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1s6N978-213-0559700 komo Marcos Marco Proseo GrAnco:Telma dos Santos Custidio. Iniversidade de Santiogo de Compostela] anavil Rojagopolan (Unicamp} Marcos Bogne (Un8 Rachel Gazolade Andrade [PUC-SP} Salma Tannus Michal (PUCSP) Stele Maris Boron Rear [Un ‘aris. catocago wa Fone SINEKCATOWAOONAL 005 EDTORES LOS, A) ISBN: 97885-7934-006-2 © eigb:Parsbola Etro Paulo, junho de 2010. Sumario Nota do Editor: Abreviaturas... Prefécio. uw Isso nio € uma introducao, on deixou de sé 19 Capitulo primeiro ‘Uma vida na linguagem won. 29 Capftulo segundo © Curso de linguistica geral: modesto ensaio de releitura, nnn AB Capitulo terceiro A semiologia saussuriana, entre o CLG a pesquisa sobre a lenda. 98 lo quarto Fala, discurso e faculdade da linguagem na reflexao de Saussure. A-essa altura, ele se retira para o castelo de Vufflens, propriedade da Capitulo segundo lia de sua muther. E quando passe a se interessar,estimulado talvez por oo ‘mao Léopold, pela lingua chinesa. A doenca se agrava. Ele morre no dia 22 de fevereiro de 1913, aos 56 ‘anos. Seus funerais sio celebrados no dia 26 de fevereiro, em Genthod. O Curso de linguistica gerat modesto ensaio de releitura Por onde comecar? Esta é a pergunta que se deve fazer, implicitamente famente, todo leitor de Saussure que se disponha a dar Jo € apenas a reprodugo da mesma hesitagao. ‘ou, por vezes, ex} conta de sua letura', Essa he que, em numerosos pontos de sua reflexao, vem a tona no proprio Saussure, quando ele toma a i de formalizar suas reflexdes sobre alinguagem: Seria preciso, para apresentar convenientemente o conjunto de nossas propo- sigbes, adotar um ponto de partida aestabelecer é que ¢falso admitir em linguistica um dni 2, 1968-1989, 25), Michel arrive | Em busca de Ferdinand de Saussure E ele chega a dar um titulo explicito a essa interrogacdo: detalangagess Gu Jo Saussure. Une ‘Um inicoexemplor ode Frango {nici com apergusta que etomoaqul fe) Michel Arrive | Em buses de Fereinand de Saussure Unde exoriar? — éa pergunta pouco pretensiosa,¢ até mesmo tremendamente positiva e modesta que podemos fazer antes de tentar abordar, por algum po to, substincia escorregadia da lingua. Se aquilo que quero dizer dela é verda- deiro, n4o ha um Unico ponto que sejao ponto de partida evidente (Ecrits, 28). Essa angistia chega, em pelo menos um ponto de sua reflexio, a ques- tionar até mesmo a existéncia de algum ponto de partida: [Na verdade, 0 que se tem verdadeiramente €a necessiria auséncia de todo pon: to de partida (carta a Antoine Meillet, datada de 1894, CLG, 408). Entio, seré que, feitas todas as contas, ¢ propriamente impossivel come- ‘gar? Esse acesso, tio excessivo, de disforia é imediatamente corrigido: se algum leitor se dispuser a seguir atentamente nosso pensamento do Principio ao fim deste volume, reconhecerd, estamos certos disso, que era im- possvel seguir uma ordem mais rigorosa (ibid) Comecemos, entio, dado que é possivel comegar. Falta escolher o pon- to de partida, Tanto em Saussure quanto em seu leitor, trata-se da mes- ‘ma hesitaco. E ninguém se admirara muito disso. Ela é determinada, em Saussure, pela sistematicidade’, no sentido forte do termo, do objeto a ser descrito: nada tem validade, exceto em suas relagdes com o restante. E essa ccaracteristica que faz da lingua uma “substancia escorregadia”: ela esté sem- pre em um ponto diferente daquele no qual acreditamos apreendé-Ia, sem, alids, deixar de estar no ponto em que achavamos que ela estava. O discurso saussuriano nao é menos escorregadio: cada um de seus segmentos 86 tem sentido em suas relagdes com os demais. Diante do discurso saussuriano, 0 leitor de Saussure se vé no mesmo embarago que o préprio Saussure sentia quando se vias voltas com a lingua. Jé me fiz a pergunta sobre 0 ponto de partida em 1970, no momento em que apresentei, com fins modestamente didéticos, o Curso de linguistica de geral (doravante, todos sabemos, CLG) em uma obra de iniciagao € linguistica (La grammaire, lectures). E volto a fazé-la h Evverdade que a situacdo mudou. Em 1970, eu, como todos os demais, ainda nao sabia que Saussure tinha efetivamente comegado a dar a forma de um livro a suas reflexdes sobre a linguagem. E que levara tio adiante a Salvo engano ou esquecimento,otermo sstematicidade jams foi utilizado por Su ‘Mas ele fz um uso abundante do adjetiva sistemdtio (ence 19741890, ‘sua nominaliasSo no fein redagio. O proprio titulo desse livro, “Da dupla esséncia da linguagem”, sem divida ainda nao fora lido por ninguém. Ele foi revelado, em 2002, nos Escritos de linguéstica geral. Entendo perfeitamente que “A dupla es- séncia” nao & 0 Curso de linguistica de geral. Do ponto de vista formal, os dois textos se opdem de modo tao evidente que nao é necessério entrar em pormenores. Mesmo assim, eles tém um trago manifestamente comum: a mesma interrogagao, ao mesmo tempo obstinada e algo angustiada, em relagZo a essa “substincia escorregadia” que € a lingua. Isso me dé a im- pressio de que nao havia nada de arbitrério nem de aleatério (supondo, alids, que € necessérie arbitrério..) em interrogar “A dupla essénc ‘guistica de geral. . quando falamos de lingua, evitar 0 aleatério e 0 para falar do Curso de lin- Inevitavelmente, 0 “preficio” dessa “Dupla esséncia da linguagem” co- semelhante as que acabamos de ler sobre a dificul- dade — a impossibilidade? — de encontrar um ponto de partida mega com uma perg\ De fato, parece imy I conceder primazia a essa guistica, de modo a torné-ta o ponto de partida cent seis verdades fundamentais de tal modo ligadas entre si que podemos partirin- Aquela verdade da diferentemente de uma ou de outra e chegaremos logicamente a todas as outras, toda infima ramificagao das mesmas consequéncias partindo de qualquer tuma delas (Beri, 17) De acordo com sua decisio, Saussure tem em vista duas possi de comego. lidades A primeira, explicitamente escolhida entre outras possiveis 6, a titulo de “exemplo’, a constatagao da dualidade — a “dupla esséncia’, em suma — do “objeto linguistico”, enfim daquilo que resolvo nomear assim, a despeito das dificuldades que a nogio apresenta: Por exemplo, podemos nos contentar unicamente com esse dado: I falso (¢ impraticével) opora forma eo sentido. O que é justo, em contraparti- da, éopor a figura vocal, de um lado, a forma-sentido, do outro (ibid). * “Tom agui voluntariamente a decisto de epresentar o titulo entre aspas, para evitar dar, om o.so dowalico a impressio de que esse e do. A despito da constanteacuidade da efecto, se texto eres? rascunho, desde que se retce do termo “ascanho” toda e qvslqverconotago pejorative, sau 9p 98189 0 yr ‘Vemos claramente: Saussure ndo se contenta em expor a dualidade re- comhecida desde a noite dos tempos pela oposigo dos bons velhos termos forma e sentido, Fle se engaja, especialmente com a formagio do neologismo composto forma-sentido, na via do deslocamento do dualismo tradicional. A nogao de “figura vocal’, que é derivada da fisiologia e da actistica” (Ecri 31), pée em seu lugar de substancia 0 som que manifesta a “forma-senticl ‘Vemos claramente: 0 préprio dualismo encontra-se desdobr simplesmente mais energicamente conservado. Ennesse ponto que. “substancia escorregadia” da lingua faz surgir dian- te dele um outro trago — mas feitas as contas, no se trataria do mesmo? — do objeto que ele est tentando descrever: ‘Todo aquele que persiga rigorosamente essa ideia chega matematicament _mesmos resultados que aquele que parte de um principio aparentemente mui Aistante, por exemple: [Hi possbilidade de distinguir na lingua fendmenos internos, ou de conscn: cia, 0s fendmenos externos, diretamente apreen B fato: as duas constatagdes consecutivas parecem muito diferentes. Mes- ‘mo assim, percebe-se facilmente como a passagem de uma a outa vai se dar. Seu ponto em comum é a dualidade. ponto de insergio da dualidade esta laramente deslocado: a partir de agora, ele se situa — é 0 que percebo na se- gunda constatagdo — nio mais entre a substancia — como acabamos de ver, 4 da “figura vocal” — e a forma — exatamente a da “forma-sentido” —, mas ta dos “fendmenos externos” — a “figura vocal” 105 elementos da “forma-sentido™. Surge, pouco depois, na sequéncia da meditacio saussuriana, a designa- ‘40 do “ponto de vista” que 0 objeto afetado pelo dualismo vai assumir. Esse ‘objeto se encontra entio denominado por um novo composto neolégico: Ponto de vista do estado de lingua em si mesmo: —nio diferente do ponto de instantineo, te do ponto de vista semioldgico (ou do = no diferente do ponto de — nio difer — ni diferente do ponto de ~ nio diferente do ponto de vista dos elementos combinados(Ecrits, 21, De maneira quase provocadora — sabemos que Saussure is vezes chega. va as raias da provocagdo —, esse “ponto de vista” recebe cinco designagdes julgadas “nao: uma nova designacéo para a “forma-sentido nome de “sen igno-ideia” —a meu ver, essa crigio pelo estabelecimento da semiologia e de seus ob ver sido acaso, ele passou pela escolha, ela propria eventual- operada por Saussure. Sistema de signos e semiologia ‘A semiologia é, para o Saussure dos anos do Curso, uma preocupasio estd presente em “A dupla esséncia”. iversidade de Genebr: le classification des sciences: no seio da seu colega na divulga a semiologia em sua Now sociologia, ela engloba a ling 0 Sr Ferdinand de Saussure insiste na importincia de uma cigncia mu aque ele chama de semiologia e cujo objeta seriam formagao dos signos e de da sociologia. Como o mai geral da criagio ¢ da trans jos. A semiologia é uma parte essencial importante dos sistemas de signos. convencional dos homens, a ciéncia semiolégica mais avangada & a fu ciéncia das les da vida. 04). 7 Fesve minucioso escarecimento bt eumjoer ap oyesueoysepous 2186 eays;nBuy 9p 08309 0 3) ‘Michel Arrivé | Em busca ds Ferdinand de Saussur Assim como aparece no CLG, a semiologia tem uma figura muito seme- Ihante, pelo menos em sua estrutura interna: Podemos conceber wma ciéncia que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia sociale, consequentemente, da istem 0s signas, que leis os regem. E dado que ela ainda nao existe, nfo podemos dizer o que seri: mas ela tem direito& existe psicologia geral; n6s a chamaremos de semiolagia (do grego semeion, “signo”). Fla nos ensinaria em que co cia, seu lugar esté antecipadamente determinado. A ling tica € apenas uma parte dessa cigncia geral, as leis que a sem vai descobrir serio aplicivels, sa, que desse modo se verd vinculada a um campo bem definide no conjunto dos fatos humanos (CLG, 33). Estamos vendo: a semiologia de 1916 nao se confunde inteiramente com aquela que Naville invocava em 1901. Ela esta ligada & psicologia — é ver- dade, & social — e nao a sociologia. B, sobretudo, nao comporta 0 alcance hist6rico que Naville Ihe confere!. Aqui é preciso prestar atengio a metéfora da vida, que, a rigor, esté apta a se submeter a uma interpretacio histérica. Longe disso: a metéfora — mais discreta, lids, nas anotagdes dos ouvintes — visa aqui ao furicionamento dos signos. E isso 0 que esté assegurado pelos esclarecimentos anteriormente feitos ao objeto da linguistica: signos, claro, ‘mas nos sistemas que eles constituem e dos quais sio inseparaveis: A lingua é um sistema de signos que exprime ideias e, om isso, comparivel & scrita, a0 alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simb 05, as formas de po- idex, aos cédigos militares etc. la é simplesmente o mais importante desses sistemas (CLG, 33). Como geralmente acontece no CLG, um ponto fundamental ¢ introdu- ido sem muito barulho: 0 vinculo indissolivel entre a nogio de signo e a de sistema, Em Saussure, ndo existem signos fora dos sistemas que eles mesinos constituem: logo mais, veremos a forca dessa exigéncia, ue ditaré imperati- vamente a forma dada a minha descriglo, No estabelecimeneto da semniologia ‘Talvez sej essa dupla dscordncia que explique oapagamento, detodaalusio semielogia ea Saussure. Também podemoe expec pag ez ele decorra do fto de que a semiologi,certamente ‘80 CLG, mas de maneira multe parcimonioss, &. em 1920, mergulhada em um sono complete, E dormir durante muito tempo: seri necessrioexperas mais de ‘vba despertar, especialmente sob os cuidados de Barther ede Greim, Sabre esse ponto, cap. vi que ele acaba de fazer, evidentemente, é preciso ler a cada vez o nome signs como abreviagio de sistema de signos. E sua vida nao é sua evolugio no tem- po, mas a maneira com que eles funcionam “no seio da vida social”. Quanto Allista de exemplos que ele fornece, percebemos nela dois tipos de sistemas de signos: os primeiros (“a escrita, 0 alfabeto dos surdos-mudos”) derivam de um sistema de signas primeiro, o da lingua, que eles tém por fungao mani- festar em outra substancia, visivel (as letras € 0s gestos) em vez de ser audivel (0ssons da vo7). Os trés outros exemplos — mas sua lista continua aberta por um insistente “et.” reduplicadot — sio os de sistemas de signos nao linguis- ticos. A novidade determinante do CLG consiste em também fazer deles os “objetos possiveis da futura semiologia: sabemos que ela teré de esperar cerca de quarenta anos para encontrar efetivamente, mediante os cuidados suces- sivos de Greimas e de Barthes", o “lugar (...) antecipadamente determinado” (CLG, 33) a ela atribuido pelo CLG. Linguagem, lingua e fala Dessa forma, a lingua, sistema de signos especificos — “o mais im- portante desses sistemas” — 6 0 objeto da linguistica, ela propria integrada semiologia. Falta especificar esse objeto, especialmente, distingui-lo da linguagem. O primeiro ponto a ressaltar & que a lingua esta integrada & linguagem: estivesse pensando nos elementos — 05 “simbolos mente — ma fora do CLG — que "ees ext a lingua, 2 lends no jrgio ds pesquisa. Acabamos de nos dar conte de que a tradi do primero pars 0 segundo fer surgi osintaguna os simbolos qu so as palavras da lingua, que, or definiglo, in potsivel no CLG. Eumeexpicarel mais extensamente sobre esse problema no apt ie depois ode vastos campos de sim , recobertos pelo significante ingusico aprcensves por melo dele (p. 196). No caso de Barthes, vso& publicagio, em 1964, dos “Ele ‘ments de smilogie” no lutrefaciclo 4 de Communications. C.exp. Vil umes ap ovsua ojsepou :/196 eousnBuy ap 08109 0 Mas o que éa lingua? Para nés, ela nio se confunde com a linguagem: €verda- de que ela & apenas uma parte determinada, essencial da linguagem. Ela é, 20 ‘mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjuntode convengoes necessérias, adotadas pelo corpo social para permitir 0 exercicio dessa faculdade entre os individuos. Tomada em seu todo, a linguagem é mul cavaleiro sobre varios dozninios,simultaneamente fis ica, ela pertence a0 campo individual e a0 campo social; 1a categoria dos fatos humanos, porque indo sabemos como extrair sua unidade, ‘A lingua, pelo contrdrio, é um todo em sie um principio de classificagio. Vi {que the damos o primeiro lugar entre os fatos de linguagem, introduzimos uma ordem natural em um conjunto que no se presta a nenhuma outra 3). sificasio (CL Desse modo, no quadro dessa faculdade que éa linguagem, apta a apre- ender aspectos “multiformes e heteréclitos” que nao lhe permitem ser deli- mitada com precisio, “a lingua € um todo”. F ‘o objeto que, acrescentado ao todo da lingua, vai constituir 0 ndo todo (per- mitam-me, mais uma ver, langar mio dessa expressio lacaniana) di a, evidentemente, identificar ingua- Esse objeto assume no CLG 0 nome de fala. As relagdes entre lingua e fala no seio da linguagem sao recapituladas de modo plenamente exph Evitando definigdes estéreis de termos, inicialmente distinguimos, no seio do fendmeno total que a linguagem representa, dois fatores: a lingua e a fala. A lingua €, para nés, a linguagem menos a fala. Ela é 0 conjunto dos habitos lin: suisticos que permitem a um sueito entender e fazer-se entender (CLG, 112) ‘Um pouco acima, o texto expés a oposigao da lingua e da fala: ‘Ao separar a lingua da separamos no mesmo gesto: 1 / © que & social do (que € individual; 2/0 que essencial do que é acess6rio e mais ou menos aci dental (CLG, 30. Nao vou tergiversar aqui acerca das fontes manuscritas, que so muito diferentes do texto da edigio padrao: elas fazem intervir — voltarei demora (Engler, 1968-1989, 58-59; Komatsu, 305). ‘Aqui, nada de restrigdo, nem mesmo de hierarquizacao entre as linguis- ticas, Simplesmente a distingdo de dois campos préximos, e a decisio de se concentrar em um deles. Nada se diz acerca das razies para essa limitasio. Seria muito audacioso ver aqui apenas a pressao da urgéncia epistemol6gica? (© que se impde do modo mais imperioso & linguistica, tal como concebida por Saussure, €0 estudo da lingua. Mas ele evita excluir a fala de seu campo. Em suma, ele prevé o lugar da lingu plesmente menos ex ica da fala do mesmo modo — sim- itamente — que situa antecipadamente a semiologia no inventario das ciéncias. Benveniste, ao que me parece, nio se enganaré nesse aspecto, mesmo mantendo grande discrigio. E preciso marcar sua po sigdo em fatos do léxico, eles mesmos atravancados pela polissemia do termo fala. Contudo, dificilmente se poderia contestar que, em vérias passagens, {fala € utilizada como equivalente a enunciagao, por exemplo nessa bela defi- nigéo da blasfémia: A blasfémia é, de um extremo a outro, um processo de fala; ela consiste, de certo modo, em substtuir o nome de Deus por seu ultraje(PLG, 11, 254-255; ef, outros exemplos nas pp. 82, 200 e, especialmente, na p. 259) Estranhamente, é externamente A lingu(stica que quase sempre encon: tramos as mais licidas avaliagdes sobre a fala e 0 discurso em Saussure, La- can, por exemplo, reconhecerd a importancia da fala na reflexao de Saussure. "> Ser que eu me afastria demas de meu assunto — Saussure — se passass a me interrogar sobre as motvagdes dose sm que,com todooconhes mais fora que Saussure a eeas reserves acer d fal? Podemos chegar a odes ado no CLG 0 anunciado programa de ama Veremos ainda, no capitulo v, que polissemi do termo fala pode ter desempenhad urn papel ‘naguilo que devemos com jueteza chair dessa mi compreensio,nesse aspect, do pensamento de Saussure. Como nos espantar que isso advenha de um psicanalista, para quem o exer- cicio da fala € algo de tao fundamental? Eainda é preciso dizer que, apesar de ser exposta como necessétia e le- sgftima, alinguistica da fala sé é normalmente abordada por algumas alusées Fugidias no CLG. Portanto, é conveniente retornar & lingua, e de imediato & nogdo de sistema de signos. Necessariamente, farei isso em dois tempos: é ispensavel descrever inicialmente os signos para, em seguida, considerar a forma dos sistemas que cles constituem. signo saussuriano E preciso comesar seguindo Saussure em suas observagdes pessimistas sobre a terminologia dos objetos linguisticos. Esse € um motivo recorrente ‘em suas meditagbes: Qualquer que sejz 0 termo que se escolha (signo, termo, palavea etc), ele se deslocaré para o lado e estard erriscado a designar apenas uma parte. Provavel- ‘mente cle nio pode ter 20 menos uma. Ass n que, em determinada lingua, um termo ¢ aplicado a ume nogio de valor, torna-se impossivel saber se estamos de um lado on do outro dé is a0 mesmo tempo. Logo, é muito dificil ter uma palavra que designe associagio sem o menor equivoco (Engler, 1968-1989, 151; Komatsu, 306). ‘ou dos Especificamente, a respeito da palavra signe 1 preciso saber se queremos chamar de signo o total (combinagéo do conceito ‘com a imagem) ou se a propria metacle mais material) (Komatsu, 287). actistica pode ser chamada de signo (a Periodicamente, Saussure se esforga por evitar o “deslizamento” dos termos, Por breve periodo, ele pensa em utilizar expresséo para designar “a ‘O termo expresséo (tal forma é a expressio de...) esti para ser estudado” (Ecrits, 107; sabemos o destino que serd dado a esse termo por Hjelmslev, que, todavia, nao podia conhecer a nota Item). Com maior frequéncia, ele chega a0 neologismo; 0 hapax kénéme (Ecrits, 93) — Prefigurasdo, etimologica e semantica do cenema hjelmsleviano — parece fixar a imagem acistica. © mesmo ocorre, em condiges mais complexes, metade mais materi com 0 apossena oposto ao sema: “O apossema é 0 invélucro vocal do sema. eurtees 2p ayesueoysepous 2166 eaysymdu ap 08309 0 E nio o invélucro de uma significagao” (Ecrits, 1 apossemasee figuras vocais sio dados como equi tar para a metifora do cadaver: algumas linhas adiante, ntes). Mas é preciso aten- Apossema = cadaver de sema. Provavelmente, pode-se permitir essa compara- ‘elo, ou sea, ela nfo é perigosa. Mesmo subsisteo perigo de um cadaver permanecer como uma coisa organizada em sua anatomia, enquanto, na pala~ ‘ra, anatomia e fisiologia se confundem por causa do nalidade (Bevis, 107). jo de convencio- AAs vezes, sem muita convicgao, ele cai na tentagao da oposicao quase lidica do soma ao sema. E que a palavra soma, chamada evasivamente de 3), justifica etimologicamente, uma vez que é tomada de corpo” e “cadaver”, a metafora do cadaver, que 113), em termos muito préximos daqueles que acabam de ser Em outro ponto, Saussure recorre a metéfora, menos finebre, do balao, jentrevista (pelo viés do inv6lucro) para o apossema: O balio é 0 semae o invélucro, 0 soma, mas dizqueoinvé sua ver seja alg. Linguista (Beri 30 est onge da concepgie que mnificago, sem que o bale por assim como 0 sema é tudo para o le & tudo para o aeré 9) [Nessa bela proliferago de metéforas, a do balao, temos de reconhecer, no é a mais facil de ser seguida. O balio, figura do sema, engloba — arrisco dizer... —o invélucro (0 soma) e seu contetido (o hidrogénio): por sua dua- lidade, ee &a imagem da “forma-sentido” ou A solucao, elegante, a despeito de seus perigos, da oposigdo entre io s6 sera adotada, e, mesmo assim, sem grande entusiasmo, imas ligdes do 3° Curso (Komatsu, 306). Convém, entio, desconfiar a todo instante: o termo signo — para falar apenas dele, porque o termo termo, a palavra palavra ¢ o soma soma estio, como acabamos de ver, no mesmo caso — esti deslizando. As vezes, ele de- signa 0 conjunto de duas faces, outras, ele derrapa — isso porque o terreno € escorregadio — para o lado de uma delas: os textos citados na sequéncia deste capitulo mostrarao isso claramente. ‘Tentemos, por enquanto, tom: , segundo a formula de Saussui Jos dois lados ao mesmo tempo”. Quais sio esses “dois lados”? Em outros termos, 0 que 0 signo para Saussure? preciso iniciar com um gesto de designagio saussuriana daquilo que, posteriormente, os linguistas passardo a chamar de o referente" exclusio: 0 da “co sno linguistico une no uma coisa e um nome, mas um conceito e uma anotou: “O associacio feita pelo esprito er todas duas psiquicas eestdo no sujeito: uma imagem a conceito”, Komatsu, 285). A concepsio isolada € exemplificada por um esquema, que representa ‘uma drvore e um cavalo ~ coisas, objetos designados — diante de palavras latinas (arbor e equos {forma arcaica de equus}) que Ihes correspondem. Essa exclusio da “coisa” Saussure, em suas notas, fala, mais explici- tamente ainda de “objetos designados” (Engler, 1968-1989, 148) — éa conse- imediata da recusa a conceber a lingua como uma “nomenclatura, idade equivalente de coisas” (p. 97). Claro que o problema das relagdes entre linguagem e rea- lidade nao € negligenciado por Saussure. Ele 0 aborda expl destacar sua complexidade: ou seja, uma lista de termos correspondente @ uma qua .mente, para Essa concepcio [a da lingua como nomenclatural leva @ supor que gue une um nome a uma coisa 6 uma operago muito simples, 0 queesté muito Jonge de ser verdadeiro (CLG, 97). © termo “operagio” o diz claramente: 0 que se invoca aqui é 0 proceso linguistico pelo qual o referente é assumido pelo signo. Temos aqui aq que considero legitimo chamar de esbogo da teoria saussuriana da referencia- ‘$40. Esbogo que nao devemos nos admirar de ver permanecer definitivamen- teem seu estado deliberadamente lacunar a “operaga0” pela qual os“objetos” sao “designados’ decorre da fala. Ela pertence clarament masa lingufstica da “fala”, que, segundo acabamos de ver, Saussure exclu (proviso- riamente?) de seu proj "mesmo tendo afirmado sua legit cumjees ap ayetue ousepow 1268 eansiaBuy 2p osing 0 iene Arivé | Em busca de Fecdinand de Saussure Desse modo, o referente se vé rapidamente excluido, Talve2 até rapi- damente demais: mais adiante, nés 0 veremos ressurgir de modo inespe- rado ¢, sem divida, no exatamente controlado (cf. p. 49). Mas por ora cle esté exclude, permanecem em presenga apenas os dois componentes do signo: " ea imagem aciistica’ ‘Osigno linguistico 6, entdo, uma entidade psiquica de duas faces, que pode ser representada pela figura: Ennesse ponto que intervém, de maneira determinante, a inovagio a0 ‘mesmo tempo terminol6gica e conceitual anteriormente anunciada, Ela Consiste em “substituir conceito e imagem actistica respectivamente por significado e significante” (p. 99)". Dessa forma, as duas “faces” perdem tudo aguilo que Ihes restava de caracteristica substancial propria: porque ra justamente um cardter substancial que era registrado, por exemplo, Pelo adjetivo acistica, mesmo que, Saussure insiste nisso (p. 98 e mais ain- da nas fontes manuscritas), nao se trate da substancia fisica do som, mas “marca psiquica”. O signo, portato, finalmente definido como 0 “total” constituldo pela associacao do significado e do significante. Ea pru- déncia didética de Saussure o leva a observar, enfim, que nao é por falta de de sua “objeto, que et fora do sujlto, eo nome, do qual nose pode afirmar se vocal ou mental. Aligasto ‘nts dois no em nada de claro" (Engle, 1968-1989, 148). Esa gag” obscuraentreanome ©0 bjt ainda precisa ser etabelecids E por qual outro mei, anio ser por uma “operagio” do sje? Deve-senotar que nos esquemas anotados pelos ouvintes a dua lechas de sentido oposto Que enquadram alipe do signo esto ausentes (Engle, 1968-1989, 149-150} os editoces que at ‘crescentaram,Porvezes, enconta-se uma leca nica, Interna lips do sign eatravestsndo 4 barra que separa suas das partes (fp. 68) Um lustre eter, Lacan, apagardessas Nechas dos ‘tones quando for estabelecer seu “algoritma” (196,497) Sem divida, ele no sabia qu, 20 % _Sabemos que ess substitu intervém de modo extemamente tardio no ensno de Saus- ‘te. Com efeito, fem 19 de mato de 191 que Saussure, em grande entusiasme,intoduiessa ‘ova terminalogia em eu ensino (Komatsu, 303-306) melhor opcdo que ele se “contenta” com o nome signo para designar essa associacao, a despeito do uso corrente do termo, que o leva a ser um subs- tituto aproximado de significante: Quanto a signo, se nos contentamos com ele, é porque ndo sabemos com que substitu-o, a lingua usual no sugere nenhum outro termo (CLG, 99-100; 08. editores transcrevem assim, de maneira pouco literal, os comentirios de Saus sure, citados acima — Komatsu, 306 —, sobre a “dificuldade de ter um termo aque designe associagao inequivocamente” (sic!) Aqui é necessirio um répido paréntese para enfatizar que o equéma do signo saussuriano adota, na versio corrente do CLG, constantemente a mesma forma, aquela que foi reproduzida acima, com a tinica diferenca da substituigdo de conceito por significado e de imagem actistica por sig- nificado. As particularidades desse esquema sio invariavelmente repetidas a0 longo do CLG. Destaco aqui as mais importantes. De um lado, as duas componentes do signo sao separadas por uma linha. Esse era, para Saussu- re, 0 tinico meio de marcar graficamente, ao mesmo tempo, sua necessaria distingao ea relagao que se estabelece entre elas, Segundo aspecto do esque- ma: a célula reservada ao significado esté localizada o tempo todo acima da célula reservada ao significante. Essa disposigao especifica tem para Saus sure alguma pertinéncia? Tudo parece indicar que nao: vamos ler a seguir, a propésito da famosa metafora da folha de papel, que Saussure considera vivamente a hipétese de inverter sua frente e seu verso (Ecrits, 264-265), £ verdade que as fontes manuscritas jamais apresentam um esquema in- vertido. Mas em muitos pontos (cf,, por exemplo, Engler, 1974-1990, 36), © esquema é apresentado verticalmente, ¢ até mesmo sob a forma de um retangulo atravessado por uma barra obliqua. Assim definido, 0 signo € regido por dois “principios” 0 “arbitrério do signo” e 0 “caréter linear do significante”, Inicialmente, convém destacar a distancia terminolégica e nocional instituida entre esses dois principios. 0 primeiro designa o signo em sua totalidade, isto €, necessariamente a relagio entre suas duas faces. © segundo, pelo menos tal como formulado em seu primeito estado (p. 103) incide apenas sobre o significante, com exclusio do significado: como se fosse possivel separar suas duas facest Separé-las nio Seria atribuir a uma delas uma propriedade recusada a outra? Como veremos melhor em outra passagem (cf. p. 65), Saussure contenta-se perfeitamente com uma operasao que, nao obstante, apresenta como impossivel 20 tumye) ap oresue ojsapou :yv00 eonsinduy 2p 0819 q dine! Aviv | Em busca e Ferdinand de Saussure © arbitrario do signo Na formulasio teérica do "primeiro principio”, Saussure: 10: & exatamente entre as duas faces do signo que se situa a relacéo rbitrdria’, mesmo que, em sua formulagdo de 2.de maio de 1 smo signo ainda comporte, com toda verossimilhanga", seu antigo valor de “imagem aciistica’ belecida em 19 d 152; Komatsu, 287), Em uma louvivel preocupagio com a clareza, 0s editores decidiram transcrever essa formula em uma nova terminologia, algo que, evidentemen- te, confere a signo o sentido de conjunto do significado e do significante: 0 elo que une o significante ao significado & arbitrério, ou ainda, dado que entendemos por signo o total resultante da associagao de_ lesmente: 0 signo rério foi efetivamente (Komatsu, 305), dia do estabelecimento da nova terminologia. E é tio plausivel quanto pos- sivel que, nessa nova ocorréncia, 0 termo signo vise justamente a0 conjunto das duas faces e sua relagio. Bouquet (1997, 279-291) insiste longamente na substi igo efetuada pe- los editores e dedica varias paginas a descrever os minimos erros que eles feridos por Saussure ao termo signo, frequet que depois se ssa confusio foi de algm modo icante. Alids, em varios pontos, por sinal, vista e explicada por Saussure, que, como ‘mbora sem certeza absolut ps a mesma fate:"O signe ‘Komatsu, 26). menos uma ve, Saussure confere ao ermo signe os ulstico (imagem que serve 20 signe) possui uma ex vvimos pouco acima, descreve com uma lucidez desolada os deslocamentos incessantes que os termos, todos os termos — a comegar pelo tecmo fermo —arriscam-se a sofrer a partir do momento em que tentamos fi signagao de uma das faces do objeto ling su, 306, supracitado). Seus editores, incontestavelmente, foram. deslocamento, Dai decorrem, da parte deles, varias formulagées imprecisas ¢ discutiveis em sua fi idade a letra do ensino saussuriano, Mas, ameu ver, as argumentagées de Bouquet sio, em sua virtuosidade tio elegante, essenci ‘mente iniiteis:seja o arbitrério considerado “do ponto de vista do significan- 997, 287), ou do ponto de vista do significado, ele designa perfeitamente, tal qual foi afirmado em 2 de maio, a relacio entre as duas faces do signo. las exclamagées. As onomatopeias, “em niimero bem menor do que acre ‘mos’, “nunca sio elementos orginicos de um sistema linguistic 102). Jé quanto as exclamagées, “nao podemos negar que hi, para a maioria delas, um elo necessario entre o significado ¢ o significante” (CLG, 102). Essa imediata, mas enérgica operagio de aplainamento deixa no CLG uma marca lexical:a oposicao que se estabelece entre o signo, arbitrério por definigao, €0 fmbolo, que “tem como caract « conta, ¢ voltaremos a isso mais adiante, de que essa oposigdo terminologica nao & observada nos outros textos de Saussure: tanto nos Escritos como nos trabalhos sobre a lenda, ele ut especificado por um adjetivo (cf,, mais adiante,o adjetivo independente ) — com o sentido conferido no CLG a signo. & certo que frequentemente (© problema da “motivagao relativa” ocupa no CLG um lugar de maior destaque. Ela é observada no caso de um elemento complexo constituido pela combinagio de varios termos presentes no sistema da lingua: esse modo, vine é imotivado, mas dezenove nlo 0 é no mesmo grau, porque ‘evoca os termos de que se compte ¢ tros que lhe s4o associados, por exem- plo, des, nove, vinte e nove, dezoito,setenta etc; tomados separadamente, deze rng mesmo pé de vinte, mas dezenove apresenta um caso de m ‘io relativa (CLG, 181). © estabelecimento da nogio “motivagio relativa” — apresentada itagao do arbitrério” (CLG, 182) — dé a Saussure a possibili- ‘ermyoes ap eieeu oysepow 1228 eonsynbut ap 08109 0 dade de pensar, prudentemente, em utilizar 0 critério dos graus de “imotiva- ‘o” em vista de uma classificacao tipol6gica das linguas”: Em certo sentido —- que nao & preciso seguir muito de perto, mas que possi- ita uma das formas dessa oposicio — poderiamos dizer que as linguas nas ‘quais a imotivacao atinge seu ponto maximo sio mais exicoldgicas e que aque. las onde ela se redua ao minimo sie mais gramaticais (CLG, 183). A proporcio operada pelas linguas entre 0 arbitrério absoluto (pri- vilegiado, mesmo em graus diversos, pelo chinés, o inglés e o francés) e a ‘motivacio relativa (fortemente presente no snscrito, no alemio e no latim) permite ao espirito “introduzir um principio de ordem e de regularidade em algumas partes da massa dos signos” (CLG, 182). Todavia, & preciso nao che- £8" a ponto de achar que a introducio de um principio de ordem responde a ‘uma finalidade qualquer: como veremos no capitulo v, apenas 0 acaso —~“o ‘mais ridiculo acidente de vogal ou de acento”, “a supressio de um o final” CEcrits, 216) — estd em causa nessa divergéncia, nesse ponto, de linguas ain- da préximas, como sio o latim ¢ o francés, 0 inglés e 0 alemao®, De todo modo, a motivagio relativa é todo o tempo interna ao sistema da lingua: ela 56 opera entre “termos” do “tesouro”, Nunca atinge a relago do significado com o significante, que continua a ser governada pelo “prin- ipio fundamental do arbitrério do signo” (CLG, 180). ta, entéo, atribuir uma prova a afirmagao do arbitrério do signo. Saussure se dedica a isso imediatamente depois de té-o afirmado, O exem- plo que ele da mostra que ele segue fiel a sua formulagio inicial: Assim, a ideia de “irma” [isto é, 0 significado, M. A.] no esta ligada por ne- ‘nhuma relacao interior com a sequéncia de sons i-r-m-d que Ihe serve de sig- nificante; ele" também poderia ser perfeitamente representado por qualquer [No projeto de artigo para Whitney, Saussure emonrtrava um abslutopessimismo aes to dessa possbildade Ck. cap. v. i todo caso, esa € uma das posgbesadotadas por Sausure quanto 90 problema da evo: lusdo, Veremosno cap. vas ocilages de sa refiexio quanto aes pont Observemos a estranba falta de concord gue evs a retomar“s Sela deirmi™ com o Pronome masculing ele Oseditores, em did, tnham em ment os substantivs mascilinos sign: ‘cada concise skim que parece nas ones manuseris muito prximasd texto de 916 onesto ma, por exemplo, no et lgndo por acim carters (lao) interior com a ‘Sequéncia de sons ferred que forma imagem acstia correspondent” (Engh, 1968-1989, 12). Mas como provar essa auséncia de “acordo interior’, visto que justa- mente o significado de i-r-m-@? Mencionar um “sindnimo”? Mas justamente, ele ndo tem sind rnimo, dado que os pretensos sigo” (CLG, 160). O tinico meio que parece se impor é 0 de apelar a outra lingua: e Saussure continua sem rodetos: ma” nao tem em portugués outro significante além indnimos s6 tém valor préprio por sua opo- 1A prova as diferengas entre as linguas e até mesmo a existéncia de linguas diferentes: significado “becut” tera como significant b-é:f de um lado da fronteira ¢ o-k-s (Ochs) do outro (CLG, 100; aqui também o texto do CLG est bem préximo das afirmag6es anotadas pelos ouvintes de Saussure. Uni a esquistice: um dees, Francis Joseph, entendeu claramente a oposigio en- tee barufe o alemio Ochs, a0 passo que outro, Constantin, anotou.a oposicio entre buf o ltim bos... Mas esse nfo é 0 momento de especular sobre a rmancira segundo a qual as afirmativas dos profestores si tegistradas por seus ouvintes..). Vemos 0 deslizamento por que passou 0 raciocinio: passar de uma lingua a outra para provar, em uma delas, o arbitrério do signo é supor que 0 significado de “beef” é exatamente idéntico ao de “Ochs”. Algo em flagrante contradicio com as posigdes mais explicitas defendidas, pouco antes, pelo préprio Saussure: se ele descartou a concepsao da “nomenclatura’, foi exatamente porque “ela supde ideias prévias, preexis- tentes is palavras” (p. 97). Nas fontes manuscritas, ale chega a ponto de ne~ {gar explicitamente a possi de linguas diferentes: jade de correspondéncias exatas entre signos Se as ideas estivessem predeterminadas na mente huinana antes de serem va lores linguisticos, uma das coisas que forgosaménte ocorreriam & que 0s ter ‘mos de uma lingua corresponderiam exatamente aos de outra francés alemio cher lieb,theuer (moral também) ‘Nao existe correspondéncia exata (Engler, 1968-1989, 262). ada (.)/uma de suas afi come sendo a coisa a iene Arrive | Ee busca 6 Ferdinand ge Saussure Se nao existe “correspondéncia exata” entre cher e lieb, por que diabos mnificante boeuf em Ga fait un effet boeuf (“isso causa uma extraordindtia impressio”] nao se traduz em alemao por Ochs, assim como o significante Ochs em Er steht wie der Ochs am Ber- 0° nio se traduz por beeuf £ verdade que, em virias casos, os dois sig- nificantes so reciprocamente traduzidos: isso porque 0 acaso faz. com os que signos qu saussurianos, “designem a mesma coisa”. haveria alguma entre barf ¢ Ochs? O s les manifestam assumam 0 mesmo referente, ou, em termos Estamos vendo que Saussure, no decorrer de sua argumentacio, passou do arbitrario entre o significante e o significado para o arbitrério entre 0 signo e o referente, Para falar francamente, alguns anos antes, em seu projeto de escrever um artigo sobre Whitney, era exatamente dessa maneira que ele concebia o arbitrério, quase com a mesma terminologia: 0 signo recebia a essa altura a denominac20 — equivalente — de sfmbolo independente: Por simbolo independents, entendemos as categorias de simbol ‘caracterlstica capital de néo ter nenhuma espécie de vinculo v jeto a ser designado e, por consequencia, ndo poder mais depender dele, mes ‘mo que indiretamente, na sequéncia de seus destinos (Ecrits, 209) que tém a como ob- Mas, ¢ iss0 é incontestével, 0 CLG, em quase perfeito acordo na versio padrao € nas fontes manuscritas, desloca a relagdo entre o significante € 0 significado, mas explica 0 fenémeno fazendo intervir o referente, Esse fato foi precocemente assinalado por Edouard Pichon e destacado por ele com seu vigor habitual: [Je signo é arbitrério, visto que um significante como transcrigdo, particular a Pichon] ndo tem relagio alguma com seu significado, A possibilidade de traduzie para o alemio o mesmo significado pelo signifi- cante [6--s] éjustamente a prova desse cariter arbitrério (CLG, 102). Nao é preciso ir muito além disso; o erro de Saussure é, a meu ver, flagran- te e consiste no fato de ele no se dar conta de que introduz no decorrer da demonstracio elementos que nio estavam no enunciado, De inicio, ele define 0 significado como sendo a ideia geral de bruf; em seguida, ele se comporta como se esse significado fosse 0 objeto chamado beeuf ou, pelo ‘menos, a imagem sensorial de um beewf... Ora, ai esto duas coisas absolu tamente diferentes. 3 Literalmente “Else posta como um boi na montana’, ou sj, "ao sabe o que faze” Um pouco adiante, Pichon é ainda mais claro: Seé verdade que existem bois tanto na Alemanha quanto na Franga, nio é ver dade que a ideia expressa por [o-k-s]sejaidéntica Aquela expressa por [b-o8 1 LLiicidas virulentas,essas criticas sio extrafdas do artigo sobre “La lin- guistique en France: problémes et méthodes”, publicado em 1937 ne Journal de psychologie normale et pathologique (p. 26 para o primeiro fragmento, p. 27 para o segundo)™ Dois anos depois, no primeiro mimero da revista dinamarquesa Acta linguistica, Benveniste formula criticas bastante semelhantes: [Saussure] declaraem terms (6.100) que “osignoi Juma coisa a um nome, mas um conceito a uma imagem acistica’, Mas ele ga- rante, logo depois, que 2 natureza do signo éarbitréria porque ele nio tem com ‘significado “nenhum vinculo natural na realidade”®. f claro que oraciocinio 4 falseado pelo recurso inconsciente e sub-repticio a um terceiro termo, que no estava inclufdo na definigio inical, Esse terceiro termo &a prépri coisa, de. [..] Quando fala da diferenca entre b-d:fe o-ks, ee se refere, con- a0 fato de que esses dois termos se aplicam & mesma realidade. Fis, entio, a coisa, expressamente excluida de inicio da definigio do ai instal signo, que nela se introduz por um desvio e g em cariter perma: nente, a contradigio (in PLG, 1,50) Detenho-me aqui por um instante, de muito bom grado, no pequeno problema histérico suscitado pela convergéncia — teremos percebido a pre- cisio — dessas duas criticas, que 0 so exatamente contempordneas. Pi- chon, “poucas semanas antes de morrer™, felicitaré ironicamente, em um breve artigozinho, seu jovem e brilhante colega por sua “adesio” & tese da nio arbitrariedade. E ficard extasiado com o completo acordo entre a posicéo a fozmala: “A palavea € 0 signo necessrio dade lemos pens-la sem ele” (Revue frangaie de Pychanalyer, 1938). porque & ein: lila signe comm entida de rigificantectomaemprest ussure (por sinal, sem refernciaalguma..) que procuraremosem vio no CLG. ™ BVigo Brondsl quem fz eee celarecimento cranldgica, na note necolipica que dedica Pichon. Esa nata se segue, no 2 das Acta inguisticn,ineditamente ao breve artigo de Pichon, zune 2p a12suaoysepou 2186 eansynbun ap 05109 0 a Mm busea do Ferdinand de Saussu Miche Ari Ae Benveniste ea sua:“Nio se pode sonhar com mais perfeito acordo” (Acta linguistica, 2, 1940-194), Mas, deixemos de lado a histéria ¢ as mesquinharias menores que ela ‘rl: Vou me ater ao problema teérico suscitado pela critica de Pichon e de vente, Em uma palavra: ela é incontestivel. E nao me espanta nem um Povco ver Bouquet — que ignora Pichon e néo se dé ao trabalho de citar nem Benveniste nem a proposicio saussuriana que ele critica — afirmar com se- ‘suranga (1997, 290) que “Benveniste est em falta com a teoria saussuriana” Eevidente que Saussure deslizou do significado para o referent recaindo faites aves sem se aperesber, na concepeo,anterormente descarta- *, da lingua como nomenclatura. Delicado e fugidio entorpecimento da “islincia teérica? Pensamos aqui na inquietude confessada por Saussure a Prepésito do livro — sem divida Da dupla esséncia da linguagem — que ele 6st8 escrevendo: S6 podemos compreender o que é a lingua mediante o auxilio de quatro ou 95). sop tt ave ness pono inguistapor mais aento que esivesse a seu Petrie pensament, tera realmente se detxado engane# Iso seria apenas Rito do proprio objeto que ele escolheu. E preciso reconhecer que seu erro, se é que se pode falar de erro, tem ‘motivos. Porque mesmo que o signo sejaexclusivamente constituido do sig goa 2 saniiado € preciso, de todo med, que o significado tenha QDs telagio com o referent: a mais “imanente” das semnticasjamats cents eliminar completamente ofato de gue um referent deve apr ea 290s compatives com os do significado que o assume, Esse €0 pro- » Muito claramente expresso por Georges Kleiber, da relagio entre @ “esa (presente no gif) ea denominago, operagio pela ua & denominagao cdo para um cio” (La sémantique du proto- se prop, Conte mais que interrogar os linguistas — merguthados nes- Problema desde as origens da reflexio sobre a linguagem —, talvez seja mais vélido aqui apelar, excepcionalmente, a alguém relativamente cru em semantica. Lacan — pois é ele que, ao menos uma vez, fard o papel do ing elefante e da girafa: decididamente, permanecemos no campo da zoologia. De maneira meio lidica: ‘no —levanta o problema a prop. O fundamento proprio d pre material e que reconhecemos em santo Agostinho no verbum,e 0 signi ado. Tomadot um a umm, eles estdo em uma relagdo que parece estritamente ia. Nao hi mais motivo para chamara girafagirafa eo elefante elefante do que para chamar a girafa elefante eo elefante girafa. Nao hd razio alguma para nio dizer que a girafa tem um tromba e o elefante, um pescogo lon, simo, Se existe um erro no sistema geralmente adotado, ele no é perceptive, como observa santo Af igdes nao estio postas, Eo I do que estabelecer as definigbes justas? (1975, 290), utura da linguagem € significante, que é sem- arbit aque haverd de mais Estamos vendo claramente: Lacan, assim como Saussure, situa inicial- mente o arbitrario entre o significante e o significado. Sem equivoco*. Mas 1 sequéncia de sua anélise leva-o imediatamente a recorrer a0 referente, ele também. Gesto quase inevitivel: se elefante & 0 significante de “girafa’, 0 elefante (0 da savana ou do zooligico de Vincennes: 0 “objeto designado”, o referente, para falar claramente) tem necessariamente 0 pescoco isomorfismo necessirio do signi- ficado e do referente explica o deslizamento que faz Saussure escorregar —€ Lacan depois dele, e santo Agostinho antes deles dois — do primeiro para o segundo. Nos termos de Miller, eles passam como uma s6 pessoa da referén- aatual — aquela que permite ao signo designar a “coisa” (1989, 336) Ocorre que, por mais explicavel que seja, o deslizamento e: contestavelmente, compromete a demonstragdo, a ponto de retirar dela toda pertinéncia. Que dizer? E justamente o principio do arbitrério que fica sem demonstragao. Ele & demonstravel? Milner se esforga, contra Benveniste, para demonstri-lo, mas sem chegar, a meu ver, muito além de Seussure. E preciso reconhecer que seu raciocinio é elegante, porque ele visa reintroditzit entre o significante e 0 significado a relacio previamente estabelecida entre iene Arrivé| Em busca de Ferdinanc de Saussure ymbém ele, pertence como tal & ordem das coisas, assim como a 1 significado; de modo que, de acordo com o dualismo, a ligagie que (05 reine enquanto coisas ndo pode ter nada em comum com a ligacao que os retine enquanto faces de um signo: nenbuma causa decorrente da primeira pode atuar sobre a segunda. Dessa for ririo no governa apenas a relagio da coisa significada com 0 signo, mas também a relacio do signifi- cante com o significado — contrariamente a0 que Benveniste sustentava em célebre artigo (1978, 58), ‘Teremos notado: o termo ideia esta corretamente (mesmo que in- completamente) comentado por significado, mas 0 termo som permanece virgem de toda explicacao. Isso porque € efetivamente impossivel — no aparato sauss lo a0 significante. Sem levar em conside- ragio aqui a evolugdo da reflexio de Saussure (cf p. 71), € preciso citar este fragmento decisivo: no” —a E impossivel que o [1 Em sua esséncia, fo sig wel ppertenca por si mesmo a gua. ada fnico, ele incorpéreo, cons- ido nio por sua substincia material, mas unicamente pelas diferengas que separam sua imagem acistica de todas as outras (CLG, 164) esse modo, o raciocinio de Milner se vé falseado: para falar $6 de © significante saussuriano, que nao € um som, nao é entio uma coisa e nio setia afetado por um principio que so atua entre coisas e signos: ele nao é nem um nem outro. Para dizer a verdade, parece que, se 0 principio do arbitrério é inde- ‘monstrivel, o mesmo nao se dé com o principio inverso, Pichon e Benvenis- te, cada um de seu lado, quebram os dentes um do outro, Para falar apenas do segundo, a formulacio do principio firme: y ele €, 20 conteé- uma teria como ade Mart ificado") “boeuf” é forgosamente idéntico em minh conscitn- fOnico bf Poderia ser diferente? Os dois juntos foram impressos juntos eles evocam em qualquer circunstancta. Hd entee eles to estreita que o conceito“boeut” é como a alma da imagem acis- id. A mengio a “alma’, em sua necessiria oposigao a vida permite encont joi tum traco das idelas Eu disse fraca? Nao exatamente: em anilise ¢ indise ‘Mas ela nada diz em favor da “necessidade” da relagdo entre as duas faces do signo. Ela apenas repete, de modo extremamente saussuriano, a relagao de pressuposicéo reciproca — aquela que é ilustrada pela famosa metéfora da folha de papel — entre significante e significado. Com respeito a questio do arbitrério ou da necessidade, ela é neutra 10 convincente quando bem sucinto quando se trata de demonstrar positivamente a necessidade da relagio entre as duas faces do signo. ‘Um principio néo demonstrado ¢ um postulado. E verdade que Saussure nio 0 apresenta como tal, aparentemente satiseito com a “demonstragio” «que acredita ter feito, Mas, para falar francamente, ele poderia, sem prejuizo algum, contentar-se em seu primeiro principio com 0 estatuto de postulado:é ‘o que apareceré na p. 62, depois na p. 67, quando perceberemos que o arbitra rio do signo tem por funcio essencial permitir estabelecer 0 conceito de valor. Assim se explica, sem diivida, a relativa desenvoltura com a qual sure trata do problema do arbitrério quando se trata de estudé-lo exclusi vamente no interior do signo. Desenvoltura, a meu ver, perceptivel nas trés vel desenvoltura com a qual Saussure consi- dera as opinises formuladas sobre o problema. Ele chega a ponto de dizer que “o principio do arbitrario do signo nao & contestado por ‘ninguém” (p. 100), Em sua época, isso & essencialmente exato, e Saus sure yece perfeitamente a divida que contraiu, nesse aspecto, com fado no CLG". Mas isso € mergulhar no esquecimento 0 aceano de opiniées contrérias que, em Whitney, um dos raros linguistas a ser “Faster peer crane nau mato nearer seid x x80 para, Whitney, com jusena, ‘unio 2p ojesue ovsspou :jv00 rojsinbur 9B 08199 0 ‘uitos momentos da histéria da reflexao sobre a linguagem, foram formulada sobre o problema, comesando com Pato, no Cratilo, para acabar (2), sessenta anos depois do CLG, com Maurice Toussaint e seu desprovido de qualquer juivoco: Contre liarbitraire du signe; A aistbilidade da terminologia utilizada por Saussure para opor sig- Ce bttiros ¢ objetos semioldgicos motivades®. Com efeto, no "30, Saussure poe diante do signo, definido pelo arbitrario, o sim- as “exclamagoes” ( so simbélicas. E que a lingua é um sistema de sig- nagio com o simbolo. Pois nés nos lembramos de 48 motivagio relativa, que sé atua internamente & lingua, néo pde © atbitrério em causa. A divisio conceitual e terminolégica de signo {Stsimbto no CLG, de um rigor ede uma constincia abscuts, ‘Renhum dos lapsos que, aqui e fazem signo aparecer no lugar sua reflexio semiol6gica, ide sobre as lendas alemas, Saussure nao se prende a i ©Posisio ¢ utiliza sem @ menor hesitacdo o termo sfmbolo para “ignar um objeto construido sobre o *©XPressas sobre o arbitrario do signo, ele afirma o seguinte: a rguetemente mate dscbrrumaverade do quate dang, Bt Ihe cabe. © principio enunciado acima domina toda a linguistica toda immer suas consequéncis verdade que clas nt aparecem 88 deseo Vista com $6 depois de muitos desvios €que timos e, com elas, a importancia primordial do principio (CLG, 100), Nao consepuiri inca pe ms=Bslamossogerir melhor quo principio tm menos impor "gura interna que ele confere ao signo do que pela funcio que ele assume no conjunto da reflexao linguistica, especialmente para o estabeleci- mento do conceito de valor e para a caracterizagio dos fendmenos de evolu- ao. A forca das coisas me obrigaré a voltar a esse ponto, a partir do capitulo sobre o valor e, depois, no capitulo v sobre a evolugao. O carater linear do significante Por mais discutivel que seja o primeiro principio, ee é ultrapassado em termos de dificuldade e de ambiguidade pelo segundo. Isso porque, dessa ver, é sobre dois problemas sucessivos que as contradigles vao se manifestar. Sera necessério retomar detidamente esse problema no capitulo v. Contudo, apart itamente seus dados. de agora, convém expor ex Primeito, é preciso notar que as andlises expostas no CLG parecem, de inicio, manter a discordancia anteriormente estabelecida entre as designagbes dos dois principios:“o arbitrério do signo” € o “cardter linear do significante”: Por ser de natureza auditivao significante se desenvolve unicamente no tempo as que extrai do tempo: a) ele representa uma extensio, © 103), tem as caracte b)essa extensdo é mensurdvel em uma inica dimenséo: éuma Segundo esse fragmento, é do pelo “cardte 0 “element por exemplo, as “palavras”) da lingua, que se encadeiam de modo linear. ‘Como seria diferente, dado que, como seré dito adiante(p. 170), éimpossivel ‘pronunciar dois elementos ao mesmo tempo"? Reflexo secundério, mas i gnificante, exclusivamente ele, que éafeta- ineat”.$ unqiyes ap ofesve oysepou:je08 eansynba ap 08109 0 a ia) Michel Arivé | Em busca de Fesdinand de Saussure ‘do menos significativo, dessa linearidade temporal: a linearidade espacial ue afeta inevitavelmente os “signos gréficos” quando eles sao substituidos Por “significantes acdisticos". Porque aqui Saussure nao hesita em apelar para a escrita — em outros lugares rebaixada — para dar apoio suplementar a seu segundo principio: {os significantes acisticos disper apenas da linha do tempo: seus elt tos se apresentam um depois do outro; formam uma cadeia, Essa caracteristica aparece imediatamente assim que os representamos pela escrita esubstituimos «@ sucessio no tempo pela linha espacial das signos grificos (CLG, 103). Estamos vendo: a linearidade do significante ¢ exatament sujeigao dos “significantes acisticos’, também chamados de “elementos”, ao tempo. Quanto 2 utilizagio da escrita como argumento auxiliar, ela encontra uma Justificacio teérica completamente formalizada em uma fragmento dos Ma- hnuscritos de Harvard dedicados 8 “fisiologiae fisica do som © tempo é para a audigdo 0 que o espaco é para a visio (Parret, 1993-1994, 194,206), Aqui, convém insistir, em vista de anunciar outro dificil problema: com © caréter linear do significante, estamos em presenga de um modo de inter: ‘vengio do tempo na linguagem. Adiante, veremos que hé um outro modo: a diacronia, A distingio entre linearidade e diacronia parece, a primeira vista, go nos damos conta de que a fronteira que as separa nio € estanque, De modo que as confusdes que podem ser geradas nio sio todas completamente ilegitimas, Lacan, ele de novo, seria, por conta de suas he- sitagdes, uma testemanha itil: ao se enrolar um pouco no terreno vago no val as duas nogées se encontram, ele questiona pertinentemente um ponto central do aparato saussuriano. em vista apenas saceasio dos "dlementos” que so em se exc 8 “eg 08". Por mas incontestivel que sea, a realzagdo fOnka simulnea ‘io um conta-argumen mum fragmenta dos Manuscritos de Harvard (espa 'ado}: “Quando falamas decades fonéic, sempre temos em visu col ‘Quan: falamos de um fonema solado,podemosentendt-lode una maneiraconeeta ou deumamaneita abstrata. Concreta se ele fr eoncebido como ocupand tim expaca uma porgte de tempo. Abs ‘rata se falamos apenas decaracteritcasditintivas es classificanos, Al nem come, nem fm ‘em fase: sso imediatameate se tradaziria em subespécie, O fonema na classifcago€ ui ela sbstrata 0 fonema na cadeia fone uma ela concreta. A cadeia pode ser reiziraum gnico fouema (Paret, 1995-1994, 204203) Esperemos a entrada da diacronia em cena para tratar desse problema ¢, por enquanto, fiquemos na linearidade, Em outra passagem do Curso (p. 145), deparamos uma nova alusio, muito répida, ao caréter linear. E que os editores, talvez preocupados em evitar uma repetigdo, ou extremamente sen- siveis 8 dificuldade do problema, reduziram a duas linhas (seguidas de uma referéncia & passagem supracitada) as sentencas longamente desenvolvidas por Saussure. Riedlinger anotou na forma abaixo a parte mais importante: Mas hd aqui uma caracteristica capital da matéria fOnica, ainda néo suficien- temente destacada: a de se apresentar a nés como uma cadela actstica, 0 que provoca imediatamente o cariter temporal, que € 0 de ter apenas uma dimen: ‘io, Poderlamos dizer que é um cariter linear: a cadeia da fala, forgosamente, apresenta-se a nés como uma linha (jtilico de M. A.),¢ isso tem um aleance do a se estabelecer. As dife imenso para todas as relagées posteriores que rengas qualitativas(diferenca de uma vogal para outra, de acento) s6 chegam a vogal I 1957- ser traduzidas sucessivamente. Nao podemos ter a0 mesmo tempo ur a, alls, como em miisica (Go acentuadae étona; tudo forma uma li 1969, 205.206; Engler, 1968-1989, 234)". Estamos vendo: Saussure nao se embaraca mais com observagdes ques- tionaveis sobre osignificante como “representando uma extensio™. Ele des- taca explicitamente que é a “cadeia da fala” que é afetada pela linearidade € .dica claramente que essa sujeigo ao tempo provém do caréter material dos elementos fonicos que a constituem. Esses pontos de doutrina parecem muito presentes nas Notas Item. A terminologia, claro, é diferente: Saussure fala aqui néo de carter linear, mas de “uniespacialidade” (Ecrits, 10), ou de “temporalidade” (Ecrits, 111). Mas € muito claramente dito da primeira que ela afeta o “soma”, isto, estamos, ointagma a cadeie da fla nia aparece exh ‘Constata-se que o carter linear do significant € sempre de um Curso a outro, uma propridade da fala % —1.C, Milner (1989, 386) notou to justamente a extrema abscuridade dessa passagem: ‘extensio"?Parece que esas dffculdades no sede ‘vem aos editores, mas apaesem em sfirmagoes realmente proferldas por Saussure: cf. Engler, 1968-1989, 157 Miche! Atrivé | Em busca de Ferdinand de Saussure Dor fragmentos de tempo da cadeia unilateral) que cri, ao mesmo tery Claro que a pessoa jamais conhecera os “caracteres” cujas qualidades Saussure deixou em um estado de vazio definitivo. Mas.a parte cheia da nota € clara: ¢ exatamente sua manifestacdo pela cadeia sonora que confere tem. Poralidade aos \guagem. A muito bela, mas m smentos da 0 obscura metéfora da lanterna magica (Berit 109-100.112) parece confirmar claramente a aplicagao da temporalidade is. figuras vocais, e apenas a elas. Mas a nocao de “figura sintetizivel” repousa, sem divida, na possibilidade, considerada de modo ineamente fugi dia e enigmatica, de “abandonar o principio da sucessio temporal ‘ramos aqui uma reflexdo que parece anunciar aquela que encontraremos na Pesquisa sobre os anagramas (ef. Gandon, Le nom de 'absen se articula com a oposicio entre duas “ordei va). Em sua formulacéo exata, Saussure parece ter sido vencido fetivamente, trata-se justa sintaxe — toda a sintaxe — aparentemente autocontr liscursiva e intuiti- igustica da lingua, estabelecendo esse objeto rio: uma entidade de lingua fundada em um {ato de fala. Esses problemas reaparecerdo no ca Apaguemos.essa obscura lanterna magica ¢ retomemos 0 ensino do CLG. Retranscritos no léxico definitive do CLG, 0s pontos de doutrina pare- cem cla ificant vamente no tempo da fa E aqui que surge a seo significant ass mente mater izacio concreta da lingua. suldade: 0 principio parece indiscutivel lado ao som (“os significantes actisticos”), for efe Mas ele o é realmente? Vimos acima que Saussure apres como uma evidéncia o cardter néo material do significante: na p. 164 (cf. aqui p. 54), ele dé como evidente a nao pertinéncia do som & depois, a ndo materialidade (ele diz o carder “incorpéreo”) do significante. Aqui se esclarece uma distingao que sera totalmente formalizada por Hiel- v: aquela que, no seio do significante (assim como do significado, alids) gue os dois planos da forma e da substéncia. Vimos acima que, em “A dupla esséncia’, uma palavra foi reservada para 0 som encarado como subs- tancia: trata-se da figura voc denominada como soma). Sob esse aspecto, 0 som (assim como a 6) decorre da substincia e tem com a forma — para Saussure, a tinica instancia que decorre da lingua — apenas um funglo “secundaria” de manifestacio. ingua e, logo Percebemos a contradicio que esse novo ponto de vista desencadeia. Em tum ponto, o signficante & dado como linear pela simples razdo de sua ma- terialidade. Mas, em outro, ele é dado como nio material. Continua ele a ser leitura, nio levanta esse problema e, consequentement sobre a eventual persisténcia da linearidade para um signi Ela serd evocada la desde jé E ainda hi outra dificuldade, igualmente explosi ido, convém assina ‘com mais vagar no capit Acabamos de ver nos fragmentos até agora citados que, sem 0 menor ivoco, € 0 significante — e ele exclusivamente — que é dado como linear. recordemos a definigao da lingua como “sistema de signos”: sea lingua éque é “linear”, é necessariamente 0 encadeamento dos signos — significantes ¢ significados — que e jo linearidade. Aqui, nenhuma ambigui dade é possivel: nao sio mais os “significantes actisticos”, mas as “palavras — quer dizer, os signos — que estio linearmente encadeados: No discurso™, as pelavras contraem entre si, em virtude de seu encadeamento, relagdes fundadas no cariter linear da lingua, que exclui a pos Michel Awivé | Em busca de Fardinand de Saussure 180 mesmo tempo. Os elementos sealinham uns de pois dos outros na cadeia da fala. Essas combinagées que tém como su extensio podem ser chamadas de sintagmas (CLG, 170) © motivo para a substituisao do “significante” pe de linearidade? E, sem divida, o fato de Saussure nao distinguir, em sua concepgio do conceito a definir — o sintagma™ —, a ordem de subunidades na palavra” da ordem “das palavras na frase”: “Estamos falando da sintaxe, mesmo quando se trata de sufixos” (Engler, 1968-1989, 278). Desse modo, em reler, formacao pr fixal dada no CLG como primeiro exemplo da nogio de yearidade é observada do mesmo modo entre o r-e0-e-eentre apesar de os “elementos” do primeiro par fazerem parte da mes- wanto 0s “elementos” do segundo seguem separados pela maunidade fronteira das unidades r-¢ le. Mesmo no nivel da grafia — acabamos de nos dar conta de que Saussure esté longe de ser tao indiferenté a ela quanto, por ‘eres, declara — a relagao entre os elementos dos dois pares ¢ exatamente identica. Isso porque a linearidade ultrapassa os limites dos signos: 0 enca- deamento dos signos é tao linear quanto o dos significantes, Como a lingua € um sistema de signos, torna-se possivel falar da “linearidade da lingua”, ‘Vemos o duplo destocamento pelo qual Saussure fez seu segundo prin- cipio passar: a identidade substancial da relagao entre elementos no seio de uma unidade ¢ da relagao entre unidades subsequentes no sintagma per- Ihe substituir os significantes pelos signos como objetos submetidos aridade. E a definigéo da lingua como “sistema de signos” autoriza- © a enunciar a nogéo, originalmente nao prevista e, € preciso reconhecer, bastante problematica, de “Iinearidade da lingua”. Um “sistema” poderia ser ar”, na acepcio especifica conferida por Saussure a essa palavra? Nao é em inquietacdo que nos interrogamos sobre as condigées de uma eventua- lidade dessas. ‘ode dezembo de de sntegma Conclusdo sobre os dois principios 1ada initil — mesmo que seja certamente temeririo — tentar explicar ou, pelo menos, esclarecer as incontestaveis contradigées que obser ‘vamos na reflexdo saussuriana tal qual ela aparece no CLG. Para o arbitrério, jé entrevimos acima uma solugdo. Vamos expli a contradicio entre as duas leituras do principio s6 aparece por ocastéo do esforgo que é preciso fazer para demonstri-lo. Talvez porque a demonstragio tenha to pouco interesse para Saussure. © que importa para ele, no cipio do arbitrario, é a possibilidade que esse principio Ihe da de expor, em todo seu rigor, as nogdes de sistema e de valor. Ele o diz com todas as letras ‘em uma passagem do 3° Curso, descartada pelos editores: Seo signo nao fosse arbitrério, ndo poderfamos dizer que s6 existem diferengas na lingua (Engler, 1968-1989, 265; Dégallier e Constantin anotaram da mesma ‘maneira as palavras de Saussure). B dai que provém a desenvoltura —incontestivel — com a qual ee faz a mente: ele dedica muito mais tempo a marca o lugar e a importincia do principio em ling demonstracZo, por sinal muito sintet logia. Nao ha duivida de que teria sido preferivel apresentar o principio por aquilo que ele &: um postulado nao demonstrado — e, talvez, nao demons: travel — em vez de um teorema, Saussure nao faz isso. E claramente iniitil cespecular sobre as razdes que ele teria — ou nao teria No caso do caréter linear do significante, os fatos s40 mais complexos. Excepcionalmente, é possivel recorrer a uma outra faceta da reflexio saus- suriana — quer dizer, a pesquisa sobre os anagramas? A decisio nio é ‘matica. £ que parece existir uma fronteira estanque entre essas duas facetas da reflexdo saussuriana, Exceto em um ponto, justamente o problema do “carites inear do significante”, que — sab outra denominacio, é verdade — ¢ explicitamente enunciado na pesquisa, com uma alusio — a Gnica, se mi gui © argument, ‘nico, ‘mas decisivo, que me permite recorrer a uma para esclarecer a outra: aha leiture esti correta, nas pesquisas anagramiéticas — a ica, Esse encontro excepcional entre as duas reflexées con: Que os elementos que formam uma palavra se sucedam é uma verdade que Linguistica”, como algo sem interesse por- seria melhor no considerae, e gales texto, 0 uso da explicta que anunciet hi pouco,Teremos notado, na primeira linha do smento com o sentido que ele tem no CLG. eunyeas ap ojesua oysepow 1228 e2ns)nOuy ep 08109 9 a que evidente, mas que, a0 contririo, dé antecipadamente o principio central de toda reflexdo iil sobre as palavras. Em um campo infinitamente especial como aquele de que acabamos de tratar®,€ sempre em virtude da lei funda ‘mental da palavra humana em geral que se pode enunciar uma questio como a da consecutividade ou nio consecutividade, e a pact da primeira! Podemos dar TAE por ta + t, isto é, convidar o leitor no mais a uma justapo siglo na consecutividade, mas a uma média das impresses acisticas fora do tempo? fora da ordem no tempo que os elementos tem? fora da ordem linear ue se observa se eu dou TAR por TA-AE ou TA-E, mas que nio se observa se eu dou por fa + tea amalgamarfora do tempo como eu poderia fazé-lo para duas cores simultaneas?(Starobinski, 1971, 46-47) Observamos o evidente parentesco entre essa passagem € o parigra- fo do CLG dedicado a linearidade do significante: todos os problemas se encontram tratados de modo quase homénimo nos dois fragmentos, até a distingao operada entre os “elementos actisticos”, normalmente submetidos “ordem linear”, e 0s “significantes visuais”, que, por exemplo nos “sinais maritimos” citados no CLG, podem apresentar “duas cores simulténeas”. A ponto de se comegar a especular sobre a cronologia. Pode-se imaginar Saussure escrevendo no mesmo dia — mais em dois cadernos diferentes — © texto que acabamos de ler e aquele que Ihe faz eco no CLG. Com uma diferenga, porém, mas apenas no nivel da terminologia: 0 adjetivo linear — _mesmo presente no texto da pesquisa — nao é, como no CLG, 0 epdnimo do principio, Saussure preferiu introduzir a nogao de consecutividade, que abre espaco ao prefixado negativo nao consecutividade. Iniciativa oportuna: ela evita a referéncia a linha, que s6 pode ser metaférica — porque como uma ha poderia ser, literalmente temporal? Com excecao dessa diferenga lexi- 4 reflexao é idéntica: la incide sobre o assujeitamento dos significantes actisticos ao tempo, considerado como “a lei fundamental da palavra hu- ‘mana em geral”” As excegdes admitidas a essa lei, no “campo infinitamente especial dos anagramas”, tém aqui um cardter propriamente escandaloso: de onde o interesse apaixonado que Saussure Ihes dedica, a ponto, aqui, de ‘videntemente, Saussure rfer-re ag pesquisa sobre os anagrams, esbogande o du nglstica ede fazer dela umn “campo infinitamente Aqul, Saussure como the ocorefrequentemente ness pesquisa conduida quaseclendes- ‘inamente, sem intengio imediata de publicao,parou no mei da fase. Fo constatado que ee procedefrequentemente do mesmo modo em suas meditagdes propriamentelinguisticas. sufocar no meio de sua frase e de, ali, encontrar a forma postica daquele “falso alexandrino mallarmiano™® que é o belo encerramento “fora da or- dem no tempo que tém os elementos". E, por sua ver, ele nio pode deixar de evocar a nao menos linda metafora da lanterna magica, cujas obscuridades ja destacamos. JA percebemos claramente: no fragmento da pesquisa, a inica consecu- tividade visada & a dos “elementos” na constituigéo da palavra: Da consecu- tividade dos signos no sintagma — ou das p: que, para Saussure, trata-se do mesmo problema —, ele nada diz. © mesmo ocorre no parigrafo do CLG dedicado ao estabelecimento do “principio” do cariter linear do signi -as no discurso: sabemos ante. £ aqui que esté 0 né da reflexao saussuriana. Como explicar a incontestavel desenvoltura que caracteriza a progres- so do pensamento no CLG? O texto passa repentinamente da linearidade dos significantes para a linearidade do encadeamento dos signos para cons- tituir os sintagmas. Ele chega até mesmo a estabelecer a problemética nogio de “linearidade da lingua’, que, sendo em si mesma contraditéria, além de tudo contradiz a anélise que o levou a classificar “o ato de fala” como lugar da linearidade. A lingua acabaria, entao, por se confundir com a fala? Como se chegou a esse ponto? Aqui nao se trata de especular, mas de ver nessa siibita extensio — de consequéncias bastante incbmodas — a marca de um clemento da teoria nao suficientemente explicitado: a exigéncia de uma con- formidade absoluta entre as regras que governam os significantes eas regras {que governam os signos. Os significantes si é necessério que os signos também o sejam. Em suma, Saussure nio leva em conta a possibilidade de haver discordancia entre a forma do significante a forma dos outros componentes da lingua. E verdade que, no discurso, as palavras se encadeiam mais ou menos da mesma forma como o fazem 6s fonemas nas palavras: vimos acima que & esse 0 argumento que permite a Saussure passar de modo questionével do significante & lingua. Mas essa linearidade entre as palavras nao tem a mesma fungio que ela tem entre os fonemas, Sem querer entrar aqui em um problema de linguistica pura, que ‘me desviaria de meu projeto estritamente metalinguistico, vou me limitar a destacar que as relagdes semantico-sintéticas que se estabelecem entre as pa- lavras no discurso s20 comumente representadas de modo nao linear: uma rvore, por exemplo, néo tem nada de linear.. inearmente ordenados? Entio, ‘= Tomo eas pertinent designacio emprestada do prateado Thomas Aron, 197057 20 ‘eunyaas 2p ctesueeysepow e186 eoysinduy 2p os1n Moho! Atrivé | Em buses de Ferdinand ae Saussure Os sistemas de signos e a nogao de valor ‘Com o conceito de signo circunscrito — com todas as indiscutiveis di- ficuldades e ambiguidades que ele comporta —, torna-se possivel encarar a forma com que Saussure pensa o funcionamento dos sistemas de signos. Podemos comecar pela ilustre metéfora" da folha de papel. Ela tem um Papel modesto na versio publicada do CLG, mas a leitura das Notas mostra ‘que ela fol objeto persistente da reflexao de Saussure: A lingua é compardvel a uma folha de papel: 0 pensamento &a frente eo som,0 verso" no pademas recortara frente sem recortar, ao mesmo tempo, 0 Verso; ‘© mesmo acontece com 2 lingua: néo teriamos como isolar nem o som do pen samento, nem o pensamento do som; s6 chegariamos a isso por uma abstragio ‘io resultado seria fazer psicologia pura ou fonologia* pura (CLG, 157). Aqui, é necessério tomar a metafora ao pé da letra, como Saussure faz. Em alguns pontos das Notas, chegamos a vé-lo brandindo a tesoura que faz © corte e marcar com uma onomatopeia barbara — “Pam, pam” — o baru- Tho que ela faz a0 se fechar sobre a substincia que esté recortando! Deixo ao Psicanalista a incumbéncia de especular como queira sobre essa tesoura, De ‘minha parte, volto a folha: suas duas faces representam os dois “planos inde- finidos” das “ideias confusas” (a frente) ¢ 0 plano, ‘ndo menos indetermina- $m seu dscursocientfico, Sassure reserva um logar de destague para a mtfors, Tee ‘os nado, em nosso percuso, grande nimero dels, Pensemos, além de todas as que jévimos, na metifora da “roupa coberta de remendos feito de seu proprio pana” (CLG, 235. E emo outras nos capitulossegustes. Saussure tem perfetaconscitncia dessa expeciiidade de feu dicursoe se dedica a uma defesaeexemplificago apaizonada da metifoa (e, de modo ge "al da*igura") em lnguistica ex uma passagem das notss manuscitss (Engler, 1968-1989, 1) ‘Algo que, em suma,& prfeitamentecompatvel com o questionamento das noses tadiclonais "sentido prdprioe figurado” (Bers, 72). “Seri til enfatizar que Saussure nio herarquza as nogdes de frente ede vers? Ee explica {810 em um fragmento das Notes abr a lingurtieagera “See floda frente edo verso deine ging, rtacse de contirios que permanccem peefeitamente correspetivs um do out ‘que nio existe, antecipadamente,nenhama caractristca que distinga mas especialmente fen ‘e do verso ou vice vera" (Engle, 1974-1009, 9; Eris, 264-265). “__Ssbemos que Saussure di 2 term forolgie sentido ~ abandonsd no uso contempori ‘0 ~ de fsiologia dos ons” (p. 5) Ele exp ara Whitney:"A Fonologia ~ esa cignca particular para ‘quero dizer a ciénca ‘das condigdes natura da produgio do (ngios™ (Erits 208). Portanto, na pastagem cada do CLG, ele quer diver ques separagho even ‘sal dos dis plans levaria, na que di espeito 20 © fazer dele o objeto de andlisefonolegica est do, dos sons” (0 verso). A especificidade da lingua é proceder a recortes que atinjam simultaneamente as duas faces inseparaveis da folha, O resultado desses cortes? As “articulagBes”, a serem detectadas no sentido, sempre lite- ral, de segmentos resultante do recorte. Segmentos necessariamente de duas faces, como a folha cujos fragmentos sto doravante intimeros: Cada termo linguistico & um pequeno membro, um articulus, no qual uma ideia se fixa em um som e no qual um som se torna o signo™ de uma ideia (C16, 156). ‘Um esquema tem como fungio nem tanto exemplificar @ metéfora, mas sim a teoria que ela representa. Conhecido pelo nome de “esquema das duas :massas informes’, ele impressionou bastante virios leitores, especialmente Lacan, que o comenta, com riqueza de detalhes, em varias ocasies. Ele che- garda ponto de reproduzi-lo no Semtindrio it (1981, 296): A“nebulosa” a éa das “ideias confusas’; a nebulosa a, “ndo menos inde- terniinada’, é dos sons. A folha de papel da metafora — se for absolutamen- te necessirio reencontré-la — adensou-se um pouco: ¢ 0 espago compreen- dido entre as duas nebulosas,e as linhas sinuosas que as limitam constituem suas duas faces. As retas verticais"” recortam simultaneamente as duas ne- bbulosas. Os segmentos desse modo delimitados constituem os signos. Aqui é \Nesse pont, evidentemente,esperariamos a palaveasignicante, Os editores do CLG — ‘esse pont, plenamente responsivels por etsaformulagio ~ jamais levarem terminologia © Lacan val se da conta de gue ees linha sf pontihadas. Ele nor em uma perapectiva propria. Eu esclacego que ese pontilhado é uma inovaga, sem divide esprovida de qualquer intencio ede qualquer fungi, dos edres os exquemas, por tidemente menos elaborados, dos ouvintes de Saustureapresentam lina verticals cheias, AS fronteizas que separam at unidades eauesurianas si estan. terpretad ese porte tutes ap oesus ojsepouw 1228 e2nsynBuy 9p 08179 0 3] (e] - Miche! Arrive | Em busca de Ferdinand de Saussure preciso estar atentos: trata-se de signos definidos por sua oposicao reciproca no sistema por eles constituido, a saber, na lingua. Em outros termos, 0s signos sio representados em sua simultai recear e ter medo — para tomar exemplos citados no Curso, p. 160 — estio itam reciprocamente: a leitura do esquema a, de acordo com 0 termo saussuriano). Algumas interpretagées — de determinado: uistas e ou- ites dos segmentos as marcas de sua sucessividade no discurso: logo, tratar-se-4 de uma letura sintagmética. Leitura, a meu ver, extremante questiondvel. tros, especialmente Lacan — verao nos E ainda resta um problema: segundo que principio 0s recortes marcados pelas retas segmentam as duas massas informes? Nesse ponto, Saussure & categ6rico: ‘Nao apenas os dois campos ligados pelo fat os, como a escolha que mobiliza d nada idei perderi pois conteria um elemento imposto desde fora Mas, de fato, os valores permanecem inguistico so confusos e amor- Jinada porsai Se esse ni para deter Fosse caso, nogio de val ramente relativos, e& por isso que o rio (CLG, 157). lo entre a ideia eo som é radicalmente ‘Vemos aqui, com toda a clareza, a fungio exercida na teoria saussuriana pelo principio do arbitrario do signo, exposto aqui em toda a sua “radi dade”. Saussure reconhece explicitamente (“€ por isso que”) que o principio € exatamente a reincidéncia da intervengdo da nogao de valor. Nesse mesmo é verdade, os vinculos que unem dissoluvelmente as duas leituras do principio. Vimos anteriormente um dos aspectos desse vinculo. Aquele que agora se revela nao esta em contradiga0 com ele. Ele decorre do seguinte: para que a lingua possa ser definida como um sistema de valores puros, é imprescindivel que as relagdes entre as uni- dades linguisticas nao sejam determinadas por nada de externo a lingua”: a pressio do referente — aquela que faria intervir nas relagdes entre signos “um elemento imposto desde fora” — aqui deve ser nula. Esse é 0 motivo pelo qual é preciso instalar o arbitrério entre o signo e o referente. Mas como ingua, o tinico meio de lo entre os dinicos planos que tem instalar o ar alguma pertinénci ica o significante e o significado. Uima simples Ieitura do CLG ¢ suficiente para validar a interpretagio do arbitrério como indissoluvelmente ligado & concepgao da lingua como sis- , que jé fora dada, mais ou menos expli- itamente, por alguns dentre os melhores letores de Saussure (por exemplo, Claudine Normand, 2000, ou Anne Heénault, 2002 e 2006). As fontes ma- nuscritas? Elas confirmam totalmente essa analise, tanto nas notas tomadas ho de 1911, que acabamos de citar, como na tema de valores. Interpretacio, anotagio de maio: [Nao penetramos tanto quanto necessério no fendmeno (do arbit io] propria- ‘mente. Ele pde em presenca duas relacbes. A idela de relagio arbitriria faz inter guir como maior cuidado. Temé fem duas relagbes que é preciso distin , de um lado, a rel de que se ede outro, a relacio Cy) =” (Komatsu, 301-302) ‘Vemos que o problema do arbitratrio do signo, a despeito de sua impor- tncia na historia da ling, ca, € aqui reduzido a uma fungao, como dizer talvez no subalterna, mas derivada: trata-se apenas da consequéncia e/ou condigao da concepgio da importa. Ela cor cas, apenasas relagdes que as unem no sistema de gua como sistema de valores. Para Saussure, é em levar consideraedo, no esta- valores que elas consti Michel Arivé | Em busca de Ferdinand de Saussure A ideia de valor, assim determinada, mostra-nos que é uma grande ilusio con- siderar um termo simplesmente como a unio de certo som com certo concei- to, Defin-lo assim seria isoli-lo do sistema do qual faz parte; isso seria achar que podemos comecar pelos termos e construir o sistema fazendo a soma de- les, quando, ao contrrio, & do todo solidério que devemos partic para obter, por analise, os elementos que ele encerra (CLG, 157). Vamos adian Jevando em consideragao a estrutura do signo, 0 valor intervém necessariamente em trés objetos distintos: por um lado, cada uma das faces do signo — significado e significante — e, por outro, o signo em sua totalidade, Serei breve no que diz respeito ao “valor linguistico considerado em seu aspecto conceitual”. E nesse ponto que Saussure faz aparecer, além dos ilus- tres exemplos de temer, recear ¢ ter medo, de louvar e de seus dois correlatos alemies mieten e vermieten’®, a ndo menos célebre andlise do valor dos dois ‘ermos ingleses sheep e mutton comparado ao de seu correferente (mas, por definigdo, no equivalente) francés mouton Adiferenga de valor entre sheep e mutton deve-se a0 fato deo primeiro tera seu lado um segundo termo, o que nio &0 caso para o termo frances (CLG, 160), Dessa forma, duas palavras podem ser, entre duas linguas, grosseira- ‘mente sindnimas, de todo modo, correferenciais sem ter 0 mesmo valor. Ge- ralmente se traduz, sheep (e também mutton) por mouton, sem inexatidao, Contudo, os dois primeiros, que se limitam reciprocamente, nio tém o mes- ‘mo valor do terceiro, que ocupa sozinho o campo que 0s outros dois dividem entre si. O “cinzel” da lingua inglesa, se & que posso me exprimit assim, corto — “pam, pam” — seus cordeiros de uma maneira diferente do cinzel francés. © resultado dessa operagio de segmentagio constitui o verdadeiro éstatuto das unidades lingufsticas, mais que a associago de um significado com um significante: ‘Quando afirmo simplesmente que uma palavra significa algo, quando me ate- Tho & associagéo da imagem actstica com um conceito, fago uma operacio ‘que pode, em certa medida, ser exata e dar uma idela da realidade; mas, em 2» Nese pono, Saussure toma posi, é verdade que de manera implicit, a respeto do Problema dos sentdos opostos ele admite que o francs lower tema como valor ecummlar a duas lgnifcagbes opostas dos verbosslemes mieten evermicte. Mesmo sem dizer explicitarente, entra em acordo com Freud que, como sabemos, um partido feroa dos "sentido oportoe” 10-1971, nenhuma hipétese, exprimo o fatolinguistico em sua esséncia eem sua ampli- tude (CLG, 162) (O valor também intervém necessariamente no campo “material”. Assim como 0s significados, os significantes tém um estatuto diferencial. Come- ando com o exemplo do significante acistico, Saussure, uma vez mais, faz intervir o principio do arbitrario do signo para estabelecer esse estatuto, de maneira ainda geral, 6 verdade, dado que significado e significante (am e ‘outro “fragmentos de lingua”) so igualmente visados pela argumentacdo: Dado que nao ha imagem vocal que responda mais que outra aquilo que ela é encarregada de dizer, €evidente, mesmo a priori, que jamais um fragmento de ima anilise, em algo diverso de sua nao coin. lades correlativas lingua poderd basear-se, em. cidéncia com o resto, Arbitrdri e diferencial sio duas q (C16, 163). Segue-se a construgio do esbogo da fonologia saussuriana — dessa ver, nna moderna acep¢o da palavra, e nao no sentido especifico que Saussure lhe confere, £0 tradicional exemplo do fonema /r/ que é utilizado: sabemos que sua realizagio efetiva em francés pode variar de modo considerével (do [1] “caipira” ao [R] ou [], ambos “guturais’, mesmo que de maneira diferente, semelhante ao [x] do alemao ack etc.). Quaisquer que sejam suas realizagies ‘materias, ele se distingue da mesma maneita de todos os outros fonemas € tem consequentemente o mesmo “valor”: € a propriedade paradoxal da lin {gua de tornar funcionalmente idénticos objetos materialmente diferentes. Ademais, éa mediagio sobre o valor em seu aspecto material que infere dois aspectos espetaculares da reflexao saussuriana. Tanto um como outro centrevistos em outros pontos, eles devem ser mencionados de novo aqui: 1/0 ‘inico fragmento do CLG que faz intervir de modo verdadeira mente explicito 0 problema do estatuto consciente ou inconsciente da lingua aparece por ocasiio da anilise do significante (p. 163). Nessa passagem enig- :atica, tanto por sua prépria existéncia quanto por seu conteiido, Saussure considera os elementos linguisticos, quaisquer que sejam eles, como incons- cientes enquanto tais. Apenas sua diferenca vem & consciéncia A alteragao dos signos lingusticos mostra perfeitamente essa correlagio [en- tre arbitrdrioe diferencial| €justamente porque os termos a ¢ b sao radical ‘mente incapazes de chegar, como tais, as repides da conscitncia — que 86 percebe perpetuamente a diferenca a/b — que cada um desses termos perma- = Michel Arrive | Em busca de Ferdinand de Saussure rece livre para se modificar segundo leis est snhasa sua funcio significativa 163; 0 texto nunca foi pronunciado por Saussure em seus Cursos: ele (do do projeto de artigo para Whitney (Ecrits, 2 como diferenca apenas a mengio “a eis que resultariam de |, onde apresenta Nos capitulos v e vi, retomaremos o problema do inconsciente saussu- 2,/ Vimos acima a problemética da materialidade ou da nao materia dade do signficante. Além das consideraveis consequéncias que ja Ihe foram atribuidas, ela provoca outro desenvolvimento, nfo menos importante: 0 da sto da escrita Na introdugio geral ao CLG, Saussure nao economiza nas criticas & es- crita. © fundamental desse problema é que ele encara a escrita como se cundéria quando comparada ao significante oral, dado nesse ponto do texto como o inico significante: proniincias “viciadas” calcadas na grafia e chama de “monstr serem remetidas “ao compartimento especial dos casos teratolégicos a influ éncia da ortografia sobre a promiincia” (CLG, 53-54). Até que extremos teria chegado sua indignacio se ele tivesse podido ouvir as consoantes que, a partir do momento em que Jacques Chirac as pratica com obstinacéo, comecam a se difundir? Sobrevém a desmaterializagao do significante: ele deixa de se confundir com a substdncia sonora. A desmaterializagao tem consequéncias imediatas. ‘ou indécil) do som. Ela chega até a perder todo contato imediato com ele, dado que o significado que ela assume néo € mais o som, mas o significante incorpéreo. A esse respeito, uma minima Acescrita nao é mais a serva (dé: discordancia entre 0 texto das fontes manuscritas e o da edigdo padrao é ‘Como vimos no c Théodore significativa. Lemos na edigdo padrao que “nenhuma relacéo existe entre a letra t€ 0 som que ela designa” (CLG, 165). E quando acreditamos ter sido reconduzidos 20 modelo anterior das relagées entre som e grafia anterior. Na realidade, segundo as notas totalmente homogéneas de seus ouvintes, Saus sure nio falou do “som que ela designa”, mas da “coisa a designar” (Engler, 1968-1989, 268). Podemos ver a diferenga: ndo é 0 som que deve ser assurni- tulo de significado sma “coisa", Coisa inominével por alguma outra palavra que nio s reconhecemos aqui, sem a menor dificuldade, o significante incorpéreo, efetivamente dificil de subtrair de seu fonico ou grafico, Em consequéncia, a escrita alcanga a plena dignidade de sistema de sig- yendiavam deixam de ser proferidas tanto quanto a de intervengao nos. As afirmativas vexatorias q no campo. E, sobretuda, passa a ser Ie lingua da qual doravante ela € 0 equivalente, como dor danogio de valor: Os valores da escrita sé funcionam por sua oposicio reciproca dentro de um 1ema definido, composto por um nimero determinado de letras (CLG, 165). Desse modo, sejam as coisas encaradas do lado do significante ou do lado do significado, somos levados & mesma conclusio: ‘apenas diferengas. E mais: uma diferenca geralmente supde ter- ela se estabelece; mas na rengas sem fermos rio comporta nem ideas nem sons preexis idade linguistica alguma? Ao lo sobre o valor, Saussure restitui — mesmo que de maneira ida — a positividade perdida 20 nivel do “signo considerado ‘em sua totalidade”: Dizer que tudo & negativo na lingua s6 é verdadeiro do significante e do sign a part umiaau ap ojesue oisepou e180 eaysinBuy ap e51ng 0 al a] Michel Atrve | Em busca de Ferdinand de Saussure siderar 0 signo em sua totalidade, vemo-nos em presenca de uma coisa positiva em sua ordem (CLG, 166). E ficil articular essa “positividade” do signo com a “negat lementos que 0 constituem? A timidez de Saussure marca, sem dificuldade da operagao. Ele analisa com lucider.o problema da contra entre as duasafirmagSes “na lingua, hé apenas diferengas sem termos po: tivos” e “a combinagio do significado e do significante é um fato po: invocar, a idade” dos id lo de exem- plos, “os iniimeros casos em que a alteragao do significante leva & alteragao a ideia” € 0s fendmenos inversos de diferenciagao dos significantes sob a pressio dos significados (CLG, 167). Compete ao leitor re dessa exemplificagdo: ee entrevé que a relagdo entre significante e sign do no interior do signo tem “algo de positivo”, na medida em que engendra -agdo de um sob a influéncia do outro. E compreende também a entreas “diferengas” eas “opo- sigdes”. O exemplo que ele escolhe € o dos signos pai e mae: simplesmente “diferentes” quando considerados sob seu aspecto clivado de significantes ‘ou de significados, eles entram em “oposico” quando os encaramos como € que eles comportam uma positividade. Ao ler esses fragmentos sobre a positividade do signo, somos tomados Por uma suspeita: no tém eles como inica fangao possibilitar o propris icagao? Porque se tudo na lingua — significante, signifi- cado e signo — estivesse submetido ao regime da negatividade, sem termos 3s, a omunicagao seria, por definicao, imposstvel. Ora, a comunica- ‘io € explicitamente afirmada por Saussure, que Ihe consagra, sob o nome de “circuito da fala’, longos desenvolvimentos, exemplificados por esquemas ‘otimistas (CLG, 27-28): entendo por isso que eles nao parecem dar ocasiao & ‘menor dificuldade no estabelecimento do “circuito” que se estabelece entre “pelo menos dois individuos" (CLG, 27). Saussure no faz nenhuma aluséo a negatividade dos “fatos de consciéncia, que chamaremos de conceitas” ¢ de “imagens aciisticas que servem a sua expresso” (CLG, 28). Dé-se a ins- talagdo explicita da nocdo de valor e sua consequéncia inevitavel: a negati- claro que ante ede signifies | vvizagio das duas faces do signo. Fim concomitante da propria possibilidade de estabelecer 0 “circuito da fal de um sujeito a outro objetos que néo ousamos nem a0 menos nomear, fundados que estéo sobre diferengas sem termos pe adicional constituida pelo fato de que entre os “dois individuos”,o sistema de diferengas tem poucas chances de ser rigorosamente idéntico: em principio, basta a presenca em um deles de um signo, um s6, que esteja ausente do ou- tro para deslocar o conjunto do sistema de diferencas. Para tornar possivel 0 funcionamento do circuito — ou seja, para devotver um lugar & fala e, com iss0, & diacronia —, 0 tinico gesto possivel €reinjetar um minimo de positi- vidade. La onde isso € possivel: no significado, isto &, no préprio signo. ‘ome transmit ivos? Endo estou nem me referindo adi nto de encontro entre osignificante ¢0 Relagdes sintagmaticas e relacdes associativas A oposigao desses dois tipos de relagbes linguisticas é antiga na reflexio de Saussure: com efeito, ela aparece desde o projeto da obra “Da dupla es- séncia da linguagem”, mesmo que em uma terminologia essencizimente di- ‘encontrava-se em oposicio a “paralelia ou fala potencial” (Ecrits, 61). No Curso, tal qual efetivamente pronunciado por cle, Saussure apresentou a oposicao sab a forma do “discursivo” edo “in vo” (Engler, 1968-1989, 27 No CLG, a oposigao esta cl gua como sistema de signos. Ess lingua tudo repousa sobre relagik rminologia que ndo aparece na edigio padrio. sulada com a definigio d: que “em um estado de (CLG, 170). Essas relagdes so de duas ordens: 1 / As relacoes sintagmaticas J as entrevimos acima, quando abordamos o problema da linearida- de, Trata-se das relagbes que se estabelecem entre as unidades consecutivas do discurso, Assim se constituem combinagoes de unidades, que tomam 0 nome de sintagmas Essas co 1agbes, que tm por suporte a extensio, podem ser chamadas de sma & composto sempre de duas ou de virias unidedes con- 5 (por exemplo: re-ler; contra todos; a vida humana; Deus é bom: se sintagmas. O secuti eumjooy 99 o1esue oysepow 528 eo1s)n0u ep 08309 9 gl (a3) hal Aurvé | Em busca do Ferdinand de Sauseure wie {fizertempo bom, sairemos etc) tuado em um sintagma, um termo s6 adquire seu valor porque esté em oposicio ao que o precede ou a0 que o segue, ou a ambos (CLG, 170-181), E dese notar a extensdo que Saussure confere & noglo de sintagma, Dife- rentemente de seus sucessores na histdria da linguistica, o sintagma saussu- iano comesa com a combinacio de dois termos, eventualmente no interior ‘de uma mesma palavra, e se amplia até limites que nio sao definidos:o etc. ‘que encerra a enumeragio dos exemplos é ambiguo. Sera que ele faz alusio a frases mais complexas que a iltima citada? Ou, entdo, dé a entender que as ‘unidades discursivas que ultrapassam os limites da frase também podem ser ‘qualificadas de sintagmas? Nao ha clareza bastante para a verificacio dessa hipétese. Mas também nada de claro que permita rejité-la, 2/ As relagdes associativas ‘Sao aquelas que se estabelecem, “externamente ao discurso”, entre “os termos que oferecem algo em comum”. Esses termos “se associam na me- ‘ria, € assim se formam grupos no seio dos quais reinam relagées muito diversas" (CLG, 171). Essa “diversidade” de relagdes associativas abre espaco para uma andlise sistemética, Especialmente a propésito do termo ensino, Saussure enumera os diferentes aspectos do signo que podem dar lugar a0 estabelecimento de relabes associativas: conexdes diversas entre significa- os ou entre significantes, uns e outros passiveis de ser analisados de virias, ‘maneiras. ‘Um ramo particular na tipologia dessas relagbes associativas € a das as- sociagdes de significante puro. Em seu ensino, Saussure leva explicitamente em conta — ¢ as situa no mesmo nivel das demais — as relagies fundadas “na simples comunidade de imagens auditivas” (Engler, 1968-1988, 287), ou , de modo auténo- mo". Ble dé como exemplo a relagio estabelecida, em alemio, entre 0 adje seja, na identidade do significante, que funciona, ent proposigto desprovida de qual ria nas fontes manuscritas. Mas, por outro Ido, eles ni hestaram em eslarecero mecanlmo posto em jogo por um exemplode"trocad lho decorzente ds absurda confusto que pode resulta da homonimia purse simples: "Os msscor ‘roduzem lesson [sonslfrelo]e os cerealistas os veadem’” (p. 174). Apesar deo exemplo nfo rovir de Saussure, ele esclarece perfetamenteo mecanitmo, Quanto &"qualkade” do trocad- tivo blaw ("a cor azul”) ¢ 0 verbo durchblauen (“moer de pancadas”). Apesar de serem totalmente distintos enquanto signos (nenhuma relacao no nivel de significado entre os dois blau), essas duas palavras nio sio menos associadas pelos sujeitos falantes sob o efeito do tinico significante. Aqui, efetivamente, percebe-se um discreto encontro com Freud: a anlise do Witz ou do lapso decorre, bem o sabemos, de acordo com essas associagbes. Ja percebemos claramente: 0 funcionamento dos dois tipos de rela- qbes € diferente, As primeiras relacées, sintagmaticas, se estabelecem entre unidades igualmente presentes no discurso. E por isso que Saussure fala, a respeito delas, de “relagoes in preesentia”. As segundas, associativas, unem termos ausentes da cadeia discursiva: elas recebem o nome de “relagdes in absentia” (CLG, 171). Mais tarde, Jakobson reformulard e desenvolvera essa anilise. Ele evocard Saussure explicitamente, nao sem antes Ihe langar uma leve eritica post mortem. Em Jakobson, as relagdes sintagmiticas e pa radigméticas decorrerao respectivamente da “combinagao” e da (1963, 48). Sincronia e diacronia De todas as dicotomias saussurianas, nao ha divida de que é a da sin- cronia ¢ da diacronia que experimentou a mais considers fora do campo da linguistica stricto sensu. retomar a letra do texto saussuriano. extensio para alvez seja de alguma utilidade A reflexao de Saussure se situa no nivel da epistemologia geral. £ do interesse de “todas as ciéncias"* rmarcar mais escrupulosamente os elxos sobre os quais estio stuadas as coisas de que elas se ocupamy seria necessério distinguir em todos os lugares segundo a figura seguinte: ° aces, por exemplo, ace que jogs com a homonimia entre Rosse e roux st [idiot iv) (1905-1998, 79-81). Mas af estdtico, no tem nada aver aquo «que ert em ogo & 0 mecanimo (0 texto das fontes marca daramente que Saussure no penss apenas nas clénclas “hums nas’ mas também nas i peo da(f CLG, 14,293 Enger, 1968-1989, 17), Sabemos que ea derpertarso interese de Lacaa, ‘anaes ap oyesua oisepou:}28 zonsinbun ap 08:09 0 co} gl Michel Arivé | Em busca e Ferdinand de Saussure Contudo, essa distingao se impoe as ciéncias com uma neces: € especialmente aitil nas ciéncias que trabalham com valores (por ‘economia absolutamente indispensdvel para aquelas — na qual “os dados naturais ndo tém nenhum lugar” — é0 seu model Dai é que vem o interesse de propor, especificamente para a ling terminologia especifica: dé-se, ent ediacronia (CLG, 117). 0 surgimento da ilustre dupla sincronia A essa altura, percebemos, uma vez mais, a tabelecida entre os conceitos da reflexio saussuri oposigdo dos dois eixos como terconexdo rigorosa es- a: & impossivel pensar a sm pensar, ao mesmo tempo, a definicio da lingua ema de valores — e vice-versa. Faremos a mesma constatagdo — mas s6 depois de w 1uco mais tortuoso — ao enfrentar o problema, anunciado acima, das re- lagGes entre diacronia e linearidade. Com efeito, acabamos de nos dar conta erério um de que a linguistica diacréniea é aquela que leva em conta a lingua como submetida aos efeitos do tempo, Efeitos paradoxais: aparentemente devas tadores, eles estio submetidos a uma regulagio que permite a lingua sobre- viver a todas as mutilagdes que ela padece e reutilizar as afrontas que the so infligidas para reconstiuir incessantemente seu prépri sistema, E isso 6 que nos diz a bela metifora da “roupa coberta de remendos feitos de seu préprio pano” (CLG, 235). Mas sera diacroniao nico modo deintervenga0 do tempo na lingua? Claro que néo! Vimos acima que o segundo principio 2", também levanta o problema do signo, o do “carater linear do signific do tempo em suas relagies com os objetos linguisticos. De onde decorre uma constatago, simultaneamente evidente — & primeira vista — e probleméti- ca. Tomo emprestada de Godel a formulagao que el Saussure liza a nocio de tempo de duas maneiras muito diferet cle esteja levando em consideragio a perspectiva diacrénica ou a perspectiva nica: no primeiro caso, 0 tempo & o agente, mai sxatamente a condicao splesmente o espago do discurso (Go- isso 0 que parece derivar da separacao entre as duas nogbes de diactonia e de linearidade. Mas essa separacio é absoluta? Ser que nao é preciso encarar o problema da eventual relagio — qualquer que seja a forma dessa relacéo — entre alinearidade do significante (Godel retoma, por prépria conta, a metéfora espacializante de Saussure ao falar do “espago do discurso”) ea diacronia (“a condicio da mudanca”, nos termos de Godel? Disfargada sob o aspecto estritamente técnico de sua formulacao, a importancia do problema pode nao ser imediatamente visivel. Contudo, trata-se justamente do proble- ‘ma do tempo em Saussure. Podemos esquematizé-lo na seguinte pergunta: tem-se, no CLG*, duas concepeées distintas do tempo, a da diacronia e a da linearidade? Ou € possivel constatar uma ligagdo entre esses dois tempos, ou seja, reduzir a concepcéo saussuriana do tempo a uma unidade? Para abordé-la rapidamente, antes de analisi-la a fundo no capitulo v, podemos comecar dizendo que a linearidade do signifcante é uma proprie- dade da fala, enquanto a diacronia afeta a lingua. Para a linearidade, nos reportaremos aos textos supracitados, especialmente ao das Fontes. Para a diacronia, os textos sio muitos: é justamente a lingua que é afetada por ela, tabilidade e pela mutabilidade, sendo a simultaneamente marcada pela primeira condigao da segunda: ( signo [elemento da lingua, M. A.) esté em vias de se alterar porque ele con- tinua (CLG, 108-109). ‘A-essa altura, as coisas parecem simples. A linearidade é 0 modo de in- tervengio do tempo na fala, a diacronia — ou, mais precisamente, a mudan- ites @p ojesuaoysapow 1298 eayis)mbuy ep 08109 0 fe]

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