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FILOSOFIA

Amanda Maria Alves Moreira


Pré-socráticos:
físicos e sofistas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar o surgimento da filosofia enquanto categoria fundadora


do pensamento humano.
 Explicar as principais ideias dos filósofos pré-socráticos.
 Descrever os sofistas e a sua relação com o saber filosófico.

Introdução
A filosofia surge na Grécia Antiga, com os pré-socráticos. Ela nasce em
oposição às narrativas mitológicas e aspira ao conhecimento racional
acerca do mundo. Nesse primeiro momento, não há uma distinção
entre as ciências. Assim, os primeiros filósofos, os pré-socráticos, po-
dem ser chamados de físicos (do grego physis), pois se debruçavam
sobre os fenômenos da natureza. Os sofistas, por outro lado, focaram
os fenômenos e as leis intrinsecamente humanas, como as regras de
conduta, os preceitos morais e as ideias sobre como a cidade deveria ser
organizada. Os sofistas eram relativistas e foram pintados pela história
como inimigos da filosofia.
Neste capítulo, você vai estudar a origem da filosofia e conhecer os
primeiros filósofos, os pré-socráticos, e os sofistas.

A origem da filosofia

Physis e nómos
A filosofia surge no final do século VII e início do século VI a.C. na Grécia
Antiga. Naquela época, os filósofos provavelmente não eram conhecidos por
essa denominação, mas apenas como “sábios”. Na Grécia Antiga, não havia
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uma distinção entre saberes disciplinares, por isso os teóricos se debruçavam


sobre uma gama variada de assuntos. Os filósofos que posteriormente ficaram
conhecidos como “pré-socráticos” fizeram descobertas que atualmente estariam
vinculadas à ciência ou à matemática, e não à filosofia. Acredita-se que Tales
de Mileto, o primeiro filósofo, tenha calculado o tamanho de navios no mar.
Além disso, credita-se a Anaximandro a construção de relógios de Sol e a
elaboração de mapas da Terra.
Essas descobertas não levaram a tradição a distinguir os pré-socráticos
da categoria mais genérica de sábios. Graças aos babilônios e egípcios, os
gregos estavam familiarizados com trabalhos teóricos aliados à melhoria
técnica de atividades práticas. O que fez com que eles fossem considerados
filósofos foi o uso da especulação racional para explicar causalmente os
fenômenos naturais, a origem e a base do mundo. Neste capítulo, você vai
ver a especificidade dos pré-socráticos e o que eles tinham de diferente em
relação aos outros sábios.
Aristóteles (384–322 a.C.) diz que a filosofia começa com o espanto e
a admiração em relação aos fenômenos naturais (ARISTÓTELES, 1969).
Assim, seria o espanto em relação à natureza que teria motivado as primeiras
especulações racionais. A palavra “física” é originada do grego physis. No
entanto, a física atual é muito diferente da dos gregos. O termo physis tem
como origem a palavra phyein, que denota o que emerge, nasce, cresce, faz
crescer, brota e vem a ser. Iglésias (1986, p. 12) diz que “[...] [a] filosofia
nasceu como física, e os primeiros filósofos foram, acertadamente, também
chamados físicos”. Neste capítulo, considera-se a hipótese de Iglésias de que
a filosofia surge como física, no sentido de que ela surge a partir do contraste
entre a ordem natural e a ordem humana.
A distinção entre a ordem natural e a humana parece óbvia, mas para os
gregos foi uma novidade. As leis naturais seriam fixas e permanentes. Os
seres humanos poderiam descobrir essas leis e utilizá-las em seu proveito,
mas não tinham capacidade de alterá-las. Por outro lado, existiriam as leis
humanas (nómos para os gregos), criadas pelos humanos e, por isso, também
alteráveis por eles. Entre as leis humanas, incluem-se as regras de conduta, as
leis morais, os costumes e também a própria linguagem. Esse seria o contraste
entre physis e nómos que originaria a filosofia e, junto dela, a distinção entre
dois tipos filosóficos: os pré-socráticos ou físicos e os sofistas. Os primeiros se
debruçavam sobre o mundo natural e buscavam explicações para a sua origem
e o seu fundamento. Já os segundos se debruçavam sobre as leis humanas, a
retórica e a persuasão.
Pré-socráticos: físicos e sofistas 3

Os antecedentes da filosofia: a cisão entre físicos


e sofistas
A filosofia é uma criação grega e há antecedentes históricos que ajudam a
explicar por que ela surgiu na Grécia. Primeiro, as cidades-estados gregas,
as pólis, eram democracias. Essa organização parecia propiciar o debate, o
sentimento de cidadania e de pertencimento, bem como o respeito a opiniões
diferentes. Outros antecedentes seriam o florescimento da cultura grega, com
o surgimento do alfabeto grego, a adoção de moedas e as intensas trocas co-
merciais no Mediterrâneo. No entanto, algumas dessas características estavam
presentes também em outras civilizações. Por conta disso, alguns autores dizem
que ocorreu um “milagre grego” com o início da filosofia (CHAUÍ, 2000).
Para além dessas causas mais indiretas, diversos autores dizem que a filoso-
fia só pôde surgir conjuntamente a uma profunda dessacralização da sociedade
grega (IGLÉSIAS, 1986). Antes do surgimento da filosofia, a narrativa que
predominava entre o povo grego era mitológica. Dois poetas clássicos, Homero
e Hesíodo, ajudaram a sistematizar os mitos do povo grego. Os mitos são
formas de explicar e ordenar o mundo; eles explicam a origem, os fenômenos
da natureza, os valores e o surgimento de um povo. O mito faz parte de um
traço cultural comum, uma visão compartilhada por determinada sociedade.
Os pré-socráticos seriam os primeiros pensadores a perceber e explicitar
textualmente que a narrativa mitológica era insuficiente para explicar a comple-
xidade do mundo, que o mito apenas anunciava. Para eles, as explicações que
recorriam ao desconhecido e ao misterioso para explicar o mundo poderiam
ser substituídas por explicações que apenas recorressem a elementos que
estão no mundo, os elementos naturais. Esses elementos naturais estão em
uma relação de causalidade com os fenômenos da natureza.
Para os pré-socráticos, o mundo era explicável e ordenado. Eles também
procuravam explicar o mundo tomando como base causas e princípios racionais,
acessíveis ao ser humano por meio da razão (logos). Assim, a filosofia é fundada
no logos. Em termos modernos, pode-se dizer que ela nasce racionalista, com
base em explicações causais, utilizando discursos compreensíveis e coerentes
que almejam ser universalmente válidos. Contudo, as explicações dos pré-
-socráticos não eram absolutas; elas podiam ser contestadas e contrapostas
a novas teorias e argumentos. Isso explica por que os diferentes filósofos
pré-socráticos defendiam teses distintas, como você vai ver a seguir.
Foi também a profunda dessacralização grega que permitiu que outro
grupo de pensadores refletisse sobre a natureza das leis humanas, do nómos.
4 Pré-socráticos: físicos e sofistas

O pensamento mitológico grego confundia as leis naturais e as leis humanas


e, para os gregos antigos, ambas estavam além do seu poder. Tal como os
seres humanos não podem mudar o comportamento das marés, eles também
não podem mudar o que é bom e justo ou o modo como devem se comportar,
acreditavam os gregos antigos. Isso ocorria porque se creditava tanto à physis
como ao nómos um fundamento absoluto e divino, não humano. Iglésias (1986)
afirma que a virada filosófica ocorre quando se retira do nómos o caráter
divino e se funda tal caráter no arbítrio humano.

Nenhum texto inteiro dos pré-socráticos ou dos sofistas sobreviveu até hoje. O acesso
ao seu pensamento se dá por meio de fragmentos, frases isoladas e referências feitas por
outros filósofos, ou seja, por meio de sua doxografia. Desse modo, uma preocupação
em relação à fidelidade ao pensamento desses primeiros filósofos deve estar sempre
presente, principalmente no que diz respeito ao pensamento dos sofistas. Neste
capítulo, utilizam-se referências do compilado de fragmentos reunidos no livro Os
pré-socráticos (1996).

Os filósofos pré-socráticos
Os filósofos pré-socráticos são tidos como os primeiros filósofos. A principal
marca do seu pensamento é a busca por explicações sobre a ordem e a origem do
mundo dentro da própria natureza e de seus elementos. Por conta disso, os pré-
-socráticos são denominados “físicos” ou “filósofos naturalistas”. Eles tentaram
explicar o universo recorrendo a elementos que já estão no mundo, os elementos
naturais, e não a elementos mitológicos, que são extramundanos. Os pré-socráticos
acreditavam que o mundo era explicável e ordenado, isto é, era um cosmos. Eles
também procuravam explicar o mundo tomando como base causas e princípios
racionais, acessíveis ao ser humano por meio da razão. Por isso, para eles, havia
uma correspondência entre o logos (a razão) e o cosmos (o real ordenado).
Algumas das questões que interessavam os pré-socráticos atualmente fazem
parte das ciências empíricas. Por exemplo, questões sobre chuvas, raios e trovões
(meteorologia), formação do universo (cosmogonia) e sua ordem (cosmologia).
Todas essas ciências, que atualmente são consideradas mais “duras” e com-
prováveis, nasceram especulativas. Grande parte das hipóteses não podia ser
comprovada, mas as intuições desses sábios até hoje se mostram impressionantes.
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Por outro lado, os pré-socráticos focaram também questões que se asse-


melham ao que o senso comum considera até hoje como temas filosóficos.
Eles se debruçaram sobre o mundo natural para explicar a sua origem e os
seus fenômenos, utilizando o pensamento causal. O problema desse tipo de
pensamento é que ele é regressivo. Quando se encontra uma causa para um
fenômeno, falta ainda descobrir a causa dessa causa e assim sucessivamente.
Por conta disso, e para evitar regressões infinitas, esses filósofos perceberam
a necessidade de estabelecer uma causa primeira, um elemento que origina e
é comum a todas as coisas. Esse elemento é denominado arqué ou arché (do
grego antigo ἀρχή). Cada filósofo pré-socrático defenderá a existência de uma
arché distinta. A seguir, você vai conhecer algumas.
A especulação sobre os primeiros princípios, elementos constituintes ou
causas parece filosófica, não é? Para Aristóteles, ela é exatamente a marca
do filósofo. Por isso se diz que, ainda que houvesse sábios anteriormente aos
pré-socráticos, eles foram os primeiros filósofos. Veja o que afirma Iglésias
(1986, p. 12):

[s]ua originalidade começa a aparecer melhor quando se consideram suas


explicações sobre fenômenos naturais como a chuva, o raio, o trovão; suas
descrições do cosmo; suas explicações sobre a origem mesma do universo. É
na comparação dessas suas explicações sobre o mundo natural com aquelas
dadas pelos mitos e pelas crenças populares que nos damos conta da emergência
de algo novo: o uso da especulação racional na tentativa de compreender a
realidade que se manifesta aos homens.

Esse uso da especulação racional é o que permite desenvolver uma noção


racionalista de filosofia.

Tales de Mileto
Tales de Mileto (625–558 a.C.) é considerado o primeiro filósofo. Para esse
pensador, o princípio fundamental da realidade é a água. Sobre Tales de
Mileto, sabe-se muito pouco. Não se sabe nem se escreveu um livro, pois
toda informação disponível chegou por meio de escritos de outros filósofos.

Heráclito
Heráclito teria vivido por volta de 500 a.C. na cidade de Éfeso, na região
da Jônia, atual Turquia. Ele é considerado um dos mais importantes pré-
-socráticos. Para ele, o fogo seria a arché. Ele é conhecido por sua defesa de
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que tudo está em constante fluxo, de que nada é permanente. Atribui-se a ele
a frase “Tudo flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo” (OS
PRÉ-SOCRÁTICOS, 1996). Haveria um fluxo de constante movimento, mas
a complementação dos opostos garantiria a unidade das coisas. Os opostos
seriam tais como o frio e o calor, o dia e a noite, a vida e a morte. A razão
humana seria capaz de entender a ordem e a harmonia desses movimentos.
A ideia mais famosa de Heráclito é a de que não se pode entrar duas vezes
no mesmo rio, pois tanto o rio como o sujeito seriam outros, teriam mudado.
Heráclito é denominado “o Obscuro”, pois seu pensamento é de difícil
interpretação.

Plutarco (apud OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1996, p. 106) apresenta a ideia mais famosa de


Heráclito no seguinte fragmento:

Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito,


nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição; mas pela
intensidade e rapidez da mudança dispersa e de novo reúne (ou melhor,
nem mesmo de novo nem depois, mas ao mesmo tempo) compõe-se e
desiste, aproxima-se e afasta-se.

Parmênides
Parmênides teria vivido na cidade de Eleia em torno de 500 a.C. Ele também
é considerado um dos mais importantes pré-socráticos e o seu pensamento é
em geral contraposto ao de Heráclito. Parmênides é considerado o filósofo da
unidade, em contraposição a Heráclito, o filósofo do movimento. Um único
texto seu sobreviveu à passagem dos anos, o Poema, que narra o caminho da
verdade. Nele, Parmênides formula uma primeira versão do princípio da não
contradição ao afirmar que “O ser é e não pode não ser e o não-ser não é e não
pode ser de modo algum” (PARMÊNIDES apud OS PRÉ-SOCRÁTICOS,
1996, p. 26).
Ele defende que o movimento é apenas aparente e uma ilusão dos sen-
tidos, não servindo como fonte para a verdade. Parmênides trabalha com
uma distinção significativa entre aparência e essência, defendendo que, para
alcançar a verdade, o pensamento deve perceber a realidade como única,
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imóvel, imutável e eterna. Para ele, a arché é o próprio ser. No Quadro 1, a


seguir, você pode ver as principais distinções entre as concepções filosóficas
de Heráclito e Parmênides.

Quadro 1. Concepções filosóficas de Heráclito e Parmênides

Heráclito Parmênides

Citação “Nada é permanente, “O ser é e não pode não


exceto a mudança.” ser e o não-ser não é e não
pode ser de modo algum.”

Arché Fogo Ser

Principais ideias Panta rei: tudo flui. Princípio da não


contradição.

Devir: o mundo em O movimento é uma


constante transformação. ilusão dos sentidos.

Zenão
Zenão foi discípulo de Parmênides e teria vivido na cidade de Eleia entre
490/485 e 430 a.C., aproximadamente. De acordo com Aristóteles (1969),
ele foi o inventor da dialética e também sistematizou a demonstração pelo
absurdo. Zenão procurou mostrar que o movimento é uma ilusão por meio
de diversos paradoxos. Esses paradoxos procuram apontar que a noção de
movimento conduz a conclusões absurdas. O seu paradoxo mais famoso é o
de Aquiles e a tartaruga.

Pitágoras
Pitágoras teria nascido por volta de 578 a.C. na Jônia. Ele fundou uma escola
filosófica, a escola pitagórica. A sua filosofia é marcada pela ideia de que o
número e a matemática são fundamentais para a compreensão do real. Ele
defende que o número é a arché. Isso significa que a ordem do mundo, para
ele, seria regida pela matemática. A escola pitagórica também é marcada pela
presença de elementos místicos e religiosos e pela proposta de um modo de
vida específico, que inclui a adoção do vegetarianismo.
8 Pré-socráticos: físicos e sofistas

Pitágoras é também conhecido por outros dois feitos. Primeiro, a invenção da palavra
“filosofia” lhe é atribuída. A palavra “filosofia” (do grego Φιλοσοφία ou philosophia) é a
composição de duas outras palavras gregas: philia, que significa “amizade” ou “amor”,
e sophia, que significa “sabedoria”. Assim, “filosofia” significa “amizade pela sabedoria”
ou “amor pelo saber”. Desse modo, aquele que faz filosofia, o filósofo, é a pessoa que
tem amizade pelo saber ou que ama a sabedoria.
Segundo, Pitágoras descobriu o teorema que leva seu nome. O teorema de Pi-
tágoras é uma relação matemática entre os comprimentos dos lados do triângulo
retângulo e a hipotenusa. A formulação tradicional seria: em qualquer triângulo re-
tângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados
dos comprimentos dos catetos.

Outros pré-socráticos
Existiram outros filósofos pré-socráticos que defenderam diferentes princípios
primeiros. Anaxímenes defendia que o ar era a arché; Demócrito dizia que a
arché era o átomo; já Anaximandro defendia que a arché era o ápeiron, que
se traduz por “infinito” ou “ilimitado”. A ordem e a origem do mundo natural
eram os temas centrais de todos esses pensadores. Eles foram os primeiros a
considerar as explicações mitológicas insuficientes e a começar investigações
filosóficas regidas pela razão e passíveis de crítica e revisão.

Os sofistas
Nas pólis gregas, existiam assembleias, locais onde temas de interesse público
eram discutidos. As discussões se organizavam como diálogos racionais;
os interlocutores apresentavam os seus argumentos e buscavam consenso
entre eles e os argumentos dos ouvintes. Nesse contexto, surge o sofista.
Os sofistas eram figuras de destaque nas assembleias. Eles tinham grande
habilidade de oratória e retórica e viajavam pelas diferentes pólis realizando
discursos públicos e dando aulas pagas para aqueles que quisessem adquirir
habilidades semelhantes às suas. Os sofistas afirmavam que poderiam ensinar
aos jovens as artes da oratória e da retórica e que isso faria com que eles
fossem bons cidadãos.
Pré-socráticos: físicos e sofistas 9

Para os gregos, ser um bom cidadão não consistia apenas em conduzir


uma vida ética, mas também em participar ativamente das decisões da pólis,
pensando sempre sobre a melhor maneira de administrá-la. Os sofistas tra-
tavam de vários conteúdos, mas uma parte essencial dos seus ensinamentos
era a arte de produzir belos discursos com a finalidade de persuadir. Essa
habilidade era essencial em um regime em que se discutiam assuntos políticos
em assembleias. Para o grego, a realização pessoal só era alcançada se ele
fosse um bom cidadão. Iglésias (1986) vai além e diz que o sucesso pessoal e
a felicidade confundiam-se com o sucesso na política. Logo, não havia saber
mais cobiçado do que o dom da palavra, e era exatamente isso que os sofistas
diziam que tinham e que eram capazes de ensinar para os seus alunos.
Diferentemente dos pré-socráticos, eles não abordavam temas de cosmolo-
gia, mas focavam temas de ética e política. Isto é, não focavam a physis, mas
o nómos. Como as pólis eram organizadas democraticamente, era importante
discutir as leis e normas que regeriam a população. Os sofistas eram mestres
em persuasão e convencimento. Seu ensino provia técnicas de persuasão para
defender tanto uma posição como a posição contrária. O importante para eles
era ter argumentos fortes e ganhar a discussão nas assembleias, independen-
temente do que estava sendo defendido.
Como você viu anteriormente, retirou-se do nómos o seu fundamento
absoluto e divino. Os sofistas debruçaram-se sobre os temas das leis humanas
e defenderam que elas eram fundadas no arbítrio humano. Os sofistas negam a
verdade ou ao menos a possibilidade de o ser humano acessá-la. Assim, abrem
caminho ao relativismo, à existência de múltiplas verdades que são relativas
às convenções sociais de determinados grupos de interesse.
Para os sofistas, só havia opiniões. As que eram úteis, deveriam ser abra-
çadas; as que eram inúteis ou prejudiciais, deveriam ser rechaçadas. Por-
tanto, os sofistas não aplicavam valor de verdade às opiniões, que não eram
consideradas passíveis de serem verdadeiras ou falsas. Para eles, tampouco
havia conhecimento, no sentido de uma crença verdadeira justificada; o que
importava era fazer valerem as opiniões.
Os sofistas mais importantes foram Protágoras (490–415 a.C.) e Górgias
(485–380 a.C). Protágoras defendia o antropocentrismo, a ideia de que o homem
é a medida de todas as coisas. A Górgias é creditada a ideia de que se poderia
convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa. Ele também é famoso pela
sua defesa das três teses: (1) nada existe; (2) se existe, não posso conhecer;
(3) se conhecesse, não poderia provar.
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Como a tradição interpretou a figura do sofista


Talvez você já tenha ouvido falar no viés pejorativo da palavra “sofista”, que
carrega o sentido de “mau filósofo” ou “enganador”. Isso se deve principalmente
ao modo como Platão pintou os sofistas nos seus escritos. Originalmente,
a palavra “sofista” não remetia a algo negativo, mas Platão os considerou
negativamente e a tradição filosófica o seguiu.
Na sua época, os sofistas tinham a reputação de serem grandes mestres e
não faltavam alunos de boas famílias dispostos a pagar uma quantia alta por
suas aulas. No mesmo período em que os sofistas vendiam o seu saber sobre
retórica e oratória, o filósofo Sócrates circulava em Atenas. Sócrates teria
nascido na cidade de Atenas em torno de 469 a.C. e morrido por volta de 399
a.C. Ele é um dos fundadores da filosofia humanista ou clássica e é considerado
um dos pensadores mais importantes de toda a tradição ocidental. Sócrates não
deixou textos escritos e o acesso às suas ideias se dá principalmente por conta
de seu mais famoso discípulo, Platão, mas também por conta de Xenofante.
Graças a Platão, Sócrates foi visto pela tradição grega como o filósofo
ideal. Até hoje, a sua imagem se confunde com a concepção do que é um
filósofo, de como ele vive, de como se comporta e do que estuda. Assim como
os sofistas, Sócrates se ocupava com temas humanos, relacionados à ética e à
política. Ele fundou um novo período na história da filosofia grega, o período
humanista ou clássico.
Diferentemente dos sofistas, contudo, Sócrates defendia a ideia de que existe
uma verdade única. Em busca dessa verdade, Sócrates abordava interlocutores
com temas abstratos, em geral a definição de alguma propriedade moral como
a virtude. Sócrates e seu interlocutor analisavam situações concretas em que
essa propriedade seria instanciada, e o interlocutor era convidado a discorrer
sobre o tema enquanto Sócrates fazia perguntas. Tais perguntas almejavam
problematizar a definição e evidenciar o desconhecimento do interlocutor
sobre o tópico. Ao final dessa etapa, o interlocutor era convidado a, conjun-
tamente a Sócrates, construir uma definição mais adequada do que aquela
compartilhada inicialmente. Portanto, depois de desarmar o interlocutor,
Sócrates o ajudava a refinar a sua definição e alcançar o conhecimento mais
profundo sobre o assunto.
Como essa maneira de proceder de Sócrates é recorrente em diferentes
diálogos, comentadores dizem que há um método socrático e que ele possui
duas partes: a ironia e a maiêutica. Silva (1995, documento on-line) reflete
sobre esse método da seguinte forma:
Pré-socráticos: físicos e sofistas 11

Os comentadores de Sócrates lidos por nós são praticamente unânimes ao


destacarem o aspecto metodológico/filosófico da ironia socrática. Em que
pesem as diferenças, os acentos e as nuances de interpretação, quase todos
eles encaram a ironia socrática como procedimento metodológico, e tratam
dela no contexto da discussão sobre o método filosófico socrático. A relação
entre ironia e método filosófico ora é entendida como conexão estreita ou
pertencimento, ora como identidade pura e simples (ironia = método). Nos
dois casos, a ironia é vinculada ou identificada ora com o método como um
todo, ora com algum de seus momentos constitutivos (refutação, indução,
maiêutica). Prevalece uma compreensão da ironia como momento inicial do
método, pars destruens, que prepararia o caminho para os momentos mais
construtivos.

De acordo com Platão (1972), Sócrates não considerava os sofistas filósofos,


pois eles não teriam respeito pela verdade ou amor pelo saber. Além disso,
Platão defendia que o ensino da retórica era um perigo para a pólis. Para ele,
a retórica era uma técnica de persuasão vazia de conteúdo. A sua operação
consistiria na separação entre a forma e o conteúdo da argumentação, pos-
sibilitando a defesa de teses falsas, ainda que por meio de argumentos fortes
e formalmente corretos. Platão acreditava que, ao operar daquela maneira,
os sofistas abriam espaço para a defesa de qualquer ideia, ainda que falsa.
Logo, conclui que o sofista é um enganador ou, como Iglésias (1986) afirma,
um charlatão.
Como você já viu, não existem textos intactos dos sofistas. Assim, a tra-
dição filosófica os julgou a partir dos textos platônicos. Platão se opunha aos
sofistas. Portanto, é como se a sua história fosse contada a partir do ponto de
vista de seu maior inimigo. Essa informação pode ajudar você a entender por
que os sofistas foram tão mal vistos.

Neste capítulo, você conheceu o início da história da filosofia e a diferenciação entre


os pré-socráticos, os físicos ou aqueles que se debruçavam sobre a physis, e os sofistas,
aqueles que se debruçavam sobre o nómos. Os pré-socráticos elaboravam explicações
cosmológicas sobre a origem e a ordem do mundo utilizando elementos da natureza.
Por sua vez, os sofistas se distinguem de Sócrates principalmente em relação ao
contraste entre verdade e opinião. Como você viu, eles ficaram conhecidos como os
grandes oponentes da filosofia.
12 Pré-socráticos: físicos e sofistas

ARISTÓTELES. Metafísica. Porto Alegre: Globo, 1969. v. 1.


CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
IGLÉSIAS, M. Pré-socráticos: físicos e sofistas. In: REZENDE, A. (org.). Curso de filosofia: para
professores e alunos dos cursos de ensino médio e de graduação. São Paulo: Zahar, 1986.
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996. (Os Pensadores).
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Manuel de Oliveira Pulquério. Lisboa: Edições 70,
2009.
PLATÃO. O Sofista. Trad. Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Victor Civita, 1972.
SILVA, M. A. A ironia de Sócrates nos diálogos de Platão. Classica, v. 7, 1994. Disponível
em: https://revista.classica.org.br/classica/article/view/675. Acesso em: 4 ago. 2019.

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