You are on page 1of 6
Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Vol. 84, Supl. 1V, 313-318 1989 MEGALOBULIMUS LOPES! SP. N., UMA NOVA ESPECIE DE PULMONATA TERRESTRE DA MATA ATLANTICA BRASILEIRA (MOLLUSCA, GASTROPODA, MEGALOBULIMIDAE) JOSE LUIZ MOREIRA LEME Museu de Zoologia e Departamento de Zoologia do IBUSP, USP, Caixa Postal 7172, 01051 Sdo Paulo, SP, Brasil Megalobulimus lopesi sp. n, a new species of land Pulmonata from the Brazilian Atlantic wood (Gastropoda, Megalobulimidae) — Megalobulimus lopesi, a new species of Megalobulimidae, is described with basis on conchyological and anatomical characters. It is very close to M. grandis (Martens, 1885), the largest species of land gastropods of Brasil, from Sao Sebastiao Island (230 49'S 45°20'W). Key words: Megalobulimidae ~ Mesurethra — anatomy — systematic O presente trabalho, elaborado para homena- _ gear 0 Prof. Hugo de Souza Lopes, faz parte de uma pesquisa global que visa 0 conhecimento integral das espécies neotropicais na superfami- lia Strophocheiloidea, e tem por objetivo maior a interpretagdo da especiagdo e da filogenia do grupo. E sabido que a grande maioria das espé- cies do genero Megalobulimus Miller é conheci- da apenas por seus caracteres conquiolégicos, como bem demonstrou Bequaert (1948). Ala da descrigdo conquiologica tradicio- nal, descrevem-se aqui os caracteres da genitalia e do dente central da rédula ¢ comparase a nova espécie com amostragem de Megalo buli- mus grandis (Martens) da Ilha de Sao Sebastiao — Sa0 Paulo (2349S — 45920'W) e de M. ovatus (Miller) da [ha dos Bizios — Sa0 Paulo (2347'S — 45°09'W). Todo o material da nova espécie é proceden- te da Estacdo Biolégica de Boracéia, Municipio de Salesopolis — Sao Paulo (23°38'S — 45° SO'W) e é relacionado na lista de material tipo. MATERIAL E METODOS Os exemplares estudados foram coletados a0 longo dos altimos vinte anos. Aqueles obtidos vivos foram trazidos para o laboratério, onde foram mantidos até o sacrificio em agua aqueci- da em torno de 80° graus centigrados e conser- vados em Raillet Henry. Bolsista do CNPq, proceso n? 306231 A dissecgdo seguiu 0 método proposto por Leme (1973) e a terminologia é apoiada princi- palmente em Scott (1939), Baker (1926) ¢ Le- me (1973, 1974 € 1980). Para os detalhes dos caracteres do ovotestis, fragmentos de glindulas foram coradas pelo carmim acético e diafanizadas pelo creasoto de Faia e montados em bilsamo do Canadé entre lamina e laménula. As rédulas foram tratadas pelo método tradicional com hidroxido * de potissio, coradas pelo vermelho Congo ¢ montadas em lamina com bilsamo. Os dados referentes aos caracteres da borda do manto da cavidade pulmonar e dos sistemas digestivo, excretor e nervoso foram reservados para estudos comparativos. Assim também, os aspectos das variagdes conquiolégicas © suas relag6es paramétricas foram separadas para estudos estatisticos, que fogem ao escopo do presente trabalho. ‘So apresentadas apenas a amplitude das medidas convencionais dos paratipos ¢ as medi- das obtidas do holétipo, acrescidas das seguin- tes varidveis: a) comprimento da iltima volta, medida na linha média frontal entre a dltima sutura e a base da abertura; b) comprimento da peniltima volta, distincia medida entre 0 ponto de interse¢do da sutura com o rebordo do lébio extemno e unt ponto na sutura anterior atingido pela linha de crescimento mais proxi- ma; c) diimetro da concha nepionica, medido de um ponto na sutura atingido pela ultima linha de crescimento ¢ um ponto diametralmen- te oposto na sutura anterior. 314 José Luiz M. Leme Figs. 1-3: Megalobulimus ovatus, M. lopesi sp. n. eM. grandis, respectivamente, em vista frontal. Figs. 4-6: 0s mesmos exemplares em vista dorsal. Escala = 1 cm Os desenhos foram obtidos através de cima- Concha fusiforme alongada, ligeiramente de- ra clara. primida, com 5 ¢ 1/4 voltas, imperfurada, rela- tivamente fina e translacida, com peridstraco Megalobulimus lopesi sp. n. persistente, castanho-olivéceo, ornamentado Figs. 2, 5, 7, 12-14) por faixas longitudinais obliquas altemadamen- 8 Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Vol, 84, Supl te claras e escuras; abertura vertical, ligeiramen- te maior que a metade do comprimento total, com interior cinza-pilido eridescente, peristo- ma amplamente refletido, rosa-palido a verme- Iho-vinho (cor n° 101 do cataélogo de Seguy), labio extemo nitidamente dividido, em duas metades aproximadamente iguais, por um calo conspicuo, base arredondada ampliando sua reflexdo no contacto com a porgdo basal do 1é- dio externo, Idbio interno ligeiramente arquea- do e concrescido com a columela abliqua que forma um dngulo bastante aberto com o bordo parietal que apresenta um calo largo, concavo a ligeiramente convexo; espira bastante elevada, concha nepionica com 3 ¢ 3/4 a4 voltas, altas e subplanas, primeira volta glabra, branca e sub- mersa, as posteriores com costelas fortes, proso- clinicas ¢ irregularmente espagadas, de inicio atingindo a sutura inferior, mas, paulatinamen- te, tornando-se mais curtas até atingir as proxi- midades do término da protoconcha, onde tor- nam-se abruptamente mais fracas, até serem substituidas pelas linhas de crescimento que co- brem toda a teleoconcha; microgranulagio dis- posta em finas linhas espirais, cortadas por deli- cados sulcos longitudinais anastomosados Massa céfalo-pediosa homogeneamente cin- za, com excegdo da sola que apresenta a regido central amarelada e os bordos ligeiramente acinzentados. Radula tipica da familia, carac- terizando-se pelo dente central emi forma de barrete com dpice pontiagudo e base concava com extremidades afiladas (Fig. 14). Genitdlia: ovotestis formado por Acimos relativamente delicados, reunidos em pendin- culos longos e ramificados (Figs. 12, 13); ducto hermafrodita (dh) terminando na porgdo me- diana da face ventral de um “talon” pouco de- senvolvido e dificilmente destacavel do corpo do saco glandular anexo (sg); espermoviduto (esp) longo, terminando por uma zona lisa e indiferenciada (zle) apés 0 percurso diferencia. do pelos pregueamentos: transversal, das do- bras prostaticas (dp); longitudinal, das dobras uterinas (du) e em mosaico do flanco esquerdo, assinalando a posicfo da glandula genital acessoria (gga); oviduto livre (ol) aproximada- mente tdo longo quanto a zona lisa terminal do espermoviduto, sem qualquer vestigio de apén- dice; vagina relativamente longa, duto da bursa copulatéria (db) de calibre homogéneo, origi- nando-se no canto inferior direito do oviduto livre e cruzando sobre sua face dorsal, para de- pois aderir-se parede ventral do espermovidu- Iv, 1989 31s to, corpo da bursa (be) codiforme; vaso defe- rente (vd), emergindo no canto esquerdo su- perior dorsal do oviduto livre, acompanhando em sentido oposto o duto da bursa até sua ori- gem, a partir de onde passa a percorrer a face ventral da vagina, até atingir 0 ramo peniano € terminar no epifalo, sem alteragao notivel de calibre; pénis (p) em forma de bastao, largo, ligeiramente curvado, sem diferenciagdo exter na; epifalo (ep) curto e aliptico, mésculo retra- tor do pénis (mr) com implantaggo apical espalhando-se pelo apice do epifalo. Medidas da concha do Holétipo (em mm) Comprimento total 1230 Diametro maior 69.9 Diametro menor 57,0 Comprimento da altima volta 105,0 Comprimento da peniiltima volta 41,0 Diametro nepidnico 27,0 Eixo maior da abertura 63,6 Eixo menor da abertura 31,0 Amplitude das medidas das conchas dos Parati- pos (em mm) Comprimento total 119,0 a 129,1 Diametro maior 64,32 70,8 Diametro menor 50,3 a 61,6. Comprimento da Ultima volta 102,7 a 111,6 Comprimento da peniiltima volta 40,0. 44,9 Diametro nepionico 25,7 a 29,4 Fixo maior da abertura 63,3. 71,5 Eixo menor da abertura 25,5 a 30,0 Material tipo — Holdtipo MZUSP n° 27.238, Estagdo Biolégica de Boracéia — Municipio de Salesopolis — SP (2338'S, 45°S0°W), Antonio Jesus de Oliveira col. 11/1989; Pardtipos: n° 16.480, E. X. Rabello col. 17.vi.1965; n% 27.239, E. X. Rabello col. i. 1964; n° 27.240, E. X. Rabello col. 12-14. i. 1966; n® 27.241, E. X. Rabello col. 13.1966; n° 27.242, Francisca C. do Val col. 1977; n° 27.243, Fir- mino Rodrigues Gomes col. 6.ix.1988 e n° 27.244, Sappemba col. 20.vii.1988, todos da mesma procedéncia do Holétipo. DISCUSSAO A necessidade de estudar os Strophochei- loidea de maneira integral foi evidenciada por Leme (1973), quando demonstrou que dentre 08 Strophocheilidae neotropicais, segundo con- ceito de Bequaert (1948), havia duas familias 316 José Luiz M. Leme “pbp Fig. 7: Genitélia de Megalobulimus lopesi sp. n. Fig. 8: Genitdlia de M. ovatus. Escal Abreviaturas: ‘be = bursa copulatéria; db = duto da bursa copulatéria; dh = duto hermafrodita; dp = dobras prostiticas; du = dobras uterinas; ep = epifilo; esp = espermoviduto;fd = fragmento do assoalho do diafragma; ga = glindula de albumina; gga = glandula genital assesséria; Ibe = limite basal do espermoviduto; mr = musculo retrator do penis; ol = oviduto livre; ov = ovotestis:p = pénis; pbp = poredo basal do pénis; rup = ruptura do tubo espermovi- diitico; sga = saco glandular anexo; tg = tegumento extemo; vd = vaso deferente; vg = vagina; zle = zona lisa do espermoviduto, iro, Vol. 84, Supl. IV, 1989 Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janci ral de uma fileira radu- ‘a, Escala = 1 mm, Regido c 2 g E 3 3 i = é 318, perfeitamente distintas, o que motivou o desdo- bramento, com a criagdo da familia Megalobu- limidae, Também 0 conceito de subespécies adotado por Bequaert € bastante criticdvel, no s6 pela falta de dados anatomicos para o conhecimento integral das espécies, como também pela falta de consisténcia zoogeogréfica, 0 que o proprio autor citado menciona em sua monografia. Megalobulimus lopesi sp. n., no conceito conquioldgico de Bequaert (L. C.) poderia ser incluida como mais uma subespécie de M, ovatus; todavia, a caracterizagdo anatémica das espécies j4 estudadas fornece base suficiente para o estabelecimento do nivel especifico. Como é mostrado nas figuras 1-6, a nova espécie (Fig. 2 e 5) é intermediaria entre M. ovatus (Miller) da Hha dos Bizios (Fig. 1 e 4) eM. grandis (Martens) da Ilha de Sdo Sebastido (Eig. 3 ¢ 6). Cumpre repetir aqui o estudo com- parativo estatistico das medidas conquiolégicas envolvendo amostragens de outras localidades sera apresentado em outro trabalho. A concha de M, lopesi sp. n. é maior e mais globosa que a da primeira e menor que a da segunda. Desta Ultima, distingue-se pela forma de abertura, prin- cipalmente pela inclinago maior da columela e pelo perfil da altima volta, que apresenta uma depressdo na curvatura, formando quase que um ombro abaixo da sutura (Fig. 2), Dentre as relagdes paramétricas de diferenciagdo mais conspicuas, esté a altura (comprimento) da peniltima volta, distancia considerada entre a juncdo da sutura com o labio externo e um ponto na sutura anterior, atingido pela linha de crescimento mais proxima. Comparando-se as Figs. 2 ¢ 3 pode-se notar que a altura da pentltima volta, é aproximadamente igual nas duas espécies enquanto o comprimento total de M. grandis é consideravelmente maior. Anatomicamente a nova espécie foi compa- rada a M. grandis (Martens) (Fig. 8-11) da Ilha de Sd Sebastigo, da qual de distingue pelos seguintes caracteres: dente central da rédula (Fig. 14) em forma de barrete; forma e reunigo dos acimos do ovotestis (Fig. 12 ¢ 13); presen- José Luiz M. Leme a de uma zona lisa indiferenciada na por¢ao terminal do espermoviduto (Fig. 7, zle); locali- za¢do da origem do ducto da bursa, forma e falta de diferenciaggo externa do pénis, forma do epifalo e sua relagdo de proporgdo com 0 respectivo pénis (Fig. 7 ¢ 8). © pequeno mimero de exemplares coletados vivos nestes dltimos 20 anos, apesar de a locali- dade tipo ser uma area preservada, Estacio Bi ogica do Museu de Zoologia da Universidade de Sao Paulo, pode estar relacionado a um proces- so de extingo semelhante ao descrito por Heyer et al., (1988), referente aos anfibios da mesma area, AGRADECIMENTOS A Silvio Vieira, do Departamento de Foto- grafia da Fundagdo Parque Zoolégico do Esta- do de Sao Paulo, pelas fotografias. REFERENCIAS BAKER, H. B., 1926. The Mollusca collected by the University of Michigan-Williamson Expedition in Venezuela. Part IV. Occ. Pap. Mus. Zool. Univ, Michigan, 167:1-49, pls, 12-19. BEQUAERT, J. C., 1948, Monograf of the family Strophocteillidae @ Neotropical family of ter- restrial mollusks. Bull. Mus. comp. Zool. Harvard, 100: 1-210, 32 pis, HEYER, W. R.; RAND, A. S.; CRUZ, C. A. G. DA & PEIXOTO, O., 1988. Decimations, extinctions and colonizations of frog poptllations in Southeart Brazil and their evolutionary implications. Bio- rropica, 20: 230-235. LEME, J. L. M., 1973. Anatomy and systematics of the Neotropical Strophocheiloidea (Gastropoda, Pulmonata) with the description of a new family. Arquivos de Zoologia, 23: 295-337, 2 pls. LEME, J. L. M., 1974. Gonyostomus insularis, uma nova espécie de Strophocheilidae (Pulmonata) da Thha dos Buzios, Séo Paulo, Brasil. Papéis Avulsos de Zoologia, 28:1-9, 1 est. LEME, J. L. M., 1980. Sobre a posicao de Dorcasia ¢ Trigonephrus (Gastropoda, Pulmonata). Papéis Avulsos de Zoologia, 34-11-19. SCOTT, M. I. H., 1939. Estudio anatomico del Borus Strophochellus lorentzianus (Doer.) (Mol. Pulm.) Revta, Mus. la Plata (NS), 1 (Zool.): 217-278, 25 pls. SEGUY, E., 1936. Code Universe! des Couleurs, 48 pis. Paul Lechevalier, Paris.

You might also like