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Mônica Hirst Letícia Pinheiro, A Política Externa Do Brasil em Dois Tempos
Mônica Hirst Letícia Pinheiro, A Política Externa Do Brasil em Dois Tempos
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domingo, 29 de outubro de 2023 11:45 ro-collor_...
Introdução
• O texto analisa se, quando e porque houve uma mudança na política externa entre os governos Fernando Collor de Mello e Itamar Franco.
○ Segundo as autoras, as variáveis internacionais a partir de 1993 levaram a alguns recálculos de estratégia de inserção internacional.
○ A grande maioria das mudanças ocorre nos métodos para se alcançar os interesses, e não nos interesses em si.
○ Houve uma crise paradigmática ao final do governo Collor.
Primeiro Tempo
• O período da década de 1990 consolidou a transição democrática no Brasil, marcando uma ruptura com o consenso que foi construído a partir de 1974.
• O consenso anterior era baseado em uma estrutura burocrática sólida e no apoio das elites políticas e econômicas do país, e tinha como premissa orientadora a busca por uma inserção
internacional autônoma. No entanto, a continuidade desse projeto foi ameaçada na segunda metade dos anos 1980 devido a transformações tanto no cenário internacional quanto no cenário
doméstico brasileiro.
○ No cenário internacional: reordenamento político após o fim da Guerra Fria; avanço do processo de globalização no sistema mundial. Essas mudanças afetaram a base de sustentação e a
legitimidade do projeto de inserção autonomista.
○ No cenário doméstico: esgotamento do modelo de crescimento baseado em uma lógica substitutiva; complexo processo de consolidação democrática no Brasil.
O Consenso em Debate
• Durante o governo Collor, as reformas de mudanças propostas não contavam com a sustentação necessária no âmbito doméstico, e o debate sobre as opções políticas do país se expandiu. Isso
levou a controvérsias internas no corpo diplomático brasileiro. A noção anterior de continuidade e consenso na política internacional do Brasil foi desafiada e a política externa deixou de ser vista
como um processo unânime e automático. Isso resultou em uma maior necessidade de transparência e accountability.
• A agenda externa passou a incluir questões que refletiam não apenas a vontade do Estado, mas também preocupações surgidas na sociedade. O Itamarati passou a ser questionado em relação à
sua essência estatal na política externa, e houve pressões para ampliar suas bases de apoio doméstico.
• O debate doméstico no âmbito diplomático refletiu a crescente politização da sociedade brasileira e se concentrou na relação com os Estados Unidos. Duas posições extremas se destacaram, ambas
reconhecendo a vulnerabilidade do Brasil no sistema internacional:
○ Uma que defendia a convergência com Washington como caminho para recuperar a credibilidade internacional do Brasil.
○ Outra que enfatizava o distanciamento de Washington para garantir o espaço de manobra necessário para a defesa dos interesses nacionais.
• Com o afastamento de Collor em outubro de 1992 e a chegada de Itamar Franco ao governo, um debate interno sobre a estratégia de inserção internacional do Brasil teve início.
○ Itamar Franco propôs uma política externa voltada para o desenvolvimento do país, a afirmação de valores democráticos e um sentido universalista. Ele buscava uma política externa sem
alinhamentos rígidos, que fosse guiada pela ética e pelos interesses do povo brasileiro. Essa abordagem diferenciava-se das políticas anteriores e evitava a geração de novas expectativas, a
fim de minimizar críticas e desilusões no futuro.
○ O governo de Itamar Franco sinalizou uma maior disposição para lidar com as diferenças que haviam surgido no Ministério das Relações Exteriores, em busca de unidade corporativa. Essa
unidade foi reforçada pela escolha de um representante destacado da diplomacia brasileira para liderar o Itamarati.
Segundo Tempo
As Condições Domésticas
• O governo Franco começou em um ambiente doméstico e internacional desfavorável. O Brasil estava passando por uma crise econômica prolongada, caracterizada por desequilíbrios
macroeconômicos e inflação descontrolada. Além disso, a política doméstica estava repleta de conflitos, especialmente entre o Executivo e o Legislativo. Diferentemente de Collor, que havia sido
eleito diretamente pela maioria da população, Itamar Franco assumiu a presidência como uma contingência da crise de legitimidade que abalou o Poder Executivo.
• O governo de Itamar inicialmente não priorizou a agenda externa e demonstrou pouco interesse em uma diplomacia presidencial. A política externa foi delegada a atores respeitados, tanto de
dentro quanto de fora do corpo diplomático.
• As restrições no âmbito internacional decorriam da situação macroeconômica precária do Brasil, em contraste com outros países da região que estavam implementando com sucesso planos de
estabilização e reforma econômica. Além disso, as fissuras políticas e estratégicas na nova ordem mundial suscitavam dúvidas sobre a viabilidade de um sistema sem hegemonia clara, e havia o
receio de que as potências ocidentais direcionassem seus recursos para a recuperação dos países do Leste Europeu em detrimento do Sul.
• Havia-se a percepção internacional de que o Brasil poderia adotar uma postura mais nacionalista, tanto para se diferenciar de seu antecessor quanto com base em sua própria trajetória política.
• Após os primeiros meses, o governo Franco definiu sua atuação internacional. Manteve políticas anteriores e adotou uma abordagem que enfatizava a condição de país em desenvolvimento.
Algumas decisões da diplomacia brasileira refletiram o projeto de inserção internacional do novo governo:
○ Atuação nos foros políticos multilaterais.
○ Reafirmação dos compromissos de não-proliferação nuclear.
○ Aprofundamento da integração regional.
○ 'Desdramatização' das relações com os Estados Unidos.
○ Reafirmação das alterações implementadas pelo governo anterior no âmbito da Rodada Uruguai.
○ Aproximação com países que eram potenciais parceiros na comunidade internacional, como China, Índia, Rússia e África do Sul.
• Essas ações refletiram diferentes projetos de inserção externa debatidos no Brasil, incluindo o conceito de um 'país baleia' (continental), uma nação com interesses diversos na economia
No Âmbito Multilateral
• O Brasil buscou uma atuação internacional mais ativa e visível, especialmente nas Nações Unidas, a fim de superar a passividade anterior e garantir uma maior participação nos debates
internacionais.
○ O país empreendeu esforços para se envolver nas discussões sobre a reforma institucional da ordem internacional.
• O governo Franco intensificou sua ação diplomática para encontrar uma maneira de inserir o Brasil no debate global de forma mais ativa e menos defensiva:
○ Empreendeu esforços para promover uma Agenda para o Desenvolvimento nas Nações Unidas, como complemento à Agenda para a Paz. Essa proposta buscava comprometer as Nações
Unidas com a luta contra o subdesenvolvimento e a pobreza, argumentando que esses eram importantes desafios globais.
○ O Brasil procurou participar das discussões sobre questões globais, como direitos humanos, meio ambiente, narcotráfico e terrorismo, enquanto se opunha a conceitos intervencionistas que
permitiam a interferência em assuntos internos de Estados soberanos.
○ O governo desempenhou um papel de destaque na Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, em 1993, onde o representante brasileiro, na qualidade de presidente da Comissão
de Redação, trabalhou para encontrar consenso entre diferentes visões sobre a atuação da comunidade internacional na promoção dos direitos humanos.
○ Na questão ambiental, o Brasil implementou o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) para combater atividades ilícitas na região, como tráfico de drogas e contrabando de minerais, além
de promover o monitoramento do uso da terra e das áreas indígenas.
○ O governo se dedicou ao debate nas Nações Unidas sobre a expansão e democratização de seus órgãos. A busca por um lugar permanente no Conselho de Segurança tornou-se uma
prioridade, visando a aumentar a legitimidade e a eficácia desse órgão e adequá-lo à nova realidade internacional.
○ O Brasil participou de operações de paz das Nações Unidas, embora em menor escala do que a Argentina, que se tornou um aliado dos Estados Unidos na América Latina nesse tipo de ação.
○ Na OEA a diplomacia brasileira buscou fortalecer a democracia na região, proteger os Estados-membros contra intervenções unilaterais e promover a solução pacífica de controvérsias. Isso
incluiu esforços para reintegrar Cuba à comunidade interamericana e buscar uma solução negociada para a crise no Haiti.
○ Em termos comerciais, o governo Itamar Franco endossou a estratégia do governo anterior na Rodada Uruguai, flexibilizando a oposição brasileira a novos temas e promovendo a
institucionalização do comércio multilateral. No entanto, o Brasil abriu seu mercado de serviços sem obter uma redução significativa dos subsídios agrícolas. Questões relacionadas às
condições sociais de trabalho, conhecidas como dumping social, também surgiram como preocupações, pois poderiam afetar os países em desenvolvimento.
▪ Apesar dos desafios, a participação do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e a adoção do Mecanismo de Solução de Controvérsias sugerem que essas questões poderiam
ser tratadas de maneira mais precisa e justa no futuro, dada a natureza baseada em regras da OMC.
Segurança Internacional
• No campo da segurança, uma das principais ações foi a aprovação, em fevereiro de 1994, pelo Senado, do Acordo Quadripartite de Salvaguardas Nucleares, assinado entre o Brasil, a Argentina, a
Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Armamentos Nucleares (ABACC) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Esse acordo permitiu sua vigência e reforçou o
compromisso do Brasil em relação ao uso pacífico da energia nuclear.
• O governo brasileiro manifestou sua disposição em aderir às diretrizes do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR). Essa decisão não implicou em restrições ao programa espacial
brasileiro nem prejudicou a cooperação internacional relacionada a esses programas. A adesão ao MTCR contribuiu para aumentar a confiabilidade do governo dos Estados Unidos em relação ao
Brasil e melhorou as condições gerais do país em suas negociações comerciais e políticas com os EUA.
• Essas iniciativas passaram por um processo lento de negociação interna. Somente em agosto de 1994, o Brasil conseguiu ratificar o Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina
e no Caribe (Tlatelolco), após uma tramitação difícil no Parlamento brasileiro.