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A catastrofe urbana 28/09197| Astor BETTY NOLAN [Orie do eto: Esposia pars a Fla de acs sore: ATS! Pipa $445.5 onaast digo: Nacional Sep 28 1997 agenda Foto: Pesan raven um ongeticnament de crs on Psi dunetea gve de tranmpedinpicoans cide ce deze de 195; Vita acs dn rug de Tris Poder en 1959, un an ans da tugarago de Brel O webanin te Prl Viro,ater dA Arte do ener" ever c Cinema, Erna ds Lowe at een pla piri de vido, qc fa parte do peje deretaarago do muse salzade no gov: Near [Cesta Feo: Associaton ProsFoa imagens, idler Pru, fo Btn Fots Imagen serves: FE BIOGRAFICO Vib Ghapd: VIRILIO Assuntos Principe: PAUL VIRILIO (URBANISTA ENTREVISTA, A catéstrofe urbana ‘A tendéncia das meiropoles é se tornarem Estados-cidade, afirma o urbanista francés, autor de "A [Arte do Motor" INo século 21, teremos os sedentérios, que em qualquer lugar estarSo em casa, seja no trem, na rua, com 0 laptop, o celular..., ¢ teremos os nomades, que nfo estarfio em casa em lugar nenhum INo inicio do século 20, com as exposigdes internacionais, houve o desejo de fazer exposigdes de larquitetura; Brasilia é uma exposi¢io de arquitetura Mitterand relangou a idéia de que a cidade se faz em toro da mem@ria, da cultura e, portanto, da restauragdo; acertou em quase tudo, a piramide do Louvre, o Instituto do Mundo Arabe; errou na Opera da Bastilha, que é uma cathstrofe, ¢ no quarteirfio da Défense, que niio vive BETTY MILAN especial para a Folha, de Paris (0 urbanista francés Paul Virilio celebrizou-se internacionalmente sobretudo por suas andlises sobre a relagio entre desenvolvimento tecnolbgico, conquista militar e controle social. Em livros como "Velocidade e Politica” e "Guerra e Cinema’, analisou como tecnologia ¢ imagindrio se imbricaram no projeto da modernidade, alterando em definitivo a nossa percepgio ¢ jcompreensio do mundo, bem como as nossas relapdes sociais e politicas. }O contetido polémico e original de suas obras 0 colocou entre os mais discutidos pensadores ranceses da atualidade. ‘A cidade ¢ os modos de organizagio urbana, no entanto, permanccem para Virilio como temas ‘centrais _¢é sobre o estado atual e futuro das cidades que ele fala na entrevista a seguir, concedida em sua sala na Escola Superior de Arquitetura, em Paris, onde dé aulas. ‘Além de sua atividade de professor ¢ ensafsta, Virilio é membro fundador do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Pez.¢ de Estudos Estratégicos, na Maison des Sciences de Homme, e diretor de programas no Colégio Intemacional de Filosofia /Escteveu imimeros ensaios, virios deles lancados no Brasil, como "A Arte do Motor" e "A Maquina de Visto". Seus livros mais reventes sfio "Un Paysage d'Eveéncments" (Uma Peisagem de /Acontecimentos, Ed. Galilée), uma coleténea de ensaios que trata principalmente da midia e seus efeitos politicos, e "Cybermonde: Ia Politique du Pire’ (Cibermundo: a Politica do Pior, Ed. ‘© 1999, 1994, 1995, 1996 © 1997 Copyright Empresa Folha da Manha S/A. 'Textuel), um ataque a sociedade da informagio, tal eomo ela tem se configurado, NNascido em 1932, descendente de italianos, Virilio conta na entrevista que foram as ruins das cidades bombardeadas durante a Segunda Guerra que o levaram, desde a juventude, a relacionar cidade e técnica. Afirma que a grande questio ecolégica atual é a cidade e niio a fauna ou a flora, [pois as metropoles, hoje, sio "fendmenos de mutagdo, catastrofes que se preparam’. E diagnostica que, ao contrario dos Estados, sto as cidades que esto sc "terceiro-mundializando”, devido & sua |densidade populacional, ac desemprego e & sua incapacidade de garantir a paz. social e a idemocracia. HFolha - Muitas cidades, no préximo século, atingirio 20 milhées de habitantes: Sao Paulo, México, Caleutd... Qual pode ser o firturo da vida nestas cidades? [Paul Virilio - Nao so mais cidades, mas fendmenos de mutagio, catistrofes que se preparam. O século 21 tera que reinventar a relapdo do homem com a Terra. A grande questao ecolégica na Iverdade ¢ a cidade, Nao ¢ a poluigéo do ar, da fauna, da flora, porém a construgio da cidade dos |homens, a democracia. |A primeira lei do urbanismo é a persisténcia do sitio, A segunda diz. respeito a extenséo da cidade, IQuanto mais ela se estende e se tomna densa, mais a unidade de populagdo, a familia, se reduz. |Antigamente, as cidades eram pequenas ¢ as familias grandes, 50 a 100 pessoas. A medida que cidade se desenvolveu, a familia passou a ser extensa, com cerca de 20 pessoas. No século 19, é.a fiemilin burguesa. Depois, ¢ a familia nuclear. Hoje, nas megalopoles, ¢ a familia monoparental, que abandona os filhos, como em Sto Paulo. IChegamos a desintegragio da unidade familiar, e eu nio estou falando da familia no sentido moral le, sim, enquanto unidade de reprodugfo, A grande metrépole minou a base da espécie humana, € [nds agora vemos bandos de criangas que sobrevivem roubando os adultos. A cidade deixou de ser lum lugar de socializaedio para se tornar um lugar de dessocializagao. [Folha - Os rieos de Sto Paulo estiio se fechando cada vez mais em bairros inteiramente privados ¢ protegidos. F uma tendéncia geral’? Virilio - £, Nos BUA, inclusive, a direita americana quer mesmo o fim dos Estados Unidos ¢ a formagdo de 12 Estados-cidade.,, Isso tudo porque as cidades atuais jd nfio garantem a seguranga, ‘Uma cidade precisa dar seguranca, que € o primeiro bem do cidadaio. Nessas cidades imensas, |como Los Angeles, Chicago, Sdo Paulo, a paz civil nfo existe mais ¢ a democracia também no, INao ¢ cidade, ¢ selva, 'Folha - Li num de seus livros que as pessoas das cidades se associam pot "procuragao televisiva ‘com as pessoas de uma outra cidade e, ento, desencadeiam as revoltas urbanas. 'Virilio - Quando Soweto (bairro em Jobannesburgo, na Africa do Sul) se revoltou ba uns dex anos, houve revoltas em Brighton (Inglaterra) e em Marselha (Franga), que eu expliquei a partir 'dos slogans. Um deles dizia: "Aqui é como Soweto’. Vendo as imagens, os ingleses ¢ 08 franceses, cujas condigies de vida eram completamente diferemes, imitavam os outros para se Jauiovalotizar, A intifada teve uma grande influéncia nas revoltas da periferia de Paris. A televisio induz a tomar as cenas de violéncia como um modelo. ‘Fotha - O que se pode fazer para que, no préximo século, a vida nas cidades methore? Virilio - E preciso que a politica controle a técnica. Nos estamos as yésperas de uma grande © 1893, 1994, 1995, 1996 e 1997 Copyright Empresa Folha da Manhé S/A. jrevolus2o, que vai agravar os efeitos da revolugdo industrial: € a revolugfio informacional, que significaré o desemprego em massa, 0 fim do trabalho, da forga do homem... ISe o poder politico no for capaz de controlar o desenvolvimento técnico dos autématos, dos sistemas de produc, do mercado, iremos em diregtio a uma sociedade que teré duas velocidades: formada por uma elite que vivera em "bunkers" ¢ os miserdveis que vio atacé-la. O |prablema hoje ¢ controlar o desenvolvimento técnico. Nés entramos num periodo de desemprego jem massa, que ¢ estrutural e nio conjetural Folha - Existe a cidade mediterranea, em que tudo se mistura, as classes sociais ¢ as fungdes |_politica, administrativa, artistica. Existe a cidade anglo-saxa Nova York, Londres. onde reina a divistio de classes e o “downtown. Paris sempre foi uma cidade mediterrdnea, Mas os centros esto se empobrecendo sociologicamente, porque as classes menos favorecidas so obrigadas air para a periferia. Qual € 0 futuro de Paris? Visio - © futuro é a metropolizagio. Nés assistimos no mundo inteiro a uma contragiio |_exatamente, aliis, como @ contrago do parto_em direc&o as cidades. Ha uns dez anos existiam fna Franga 12 cidades de equiliorio que permitiam resistir a Paris, porque as pessoas tanto podiam /morar quanto trabalhar nelas. |Agora, estamos sofrendo o processo de metropolizagio que era préprio do Tereeiro Mundo |_India, México... As pessoas, para ai viverem, se precipitavam em direpdio a capital, ao porto. Isso| fatualmente esté acontecendo também na Europa, Paris vai se tornando uma enorme nebulosa, e a verdadeira questo ¢ a do emprego. O problema [que se coloca para o urbanista ¢ 0 de saber onde ele deve construir alojamentos, quando jé no lexiste trabalho permanente eo proletariado se dessedentariza. |A Europa era @ regitio do mundo mais sedentarizada. Com a informatizagio, estamos diante de [uma precarizagiio do trabalho. Contratos de duragtio determinada, seis meses, trés, tempo parcial. FE agora surgi na Inglaterra o contrato de zero hora. A empresa oferece um celular a0 lemprezado, que deve atender quando for chamado. Por um sé dia, por uma hora, 0 que ¢ Jequivalente a ser um escravo. Para o urbanista isso 6 dramitico. Onde construir alojamentos quando as pessoas circulam [permanentemente? Nos estamos as voltas com uma nomadizagao das populagdes.. [Ha agora na Europa 12 cidades que superam os Estados e, portanto, antes de falar do aspect estético © da qualidade de vida 6 preciso falar da hiperdensificagdio. Pense em Hong Kong ou [Cingapura! A densidade de populaeao nesses lugares é monstruosa, INés assistimos a um declinio do Estado nacional, a uma desertificaglio das cidades menores em favor das metrOpoles, que vio se tornando verdadeiras galixias, Isso, aliés, tanto vale para os ‘paises desenvolvidos quanto subdesenvolvidos. Ha uma terceiro-mundializagaio das cidades e no dos Estados. Los Angeles ¢ Nova York sto atuaimente cidades do Terceiro Mundo, Em Calcuté, a gente vive em cima do lixo, O problema |portanto nao se coloca em termos de estética e sim de populagdo, ¢ esta se desloca dos Estados-nagfio para as cidades, cuja tendéncia é a se tornarem Estados-cidade. Folha - Como intervir nisso? 'Virilio - Primeiramente perguntando o que favoreceu a hiperconcentragio no século 19. Foi o © 1993, 1994, 1995, 1996 © 1997 Copyright Empresa Folha da Manha S/A. trem. Em segundo Ingar, o que favoreceu a oposicao centro/periféria no século 20, Foi 0 carro. Finalmente, o que esti subvertendo hoje o povoamento urbano: a hiperprodutividade, os autématos ete, Nao ha como organizar a cidade sem uma compreensio da técnica: a do transporte no século 19, que se caracteriza pela oposieo entre a cidade e 0 campo; a da transmissio no século 20, que se caracteriza pela oposigdo entre o centro da cidade e a periferia. INo século 21, teremos a oposigio entre os sedentérios ¢ os nomades, Os sedentérios siio 03 que esto em casa em qualquer lugar, no trem, na rua, com 0 laptop, 0 celular... Os ndmades sd 08 [que néio estiio em casa em lugar nenhum. Fo individuo que vive no carro & procura de um jemprego, vai de um ponto a outro colhendo 0 que pode, sem apartamento, sem poder so casar cle, [Mitterrand relangou a idéia de que a cidade se faz em torno da meméria, da cultura e, portanto, ida restauragfio; acertou em quase tudo, a pirdmide do Louvre, 0 Instituto do Mundo Arabe; errou Ina Opera da Bastilha, que é uma catdstrofe, ¢ no quarteirie da Défense, que no vive Folha - A construgdlo de Brasilia ¢ 0 resultado de uma decisio geopolitica. Mas por que construir luma cidade no centro vazio do pais, quando ja se estava fazendo a conquista do Oeste brasileiro? |Os americanos conservaram Washington, apesar da conquista do Oeste, e o Canadé mantém |Otawa como capital, quando # poténcia econdmica do pais esté do outro lado. E possivel fazer juma cidade verdadeira por decreto? 'Virilio - Claro que ndio. Uma cidade se constt6i por sedimentacdo, A maioria das cidades novas Imorreram por causa da sua novidade. Brasilia é uma exposigio de arquitetura. Acredito que Ihouve, no inicio do séeulo 20, com as exposigdes internacionais, 0 desejo de fazer exposicbes de larquitetura. Com isso, abriu-se a porta para a construgao das cidades novas. Folha - Uma das consequéncias da constragiio de Brasilia foi um certo abandono do Rio de Janeiro, Virilio - O que ¢ uma pena, porque o Rio é extraordindtio. HFolha - O que significa ser um urbanista no século 20? Virilio - (Ele vai até um dos armarios da sua sala de aula na Escola Superior de Arquitetura ¢ lapanha uma peda), Esta pedra veio de Hiroshima, Fiz uma campanha para que nfo se tombassem somente os monumentos como a Torre Eiffel, mas também Auschwitz. Hiroshima, os lugares leatastr6ticos, que fazem parte da hist6ria da hhumanidade, da meméria do mundo. Auschwitz foi Jdeclarado lugar historico, ¢ a Unesco tombou Hiroshima, de onde eu reeebi esta pedra... Folha - O senhor é um urbanista por esta agiio politica, porém néio somente... 'Virilio - Sou um urbanista porque trabalho com a organizagdo do espago. Nao sou um construtor de cidades, ensinei ¢ escrevi sobre a organizacdo do territdrio ¢ da cidade, que ¢ a forma politica ‘maior da histéria. Como sou um filho da Segunda Guerra, vi cidades inteiras em ruins. Fui ‘mareado, na inffncia, por este fato. Vi Nantes (Franga) ser destruida por um bombardeio macigo e, desde entfio, 2 questio da cidade e da técnica fiearam associadas para mim. Folha - Existem lugares e paisagens mais propicios a uma urbanizagao inteligente? 'Viriio - Acredito que 0 problema seja a circulagto das populagses. Claro que as cidades se ‘construiram inicialmente perto de reservas de agua, dos rios ou do mar. Mas existem também as ‘cidadles da montanha. O essencial ¢ a cidade estar situada num lugar onde o fluxo de gente € © 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 Copyright Empresa Folha da Manhé S/A. importante, porque ela ¢ um ponto de cruzamento de pessoas. A cidade moderna esté em crise, [tanto nos paises desenyolvidos quanto nos subdesenvolvidos. O sitio conta & medida que for um [cruzamento e tanto pode ser um porto, um desfiladeiro ou uma confluéncia de rios. Folha - O senhor diz. que o problema da cidade nao se coloca em termos de estética, mas como sustentar isso quando se trata de Paris ou Nova York? Em "Dias Tranquilos em Clichy", Henry Miller escreveu: "Broadway é a velocidade, a vertigem, o maravilhamento, e nenhum lugar onde 2 gente possa se sentar. Montmartre é indolente, preguigosa, indiferente, meio pobre € srdida, mais| sedutora do que vistosa, ela niio cintila & mancira da Broadway, porém rez como a brasa sobre @| jcinza". A vida em Nova York ¢ Paris parece implicar uma relagio diversa do homem com 0 tempo, com o espago e até mesmo com a luz. Virilio - A cidade € uma caixa de velocidade, o rosto escondido da riqueza. A velocidade , com os transportes coletivos ¢ a iluminayo noturna, um dos elementos principais da cidade. Foi a iluminagio que fez de Paris a cidade-luz, Ela viabilizou a noite... A cidade sempre foi um lugar londe a gente se droga com a velocidade, com o dileaol e agora com a Intemet. Vejo da minha |janela um casal que, em vez de fazer amor, passa a noite trabalhando na Internet. Folha - No século pasado, Paris se viu as voltas com a reforma de Haussmann, que criou os grandes jardins ¢ as grandes avenidas, demolindo prédios antigos. Apesar do prestigio dos grandes boulevards, a apetagio nio deixou saudade. A Paris que encanta o estrangeiro € [precisamente a que Haussmann no conseguiu endireitar, a das margens do Sena, do bairro /Marais... Quais as principais transformag&es urbanisticas e arquiteturais pelas quais Paris passou Ino século 19? Viriio - Haussmann foi obrigado a construir num periodo de erise da paz civil boulevards para evitar as revoltas € no sé para facilitar o transporte. A paz civil é 0 primeiro idever de uma cidade. Sem a paz, a cidade de nada serve. O trabalho de Haussmann foi de estrategista, de controle das barricadas, de gestao da estabilidade urbana, A palavra “urbanista’ vem do dominio militar. O urbanista era aquele que trabalhava com as muralhas. Na yerdade, foi a circulagao da tropa que determinow a dos carros, |Folha -E 0 século 20 em Paris? 'Virilio - O grande problema do século € 0 trénsito, Nao mais © da tropa, mas 0 dos carros. O principal trabalho dos urbanistas em Paris, nos anos 60, foi o de facilitar o trénsito por meio da Iconstrugdo das cidades satélites. Folka - Que nfo deram muito certo... Viritio - Foram verdadeiros fracassos, porque surgiram na época em que 0 emprego era em tempo integral e o contrato de trabalho por tempo indeterminado, Com a crise do trabalho e do petréleo, as cidades-satélites se transformaram em verdadeiros guetos, sto as chamadas zonas do niio-direito. Folha - O senhor falou dos fracassos. E as obras bem-sucedidas? 'Virilio - De Pompidou até Mitterrand houve um empenho para reestruturar Paris em torno da ‘cultura. Pompidou fez. 0 Centro Georges Pompidou, chamado Beaubourg. Mitterrand relangou a idéia de que a cidade se faz em torno da meméria, da cultura ¢ portanto da restauragio. Acertou Jem quase tudo, salvo a Opera da Bastitha, que é uma catistrofe, e 0 quarteirio da Défense, que (© 1993, 1904, 1995, 1996 1997 Copyright Empresa Fotha da Manha S/A. io vive, embora o arco da Défense seja bonito. Folha - Seria possivel mencionar os acertos arquitetonicos? Virilio - A piramide do Louvre, o Instituto do Mundo Arabe... Folha - Quais stio as realizagSes arquitetinicas e urbanisticas importantes do século? Virilio - Nenhuma... Se considerar a Europa, sou obrigado a falar de reconstrugdo. ¢ esta nflo foi propriamente brilhante. Folha -Néo hé nada que seja digno de nota? 'Virilio - A reconstrugio de Caen (Franca) foi relativamente bem-sucedida. Obedeceu a primeira Ici do urbanismo, que é a conservagao do sitio. Até Le Corbusier quis que a cidade fosse reconstruida noutro lugar. Gragas a Deus, niio foi ouvide, ¢ Caen ficou no mesmo lugar, com 0 castelo ao norte, 0 porto... Houve uma forma de modéstia em relago ao sitio e em relagao a larquitetura, ao contrario de Le Havre, onde se fez. grandes avenidas, grandes portes para 0 acesso letc., € a cidade nfo deu certo. Folha - E nos BUA tambéin nao hé nada interessante? Virilio - Hé uma cidade de que eu gosto, San Francisco, porque & um porta e também por causa [das montanhas, que favorecem 0 urbanismo, pois permitem dispor os habitamtes na terceira dimensdo, A pior coisa para um urbanista é quando cle s6 pode obter a terceira dimensio por Imeio do arranha-céu. [sso o¢orre sempre que o terreno é plano. Numa cidade como San [Francisco foi possivel realizar um urbanismo aerificado, gragas ao sitio, sem recorrer a0 larranha-céu, Manhattan € magnifica, s6 que ¢ invidvel do ponto de vista da sociedade. O larranha-céu ¢ um lugar onde nélo se comunica, é um gueto vertical, existe em fingko do elevador le mio do homem. |Folha -Gostaria que comparasse Nova York a Paris, Virilio - Nova York ¢ a grande cidade americana, ¢ uma catdstrofe em camara lenta, segundo Le Corbusier, Mas ela é uma cidade européia, que a gente ama. Paris ¢ 0 rio, é uma biblioteca que o [Sena atravessa, como dizia Waltet Benjamin. Para mim ela ¢ um porto fluvial ¢ o lugar por onde [passou toda a historia da Franca. [Folha - Nova York também tem a égua, o rio Hudson, O senhor viveria la? Virilio - Nao. A verticalidade me impediria. O elevador é, na vertical, 0 equivalente do carro, que |destruiu a cidade. Existem hoje, no Japdo, cidades de 2,000, 4.000 metros de altitude. Isso ¢ /Babel, é querer se emancipar do solo, da terra ¢ da agua, \Betty Milan ¢ eseritora, autora de "O Papagaio e 0 Doutor" e "Paris Nao Acaba Nunca" (Ed. Record), entre outros, © 1993, 1994, 1995, 1996 © 1997 Copyright Empresa Folhia da Manha S/A. /Folha de S.Paulo ‘tema globalitério ova ‘dor MARCELO REZENDE igen tet: Da Raprtagas Leal esters: MAIS Pigina 59 2arr akg: Nacional Feb, 1097 Logan Foto Cana do spite mdb "Zao, rad po grup de ck U2 ¢ plo prdutor mosis Brann par» iim md do bns lcxatto Fin: Rerokae otrvagies: COM SUERETRANCA Vahee'Ciepta: NOVOS REBEL DES, ea ns RENELINCONPORTAGENTO, PROTEST, IDL GLOMALIZAO PAL VIRILIOURRANSIN vista Para Virilio, 36 0 pensamento pode enfrentar o totalitarismo da tecnologia 1 sistema globalitirio MARCELO REZENDE ida Reportagem Local [Durante quase 20 anos, o urbanista francés Paul Virilio avisou a0 mundo, em seus eseritos € palestras, que um dia os mais bésicos elementos de nossa percepciia, 0 tempo ea espaco, seriam ‘total e irremediavelmente modificados pela tecnologia. E ent&o, subitamente, esse futuro chegou. ‘Amante radical da rapidez, "Rousseau moderno da cultura técnica, nas palavras do filosofo ¢ |jornalista Philippe Petit, Virilio ¢ 0 autor, entre outros: trabalhos, de "Velocidade e Politica", "A Arte do Motor" (ambos editados no Brasil pela Estagio Liberdade) e "Cybermonde - la Politique ‘du Pire" (Cybermundo - a Politica do Pior), langado na Franga em meados do ano passado. [Um pensador da luta contra "a tania do tempo real" ¢ do *imperialismo da ligeireza', com '"Cybermonde" Virilio mergulha no universo das infovias, dos computtadores pessonis © da Intemet. E 0 que traz no sdo exatamente boas novas, "Temos que civilizar a tecnologia", disse ‘Virilio a Folha, por telefone, de seu apartamenio na avenue Jean Moulin, na cidade de Paris. |Nascido em 1932, de pai italiano, comunista convicto, ¢ de uma mie com um extremo fervor ‘eat6lico, Virilio passou a infincia na Franga ocupada pela Alemanha. Para ajudar a familia, trabalhou com os pintores Braque e Matisse, cumprindo 0 papel de ajudante, Depois, descobre na Sorbonne a filosofia, os escritos de Raymond Aron ¢ o amor pela arquitetura. Virilio é, em suas proprias palavras, "um homem limitado que procura tratar das situagdes sem limite”. Aqui ele fala de algumas delas: 2 rebeldia contra a tecnologia, a nova tirania € o sistema lobalitario” . Folha - Existe hoje uma iuta contra ¢ mundo contemporaneo e suas tecnologias? ‘Paul Virilio - Acho nio ser possivel uma guerra contra o mundo contemporiineo, a guerra contra a tecnologia. O que existe agora é uma guerra contra a promogio da tecnologia. Eu diria, na verdade, que temos uma guerra contra a publicidade, Hoje a "publicidade multimidia", em nome das “novas tecnologias’, esta em seu momento “maximizante” 'Hé agora os investimentos de milhGes de dolares para a produgio "multimidiatica” de sistemas © 1995, 1994, 1995, 1996 © 1997 Copyright Empresa Folha da Manha S/A. qiavetananes isu ‘Texto Integral 1997 / Folha de $,Paulo informativos. O que existe nto é uma resisténcia a propaganda, a vontade de denunciar 0 caréter abjeto e ‘propagandistico" dessa publicidade, Nos ndio estamos entdo guerreando contra a nova técnica, mas estamos lutando contra sua promogdo, contra a propaganda ¢ contra os investimentos de milhdes de dolares que sio usados para exaltar esse "novo material". Folha - Hoje lutamos contra 0 que criamos? Virilio - Eu creio que para responder a essa questo devo falar do século 20, a primeira metade idesse século, quando o homem desenvolveu a técnica da guerra de uma maneira absoluta, por meio da bomba atdmica e da mundializago da guerra (com os dois conflitos mundiais) e 0 desenvolvimento das experiéncias micleares e, também, das “catistrofes civis". Hoje no podemos falar de uma “nova tecnologia’, mas falamos de uma nova dimensio da tecnologia, falamos de juma dimensio negativa que agora se assume e que passamos a perceber. Folha - O sr. j@ afirmou que a globalizagio, a Internet, nao une as pessoas, mas as submete a uma nova tirania. Virilio - Certamente, Antes conheciamos ume forma de imperialismo colonial, como a batalha na Argélia e... Bem, tudo 0 que foi realizado nas coldnias francesas. Conheei entao o imperialismo anglo-saxao e francés. Conheci o imperialism colonial e, evidentemente, o imperialismo politico do nazismo durante a ‘Segunda Guerra. Eu conheci o imperialismo soyiético e sua idéia de coletivismo que, na verdade, muito pouco tinha a ver com a nogio de justiga social [Hoje 0 imperialismo nao esta mais limitado ao espago, como o colonialism anglo-saxdio e francés se limitava antes & Africa ou mesmo a um pequeno espago na América Latina. Nao est4 contido ina Europa, no caso do nazismo, ou mesmo o totalitarismo soviético, que se limitava ao proprio loco e seus satelites ‘Com a globalizagao, o que existe € a possibilidade de um totalitarismo definitivo, um totalitarismo sem "exteriores", Um totalitarismo global. Proporia o termo "globalitirio", pois antes 0 otalitarismo se restringia apenas a0 espago, 4 geografia do mundo. Globalitario é o fim do Imundo, mas nao no sentido apocaliptico. E isso que acontece com a difusio da tecnologia. Folha - Hi uma forma de resisténcia possivel? Virilio - E claro que sim, por meio de um trabalho tedrico, por meio do pensamento. E quando falo isso me lembro de Gilles Deleuze e de outros tantos amigos. /Folha - E quanto a ago pratica? Virilio - A ago pritica, voo’ deve saber, se inicia com a fundamentapio de uma idéia A tecnologia a que estamos submetidos nesse momento, a tecnologia da realidade virtual, da TV interativa, ¢ a idéia e 0 conceito que combatem entéio outras idéias © os outros conceitos ja existentes. [Por isso, a importincia de refleti ¢ trabalhar, Nao ¢ um problema para os partidos politicos, nio [um problema para os sindicatos. & um problema para o pensamento ¢ para 0 trabalho coletivo ‘que, espero, se converta em uma ago em nome da democracia Folha - Qual é o lugar do "rebelde" no mundo ern que vivemos? O que é agora 0 "homem revoltado"? Virilio - Na génese do progresso ja existe aquele que luta contra a propria ideia de progresso. O © 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 Copyright Empresa Fotha da Manha SIA. Progresso nao ¢ jamais positivo por si mesmo, O progresso técnico, assim como 0 moral ¢ 0 politico, no positivo por si mesmo. E a luta de uma sociedade contra o seu progresso (nto para| ‘extermind-lo, mas para lutar contra seu aspecto negativo) e a tentativa de civiliza-lo que traz algum beneficio na evolugio, Tudo jé ocorreu da mesma maneira com a Revolucio Industrial, com a vida sacrificada de criangas nas fabricas ¢ que, depois da luta pela civilizagdo, se converteu ‘em algo menos brutal Folha - O sr. esti pessimista com a situagao e as formas de luta? Virilio - Nao, De maneira nenhuma sou um pessimista, Ao contrario, estou otimista, Sou a favor ide uma luia contra os extremismos, contra 03 excessos. Nao € contra a tecnologia ¢ 0 progresso, ‘que devemos lutar, mas contra seus excessos. Eu sou totalmente apaixonado pela tecnologia. Nio sou um ecologista que propde 0 retomo ans bosques ¢ florestas. De jeito nenitum! © 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 Copyright Empresa Fotha da Manha S/A. ‘Urbanismo sem memoria’ uot [Rater RAQUEL ROTC tern: CADERNO ESPECIAL Pigina 4 10/5073 aig! Naor ‘Oat 1, 1997 “IORNAL DE RESENHAS, PE BIOGRAFICO: COM SUBRETRANCA Amster Pinas: XDADE, POVO E NAGAO, GENESE DO URBANISMO MODERNO /LIVIO/ [Urbanismo sem meméria? RAQUEL ROLNIK [0 urbanismo, por mais incrivel que possa parecer, ainda ¢ novidade no Brasil. Uma populagio turbana que beira os 80% do total, mais de uma dezena de cidades que ultrapassaram a case do Imilhio de moradores, varias cidades to antigas quanto a colonizagao portuguesa _¢ 0 urbanismo entre nds evoca erudigdo, excecao, estrangeirismo. LEste € um dos raros paises do mundo onde ha mais de um século cidades novas surgem inteiras [das pranchetas, para ocupar planaltos antes desertos ou as margens de grandes lagos artificiais que inundam velhas histérias e geografias. E, apesar disso, difcilmente um olhar sobre nossas cidades as identificaria como produto de um projeto ou uma ordem racional. Ao contréio, nossa paisagem urbana parece contradizer planos ¢ desenhos estruturadores ou fundadores, lextravasando, tensionando ou se contrapondo sistemsticamente as harmonias propostas pelos lurbanistas. K, talvez por esta mesma razio, & unanimidade em tomo da desordem urbana [brasileira soma-se @ unanimidade em torno do diagnéstico: falta-nos planejamento urbano, falta-nos urbanismo, Seri? |A coletéinea de textos de histdria do urbanismo "Cidade, Povo Nagio" é um bem-vindo esforgo para decifrar este enigma. Focalizando o final do século 19 ¢ a primeira metade do século 20, 0 livro tem come cixo condutor as tradugSes ¢ apropriagses das idéias urbanisticas européias _sobretudo francesas_na América Latina FFruto de um seminério (1) organizado para recolhet os processos de constituigte do urbanismo como ciéncia ¢ experigneia em virias cidades do Brasil ¢ da América Latina, assim como suas elagdes com es pautas do urbanismo europeu no inicio do séeulo, o livro traz um interessante ¢ -variado painel de propostas ¢ intervengdes urbanisticas na Rio de Janeiro (0 belo ensaio de /Margareth Pereite, comparando os planos Agache ¢ Le Corbusier ¢ 0 artigo de M. Tognon sobre ‘0 urbanismo fascista de Piacentinni); em Sa Paulo (Marisa Carpintero sobre o Instituto de Engenharia na constituiga0 do urbanismo paulista, M. Cristina Leme sobre a formagao do ‘urbanism como disciplina, Maria Ruth Sampaio sobre a influéncia das idéias de Christiano Stockler das Neves); em Santos (0 artigo de Ana Lanna sobce a ago sanitarista/diseiplinadora na cidade); em Belo Horizonte (a precisa andlise de Berenice Guimares sobre 0 projeto de Aardo Reis); e em Porto Alegre (a andlise de S. Pesavento sobre 0 plano Maciel). Hi textos que tragam panoramas gerais, como os de Luiz. C, Ribeito/Adauto Cardoso ¢ Robest Pechman. Carlos RM. de Andrade traz: um riquissimo e bem-acabedo painel sobre as concepgdes de Saturnino de Brito, profissional que elaborou planos e projetos para varias cidades brasileiras no inicio do século; A. Cardoso escreve sobre as idéias de Lucio Costa, idealizador de Brasilia, ¢ ‘© 1993, 1994, 1895, 1996 © 1997 Copyright Empresa Folha da Manha SIA. Lécia Silva sobre a trajetoria de Agache no Brasil. Completam a coleténea um intrigante ensaio sobre o projeto de Henry Ford na selva amazénica nos anos 30, de Yara Vicentini, ¢ artigos de (Christian Topalov, Catherine Bruant ¢ Jean-Pierre Frey sobre o urbanismo franeés e europeu no inicio do século. Duas grandes teses ¢ uma grande auséncia emergem da leitura do livro. A primeira tose ¢ a lestranha e inedmoda coincidéncia das idéias modemizadoras formuladas por urbanistas para cidades do primeiro mundo e sua transposigao para as cidades brasileiras. Aqui aparece uma espécie de descolamento da realidade local, mas, ao contrario do que se poderia supor a primeira vista, nao se trata de "idéias fora de lugar”, ¢ sim da construgio de uma linha demarcatéria Jexeludente: de um lado, os que se identificam com um projeto de modernidade nos termos em que foi formulado pela civilizagdo européia, de outro, os que passarao a eternidade em estado de barbaric, Aqui, o projeto de modernidade se confunde com uma estratégia de dominago que, lentre nds, se apropria perversamente de uma agenda social para afirmar un projeto elitista, e no [para promover # cidadania e estender a urbanidade. [ma segunda tese, esta implicita no livro, é a absoluta falta de visiilidade e meméria, no tecido das cidades brasileiras contempordneas, de um urbanismo prédigo em projetos ¢ intervengées. SS [pata ficar nos planos e projetos que foram efétivamente implementados: onde se perdeu o Idesenho de Aardo Reis para Belo Horizonte? Por que a Praga Onze no Rio de Janeiro se deixou destruir, mesmo depois da cidade ter vivido uma turbulenta revolta pos-Reforma Pereira Passos? IE como se tivéssemos que viver tudo de novo, repetir tudo permanentemente, porque somos incapazes de absorver criticamente nossa propria experiéncia passada. Nao se trata, repito, de luma questdio académica: por exemplo, um dos grandes debates sobre politica urbana hoje déi-se lem tomo da gest€o dos servigos piblicos, ganhando forga a tese da privatizagao. Ora, nossos servigos piblicos urbanos eram totalmente privados na Primeira Repiblica. Funcionavam melhor? Pior? Bram mais inchidentes? Eficientes? Vamos admitir que o urbanismo brasileiro tenha nascido de raizes estrangeiras: nfo importa, se vicejow nestas paragens, encontrou em algum ponto campo férti; se foi condenado @ um eterno lesquecimento, é porque nfo soube refletir o rosto da cidade. Ai est precisamente a grande lauséncia do livro: a cidade real, aquela que recebeu, rejeitou, interagiu com as idéias urbanisticas. |Ao penetrar na histéria do urbanismo, o livro nos incita a conhecer a ainda desconhecida histéria ide nossas cidades. Entender suas Iégicas e movimentos de constituigio para poder, quem sabe, ‘num futuro prdximo, desenhar um urhanismo com um espelho na mao e a memoria na cabeca. Nota 1, "Origens das Politieas Urbanas Modemas: Europa e América Latina, Empréstimos ¢ Traduedes", promovido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano ¢ Regional da 'Universidade Federal do Rio de Janeiro em conjunto com 0 Centre de Sociologie Urbaine de Paris, em 1994, ‘Raquel Rolnik ¢ professora da Faculdade de Arquitetura ¢ Urbanismo da Pontificia Universidade Catélica de Campinas. ‘© 1993, 1994, 1995, 1996 1997 Copyright Empresa Folha da Manha S/A.

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