalhadores para substituir os trabalhadores que vão gozar o descanso
semanal. Permite, portanto, que o empregador contrate trabalhadores
exclusivamente para o fim mencionado (i.e., são contratados apenas para o fim
de substituir). A estes trabalhadores contratados nestas condições, o período
normal de trabalho deles pode ser de doze horas por dia. Mas só para esta
situação específica.
… Art.º 203/4 do CT: Os limites máximos do período normal de trabalho podem
ser reduzidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, não
podendo daí resultar diminuição da retribuição dos trabalhadores.
… Art.º 210 do CT: A lei admite que através de contratação coletiva este limite
de 8 horas seja ultrapassado para trabalhadores de entidades sem fins lucrativos,
ou para trabalhadores cujo trabalho seja acentuadamente intermitente ou de
simples presença.

Regimes de flexibilidade de organização do tempo de trabalho (art.º 204 e seguintes


do CT):
- A lei, a partir do código de 2003, criou formas flexíveis de trabalhar, i.e., modelos
de organização do tempo de trabalho que não segue o ritmo diário de 8/40.
Nota importante: são regimes em que não há aumento do período normal de trabalho,
ou seja, continua a valer a regra das quarenta semanais (em média num
determinado período de meses. Esta regra das 40 horas semanais que não podem ser
ultrapassadas avalia-se neste período mensal), o que o que se pode alterar são as
oito horas diárias, pelo que só essa regra deixa de valer nestas situações.

Filipe Schumacher e Joana Dias 71


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Falamos aqui de regimes que não implicam aumento do tempo de trabalho face ao
período normal de trabalho, mas em que a prestação de trabalho é muito mais
irregular, na medida em que a prestação pode variar por dia, e pode variar por
semana, mas no conjunto da aplicação desses regimes o trabalhador não faz, em
média, mais de quarenta horas por semana. É nesse período mensal que se tem em
conta as quarenta horas semanais.
- Para o empregador, estes regimes de flexibilidade são bons, já que tem a
possibilidade de responder aos picos da atividade, aumentando o tempo de trabalho,
sem aumentar os custos de tal, ou seja, sem aumentar os salários.
- Já para o trabalhador, por outro lado, há maior instabilidade, porque ele pode
trabalhar muito num dia e pouco no outro, sendo mais difícil conciliar com a vida
familiar. Contudo, diga-se que dentro do período de referência, como o trabalhador
não pode prestar mais do que o equivalente às quarenta horas por semana, o
trabalhador beneficia de tempo de descanso no tempo de trabalho que trabalhou em
excesso nas outras semanas, sendo remunerado.
- Regimes:
… Regime da adaptabilidade: É a possibilidade de o empregador adaptar o
tempo de trabalho às suas necessidades. Este regime pode ter por base:
- Um Instrumento de Regulação Coletiva (IRC) / Convenção coletiva
(ADAPTABILIDADE POR REGULAMENTAÇÃO COLETIVA):
Aplica-se a todos os trabalhadores subscritos por essa convenção coletiva.
O período normal é definido em termos médios e a semana pode atingir
até sessenta horas, o que significa que o trabalhador pode trabalhar numa
semana até sessenta horas, e as vinte horas a mais são descontadas nas
noutras semanas (porque, como já vimos, em média de um período mensal
não se podem ultrapassar as quarenta horas semanais).
- Uma fonte individual (ADAPTABILIDADE INDIVIDUAL POR
ACORDO INDIVIDUAL): Aplica-se individualmente e a duração
máxima é de cinquenta horas semanais, de modo a proteger a liberdade
individual trabalhador.
- Um sistema misto (ADAPTABILIDADE GRUPAL): É um regime que
se aplica a grupos de trabalhadores. Esta pode resultar da convenção
coletiva/adaptabilidade por IRC, i.e., a convenção coletiva pode prever o
regime da adaptabilidade grupal OU se aquele acordo da adaptabilidade
individual abranger 75% de uma determinada equipa, o empregador pode
aplicar adaptabilidade grupal aos outros 25%. A delimitação do grupo é
pré-fixada pelo empregador).
Nota: O art.º 207 do CT prevê que a aplicação deste regime está sujeita a um
período de referência, i.e., a lei impõe que as partes fixem o período de referência,
que pode ser de quatro meses, quinze dias, três meses, etc., mas há limites:
LIMITE DE DOZE MESES e na falta de convenção coletiva será de quatro meses.

Filipe Schumacher e Joana Dias 72


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… Banco de horas: Aqui, pode haver aumento do tempo de trabalho. PODE. O


banco de horas também pode resultar de convenção coletiva ou aplicar-se a
grupos. A lei previa, até 2019, o banco de horas individual, mas foi eliminado.
O banco de horas é a possibilidade de se verificar o aumento dos tempos normais
de trabalho, ainda que limitados pela lei (até mais quatro horas diárias, sessenta
semanais, ou duzentas anuais, que serão distribuídas de acordo com o fixado na
convenção coletiva). Banco de horas grupal foi instituído para determinados
grupos/secção/equipa.
Porque é que PODE haver aumento do tempo normal de trabalho? Porque a lei
admite várias possibilidades de compensação destas horas. O art.º 208/4 prevê que
estas podem ser compensadas de várias formas: redução equivalente do tempo de
trabalho; aumento do período de ferias; pagamento em dinheiro. Portanto, nestes
casos, considera-se que, na prática, não há aumento do tempo normal de trabalho
ao longo do período em que vigora este regime de banco de horas.

… Horário concertado: Aqui, o período normal pode ser aumentado até quatro
horas diárias. Mas a semana de trabalho será de quatro dias, ou, então, em
determinadas situações, pode ser alusivo a três dias – art.º 209/1/b) do CT.

Em suma: Todos estes regimes implicam o aumento diário ou aumento semanal,


i.e., implicam períodos mais extensos que o horário normal de trabalho. Por isso
é que existe uma norma tampão no art.º 211 do CT, que estabelece o limite
máximo da duração média do horário semanal. O legislador quer acautelar que
não haja períodos de trabalho excessivos que ultrapassem as quarenta e oito horas
em média.

o Elaboração do horário de trabalho (art.º 212 do CT):


- Retomando ao horário de trabalho, dada a importância do horário de trabalho para a
vida do trabalhador, o legislador nos termos do art.º 212 do CT, determinou que
compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador dentro
dos limites da lei. De acordo com este artigo, não há contratos sem horário, muito
embora a diretiva preveja a possibilidade de celebração de contratos sem determinar
o horário de trabalho.
- Estabelecem-se limites máximos, mas não limites mínimos, pelo que pode haver
contratos de trabalho com uma hora semanal, por exemplo.
- Alguns desses condicionamentos legais são:
… O período normal de trabalho que já vimos.
… O período de funcionamento.
… As exigências de segurança e saúde do trabalhador; as necessidades de
conciliação da vida pessoal/familiar com a atividade profissional (art.º 212/2).
… Consulta prévia das organizações dos trabalhadores (art.º 212/3).

Filipe Schumacher e Joana Dias 73


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- Note-se, porém, que muito embora a lei diga que compete ao empregador fixar o
horário, este tem de ser aceite pelo trabalhador. O empregador manifesta uma
proposta, sendo apenas a partir do momento em que há aceitação do trabalhador que
há vinculação de ambas as partes.

o Alteração do horário de trabalho (art.º 217 do CT):


- Segundo este artigo cabe à entidade empregadora alterar o horário de trabalho,
sendo que aqui não há qualquer limitação. Contudo, indica-se um procedimento
prévio, pois antes da alteração devem ser consultados os trabalhadores, e a associação
sindical. Agora, haja ou não concordância, o trabalhador não altera este poder
conferido pela lei ao empregador de ser ele a alterar, até radicalmente, o horário de
trabalho.

o Intervalo de descanso (art.º 213 do CT):


- A lei obriga a intervalo de descanso e que o período normal de trabalho TEM de ser
interrompido. Com este intervalo de descanso (ou “intervalo de almoço”) o que se
pretende é que o trabalhador não preste mais de seis horas consecutivas de trabalho,
e que no limite dessas seis horas tenha uma hora de descanso.
- A duração deste intervalo não deve ser inferior a uma hora nem superior a duas.

o Descanso diário (art.º 214 do CT):


- Diz respeito ao intervalo entre o fim do período normal de trabalho de um dia e o
início do período normal do dia seguinte. A Lei diz que devem ser, pelo menos, onze
horas seguidas, exceto para os que ocupem cargos de administração, quando o
período normal de trabalho é fracionado ao longo do dia, etc. (as exceções estão no
art.º 214/2 do CT).

o Mapa de horário de trabalho (art.º 215 e 216 do CT):


- Por questões de segurança, o horário de trabalho de cada trabalhador deve estar
fixado, havendo um mapa de trabalho o qual é um documento que deve ser de acesso
fácil e imediato por parte da inspeção. Portanto, quando há alteração do horário de
trabalho, devera ser alterado o mapa enunciado.

o Regime de isenção de horário de trabalho (art.º 218 do CT):


- A lei admite a celebração de CDT não sujeitos a horário de trabalho, i.e., que não
tem hora de entada e saída determinadas em três situações:
… Exercício de cargo de administração ou direção, ou de funções de confiança,
fiscalização ou apoio a titular desses cargos.

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… Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua


natureza, só possam ser efetuados fora dos limites do horário de trabalho.
… Teletrabalho e outros casos de exercício regular de catividade fora do
estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.
- Devolve ainda à contratação coletiva a possibilidade de esta estabelecer outras
situações de isenção de horário de trabalho, além destas três previsões legais. Assim,
a isenção não é do livre-arbítrio das partes, pelo que ou a isenção apenas vigora para
as situações do art.º 218 ou para as que a convenção coletiva fixar. Porquê? Porque
não se aplicam os limites das 8/40 horas.
- Outra possibilidade desta isenção é de as partes acordarem em não se sujeitarem aos
limites máximos do período normal de trabalho. Mas há limites, simplesmente há
flexibilidade. Para aqui não há limite máximo (art.º 219/1/a) do CT), pelo que pode
ser duvidoso que se aplique também a norma do art.º 211 do CT.
- Nota: Ver o art.º 265 do CT sobre a retribuição na isenção de horário de trabalho.

o Trabalho por turnos (art.º 220 e seguintes do CT):


- Situação em que o mesmo posto de trabalho é ocupado por vários trabalhadores,
sucessivamente. Nesse caso, a empresa recorre ao trabalho por turnos. Nesse caso,
se um trabalhador trabalha no turno da manhã, findo esse período cessa a sua atividade
e depois é retomada por outro.
- O regime de turnos pode ser de duas modalidades:
… Fixo (o trabalhador A faz o período de dia, sempre, o B o período da tarde,
sempre e o C o da noite, sempre) – não se levantam problemas.
… Rotativo (durante uma semana o A faz o período do dia, e na semana seguinte
o A já vai fazer o da noite. Note-se, porém, que a mudança de turnos tem de ser
precedida de descanso semanal).
Esta modalidade é a que coloca problemas, pois esta troca incessante tende a ser
mais desgastante, na medida que, além de o trabalho noturno ser por definição
mais exigente fisicamente e psicologicamente (ainda que a atividade seja a mesma
que a do turno do dia), acresce a mudança de horário pela rotação. Entre nós não
temos muitas normas contra isso.

o Trabalho noturno (art.º 223 a 225 do CT):


- O trabalho noturno é aquele que é prestado entre as dez noite e as sete da manhã do
dia seguinte (art.º 223/1 CT). Isto é assim quando o período noturno não é fixado por
convenção coletiva – Grande liberdade de delimitação do período noturno.
- A lei impõe que entre estas horas (do trabalho noturno) haja uma majoração coletiva
de 25% ou o equivalente em redução de tempo do trabalho.

Filipe Schumacher e Joana Dias 75


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- A lei impõe ainda que o período entre as 00h e as 5h00 seja SEMPRE trabalho
noturno, depois as outras horas podem ser colocadas antes das 00h e depois das 5h. A
lei protege o trabalho noturno precisamente por ser muito desgastante.
- A lei estabelece e limita o tempo de trabalho a oito horas por noite. Não permite que
os regimes de flexibilidade prolonguem o trabalho para além do período de oito horas
noturnas.

o Trabalho suplementar (art.º 226 e seguintes do CT):


- Este é outro instituto clássico (Convenção OIT 1919) e está previsto desde a previsão
do tempo de trabalho semanal. Este acompanhou sempre o período normal de
trabalho, pois quando o empregador precisava de mais horas tinha de recorrer
ao trabalho suplementar.
- O trabalho suplementar é o trabalho prestado fora do período normal de
trabalho. A lei limita a duração do trabalho suplementar por dia e por ano, e este
trabalho é remunerado, diferentemente dos regimes de flexibilidade que o trabalho
para além do período normal de trabalho não é remunerado, ainda que seja
compensado posteriormente. É pago nos termos do art.º 268 do CT.
- Entre nós, o trabalho suplementar é decidido unilateralmente pelo empregador e
há um dever de obediência por parte do trabalhador (“O trabalhador é obrigado
a realizar a prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos
atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa” – art.º 227/3 do CT).
- Este pode ser imposto por dois motivos determinados na lei, no art.º 227 do CT:
… Art.º 227/1 do CT: Razões normais de excesso de atividade, mas que não se
justifique a admissão de um novo trabalhador. Relativamente a este trabalho
suplementar a lei determina limites temporais (estes limites estão no art.º 228/1
do CT). Além destes limites, e posto o art.º 228 do CT, a lei admite o descanso
compensatório.
… Art.º 227/2 do CT: Por motivos de força maior ou quando seja indispensável
para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade
(esses motivos são excecionais, onde a lei não fixa limites).

o Descanso semanal (art.º 232 do CT):


- O trabalhador tem direito a pelo menos um dia de descanso por semana. O dia de
descanso semanal obrigatório pode deixar de ser o domingo nos casos numerados nas
alíneas do art.º 232/2 do CT.
- Assim, a lei só garante um dia de descanso semanal, mas também garante um dia de
descanso complementar, que tem de ser fixado pelas partes ou por convenção coletiva.
- A Lei, por força da Diretiva, impõe que às vinte e quatro horas do descanso semanal
se somem, de forma continuada, as onze horas do descanso diário.

Filipe Schumacher e Joana Dias 76


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Assim, além de a lei garantir que o trabalhador goze as vinte e quatro horas, ainda
garante que goze ininterruptamente as onze horas (antecedendo ou precedendo as
vinte e quatro do descanso semanal). Às onze horas de descanso diário tem de seguir
ou de anteceder o dia de descanso semanal (art.º 233/1 do CT).
- A lei, para os trabalhadores do art.º 233/3 do CT, não garante o gozo destas trinta e
cinco horas consecutivas (as vinte e quatro do descanso semanal + as onze do
descanso diário), mas esses têm direito a um período de descanso suficiente.

o Feriados (art.º 234 a 236 do CT):


- Os feriados são dias de descanso impostos por lei por motivos de carácter religioso
ou não, mas que o legislador entende que devem ser comemorados.
- A lei enumera um número de acontecimentos que o legislador entende que devem
ser comemorados, e nesses dias há uma obrigação de não trabalhar, ao qual acresce o
dever de encerrar a empresa por parte do empregador.
- Claro que as empresas que trabalham sete dias por semana estão isentas de encerrar.
- Os feriados podem ser obrigatórios (previstos no art.º 234 do CT) ou facultativos
(previstos no art.º 235 do CT).
Nota: Esta obrigatoriedade estende-se quer à existência, quer à data de observância
do dia dos feriados. Há, no entanto, uma exceção, que é o caso da Sexta-Feira Santa
que, apesar de também ser um feriado obrigatório, pode ser celebrado em outro dia
com significado local no período da Páscoa (é o único feriado obrigatório que é
flexível).
- O art.º 269/1 do Código do Trabalho prevê que o trabalhador deverá auferir
retribuição apesar de não prestar trabalho, não sendo permitido ao empregador
procurar compensar essa omissão com trabalho suplementar.

9. MODO DE PROTEÇÃO DA LABORALIDADE:


9.1 TUTELA DA PERSONALIDADE DO TRABALHADOR:
Até agora vimos as questões metodológicas, fontes, e (alguns dos) vínculos que podem
dar origem à proteção da laboralidade. Vamos agora falar do modo como essa proteção
se aplica, começando por aquele que é 1.º passo dessa proteção: reconhecimento da
personalidade do trabalhador.
A proteção legal ou jurídica da personalidade decorre da existência de uma
personalidade humana, cujas características o Direito repercute, como a essencialidade,
a inseparabilidade, a irrenunciabilidade, etc. Como é que se protege essa dimensão
humana no nosso ordenamento jurídico? Através de duas formas:
o DIREITOS FUNDAMENTAIS.
o DIREITOS DE PERSONALIDADE:

Filipe Schumacher e Joana Dias 77


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- Há vantagens associadas ao reconhecimento dos direitos de personalidade, em geral,


e no trabalho, porque podem ser mais amplos do que os direitos fundamentais, os
quais são previstos e pensados para uma proteção vertical, i.e., o indivíduo, face às
noções institucionais/estaduais, criando uma zona de inviolabilidade perante a
organização, social. Ao passo que os Direitos de Personalidade são de proteção de
uma pessoa face a outra que tem a mesma posição jurídica que a primeira.
- Assim pode haver mais Direitos de Personalidade que não sejam Direitos
Fundamentais, i.e., é possível alargar o leque com esta forma de proteção.
- Isto redunda na conclusão de que temos uma tutela multinível dos Direitos de
Personalidade porque se opera na CRP, no Código Civil, no Código Penal e no
Código do Trabalho:
… Na CRP, pois é possível conceber os direitos fundamentais como os
mecanismos de proteção dos direitos de personalidade, e proteger os mesmos bens
jurídicos através desse modo.
… No Código Civil. No que diz respeito à lei, temos como forma primeira de
proteção a conjugação de uma proteção geral (em que o objeto é a pessoa no seu
todo), com uma proteção descentralizada que diz respeito a aspetos parciais da
pessoa/da sua personalidade. Quanto ao art.º 70 do CC, este depois acrescenta uma
série de direitos especiais/parcelares de personalidade respeitantes a outros
aspetos da personalidade.
… No Código Penal também protege os direitos de personalidade através de uma
tutela descentralizada.
… O Código do Trabalho tem ele próprio também uma tutela descentralizada,
com o principal objetivo de reconhecimento da pessoa enquanto trabalhador.
Aliás, como nos diz João Leal Amado na sua obra Contrato de Trabalho, “o
trabalhador não é apenas um ser laborioso e produtivo […]; antes e mais do que
trabalhador, ele é uma pessoa e um cidadão”.
Já sabemos que a relação de trabalho é especial porque é uma relação de poder entre
iguais, havendo uma vulnerabilidade acrescida da pessoa enquanto está nessa relação, daí
a necessidade de haver atenção especial na proteção da personalidade dos
trabalhadores.
Essa especial atenção com a proteção da personalidade é nos dada nos art.º 14
e seguintes do CT, e que se ocupa da proteção da personalidade nas facetas que
se reportam à liberdade de expressão; integridade física e moral; proteção de dados
pessoais, proteção de dados biométricos, proteção perante exames médicos e
testes, vigilância à distância, confidencialidade de mensagens e acesso à
informação; etc.
Catálogo aberto, mas que recobre os aspetos fundamentais da proteção da
personalidade laboral. É sobre estes aspetos referidos que nos vamos debruçar.

Filipe Schumacher e Joana Dias 78


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Imperfeiçoes jurídicas neste catálogo:


o Primeiro aparece a proteção da liberdade de expressão e só depois é que se
reconhece a integridade física e moral;
o Esta regulamentação diz respeito, em muitos casos, à proteção do trabalhador e
do empregador, veja-se, desde logo, o art.º 14 do CT, onde encontramos uma
dessas situações.
Porque é que isto é objeto de crítica, se quanto mais proteção melhor? É objeto de
crítica porque no âmbito do contrato de trabalho o que se modifica para a pessoa
é o facto de ficar dependente de uma heterodeterminação alheia, i.e., alguém vai
poder fazer dispor do seu tempo e do seu espaço.
Ora, a modificação que acontece na esfera jurídica do trabalhador resulta da
celebração do contrato. O empregador, pelo facto de empregar alguém, não vê a
sua posição jurídica alterada, não tendo nenhuma compressão na sua liberdade e
na sua autodeterminação. O empregador por ter pessoas ao seu serviço não fica
mais vulnerabilizado. Ademais, ele já está protegido nos termos gerais, e a
proteção adicional do direito do trabalho é irrelevante para ele, daí que não faça
sentido esta chamada do empregador à tutela da personalidade laboral.

Nota: Neste elenco existem algumas sobreposições relativamente à tutela geral, o que
parece ser supérfluo relativamente ao CC, i.e., se já temos a proteção da tutela da reserva
da intimidade, porque é que vamos ter outra disposição no Código do Trabalho? O bem
jurídico é o mesmo, mas o que não é idêntico é a exposição a que o trabalho sujeita às
pessoas, e, portanto, faz sentido ter uma proteção no âmbito laboral.
Estamos meramente perante uma justaposição/complementaridade que se verifica entre
as formas de tutela. Claro que na falta de uma proteção específica recorremos à
proteção genérica.
A matéria dos direitos de personalidade aplica-se a todas as situações de subordinação,
às situações equiparadas, ao trabalho em funções públicas, e aos candidatos a
emprego: sempre que isso se justifique pela natureza do bem jurídico em causa. Portanto
é a matéria de mais largo espetro na aplicação do Direito do Trabalho.

Se virmos com atenção este elenco de bens jurídicos protegidos pelo direito, verificamos
que há aqui dois grupos de situações:
o Uma primeira forma de proteção que incide sobre aspetos gerais de convivência
social (liberdade expressão, integridade física, reserva da integridade da vida
privada).
o E depois um grupo de situações que podemos compreender porque se trata de
proteger o indivíduo face às potenciais agressões da utilização de tecnologias
no posto de trabalho (proteção que tem por objeto os dados pessoais, dados
biométricos, confidencialidade de mensagens, etc.).

Filipe Schumacher e Joana Dias 79


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A matéria dos direitos de personalidade verifica a necessidade de proteção da pessoa do


trabalhador e a consequente compressão dos poderes do empregador. Assim, o
empregador não pode utilizar qualquer meio que entenda.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OPINIÃO (art.º 14 do CT):


“É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do
pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do
empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal
funcionamento da empresa”.
É uma disposição que tem por objeto a proteção do trabalhador e do empregador, como
já foi referido.
Diz respeito sobretudo à liberdade de expressão e de opinião relativamente às
questões profissionais e laborais, sendo reconhecida no âmbito da empresa. Fora do
âmbito da empresa temos a proteção geral.
Esta questão da liberdade de expressão e de opinião tem sido muito debatida a propósito
das publicações em redes sociais, i.e., da expressão de opiniões e da revelação de factos
a partir das redes sociais.
Ora, evidentemente que os limites da liberdade de expressão e de opinião têm aqui, em
matéria laboral, a fronteira acrescida resultante de deveres específicos do trabalhador,
nomeadamente de um dever de lealdade que impede a revelação de factos e
informações atinentes à vida da empresa e que possam causar prejuízos ao
empregador – art.º 128/1/f) do CT. Está aqui uma primeira delimitação desta liberdade
de expressão e opinião, seja nas redes sociais ou qualquer outro lado.
Por outro lado, há também na questão das redes sociais que considerar a natureza da
publicação e a sua parametrização: a expectativa de reserva e confidencialidade que pode
existir. Veja-se que aquilo que dizemos numa conversa privada tem uma repercussão, ao
passo que o que dizemos publicamente tem outra. As expectativas de reserva de
confidencialidade dos destinatários da informação também são importantes para a
aferição dos limites da liberdade de expressão e opinião. As publicações privadas têm
uma sindicação menor do que as publicações com âmbito público.
Outra questão que se coloca neste contexto é a questão de denúncias feitas relativamente
à ilicitude de comportamentos/práticas laborais, por determinados trabalhadores que
tendem a ficar vulneráveis à atuação dos empregadores no sentido da cessação do
contrato. Isto foi particularmente discutido no âmbito da pandemia, e hoje há um estatuto
geral de proteção de “wistle blowing”, na sequência de uma diretiva comunitária.

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INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL (art.º 15 do CT):


O art.º 15 do CT não suscita grandes dificuldades e diz-nos que “O empregador, incluindo
as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva
integridade física e moral”.
Ora, qual o conteúdo útil/função mais relevante desta disposição no âmbito laboral? Há
muito que damos por adquirido que no ambiente laboral as pessoas gozam do seu direito
à integridade física e moral, então porque a formulação positiva desta norma? Porque ela
funciona como a cobertura axiológica para uma série de proteções específicas que
vamos encontrar, desde logo em matéria de saúde e segurança no Direito do
Trabalho: se é um direito de personalidade, a proteção da integridade física e moral, isso
faz com que a saúde e segurança no trabalho sejam uma obrigação a quem emprega só
pelo simples facto de haver esta disposição.
Também o reconhecimento desta integridade leva à proibição de todas as formas de
assédio/perseguição individual.
Em suma: Toda essa proteção descentralizada que encontramos no âmbito laboral tem
esta cobertura axiológica derivada do art.º 15 do CT.

PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS (art.º 17 e seguintes do CT):


Vamos iniciar a parte mais dirigida ao posto de trabalho digital, começando pela proteção
de dados. Porquê a proteção de dados? Porque é um aspeto transversal a todos as outras
formas de tutela descentralizada de personalidade.
Hoje, a proteção de dados é um direito profusamente regulamentado, e começou por
derivar da proteção da inviolabilidade da pessoa, tendo hoje um bem jurídico próprio e
que transcende essa dimensão da personalidade, sendo que, atualmente, quando
falamos na proteção de dados pensamos nas liberdades públicas e privadas, dignidade da
pessoa humana, direito à imagem, direito à palavra, e não só na proteção da reserva da
vida privada.
Conclui-se, assim, que há determinadas vertentes que se cruzam com a proteção de dados,
por isso não podemos inserir este direito como apenas uma manifestação da
intimidade da reserva da vida privada.

Eixos através dos quais a proteção de dados é protegida no DT:


o Dados biométricos (art.º 18 do CT).
o Exames médicos (art.º 19 do CT).
o Vigilância remota à distância (art.º 20 e 21 do CT).
o Confidencialidade de mensagens (art.º 22 do CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 81


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Nota: Isto é tendencial pois pode haver proteção de dados em qualquer outra forma
de tutela da personalidade, mas no essencial é aqui que as questões de proteção de
dados se encontram. Vamos analisar estes quatro de seguida.

Seja qual for a forma em que a proteção de dados avulte há sempre uma questão essencial
na sua base que percorre todos os direitos de personalidade: a tensão entre os poderes
do empregador (fiscalização e direção) e a tutela da personalidade → No fundo,
qualquer regulamentação da personalidade no ambiente laboral tem sempre
subjacente esta tensão, que pode ser agravada dado existirem vários aspetos da
personalidade que reclamam proteção em determinadas zonas, como são os meios de
vigilância à distância relativamente aos quais temos de acautelar a inviolabilidade pessoal
e todo o direito de proteção de dados que transcende essa zona.

Relativamente à proteção de dados temos o art.º 17 do CT8, que prevê que:

1 - O empregador não pode exigir a candidato a emprego OU a


trabalhador que preste informações relativas:
a) À sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias
e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à execução
do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respetiva
fundamentação;
b) À sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares
exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e
seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação.
2 - As informações previstas na alínea b) do número anterior são prestadas
a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou
não apto a desempenhar a atividade.
3 - O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido
informações de índole pessoal goza do direito ao controlo dos respetivos
dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que
se destinam, bem como exigir a sua retificação e atualização.
4 - Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para
tratamento de dados pessoais do candidato a emprego ou trabalhador
ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à proteção de dados pessoais.
5 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs
1 ou 2.

8
Este artigo tem de ser lido no enquadramento da proteção de dados em geral, nomeadamente
com RGPD e com a Lei 58/2019. Isto significa que no que diz respeito a este direito são garantidos
os direitos de acesso, cancelamento, retificação, bem como os direitos de portabilidade e
apagamento.

Filipe Schumacher e Joana Dias 82


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Da análise deste artigo compreendemos que a proteção se estende não apenas aos
trabalhadores, mas também aos candidatos a emprego, i.e., aos estados potenciais de
subordinação.
Trata duas categorias específicas de dados:
o Os relacionados com a vida privada, relativamente aos quais existe uma
proibição de tratamento, admitindo, no entanto, dentro dos limites da necessidade,
adequação e proporcionalidade, que alguns destes possam ser tratados.
Ademais, esse tratamento tem de obedecer a condições formais9 – fundamentação
por escrito da necessidade de tratamento do dado (sindicação do motivo); e
materiais – as informações sejam prestadas ao médico.
o Os de saúde e gravidez.

DADOS BIOMÉTRICOS (art.º 18 do CT e art.º 28 da Lei 58/2019):


O que é um dado biométrico? Todos temos e usamos equipamentos que nos pedem dados
biométricos (reconhecimento facial, impressão digital, leitura das iris, etc.). mas afinal
todos os dados biométricos são dados pessoais e, portanto, recobertos pela proteção
dispensada pelo RGPD? Não, nem todos os dados biométricos são dados pessoais, pois
só há dados pessoais se houver possibilidade de identificar o sujeito.
Estes tipos de dados estão ligados a características únicas da pessoa, estando presentes
em todas as pessoas e devem ser distintivos de cada um (universalidade e singularidade
dos dados biométricos).
Ora, há dados biométricos que são tão fragmentados em termos de composição identitária
que não permitem a identificação, visto que no processo de utilização dos dados
biométricos está sempre presente uma avaliação comparativa, i.e., há alguns aspetos da
nossa morfologia que são tomados para comparação com uma amostra, e,
verdadeiramente, o problema está na amostra e não nos nossos dados. Portanto, nesta
tipologia de dados, o que se passa é que algum aspeto individual (por exemplo os pontos
da impressão digital) são comparados com uma amostra prévia, sendo nessa mesma
amostra que pode estar o problema da proteção de dados pessoais.

Veja-se este exemplo: Quando há uma recolha microscópica, imagine-se que a nossa
impressão digital é considerada em quinze pontos e ela é comparada com uma amostra
completa da nossa impressão digital. Visto que a amostra permite a identificação do
individuo colocam-se problemas de dados pessoais.
Contudo, existem sistemas de leitura que apenas sensibilizam os pontos biométricos
determinados, e quando a amostra considera esses pontos não permite reconstituir a
impressão na sua totalidade. Claro que esses sistemas, para serem mais seguros, têm de
considerar mais pontos, o que enriquece a amostra, e, consequentemente se traduz numa
maior vulnerabilidade relativamente aos dados.

9
Sendo formalidade substantiva, caso não se verifique o tratamento dos dados é ilícito.

Filipe Schumacher e Joana Dias 83


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Características deste direito:


o Âmbito subjetivo: Tem como destinatários os trabalhadores e não os candidatos
a emprego, pois estes últimos não são controlados.
o Âmbito material: Dados recolhidos através de sistemas que se baseiam na análise
e mensuração de dados biológicos em comparação com uma amostra digital.
o É um direito disponível e passível de consentimento do trabalhador.
o A utilização deve ser acompanhada pela comissão de trabalhadores – art.º 18/4
CT.
o É um direito no qual o empregador só pode usar/exigir a utilização dos dados
até ao momento da permanência do trabalhador na empresa ou até a
cessação do CDT. Se o trabalhador for transferido, por exemplo, deixa de poder
ser usada a sua biometria, como também deixa a partir do momento em que cessa
o CDT (art.º 18/3 do CT).
o Art.º 28/6 da Lei 58/2019: “O tratamento de dados biométricos dos trabalhadores
só é considerado legítimo para controlo de assiduidade e para controlo de
acessos às instalações do empregador, devendo assegurar-se que apenas se
utilizem representações dos dados biométricos e que o respetivo processo de
recolha não permita a reversibilidade dos referidos dados”.
o Só é permitido se os dados a utilizar forem necessários, adequados e proporcionais
aos objetivos a atingir (art.º 18/2 do CT).
Como nos diz Teresa Coelho Moreira no Manual de Direito do Trabalho, “a
finalidade pretendida por parte dos empregadores na utilização deste tipo de
dados terá de assentar na necessidade de agilizar o cumprimento de um objetivo
que a lei reconhece integrar-se no âmbito dos seus poderes de controlo. Mas,
ainda assim, parece-nos que só em situações excecionais, nomeadamente de
segurança, se poderão instalar este tipo de sistemas”.
o O empregador só pode tratar dados biométricos do trabalhador após notificação à
Comissão Nacional de Proteção de Dados, notificação essa que deverá ser
acompanhada de parecer da comissão de trabalhadores ou, não estando este
disponível dez dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer.

TESTES E EXAMES MÉDICOS (art.º 19 do CT e art.º 29 da Lei 58/2019):


São categorias diferenciadas dos dados biométricos. A regulamentação geral impõe a
utilização da interface por um profissional de saúde e por aquele que procede ao seu
tratamento, bem como a salvaguarda do sigilo.
Como foi referido, ocupa-se deste bem jurídico, também, o art.º 19 do CT, o qual se dirige
também, além dos trabalhadores, aos candidatos a emprego, porque é no momento
da admissão em processo de recrutamento que os potenciais trabalhadores estão
vulneráveis, dado estarem dispostos a consentir a transgressões de maneira a ficar com o
emprego.

Filipe Schumacher e Joana Dias 84


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O campo de aplicação objetiva são as informações:


o Médicas: os testes podem ser de natureza preventiva ou curativa, portanto são
testes que produzem informações sensíveis em qualquer um dos casos. Neste
sentido a expressão “informações médicas” evidencia essa amplitude de natureza
dos testes.
o Genéticas.
o Psicologia clínica: porque só a psicologia clínica? Porque a área da psicologia
que não se destina a terapêutica individual e que nada tem a ver com o estado de
saúde individual não é sequer passível de exigência por parte do empregador no
sentido de obter essas informações.

O art.º 19/1 prevê que “O empregador não pode para efeitos de admissão ou
permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização
ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação
das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção
e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes
à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao
candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação” (proibição relativa).

Já o art.º 19/2 prevê um princípio de proibição absoluta (não há exceções): proteção


absoluta de exigência de testes e exames médicos para a gravidez. Contudo, existem
funções que não só não devem ser desempenhadas por grávidas, como não podem ser
desempenhadas por grávidas, pois, essas atividades podem prejudicar a função genética.
Assim, esta proibição salvaguarda as disposições relativas à saúde e segurança no
trabalho.
Note-se que essa salvaguarda não afeta o princípio, porque aliás quando há ofertas de
emprego para esse tipo de postos de trabalho tem de ser ressalvada a sua perigosidade e
risco para o seu desempenho por mulheres grávidas, e por mulheres que pensam em
engravidar. Também aqui existe o requisito formal de fundamentação escrita e a
necessidade de que a informação seja prestada a médico.

Ou seja, a proibição de exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização


ou apresentação de testes ou exames médicos do art.º 19/1 do CT comporta duas
exceções, por isso é que dissemos que era uma proibição relativa:
o A necessidade de aferir a capacidade física dos trabalhadores em função da
sua proteção ou de terceiros – razões subjetivas ou individuais como a
necessidade de proteção em matéria de saúde do próprio e de 3.º, por exemplo a
afetação a postos de trabalho de risco, de trabalhadores sem robustez física
necessária.

Filipe Schumacher e Joana Dias 85


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o Ou particulares exigências inerentes à atividade que o justifiquem – razões


objetivas. Neste segundo caso podemos incluir situações como a proteção em
função de segurança de instalações ou de vulnerabilidade perante assaltos.

Nota: No caso do art.º 19/1 do CT para que as exceções se apliquem, estamos dependentes
de exigências formais, i.e., não basta que o teste ou exame médico seja necessário para
comprovar a aptidão do trabalhador ao posto. É preciso ainda o preenchimento de
condição formal que é a fundamentação escrita que o empregador tem de entregar
ao trabalhador.
Todavia, para salvaguarda da inviolabilidade do indivíduo, o médico, seja médico interno
da empresa ou externo, responsável pelos exames médicos só pode comunicar ao
empregador se o trabalhador está apto ou não à realização da atividade, i.e., a
conclusão a que chega, e não o teste ou exame.

MEIOS DE VIGILÂNCIA (art.º 20 e 21 do CT):


Os meios de vigilância à distância são heterogéneos, compreendendo as:
o Situações de videovigilância.
o Serviços de geolocalização inseridos nos smartphones ou tablets, visto que estes
possuem serviços de GPS, “permitindo obter um panorama íntimo dos hábitos e
padrões […] e podem elaborar extensos perfis” (Teresa Coelho Moreira em
“Direito do Trabalho”), permitindo um controlo constante e remoto.
o Todos os outros meios que permitem a observação distanciada por alguém, como
é o caso do …
… Software instalado nos computadores e que permite o controlo e a
avaliação do tempo de permanência em determinadas aplicações.
… Drones.
… Sensores de cadeira.
… Placas identificativas com chips incorporados e que permitem
reconstituir o percurso dos trabalhadores pela empresa.
O art.º 28 da Lei 58/2019 diz que “As imagens gravadas e outros dados pessoais
registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de
vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só
podem ser utilizados no âmbito do processo penal”. Portanto há uma equiparação da
responsabilidade disciplinar à responsabilidade penal.

Filipe Schumacher e Joana Dias 86


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O âmbito subjetivo do art.º 21 do CT é o trabalhador.


O art.º 21 aplica-se a qualquer forma de controlo ou fiscalização à distância através de
equipamentos tecnológicos, e que implica, necessariamente, distanciamento entre
trabalhador e empregador.
A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita
obrigatoriamente a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (art.º 21/1
CT).
Limites: A autorização só pode ser concedida em caso de necessidade, adequação e
proporcionalidade (art.º 21/2 do CT).
O art.º 20/1 prevê a impossibilidade de o empregador utilizar meios de vigilância à
distância para controlar o desempenho do empregador.
De acordo com o art.º 20/2 do CT existem duas exceções a esta proibição (i.e., a utilização
de meios de vigilância é lícita nestas duas situações):
o Proteção de pessoas e bens (caso dos bancos).
o Particulares exigências inerentes à natureza da atividade, i.e., atividades que
exigem monitorização das instalações ou do fluxo de atividade desenvolvida,
como é o caso da polícia, ou das atividades de policiamento em geral.

No entanto, existem algumas condições para que estas exceções sejam lícitas:
boa-fé contratual. O trabalhador não pode ser apanhado desprevenido. Deste modo
o empregador deve comunicar/informar o trabalhador acerca da existência e
finalidade dos meios utilizados (art.º 20/3 do CT).
Este direito é disponível através do consentimento do trabalhador, o qual deve ser livre,
esclarecido e atual.
Atenção: A redação do art.º 21 do CT não está atualizada, porquanto mantém no número
1 a referência a autorização da comissão de proteção de dados que desapareceu com o
RGPD.
Nós temos já muitos acórdãos sobre videovigilância, e a jurisprudência reflete a evolução
técnica dos equipamentos. Note-se que o diferente entendimento nos acórdãos resulta do
faco de os primeiros equipamentos não terem capacidade de armazenamento de dados, e
atualmente já terem.
Ora bem, o que é certo é que dentro da disponibilidade do direito temos de considerar
duas situações distintas:
o Se a vigilância é feita através de equipamentos da empresa (GPS do carro da
empresa).
o Ou se é feito através dos próprios equipamentos do trabalhador (quando lhe é
exigido que descarregue aplicações nos seus equipamentos pessoais, os quais
servem para vigiar o seu desempenho profissional).

Filipe Schumacher e Joana Dias 87


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Porque é que são diferentes? Porque se a vigilância é operada através de equipamentos


da empresa basta a informação, mas se é exigido que faça ele a descarga da aplicação,
isso significa que ele está a conferir ao empregador um verdadeiro e próprio direito de
agressão aos seus direitos de personalidade, e para isso não basta a mera informação: é
necessário o consentimento autorizante.
A par da jurisprudência nacional que acompanhou a evolução técnica, temos de ter em
conta a jurisprudência do TEDH, que se tem pronunciado por diversas vezes com
acordos marcantes sobre estas questões:
o Particular interesse tem o Acórdão Antovic and Mirovic – a vida privada pode
incluir atividades profissionais, reconhecendo uma esfera pessoal de trabalho.
o Acórdão Lopes Ribalda I e II. Em primeira instância decidiu de uma forma mais
favorável/exigente relativamente aos direitos das trabalhadoras e depois reverteu
essa decisão em recurso.
Importa mencionar três Acórdãos nacionais do Tribunal da Relação do Porto, de
26/06/2017, de 5/03/2018 e de 23/04/2018, que admitiram a “possibilidade de utilização
de imagens captadas por sistemas de videovigilância como meio de prova em processo
disciplinar”.
Por fim, como é mencionado no manual “Direito do Trabalho”, na utilização destes meios
têm de se considerar três princípios: o princípio da finalidade legítima, o princípio da
proporcionalidade e o princípio da transparência informativa.

CONFIDÊNCIALIDADE DAS MENSAGENS E DE ACESSO À INFORMAÇÃO


(art.º 22 do CT):
Âmbito subjetivo é o trabalhador (art.º 22/1 do CT). Âmbito objetivo é a reserva e
confidencialidade de mensagens pessoais e consulta e acesso a informação de carácter
não profissional. Não apenas mensagens eletrónicas. Ou seja, protege a comunicabilidade
do trabalhador por via eletrónica e física10. Este é um direito disponível.
O art.º 22/2 elenca alguns limites a este direito do trabalhador: “O disposto no número
anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos
meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrónico”.
Violação do direito: eventual responsabilidade penal e consequências laborais (resolução
do contrato por justa causa), o que dá direito a uma indemnização ao trabalhador.
Veja-se, no entanto, que a violação do direito pode acontecer por outros trabalhadores.
Evidentemente que temos a proteção de âmbito geral do art.º 483 CC, acrescida da
proteção legal do art.º 70 CC, mas há também repercussões laborais, pois existe um
comportamento infracional do trabalhador que procede à violação do direito. Se o
empregador for conivente ou não acionar os mecanismos normais de responsabilidade
então ele é objetivamente responsável também – responsabilidade disciplinar do lesante

10
Mensagens escritas e entregues por uma folha de papel estão aqui contempladas.

Filipe Schumacher e Joana Dias 88


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

e eventual responsabilidade objetiva do empregador. Se não houver culpa do empregador


a responsabilidade é extracontratual exclusiva do lesante.
O CT tem um processo especial de agilização da tutela da personalidade e a Carta
Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital também tem algumas incidências nesta
matéria – art.º 8 da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, que não
introduz novidade ao já contemplado nos artigos do CT.

9.2 IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO:


Continuamos no âmbito da tutela da personalidade. Esta matéria é uma área que
rapidamente se transformou num quase sub-ramo do Direito. É uma área em que o Direito
do Trabalho conseguiu disputar muitos dos conceitos consagrados no âmbito do Direito
Civil. No entanto, do ponto de vista jurídico, a efetividade deste direito é complexa e,
sobretudo, evolutiva, visto que aquilo que hoje nos satisfaz nos parâmetros da igualdade
não é seguramente o que nos satisfará amanhã.
Enquadramento legal da igualdade e não discriminação no Direito da União
Europeia (DUE):

o Além da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o DUE tem uma
série de diretivas voltadas para a firmação do princípio da igualdade e não
discriminação11:
- DIRECTIVA 2006/54/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO
CONSELHO, de 5 de julho de 2006 relativa à aplicação do princípio da igualdade
de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios
ligados ao emprego e à atividade profissional (reformulação).

- DIRECTIVA 2000/78/CE DO CONSELHO, de 27 de novembro de 2000, que


estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade
profissional.

- DIRECTIVA 2000/43/CE DO CONSELHO, de 29 de junho de 2000, que aplica


o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem
racial ou étnica.

o Quando falamos de igualdade e não discriminação temos de falar no papel


fundamental da jurisprudência do TJUE, na medida em que muitos dos progressos
feitos neste domínio devem-se a esta jurisprudência arrojada do TJUE.

11
Como se sabe, as preocupações sociais não foram um objetivo primeiro dos tratados
constitutivos da comunidade europeia, mas apesar dessa ausência de preocupações sociais a
matéria da igualdade e não discriminação esteve sempre presente, pois desta poderiam
resultar distorções às trocas de mercado e das relações de concorrência. A proteção deste
princípio tem uma finalidade comercial, que depois se autonomizou e se transformou no
complexo normativo que hoje temos.

Filipe Schumacher e Joana Dias 89


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Enquadramento legal no ordenamento jurídico nacional:

o Tudo começa no art.º 13 da CRP:

1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de


qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas,
instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

o Este art.º 13 da CRP tem, depois, inúmeras derivações, algumas também de âmbito
laboral. No que ao trabalho diz respeito, temos a subsecção III do CT que se inicia
do art.º 23 do Código do Trabalho. Temos ainda a o Regime do Contrato de
Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014, de 20/06).

- A regulamentação relativa à igualdade e não discriminação no Código do


Trabalho cobre todas as relações de trabalho dependente, no emprego público e
emprego privado, bem como, por força do art.º 10, as situações equiparadas (sem
subordinação jurídica, mas com dependência económica).

- O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas cobre os serviços de


administração direta e indireta do Estado.

Organização sistemática deste complexo conjunto de normas:

Podemos reconhecer a tutela da não discriminação em geral, a que se soma uma tutela
da não discriminação em função do género (que, aliás, foi onde tudo começou) e uma
tutela da não discriminação em função da deficiência e da capacidade de trabalho.

Portanto, temos um regime geral completado por dois regimes especiais.


Evidentemente que a tutela geral se estende, apesar da tutela descentralizada, em tudo
aquilo que não esteja previsto e regulado nessa mesma tutela descentralizada.

Filipe Schumacher e Joana Dias 90


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

*No que diz respeito à proteção da igualdade em matéria de género há ainda um


subconjunto normativo que cada vez ganha mais relevo que é o relativo à tutela da
parentalidade que se iniciou, também ele, com a finalidade de corrigir o desfavor laboral
que representava a maternidade para as mulheres, que se viam muitas vezes obrigadas a
interromper a carreira, a perder chances de progressão da carreira, etc., e que hoje tem
uma proteção mais alargada e que, obviamente, transcende esta finalidade inicial, mas
que continua a ser um recurso muito importante para a efetivação da igualdade de género.

Disposições gerais da igualdade e não discriminação no Código do Trabalho:


o No art.º 23 do CT temos um conjunto de definições importantes em matéria de
igualdade e não discriminação, tais como: discriminação direta, discriminação
indireta, trabalho igual e trabalho de valor igual.
o O art.º 24 do CT preocupa-se com o direito à igualdade de oportunidades e de
tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais
e às condições de trabalho – disposição que tem como destinatários tanto os
trabalhadores como os candidatos a empego.
o O art.º 25 do CT estabelece a proibição de discriminação (“O empregador não pode
praticar qualquer discriminação, direta ou indireta”).
o O art.º 26 do CT determina o destino das regras contrárias à igualdade e não
discriminação (“A disposição (…) que respeite especificamente a trabalhadores de
um dos sexos considera-se aplicável a ambos os sexos”).
o O art.º 27 do CT legitima as medidas de ação positiva, que dantes eram referidas por
discriminações positivas (“medida legislativa de duração limitada que beneficia
certo grupo, desfavorecido em função de fator de discriminação”).
o O art.º 28 do CT determina a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais
resultantes de atos discriminatórios (sanção para a igualdade e não discriminação).

Ora, o art.º 24 do CT encerra o elenco aberto12 dos principais fatores discriminatórios:


Ascendência; Idade; Sexo; Orientação sexual; Identidade de género; Estado civil;
Situação familiar; Situação económica; Instrução; Origem ou condição social;
Património genético; Capacidade de trabalho reduzida; Deficiência; Doença crónica;
Nacionalidade; Origem étnica ou raça; Território de origem; Língua; Religião;
Convicções políticas ou ideológicas; Filiação sindical.
Pelo contrário, no DUE, o elenco dos fatores discriminatórios é taxativo: Género
(Diretiva 2006/54/CE), Origem racial ou étnica (Diretiva 2000/43/CE), Religião ou
convicções (Diretiva 2000/78/CE), Idade13 (Diretiva 2000/78/CE), Deficiência (Diretiva
2000/78/CE) e Orientação sexual (Diretiva 2000/78/CE).

12
O elenco é aberto, porque a evolução e complexificação das relações sociais faz
surgir novos fatores discriminatórios. Hoje, nos EUA, discute-se a questão da
discriminação em função da aparência física.
13
A idade é o mais recente fator a entrar nas preocupações da União por força do inverso
demográfico europeu. Quando falamos em discriminação em função da idade pensamos
sobretudo na discriminação de que são alvo os trabalhadores mais idosos.

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Nota: Porque é que esta situação típica da igualdade se impõe como imperativo
ideológico? Porque é a única forma de reconhecimento da dignidade da pessoa.

Mas, afinal, de que é que falamos quando falamos de igualdade e não discriminação?
Falamos, do ponto de vista jurídico, de uma COMPARAÇÃO, i.e., para chegarmos à
conclusão que existe discriminação temos de comparar uma situação ideal (situação
em que não existiriam os fatores de discriminação que criam juízos antes da
consideração da pessoa em si) com uma situação real (situação presente que temos à
nossa frente).

No entanto, isto é uma operação jurídica muito difícil porque:


o É difícil definir o que é a situação ideal;
o Para fazermos esta comparação temos de fazer apelo ao património
civilizacional, na medida em que, do ponto de vista naturalístico, o primeiro
impulso do Ser Humano é não aceitar o que é diferente. Ora, o Direito corrige
o naturalístico dizendo que temos de ultrapassar essa tendência através de uma
igualitarização das situações.
o Essa situação ideal típica evolui muito rapidamente tendo em conta as
conceções sociais.

Quando realizamos a comparação referida anteriormente podemos chegar a três


resultados:
o Se a situação ideal típica (dever ser) é uma situação melhor que a situação
concreta que temos à nossa frente (ser) (i.e., a situação real fica aquém do nosso
padrão de exigência) → DISCRIMINAÇÃO.
o Se a situação ideal típica é menos satisfatória do que a situação concreta →
DIFERENCIAÇÃO SEM CARGA NEGATIVA ASSOCIDADA, PELO QUE É
TOLERADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO (a situação concreta é melhor do
que a ideal).
o Se a situação ideal típica e a situação concreta são iguais → IGUALDADE.

Nota: O termo comparativo não é difícil na situação concreta, mas sim na situação ideal.
Mormente, é no desenho dessa situação ideal que confluem todos os parâmetros da
proteção multinivelada.

Modalidades de discriminação:

o Discriminação direta: Situações em que há um tratamento menos favorável do


que aquele que é conferido (ou que tenha sido ou que ainda venha a ser dado) a
outra pessoa (p.e., dizer que não são aceites mulheres nos cargos de chefia).

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o Discriminação indireta: Discriminação que resulta da colocação de alguém


numa situação de desvantagem, não porque haja um tratamento menos favorável
imediato, mas porque há uma prática aparentemente neutra, mas que conduz
àquele resultado desvantajoso (p.e., suponhamos que determinada organização
não quer que mulheres acedam a cargos de chefia. Ora bem, então se
determinada organização não quer as mulheres nesses cargos de direção, e sabe
que a maior parte das mulheres com possibilidades de atingir esses cargos
trabalham a tempo parcial, exige, por hipótese, o tempo completo como requisito
de admissibilidade. A exigência de tempo completo é aparentemente neutra, que
não visa, à 1.ª vista, qualquer determinado grupo e que pode ser formalmente
justificado. No entanto, este critério aparentemente neutro vai ser
instrumentalizado para obtenção de um resultado discriminatório, dando lugar
assim a discriminação indireta).

Esta situação foi até objeto de pronuncia pelo TJUE por diversas vezes, que julgou
que os contratos de trabalho a tempo parcial de per si são neutros, mas podem ser
instrumentalizados para discriminação em função do género.

A discriminação indireta é uma discriminação muito mais difícil de descobrir, mas


mais frequente. A modalidade de discriminação direita não é tão corrente, embora
ainda exista.

Nota: Além destas normas relativas à tutela geral, temos uma secção relativa à não
discriminação em função do género no acesso ao emprego, atividade profissional e
formação no art.º 30; igualdade de condições de trabalho no art.º 31; registo de processos
de recrutamento com a finalidade de sindicalizar estes processos em matéria de igualdade
e não discriminação no art.º 32.

Instrumentos de efetivação da igualdade e não discriminação:

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o Instrumentos de proteção imediata: Visam combater a discriminação seja de forma


preventiva, seja de forma corretiva ou repressiva.

o Forma Preventiva: Atuam antes da ocorrência de situações discriminatórias.

- Invalidade das cláusulas de IRC ou de regulamento de empresa contrárias


ao princípio da igualdade (art.º 26/1 e 2 do CT).

- Medidas de ação positiva (art.º 27 do CT). Do ponto de vista social e até


político a principal medida de ação positiva que nos aparece referida é
sempre a questão das quotas. O que é essencial para a licitude destas
medidas é o seu caráter temporário, não se podendo transformar em
medidas estruturais, o que significa que o CT aceita o estabelecimento de
quotas.

- Registo de processos de recrutamento (art.º 32 do CT).

o Forma Corretiva ou Repressiva: Instrumentos chamados a atuar depois de


verificada a situação discriminatória.

- Inversão do ónus da prova (art.º 25/5 e 6 do CT), i.e., suponhamos que o


trabalhador A se sente discriminado relativamente a B e a C no acesso a
determinado concurso. O que é que acontece? Se não houvesse a
disposição do art.º 25, A teria de invocar e provar a discriminação, porque
é ele quem alega o direito. Isso pode revelar-se impossível porque os factos
podem estar na esfera jurídica pessoal de B e C, sendo inacessíveis a A,
nomeadamente por uma questão de proteção de dados. Portanto, o
estabelecimento do direito sem esta norma acaba por ter escassa utilidade.
Ora, o art.º 25 diz que o A não tem de fazer essa prova integral apesar de
invocar o direito, bastando-lhe indicar as situações relativamente às quais
se considera discriminado.
Portanto, na sua invocação vai dizer que se sente discriminado no concurso
relativamente a B e C e este é o fundamento. O empregador, perante isto,
vai ter de provar que a diferença de tratamento eventualmente existente
entre A, B e C não advém de discriminação. O empregador tem de provar
que B e C foram admitidos e A não, e que a diferença de tratamento não
assenta em fatores de discriminação. O empregador fica com a prova de
inexistência de discriminação (prova de facto negativo). Denote-se que
não é uma inversão total do ónus da prova porque A continua a ter de
indicar as posições jurídicas relativamente às quais se acha discriminado.
É indispensável que ele tenha esse encargo, porque é através desse encargo
que ele identifica e delimita o âmbito da discriminação.

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- Proteção contra atos retaliatórios (art.º 25/7 do CT): Invalidade dos atos
de retaliação que prejudiquem o trabalhador. Qualquer ato que tenha uma
incidência desfavorável da esfera jurídica do trabalhador por rejeição ou
submissão a ato discriminatório é invalido. É uma nulidade.

- Indeminização (art.º 28 do CT): Ora, se a discriminação afeta a dignidade


pessoal (afeta um bem jurídico da personalidade) ela constitui um facto
ilícito culposo, gerador de responsabilidade extracontratual nos termos
gerais do art.º 483 do CC, gerando obrigação de indemnização. Esta
indemnização vem reforçada no art.º 28 do CT.

- Resolução do contrato (art.º 394/2/f) do CT): No âmbito laboral a


ilicitude dos atos dá direito ao trabalhador atingido de resolver o contrato
com justa causa (ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou
dignidade do trabalhador, prática de assédio denunciada ao serviço com
competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu
representante).

o Instrumentos de proteção lateral: Instrumentos que prosseguem outras finalidades,


mas que também servem para corrigir estas situações discriminatórias.

- Tutela da parentalidade (art.º 33 e seguintes): Esta tutela não foi criada apenas
com o fim de corrigir situações discriminatórias. Há muito que tem outras
finalidades como a “proteção de valores sociais iminentes” da organização social.

- Proteção contra despedimento de “trabalhadoras grávidas, puérperas e


lactantes” (art.º 63 e 356/ 2 do CT).

- Presunção de que o despedimento ou sanção disciplinar é abusivo no ano


subsequente a reclamação ou exercício de direito relativo a igualdade e não
discriminação (art.º 331/2/b) do CT).

- Obrigação de o empregador comunicar o motivo de não renovação do contrato


de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante (art.º 144/3 do CT).
- Proteção de trabalhadores vítimas de violência doméstica (art.º 166 e 195 do
CT).

- Tutela contra o assédio sexual e moral (art.º 29 do CT): Esta opera-se por dois
instrumentos: transição para o regime de teletrabalho e transferência temporária
ou definitiva do local de trabalho.

Filipe Schumacher e Joana Dias 95


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Discriminação com base na deficiência:

o Decisão do Conselho de 26 de novembro de 200914 (2010/48/CE), relativa à


celebração, pela Comunidade Europeia, da Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, que entre outras medidas levou à adoção do
legislador português da figura dos maiores acompanhados, porque o regime
anterior era discrepante com esta decisão e a Convenção das NU.

o No nosso quadro normativo nacional, no Código do Trabalho, temos os art.º 85 e


seguintes, sendo que no art.º 85 se estabelece os princípios gerais quanto ao emprego
de trabalhador com deficiência ou doença crónica (princípio de equiparação de
tratamento): “O trabalhador com deficiência ou doença crónica é titular dos mesmos
direitos e está adstrito aos mesmos deveres dos demais trabalhadores no acesso ao
emprego, à formação, promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho,
sem prejuízo das especificidades inerentes à sua situação.

O Estado deve estimular e apoiar a ação do empregador na contratação de


trabalhador com deficiência ou doença crónica e na sua readaptação profissional”.

o A tutela da discriminação com base na deficiência é completável pela Lei 46/2006 de


28 de agosto, que:
- No seu art.º 5 prevê esta discriminação.

- No seu art.º 6 contém uma norma muito semelhante àquela que vimos
relativamente à inversão do ónus da prova (“Cabe a quem alegar a
discriminação em razão da deficiência fundamentá-la, apresentando elementos
de facto suscetíveis de a indiciarem, incumbindo à outra parte provar que as
diferenças de tratamento não assentam em nenhum dos fatores indicados nos art.º
4 e 5”).
- Também estabelece o direito a indemnização (art.º 7) (“A prática de qualquer
ato discriminatório contra pessoa com deficiência confere-lhe o direito a uma
indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais”).
o Mais se indica que é no âmbito da proteção do emprego das pessoas com
capacidade diminuída, que é estabelecido, no DL 29/2001 de 3 de fevereiro, um
sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência (art.º 3 deste DL). É
um sistema que até hoje não teve cabal efetivação. Há tentativas de cumprimento, mas
são bastantes limitadas.

14
O art.º 2 prevê que “«Discriminação com base na deficiência» designa qualquer distinção,
exclusão ou restrição com base na deficiência que tenha como objetivo ou efeito impedir ou
anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade com os outros, de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, económico, social, cultural,
civil ou de qualquer outra natureza. Inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação
de adaptações razoáveis”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 96


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Assédio:

Esta é uma figura que tem um regime próprio e que, evidentemente, beneficia da proteção
multinível dos instrumentos normativos (CRP → Direitos Fundamentais; Código Penal
e Código Civil → Direito de Personalidade; Código do Trabalho → Direitos de
Personalidade do Trabalhador).

o De acordo com o art.º 29/1 do CT “É proibida a prática de assédio”.


o O art.º 29/2 diz que se entende por assédio: “O comportamento indesejado
nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso
ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o
objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou
de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou
desestabilizador”.
o O art.º 29/3 diz-nos que “Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de
carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito
referido no número anterior”.

Nota: Evidentemente que o art.º 29 circunscreve essa repressão ao âmbito laboral. As


situações de assédio fora do campo laboral têm outro regime.

Ora, isto quer dizer que o art.º 29 do CT reprime duas formas de assédio: o moral e o
sexual. Estas duas noções, aparentemente cobertas na mesma definição do art.º 29/2, são
distintas e têm duas realidades diferenciadas:

Ora, os traços comuns são o caráter indesejado e o constrangimento/perturbação da


pessoa atingida.

o No assédio moral o que se verifica é uma prática reiterada de atos com vista a
isolar/constranger a pessoa atingida, por exemplo com o objetivo de que ela
resolva o contrato. É, portanto, uma prática estratégica.
Denote-se que essa prática estratégica pode ser feita através de atos legais, como
ordens legítimas, por exemplo, tarefas menores ou esvaziadas de conteúdo útil,
mas que vêm através de instruções aparentemente lícitas, o que torna muito difícil
o seu reconhecimento.
O assédio moral tem uma tutela laboral, contraordenacional e civil.

o No caso do assédio sexual a pratica é diferente, porque não existe esta estratégica
continuada que vemos acontece no assédio moral. Na verdade, basta um só ato
para ser considerado assédio sexual, ao passo que o assédio moral não se consuma
apenas com um ato. Claro está que haverá situações de assédio sexual em que
haverá muito mais do que um ato, mas não é necessário para o reconhecimento do
assédio sexual a pratica reiterada.

Filipe Schumacher e Joana Dias 97


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O assédio sexual tem uma tutela laboral, contraordenacional, civil e ainda tem
uma tutela penal. A criminalização do assédio sexual faz-se através dos crimes
de importunação e coação sexual.
Onde as coisas se complicam no reconhecimento é na evolução do assédio sexual
para o moral. As rejeições dos avanços de natureza sexual levam a condutas que
chegam à noção de assédio moral. Então, temos o reconhecimento dificultado,
porque se misturam as duas realidades.
Nota: O assédio faz parte de uma esfera mais ampla de patologias da relação de trabalho,
que genericamente a OIT designa de violência no trabalho.

O assédio tem várias modalidades:


o Quanto à relação entre o agente e a vítima, que advém de posições
diferenciadas na cadeia hierárquica: vertical descendente (forma mais
frequente. Aqui o assédio é exercido de cima para baixo ao longo da cadeia
hierárquica, porque é a forma típica de tentar alcançar a resolução do contrato
pelo trabalhador); vertical ascendente (inversão no sentido da cadeia
hierárquica, por exemplo há casos quando há uma nova chefia num
determinado setor, os trabalhadores juntam-se para “lhe fazer a vida negra” de
modo que o novo chefe desista).
No assédio vertical temos a violação de direitos de personalidade (dignidade,
integridade física e moral – art.º 18 da CRP); violação do princípio da boa-fé
na execução do contrato (art.º 119 do CT); violação da obrigação de
proporcionar boa condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como
moral (art.º 120 do CT).

o As vezes o assédio não advém das posições diferenciadas na cadeia


hierárquica, mas no mesmo grau: assédio horizontal, i.e., praticado por
pares.

No assédio horizontal temos a violação de direitos de personalidade


(dignidade, integridade física e moral – art.º 18 da CRP); violação do princípio
da boa-fé na execução do contrato (art.º 119 do CT); violação do dever de
respeito para com outros trabalhadores (art.º 120-A do CT).

o Finalmente, pode combinar-se isto tudo: assédio combinado.

Filipe Schumacher e Joana Dias 98


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Nota: Do ponto de vista do DUE nas diretivas relativas à igualdade e não discriminação
aparece esta formação recorrentemente: “o assédio é considerado discriminação” (art.º
2/3 da Diretiva 2000/78/CE). Esta afirmação tem levado a grandes problemas, porque
levou no nosso Ordenamento Jurídico, antes da formulação que temos em vigor, à
consideração do assédio como prática discriminatória. Isto, obviamente que é redutor,
porque muitas vezes o assédio não tem qualquer razão discriminatória porque não se
funda num dos fatores de diferenciação que vimos inicialmente. Às vezes nem tem razão
objetiva.

Nota: Ainda no contexto da UE temos um Acordo Quadro sobre Assédio e Violência no


Trabalho (Bruxelas, 8.11.2007 COM(2007) 686 final). Este é acordo quadro autónomo,
que tem apenas esse alcance, e não está ratificado por qualquer diretiva.

Assim, na fixação do conceito de assédio, temos duas formas: a do assédio moral/em geral
e sexual, que eventualmente se cruzam com práticas discriminatórias quando, tanto o
assédio moral como sexual, advém de um animus discriminatório. Quando isso
acontece a tutela do assédio faz se através da tutela anti-discriminatória (pelos
mesmos instrumentos) → “Em regra, o assédio traduz-se numa conduta discriminatória,
que envolve um tratamento diferenciado para um dado trabalhador; mas não tem,
forçosamente, de ser discriminatório” (“Contrato de Trabalho”, João Leal Amado).

Consequências do Assédio:
o Obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais (art.º 29/4).
o Responsabilidade contraordenacional: contraordenação muito grave, pela qual
responde o empregador (art.º 551 do CT), sem prejuízo da eventual
responsabilidade penal (art.º 29/5 CT).
o Publicidade da decisão condenatória.
o Direito à resolução do contrato (art.º 394/2/b) e f) do CT) ou despedimento como
justa causa (como vimos, o assédio pode ser resultado de atuação de pares e,
quando isso acontece, os trabalhadores assediantes praticam uma infração
contratual cuja sanção é o despedimento).

Quanto à efetivação:
o Art.º 25/5 relativo ao ónus da prova: “Cabe a quem alega discriminação indicar o
trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado,
incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em
qualquer fator de discriminação”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 99


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Importa atentar na explicação de João Leal Amado em “Contrato do Trabalho”


sobre o ónus da prova do assédio: “Haverá que distinguir: no caso de assédio não
discriminatório, o ónus da prova recai sobre o trabalhador assediado, por força da
regra geral constante do art.º 342/1, do Código Civil, segundo a qual, àquele que
invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado;
tratando-se, pelo contrário, de assédio discriminatório, terá aplicação o art.º 25/5 do
CT, cabendo ao assediado indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem
se considera discriminado e incumbindo depois ao empregador provar que a
diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação”.

o Proteção contra atos retaliatórios: “O denunciante e as testemunhas por si


indicadas não podem ser sancionadas disciplinarmente, a menos que atuem com
dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos do processo, judicial
ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em
julgado, sem prejuízo do direito ao contraditório” – art.º 29/6 do CT.

o Deveres do empregador:
- “Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no
trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores” – art.º 127/k)
CT.

- “Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas


situações de assédio no trabalho” – art.º 127/l) CT.

o Responsabilidade pela reparação de doenças profissionais resultantes do


assédio: “A responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de doenças
profissionais resultantes da prática de assédio é do empregador; A responsabilidade
pelo pagamento da reparação dos danos emergentes de doença profissional prevista
no número anterior é da segurança social, nos termos legalmente previstos, ficando
esta sub-rogada nos direitos do trabalhador, na medida dos pagamentos efetuados,
acrescidos de juros de mora vincendos” – art.º 283/8 e 9 CT.

o Presunção de caráter abusivo: “Presume-se abusivo o despedimento ou outra


sanção aplicada alegadamente para punir uma infração, quando tenha lugar: Até um
ano após a denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade,
não discriminação e assédio” – art.º 331/2/b) CT.

o Justa causa da resolução do contrato advinda da ofensa à integridade:


“Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente,
os seguintes comportamentos do empregador: Ofensa à integridade física ou moral,
liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de
assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada
pelo empregador ou seu representante” – art.º 394/2/f) CT.

Filipe Schumacher e Joana Dias 100


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o A Autoridade para as Condições do Trabalho e a Inspeção Geral de Finanças


disponibilizam endereços eletrónicos próprios para receção de queixas de assédio em
contexto laboral, no sector privado e no sector público, respetivamente, e informação
nos respetivos sítios na Internet sobre identificação de práticas de assédio e sobre
medidas de prevenção, de combate e de reação a situações de assédio – art.º 4/1 da
Lei 73/2017.

Nota: Este regime do assédio também está a ter expressão fora do Direito do Trabalho,
nomeadamente na proibição do assédio no âmbito do arrendamento – art.º 13-A da Lei
12/2019.

Em suma: Neste capítulo focamo-nos apenas nos traços essenciais da proteção do


trabalhador enquanto pessoa. Poderíamos alargar esta área para a questão da infortunística
laboral dos acidentes de trabalho, e que também tem como finalidade última da proteção
do trabalhador. Contudo, são derivações daquilo que existe no nosso Ordenamento
Jurídico.

10. FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO:


Abandonamos agora a área do Direito do Trabalho que se volta sobretudo para a proteção
da pessoa do trabalhador. Deixamos de ter o enfoque no sujeito da relação laboral para
passarmos a uma perspetiva mais objetiva – o quid da prestação.
Assim, vamos agora ocuparmo-nos do conteúdo das obrigações contratuais que
resultam da celebração do CDT.
Ora, o contrato de trabalho é um contrato como qualquer outro, e, portanto,
naturalmente que na sua estrutura e na sua densidade negocial hão de estar presentes
todos os princípios gerais que vimos presidirem à celebração de qualquer contrato:
o É por isso que o art.º 102 do CT nos recorda que “Quem negoceia com outrem
para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares
como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de
responder pelos danos culposamente causados” (Já ouvimos isto no Direito
Civil, na Teoria Geral).
Da mesma forma também o Código do Trabalho prevê a promessa de CDT:
o No fundo, mais não é que uma sub-modalidade do contrato promessa que já
conhecemos do Direito Civil, e que tem um regime próprio. Evidentemente
que em primeira linha aplica-se o regime do Código do Trabalho e em tudo o
que não estiver previsto recorremos à respetiva regulamentação civil.
o Este contrato de promessa de trabalho é um contrato formal com conteúdo
mínimo obrigatório, como prevê o art.º 103/1 do CT.
o O não cumprimento da promessa dá lugar a responsabilidade nos termos gerais
– art.º 103/2 do CT.

Filipe Schumacher e Joana Dias 101


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Claro está que apesar desta remissão para o Direito Civil haverá sempre uma
impossibilidade de aplicação de certos traços do regime civil do contrato
promessa, como é o caso da execução específica – art.º 103/3 do CT.

10.1 CDT COMO CONTRATO DE ADESÃO:


o Em matéria de consentimento já vimos várias vezes como há especificidades no
consentimento laboral, em como ele pode, apesar de formalmente escrito, ser
condicionado pelas circunstâncias em que é prestado. No CDT há uma menor margem
de liberdade que transparece desde logo na consideração/possibilidade de
consideração do contrato de trabalho como contrato de adesão – art.º 104 do CT.
Ou seja, também aqui voltamos a defrontar uma realidade: formação do contrato
através da adesão a condições pré-estabelecidas unilateralmente (o empregador
através do regulamento interno estabelece as condições de prestação, e o trabalhador
limita-se a aceitar/recursar as condições – faz com que estejamos perante um contrato
de adesão).
Muitas vezes, nas grandes empresas, por motivos de organização, o empregador
estabelece as condições de modo pré-fixado, sendo que o trabalhador se limita a
aceitar ou não, seja num formulário geral de contratação, seja no regulamento interno
da empresa.

o Ora, quando falamos de contratos de adesão falamos de cláusulas pré-determinadas


unilateralmente e nessa medida da aplicabilidade do regime das cláusulas
contratuais gerais aos aspetos essenciais do contrato de trabalho em que não tenha
havido prévia negociação específica – art.º 105 do CT.

o Pensemos no seguinte exemplo: Existe um IRC (que é uma fonte de DT, como já
vimos). Existe um CDT que está a ser negociado. Se no conteúdo desse contrato é
dito, no que diz respeito ao tempo de trabalho, o horário será o fixado na convenção
coletiva X, no conteúdo desse contrato é incorporado parte do conteúdo do IRC.
Nesta situação o trabalhador não tem possibilidade de, individualmente,
negociar as condições especificas atinentes à sua situação → Tecnicamente está
perante uma cláusula pré-determinada unilateralmente, mesmo se essa unilateralidade
advém de um IRC. Não é o facto desta norma/cláusula do IRC provir da autonomia
coletiva e, portanto, terem na sua génese um contrato, que invalida a consideração da
incorporação de parte desse contrato com clausula pré-determina não negociada
individualmente.

o Mais uma vez, em tudo aquilo que não estiver regulado especialmente no código
vamos socorrer-nos do regime das cláusulas contratuais gerais

Filipe Schumacher e Joana Dias 102


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10.2 PERÍODO EXPERIMENTAL:


Em matéria de formação de CDT importa fazer uma nota relativa ao período
experimental: a relação de trabalho, como nos demos conta, é complexa; confluem várias
dimensões (pessoais, económicas, etc.), pelo que, ao iniciar-se uma relação deste tipo,
as partes não têm a certeza da adaptação própria e da contraparte às condições
estipuladas (p.e., o trabalhador não tem a certeza se se vai adaptar ao horário de
trabalho ou às condições da empresa; o empregador tem dúvidas quanto à eficiência e
competência do trabalhador; etc.). Jorge Leite diz que é uma “medida de precaução”.

É por isto que os art.º 111 e seguintes do CT se ocupam do período experimental, que
hoje tem uma importância para além da função primeira que foi agora enunciada:

o O art.º 111/1 do CT diz-nos que “O período experimental corresponde ao


tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes
apreciam o interesse na sua manutenção”.
Isto permite uma avaliação pelas partes das condições de execução da
prestação → É o tempo de observação mútua.

o No decurso do período experimental, acrescenta o n.º 2, que “as partes devem


agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de
trabalho”. Isto é, as partes devem agir de acordo com os ditames da boa-
fé contratual.

o O n.º 3 indica que “O período experimental pode ser excluído por acordo
escrito entre as partes”. Visto que o período experimental é estabelecido no
interesse das partes, o legislador aceita que as partes possam renunciar a
essa faculdade que lhes é atribuída. Tem é de ser feito por acordo reduzido
a escrito.

O art.º 114 do CT prevê que, se este período inicial de execução da prestação é destinado
à avaliação, isso significa que durante a sua vigência as partes podem livremente fazer
cessar o vínculo entre elas. Na redação deste artigo diz-se que “o contrato é livremente
denunciado”. Isto segundo os termos da lei, porque tecnicamente esta forma de cessação
do contrato não é uma denúncia, mas sim uma resolução, apesar do legislador utilizar o
termo “denúncia” (não é feito para o termo do prazo do período experimental, mas no
próprio dia que fazemos cessar o contrato).

Nota: Há uma certa confusão, porque o n.º 2 e 3 do art.º 114 do CT dizem que quando o
período experimental excede determinado período de tempo (durou mais de 60 dia ou
mais de 120 dias) a denúncia por parte do empregador está sujeita a aviso prévio,
para evitar a extrema instabilidade da situação do trabalhador durante todo o período
experimental.

Filipe Schumacher e Joana Dias 103


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Pergunta: Assim sendo, se tecnicamente há possibilidade de fazer cessar imediatamente


os efeitos de um vínculo, então estamos perante uma resolução. Mas será possível
sempre e em qualquer circunstância fazer cessar o contrato? Por exemplo, pode o
empregador fazer cessar o contrato só porque o trabalhador é de um clube rival ao do
empregador? Ou porque é de um partido político diferente?

Resposta: Não! O período experimental é para avaliação, pelo que se se pode fazer cessar
o vínculo de forma quase imediata, pode parecer que não interessam os motivos. Contudo,
eles interessam! Assim, se o período experimental é criado para a avaliação, a utilização
do período experimental por qualquer outro motivo irrelevante para a execução da
prestação constitui um abuso de direito, pois a denúncia do contrato acabaria por estar
a ser utilizada para além dos limites que lhe são assinalados.

Mas afinal, como é que chegamos à conclusão de que a cessação do contrato foi
realmente feita pelos motivos que lhe são conferidos durante o período experimental
ou se foi pelos outros motivos irrelevantes e fora da finalidade para a qual foi
estabelecido? Tudo o que implique, no Direito, o apuramento do animus/da vontade/da
motivação é um quebra-cabeças para os advogados e juízes. Como se faz a prova da
vontade do animus? Por isso, a única coisa que podemos utilizar são as manifestações
exteriores das atuações das partes, mas quando estas falham não há nada em que nos
possamos agarrar.

Quanto à duração do período experimental – art.º 112 do CT:

o 90 dias para a generalidade dos trabalhadores.


o 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica,
elevado grau de responsabilidade, ou que pressuponham um elevado grau de
especialização; trabalhadores que exerçam funções de confiança; e trabalhadores
que estejam à procura do 1.º emprego15 e desempregados de longa duração.
o 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direção ou quadro superior.

15
Nota: O TC pronunciou-se no acórdão 2018/2021 pela inconstitucionalidade desta norma no
que diz respeito aos trabalhadores que estejam à procura do 1.º emprego. Reconheceu que o facto
de não haver experiência inicial num posto de trabalho permanente não faz com que o trabalhador
tenha de estar mais tempo à experiência.

Filipe Schumacher e Joana Dias 104


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota: Como pudemos observar os períodos experimentais são longos. São de


tal maneira longos que têm sido utilizados como válvula de escape às restrições
do Contrato a Termo.

Perante este exagero temporal faz-se do período experimental uma quase


modalidade do CDT, porque os empregadores já contratam com a expectativa
de que o contrato tenha a duração de 6 meses (que são os tais 180 dias), dado
que até aí a desvinculação é livre.

De acordo com o art.º 112/4 do CT “O período experimental, de acordo com qualquer


dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior
contrato a termo para a mesma atividade, de contrato de trabalho temporário executado
no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto,
ou ainda de estágio profissional para a mesma atividade, tenha sido inferior ou igual ou
superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo
mesmo empregador”.

E quando tudo corre bem no período experimental e o trabalhador se mantém ao serviço?


Será que ele trabalhou 120 dias sem que isso lhe seja reconhecido para efeitos de carreira?
Quando é apreciada e é relevante a permanência do trabalhador na empresa, a sua
antiguidade conta-se desde o 1.º dia de execução do período experimental (art.º 112/6 e
113 do CT).

Não são considerados nessa contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença,
de dispensa ou de suspensão do contrato (art.º 113/2 do CT).

10.3 FORMA DO CONTRATO DE TRABALHO:


Art.º 110 do CT: “O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial,
salvo quando a lei determina o contrário”.

Ora, o contrato de trabalho é, por via de regra, como qualquer contrato, um contrato
consensual, i.e., não requer observância de forma, a não ser que a lei diga o
contrário, o que acontece em muitas situações (em que se exige a formalização do
contrato por via de escrito e às vezes, além desta, há a imposição de um conteúdo mínimo
obrigatório, o qual pode ter natureza substantiva e/ou probatória, consoante as
circunstâncias).

Assim, como sabemos, a lei “diz o contrário” em todas as modalidades de contrato


de trabalho que vimos: todas essas modalidades são contratos formais, i.e., têm de ser
escritos, e em todos eles há a necessidade de observância de um âmbito mínimo da forma

Filipe Schumacher e Joana Dias 105


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

legal, i.e., há que incluir um elenco de menções, umas substantivas (cuja falta acarreta a
invalidade do contrato) e outras probatórias, como já foi mencionado.

No comum das situações, porém, não há necessidade de observância de forma escrita,


pois o contrato de trabalho é um contrato realidade: o desenvolvimento de uma
determinada atividade é sempre revelador da existência de vínculo, pelo que não se pode
trabalhar ocultamente, i.e., se o trabalhador está nas instalações da empresa, se está
inserido nessa organização, etc., então a prova de contrato está feita. Por isso é que no
comum das situações se prescinde da forma escrita, conforme o art.º 110 do CT
estabelece.

10.4 DEVER DE INFORMAÇÃO:


Ainda relativamente a esta questão da formação do contrato e do seu desencadear, cumpre
falar na obrigação de informação.
Porque é que a obrigação de informação é tão importante?
Já por diversas vezes falámos de como a definição das condições de trabalho podem não
ser imediatamente percetíveis para os trabalhadores, e de como o seu consentimento e a
formação da sua vontade negocial pode ser influenciada/condicionada pelo
conhecimento ou desconhecimento de determinadas situações: veja-se que quem entra
de novo para uma certa empresa desconhece muitas vezes as regras de funcionamento
particulares, desconhece os códigos de conduta, desconhece as práticas e os usos dentro
da organização. E a verdade é que isso pode fazer toda a diferença relativamente à vontade
negocial do trabalhador.
Na verdade, essa obrigação de informação tem vindo a ser expandida / alargada ao longo
do tempo (foi isso que aconteceu com a Diretiva Transparência – Diretiva 1152 – a qual
torna mais exigentes as condições do dever de informação a cargo do empregador).
Sobre este dever de informação, regem os art.º 106 e seguintes do CT:
o Art.º 106/1 do CT (princípio geral): “O empregador deve informar o trabalhador
sobre aspetos relevantes do contrato de trabalho”.
OBRIGAÇÃO
RECÍPROCA

Segundo a Sra. Professora, é uma formulação demasiado vaga e até infeliz: como
é que alguém informa outrem sobre os aspetos relevantes do Contrato de Trabalho
não tendo sequer formação sobre estes aspetos?
o Art.º 106/2 do CT (princípio geral) acrescenta que também o trabalhador deve
informar o empregador sobre aspetos relevantes para a prestação da atividade
laboral. Também ela é formulada em termos demasiado latos.

Filipe Schumacher e Joana Dias 106


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota: É do entendimento da Sra. Professora que quase que não precisávamos


dessas duas disposições, sendo bastante o princípio da boa-fé.

o No entanto, o n.º 3 estabelece um conteúdo mínimo para este dever de


informação, pelo que o empregador deve prestar, pelo menos, estas informações:
Local de trabalho, duração previsível (se for celebrado a termo), duração das
férias, valor e periodicidade da retribuição, período normal de trabalho diário e
semanal, etc. → Ver as alíneas a) a m) deste art.º 106/3 do CT.
Ora, se lermos com atenção verificamos que estes elementos são relativos aos
elementos essenciais do objeto do negócio. Logo, são estes elementos que nos
permitem o conhecimento pormenorizado do contrato. São eles:
- Dados relativos ao sujeito da relação: Especificações relativas à
identificação do empregador, nomeadamente ao facto de se tratar de uma
sociedade e de estar ou não integrada num grupo, ou de ter coligação ou
participações recíprocas – conhecimento detalhado da identidade do
sujeito.
- Dados relativos ao objeto do contrato: Como o local de trabalho, o tempo
de trabalho (quando) e o quantum / retribuição (quanto).
- Dados relativos à sua garantia: Acidentes e a garantia salarial que é
constituída pelo fundo de compensação do trabalho.
- Nota: A única menção que escapa um pouco a esta arrumação tripartida
são as informações relativas ao Instrumento de Regulação Coletiva de
Trabalho, da alínea l) do n.º 3.

o O art.º 107 do CT ocupa-se dos meios de informação: A informação


anteriormente referida deve ser prestada por escrito (obrigação formal). Pode, no
entanto, constar de mais do que um documento assinado pelo empregador.
Também se considera que esta obrigação está cumprida se a informação constar
do clausulado do contrato, em alternativa de um documento onde constem estas
menções obrigatórias.

o O art.º 108 do CT reforça a obrigação de informação no caso de prestação de


trabalho ser no estrangeiro, devendo ainda prestar as informações complementares
constantes no art.º 108/1 do CT.

o No quadro do art.º 109 do CT, a informação é sujeita a uma atualização


permanente (“O empregador deve informar o trabalhador sobre alteração
relativa a qualquer elemento referido no n.º 3 do artigo 106.º ou no n.º 1 do artigo
anterior, por escrito e nos 30 dias subsequentes”).

Filipe Schumacher e Joana Dias 107


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Assim, esta obrigação de informação é um dever secundário do empregador,


a par do dever principal da prestação. Claro que ela tem de ser cumprida em
tempo útil, ou seja, preferencialmente antes do início da execução do programa
contratual, mas sempre até ao prazo de 60 dias (art.º 107/4 do CT), por causa do
período experimental, para que o trabalhador esteja habilitado a tomar uma
decisão, tendo em consideração todos os elementos passíveis de sedimentar a sua
vontade.

10.5 ATIVIDADE DO TRABALHADOR:


O art.º 115 do CT determina que cabe às partes determinar por acordo a atividade
para a qual o trabalhador é contratado, portanto, o objeto. Contudo, segundo o n.º 2
desse artigo, “A determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por
remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de
regulamento interno de empresa”.
- Assim, por acordo, as partes determinam as funções que constituem o objeto de
atividade do trabalhador, mas essa determinação pode ser feita por remissão para
a categoria prevista em IRC ou para o regulamento interno da empresa.

Categoria profissional:
o Noção de categoria profissional: Descrição funcional das capacidades,
competências e qualificações do trabalhador. É a baliza dentro da qual se
determinam as funções para as quais o trabalhador é contratado (p.e., quando se
diz que alguém é torneiro-mecânico de 2ª classe: significa que ele está habilitado
a desempenhar as funções de torneiro-mecânico, com nível de experiência
correspondente ao grau 2).
“O trabalhador não se pode obrigar a fazer tudo aquilo que o empregador
entenda, onde e quando quer que o empregador pretenda […] a fixação de uma
dada categoria profissional serve para identificar, no plano funcional, a
prestação devida pelo trabalhador” (“Contrato de Trabalho”, João Leal Amado).
o A descrição funcional dessas atribuições é feita normalmente nos IRC, que em
anexo ao clausulado contém um mapa com a descrição funcional de cada
categoria.
o Esta descrição, que corresponde à categoria profissional, é feita quer para as
profissões mais diferenciadas, quer para as menos diferenciadas: a complexidade
funcional nada tem a ver com a necessidade de existência de categoria. Todas as
profissões têm categorização.

É possível concluir que a categoria é de extrema importância: delimita o


objeto do contrato e também funciona como garantia do trabalhador.
Filipe Schumacher e Joana Dias 108
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

O art.º 115/3 do CT diz-nos que “Quando a natureza da atividade envolver a prática de


negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os
necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial”. Significa isto que se a
atividade do trabalhador implicar a compra e venda de bens para a empresa, então o
contrato de trabalho é título bastante para que esses negócios se repercutam na esfera
jurídica do empregador.

Art.º 116 do CT fala sobre a compatibilização de autonomia técnica funcional com a


subordinação jurídica: afirma-se o princípio de que a subordinação jurídica se basta
com a possibilidade do seu exercício, e não com o seu exercício efetivo.

- Pensemos no seguinte exemplo: se determinada empresa de construção civil


contrata um médico para avaliação das condições de saúde dos trabalhadores mais
sujeitos a esforços físicos, é evidente que o empregador (desses trabalhadores) não
pode interferir nas regras técnicas e deontológicas do médico. Pode determinar o
local, tempo, retribuição desse medico (ou seja, o objeto), mas não pode interferir
na sua autonomia técnica.

A definição funcional é um ponto chave porque, no fundo, circunscreve a atividade do


trabalhador. Ora, há profissões que exigem títulos ou habilitações específicas (p.e., um
motorista tem de ter carta de condução). Mas o que é que acontece se não as tiver? O
art.º 117 do CT contempla duas ordens de decisões:
- N.º 1: Falta do título profissional → Nulidade do contrato. Porquê nulidade?
Porque a prestação é impossível, o objeto do contrato falece, e esta qualidade não
é, à semelhança das que temos vindo a falar, recuperável parcialmente. É uma
nulidade total.
- N.º 2: Inicialmente tudo esta conforme às exigências de determinação do objeto,
mas no decurso da execução do programa contratual, o trabalhador perde o
título profissional (p.e., no exemplo do nosso motorista, este fica sem carta de
condução, mas inicialmente tinha carta) → Não há nulidade do contrato, porque
não um vício nos seus elementos constituintes. O que acontece é que o objeto do
negócio vai ser atingido por uma circunstância superveniente. Logo, a
impossibilidade da prestação vai redundar em caducidade, porque a prestação se
torna praticamente impossível.

Vimos agora que a categoria é a baliza dentro da qual se determinam as funções para as
quais o trabalhador é contratado. Assim sendo, o art.º 118/1 do CT prevê que “O

Filipe Schumacher e Joana Dias 109


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se


encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida
atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional”.
Quer isto dizer que, em princípio, o objeto do contrato não pode extravasar essa baliza.
Ainda, e de acordo com o princípio da boa-fé, deve o empregador atribuir as funções
mais adequadas ao trabalhador, sempre que possível.
Isto acontece mesmo nos contratos com objeto relativamente indeterminado (casos
em que o objeto se vai revelando com o trabalho, i.e., se o contrato de trabalho for de
objeto relativamente indeterminado só com a sua execução é que é efetivamente
determinado, p.e., num caso em que o empregador contrate um assistente operacional,
mas é no dia a dia que se determinam as suas tarefas, funções, etc.).

O art.º 118/2 do CT prevê que “A atividade contratada, ainda que determinada por
remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins
ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e
que não impliquem desvalorização profissional”, pelo que, apesar desta categoria
profissional ser definitória, ela tem fronteiras fluidas porque se admite a extensão a
funções afins ou funcionalmente ligadas (portanto, a dois grupos de funções que estão
na sua órbita).
- Nota: O n.º 3 deste artigo acrescenta “consideram-se afins ou funcionalmente
ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira
profissional”.
Apesar do que foi referido, há um limite: não podem acarretar em caso alguma
desvalorização profissional.
- Exemplo prático: A propósito da formulação desta norma, há uns anos discutiu-
se se podia ser exigível a um motorista particular que lavasse o carro de serviço.
Entendeu-se que efetivamente seria uma função afim/funcionalmente ligada, pois
isso era uma maneira de manter em bom estado os instrumentos de trabalho (neste
caso, manter-se-ia em bom estado o carro). No entanto, a verdade é que isso
implicava desvalorização profissional.
- Mas o que é desvalorização profissional? Este será um conceito indeterminado,
porque não temos dados objetivos para o seu preenchimento. Aquilo que é a
desvalorização profissional para o trabalhador pode não o ser para a sociedade no
seu conjunto. Por isso, é um conceito que temos de objetivar no seu preenchimento
através da consideração do escalonamento hierárquico que é feito nas categorias
profissionais.

Filipe Schumacher e Joana Dias 110


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Podemos assim concluir que não basta a afinidade entre a atividade e as funções
afins/funcionalmente ligadas, pois também não pode existir desvalorização profissional.

Esta preocupação de desvalorização profissional tem ainda tradução no art.º 119 do CT,
que se preocupa em garantir que nunca haja abaixamento da posição jurídico
funcional do trabalhador. Requisitos para que possa haver abaixamento da
categoria:
o Só pode haver abaixamento da categoria por acordo.
o Quando haja uma necessidade premente da empresa ou do trabalhador.
Quando é que há uma necessidade premente do trabalhador para baixar de
categoria? Retirado da jurisprudência, pensemos no seguinte exemplo: uma
trabalhadora era telefonista de determinada empresa.
Essa trabalhadora, por causa superveniente, e ao fim de muitos anos na empresa,
ficou surda, não podendo desempenhar as funções que desempenhava até aí. O
empregador, que não a queria dispensar, apenas tinha uma outra posição na
empresa disponível para ela, mas que implicava um abaixamento da categoria
profissional que ela tinha até aí. Nesta circunstância admitiu-se o abaixamento da
categoria no interesse da trabalhadora, pois era isso ou a extinção do vínculo
laboral.
Assim, relativamente ao fundamento de necessidade premente do trabalhador,
esse só poderá ocorrer em casos muito extremados, como o exemplo anterior.
Relativamente ao fundamento de necessidade da empresa não pode ser apenas o
mero interesse no bom funcionamento, tendo de ser uma necessidade premente
da empresa, ou seja, tem de ser uma situação que condicione uma medida tão
drástica (p.e., situações de crise empresarial, desastre, incendio nas instalações,
etc.).
o E, se com isso houver abaixamento da retribuição, a mudança para categoria
inferior tem de ser autorizada pela ACP (são os tais serviços com competência
inspetiva referidos neste artigo).

Por sua vez, o art.º 120 do CT tem uma importância enorme na organização empresarial,
porque ele ocupa-se da mobilidade funcional (antes designava-se “ius variandi”): “O
empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de
exercer temporariamente funções não compreendidas na atividade contratada, desde que
tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador”. Ele pode fazer
variar a categoria profissional, ou seja, é uma faculdade de encarregar o trabalhador de
tarefas que não estão compreendidas no objeto do contrato, mas isso tem limites:

Filipe Schumacher e Joana Dias 111


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Só pode alterar o objeto do contrato temporariamente; só pode alterar parte desse


objeto; e não pode modificar substancialmente a posição do trabalhador, i.e.,
sem chegar aos extremos do art.º 119 do CT.
o O n.º 2 acrescenta que esta faculdade de mobilidade funcional pode ser alargada
ou restringida por acordo.
o O n.º 3 indica que a ordem de alteração das funções deve ser justificada e indicar
a duração previsível da mesma, que não pode em caso algum ultrapassar 2 anos.
o O n.º 4 diz que não pode implicar diminuição de retribuição, “tendo o
trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes
às funções exercidas”. Assim sendo, esta faculdade pode implicar um de dois
resultados: se o trabalhador passar a exercer funções mais bem remuneradas ele
passa a ter direito a essa remuneração. Se não, ou seja, se passar a exercer
atividades menos bem remuneradas mantém a remuneração que tinha.

Quer isto dizer que o trabalhador muda automaticamente de categoria? Não, de acordo
com o n.º 5 o trabalhador não muda de categoria, pois isto é uma situação excecional que
não dá acesso direto à categoria para a qual o trabalhador está a desempenhar funções.
No entanto, os IRC podem dispor sobre estas faculdades e sobre o limite dessas
faculdades.

Em suma: A categoria é essencial para delimitar o objeto da atividade, mas também


porque serve como garantia da posição jurídica do trabalhador.

10.6 INVALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO:

Como estamos a seguir a sequência das matérias apresentada pelo Código do Trabalho,
vamos relembrar as invalidades do Contrato de Trabalho.
A invalidade do contrato de trabalho, normalmente, é uma invalidade parcial, i.e.,
atinge apenas algumas das disposições do contrato. Quando isso acontece o contrato
continua válido e eficaz na parte que não é atingida pelas cláusulas viciadas, salvo
quando se mostre que este não teria sido celebrado sem a tal parte viciada (art.º 121 do
CT).
No entanto, vale destacar o n.º 2 deste artigo 121 que acrescenta que “A cláusula de
contrato de trabalho que viole norma imperativa (constitucionais, legais ou
convencionais) considera-se substituída por esta” → “Assim, eliminam-se as cláusulas
viciadas e estas são substituídas pelas normas que estavam a ser violadas” (“Contrato
de Trabalho”, João Leal Amado).

Filipe Schumacher e Joana Dias 112


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Quanto aos efeitos da invalidade, …


Há aqui uma divergência relativamente às normas equivalentes do Direito Civil, isto
porque os efeitos civis não se poderiam aqui aplicar, i.e., não poderíamos regressar ao
status quo antes do negócio (como acontece no Direito Civil), na medida em que o
trabalhador não pode reaver a prestação que já efetuou.
Por isso, o art.º 122 do CT dispõe que “O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado
produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado” → Ficciona-se
a sua validade durante o período de execução do contrato.
- Exemplo: Imaginemos que em determinado contrato é executado durante 8
meses até se declarar a sua invalidade. Durante esses 8 meses em que houve
execução da prestação é tratado como se tivesse sido válido, tanto que o
trabalhador tem direito a todos os créditos que teria se o contrato fosse
efetivamente válido.
- “A lei laboral acolhe um princípio de irretroatividade da invalidade contratual,
esta funciona somente para o futuro, ex nunc, deixando incólumes os efeitos que
o contrato executado tenha entretanto produzido” (“Contrato de Trabalho”, João
Leal Amado).

O art.º 125 do CT refere-se à convalidação, dispondo que “Cessando a causa da


invalidade durante a execução de contrato de trabalho, este considera-se convalidado
desde o início da execução”. Logo, a convalidação retroage ao momento da celebração
do contrato.

PODEMOS CONCLUIR QUE TODO O REGIME É ORIENTADO PARA


CONSERVAÇAO DO VÍNCULO CONTRATUAL.

10.7 DIREITOS E DEVERES DAS PARTES:

Esta matéria vem regulada nos art.º 126 e seguintes do Código do Trabalho.

Já vimos que as obrigações centrais do CDT se reconduzem à prestação da atividade


em troco de uma remuneração → Estes são os deveres essenciais da prestação laboral:

o Na obrigação de trabalhar compreende-se não só a atividade em si mesma, mas


também a disponibilidade para a prestação de atividade, o que quer dizer que o
trabalhador cumpre esta sua obrigação principal mesmo quando não está a
trabalhar, mas está na disponibilidade para o fazer (p.e., o trabalhador chega ao
emprego e não tem nenhuma tarefa para esse dia. Mas está disponível para

Filipe Schumacher e Joana Dias 113


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

trabalhar caso suja algo para fazer. Logo, ele está a cumprir a sua obrigação de
trabalho).
o Depois este trabalhador deverá ser remunerado, que é a outra obrigação principal.

A par das obrigações principais há ainda:

o Deveres secundários: Obrigações que não dizem respeito a esta obrigação


principal, mas que ainda assim são obrigações contratuais (p.e., dever de
formação a cargo do empregador e que tem o seu regime nos art.º 130 e seguintes
do CT. Se o empregador tem esta obrigação de prestar estas formações, o
trabalhador tem o dever de aceitar e prosseguir a formação – correlato entre a
obrigação e o dever).
o Deveres acessórios: Deveres sistémicos da relação laboral, são aqueles deveres
que são complementares do correto desemprenho da prestação (p.e., os deveres
de assiduidade, pontualidade, etc.).

No art.º 126 do CT os deveres gerais das partes, sendo que no n.º 1 deste artigo voltamos
a encontrar a proclamação da boa-fé contratual em termos literais idênticos aos
encontrados no comum dos contratos. Apesar disso, no n.º 2 especifica-se que “Na
execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior
produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador”
→ a boa-fé exige essa postura de promoção da posição contratual da contraparte.
O que mais nos importa é o catálogo dos art.º 127, 128 e 129 do CT, porque nesse catálogo
estão enunciados os deveres secundários e os deveres acessórios da prestação e as
garantias do trabalhador:

o No art.º 127 do CT estão os deveres do empregador:


Estes deveres do empregador elencados nas alíneas a) até l) podem ser enquadrados
em três eixos:
✓ Deveres de correção: Poder-se-ia incluir, por exemplo, a alínea a) neste tipo de
deveres.
✓ Deveres de lealdade: Compreende, por exemplo, a obrigação de ocupação
efetiva. Isto é, não basta pagar o salário no final do mês – a dimensão de ocupação
efetiva do trabalhador tem de estar presente numa relação honesta, correta e leal.
Nota: Repare-se que uma das manifestações de assédio moral é o esvaziamento
de funções (“política de prateleira”). O trabalhador é posto numa situação de
desocupação profissional, o que viola o direito à ocupação efetiva.

Filipe Schumacher e Joana Dias 114


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

A outra vertente da lealdade consubstancia-se na obrigação de informação que a


cada momento se densifica – temos a Diretiva Transparência cujo núcleo essencial
é o estabelecimento de normas relativas a esta obrigação de informação.
✓ Deveres de prevenção (a prevenção do lado do empregador corresponde a uma
cooperação do lado do trabalhador*): O empregador tem a obrigação de
proporcionar qualidade no ambiente de trabalho, procurando minimizar e prevenir
os riscos laborais. Poder-se-ia incluir, por exemplo, a alínea h) ou as alíneas
sobre a questão do assédio, como a k) e a l).
O n.º 2 deste artigo, para além da lista anterior, acrescenta que o empregador “Na
organização da atividade, […] deve observar o princípio geral da adaptação do
trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou
cadenciado em função do tipo de atividade, e as exigências em matéria de segurança
e saúde, designadamente no que se refere a pausas (pausas essas que constituem
também tempo de trabalho) durante o tempo de trabalho”.
Por sua vez, o n.º 3 decorre da transposição de inúmeras diretivas e acrescenta que
“O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que
favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal”.
O n.º 4 é mais uma derivação da obrigação de infirmação e prevê que “O empregador
deve afixar nas instalações da empresa toda a informação sobre a legislação
referente ao direito de parentalidade ou, se for elaborado regulamento interno a que
alude o art.º 99, consagrar no mesmo toda essa legislação”.

o No art.º 128 do CT estão os deveres do trabalhador:


Estes deveres do trabalhador elencados nas alíneas a) até j) podem ser enquadrados
em três eixos essenciais, além da prestação principal:
- Deveres de correção: Constituída por deveres como respeito, assiduidade, boa
utilização dos instrumentos de trabalho. Veja-se, por exemplo, as alíneas a), b),
c), entre outras.

- Deveres de lealdade: Dever de concretização da boa-fé contratual e que tem a


ver com a abstenção de concorrência, com o direito de reserva, o sigilo
profissional, obrigação de informação de determinadas circunstâncias que possam
afetar a prestação ou pôr em risco a saúde e segurança dos restantes trabalhadores.

- Deveres de cooperação (*a prevenção que vimos para o empregador, no lado


do trabalhador é sobretudo cooperação): Não se consegue atingir a finalidade de
segurança no trabalho se não houver cooperação do trabalho, nomeadamente do
acatamento das disposições e na identificação dos riscos infortunísticos. Assim,
esta vertente tem a ver com a obediência e com a prevenção de situações de risco.

Filipe Schumacher e Joana Dias 115


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o No art.º 129 do CT estão as garantias do trabalhador:


I.e., aqui estamos a falar de proibições do empregador, das quais se destacam a
proibição de “Obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho” (ou seja,
reconhecer o direito de prestação efetiva); “Mudar o trabalhador para categoria
inferior, salvo nos casos previstos”; “Transferir o trabalhador para outro local de
trabalho, salvo nos casos previstos” → Intermitência na vinculação com o intuito de
quebrar a antiguidade e diminuir os direitos retributivos do trabalhador, ou contornar
as limitações decorrentes da contratação a termo.

Depois de termos visto estes direitos e deveres acessórios, parece que tudo fica bem
definido a partir dessas listagens. Mas não é bem assim! Dada a assimetria existente na
relação de trabalho, também há assimetria quanto aos modos de tutelar esses direitos
e obrigações.

O que é que acontece quando há infração desses deveres?


o RESPONSABILIDADE DO TRABALHADOR (quando é o trabalhador
responsável pela infração desses deveres):
- Há uma quebra contratual, porque, apesar de serem deveres acessórios da
prestação, representam obrigações no quadro contratual que estão a ser violadas
e, portanto, temos uma infração contratual que é punível com
responsabilidade disciplinar.
Há, portanto, sempre potencial responsabilidade disciplinar. Qualquer falha no
quadro dos deveres do trabalhador, constitui uma falha contratual.
- Mas a violação desses deveres pode ainda ocasionar prejuízos à contraparte,
pelo que a esta responsabilidade disciplinar vai somar-se a responsabilidade nos
termos gerais, a responsabilidade civil, sendo certo que os danos sofridos pelo
empregador podem advir:
… De danos que ele próprio sofra (p.e., danificação de equipamentos de
trabalho), que é a responsabilidade direta. Ou seja, o próprio empregador
diretamente sofre esses danos.
… Também pode advir da responsabilidade objetiva que é desencadeada
pela conduta do trabalhador, i.e., o dano é provocado a terceiro e, por isso,
é o empregador chamado no quadro da responsabilidade objetiva.
Essa responsabilidade objetiva é uma responsabilidade de garantia que
depois pode levar a que tenha de ser ressarcido o garante pelo autor do
facto lesivo.
Em suma: A responsabilidade pode ser direta (dano na esfera jurídica do
empregador) ou objetiva.

Filipe Schumacher e Joana Dias 116


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o RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR:
- Depois, temos os deveres do empregador que têm o quadro sancionatório
comum (responsabilidade civil). Se a violação causar um prejuízo é
responsabilizado por isso o empregador, mas aqui já não temos esta dupla
possibilidade de responsabilidade, porque o trabalhador nunca é responsabilizado
objetivamente pelos danos do empregador.
- Será que a responsabilidade do empregador fica por aqui? Não, porque a sua
atuação há de repercutir-se no programa contratual através da possibilidade
conferida ao trabalhador de resolução do contrato com justa causa, i.e., se o
empregador incumpre com os seus deveres, o trabalhador pode resolver o contrato
(art.º 394 do CT), cujo procedimento se encontra previsto no art.º 395 do CT.
Note-se que isto é uma derivação geral da resolução dos contratos, i.e., quem
incumpre o contrato da aso à sua resolução pela contraparte nos termos gerais.
- Mas esta resolução, como é uma resolução motivada por ter na sua base um
comportamento infracional, dá também origem a uma indemnização (art.º 396
do CT). Esta resolução tem, portanto, associada uma compensação/indemnização
pela violação dos direitos do trabalhador. Esta indemnização nunca baixa para um
limite inferior a 3 meses de retribuição.
- Estas são as consequências inter-partes, mas vai ainda resultar um outro grau de
responsabilidade do empregador, que é a responsabilidade contraordenacional,
porque há um interesse público na observância das principais leis do trabalho.
Aliás, o trabalho é o único contrato que tem uma entidade inspetiva das condições
da sua execução (precisamente por causa do interesse público que advém da
observância das condições de trabalho).

Resumo:

RESPONSABILIDADE DO RESPONSABILIDADE DO
TRABALHADOR: EMPREGADOR:

- Responsabilidade civil. - Responsabilidade civil.


- Responsabilidade - Responsabilidade
disciplinar. contraordenacional.
- Indemnização /
Compensação.

Filipe Schumacher e Joana Dias 117


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É extenso o leque de deveres acessórios e secundários a cargo das partes no CDT. Todos
se destinam a salvaguardar a dimensão pessoal que se investe nesta relação e é por isso
que a lei muito precisamente determina os limites dos PODERES DO
EMPREGADOR. São eles:
- Direção e organização (poder de conformar a prestação). Pode determinar a
função ou as tarefas que o trabalhador executa (ele pode ir concretizando o objeto
contratual ao longo da execução do contrato) – art.º 97 do CT.
- Regulamentar (pode emitir regras internas quanto ao funcionamento da
organização). Este poder tem o limite de não poder contrariar normas legais ou
convencionais: não é uma fonte de Direito, mas um instrumento de concretização
dos poderes do empregador – art.º 99 do CT.
- Disciplinar, que é um poder anómalo da economia contratual (o poder de um
particular sancionar outro através de uma sanção gravíssima, que é privá-lo da sua
retribuição/salário) – art.º 98 do CT.

TODOS ESTES PODERES DO EMPREGADOR BASEIAM-SE NUM


CONTRATO DE TRABALHO. Mas cada vez mais nessa transferência vai apenas
aquilo que é funcional para o objetivo útil da prestação, pelo que com a evolução
histórica do conceito de subordinação vemos que os poderes têm vindo a perder
densidade. Os poderes são os mesmos, estão lá, mas eles vão deplorando de tudo
o que não é essencial para a realização do objeto contratual.

Em que é que se manifesta este poder de organização do trabalho? Manifesta-se em


todos os domínios da relação laboral, nomeadamente nas disposições do horário de
trabalho (art.º 212 do CT), na possibilidade de determinar a prestação de trabalho
complementar, no direito de iniciativa para situações que alteram o status quo contratual,
etc. → Não há domínio nenhum na relação de trabalho em que não se evidencia estes
poderes determinativos e conformativos do empregador.

10.8 INCLUSÃO DE DETERMINADADAS CLÁUSULAS:

Associada a esta questão do início do estabelecimento da relação de trabalho, ainda


quanto ao conteúdo do contrato, temos a possibilidade de inclusão de determinadas
cláusulas acessórias previstas nos art.º 135 e seguintes do CT:

o Temos um regime especial para o termo e condição (art.º 135 do CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 118


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

o Há ainda outras cláusulas acessórias que podem suscitar alguns problemas (art.º
136 e seguintes do CT).
No art.º 47 da CRP afirma-se o princípio da liberdade de prestação de trabalho, daí
existirem dois regimes diferentes para a cessação do contrato de trabalho: um quando
é por iniciativa do empregador e outro quando é por iniciativa do trabalhador. Assim
sendo, se temos esse princípio da liberdade de trabalho na CRP, suscitam-nos
questões de quais as cláusulas que podem contender com ele, nomeadamente, p.e.,
cláusulas de liberdade de estabelecimento, cláusulas que imponham períodos de
permanência mínima na empresa (pactos de permanência), cláusulas que limitem as
opções contratuais do trabalhador. É sobre essas cláusulas que falam os art.º 136 e
seguintes do CT:
- Art.º 136 – PACTOS DE NÃO CONCORRÊNCIA:
“É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação
coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da
liberdade de trabalho após a cessação do contrato”.
No entanto, o n.º 2 diz que “É lícita a limitação da atividade do trabalhador
durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de
trabalho, nas seguintes condições” → Três condições para a licitude de um pacto
de não concorrência:
… Constar de acordo escrito.
… Tratar-se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao
empregador (suscetibilidade de prejuízo): Isso acontece quando o know-
how do trabalhador advém dos conhecimentos que adquiriu na empresa.
Este prejuízo tem de ser naturalmente um prejuízo relevante (p.e., um
antigo trabalhador abre um café a poucos metros do seu empregador, mas
diversifica tanto a sua oferta que a clientela é distinta. Como há
diversidade de oferta não é suscetível de prejuízo ao empregador).
… Atribuir ao trabalhador uma compensação que pode ser reduzida
equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas
com a sua formação profissional: Se o trabalhador renunciar a exercer a
atividade durante determinado período, ele há de ser compensado por tal.
Essa compensação pode ser reduzida equitativamente se tiver havido
formação profissional a cargo do empregador. Essa é deduzida nos termos
do n.º 4 deste artigo.

Portanto, temos três condições essenciais para a licitude de um pacto de


não concorrência. Uma condição formal (acordo escrito) e as outras duas
condições substantivas.

Filipe Schumacher e Joana Dias 119


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O n.º 5 estabelece uma extensão possível do pacto de não concorrência quando a


atividade em causa tenha sido uma atividade caracterizada por uma relação de
confiança em que o trabalhador teve acesso a determinadas informações
reservadas e a segredos quanto ao modo de organização ou de produção de
empresa. Neste caso pensamos em tudo aquilo que é específico da oferta da
empresa: o que é específico é o modo de organização da produção (lista de
clientes, como se contactam os clientes, o modo de distribuição, etc.), o modo de
produção, o modo de os comercializar e divulgar.
Nestas situações em que o trabalhador tem acesso a este conhecimento, o pacto de
não concorrência pode estender-se até três anos.
Nota: Mas às vezes acontece que na cessação do contrato de trabalho está uma
perda acentuada de clientela e de movimento na empresa, sem que isso se deva a
uma situação de concorrência (p.e., num cabeleireiro há uma clientela
personalizada associada a determinada pessoa. Ou seja, uma pessoa corta o
cabelo porque gosta daquela cabeleireira em particular. Se essa cabeleireira sai
para outro estabelecimento e com isso arrasta a clientela isso não é violação do
pacto. Não temos infração de qualquer dever da concorrência.
Não se pode exigir que essa cabeleireira tenha de mudar de profissão se sair desse
estabelecimento). Falamos aqui de um mero risco do negócio.

- Art.º 137 – PACTOS DE PERMANÊNCIA:


“As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o
contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como
compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação
profissional”.
Mas o n.º 2 já prevê que “O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do
acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante
correspondente às despesas nele referidas”.
Assim sendo, estes pactos de permanência são admissíveis, desde que
limitados no tempo, limite esse que poderá ir até três anos.
Além disso, eles só são lícitos e admissíveis se tiverem como contrapartida a
formação profissional avultada. Ou seja, não é a formação profissional base a
cargo do empregador. Tem de ter havido uma formação adicional dispendiosa,
extraordinária que exorbita da obrigação de formação profissional (p.e., uma
formação extensa). Essa formação tem de apresentar um custo elevado para a
empresa. Só assim é aceitável a limitação à liberdade de trabalho que este pacto
apresenta.

Filipe Schumacher e Joana Dias 120


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Mas, mesmo assim, como vimos no n.º 2, apesar da existência do pacto, o


trabalhador pode pagar um montante correspondente à despesa efetuada pelo
trabalhador para readquirir a liberdade contratual.
Evidentemente que se o trabalhador se quiser desobrigar já no decurso de tempo
correspondente a pacto de permanência, quando ele já compensou parcialmente o
empregador pelas despesas de formação efetuada, reduz-se a quantia,
equitativamente, que ele tem de pagar ao empregador.

- Art.º 138 – NULIDADE DA PROIBIÇÃO DE ADMITIR TRABALHADOR


NO CASO DE EMPRESA UTILIZADORA:
No trabalho temporário já vimos que temos uma situação triangular (temos uma
empresa de trabalho, empresa utilizadora e o trabalhador) e, findo o contrato que
vincula a empresa de trabalho ao trabalhador, nada impede que haja uma
contratação direta com o utilizador. Não se pode interpor uma cláusula que
limite esta contratação. É por isso que o trabalho temporário funciona como um
expediente de avaliação das condições da prestação da execução
(p.e., utilizadores que recorrem ao trabalho temporário para ver se o trabalhador
se adapta. Se a avaliação for positiva, findo o Contrato de trabalho temporário,
contratam-nos diretamente).

11. FÉRIAS:

As férias são um direito irrenunciável. O direito a férias tem um regime extenso e


complexo com início nos art.º 237 seguintes do Código de Trabalho.
Este direito teve uma afirmação muito difícil. Começou por ser concedido como uma
graça do empregador, até se afirmar como verdadeiro direito. Ele só se consolidou
verdadeiramente com este carácter universal na 2.ª metade do séc. XX, depois da II
Guerra Mundial.
O direito a férias consubstancia o direito a cortar o laço entre a personalidade e a
profissionalidade. Veja-se que faz parte do livre desenvolvimento da personalidade uma
pessoa ter tempo para si, ter tempo de ócio (ócio contrapõe-se a negócio, i.e., o ócio é o
tempo em que não se está em negócio). Esse tempo é anualmente concedido através da
noção de férias.
Art.º 237/4 do CT: “O direito a férias deve ser exercido de modo a proporcionar ao
trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal,
integração na vida familiar e participação social e cultural”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 121


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Este é um direito de formação sucessiva: só tem direito a férias quem trabalhou e o


direito vai crescendo, vai se formando até que se vence no dia 1 de janeiro, porque no dia
31 de dezembro completou-se o ciclo da prestação da atividade. Por isso, o direito às
férias reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior (art.º 237/2).

O art.º 237/3 prevê que o gozo deste direito a férias não pode ser substituído por
qualquer compensação económica (dado ser um direito irrenunciável), sem prejuízo
do disposto no art.º 238/5, pois considera-se que não é através dessa compensação que se
atinge a tal recuperação, ou seja, o período de desligamento da atividade profissional.
- Nota: Esta regra da irrenunciabilidade é hoje muito questionada. Há
ordenamentos jurídicos que admitem a venda de direito a férias (p.e., os
trabalhadores prescindem do seu direito a férias para alargar o período de direito
a férias de outros trabalhadores que estejam numa situação crítica, como a
doença, por exemplo). A renúncia com venda de direito a férias pode ter intuitos
económicos (p.e., para permitir que um colega faça uma viagem mais alargada,
vendem se dias de férias). Este último exemplo já destrói a essência do direito.
De acordo com o art.º 238/5 do CT pode-se renunciar do direito a férias, mas tem de se
manter um núcleo de vinte dias (“O trabalhador pode renunciar ao gozo de dias de férias
que excedam 20 dias úteis”) → É uma renúncia parcial que não afetará a finalidade
última das férias, que é atingir a recuperação e o período de desligamento da atividade
profissional.

Veja-se até que se o trabalhador adoecer ele não vai beneficiar da finalidade para a qual
são concedidas as férias e nesse caso suspende-se o gozo das férias, como prevê o art.º
244 do CT (“O gozo das férias não se inicia ou suspende-se quando o trabalhador esteja
temporariamente impedido por doença ou outro facto que não lhe seja imputável, desde
que haja comunicação do mesmo ao empregador”).

Posto isto, o art.º 238 do CT prevê que “O período anual de férias tem a duração mínima
de 22 dias úteis”, o que corresponde a um mês. O n.º 2 esclarece que, “Para efeitos de
férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com exceção de
feriados” Porquê? Porque os feriados existem de qualquer forma, quer o trabalhador
esteja a exercer a atividade ou não.

Evidentemente que, como foi mencionado, sendo um direito de formação contínua que
está relacionado com a prestação de trabalho no ano civil anterior, no ano da
admissibilidade, e da cessação do trabalhador não há um ano completo de prestação
de trabalho que dê direito a férias.

Filipe Schumacher e Joana Dias 122


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Assim, temos regras especiais nesses casos:


o Art.º 239/1 do CT: “No ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias
úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode
ter lugar após seis meses completos de execução do contrato”.
o Art.º 239/2 do CT: “No caso de o ano civil terminar antes de decorrido o prazo
referido no número anterior, as férias são gozadas até 30 de junho do ano
subsequente”. No entanto, não pode haver cumulação de férias que interfira com
o normal funcionamento da empresa. Não pode haver cumulação de mais de 30
dias úteis de férias no mesmo ano.
o Art.º 239/6 do CT: “No ano de cessação de impedimento prolongado iniciado em
ano anterior, o trabalhador tem direito a férias nos termos do n.º 1 e 2”.
O art.º 239/4 do CT contém regras relativas à contratação a termo para os contratos
inferiores a 6 meses (“No caso de a duração do contrato de trabalho ser inferior a seis
meses, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês completo de
duração do contrato, contando-se para o efeito todos os dias seguidos ou interpolados
de prestação de trabalho”).
O art.º 240/1 do CT prevê que as férias são gozadas no ano civil em que vencem. Os
números seguintes permitem a cumulação de férias por acordo.

Os números seguintes permitem a cumulação de férias por acordo e o reflexo de sermos


ainda em grande medida um país de emigrantes e esse acordo contemplar a alteração da
regra do n.º 1 sempre que o trabalhador queira gozar as férias com familiares no
estrangeiro.

O art.º 241/1 do CT prevê que a marcação do período de férias é feita por acordo entre
empregador e trabalhador, mas evidentemente que este acordo pode não existir. Nesse
caso quem marca as férias é o empregador (art.º 241/2 do CT). Tem de marcar entre 1 de
maio e 31 de outubro.

Há ainda regras particulares para membros da mesma família que trabalham na mesma
empresa. Como prevê o art.º 241/7 do CT: “Os cônjuges, bem como as pessoas que vivam
em união de facto ou economia comum nos termos previstos em legislação específica,
que trabalham na mesma empresa ou estabelecimento têm direito a gozar férias em
idêntico período, salvo se houver prejuízo grave para a empresa”.

O empregador pode encerrar a empresa durante o período de férias dos trabalhadores (art.º
242 do CT – “Sempre que seja compatível com a natureza da atividade, o empregador

Filipe Schumacher e Joana Dias 123


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

pode encerrar a empresa ou o estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos


trabalhadores”).

Pode haver alteração do período de férias:


o Pode haver uma alteração do período de férias por motivo relativo à empresa
(art.º 243). Neste caso o trabalhador tem direito a indemnização dos prejuízos que
sofra, nomeadamente, cancelamentos de reservas que possa ter feito para esse
período inicial de férias que foi alterado.
o Pode ainda haver alteração do período de férias por motivo relativo ao
trabalhador (art.º 244). “O gozo das férias não se inicia ou suspende-se quando
o trabalhador esteja temporariamente impedido por doença ou outro facto que
não lhe seja imputável, desde que haja comunicação do mesmo ao empregador”
– já vimos anteriormente.

O art.º 246 do CT estabelece a sanção para a violação do direito a férias (“Caso o


empregador obste culposamente ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos
anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição
correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de abril do ano civil
subsequente”).

O art.º 247 do CT estabelece que o trabalhador não pode exercer durante as férias
qualquer outra atividade remunerada. A ideia é: se as férias são pagas pelo
empregador, a regra é de que o trabalhador não possa exercer outra atividade remunerada
para outro empregador durante esse período e vá trabalhar para ele. Só pode fazê-lo se já
o fizer cumulativamente anteriormente ou então se o empregador o autorizar.

Ora, as férias são pagas, pelo que se o trabalhador tiver 22 dias úteis de férias em agosto
ele não trabalha durante o mês de agosto. Ele recebe a retribuição desse mês, como recebe
todos os meses, e ainda recebe um subsídio de férias igual à retribuição. Nesse período
de férias o trabalhador recebe, assim, duas vezes o montante. Isto faz deste direito um
direito de incidência patrimonial.

O art.º 245 do CT prevê as regras do direito a férias para o ano da cessação do


contrato, que provavelmente, será um ano não completo.
Mas o que é que acontece no ano da cessação do contrato? O trabalhador trabalhou por
apenas 6 meses em 2023, por exemplo, mas as férias que gozaria em 2023 reportam-se
ao trabalho prestado em 2022, que foi um ano completo. Ele vai ficar sem as férias de
2022? Não, apesar de não chegar a gozar as férias de 2023 vai ter na mesma as férias e a

Filipe Schumacher e Joana Dias 124


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

sua retribuição, porque o direito vence-se no dia 1 de janeiro. Assim, em 2023 ele recebe
as férias e o subsídio de 2022. Mas em 2023, uma vez que trabalhou 6 meses vai ter direito
a meio da retribuição e a meio do subsídio (art.º 245/1), pagos em 2023, no momento da
cessação. Por ter direito a ferias na mesma é que ele só tem direito aos dias proporcionais
(neste caso é metade, porque ele só trabalhou 6 meses).

12. RETRIBUIÇÃO:

Esta matéria parece simples, mas é mais complexa do que aparenta. Dir-se-ia que, em
contrapartida da prestação de trabalho há lugar ao pagamento de retribuição, o que faz do
contrato de trabalho um contrato oneroso, e que o assunto ficaria resolvido. Mas não é
assim, pois associado ao salário e à retribuição estão uma serie de consequências: há uma
série de considerações macro jurídicas que influenciam essa retribuição.
Deste modo, o salário cumpre importantes funções sociais: o salário cumpre uma
função alimentar. Na maior parte dos trabalhadores o salário é a única fonte de
rendimento de que dispõem, sendo que em determinados casos é inclusive a única fonte
de rendimento de uma família.
Atendendo à função alimentar desempenhada pela retribuição, compreende-se (mais do
que isso: exige-se) que o ordenamento jurídico conceda uma particular proteção a este
direito […] o próprio art.º 59 da CRP estabelece que incumbe ao Estado assegurar a
retribuição a que os trabalhadores têm direito (n.º 2)” (“Contrato de Trabalho”, João
Leal Amado).
É por isto que há lugar à fixação de um salário mínimo mensal16. Esta importância
social desenvolve, como veremos, instrumentos de proteção da retribuição, que não
encontramos em nenhuma outra contraprestação contratual.
O salário tem ainda uma importância jurídica: ele é o preço da disponibilidade do
trabalhador.
Em suma: A RETRIBUIÇÃO É A OBRIGAÇÃO CENTRAL DO EMPREGADOR,
PORQUE CUMPRE ESSA FUNÇÃO RETRIBUTIVA. Contudo, também ela é
definidora de um conjunto lato de obrigações secundárias, ou a ela associadas.
Bernardo Lobo Xavier: “Em traços gerais, do ponto de vista jurídico, a retribuição
costuma perfilar-se como a obrigação essencial a prestar no contrato de trabalho pelo
empregador, obrigação de índole patrimonial e marcadamente pecuniária, devida em

16
Apesar da fixação deste salário mínimo mensal, atualmente fala-se muito na pobreza
trabalhadora. São situações em que se presta uma atividade mediante retribuição, no quadro de
um contrato de trabalho, contrato esse que obedece aos corretos parâmetros de qualificação e que
dá ligar a uma retribuição dentro da legalidade, mas que mesmo assim não retira as pessoas da
linha da pobreza. Este fenómeno durante muito tempo foi extraeuropeu, mas agora começa a ser
também europeu.

Filipe Schumacher e Joana Dias 125


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

todos os casos e não tendo caráter meramente eventual, ligada por uma relação de
reciprocidade à atividade prestada, tendo nela a sua causa”.

Art.º 258/1 do CT – NOÇÃO DE RETRIBUIÇÃO: “Considera-se retribuição a


prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o
trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” → É a contrapartida do
trabalho.
- Nota: Segundo João Leal Amado na sua obra do “Contrato de Trabalho” esta
noção de “contrapartida do seu trabalho” deverá ser “encarada com as devidas
cautelas, visto que é fácil apresentar exemplos [como veremos mais para a frente]
em que o dever de pagar a retribuição não corresponde a trabalho efetivamente
prestado – férias (art.º 264), feriados (art.º 269), algumas faltas justificadas (art.º
255) […]”.
No entanto, no n.º 2 começa a denotar-se a complexidade associada a essa contrapartida.
Complexidade, porque a noção de retribuição compreende:
- A retribuição base, i.e., o que mensalmente o trabalhador aufere.
- Também compreende uma série de outras prestações regulares e periódicas,
feitas direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. Estas são prestações
não diretamente associadas à prestação da atividade, mas indiretamente a ela
ligadas, como é o caso dos subsídios de transporte; subsídios que têm a ver com
as condições de execução da prestação; subsídios de alimentação; subsídio de
férias e de Natal; os prémios de antiguidade, desde que feitos de forma regular e
periódica; etc. → Isto é o que torna o conceito de retribuição mais complexo.
O n.º 3 ajuda-nos, pois faz uma presunção de que “constitui retribuição qualquer
prestação do empregador ao trabalhador”: Se há deslocação patrimonial do
empregador para o trabalhador presume-se que é retribuição. Contudo, esta
presunção é relativa, i.e., pode ser desconstruída.
O n.º 4 estende o regime de garantias estabelecidas pelo Código do Trabalho à retribuição
a qualquer “prestação ao qualificada como retribuição”. Ora esta noção ampla e
complexa de retribuição às vezes ainda é mais complicada pelo facto de a designação de
retribuição ser extensiva a outras realidades que não são verdadeiramente
retribuições:
- Pensemos, por exemplo, nos salários emocionais. Não é um salário. É
constituído, na maior parte dos casos, por um conjunto pouco homogéneo de
benefícios, recompensas ou estímulos de natureza não pecuniária associados à
prestação de trabalho ou que o trabalhador a eles acede por ocasião do trabalho.
É difícil o seu encaixe no art.º 258 do CT, na medida em que são benefícios de
incidência não pecuniária. É difícil o encaixe também pelo facto de a atribuição
destes benefícios não ter caráter regular e periódico. A maior recompensa

Filipe Schumacher e Joana Dias 126


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

emocional que pode haver é um salário bem pago. Daí que esta ideia que existe
um salário para além do art.º 258 do CT seja uma ideia um pouco forçada, e pouco
rigorosa do ponto de vista jurídico. Portanto aquilo que se chama por salário
emocional não é nem salário nem propriamente emocional.
Alguns exemplos destes salários emocionais são: trabalhador que pode usar o
carro da empresa aos fins de semana para lazer; ofertas de formação especializada
e não relativa à atividade desempenhada; mensalidades em ginásios ou outros
estabelecimentos de bem-estar; possibilidade de o trabalhador cumular o trabalho
voluntário e o trabalho da empresa (caso dos bombeiros voluntários); atribuição
de seguros; etc.
Por tudo o que acabamos de ver sobre estes salários emocionais compreendemos
que a sua diferenciação implica que a proteção do salário não se estenda a estas
prestações.
O art.º 258/2 do CT prevê que o salário compreende tanto quantias em dinheiro como
pagamentos em espécie (não pecuniário).
- Mas o art.º 259/1 do CT esclarece que a prestação retributiva não pecuniária deve
destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família
e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região.
- O art.º 259/2 acrescenta que o valor das prestações retributivas não pecuniárias
não pode exceder o da parte em dinheiro, salvo o disposto em Instrumento de
Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT).

Ou seja, a retribuição não pode ser toda em espécie, pois isso coartaria a
possibilidade de o trabalhador ter um rendimento disponível. E a espécie quando
muito pode ser igual à quantia em dinheiro, no limite. Tudo isto de acordo com
os usos da região.
O art.º 260/1 do CT exclui certas prestações da noção de retribuição. Por exemplo:
o As ajudas de custo e os abonos de viagem para as deslocações esporádicas do
trabalhador, porque se para o exercício da sua profissão o trabalhador tiver que
quotidianamente proceder a essas viagens ele tem direito a um subsídio de
transporte para essa finalidade – alínea a).
o As gratificações e os prémios de bons resultados, que são prémios anuais ligados
aos resultados da empresa – alínea b).
o As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito
profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos
períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido – alínea
c).

Filipe Schumacher e Joana Dias 127


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o A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada


pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho
– alínea d).

O n.º 2 acrescenta que “O disposto na alínea a) aplica-se, com as necessárias adaptações,


ao abono para falhas e ao subsídio de refeição”. O que é o abono de falhas? É a
prestação atribuída ao trabalhador para fazer face a flutuações nas contas de caixa,
i.e., uma pessoa que trabalha com o recebimento de importâncias ao longo do dia, é
possível que ao fim de tantas transações possa haver enganos nas contas da caixa e no
final do dia haja desacertos relativamente ao que foi faturado. Em muitas destas profissões
que têm por objeto o recebimento/pagamento de importâncias há lugar a este abono de
modo a cobrir as falhas entre a faturação e o efetivo recebimento. Em muitos casos o que
acontece é que se houver discrepâncias superiores ao abono de falhas essas serão
suportadas pelo trabalhador.

Segundo o n.º 3, “O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:


a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o
regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do
trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e
permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da
retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando,
quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente,
revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante”.

Modalidades da retribuição – art.º 261 do CT:


o Certa: A retribuição é fixada em função do tempo de trabalho (p.e., x por mês, x
semana). A unidade de cálculo é o tempo. É a opção mais segura para o
trabalhador, pois é aquela que está menos dependente do (in)êxito da empresa e
das flutuações do mercado.
o Variável: A retribuição varia em função do rendimento do trabalho (p.e., o caso
das retribuições que estão dependentes de comissões e são aquelas modalidades
que mais dificuldades apresentam para a questão da qualificação do contrato,
pois estão mais associadas à prestação de serviços). Calculada com base em
critérios diversos de medida temporal, principalmente o rendimento.
o Mista: Quando tiver uma parte certa e uma parte variável.

Filipe Schumacher e Joana Dias 128


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O art.º 263 do CT refere-se ao direito ao subsídio de Natal. Esta é uma norma


relativamente recente no Ordenamento Jurídico laboral em termos de evolução de Direito
de Trabalho: Até ao final do séc. XX, o subsídio de Natal existia em alguns IRCT
(Instrumentos de Regulação Coletiva de Trabalho) e o que acontecia é que havia
trabalhadores de uma determinada organização empresarial que tinham direito a esse
benefício, mas por força da igualdade estendia-se a outros. O problema colocava-se nos
estabelecimentos em que ninguém tinha direito a esse subsídio, situação em que ele não
era devido, pelo que ninguém recebia esse subsídio de Natal. Visto isto, a sua transposição
para o ordenamento jurídico laboral representou um grande avanço.
- Nota: Hoje tem a sua designação contestada, porque o “Natal” está associado a
uma celebração específica de cunho religioso, e dada a laicidade do Estado deveria
ter uma designação mais neutra.
Assim sendo, de acordo com o n.º 1 deste artigo, “O trabalhador tem direito a subsídio
de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro
de cada ano”.
Tal como acontece com a retribuição das férias, o n.º 2 deste artigo estipula que o valor
do subsídio de Natal no ano da admissão e da cessação deve ser pago de forma
proporcional, tal como acontece no ano da suspensão do contrato:
- Nota: O exemplo que vimos anteriormente sobre o trabalhador que presta a sua
atividade até junho, além das prestações que tinha direito a título de férias, também
teria direito em igual proporção ao subsídio de Natal.
O art.º 265 do CT fala sobre a retribuição por isenção de horário de trabalho. Se é um
benefício, porque é que há regras específicas neste âmbito? Porque, normalmente, a
isenção de horário de trabalho está associada a períodos mais longos de prestação
da atividade, e em falta de IRCT que estipule critérios para essa retribuição, entende-se
que ela deve incluir “a) Uma hora de trabalho suplementar por dia; b) Duas horas de
trabalho suplementar por semana, quando se trate de regime de isenção de horário com
observância do período normal de trabalho”.
O art.º 266 do CT prevê regras para o pagamento do trabalho noturno. Uma vez que
o trabalho noturno tem uma penosidade acrescida, tem regras específicas na sua
retribuição: acréscimo de 25% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente
prestado durante o dia, embora este acréscimo possa ser substituído por outras
possibilidades, mediante IRCT.

O art.º 268 do CT regula o pagamento do trabalho suplementar, que tem um


acréscimo remuneratório de:
- 25 % pela primeira hora ou fração desta e 37,5 % por hora ou fração subsequente,
em dia útil (art.º 268/1/a) do CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 129


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- 50% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou


complementar, ou em feriado (art.º 268/1/b) do CT).
O art.º 269 do CT regula as prestações relativas aos feriados: “O trabalhador tem
direito à retribuição correspondente a feriado, sem que o empregador a possa compensar
com trabalho suplementar”.

Nos art.º 276, 277 e 278 do CT regula-se a FORMA, LUGAR e TEMPO do


cumprimento da obrigação de retribuição:
o Art.º 276 do CT (FORMA): A retribuição é satisfeita em dinheiro, ou estando
acordado, em prestações não pecuniárias nos termos do art.º 259 do CT.
Evidentemente que a parte pecuniária da retribuição pode ser paga por diversos
meios de pagamento (cheque, vale postar ou depósito à ordem do trabalhador –
art.º 276/2 do CT), mas não pode ser feita, por exemplo, por bitcoins (moedas
virtuais não são formas de pagamento). A serem considerados, serão em espécie,
e não pecuniários.
o Art.º 277 do CT (LUGAR): A retribuição deve ser paga no local de trabalho ou
noutro lugar que seja acordado. Caso a retribuição deva ser paga em lugar
diverso do local de trabalho, o tempo que o trabalhador gastar para receber a
retribuição considera-se tempo de trabalho.

o Art.º 278 do CT (TEMPO): Prevê um conjunto de regras para assegurar a


previsibilidade do cumprimento retributivo de modo que o trabalhador possa
assegurar as suas despesas.

Art.º 270 do CT: “Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a
quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para
trabalho igual ou de valor igual, salário igual”.

Art.º 271 do CT: Fórmula para calcular o valor da retribuição horária.

O sistema social assegura o rendimento durante o período de impossibilidade de prestação


de trabalho, i.e., quando o trabalhador está doente deixa de poder auferir o salário, mas
não deixa, com isso, de ficar protegido, porque a Segurança Social encarrega-se de parte
substancial do rendimento.

Filipe Schumacher e Joana Dias 130


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FORMAS DE TUTELA SALARIAL:

o Estabelecimento de uma retribuição mínima mensal garantida – secção III


do capítulo III do CT (art.º 273, 274 e 275):
- Faz eco do princípio constitucional da retribuição suficiente (suscetibilidade de
assegurar as necessidades básicas de vida do trabalhador).
- Prevê que “É garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal,
seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por
legislação específica, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social”.
- Nota: Todos os anos o montante do salário mínimo é revisto e atualizado. Neste
contexto há quem considere, e há estudos que defendem, que a fixação de um
salário mínimo conduz a um abaixamento da média salarial, na medida em que a
tendência é fixar o salário quanto mais próximo do salário mínimo.
- O art.º 274 elenca algumas prestações incluídas na retribuição mínima mensal
garantida.

o Limitações à compensação (art.º 279 do CT):


- “Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a
retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer
desconto ou dedução no montante daquela” (n.º 1) → Há uma impossibilidade
da compensação do salário com créditos que o empregador tenha sobre o
trabalhador, porque qualquer prestação de compensação se traduz numa
diminuição do rendimento disponível o que prejudica a economia individual e
familiar.
- Contudo, temos alguns desvios no n.º 2, pelo que o que foi referido anteriormente
não se aplica:
“a) A desconto a favor do Estado, da segurança social ou outra entidade,
ordenado por lei, decisão judicial transitada em julgado ou auto de
conciliação, quando o empregador tenha sido notificado da decisão ou do
auto;
b) A indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por
decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação;
c) À sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 328.º;
d) A amortização de capital ou pagamento de juros de empréstimo
concedido pelo empregador ao trabalhador;
e) A preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de
fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando

Filipe Schumacher e Joana Dias 131


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solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efetuada pelo empregador


por conta do trabalhador com o acordo deste;
f) A abono ou adiantamento por conta da retribuição”.

o Restrição à cessação do crédito retributivo (art.º 280 do CT):


- “O trabalhador só pode ceder crédito a retribuição, a título gratuito ou oneroso,
na medida em que o mesmo seja penhorável”, i.e., se o salário cumpre a função
alimentar, então não faz sentido que o trabalhador possa ceder o crédito que tenha
sobre o empregador na sua totalidade.
- A cessão do crédito retributivo está limitada ao limite da impenhorabilidade.
Este limite é encontrado no art.º 738 do Código de Processo Civil, que nos diz que
2/3 do salário são impenhoráveis, pois cumprem a função de garantia alimentar.

o Prescrição dos créditos salariais (art.º 337 do CT):


- “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho,
da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte
àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, o prazo de prescrição é de
um ano após o dia seguinte da cessação do vínculo laboral relativamente aos
créditos emergentes do contrato de trabalho.
O que se pretende é que que não se arrastem no tempo as exigências de pagamento
que eventualmente o empregador tenha perante o devedor, sejam em salários em
atraso ou qualquer outro crédito laboral.
… A título de exemplo, se o contrato terminar no dia 31 de dezembro de
2022, o prazo de prescrição inicia-se no dia 1 de janeiro de 2023 e a partir
daqui conta-se um ano, sendo o termo deste prazo 31 de dezembro do ano
seguinte à cessação do contrato. Portanto, se a ação for interposta no dia
30 de dezembro vai a tempo? À primeira vista diríamos que sim, mas
temos uma disposição que nos diz que a citação se presume feita nos 5 dias
subsequentes à entrada da ação e, portanto, se contássemos 5 dias íamos
ter a exceção da prescrição invocada e bem invocada, a impossibilidade de
reaver este crédito.
Assim sendo, substantivamente o prazo é de 1 ano, mas há que articular
com a norma processual de interrupção da prescrição: o ato que interrompe
a prescrição é a interpelação para o pagamento, a qual não é feita
instantaneamente, portanto, a interrupção da prescrição carece de um prazo
processual para se tornar efetiva.
- O n.º 2 do art.º 337 acrescenta que “O crédito correspondente a compensação
por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva

Filipe Schumacher e Joana Dias 132


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ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode


ser provado por documento idóneo”. Ou seja, se o crédito salarial em causa disser
respeito a estas matérias enunciadas neste n.º 2, o trabalhador tem o ónus de provar
a sua existência, e, portanto, de trazer ao processo uma prova documental, até
porque se trata de créditos muito recuados no tempo.

13. VICISSITUDES CONTRATUAIS:

Já acompanhámos o nascimento e o desenvolvimento da relação laboral. Agora vamos


falar do que pode acontecer acidentalmente nessa relação. Esta matéria encontra-se
regulada no Código do Trabalho nos art.º 285 e seguintes (capítulo V). Nestes artigos o
Código regula três institutos relativos a acidentes de percurso:
1. Redução da atividade e suspensão do contrato de trabalho (Secção III do
Capítulo V).
2. Transmissão da empresa ou estabelecimento (Secção I do Capítulo V).
3. Cedência ocasional de trabalhador (Secção II do Capítulo V).

13.1 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO:

A suspensão do contrato de trabalho, no fundo, corresponde a uma quiescência da


relação jurídica laboral, i.e., o vínculo laboral subsiste, mas os seus efeitos são
paralisados durante um período temporal. Por outras palavras, temos uma coexistência
temporária da subsistência do vínculo contratual com a paralisação de algum ou alguns
dos principais direitos e deveres dele emergentes.
Nas palavras de Jorge Leite, a suspensão consiste na “coexistência temporária da
subsistência do vínculo contratual com a paralisação de algum ou alguns dos principais
direitos e deveres dele emergentes” (Manual Contrato de Trabalho).
Ora, como é que isto pode suceder? Pode suceder por (causas/factos determinantes da
suspensão do CDT):
o Impossibilidade temporária, total ou parcial, da prestação por facto relativo ao
empregador ou ao trabalhador (art.º 294/1 do CT).
o Por uma situação de crise empresarial, havendo necessidade de assegurar
viabilidade da empresa e a manutenção de postos trabalho (art.º 294/2/a) do CT).
o Por acordo entre o empregador e o trabalhador (art.º 294/2/b) do CT).
o Pela falta de pagamento pontual da retribuição (art.º 294/3 do CT).
o E outras causas pontuais previstas em diplomas avulsos.

Filipe Schumacher e Joana Dias 133


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Modalidades da suspensão do contrato de trabalho:


o Suspensão por facto relativo ao trabalhador (suspensão individual).
o Suspensão por facto relativo ao empregador (suspensão coletiva).
o Suspensão por acordo das partes (suspensão consensual).
o Suspensão por falta de pagamento pontual da retribuição.

Efeitos da suspensão do contrato de trabalho (art.º 295 do CT):


o Mantém-se os direitos, deveres e garantias das partes que não suponham a efetiva
prestação de trabalho, por exemplo alguns dos deveres acessórios, como o dever
de reserva e confidencialidade.
o Porque se mantém o vínculo, a antiguidade do trabalhador continua a contar-se
(tempo de suspensão conta para a antiguidade).
o Cessando a causa de suspensão, i.e., findo o período de suspensão há uma
reversibilidade dos direitos, dos deveres e das garantias, i.e., o contrato de trabalho
readquire a sua plena eficácia, e os direitos e deveres tornam-se de novo efetivos.

Nota: Na questão da greve verifica-se, também, momentaneamente a suspensão do


contrato de trabalho, ou seja, durante a situação de greve os trabalhadores mantêm o
vínculo, mas não estão obrigados à prestação de trabalho, estando numa situação de
suspensão do contrato. Deste modo, ficam desobrigados da prestação de trabalhar, mas
não ficam desobrigados dos deveres laterais e acessórios.
Apesar disto, alguns mesmo ficam obrigados a prestar trabalho, nomeadamente os
obrigados à prestação de serviços mínimos no âmbito da organização social.

SUSPENSÃO INDIVIDUAL RELATIVA A FACTO DA ESFERA DO


TRABALHADOR – ART.º 296 DO CT:

Os seus traços essenciais reconduzem-se à impossibilidade de prestar trabalho,


impedimento esse que é transitório (duração superior a um mês). Além disso, importa
ainda mencionar a não imputabilidade desse facto.
Quanto às causas, podemos enunciar a doença, acidente, aplicação da lei de serviço
militar, violência doméstica17, e outros casos previstos na lei.

17
Porque sociologicamente o local de trabalho é um local de especial posição de vulnerabilidade,
na medida em que os agressores sabem que é um local onde facilmente podem encontrar a vítima.
Por isso é que se permite a suspensão nesses casos.

Filipe Schumacher e Joana Dias 134


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O contrato de trabalho suspenso caduca quando seja certo que o impedimento se tornará
definitivo.
No dia imediato à cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao
empregador para retomar a atividade (art.º 297 do CT).

SUSPENSÃO COLETIVA/SUSPENSÃO NA ÓRBITA DO EMPREGADOR –


ART.º 298 E SEGUINTES DO CT:

Esta suspensão coletiva pode ser desencadeada:


o Para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho
(numa situação de crise empresarial) – o chamado “Lay-off”:
Quanto às causas das crises empresariais podemos mencionar, por exemplo,
motivos ligados ao funcionamento do mercado, estruturais ou tecnológicos;
catástrofes; ocorrências que afetem gravemente a atividade normal da empresa.
No entanto, não basta que se verifiquem estas causas para imediatamente partirmos
para a suspensão dos contratos de trabalho: é necessário um nexo entre a verificação
da causa e a indispensabilidade para a viabilidade empresa e para a manutenção
dos postos de trabalho. Assim, a suspensão é um meio para um fim, e não um fim
em si mesmo.
Procedimento para estas situações:
- O empregador tem de comunicar, por escrito, a sua intenção de reduzir ou
suspender a prestação às estruturas representativas dos trabalhadores ou, na sua
falta, ao(s) trabalhador(es) a abranger (art.º 299/1 e 3 do CT).
- Essa informação tem um conteúdo mínimo fixado na lei, como por exemplo, os
fundamentos económicos da medida, os critérios para a seleção dos trabalhadores
abrangidos, o prazo de aplicação da medida, etc. (art.º 299/1/alíneas a) a f) do
CT).
- O empregador dá acesso para consulta os documentos de suporte da alegação de
crise empresarial, designadamente de natureza contabilística e financeira (art.º
299/2 do CT).
- Informações complementares e negociação: nos cinco dias posteriores à
comunicação pelo empregador, este deverá promover uma fase de informações e
negociação com a estrutura representativa dos trabalhadores, com vista a um
acordo sobre a modalidade, âmbito e duração das medidas a adotar (art.º 300/1 do
CT). Assim, daqui poderá resultar um acordo ou um desacordo.

Filipe Schumacher e Joana Dias 135


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- Comunicação fundamentada ao trabalhador (art.º 300/3 do CT).


Requisitos da comunicação: Ora, evidentemente que a forma escrita é fundamental,
dada a importância de que reveste a comunicação para a vigência do vínculo
contratual. A fundamentação e a determinação temporal são também aspetos
essenciais, como vimos nas tais alíneas a) a f) do art.º 299/1.

Duração da redução ou da suspensão nestas situações de crise empresarial: A


duração da suspensão não pode ter um carácter indefinido, na medida em que tem de
estar previamente definida, não pode ser superior a 6 meses (ou 1 ano no caso de
catástrofe ou outra ocorrência grave) e é prorrogável até 6 meses (art.º 301/1 do CT).
Direitos dos trabalhadores (art.º 305 do CT):
- Têm direito a auferir mensalmente montante mínimo a 2/3 da retribuição ou da
retribuição mensal garantida.
- Também mantêm as regalias sociais ou prestações da segurança social.
- Mantém os direitos relativos a férias e subsídios de férias ou de Natal.
- Readquirem, também, liberdade no que diz respeito à possibilidade de
desempenho de outras atividades remuneradas.
Deveres dos trabalhadores – os trabalhadores, ao manterem os vínculos, mantêm:
- O dever de frequência em ações de formação profissional (art.º 304/1/c) do CT).
- O dever de pagar contribuições para a segurança social (art.º 304/1/a) do CT).
- O dever de comunicar o exercício de outra atividade remunerada (art.º 304/1/b)
do CT).
Deveres do empregador – mantêm-se alguns deveres (art.º 303/1 do CT):
- Deveres do pagamento da compensação retributiva.
- Dever de pagar contribuições para a Segurança Social.
- Dever de não distribuir lucros.
- Dever de não aumentar retribuição dos corpos sociais.
- Dever de não contratar ou renovar contrato para posto de trabalho passível de
ser ocupado por trabalhador em situação de redução ou suspensão.

o Impossibilidade temporária de receber a prestação – encerramento e diminuição


temporários de atividade:
Algumas exemplificações:

Filipe Schumacher e Joana Dias 136


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- Casos fortuitos ou de força maior: destruição ou inacessibilidade de


instalações ou equipamentos; faltas de matérias-primas ou energia.
- Podemos ainda referir-nos a factos imputáveis ao empregador ou por motivos
do seu interesse: encerramento para remodelação, substituição ou reparação de
equipamentos, por delito contra a saúde pública ou por violação de normas sobre
segurança no trabalho.
Noção de encerramento temporário imputável ao empregador: Cessação de
atividade, interdição de acesso a locais de trabalho, recusa de fornecimento de
trabalho, condições e instrumentos de trabalho, por decisão do empregador, que
determine ou possa determinar a paralisação de empresa ou estabelecimento (art.º
311/2 do CT).
Procedimento em caso de encerramento temporário por facto imputável ao
empregador (art.º 311/3 do CT):
- O empregador informa os trabalhadores e a comissão de trabalhadores ou, na sua
falta, a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa sobre: o
objeto; o fundamento; a duração previsível e as consequências do encerramento.
- Prazo: com 15 dias de antecedência ou logo que possível.

Caução em caso de encerramento temporário por facto imputável ao


empregador:
- Finalidade desta caução: Garantir retribuições em mora ou incumpridas durante
o encerramento e as compensações por despedimento (art.º 312/1 do CT).
- Dispensa da caução: Relativamente às compensações de despedimento, se
houver declaração escrita de 2/3 dos trabalhadores (“O empregador é dispensado
de prestar caução relativa a compensações por despedimento coletivo em caso de
declaração expressa neste sentido, por escrito, de dois terços dos trabalhadores
abrangidos” – art.º 312/2 do CT).
Direitos dos trabalhadores – retribuição durante o encerramento ou a
diminuição temporárias de atividade (art.º 309/1/a) e b) do CT):
- Se for um caso fortuito ou de força maior, garante-se 75% da retribuição.
- Se for por facto imputável ao empregador ou por motivo do seu interesse garante-
se 100% da retribuição.
Obrigações que o empregador mantém – atos proibidos do empregador em caso
de encerramento temporário (art.º 313 do CT):
- Não pode distribuir lucros ou dividendos, pagar suprimentos e respetivos juros
ou amortizar quotas.

Filipe Schumacher e Joana Dias 137


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- Não pode remunerar membros dos corpos sociais em percentagem superior ao


pagamento aos trabalhadores.
- Não pode comprar ou vender ações ou quotas próprias a membros dos corpos
sociais.
- Não pode efetuar, em princípio, pagamentos a credores não titulares de garantia
ou privilégio com preferência em relação aos créditos dos trabalhadores.
- Não pode efetuar pagamentos a trabalhadores que não correspondam ao rateio
do montante disponível, na proporção das respetivas retribuições.
- Não pode efetuar liberalidades.
- Não pode renunciar a direitos patrimoniais.
- Não pode ser mutuante.
- Não pode proceder a levantamentos de tesouraria para fim alheio à atividade da
empresa.
A conservação patrimonial é imposta porque se constitui como garantia de
pagamento, incluindo-se, aqui:
- A anulabilidade dos atos gratuitos de disposição por iniciativa de qualquer
interessado ou estrutura representativa dos trabalhadores (art.º 314/1 do CT).
- E a anulabilidade dos atos onerosos de disposição, se deles resultar diminuição
da garantia patrimonial dos créditos laborais (art.º 314/2 do CT).
Nota: O art.º 315 do CT estende este regime de proteção patrimonial do encerramento
temporário ao encerramento definitivo no que toca à informação (já vimos que está
no art.º 311), constituição de caução (já vimos que está no art.º 312) e atos proibidos
do empregador (já vimos que está no art.º 313).
Estas medidas da conservação patrimonial são reforçadas pela responsabilidade
penal dos envolvidos nestas diminuições patrimoniais:
- Encerramento temporário ou definitivo imputável ao empregador sem
cumprimento da obrigação de informação (art.º 311) ou sem constituição de
caução (art.º 312): punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias
(art.º 316/1 do CT).
- Prática de atos proibidos (art.º 313): punida com pena de prisão até 3 anos, sem
prejuízo de pena mais grave aplicável ao caso (art.º 316/2 do CT).

SUSPENSÃO CONSENSUAL

Esta suspensão consensual pode ser nas modalidades de:

Filipe Schumacher e Joana Dias 138


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o Licença sem retribuição (art.º 317 do CT):


Origem: Pode ser uma suspensão convencional (art.º 317/1 do CT: “O empregador
pode conceder ao trabalhador, a pedido deste, licença sem retribuição”) ou pode o
trabalhador ter direito a esta licença sem retribuição (art.º 317/2 do CT: “O
trabalhador tem direito a licença sem retribuição […]”).
Quando se trata de um direito pode ser destinada à frequência de formações ou como
instrumento para proteção dos trabalhadores vítimas de violência doméstica.

o Pré-reforma (art.º 318 do CT):


“Considera-se pré-reforma a situação de redução ou suspensão da prestação de
trabalho, constituída por acordo entre empregador e trabalhador com idade igual ou
superior a 55 anos, durante a qual este tem direito a receber do empregador uma
prestação pecuniária mensal, denominada de pré-reforma”.
Desta noção podemos destacar o seguinte:
- O trabalhador tem de ter pelo menos 55 anos (art.º 318/1 do CT).
- O acordo é escrito e tem um âmbito mínimo (art.º 319 do CT).
- Prestação pecuniária de pré-reforma tem um intervalo entre 100% a 25% da
retribuição (art.º 320/1 do CT).
- Não exclusividade (o trabalhador pode, em situação de pré-reforma, exercer
outra atividade profissional remunerada – art.º 321/1 do CT) e direito a retomar
pleno exercício de funções ou resolver o contrato se o empregador incumprir
pontualmente o pagamento (art.º 321/3 do CT).
A cessação desta suspensão consensual por pré-reforma dá-se por reforma do
trabalhador por velhice ou invalidez; com o regresso do trabalhador ao pleno exercício
de funções; ou por cessação do contrato de trabalho (art.º 322/1/a) a c) do CT).

SUSPENSÃO POR FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO:

É a concretização da figura da exceção do não cumprimento do contrato, sendo que esta


suspensão é da iniciativa do trabalhador. Contudo, não está enquadrada na figura da
suspensão individual, porque é uma concretização da figura mencionada: o empregador
não cumpre o seu dever de pagamento pontual da prestação, pelo que o trabalhador
também não está obrigado a executar a atividade, dado o contrato ser sinalagmático.
O trabalhador pode exercer outra atividade remunerada durante a suspensão do contrato
de trabalho, com respeito do dever de lealdade ao empregador originário (art.º 326 do
CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 139


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Modus operandi: A suspensão por falta de pagamento pontual da retribuição é possível


após 15 dias de mora sobre a data de vencimento, mediante comunicação escrita ao
empregador e à ACT com a antecedência de pelo menos 8 dias relativamente ao início da
suspensão (art.º 325/1 do CT).
Vencimento -------------- Comunicação -------------- Suspensão
15 dias 8 dias
A suspensão cessa quando o empregador paga as retribuições acrescidas de juros de
mora, ou por acordo das partes, ou por comunicação do trabalhador de regresso ao
trabalho ou de resolução do contrato (art.º 327 do CT).

13.2 TRANSMISSÃO DA EMPRESA:


Está regulada nos art.º 285 a 287 do Código do Trabalho.
Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou
estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma
unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos
contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo
pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral (art.º 285 do CT).
Com a transmissão da empresa há uma cessão da posição contratual do empregador, não
por contrato, mas por força da lei, i.e., o adquirente fica na titularidade dos contratos
de trabalho existentes (com a transmissão da empresa também se transmitem os
contratos de trabalho, pelo que a transmissão da empresa não cessa os contratos de
trabalho).
Os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e
adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo
funcional e benefícios sociais adquiridos.
Além do regime legal existem, também, instrumentos normativos internacionais de
proteção da manutenção dos contratos de trabalho em caso de transmissão da empresa.

13.3 CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES:


Já estudado anteriormente (vimos a propósito da proximidade dos seus efeitos com o
trabalho temporário) – Ver a pág. 54 desta sebenta.

Filipe Schumacher e Joana Dias 140


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14. CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO:

Depois de termos visto como se constitui e desenrola a relação de trabalho, vamos ver a
cessação do contrato de trabalho.
A cessação tem o seu regime positivo nos art.º 338 e seguintes do CT, mas tem também
alguns instrumentos internacionais que lhe são aplicáveis, nomeadamente:
o A Convenção 158 da OIT sobre a cessação do contrato de trabalho.
o A Diretiva 98/59/CE do Conselho sobre os despedimentos coletivos.

Ambos tentam estabelecer princípios ordenadores da cessação que não permitam


cessações arbitrárias unilaterais.
A par disto, temos os princípios constitucionais que interferem com esta matéria do
regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, nomeadamente:
o O princípio da segurança no emprego. Este princípio é a garantia aos
trabalhadores da segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem
justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (art.º 53 da CRP).
Este princípio tem concretização no art.º 338 do CT, que proíbe os despedimentos
sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
o O princípio da liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública
(art.º 47 do CT), vai impedir que os trabalhadores fiquem vinculados além daquilo
que é a sua vontade e autodeterminação profissional.

REGIME POSITIVO DO CÓDIGO DO TRABALHO SOBRE A CESSAÇÃO:

O art.º 339 do CT impõe a imperatividade do regime da cessação do contrato de


trabalho, embora com quatro ressalvas para instrumentos de regulação coletiva:
o Critérios de definição de indemnizações.
o Prazos de procedimento.
o Prazos de aviso prévio.
o Valor de indemnizações dentro dos limites do Código de Trabalho.

Tudo isto pode ser alterado por instrumentos de regulação coletiva. Todas as
outras matérias são imperativas.

Filipe Schumacher e Joana Dias 141


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O art.º 340 enuncia as modalidades de cessação do contrato de trabalho (elenco típico):


o Caducidade.
o Revogação.
o Despedimento por facto imputável ao trabalhador (despedimento por justa causa).
o Despedimento coletivo.
o Despedimento por extinção do posto de trabalho.
o Despedimento por inadaptação.
o Resolução pelo trabalhador.
o Denúncia pelo trabalhador.

Se olharmos para estas modalidades de cessação do prisma das categorias obrigacionais


de cessação do contrato, temos formas de:
o Caducidade.
o Revogação.
o Resolução pelo empregador (despedimento por facto imputável ao trabalhador;
despedimento coletivo; despedimento por extinção do posto de trabalho;
despedimento por inadaptação).
o Resolução pelo trabalhador.
o Denúncia pelo trabalhador.
Nota: Obviamente que não há denúncia pelo empregador, na medida em que todo o
regime do contrato de trabalho é construído com base na proteção contra decisões
arbitrárias e individuais do empregador.

Se olharmos para as modalidades quanto à iniciativa temos formas de cessação:


o Neutra:
- Caducidade.
o Unilaterais:
- Por iniciativa do empregador (despedimento por facto imputável ao trabalhador;
despedimento coletivo; despedimento por extinção do posto de trabalho;
despedimento por inadaptação).
- Por iniciativa do trabalhador (resolução pelo trabalhador; denúncia pelo
trabalhador).
o Bilateral:
- Revogação.

Filipe Schumacher e Joana Dias 142


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14.1 CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO:

A caducidade do contrato de trabalho vem prevista nos art.º 343 e seguintes do CT.
A lei prevê três causas de caducidade:
1. Verificação do termo resolutivo (nos contratos a termo).
2. A Impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar
trabalho ou de o empregador o receber (p.e., com a morte do empregador. Há uma
impossibilidade de receber a prestação. Mas pode acontecer que esse
empregador tenha um sucessor. Nesse caso a impossibilidade já não seria
absoluta e definitiva, pelo que não impede a manutenção do contrato de
trabalho).
3. Reforma do trabalhador.

1. Verificação do termo resolutivo (nos contratos a termo) – Recordar:


A verificação do termo faz caducar estes contratos a termo. No entanto, a caducidade
não é automática nem num contrato a termo certo, nem num contrato a termo incerto.
Assim, como já vimos anteriormente, na caducidade do contrato a termo certo, só
caduca com aviso prévio de 15 dias pelo empregador ou de 8 dias pelo trabalhador e
há um direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base +
diuturnidades/ ano de antiguidade (compensação de precariedade) – art.º 344 do CT.
Já a caducidade do contrato a termo incerto depende de aviso prévio de 7, 30 ou
60 dias pelo empregador consoante o contrato tenha durado até 6 meses, de 6 meses
a 2 anos ou por período superior a 2 anos e há um direito a compensação
correspondente a 18 dias de retribuição base + diuturnidades/ ano de antiguidade, nos
primeiros 3 anos de duração do contrato e 12 dias de retribuição base +
diuturnidades/ano de antiguidade, nos anos subsequentes (compensação de
precariedade) – art.º 345 do CT.

2. A Impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar


trabalho ou de o empregador o receber:
O art.º 346 do CT regula precisamente esta situação da morte do empregador, extinção
de pessoa coletiva ou encerramento de empresa. Assim, podemos apontar como outras
causas de caducidade regulamentadas expressamente:
- A morte do empregador em nome individual, se o(s) sucessor(es) não
continuarem a atividade ou se a empresa não for transmitida.

Filipe Schumacher e Joana Dias 143


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- A extinção da pessoa coletiva empregadora, se não se transmitir a empresa ou o


estabelecimento.
- O encerramento total e definitivo da empresa (seguindo-se o procedimento de
despedimento coletivo).

3. Reforma do trabalhador:
A reforma do trabalhador (quer por velhice, quer por invalidez) é uma forma especial
de caducidade com regime próprio.
O contrato caduca aos 70 anos do trabalhador sem reforma (i.e., se ele não se tiver
reformado antes). Se ele se mantiver em atividade 30 dias após fazer 70 anos o
contrato converte-se em contrato a termo resolutivo (art.º 348 do CT).
Note-se aqui que esta conversão do contrato de trabalho em contrato a termo torna-se
numa sub-modalidade com regime próprio face aos contratos a termo resolutivos,
pois aqui:
- Não há necessidade de reduzir o contrato a escrito.
- Tem uma duração de 6 meses, renovável por períodos iguais, não existindo limite
de renovações. Ou seja, de 6 em 6 meses pode-se renovar o contrato enquanto o
trabalhador assim o entender.
- A caducidade opera, ou por iniciativa do empregador, situação em que tem de
ter havido um aviso prévio de 60 dias; ou por iniciativa do trabalhador, operada
por aviso prévio de 15 dias.
- A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao
trabalhador.

14.2 REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO:


Falaremos agora da extinção do contrato de trabalho por mútuo acordo das partes
(art.º 349/1 do CT). O ponto aqui é pacífico, pois não faria qualquer sentido querer manter
em vigor um contrato de trabalho contra a vontade de ambos os contraentes. Como nos
diz João Leal Amado, assistimos aqui a “um autêntico despedimento negociado”, pelo
que “é uma autêntica válvula de escape ao serviço do empregador”.
O acordo de revogação é um acordo formal, independentemente de a celebração ter ou
não sido feita por escrito (“acordo de revogação deve constar de documento assinado
por ambas as partes” – art.º 349/2 do CT) e tem um âmbito de forma legal que
compreende a data da celebração e a data de início da produção dos efeitos (art.º 349/3
do CT) →“A inobservância de forma escrita implicará a nulidade do acordo
revogatório, nos termos gerais do art.º 220 do Código Civil”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 144


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O art.º 349/5 estabelece uma presunção relativa de que se as partes estabelecerem uma
compensação pecuniária global para o trabalhador, se presume que essa quantia inclui
todos os créditos laborais do trabalhador vencidos, i.e., presume-se a plenitude do
pagamento devido. Esta compensação, como nos diz João Leal Amado na obra Contrato
de Trabalho, “será o preço a pagar pelo empregador ao trabalhador para que as
negociações cheguem a bom porto”.
De acordo com o art.º 350, o trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do
contrato mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia
seguinte à data da respetiva celebração (i.e., o trabalhador pode arrepender-se e até ao 7.º
dia ele pode voltar atrás na decisão de revogação).
Evidentemente, nesse caso terá de restituir aquilo que recebeu em cumprimento do acordo
de revogação ou a título da cessação do contrato.
Este direito ao arrependimento não existe, caso o acordo de revogação tiver sido objeto
de reconhecimento presencial das assinaturas, i.e., se tiver havido uma formalidade
adicional que permitiu ao trabalhador tentar compreender e refletir melhor os seus efeitos
(é um pressuposto negativo deste direito ao arrependimento).

14.3 DESPEDIMENTO PELO EMPREGADOR:

É a resolução por iniciativa do empregador. Deveríamos falar de despedimentos e não


de despedimento, na medida em que temos:
o Despedimento por justa causa: Despedimento por comportamento infracional
do trabalhador. Trata-se de uma causa subjetiva.
o Despedimento por causas objetivas: Não é um despedimento sancionatório, mas
que é feito por circunstâncias externas às partes. É o caso do despedimento
coletivo, do despedimento por extinção do posto de trabalho e do
despedimento por inadaptação.

DESPEDIMENTO POR JUSTA CAUSA (art.º 351 a 358 do CT):


É um despedimento que resulta do incumprimento contratual, incumprimento esse que
pode resultar da violação da prestação principal ou de deveres acessórios desta prestação.
Traduz uma sanção disciplinar.
A noção de justa causa está no art.º 351 do CT que nos diz que “Constitui justa causa
de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e
consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho”.

Filipe Schumacher e Joana Dias 145


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Depois o n.º 2 elenca alguns comportamentos infracionais do trabalhador que


constituem justa causa de despedimento (é uma enumeração exemplificativa, na medida
em que está escrito “nomeadamente”).
Assim, os elementos constituintes da justa causa são:
o Um comportamento (ação ou omissão) imputável a título de culpa ao trabalhador.
o Tem de ser um comportamento grave. A este propósito Jorge Leite diz-nos que
“a gravidade do comportamento [do trabalhador] […] não pode obter-se através
do recurso a critérios de valoração subjetiva do empregador, mas a critérios de
razoabilidade (ingrediente objetivo)”.
o Capaz de produzir consequências.
o Não pode ser exigível após esse comportamento a manutenção do contrato de
trabalho, devido à gravidade da situação.
A justa causa combina uma cláusula geral com uma concretização exemplificativa:
O apuramento do que seja a justa causa pressupõe esta leitura dialética entre a cláusula
geral e a concretização exemplificativa, pelo que pode haver justa causa fora do elenco
do artigo (i.e., fora da concretização exemplificativa), desde que se verifique a cláusula
geral.
Assim, não basta o preenchimento de alguma destas alíneas do n.º 2, sendo necessário
que estejam reunidos os pressupostos da cláusula geral do n.º 1. Isso é o que faz com que
numa empresa o despedimento possa ser lícito e noutra já não.
Apuramento da justa causa do despedimento: A justa causa de despedimento apura-se
no procedimento disciplinar, porque ela reveste-se de consequências muito importantes
para o trabalhador. Foi por isso que o legislador acrescentou uma garantia da
procedimentalização que conhece duas variantes:

o Um procedimento disciplinar comum:


Tipos de sanções: Antes de mais importa mencionar que para culminar no
despedimento tem de haver um procedimento disciplinar e há um princípio
que importa referir: princípio da proporcionalidade da sanção disciplinar ao
comportamento, i.e., a sanção mais grave é o despedimento, mas há mais sanções
(as sanções que o empregador pode aplicar estão no art.º 328 do CT).
Assim sendo, como é que se processa o despedimento? Nos termos do art.º 323
do CT (regra geral) a parte que falta culposamente ao cumprimento dos deveres é
responsável pelos prejuízos que causa à contraparte.
O empregador que quer despedir o trabalhador terá, em primeiro lugar, de iniciar
o procedimento disciplinar (art.º 328 e seguintes do CT). Este procedimento
disciplinar pode culminar com várias sanções: repreensão, repreensão registada,
perda de dias de ferias, despedimento, etc. Como vimos agora mesmo, o
despedimento é a sanção mais grave.

Filipe Schumacher e Joana Dias 146


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Prazos: Relativamente ao prazo para o exercício do poder disciplinar é de 1 ano


após a prática da infração, mas se a conduta constitui crime o prazo de prescrição
é o do processo penal (art.º 329/1 do CT). Além deste prazo geral de um ano,
temos outro prazo que é de 60 dias após o conhecimento da infração por parte do
empregador ou do superior hierárquico (art.º 329/2 do CT). Se não forem
cumpridos estes prazos o despedimento será ilícito, nos termos do art.º 382/1 do
CT (art.º 382/1 do CT).
Trâmites: Nos termos do art.º 329/6 do CT a sanção disciplinar não pode ser
aplicada sem audiência prévia do trabalhador.
Primeiramente temos a acusação. Este procedimento pode iniciar-se ou não com
um inquérito prévio, que tem como peça central a nota de culpa (art.º 353 do
CT), em que “No caso em que se verifique algum comportamento suscetível de
constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao
trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento,
juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são
imputados”. “Na mesma data, o empregador remete cópias da comunicação e da
nota de culpa à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja
representante sindical, à associação sindical respetiva”.
João Leal Amado relembra-nos na sua obra Contrato de Trabalho que “se o
empregador realmente manifestar essa intenção extintiva, nem por isso fica
obrigado a despedir o trabalhador, no termo do processo (afinal, o procedimento
serve, precisamente, para o apuramento da verdade...)”.
Nota: Alguma doutrina tem contestado que a lei exija do empregador esta
declaração de intenções logo no início do procedimento, pois só no fim é que ele
terá elementos bastantes que lhe permitirão concluir se o despedimento é ou não
a sanção mais adequada.
O art.º 354 do CT prevê a possibilidade de suspensão preventiva do
trabalhador, que são as situações em que o comportamento infracional pode ser
de tal maneira grave que a presença do trabalhador na empresa pode revelar-se
prejudicial para o ambiente empresarial, mas também para o andamento do
procedimento. Neste caso ele mantém o pagamento da retribuição.
Segue-se a defesa. O princípio do contraditório impõe que o trabalhador possa
responder à nota de culpa (art.º 355 do CT). Para tal, o trabalhador dispõe de 10
dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa. Trata-se de um
direito do trabalhador e não de um ónus jurídico que sobre si recaia.
Depois destes dois elementos de pronúncia das partes há lugar à instrução,
nomeadamente à produção de prova (art.º 356 do CT). Antes esta fase era
facultativa, mas depois do Acórdão do TC 338/2010, a fase da instrução deixou
de ser facultativa porque se considerou que esta norma violava o art.º 32/10 da
CRP e o art.º 53 da CRP.

Filipe Schumacher e Joana Dias 147


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Nesta fase o empregador deve realizar as diligências probatórias requeridas na


resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou
impertinentes.
Parecer da estrutura representativa dos trabalhadores. Aqui, o art.º 356/5 do
CT prevê que o empregador apresentará cópia integral do processo à comissão de
trabalhadores, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o
seu parecer fundamentado.
Por fim, segue-se a decisão do empregador de despedimento por facto imputável
ao trabalhador, cujos requisitos constam do art.º 357 do CT. O empregador dispõe
de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do
direito de aplicar a sanção.
Em suma: Este é o procedimento disciplinar regra, que terá de ser observado sob
pena de ilicitude de despedimento.
Possibilidade de suspensão preventiva do despedimento (art.º 33-A e seguintes
do Código do Processo de Trabalho): Já falamos da suspensão do trabalhador.
Mas importa também falar da suspensão do despedimento. Como o despedimento
tem consequências muito relevantes na vida das pessoas, pode-se requerer uma
providência cautelar destinada a suster temporariamente o despedimento até
à apreciação da licitude da ação do despedimento.
Este procedimento é aplicável a qualquer modalidade de despedimento por
iniciativa do empregador, seja individual, seja coletivo.

o E outro procedimento disciplinar para microempresas (art.º 358 do CT):


A noção de microempresa está no art.º 100 do CT: Empresa com menos de 10
trabalhadores. Embora se mantenha o contraditório, o procedimento aqui é
simplificado.

Neste procedimento que vimos, o que é que pode correr mal? Vamos então ver as causas
de invalidade e de ilicitude neste procedimento do despedimento, seja de ordem
formal/procedimental, seja de ordem substantiva:
o No art.º 381 do CT temos os fundamentos gerais de ilicitude de despedimento:
“O despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
… Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos,
ainda que com invocação de motivo diverso. São motivos discriminatórios.
… Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente
(i.e., insubsistência de justa causa. Por outras palavras é quando se

Filipe Schumacher e Joana Dias 148


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verifica que afinal as acusações não correspondem à realidade, então há


insubsistência da justa causa. Isso torna o despedimento inválido).
… Se não for precedido do respetivo procedimento – Inexistência de
procedimento disciplinar.
… Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador
durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas
modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente
na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (a CITE –
Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego).
… Prescrição da infração disciplinar.
… Prescrição do procedimento disciplinar.
o Também pode haver invalidade do procedimento quando há falta da nota de
culpa, quando falta a comunicação da intenção de despedimento, quando há
violação do direito de defesa do trabalhador e quando não há redução a escrito da
decisão de despedimento e dos respetivos fundamentos (art.º 382/2 do CT).

o Nota: O art.º 382 do CT é uma norma privativa do despedimento com justa causa.
Mas temos ainda o art.º 381 do CT, que tem fundamentos gerais de ilicitude que
são aplicáveis a qualquer forma de cessação do contrato.

DESPEDIMENTO COLETIVO (art.º 359 a 366-A do CT):


A noção deste despedimento pode ser encontrada no art.º 359 do CT: “Considera-se
despedimento coletivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador
e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo
menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respetivamente, de microempresa
ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre
que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou
estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos
de mercado, estruturais ou tecnológicos”.
De acordo com esta noção conseguimos destacar que este despedimento tem três
elementos constituintes:
o O elemento económico, porque tem de dizer respeito à estrutura da empresa.
o O elemento quantitativo, porque tem de abranger 2 a 5 trabalhadores, consoante
a dimensão da empresa. Não pode dizer respeito a apenas um trabalhador,
evidentemente, na medida em que é coletivo.
o O elemento temporal, porque podem prolongar-se por período de 3 meses (os
despedimentos não têm de ser consecutivos).

Filipe Schumacher e Joana Dias 149


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Também aqui temos um procedimento, que tem uma projeção externa acrescida
relativamente ao procedimento disciplinar:
o Comunicação formal à estrutura representativa dos trabalhadores ou aos
trabalhadores abrangidos (art.º 360 do CT).
o Fase informativa e negocial com participação do serviço competente do ministério
responsável. I.e., dá-se conhecimento aos serviços competentes do ministério
sobre a intenção de proceder ao despedimento coletivo (art.º 361 e 362 do CT).
o Segue-se a fase da decisão do despedimento coletivo (art.º 363 do CT).
o É enviada a comunicação por escrito, com aviso prévio, a cada um dos
trabalhadores atingidos (art.º 363 do CT).
Aos trabalhadores são concedidos alguns direitos nesta hipótese:
o Durante o prazo de aviso prévio, o trabalhador tem direito a um crédito de horas
correspondente a dois dias de trabalho por semana, sem prejuízo da retribuição
(art.º 364 do CT).
o Direito à denúncia do contrato (art.º 365 do CT).
o Tem ainda direito a compensação por despedimento (12 dias de retribuição +
diuturnidades por cada ano completo de antiguidade) sujeita a limite máximo (art.º
366 do CT).
Como se calcula esta fórmula de compensação no despedimento coletivo? Art.º
366/1 do CT: (12 dias retribuição base + diuturnidades) x n.º de anos completos
de antiguidade.
Mas esta compensação tem limites: O art.º 366/2 do CT prevê que:
- Limite máximo de um dos termos: O valor dos 12 dias retribuição base
mensal + diuturnidades do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo
da compensação não pode ser superior (tem de ser igual ou inferior) a 20
meses de retribuição mínima mensal.
(12 dias de retribuição + diuturnidades) = ou < 20 meses de retribuição
mínima mensal)
- Limite máximo global: Não pode ser superior (tem de ser igual ou
inferior) a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do
trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
(12 dias retribuição + diuturnidades) x nº de anos completos de
antiguidade) = ou < 12 x (12 dias retribuição + diuturnidades)
(12 dias retribuição + diuturnidades) = ou < 240 x retribuição mínima
mensal

Filipe Schumacher e Joana Dias 150


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Esta forma de compensação estende-se a outras situações por remissão


expressa: Art.º 164/1/b) – comissão de serviço; Art.º 190/2 – trabalho temporário;
Art.º 194/5 – transferência de local de trabalho; Art.º 344/2 – caducidade do
contrato; Art.º 345/5 – caducidade do contrato; Art.º 346/5 – caducidade do
contrato; Art.º 347/5 – caducidade do contrato; Art.º 372 - despedimento por
extinção do posto de trabalho; Art.º 379 – despedimento por inadaptação.

DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO (art.º 367 a 372


do CT):
“Considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato
de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta
seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”.
Requisitos (art.º 368 do CT):
o Objetividade da causa: Tem de ser devida a motivos de mercado, estruturais ou
tecnológicos, relativos à empresa. Estes motivos indicados não podem ser devidos
a conduta culposa do empregador ou do trabalhador.
o Impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho – indisponibilidade
de posto de trabalho alternativo.
o Inexistência, na empresa, de contratos a termo para tarefas correspondentes ao
posto a extinguir.
o Inaplicabilidade do regime do despedimento coletivo.
Pode acontecer que na mesma empresa haja necessidade de extinguir um posto, mas que
haja vários postos de trabalho semelhantes, pelo que será necessário selecionar quais vão
ser extintos – os critérios estão no art.º 368/2 do CT:
o Pior avaliação de desempenho.
o Menores habilitações académicas e profissionais.
o Maior onerosidade de manutenção para a empresa.
o Menor experiência.
o Menor antiguidade na empresa.
Também aqui há um procedimento:
o Comunicação fundamentada (art.º 369 do CT).
o Consultas (art.º 370 do CT).
o Decisão formal, fundamentada (Art.º 371 do CT).
o Comunicação da decisão ao trabalhador, às instâncias de representação coletiva e
à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) (art.º 371 do CT).

Filipe Schumacher e Joana Dias 151


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DESPEDIMENTO POR INADAPTAÇÃO (art.º 373 a 380 do CT):


Exemplificação das situações em que há inadaptação: Redução continuada de
produtividade ou de qualidade; avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho;
riscos para a segurança e saúde do trabalhadores, dos trabalhadores ou de terceiros;
incumprimento de objetivos acordados (cargos de complexidade técnica ou de direção)
(art.º 374/1 e 2 do CT).
Assim, os requisitos da inaptidão são: a modificação substancial da prestação (redução
continuada da produção ou qualidade, avarias repetidas, riscos para a segurança) e o
incumprimento de objetivos em cargo de complexidade técnica ou de direção.
Pressupostos da inadaptação:
o Superveniente (art.º 373 do CT).
o Originar a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho (art.º
374/1 do CT).
o Decisão formal, fundamentada (art.º 378/1 do CT).
o Comunicação da decisão ao trabalhador, às instâncias de representação coletiva e
à ACT (art.º 378/2 e 376/1 e 2 do CT). Tem ainda de proceder a consultas, nos
termos do art.º 377 do CT, antes da tal decisão.
Além da situação de inadaptação, é ainda preciso requisitos cumulativos de
inadaptação – art.º 375/1 do CT:
o Introdução de modificações nos postos de trabalho nos últimos 6 meses.
o Formação profissional adequada.
o Período de adaptação não inferior a 30 dias.
o Inexistência de posto de trabalho na empresa compatível com a categoria do
trabalhador.
Direitos dos trabalhadores no despedimento por inadaptação – art.º 379 do CT:
o Crédito de horas.
o Direito de denúncia durante o prazo de aviso prévio.
o Compensação por despedimento.
Além disso, o empregador é obrigado a manter o mesmo nível de emprego no prazo de
90 dias (obrigação extracontratual do empregador) – art.º 380 do CT.

Filipe Schumacher e Joana Dias 152


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14.4 RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR:

Pode acontecer por justa causa (art.º 394 do CT). O n.º 2 deste artigo possui um elenco
exemplificativo de comportamentos do empregador que constituem justa causa de
resolução do contrato pelo trabalhador:
o Falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
o Violação culposa de garantias legais ou convencionais.
o Aplicação de sanção abusiva.
o Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho.
o Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios.
o Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do
trabalhador.
Temos ainda outros motivos:
o Necessidade de cumprimento de obrigação legal.
o Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho.
o Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
Também aqui há um procedimento:
o Comunicação fundamentada da resolução do contrato, por escrito (art.º 395/1 do
CT).
o Prazo de 30 dias a contar do conhecimento do facto (art.º 395/1 do CT).
o Reconhecimento notarial presencial da assinatura, se exigido pelo empregador
(art.º 395/4 do CT).
o Em caso de falta culposa de pagamento pontual da retribuição: Prazo de resolução
conta-se a partir dos 60 dias de mora ou da declaração do empregador (art.º 394/5
e 395/2 do CT).
o Cumprimento de obrigação legal: Comunicação logo que possível (art.º 395/3 do
CT).
Havendo resolução por justa causa, dá-se lugar à indemnização (art.º 396 do CT):
o Montante fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base + diuturnidades x anos de
antiguidade (porque é este montante e as diuturnidades por cada ano de
antiguidade).
o Montante mínimo: 3 x retribuição base + diuturnidades (pois não pode ser inferior
a três meses de retribuição base e diuturnidades).
o Montante mínimo no contrato a termo: valor das retribuições vincendas.
o O valor da indemnização pode ser superior sempre que o trabalhador sofra danos
patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
À semelhança da revogação também aqui se pode revogar a resolução – direito de
arrependimento (art.º 397 do CT):

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o Pressuposto: Declaração resolutiva sem reconhecimento notarial presencial da


assinatura.
o Prazo: 7 dias (+ 1) posteriores à chegada ao poder do empregador.
o Forma escrita.
o Colocação à disposição do empregador da totalidade do montante de quantias
recebidas por efeito da cessação do contrato.

14.5 DENÚNCIA PELO TRABALHADOR:

DENÚNCIA COM AVISO PRÉVIO:


É também uma forma de cessação por iniciativa do trabalhador, mas que já não é
fundada em justa causa. É uma desvinculação que opera para o termo do aviso prévio
– art.º 400 do CT: “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de
justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência
mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois
anos de antiguidade”. Exige-se uma comunicação formal.
Assim, aqui não há nenhum comportamento infracional do empregador. O
trabalhador quer-se desvincular, então dá um aviso prévio para evitar danos de
rutura brusca.
O aviso prévio pode estender-se até 6 meses, por IRC, para trabalhadores em cargos de
administração, direção, funções de representação ou de responsabilidade.
O aviso prévio no contrato a termo: 30 dias, se a duração do contrato for de, pelo menos,
6 meses, ou de 15 dias, se a duração for inferior.
O aviso prévio no contrato a termo incerto, conta-se para este efeito a duração já
decorrida.

DENÚNCIA SEM AVISO PRÉVIO:


Se o trabalhador não cumprir total ou parcialmente o aviso prévio, o art.º 401 do CT prevê
que o trabalhador deve fazer o pagamento ao empregador de indemnização de valor
igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, acrescida da
indemnização por danos causados pela inobservância da obrigação de aviso prévio ou
decorrente de pacto de permanência.

Mais uma vez, temos a revogação da denúncia no art.º 402 do CT, cumprindo-se o prazo
e os pressupostos:
o Pressuposto: declaração sem reconhecimento notarial presencial da assinatura.
o Prazo: 7 dias (+ 1) posteriores à chegada ao poder do empregador.

Filipe Schumacher e Joana Dias 154


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o Forma escrita.
o Colocação à disposição do empregador da totalidade do montante de quantias
recebidas por efeito da cessação do contrato.

Situação específica que o CT trata – ABANDONO DO TRABALHO (art.º 403 do


CT): “Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço
acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o
retomar”, i.e., o trabalhador pega nas suas coisas e vai-se embora.
Presume-se (presunção relativa) abandono em caso de “ausência de trabalhador do
serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja
informado do motivo da ausência”.
O n.º 3 acrescenta que “O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato”. No
entanto, ele só pode ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador
dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada
com aviso de receção para a última morada conhecida deste. I.e., o empregador tem um
ónus, pois é ele que tem de estabelecer esta comunicação para ter a certeza.
Os efeitos são os efeitos da denúncia sem aviso prévio, i.e., de acordo com o art.º 403/5
e 401 do CT, deverá efetuar o pagamento ao empregador de indemnização de valor igual
à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, acrescida da
indemnização por danos causados pela inobservância da obrigação de aviso prévio ou
decorrente de pacto de permanência.

Filipe Schumacher e Joana Dias 155


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15. “TELETRABALHO NO PERÍODO PÓS PANDEMIA”:


Aula aberta lecionada pelo Dr. Célio Pereira Oliveira Neto

É importante olhar para uma perspetiva histórica:

o Cenário antes da 1.ª Revolução Industrial: O ser humano vivia aglutinado em


pequenos grupos compostos por famílias, que vivam da pesca, caça, pastoreio, e
consumia fontes de energias renováveis.
o Com a 1.ª Revolução Industrial: O cenário mudou com a máquina a vapor e
incremento da produção, inserindo a fábrica na vida das pessoas. A partir daí
surgiu a figura do empregador/patrão/empresário como detentor do comando,
trazendo, nesse 1º momento, uma separação das famílias que vão para a fábrica
(homem ferramenta – ferramenta aparece como uma extensão do homem).
o Vem a 2.ª Revolução Industrial, e com “Taylorismo”, há a administração
conjunta de tempos e tarefas e uma hierarquia absolutamente piramidal (“manda
quem pode, obedece quem tem juízo”). Nessa há tarefas repetitivas (ex. clássico
ALFASUD ITÁLIA – nessa fábrica os trabalhadores faziam tarefas que
demoravam 75 segundos a ser executadas, e só faziam essa mesma tarefa ao longo
do dia de trabalho. Acreditava-se que quanto mais se repetisse a tarefa mais
produtividade haveria). O relógio da fábrica moldou o funcionamento da
sociedade. Tudo funcionava em torno deste horário da fábrica (horário do
comércio, o de levar as crianças à escola, etc.). Tempos de homem-máquina, a
máquina era como extensão do homem.
o 3.ª Revolução Industrial: Revolução do computador, 1º, pelos mainframes que
ocupavam uma sala inteira; computação pessoal; robótica; barateamento dos
produtos e serviços; democratização do uso do computador; crescimento do setor
dos serviços: a fábrica perde importância e há uma migração dos empregos para
o setor dos serviços, inclusive estabelecem-se empresas satélites que gravitam em
torno das fábricas e que lhes oferecem serviços. Veja-se que na 2ª Revolução
Industrial, Ford tinha navios e florestas, porque tudo era produzido na fábrica.
Com a 3ª Revolução Industrial há uma inversão. Insere-se o operador
multifuncional (opera várias atividades ao mesmo tempo e não só uma atividade
repetitiva), inserem-se centros de controlo da qualidade. Diminuição de
hierarquias (começa a ficar menos acentuado o modelo da hierarquia). Cenário de
desemprego estrutural18, pois em razão de maior de produtividade gera-se menos
empregos – primeira onda de flexibilização (com novas modalidades de
emprego).

18
As três maiores produtoras de automóveis, em Detroit, geravam 1.2 milhão empregos e uma
receita de 250 bilhões ao ano. Agora, as gigantes geram 1.9 triliões ao ano, e somente 137 mil
empregos. Veja-se a escala deste desemprego estrutural que se instala.

Filipe Schumacher e Joana Dias 156


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o 4.ª Revolução Industrial: Momento que estamos a viver – estamos no início de


uma revolução que afetará profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos
e relacionamos. A escala de evolução tecnológica irá refletir-se em todas as áreas
da vida, e isso acontece em razão da combinação do mundo tecnológico, social e
laboral, que gera transformações exponenciais.

Estamos na sociedade da informação, e a forma virtual de produção de informação.

Cenário imaterial/virtual. Tudo fica na nuvem. Sociedade que funciona toda ela em rede,
e a existência é um espetáculo (não é ao acaso que o Facebook é azul, no final “todos são
heróis”. Não se divulgam as partes negativas da vida.). A nossa memória está em chips e
em nuvens, e já não mais em fotografias palpáveis.

Troca da escrita pelo digital. Trocámos o conceito de escrita pela imagem que reflita a
situação. A noção clássica de liberdade passa a ser virtual, sem materialidade, tanto que
consigo partilhar tudo com todos ao mesmo tempo.

O trabalho não precisa mais de ser prestado dentro da fábrica. A produção também é ela
desmaterializada, estando no ambiente virtual, e é aqui que se insere o teletrabalho. O
COVID-19 escancarou a existência de que todo o cenário da sociedade de informação
estava preparado pelo teletrabalho, mas não foi o COVID que trouxe a forma teletrabalho.
Há uma diversificação do local de trabalho e descentralização produtiva.

O teletrabalho sempre se desenvolveu na crise. A 1.ª onda foi na crise do petróleo na


década de 70. Ao invés de irmos ao trabalho o trabalho ia até nós. Depois a 2ª onda do
teletrabalho veio com o ataque às torres gémeas. A 3ª onda foi com a COVID-19, sendo
a maior experiência de teletrabalho. O teletrabalho foi a maneira de a sociedade continuar
a viver e a gerar rendimentos

Mas afinal o que é o teletrabalho? Trabalho à distância, não presencial, mediante o uso
das TIC. Na sua essência com jornadas flexíveis.

Conselho da OIT: forma de trabalho efetuada num lugar diferente do escritório central/do
centro de produção e que implica o uso de TIC que permite a separação e facilita a
comunicação.

Definição da fundação europeia para a melhoria das condições de vida e trabalho:


qualquer forma de trabalho desenvolvida por conta de um empresário ou de um cliente
por um trabalhador dependente/autónomo/de domicílio, efetuada regularmente em 1+
lugares distintos, utilizando as TIC.

Mas para se enquadrar o teletrabalho não tem de ser empregado, no mínimo, dependente
para aplicar a legislação do teletrabalho? Sim, mas sempre que estiver a trabalhar de
forma descentralizada, por etimologia da palavra estou em teletrabalho.

Filipe Schumacher e Joana Dias 157


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Durante o COVID-19, a OIT criou um guia sobre conceitos:


o Trabalho remoto é algo maior, dentro desse há o trabalho à distância (estou em
teletrabalho quando faço isso por meio de dispositivos de uso pessoal), e quando
faço isso da minha casa estou em home office, desde que esteja num lugar
diferente do lugar padrão. Se estou no mesmo lugar que sempre trabalho não estou
em modo de teletrabalho ou home office, mas em home based work. Veja-se uma
sociedade de advogados, temos um escritório e durante a pandemia trabalhamos
em casa = home office. Agora, imagine-se que não se quis criar um escritório e
que quis trabalhar sempre em casa enquanto trabalho = home based work.

Vivemos num regime de Teletrabalho precário, não é na sua plenitude exercido com as
melhores vantagens19 que o Teletrabalho oferece. Contudo, há que mencionar que o
teletrabalho colabora decisivamente com a agenda 2030.
✓ ODS 3, saúde e bem-estar, no sentido que com a deslocação advém gastos acrescidos
de tempo e dinheiro, e o tempo que é poupado amplia o convívio familiar, podemos
trabalhar em hobbies que nos deem prazer e no investimento em qualificação – persuit
of happines.
✓ ODS 5, órgão crescente de DF num movimento de igualdade de género. Como assim?
Porque o teletrabalho prevê e contribui com o trabalho pós licença de maternidade e
de paternidade, mantendo a mulher no mercado de trabalho.
✓ ODS 8, crescimento económico, dada a diminuição de custos (poupança em pequenas
coisas, o trabalho ocioso, o absentismo – faltamos menos ao trabalho, por já estarmos
em casa20, ganho de produtividade, reduz-se riscos de acidentes de trajeto,
trabalhadores mais felizes, trabalho em tempo real, contratação em qualquer parte do
mundo).
✓ ODS 10, redução das desigualdades, empoderando a inclusão social. A inclusão de
pessoa portadora de deficiência é feita de uma maneira mais fácil e eficaz.
✓ ODS 12, produção sustentável, pois se tivermos um Teletrabalho híbrido teremos uma
redução significativa da queima do combustível não renovável, e existe o dia em que
a demanda da humanidade supera o que ela tinha de recursos afetos para esse ano. Em
2019 foi no dia 29 de julho. EARTH OVERSHOOT DAY.

Nota: Importância da ODS 11.6 e 12.2.

19
Comodidade, ausência de necessidade de locomoção, economia do tempo gasto, diminuição do
fluxo migratório, utilização do tempo, trabalhar de acordo com o ritmo de cada um, ajustando
melhor as suas tarefas, trabalho de acordo com o biorritmo, liberdade de horários, redução do
tempo de overtime, possibilidade cuidar de alguém doente em casa, auto-organização.
Antes havia a perceção que a jornada de emprego devia ser quantitativa. Hoje entende-se que o
tempo de trabalho não é sinonimo de qualidade do mesmo, sendo a qualidade privilegiada.
20
Não é por estar a trabalhar em Teletrabalho que não se separa a vida privada e o trabalho. Há
um ganho de produtividade com o teletrabalho, mas não nos podemos esquecer que continuam a
existir doenças e baixas.

Filipe Schumacher e Joana Dias 158


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Todas estas disposições mostram que o teletrabalho pode contribuir para um mundo mais
sustentável.

Mas o cenário que vivemos é de teletrabalho precário, desde logo porque foi repentina a
mudança, e porque vivíamos com medo da doença. Havia casais e crianças a dividir a
mesma sala. Percebe-se que este cenário foi potenciado pela não orientação das pessoas
em como teletrabalhar.

Inseriu-se um direito, na organização do trabalho, um direito ao teletrabalho, em razão


dos riscos para a saúde: todos os trabalhadores que realizem atividades que sejam
compatíveis com o teletrabalho deveriam ter um direito a teletrabalhar durante a crise. Aí,
nessa linha do teletrabalho precário, entre janeiro e março, os países deram instruções às
empresas para encerrar as suas funções e se possível aplicar o teletrabalho, sem tempo de
preparação. Era, supostamente, uma solução de curto prazo, mas já se estende há vários
meses.

Contudo, e apesar de ser uma experiência precária, é altamente produtiva, e que deve
ficar, não por conta da escolha dos empresários, mas porque ela colabora com a agenda
2030, e aí se inserem discussões importantes de algumas temáticas que serão discutidas
em seguida.

Temáticas:

o Controlo do tempo de trabalho:


Um teletrabalhador, só por ser teletrabalhador, ficaria sem controlo da jornada, no
Brasil. Em Portugal manteve-se o regime de horas de trabalho que se obteria com o
trabalho presencial. Acresce a disposição brasileira de que quando o trabalho poder
ser controlado devemos manter o controlo do tempo de trabalho.

Reflita-se: o que pode não ser controlado hoje? Tudo é controlado. Evolução neste
período: em 1994 foi criada a WEB, em 1994 o Yahoo, antes dos DVD usávamos as
disquetes; não existia Amazon até 1994; o Google só veio em 1998; o Youtube em
2005. Hoje tudo é controlado, e é nesse sentido que se diz que “os aplicativos
desmentem a impossibilidade de controlo de jornada”. (Rodrigo Trindade – RT
trabalhista).

Mas a verdade é que o teletrabalho é uma cultura baseada em confiança, e na qual se


pretendem resultados, o que permite a flexibilização do tempo de trabalho e na
autonomia. Hoje, ainda aplicamos ao trabalho intelectual regras que se aplicam ao
trabalho material, sendo que este requer quase sempre uma unidade de trabalho de
tempo, enquanto o trabalho imaterial não exige nenhum desses.

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“O tempo é imediato, não precisa mais de ser controlado, já foi aniquilado ou


suicidou-se. Afinal a produção não é mais em linha, perdendo sentido a sua medição.
Insere-se a jornada qualitativa”.

Esta nova era de teletrabalho pós-covid é baseada na autogestão e na confiança e na


conquista de resultados.

o Direito de desconexão:
Direito ao lazer e descanso em oposição ao trabalho. É o direito à liberdade das
obrigações, a fazer o que se deseja nesse tempo livre. É o direito a desconectar do
trabalho e escolher o que se quer fazer.

No Brasil (Lei 14442), ao contrário de Portugal, deu-se um passo atrás neste âmbito.

No Chile prescreve-se o direito a ficar desconectado, mesmo quando isento do


controlo do tempo de trabalho, 12 horas a cada 24 horas do dia.

Em Portugal contemplam-se deveres especiais, entre eles o dever de abstenção de


contacto, i.e., o empregador deve se abster de contactar o trabalhador nesse período
de lazer e descanso.

o Ónus da atividade:
Quem paga os acréscimos de custos em resultado do teletrabalho? No Brasil há o
princípio da utilidade: quem paga para exercer a atividade é o empregador, só que no
teletrabalho empregador e trabalhador combinam. Aí a nova lei determina que todas
as despesas adicionais, e dado o regresso ao centro de atividade, devem ser custeadas
pelo teletrabalhador, e não pela empresa.

Agora, a Costa Rica ao disciplinar as regras deste âmbito, estabelece o custeio por
parte do empregador, pois devem ser compensados os custos decorrentes em razão da
conexão/consumo de serviços, isto de forma semelhante a Portugal: todas as despesas
adicionais (energia, internet) devem ser compensados pelo empregador.

o Saúde e segurança no trabalho:


Aqui importa a questão da privacidade do trabalhador em regime de teletrabalho –
Art.º 170 – disciplinando a visita ao local de trabalho, tendo por objetivo o controlo
da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho desde que dentro do horário de
trabalho e assistência do trabalhador.

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Assim, no Chile a autoridade nacional avalia o local de trabalho do empregado. No


Brasil existe um enunciado, não vinculativo, CONAMAR COMISSAO 3, que sugere
que as decisões sejam proferidas no sentido de se autorizar a fiscalização do ambiente
de trabalho.

A limitação do direito à privacidade dá-se pela segurança, até ao ponto que não seja
ferido o núcleo essencial do direito, como é obvio, e dentro dos limites da
proporcionalidade. As visitas ao local de trabalho do trabalhador podem ser feitas,
mas têm requisitos e deve ser sempre feita pelo meio menos lesiva, nomeadamente
através de um controlo virtual.

o Acidentes de trabalho:
Houve um tribunal que entendeu que era acidente de trabalho um enfarte que se deu
ao trabalhador. A causa direta foi a pessoa ter obesidade e ser fumante. Acontece que
como o enfarte foi durante o horário de trabalho o tribunal estabeleceu uma presunção
de que o trabalho contribuiu para o resultado. Então, quando alguém tem uma doença
degenerativa e continua a trabalhar num local que possa ampliar essa mesma doença
estabelece-se uma concausa.

Na Argentina os acidentes que ocorram inter trabalho presumem-se como acidentes


de trabalho.

Na Espanha, entendeu-se que um acidente ocorrido numa casa de uma


teletrabalhadora era um acidente de trabalho pois ocorreu dentro do seu horário de
trabalho.

o Teletrabalho transregional e o transnacional:


Qual a legislação a aplicar? Qual o elemento mais robusto para indicar qual a norma
a aplicar? É a norma mais favorável ao trabalhador? Se teletrabalhar em Portugal para
uma empresa espanhola aplico qual das normas? A do local do serviço? Mas qual o
local de serviço, dado que o trabalho se localiza na nuvem? É a norma eleita em
contrato? É a norma do local da tomadora dos serviços?

Comparando normas, qual a mais favorável? Tenho diferentes formas de comparar,


ou pela teoria do conglomerado (escolhe-se a norma mais favorável dentro do
ordenamento jurídico no seu todo), conglomerado mitigado (norma mais favorável
por instituto); ou de uma teoria combinada.

Filipe Schumacher e Joana Dias 161


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Pensemos que seguimos o critério da norma mais favorável, e pensemos num caso
concreto: horas extras – é a partir da 44ª hora no Brasil e 40ª em Portugal. Mas a hora
extra em Portugal é retribuída em 25% e acresce até 37%. No brasil é 50%, e acresce
para 100% ao domingo. Se trabalhar até 4 horas extras por semana, então a norma
mais favorável é a portuguesa, mas se trabalhar no fim de semana é mais favorável
no Brasil, porque o adicional é maior.

Deste modo, comparar dois ordenamentos jurídicos distintos é difícil dada a


versatilidade do horário de trabalho e as vantagens decorrentes de cada ordenamento
jurídico laboral.

A complexidade dos OJ não permite a comparação e melhor perceção de qual situação


é mais vantajosa.

A norma do local da tomadora dos serviços é a mais aceitável. Continuo, mesmo que
à distância, a realizar as mesmas tarefas, pois existe um comando da subordinação
que é no local da tomadora. Nesse sentido, no Brasil há a lei 14442 que prevê o uso
da legislação local onde está o centro de controlo.

Como ficam os benefícios previstos em convenção coletiva – vão ter de ser adequados
a uma realidade, porque não faz sentido receber um vale refeição no Brasil se está a
trabalhar em Portugal. Como fica no contexto da segurança social? Se tiver um
acidente de trabalho, e não existir um acordo entre Portugal e o outro país como se
resolver a situação? Também a bitributação: se o empregado decidir fixar residência
em Portugal, e dado o acordo entre Portugal e Brasil, este trabalhador não é tributado
em Portugal.

o Nómada digital:
É preciso determinar o que é um nómada digital – tribos que se deslocam em busca
de alimentos. No caso trocamos os alimentos por internet e melhor qualidade de vida.
Mudamos de local de trabalho na buscar de melhor qualidade de vida.

Se posso trabalhar em qualquer lugar, o trabalhador vai conferindo o ordenamento


jurídico laboral de cada país destino. Aqui, menciona-se a grande importância o visto
de nómada digital.

Filipe Schumacher e Joana Dias 162

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