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História da

Igreja Antiga à
Contemporânea

Prof. ª Priscilla da Silva Góes

Indaial – 2021
2a Edição
Elaboração:
Prof. ª Priscilla da Silva Góes

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

G598h

Góes, Priscilla da Silva

História da igreja antiga à contemporânea. / Priscilla da Silva


Góes – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

207 p.; il.

ISBN 978-65-5663-674-0
ISBN Digital 978-65-5663-669-6

1. História da igreja. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


da Vinci.
CDD 270

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Prezado acadêmico,

Estamos iniciando a disciplina História da Igreja, que tem como objetivo fazer
um apanhado dos principais momentos de mudança no cristianismo, desde a morte de
Jesus Cristo até o século atual. Como você deve ter percebido, trataremos aqui de muitos
temas, que incluirão diversos personagens, filosofias, artes, tragédias, superação. Enfim,
assim como conhecer a história política e social é fundamental para nossa formação,
conhecer a história do cristianismo é fundamental para entendermos seu papel na
formação do mundo atual.

Nossa disciplina envolve um tempo histórico extenso, mais de dois mil anos, e
com várias mudanças. Por esse motivo, nosso material não tem como abordar todos os
acontecimentos com profundidade. Então, desafiamos você, caro acadêmico, a usar
esse material como uma bússola que vai lhe orientar nos principais fatos, conceitos e
personagens, para que você possa se aprofundar, posteriormente, a partir de outras
leituras acadêmicas.

Ao ler a história do cristianismo, devemos também ter em vista que cada religião
é um produto humano, ou seja, seu desenvolvimento, formas de pensar, filosofias, dentre
outros aspectos, fazem parte de um contexto social, político e econômico. Neste livro,
trataremos da vivência religiosa não como algo sobrenatural, mas, ao contrário, como
um fenômeno humano. Portanto, a fé e as discursões sobre transcendência ou sobre
Deus não farão parte desse material. O que você encontrará aqui serão as discussões
acadêmicas feitas por historiadores sobre as diversas fases da história da Igreja cristã.

Vejamos, então, o que estudaremos nessa disciplina:

Na Unidade 1, abordaremos as duas primeiras fases históricas, ou seja, o


cristianismo na Idade Antiga e na Idade Média. Essa unidade busca compreender os
primeiros passos do cristianismo após a morte de Jesus, como ele se espalhou e se
consolidou até chegar ao patamar de religião oficial de Roma. A partir daí, abordaremos
questões referentes aos grupos considerados heréticos, que foram perseguidos
dentro do cristianismo. Conheceremos, também, como se deu o desenvolvimento do
cristianismo no período Medieval, que teve como resultado a cristianização da Europa.
Veremos sobre a influência cristã na arte e, também, o funcionamento da Inquisição.
Conheceremos, ainda, os grupos considerados hereges desse período.
Em seguida, na Unidade 2, estudaremos as mudanças ocorridas no cristianismo
devido às ideias renascentistas, que culminaram na Reforma Protestante. No contexto
da Reforma, conheceremos os principais grupos reformistas e suas disputas perante
as igrejas oficiais. Conheceremos, ainda, como se deu a luta do catolicismo perante
o avanço protestante. Veremos também como ocorreu a influência do pensamento
iluminista nas questões referentes ao cristianismo.

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos como a Revolução Francesa modificou


as relações entre Igreja e Estado, além do avanço de diversos grupos protestantes
tanto na Europa quanto na América. Estudaremos as relações entre a escravidão e as
igrejas cristãs, além das mudanças ocorridas na sociedade e seu reflexo nas questões
religiosas. Com relação ao catolicismo, veremos o despertar de mudanças significativas
nos ritos e nas relações da igreja católica com os demais grupos cristãos, após o Concilio
do Vaticano II.

Bons estudos!

Prof.ª Priscilla da Silva Góes


GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
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Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
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LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - HISTÓRIA DA IGREJA ANTIGA E MEDIEVAL.................................................... 1

TÓPICO 1 - OS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISMO...................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 O INÍCIO DO CRISTIANISMO................................................................................................4
3 INFLUÊNCIAS SOFRIDAS PELO CRISTIANISMO E A SEPARAÇÃO DO JUDAÍSMO.......... 7
4 HERESIAS: A LUTA INTERNA DO CRISTIANISMO..............................................................9
4.1 O GNOSTICISMO ..................................................................................................................................... 9
4.2 O MONTANISMO................................................................................................................................... 13
4.3 O ARIANISMO........................................................................................................................................ 14
4.4 O DONATISMO....................................................................................................................................... 14
4.5 O PELAGIANISMO................................................................................................................................ 14
5 A FORMAÇÃO DO CÂNON SAGRADO................................................................................ 15
6 A FORMAÇÃO DA HIERARQUIA ECLESIÁSTICA CATÓLICA............................................ 17
7 O CRISTIANISMO E O PODER TEMPORAL EM ROMA....................................................... 20
8 OS PRINCIPAIS PENSADORES CRISTÃOS DA ANTIGUIDADE........................................ 22
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................27
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 28

TÓPICO 2 - O CRISTIANISMO NO PERÍODO MEDIEVAL...................................................... 31


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 31
2 O PODER PAPAL ............................................................................................................... 32
3 A QUESTÃO ICONOCLASTA.............................................................................................. 34
4 O CISMA DO ORIENTE....................................................................................................... 36
5 OS MONASTÉRIOS: A FUGA DO MUNDO.......................................................................... 38
6 A REFORMA MONÁSTICA E A REFORMA GREGORIANA ................................................. 40
7 A MÚSICA NA IGREJA....................................................................................................... 42
8 AS CRUZADAS.................................................................................................................. 44
9 O GRANDE CISMA PAPAL................................................................................................. 46
10 OS PRINCIPAIS PENSADORES CRISTÃOS MEDIEVAIS ................................................ 48
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 50
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 51

TÓPICO 3 - AS HERESIAS MEDIEVAIS E A INQUISIÇÃO.................................................... 53


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 53
2 AS HERESIAS MEDIEVAIS................................................................................................ 53
2.1 OS ALBIGENSES OU CÁTAROS..........................................................................................................54
2.2 OS VALDENSES....................................................................................................................................56
2.3 JOHN WYCLIFFE.................................................................................................................................. 57
2.4 JOHN HUSS .........................................................................................................................................58
2.5 OS BEGUINOS ......................................................................................................................................59
3 A INQUISIÇÃO MEDIEVAL................................................................................................. 60
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 64
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 69
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................70

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................73
UNIDADE 2 — O CRISTIANISMO NA IDADE MODERNA........................................................ 77

TÓPICO 1 — AS MUDANÇAS RELIGIOSAS NA IDADE MODERNA........................................79


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................79
2 O RENASCIMENTO CULTURAL E CIENTÍFICO: REAÇÕES DA IGREJA........................... 80
3 A INQUISIÇÃO MODERNA................................................................................................. 86
3.1 ESTATUTOS DE PUREZA DE SANGUE............................................................................................. 91
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 92
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 93

TÓPICO 2 - PERÍODO DE REFORMAS...................................................................................95


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................95
2 A REFORMA PROTESTANTE..............................................................................................95
2.1 O LUTERANISMO...................................................................................................................................96
2.2 HULDRYCH ZWINGLI..........................................................................................................................101
2.3 O CALVINISMO....................................................................................................................................103
2.4 OS ANABATISTAS..............................................................................................................................105
2.5 JACÓ ARMÍNIO...................................................................................................................................108
2.6 O ANGLICANISMO...............................................................................................................................110
2.7 O PURITANISMO..................................................................................................................................113
2.8 JOHN KNOX E A REFORMA NA ESCÓCIA .....................................................................................114
2.9 OS QUACRES.......................................................................................................................................115
2.10 OS RANTERS......................................................................................................................................118
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................120
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 121

TÓPICO 3 - AS MUDANÇAS NA RELIGIÃO EUROPEIA APÓS A REFORMA.......................123


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................123
2 A CONTRARREFORMA CATÓLICA...................................................................................123
3 O JANSENISMO................................................................................................................126
4 O ILUMINISMO E A QUESTÃO RELIGIOSA....................................................................... 127
5 AS MISSÕES DA ÁSIA......................................................................................................129
6 O PIETISMO...................................................................................................................... 131
7 O METODISMO..................................................................................................................132
8 O GRANDE AVIVAMENTO NA AMÉRICA DO NORTE........................................................134
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................138
RESUMO DO TÓPICO 3....................................................................................................... 144
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................145

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 147

UNIDADE 3 — A IGREJA NA IDADE CONTEMPORÂNEA.................................................... 151

TÓPICO 1 — A REVOLUÇÃO FRANCESA: O INÍCIO DO ESTADO LAICO


E AS MUDANÇAS RELIGIOSAS...........................................................................................153
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................153
2 A REVOLUÇÃO FRANCESA E A IGREJA .........................................................................154
3 O MOVIMENTO EVANGÉLICO........................................................................................... 157
3.1 A COMUNIDADE DE CLAPHAM....................................................................................................... 157
4 O MOVIMENTO DE OXFORD.............................................................................................159
5 A INFLUÊNCIA DE WILLIAM CAREY NAS MISSÕES PROTESTANTES...........................160
6 O CRISTIANISMO NA AMÉRICA DO NORTE NO SÉCULO XIX:
O AVIVAMENTO E A QUESTÃO ESCRAVISTA..................................................................... 161
7 AS MISSÕES CRISTÃS NA ÁFRICA NO SÉCULO XIX.......................................................164
8 A TEOLOGIA LIBERAL PROTESTANTE............................................................................166
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................169
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................170

TÓPICO 2 - O CRISTIANISMO NO MUNDO INDUSTRIALIZADO........................................ 173


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 173
2 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E OS MOVIMENTOS CRISTÃOS ........................................ 174
3 O EVANGELHO SOCIAL NA AMÉRICA............................................................................. 176
4 A INFALIBILIDADE PAPAL E O CONCÍLIO DO VATICANO I ............................................ 177
5 O MOVIMENTO FUNDAMENTALISTA PROTESTANTE.................................................... 179
6 O MOVIMENTO DA NEO-ORTODOXIA.............................................................................. 179
7 O PENTECOSTALISMO ....................................................................................................180
8 O NEOPENTECOSTALISMO.............................................................................................182
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................184
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................185

TÓPICO 3 - A IGREJA CATÓLICA NO SÉCULO XX.............................................................187


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................187
2 O CONCÍLIO DO VATICANO II...........................................................................................187
3 A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA....................................................................................189
4 O MOVIMENTO CARISMÁTICO......................................................................................... 191
5 A IGREJA ORTODOXA NO SÉCULO XX............................................................................192
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................195
RESUMO DO TÓPICO 3....................................................................................................... 202
AUTOATIVIDADE................................................................................................................ 203

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 205
UNIDADE 1 -

HISTÓRIA DA IGREJA
ANTIGA E MEDIEVAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer a formação das principais doutrinas cristãs;

• entender os conflitos entre judeus e cristãos e, posteriormente cristãos e Império Romano;

• examinar o processo para que o cristianismo se tornasse oficial no Império Romano;

• estudar as principais ideias consideradas heréticas pela ortodoxia cristã;

• identificar os principais teólogos cristãos dos primeiros séculos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – OS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISMO APÓS A MORTE DE JESUS


TÓPICO 2 – O CRISTIANISMO NO PERÍODO MEDIEVAL
TÓPICO 3 – AS HERESIAS MEDIEVAIS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
OS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISMO

1 INTRODUÇÃO
Então, Jesus aproximou-se deles e disse: ‘Foi-me dada toda a
autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu
estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos (Mateus 28:18-20).

Estimado acadêmico, provavelmente você já deve conhecer o texto anterior.


Tais palavras, segundo a tradição cristã, foram ditas por Jesus aos seus discípulos antes
de sua partida da terra. Esse texto ainda hoje tem sido pregado como uma verdadeira
ordenança aos cristãos. Imaginemos, então, o impacto dessas palavras na vida dos
discípulos, futuros apóstolos, logo após a separação deles do seu Mestre.

Imaginemos, ainda, o impacto dessa pregação dentro do contexto judaico,


cuja comunidade encontrava-se dividida entre os que seguiam Jesus, como Messias,
e os que rechaçavam os ensinamentos de Jesus. Com o Mestre morto, as autoridades
judaicas que não concordavam com sua doutrina passaram a atacar ainda mais
os cristãos. Nessa época, surgiram os primeiros mártires, mas, também, o início da
expansão do cristianismo.

E a expansão foi intensa. Os discípulos, animados pela ideia da parúsia, que


seria o retorno de Cristo, faziam com que a mensagem cristã se difundisse não só
entre os judeus, mas também por províncias romanas que tinha uma religiosidade
completamente diferente tanto do judaísmo quanto do cristianismo. Essa religiosidade
diversa do império romano foi chamada pelos cristãos de paganismo.

Portanto, caro acadêmico, iniciaremos nossos estudos da história da igreja


procurando entender os primeiros passos do movimento que convencionou-se chamar
de Cristianismo. Abordaremos, neste tópico, os principais conflitos com o judaísmo e a
religiosidade romana, assim como os conflitos internos do cristianismo e sua luta para
consolidar uma doutrina ortodoxa. Veremos, também, como o cristianismo passou de
uma religião perseguida à religião estatal. Por fim, conheceremos os principais nomes
dos teólogos que ajudaram a igreja no fortalecimento de sua doutrina.

3
2 O INÍCIO DO CRISTIANISMO
No século I, os judeus tinham seu território ocupado pelos romanos. O Império
Romano estabeleceu seu domínio por várias regiões como Grécia, Egito, Palestina,
dentre outras. A dominação romana obrigava que seus súditos pagassem impostos e
proibia que fizessem revoltas, pois o exército estava pronto para combater qualquer
tentativa de rebelião.

Com a morte de Jesus, seus seguidores, cuja maioria, até então, era composta
de judeus, liderados pelos discípulos, passaram a disseminar seus ensinamentos. Tais
ideias geraram divergências entre os grupos judaicos que acreditaram que, com a morte
do líder, seus ensinos sucumbiriam mais facilmente. A aceitação ao cristianismo, porém,
ocorreu rapidamente por outras regiões do império romano, para judeus e não-judeus.
A partir disso, surgiu um problema interno relacionado à aceitação do cristianismo por
pessoas que não tinham a cultura e a religião judaica. Ritos judaicos comuns aos primeiros
seguidores passaram a ser vistos, pelos devotos não judeus, como desnecessários.
Assim, ocorreu o processo de separação entre o cristianismo e o judaísmo.

Inicialmente, o cristianismo era uma das faces do judaísmo. Os cristãos iam


as sinagogas e ao Templo. No entanto, pouco a pouco, foi crescendo a relutância
judaica contra a disseminação do cristianismo . Vejamos o que diz o historiador das
religiões Eliade:

Por outro lado, cumpre ter em conta que os primeiros cristãos,


judeus de Jerusalém, constituíam uma seita apocalíptica dentro do
judaísmo palestino. Estavam na espera iminente da segunda vinda
de Cristo, a parúsia; o que os preocupava era o fim da história, e não a
historiografia da espera escatológica. Além disso, como era de prever,
em torno da figura do mestre ressuscitado cristalizou-se bem cedo
toda uma mitologia que lembra a mitologia dos deuses salvadores e
do homem divinamente inspirado (theîos ántropôs). Essa mitologia,
[...] é particularmente importante: Ajuda-nos a compreender a
dimensão religiosa específica ao cristianismo e também sua história
posterior. Os mitos que projetaram Jesus de Nazaré num universo
de arquétipos e figuras transcendentais são tão ‘verdadeiros’ quanto
seus gestos e palavras: esses mitos confirmam, de fato, a força e
a criatividade de sua mensagem original. É aliás, graças a essa
mitologia e simbologias universais que a linguagem religiosa do
cristianismo torna-se ecumênica e acessível para além do seu foco
de origem (ELIADE, 2011a, p. 296).

Percebemos então que, para os discípulos que recentemente haviam perdido


a convivência com Jesus, a expectativa do retorno deste era esperada para ao quanto
antes, colocando o foco na ideia apocalíptica. A pregação sobre os feitos de Jesus e
o seu retorno passa a ser a ênfase na pregação dos primeiros cristãos. Esse discurso
encontrou eco nas comunidades não judaicas com muita força. Enquanto o cristianismo
era rechaçado pelos judeus, passou a ter adesão dos não judeus, como explica Eliade
(2011a, p. 301):

4
É na diáspora que se desenvolve a cristologia. O título ‘filho do
homem’ – que em grego já não tem sentido – é substituído por ‘filho
de Deus’ ou ‘Senhor’ (Kúrios); o termo “messias” é traduzido para
o grego (Khristós) e acaba por transformar-se em nome próprio:
Jesus Cristo.

Portanto, com a ampliação do cristianismo para os domínios pagãos, houve


uma nova forma de vivenciar o cristianismo. A partir disso, novos conflitos surgiram. O
apóstolo Paulo é considerado o principal agente propagador do cristianismo, inclusive
entre populações não judaicas. Ele implantou igrejas em várias regiões, dentre elas: Ásia
Menor, Grécia e Macedônia. Porém, foi em Antioquia, na Síria, que se estabeleceram as
primeiras comunidades cristãs de origem pagã, sendo nela utilizada pela primeira vez a
expressão “cristãos”, para designarem os seguidores de Jesus (ELIADE, 2011a).

Após a adesão de vários gentios ao cristianismo, os judeus-cristãos se


desentenderam com os novos convertidos, principalmente devido à não observância
da circuncisão. Assim, foi convocado o primeiro concílio, realizado em Jerusalém
(Atos 15), no qual foi decidido que os pagãos que se convertessem não precisariam
seguir todos os ritos judaicos, somente “abster-se das carnes sacrificadas a ídolos,
bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas”
(ELIADE, 2011a, p. 304).

Na década de 60 d.C., teve início a ruptura da relação entre judeus e cristãos.


Com a destruição do Templo em Jerusalém e a expulsão dos judeus do império romano,
o cristianismo continuou ganhando adeptos entre os gentios. No segundo século,
porém, os cristãos foram perseguidos dentro dos domínios romanos, tendo em vista,
principalmente, a não aceitação pela adoração aos imperadores romanos (ELIADE, 2011a).
Havia rejeição aos cristãos não somente por parte da cúpula romana, mas, também,
pela sociedade em geral. De acordo com Shelley (2004), alguns fatores contribuíram
para essa hostilidade aos cristãos por parte dos romanos. A acusação de ateísmo é um
desses fatores. Como o cristianismo não fazia uso de imagens para representar seu
Deus, eles eram tidos pelos romanos como ateus.

Outro fator importante era que os judeus receberam do império romano uma
espécie de imunidade nas questões de seu culto. Assim, enquanto o cristianismo
estava sob a tutela do judaísmo, ele não era perseguido pelos romanos, pois os judeus
eram vistos mais como um grupo fechado, no qual não havia a ênfase no proselitismo.
Quando, gradualmente, o cristianismo foi se separando do judaísmo e, assim, adotando
uma abordagem mais proselitista, o governo romano passou a ver o cristianismo como
uma possível ameaça à ordem pública. Também, como dito, os cristãos se opuseram
ferrenhamente aos deuses adorados pelos romanos e gregos. Tal rejeição ocorria
em festas ou demais ambientes sociais, nos quais os cristãos se recusavam a comer
alimentos que haviam sido consagrados aos deuses pagãos.

5
Além disso, outros traços culturais foram rechaçados pelos cristãos, como, por
exemplo, as batalhas de gladiadores. Outra razão para os romanos não se agradarem do
cristianismo eram as recorrentes denúncias de que, nos cultos cristãos, havia orgias e
prática de canibalismo. Quanto ao canibalismo, Shelley (2004) explica que pode ter sido
devido a uma má interpretação do rito eucarístico, em que o pão e o vinho são chamados
de o sangue e o corpo de Cristo. Ele ressalta, também, que, aos cristãos, eram imputados
os motivos para quaisquer desgraças que ocorressem em Roma. Eram verdadeiramente
os “bodes-expiatórios” (SHELLEY, 2004). Seguiu-se, então, uma hostilidade para com
os cristãos, que saiu da esfera social e passou a ser parte da política de Estado de
muitos imperadores romanos (SHELLEY, 2004).

Segundo Eliade (2011a), o cristianismo era clandestino em Roma e, os imperadores


passaram a publicar alguns decretos anticristãos. O imperador romano Nero (54-68)
fomentou uma perseguição acirrada em que “[...] muitos cristãos chegaram a ser
crucificados. Alguns eram costurados na pele de animais selvagens e depois cachorros
enormes eram atiçados contra eles, que então eram despedaçados. Mulheres eram
amarradas a touros furiosos e arrastadas até a morte” (SHELLEY, 2004, p. 47).

Em 202, o imperador Septímo Severo proibiu que os cristãos fizessem


proselitismo. Já Décio, em 250, deu ordens para que todos os cidadãos romanos
fizessem oferendas aos deuses pagãos. Alguns cristãos, com medo das perseguições,
aderiram ao edito, mas muitos se opuseram. O clima de perseguição foi intenso até 258,
em que os cristãos gozaram de um breve período de paz. Foi então que, no governo
do imperador Diocleciano (244-311), ocorreu a perseguição mais longa e sangrenta
(ELIADE, 2011a).

Nem sempre o estado romano combateu o cristianismo. Houve épocas de


calmaria e outras de perseguição mais intensas. Em tais períodos, surgiram pensadores
cristãos que tentar mostrar que as ideias do cristianismo não iam de encontro aos ideais
sociais dos romanos. Tais homens foram chamados de apologistas. Esta foi a tentativa
de fazer com que o cristianismo pudesse viver pacificamente em Roma. Todavia,
segundo Eliade (2011a), os apologistas não tiveram sucesso nessa fase e, aos cristãos,
era imputado tudo de ruim que acontecesse em Roma.

NOTA
O termo pagão foi dado pelos cristãos para categorizar os adeptos da
religiosidade greco-romana. Tanah é o termo em hebraico que diz respeito a
totalidade da Bíblia hebraica.

6
3 INFLUÊNCIAS SOFRIDAS PELO CRISTIANISMO E A
SEPARAÇÃO DO JUDAÍSMO
Caro acadêmico, devemos ter em vista que toda religião surge em um contexto
histórico, político e social. É importante entendermos esses aspectos ao tratarmos de qualquer
fenômeno religioso. Assim sendo, veremos agora algumas das influências que o cristianismo
teve nos seus primórdios. Vejamos o que o professor Theissen (2009, p. 97, 98) explica:

Sob a ótica histórica, o etos cristão primitivo está situado entre


o judaísmo e o paganismo. É o etos de um grupo que provém do
judaísmo, mas que encontrou a maioria de seus seguidores no
paganismo. Ele se diferencia do etos judaico apenas de forma
gradual. Ele intensifica e radicaliza os princípios ali existentes,
certamente com uma tendência a superá-los mediante uma ‘justiça
melhor’ (Mt 5,20). Essa ‘tendência de superação’ é levada adiante
no ambiente pagão. Os primeiros cristãos querem corresponder, de
maneira exemplar, a muitas normas do mundo pagão circundante.
[...] O cristianismo primitivo introduz no mundo pagão dois valores
oriundos da tradição judaica, os quais, dessa forma, são novos:
O amor ao próximo e humildade (ou a renúncia ao status). Ao lado
de uma acomodação dos valores e normas do mundo pagão (com
pretensão de superioridade), surge, por conseguinte, a consciência
de uma antinomia em relação a ele. Paralelamente à pretensão de
cumprir melhor do que todos os demais as normas comuns do mundo
ambiente, surge uma consciência contracultural de que a religião
cristã primitiva mostra-se quase como uma ‘religião-de-excêntricos’.

Portanto, para entender o cristianismo em suas origens, é fundamental ter


em vista as características principais da religiosidade judaica na época de Cristo,
assim como aspectos da religiosidade romana. E, da mesma forma que o cristianismo
incorporou traços do paganismo, também contribuiu para mudanças na estrutura desta
última tradição, assim como valores judaicos foram assimilados pelo cristianismo e
transportados para a sociedade pagã.

Uma das alterações empreendidas pelo cristianismo, em relação ao judaísmo,


foi o rompimento com um importante rito praticado pelos judeus: o sacrifício no Templo
de Jerusalém. Com a destruição do Templo, os judeus pararam de realizar os rituais de
sacrifícios e dedicaram-se nas sinagogas aos estudos da Torá, do Midrash e do Tamuld.
Porém, até hoje, boa parte da comunidade religiosa judaica espera poder retomar os
sacrifícios quando o Templo for reerguido.

O cristianismo, entretanto, reelaborou a ideia do sacrifício por meio de Jesus. A


morte de Cristo é considerada o ápice de todos os rituais realizados no Templo. Foi o ato
mais importante para a humanidade, pois, por meio dele, não há mais necessidade da
utilização de animais para o sacrifício. Desse modo, a mensagem da morte e ressurreição
de Jesus tornou-se o ponto principal do cristianismo e sua principal ruptura com o
judaísmo, então, a simbologia ritualística adotada pelo cristianismo foi modificada
(THEISSEN, 2009, p.171). A mudança do ritual foi uma quebra no paradigma do mundo
religioso antigo, tendo em vista que tanto a religião romana quanto as outras religiões do
mundo antigo usavam o sacrifício de animais como o principal rito realizado.

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Nessa fase, o cristianismo inaugurou uma nova forma de expressão ritual,
muito mais simbólica, a eucaristia. O momento eucarístico consiste em um ato de
transubstanciação, em que duas substâncias terrenas, o pão e o vinho, são transformadas,
respectivamente, no corpo e no sangue de Cristo. Esse ato substituiu a imolação de
animais. Além da ceia eucarística, o batismo é outro principal rito simbólico praticado
por essa nova comunidade religiosa. O batismo representa a introdução à nova jornada
religiosa e a eucaristia é a promoção da contínua comunhão entre os fiéis, ao reviverem o
sacrifício sagrado feito por Jesus Cristo (THEISSEN, 2009).

Outra alteração que a inclusão de não-judeus ao cristianismo trouxe diz respeito


aos espaços de culto. Os espaços de cultos judaicos não poderiam ser frequentados
por quem não fosse judeu. A partir disso, surgiu a necessidade de reuniões somente
entre cristãos, o que gerou o afastamento mais intenso entre cristianismo e judaísmo.
Ademais, os cristãos trouxeram uma nova visão sobre espaço de culto, em que o templo
passa a ser a pessoa, não o local. Com isso:

A ideia de que a comunidade – isto é a congregação e pessoas –


é o templo de Deus, favoreceu também o surgimento das igrejas
domésticas. As casas particulares constituíram-se no lugar de
reunião e de culto das comunidades cristãs durante séculos [...]
até que a própria expansão missionária tornou necessário buscar
espaços mais amplos para as reuniões (ESTRADA, 2005, p. 159).

Foi, então, no final do século I e início do II que o cristianismo começou a traçar


sua organização de forma mais estruturada, buscando, em especial, a divulgação de
suas ideias (ESTRADA, 2005). Assim sendo, o caráter universalista do cristianismo foi
criando forma. Tal fato levou um tempo para acontecer pois, inicialmente, a mensagem
vinha diretamente do único líder: Jesus.

Após a morte de Jesus e principalmente depois de Pentecostes, o cristianismo


passou a ter vários líderes, e em vários lugares pois o cristianismo se expandiu (JOHNSON,
2001). O encontro com contextos culturais e religiosos diversos e o afastamento temporal
com os primeiros discípulos que haviam ouvido, de perto, a mensagem de Jesus geraram
diversas interpretações das ideias cristãs, surgindo, então, a luta entre a ortodoxia e o que
ficou caracterizado como heresia.

DICA
Para conhecer mais dos conflitos entre cristãos, judeus e pagãos, vejam
o filme Alexandria (Ágora), dirigido por Alejandro Amenábar, maiores
informações em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-134194/.

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4 HERESIAS: A LUTA INTERNA DO CRISTIANISMO
Caro discente, devemos ter em vista que, com a destruição do Templo, a
separação entre cristianismo e o judaísmo ocorreu com maior veemência, como já
discutimos. O cristianismo foi se ampliando nos domínios romanos e, com isso, ficava
cada vez mais difícil manter um cristianismo centrado em uma única forma de pensar.
Foi assim que interpretações diversas começaram a ocorrer, fazendo com que um
grupo tomasse para si o direito de se definir como ortodoxia, ou seja, os que receberam
os ensinos dos primeiros apóstolos e repassaram de forma “correta”.

As ideias que surgiram e que não estavam de acordo com tal ortodoxia passaram
a ser tratadas como heresias e rechaçadas pelo grupo dominante. Dentre as principais
questões levantadas, estavam as seguintes: se realmente houve a ressurreição de
Cristo; se Jesus veio em carne ou somente em espírito; se haverá ressurreição e juízo
final; se as mulheres poderiam fazer parte da liderança, entre outros pontos.

De acordo com Johnson (2001), a igreja cristã não conseguiu se expandir com
ideias uniformes devido, principalmente, à tradição oral, tendo em vista que o cânon
considerado sagrado levou um tempo para ser compilado e, mesmo depois de pronto,
não era disponível para todos, sendo assim: “cada igreja tinha sua própria ‘história de
Jesus’, e todas haviam sido fundadas por um membro do bando original, que passara a
tocha adiante para um sucessor designado, e assim por diante” (JOHNSON, 2001, p. 59).
Tendo em vista tal realidade, veremos, a seguir, alguns desses movimentos considerados
heréticos e seus impactos na cristandade dos primeiros séculos.

4.1 O GNOSTICISMO
A luta contra o gnosticismo perdurou durante anos no cristianismo, se estendendo
até o período do Medievo. Um dos principais aspectos defendidos por esse movimento era a
crença não só na ideia do bem e do mal, mas também na existência de um código secreto na
religião que só seria revelado a alguns. Ao aceitar tais ideias, o indivíduo, que antes “dormia”,
“acordava” por meio da gnose, passando a conhecer a verdade (JOHNSON, 2001). Vejamos
a explicação de Johnson:

O gnosticismo é uma religião do ‘conhecimento’ – é esse o significado


da palavra – que afirma deter uma explicação interna para a vida. Daí
ele ter sido, e, na verdade, ser ainda, um parasita espiritual, valendo-
se de outras religiões como ‘portadoras’. O cristianismo prestava-se
muito bem a esse papel. Tinha um fundador misterioso, Jesus, que
misteriosamente desaparecera, deixando para trás um conjunto de
ditos e seguidores para transmiti-los; e claro que além dos ditos
públicos haviam os ‘secretos’, transmitidos geração a geração por
membros da seita. Assim, certos grupos gnósticos aproveitaram-se
de pedaços do cristianismo, mas tendiam a isolá-los de suas origens
históricas (JOHNSON, 2001, p. 60).

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A partir do excerto, vemos que o gnosticismo não surgiu no cristianismo. As
suas ideias já se encontravam em outras religiões antigas e, uma vez que o cristianismo
foi se expandindo a diferentes povos, tais ideias passaram a ser internalizadas no
cristianismo, afastando-o, inclusive, de seu contexto judaico. Tal questão foi importante
para a adesão das ideias gnósticas cristãs por gregos, principalmente. No contexto do
Novo Testamento, vemos que o próprio apóstolo Paulo combateu veementemente o
gnosticismo (JOHNSON, 2001).

O gnosticismo cristão teve vertentes diferentes, porém, algumas ideias foram


comuns. A teologia cristã foi desenvolvida visando combater o que era considerado
heresia. Sendo assim, o gnosticismo foi, sem dúvida, o seu principal rival na Idade
Antiga. Vejamos como Shelley explica alguns dos pensamentos gnósticos:

O relacionamento da série de emanações variava nas diferentes


escolas gnósticas. Mas elas concordavam em que, de alguma
forma, a luz pura do paraíso na alma do homem acabou envolvida
pela desagradável questão da matéria e tinha de ser redimida. Os
gnósticos gostavam da ideia de o bom Deus ter enviado Cristo, e,
por isso, pensavam que a última divindade enviara ao mundo um
de seus ‘poderes’ subordinados, chamado ‘Cristo’, para libertar o
homem das correntes da matéria. Mas Cristo não poderia ter contato
real com a matéria. Portanto, no batismo de Jesus de Nazaré, ou
nessa época, Cristo desceu para dele; na prisão de Jesus, ou nessa
ocasião, ele se retirou. Quem foi açoitado e assassinado não foi o
Cristo (SHELLEY, 2004, p. 59).

Por meio de tais percepções, vemos que o campo do pensamento gnóstico


afastava a ideia de Jesus Cristo fazer parte da Trindade, tendo os mesmos atributos de
Deus. Além disso, a encarnação de Cristo era colocada como errônea, ou, em alguns
casos, como tendo sido substituída em determinadas horas, como o excerto exposto.

Um dos exemplos de grupos cristãos com ideias gnósticas foi conduzido por
Marcião (85-160). Ele era um grego que fora para Roma por volta de 120, convertido ao
cristianismo, dizia ser da escola de Paulo e procurava divulgar o cristianismo. Ele ficou
conhecido como um exímio heresiarca em seu período, fundando ideias que ficaram
conhecidas como marcionismo.

Marcião concordava que os ensinos do apóstolo Paulo eram os mais próximos


do que Jesus havia pregado, porém, sobre os escritos sagrados, ele renunciou todo o
Antigo Testamento e, do Novo testamento, aceitou apenas parte do evangelho de Lucas
e Atos e os escritos paulinos.

Com isso, ele rompia radicalmente com o fio de ligação entre judaísmo e
cristianismo (JOHNSON, 2001; ELIADE, 2011a). Para ele, o Deus do Antigo Testamento era:
“monstruoso, cruel, sangrento, patrono de rufiões como Davi” (JOHNSON, 2001, p. 61).

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Marcião foi denunciado como herege, excomungado e nenhum dos seus livros
chegou aos nossos dias. Suas principais ideias, assim como as de outros considerados
hereges, chegaram até nós por meio dos escritos que o acusavam (JOHNSON,
2001). Assim, é importante entendermos que, muitas vezes, essas acusações não
correspondiam à verdade do pensamento do acusado.

Apesar de toda rejeição, Marcião fundou uma igreja e conseguiu com que parte
da comunidade cristã da Bacia do Mediterrâneo aderisse suas ideias. A sua igreja,
inclusive, conseguiu angariar uma boa quantia financeira. Porém, ela não passou do
século III (ELIADE, 2011a). Vejamos uma síntese do seu pensamento:

Marcião compartilha o essencial do dualismo gnóstico, sem,


entretanto, incluir as implicações apocalípticas. Seu sistema dualista
contrapõe a lei e a justiça, instituídas pelo Deus criador do Antigo
Testamento, ao amor e ao Evangelho revelados pelo Deus bom.
Este último envia seu filho, Jesus Cristo, para libertar os homens da
escravidão da lei. Jesus reveste um corpo capaz de sentir e sofrer,
embora não seja material. Em sua pregação, Jesus exalta o Deus bom,
mas evita esclarecer que não se trata do Deus do Antigo Testamento.
Por outro lado, é pela pregação de Jesus que Javé é informado da
existência de um Deus transcendente. Vinga-se entregando Jesus
a seus perseguidores. Mas a morte na cruz traz a salvação, pois,
com seu sacrifício, Jesus resgata a humanidade do Deus criador. No
entanto, o mundo continua sobre o domínio de Javé, e os fiéis serão
perseguidos até o fim dos tempos. Só então é que o Deus bom se
dará a conhecer: receberá os fiéis em seu Reino, enquanto o resto
dos homens, bem como a matéria e o Criador, serão definitivamente
destruídos (ELIADE, 2011a, p. 327).

Na explicação de Eliade, conseguimos perceber os elementos do gnosticismo


no pensamento de Marcião. O dualismo muito presente, principalmente na ideia do
Deus bom versus Deus mau. O dualismo está presente, também, na ideia de que Cristo
não veio em carne, mas em um corpo diferenciado, como um espírito.

Um dos grandes críticos de Marcião foi Tertuliano (160-220). Enquanto o primeiro


enfatizava Deus como o princípio do amor, sendo este suficiente, ao segundo importava
fazer uso do temor a Deus, pois somente se obedece e se respeita a quem se teme, vejamos:

A controvérsia de Marcião e Tertuliano nos proporciona um vislumbre,


talvez pela primeira vez, de dois tipos básicos de cristianismo: o
otimista racional, que crê que o princípio do amor seja suficiente, com
o homem tendo um desejo essencial de praticar o bem, e o pessimista,
convencido da corruptibilidade básica das criaturas humanas e da
necessidade do mecanismo de danação (JOHNSON, 2001, p. 62).

Outro ponto crucial nos ensinos de Marcião, que muitos gnósticos aceitavam
também, era a oposição ao casamento. Ele defendia que o casamento fora um ato
criado pelo Deus do Antigo Testamento que visava à procriação, portanto, não deveria
ser realizado. Porém, outras vertentes gnósticas não se opuseram ao casamento e, em
alguns casos, praticavam também orgias.

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Outro grupo que difundiu as ideias gnósticas dentro do cristianismo foram os
Valentinianos, liderados por Valentino (100-160). Eles acreditavam que o verdadeiro ser
do indivíduo é o espiritual, em contraponto ao carnal. O espiritual estaria adormecido,
preso nesse mundo, porém, a partir da gnose, haveria a salvação quando esse ser
estivesse livre da prisão carnal.

Nessa concepção, as ideias contrastantes/dualistas estão sempre presentes:


“espírito/matéria, divino (transcendente)/antidivino; o mito da queda da alma (alma =
espírito, parcela divina), ou seja, a encarnação em um corpo (assimilado a uma prisão);
e a certeza da libertação (a ‘salvação’) obtida graças à gnose” (ELIADE, 2011a, p. 324).
A gnose cristã seria o ensinamento que Jesus deixou para alguns escolhidos e estes
foram divulgando a outros. Os gnósticos, portanto, fariam parte de uma casta separada
que seria salva, os santos (ELIADE, 2011a).

Valentino foi um dos grandes pensadores e divulgadores do gnosticismo cristão


do século II (MATIAS, 2011). Ele chegou, inclusive, a se candidatar ao cargo de bispo
em Roma, mas não chegou a ser escolhido. Segundo Matias (2011, p. 2482), “Valentino
afirmava que aprendeu seus ensinamentos secretos com Teúdas, um dos discípulos
de Paulo, os seguidores de Valentino afirmavam que somente os seus evangelhos e
revelações continham tais ensinamentos”. Temos, aqui, uma das principais filosofias do
gnosticismo, que consistia em ideias escondidas, reveladas somente a um grupo de
seguidores. Um fator curioso da história de Valentino era que ele e seus seguidores não
queriam o afastamento da igreja, tendo lutado por muito tempo contra a expulsão deles
do meio considerado ortodoxo (MATIAS, 2011).

Outro fator relevante dos movimentos tidos como seitas gnósticas era de que se
diferenciavam do cristianismo mais geral quanto à universalidade do ensino, tendo em
vista que eles preconizavam um conhecimento secreto, revelado aos seus. Além disso,
suas reuniões poderiam ser feitas em qualquer espaço, não havendo uma complexidade
em seu culto (MATIAS, 2011). Também, os grupos gnósticos eram constantemente
acusados de estarem na igreja somente para atrair outros cristãos as reuniões, em que
as ideias gnósticas eram ensinadas.

Para o grupo dos Valentinianos, a humanidade estaria dividida em três


categorias: os choics, que seriam as pessoas que só se preocupavam com as coisas
terrenas, cotidianas; os psíquicos, que englobavam os religiosos em geral e, os pneumos
que seriam os gnósticos (MATIAS, 2011). Portanto, a função do terceiro grupo seria
desvelar a verdade para que outros pudessem “acordar” e obter a salvação, juntando-se
ao terceiro grupo.

Outro movimento importante ficou conhecido como docetismo. Tal grupo


também defendia que Cristo não veio à terra em carne, pois seria uma humilhação,
assim como seria uma humilhação morrer na cruz. Segundo eles, Cristo apenas teve
uma aparência de homem. Segundo o docetismo, a crucificação teria sido feita por outra
pessoa (ELIADE, 2011a).

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4.2 O MONTANISMO
Segundo Estrada (2005), o movimento montanista surgiu no século II, fundado
por Montano da Frígia, que era auxiliado por Priscila e Maximila. Além de ter produzido
escritos, eles tinham uma concepção de cristianismo voltada à escatologia e aos carismas.

Uma das suas principais divergências com relação aos outros grupos cristãos
era de que os carismas tinham sido esquecidos por eles, vejamos: “O movimento era
composto por carismáticos, que eram arrebatados pelo Espírito e enriquecidos com uma
infinidade de êxtases, oráculos, visões e profecias” (ESTRADA, 2005, p. 271). Além disso,
o montanismo aceitava a participação feminina de modo ativo, pregava a importância
do celibato e, assim, não encorajava o casamento, pois a necessidade maior era se
preparar para o fim dos tempos.

Tais posturas foram severamente criticadas por muitos grupos de cristãos,


apesar de sua vasta difusão em diversas igrejas do Ocidente. Os montanistas foram
duramente perseguidos por bispos, e, por isso, estes eram chamados de “assassinos de
profetas” (ESTRADA, 2005, p. 272).

Ao final do século, com o movimento consolidado, várias de suas igrejas faziam


concorrência com a igreja considerada oficial, ao passo que esta não mediu esforços na
realização de concílios e excomunhão de quem seguia os ensinamentos do montanismo.

Um dos seus mais conhecidos seguidores foi o teólogo Tertuliano, e, segundo


ele, tais concepções não eram novas, pois estavam seguindo os ensinamentos de Cristo
e o que acontecera com a descida do Espírito Santo. Todavia, era uma forma de vida que
procurava ser mais perfeita, devido à severidade de suas práticas (ESTRADA, 2005, p.
273). O movimento durou até o século IV. Sobre Tertuliano, Paul Johnson (2001) comenta:

O caso de Tertuliano oferece um vislumbre precioso, sob alguns


aspectos único, do funcionamento da Igreja primitiva. Aqui estava
um grande estadista da igreja, homem de impecável retidão e
fé ardorosa, abraçando a heresia. Sua aderência, assim, solapa
por completo os ataques ortodoxos a moral e ao comportamento
público dos montanistas, proporciona, de qualquer modo, um selo de
aprovação ética para o movimento (JOHNSON, 2001, p. 66).

Portanto, vemos que as heresias não chamavam a atenção somente de pessoas


iletradas, mas também de intelectuais da igreja. Nesse caso, o fervor religioso dado
por meio dos êxtases, a busca por uma vida santa, acabou trazendo para o meio do
montanismo um teólogo tão apreciado pela ortodoxia cristã como Tertuliano.

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4.3 O ARIANISMO
No século IV, outro grupo tentou abalar os alicerces do que ficou conhecido
como ortodoxia cristã. Um sacerdote de Alexandria, Ário, passou a questionar a ideia
da Trindade. Ele negou “[...] a consubstancialidade das três pessoas divinas. Para ele,
Deus é único e incriado; o filho e o Espírito Santo foram criados mais tarde pelo pai,
e, portanto, lhe são inferiores” (ELIADE, 2011a, p. 355). Claro que essas declarações
foram rejeitadas pela igreja, tendo repercutido negativamente e sendo considerada tão
errônea essa ideia, que foi convocado o concílio de Niceia para dar conta do assunto.

4.4 O DONATISMO
As ideias donatistas tiveram início em Cartago, por volta do ano 332, com o bispo
Donato e foram consideradas heréticas. Eles também foram considerados como um dos
primeiros movimentos cismáticos, ou seja, que quiseram se separar da Igreja.

Um dos primeiros desentendimentos ocorreu em virtude do acolhimento que


a Igreja deu a algumas pessoas que haviam sido consideradas traidoras, pois, em um
momento de perseguição, essas se apartaram do cristianismo. Um desses “traidores”
foi colocado como presbítero-supervisor da região de Cartago, no Norte da África. Tal
decisão não foi aceita pela igreja no norte da África e eles escolheram outra pessoa
como presbítero-supervisor. Essa atitude gerou um clima de cisão.

Segundo Johnson (2001, p. 104) “era um movimento de homens pobres


liderados por um clero puritano” e, ainda: “Para Agostinho, [...] eles eram agentes da
anarquia e do horror social, ‘hordas ensandecidas de homens abandonados’. Segundo
ele, celebravam seus mártires promovendo distúrbios, em meio a bebedeiras”.
Agostinho de Hipona foi um duro crítico deste movimento. Estando do lado católico,
considerava os donatistas como hereges.

Outro ponto defendido pelos donatistas é que eles esperavam que cada igreja
local tivesse autonomia e que não precisassem seguir as ordens da igreja de Roma.
Além disso, eles prezavam pela separação entre igreja e Estado (SANTOS, 2016). Porém,
como o cristianismo conseguiu a adesão do Império Romano por meio do Edito de
Milão, era mais fácil manter a igreja sendo governada a partir de Roma do que mantê-la
independente, ou seja, cada cidade com seus líderes.

4.5 O PELAGIANISMO
Atribui-se a Pelágio ser o criador das ideias pelagianas. Este teria nascido por
volta do ano 350 e falecido em 428. Não se sabe ao certo onde nasceu, e foi morar
em Roma no ano 405. Praticante do ascetismo, Pelágio considerava que o pecado

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ocorria pela vontade do homem, assim, o salvar-se dependia somente do homem, não
concordando, então, que a Graça de Deus é que salva (SILVA, 2014). Vejamos um dos
seus argumentos:

Pelágio afirmava categoricamente que o dogma do livre arbítrio era


um absurdo. As passagens bíblicas do Gênesis deviam ser relidas,
pois não era possível que o pecado de um ser humano, atavicamente,
atravessasse toda a história. Cada indivíduo, necessariamente munido
das orientações da Igreja e praticando os exercícios espirituais, de
per si, era capaz de ‘combater’ o pecado (SILVA, 2014, p. 51).

Assim, é possível perceber que o que propunha Pelágio ia de encontro a um dos


principais dogmas do cristianismo, ou seja, a Graça de Deus é que salva e que todo o
homem é pecador. Para o cristianismo, foi o sacrifício de Cristo que concedeu a salvação
ao homem. Ele também atacava a questão do pecado original, não acreditando que as
crianças tivessem pecados, por isso, não concordavam com o batismo de crianças. A
forma de pensar de Pelágio se espalhou e ele conseguiu vários adeptos e, no Sínodo de
Cartago (397) que suas doutrinas foram condenadas como heréticas.

5 A FORMAÇÃO DO CÂNON SAGRADO


A expressão “Cânon sagrado”, que hoje faz referência aos escritos bíblicos, é
derivada da palavra grega kanon (reta). Ela foi usada para os textos sagrados com o
intuito de simbolizar a régua, ou o padrão que os cristãos deveriam seguir (BRUCE,
2011). Após a morte de Jesus, seus discípulos, que mais tarde ficaram conhecidos como
apóstolos, passaram a divulgar os feitos de Jesus em diversas localidades, muitas
vezes por meio de cartas que eram lidas por diferentes igrejas, servindo para instruir
os cristãos. Depois da morte dos apóstolos que haviam vivido com Jesus, a tornou-se
muito necessária a leitura de seus testemunhos, para que a mensagem de Jesus não
se perdesse ou fosse deturpada.

Caro acadêmico, estudamos, no subtópico anterior, os conflitos internos que o


cristianismo estava vivendo com relação às heresias, principalmente ao gnosticismo. Tais
conflitos foram a mola propulsora da escrita apologética dos pais da igreja, como ficaram
conhecidos os primeiros teólogos cristãos, e, também, foi colocada a importância de se
decidir quais livros entrariam ou não no compêndio final do que veio a ser a Bíblia cristã.
Várias discussões a esse respeito ocorreram. Veremos, a partir de agora, os principais
fatores que levaram a igreja cristã a aceitar alguns livros como inspirados e dignos de
entrar no cânon sagrado e outros não.

O termo “bíblia” fazia referência ao conjunto de livros, passando a representar


o livro sagrado (SHELLEY, 2004). Como Jesus nasceu e pregou no meio judaico, os
Escritos que eram sagrados para o judaísmo entraram no cânon cristão. Mesmo com
a discordância de alguns grupos, principalmente dos gnósticos, como já pontuamos,

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aceitar os escritos do Antigo testamento fazia sentido, pois eles ratificavam a
importância do Messias para o mundo, que os cristãos afirmavam ser Jesus. Sem o
Antigo Testamento, o peso da vinda do Messias não seria tão enfático.

O próprio Jesus, a todo instante, retomava as passagens do Tanah, mostrando


que as profecias se cumpriam de acordo com a caminhada dele. Portanto, o Antigo
Testamento passou a ter um novo significado para a cristandade, pois ele foi
completado pelos escritos dos seguidores de Jesus, que se convencionou chamar
de Novo Testamento. Porém, vale lembrar que, para os judeus, o termo “Antigo/Velho”
testamento não é bem-visto, pois, para eles, nada ficou velho, pois é esse escrito que
para eles é sagrado. Sobre a aceitação do Tanah, vejamos o que diz Shelley:

Quando os cristãos reivindicaram o uso do Antigo Testamento, não


definiram quais os livros que essa reivindicação incluía. Naquele
tempo, os cristãos divergiam sobre a inclusão ou exclusão dos
chamados apócrifos na lista de livros do Antigo testamento. O
termo aplica-se a dose ou quinze livros, dependendo de como
são agrupados, os quais são aceitos pelos católicos romanos
como canônicos e rejeitados pela maioria dos protestantes
(SHELLEY, 2004, p. 68).

Sobre a aceitação dos livros que não estavam no cânon judaico, Agostinho de
Hipona foi a favor, e, assim, eles passaram a fazer parte do cânon católico. Na época
da Reforma Protestante, essa questão foi revista e, com isso, alguns reformadores
preferiram deixar somente os livros que constavam no cânon judaico (SHELLEY, 2004).
Vejamos, também a explicação de Johnson:

Em geral, a figura determinante na evolução do cânon foi Eusébio,


cujo objetivo era associar o mais intimamente possível a doutrina
e estrutura de facto da igreja a suas credenciais documentais;
após sua morte, documentos úteis que ele considera duvidoso,
foram aceitos como canônicos, o processo, estando praticamente
concluído em 367, quando Atanásio apresentou uma lista de suas
Cartas Pascais. Nessa época, o Novo Testamento, aproximadamente
como conhecemos hoje, havia sobrepujado, em grande parte, as
antigas escrituras hebraicas como o principal instrumento doutrinário
da igreja. Era uma ferramenta que fora moldada na Igreja e não o
contrário (JOHNSON, 2001, p. 72).

Percebemos, na fala de Johnson (2001), que a compilação do cânon bíblico


foi feita de acordo com as premissas do setor da Igreja que tomava para si a função
de guardiã da ortodoxia. A controvérsia maior aconteceu na compilação do Novo
Testamento. Um dos critérios adotados foi perceber se era um escrito já lido nas igrejas
cristãs de diferentes localidades (SHELLEY, 2004). Outro fator importante apontado por
Shelley (2004) é se o livro foi ou não escrito por algum apóstolo ou por alguém que
convivera com um apóstolo. A autoridade dos apóstolos era evidenciada, pois foram
eles que conviveram com Jesus e, portanto, tinham a essência do cristianismo exposta
em seus escritos.

16
6 A FORMAÇÃO DA HIERARQUIA ECLESIÁSTICA CATÓLICA
Caros alunos, como já expusemos, após a morte dos apóstolos, outros seguidores
passaram a assumir a liderança nas diversas cidades onde o cristianismo conseguiu
chegar. Com o passar do tempo, tais lideranças, que foram chamadas de bispos, passaram
a responder pelo cristianismo, como líderes que descendiam da tradição dos apóstolos.
Com a expansão do cristianismo no Império Romano, o bispo de Roma passou a ter um
papel de destaque dentro do cristianismo. Essa força foi ampliada ainda mais quando
houve a necessidade de combater o que era considerado heresia.

Além das heresias, a igreja cristã não tolerava comportamentos que não
correspondessem a uma moralidade rígida, como nos lembra Shelley (2004, p. 81):
“[...] essas comunidades cristãs tentaram regular sua vida em comum pelos princípios
da mais estrita moralidade, não tolerando membros pecaminosos no meio delas. Os
pecadores obscenos eram expulsos do meio da igreja”. Lembremos que, no contexto
social greco-romano, a moralidade era totalmente diferente do que preconizava o
cristianismo.

As questões relacionadas à admissão ou não de alguém que houvesse cometido


algo considerado como um pecado grave dentro da igreja passavam pelo bispo local.
Havia muita discussão entre os bispos e teólogos sobre quais tipos de erros poderiam ser
perdoados: “Calixto (217-222) readmitiu os membros arrependidos que tinham cometido
adultério. Para ele, a igreja era como a arca de Noé. Nela, podiam ser encontrados tanto
os animais puros como os impuros” (SHELLEY, 2004, p. 81). Calixto ainda atribuiu à
igreja, pela primeira vez, a função das chaves dadas a Pedro por Cristo (SHELLEY, 2004).

Com o cânon bíblico formado, era necessária também sua explicação. Caro
acadêmico, analise, então: se a igreja já procurava combater o que era considerado
heresia, agora com o Novo Testamento já compilado, quem você acha que teria a
responsabilidade de explicar/decodificar o que dizia o livro sagrado?

Claro que a igreja tomou para si essa responsabilidade. Tal questão foi
consolidada, posteriormente, na ideia de que a Igreja Católica tem sua base na Bíblia
e na Tradição, pois é ela que autentica a forma de interpretar a Bíblia. A questão da
interpretação da Bíblia foi crucial para que houvesse um clero unificado dentro do
cristianismo (JOHNSON, 2001).

[...] a autoridade do bispo foi, então, escorada na compilação de listas


episcopais remontando às origens apostólicas. Todas essas Igrejas
produziram seus levantamentos e nenhuma delas, isoladamente,
tinham que arcar com o ônus de provar que sua doutrina era a
pregada a princípio. Assim, as Igrejas instituíram a intercomunhão e a
defesa mútua contra a heresia, com base no episcopado monárquico
e sua genealogia apostólica (JOHNSON, 2001, 73).

17
Outra mudança importante ressaltada por Johnson (2001) foi que somente um
bispo poderia consagrar outro. Com a escolha de um cânon único, o fortalecimento dos
bispos, principalmente o de Roma, as heresias sendo combatidas e o cristianismo se
expandindo, a igreja foi conseguindo se consolidar no Império Romano. Além disso, com
o aumento da intelectualidade se convertendo ao cristianismo, o credo e a teologia se
solidificaram e conquistaram, posteriormente, outras regiões.

O controle do clero nos assuntos religiosos ficava cada vez mais latente. Temia-
se que mais heresias nascessem, se espalhassem e, com isso, dividissem a comunidade
cristã. Os cultos, que durante muito tempo eram celebrados em casas ou em catacumbas,
precisavam de espaços maiores, pois o número de fiéis era cada vez mais crescente.

Assim, com reuniões em locais mais amplos, dirigidas pelo bispo, manter a
doutrina mais coesa seria mais fácil. Além disso, como o batismo e a eucaristia passaram
a ser os principais ritos, eles deveriam ser celebrados pelo bispo. Estada (2005), explica
que o culto sofreu influências judaicas, mas aos poucos foi tomando uma forma própria.
Os sacerdotes aumentavam seu poder, enquanto o papel dos leigos foi diminuindo.
Somente no século IV é que a liturgia começou a ser oficializada. Antes disso, cada
região cultuava de acordo com sua cultura (ESTRADA, 2005, p. 372).

O papel do bispo também foi mudando, como explica Estrada (2005, p. 376): “O
incremento do número de membros da Igreja contribuiu para a burocratização do bispo,
para seu distanciamento do culto e para a dissolução do estreito vínculo existente entre o
bispo e seu presbitério”. O autor também ressalta que o formato de bispo atualmente, que
está distanciado do povo, lotado em uma cúria, com tarefas mais burocráticas, foi algo
implementado no período medieval, e esse modelo suscita, constantemente, desagrado
entre alguns teólogos católicos (ESTRADA, 2005). Vejamos, a seguir, a importância que os
bispos passaram a ter para o cristianismo:

Os bispos pregavam, instruíam a congregação, batizavam os


catecúmenos, impunham penitências aos pecadores, sustentavam
os princípios ortodoxos contra os heréticos, ordenavam presbíteros
e diáconos e participavam dos concílios. Aos poucos, vão adquirindo
também capacidade jurídica sobre os membros do seu clero e os leigos
da sua congregação, um privilégio que, mais tarde, será ratificado
e expandido pela legislação imperial. No IV século, à medida que
avança o processo de cristianização nos meios urbanos, a autoridade
episcopal passa a ser exercida também em assuntos que dizem
respeito ao funcionamento do corpo cívico, como, por exemplo, a
administração da justiça, a organização do abastecimento de víveres
em tempos de escassez, a defesa da cidade contra as investidas dos
bárbaros e a representação do povo junto à corte. A partir de então,
as tarefas do bispo se deslocam do âmbito da ecclesia para o da
civitas, o que lhe confere a capacidade de, em muitas circunstâncias,
interpelar o próprio imperador sobre a sua conduta pública e privada.
Os bispos se tornam, desse modo, agentes políticos extremamente
influentes, cuja posição é reforçada pelo apoio que amiúde lhes
tributa a população urbana, sempre pronta a tomar a defesa do seu
líder espiritual (SILVA, 2010, p. 115).

18
A partir da citação anterior, observamos como, aos poucos, a cúpula religiosa
passou a influenciar também a organização estatal. Além do bispo, outro cargo relevante
dentro da Igreja cristã foi o de diácono, que respondia aos bispos e presbíteros. Com o
passar do tempo, sua função passou a ser de auxiliar do bispo (ESTRADA, 2005). Quanto
mais aumentava o número de adeptos ao cristianismo, mais aumentava também o clero.
Em Roma, ele passou a ser dividido da seguinte maneira:

Os diáconos e subdiáconos encarregavam-se da atenção aos pobres.


[...]. A ‘diocese’ era uma unidade administrativa política. Diocleciano
dividiu o império em 12 dioceses, que abrangiam várias províncias, e que
equivaliam, em termos eclesiásticos, aos patriarcados. Por outro lado, o
território do bispo, inicialmente, era a ‘paróquia’, e somente a partir do
século XIII se impôs o termo ‘diocese’ (ESTRADA, 2005, p. 406).

Caro acadêmico, deu para notar que, com o crescimento do cristianismo, foi
se tornando necessário organizar não só a doutrina, tendo em vista as heresias, mas
também a funcionalidade de cada cargo na igreja. Para tal formação, foi incorporado
muito das características administrativa de Roma. A estrutura foi sendo ampliada na
Idade Média e Moderna, até termos a forma atual. Veremos, agora, como foi estruturado
o cargo mais elevado da igreja, o de pontífice.

É sabido que o cargo de pontífice é, para a Igreja Católica, equivale à sucessão do


apóstolo Pedro, tendo em vista a passagem dos evangelhos em que Jesus teria deixado
a chave da igreja para Pedro (Mateus 16:16-19). Porém, a formalidade do papado e sua
sucessão ocorreu posteriormente. O aspecto da preponderância do papa em relação
aos bispos e demais cargos eclesiásticos não foi aceito unanimemente. Foram feitas
várias discussões internas para que o cargo e suas funções fossem plenamente aceitos.
Porém, como já vimos, a Igreja em Roma passou a usufruir de um status importante
perante a comunidade cristã. Ela acreditava ser o polo em que a ortodoxia cristã foi
preservada, além de ser a capital do império romano e, poderiam contar com um poderio
econômico também.

Estrada comenta: “Roma começa a tornar-se uma instância por meio da qual se
recorre quando há conflitos nas igrejas do Ocidente. No século III, há intervenções que
denotam sua autoridade na igreja latina, embora só intervenha em casos excepcionais,
tendo necessidade de aceitar a independência de bispos” (ESTRADA, 2005, p. 452).
Inicialmente, a igreja em Roma procurava não intervir em outras igrejas, a não ser se visse
que era necessário. A igreja do norte da África procurava andar livre da igreja de Roma,
porém, com as mudanças históricas ocorridas nessa região, decorrentes das invasões
bárbaras, que praticamente acabaram com o cristianismo na região, o papado ganhou
mais força em Roma (ESTRADA, 2005). Sobre a função do papa, o autor ainda expõe:

Não se pode esquecer que o bispo de Roma possui três âmbitos


distintos de autoridade: enquanto bispo de uma igreja local, a romana,
enquanto patriarca do Ocidente (onde ele exerce uma autoridade
semelhante à dos bispos de Alexandria e de Antioquia em seus
patriarcados) enquanto primaz da Igreja universal. Sua autoridade

19
em Roma é indiscutível, uma vez que se impôs a ideia segundo a
qual cada Igreja deve ter somente um bispo, contra as pretensões
dos antipapas. Sua primazia no Ocidente também se desenvolve
progressivamente, mais na prática do que na teoria, sendo cada vez
mais frequente o recurso a ela quando há enfrentamentos entre as
Igrejas ou conflitos episcopais (ESTRADA, 2005, p. 452).

Ainda de acordo com Estrada (2005), foi no Concílio de Niceia (325), realizado no
governo de Constantino, que ficou decidido que as [...] “Igrejas de Alexandria, Antioquia
e Roma eram as principais e exerciam um controle sobre as demais Igrejas em seu
âmbito territorial” (ESTRADA, 2005, p. 453). Com isso, a igreja de Jerusalém perdeu de
vez sua importância oficial perante as outras. Nessa fase, o cristianismo com o modelo
romano começava a ganhar um peso de universalidade. Nessa época, o papa ainda
não possuía o poder e prestígio que conhecemos. Estudaremos essa questão no tópico
sobre o cristianismo na Idade Média.

Vemos, então, que Roma possuía vários atributos para que o cristianismo lá
se consolidasse, e ela passou a ser referência para outras regiões. Com a subida de
Constantino ao poder, a igreja deixou de sofrer com as perseguições imperiais e, o clero
teve acesso, pela primeira vez na história cristã, ao imperador romano. Abordaremos
essa questão no próximo subtópico.

7 O CRISTIANISMO E O PODER TEMPORAL EM ROMA


Caro acadêmico, já comentamos a respeito da perseguição do Império Romano
aos cristãos nos primeiros séculos. É comum dizer que, nessa época, quanto mais
perseguido, mais o cristianismo crescia. E não só crescia, mas também se estruturava,
hierarquizava e consolidava sua base teológica e os livros canônicos. Pois bem, foi no
século IV que ocorreu uma mudança radical na estrutura romana, que foi o Edito de
Milão, decretado pelo imperador Constantino. Vejamos a explicação do professor Carlan:

Reunidos em Milão, em 313, Constantino e Licínio assinam o Edito


de Milão. Em resumo, o documento declarava que o Império Romano
seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente
com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente ao
Cristianismo. A aplicação do Edito fez devolver os lugares de culto e
as propriedades que tinham sido confiscadas dos cristãos e vendidas
em praça pública. O Edito deu ao Cristianismo (e a todas as outras
religiões) o estatuto de legitimidade, comparável com o paganismo
e, com efeito, desestabeleceu o paganismo como a religião oficial do
Império Romano e dos seus exércitos (CARLAN, 2011, p. 28).

Foi com esse edito que o cristianismo gozou de paz no império, mas esse não
foi o único feito de Constantino para o cristianismo. Naquele momento, o cristianismo
estava de mãos dadas com o Estado romano. Sobre as mudanças implementadas por
Constantino, Shelley (2004) ressalta:

20
A partir de 312, ele favoreceu abertamente os cristãos. Permitiu que
os ministros cristãos usufruíssem da mesma isenção de impostos
que os sacerdotes pagãos; aboliu as execuções realizadas por meio
de crucificação; pôs fim às batalhas dos gladiadores como punição
para crimes; e, em 321, tornou feriado o dia de domingo. Graças a sua
generosidade, surgiram prédios suntuosos de igrejas como prova de
seu apoio ao cristianismo (SHELLEY, 2004, p. 105).

A conversão de Constantino ao cristianismo não foi aceita por todos. Há quem


ressalte que foi a penas uma cartada política. Constantino passou a usar seu poder
como imperador para interferir nos assuntos cristãos, inclusive convocando o Concilio
de Niceia, considerado de extrema importância para a cristandade.

O Concílio de Niceia ocorreu, dentre outros fatores, em virtude das ideias do


arianismo, que já estudamos no Subtópico 4.3. Foi nesse concílio que o arianismo
foi combatido como heresia, e a questão da Trindade foi firmada na doutrina cristã. O
imperador Constantino se fez presente no concílio e “[...] no seu discurso, Constantino
expressava o desejo da união da Igreja, deixando de lado as diferenças que por ora se
manifestava na separação entre arianos e antiarianos” (SILVA, 2017, p. 31).

Caro acadêmico, a esta altura você pode estar se perguntando: O que mudara?
Por que a partir de então o império romano se voltou com benevolência ao cristianismo?
Pois bem, Johnson (2001) faz uma explanação interessante a respeito da adesão do
estado romano ao cristianismo. Segundo ele, o cristianismo da época de Constantino
(século IV) já possuía uma elite intelectual responsável por sua doutrina, além de uma
sólida estrutura hierárquica, como já estudamos, e um alto poder proselitista, que já
havia se disseminado por todo império. Portanto, “era católico, ecumênico, ordenado,
internacional, multirracial e cada vez mais legalista. “ao atacá-lo e enfraquecê-lo, o
império estava se debilitando” (JOHNSON, 2001, p. 93). A situação do cristianismo em
Roma chegou a um patamar que se tornava insustentável continuar a perseguição.

Outro imperador que conseguiu um feito talvez ainda maior do que Constantino,
com relação às leis no Império Romano e o cristianismo, foi o imperador Teodósio, o
Grande (379-395). Indo além do Edito de Milão, ele implementou o Edito de Tessalônica,
pelo qual o cristianismo passava ser a religião oficial do Império Romano.

Perceba, acadêmico, como o cristianismo saiu da marginalidade em Roma e,


em pouco mais de trezentos anos, conseguiu subir ao patamar de religião oficial do
Império. O poder da igreja foi, a partir de então, ligado à política estatal, e essa ligação
se efetivou não somente em Roma, como também nos demais estados que formaram a
Europa Medieval e Moderna. Nesse sentido, Eliade (2011a) nos lembra: “[...] o cristianismo
converte-se em religião de Estado e o paganismo é definitivamente proibido; os
perseguidos transformaram-se em perseguidores” (ELIADE, 2011a, p. 356)”.

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Com a ascensão do cristianismo ao posto de religião oficial, muitos grupos
cristãos acabaram achando que era seu direito pôr fim às religiosidades diferentes que
ainda existiam no Império. Eliade (2011a) relata que surgiu, ainda no século IV, um grupo,
dentre outros, que foi responsável por alguns levantes contra populações religiosas,
a saber, os monges. Os monges cristãos surgiram em meio ao desejo de se abster ao
máximo da vida considerada mundana, e se separar dessa para servir a Deus. Os lugares
escolhidos para isso eram afastados das cidades, geralmente nos desertos ou grutas.
Vejamos o relato de Eliade (2011) sobre a influência que esses monges começaram a ter
na sociedade cristã, ainda na Idade Antiga:

Cerca do final do século IV, desde a Mesopotâmia até o norte da


África, assiste-se a uma onda de violência perpetrada pelos monges:
em 388, incendeiam uma sinagoga em Calinico, perto do Eufrates, e
aterrorizam as aldeias sírias onde haviam templos pagãos; em 391, o
patriarca de Alexandria, Teófilo, convoca-os para ‘purificar’ a cidade
do Serapeum (Serapeu), o grande templo de Serápis. Na mesma
época, penetraram à força nas casas dos pagãos para nelas procurar
ídolos. E, em 415, um grupo de monges fanáticos comete um dos
mais odiosos crimes registrados na história: lincham Hipátia, a nobre
filósofa de Alexandria [...] (ELIADE, 2011a, p. 357).

Caro acadêmico, vemos, com este excerto, que o cristianismo, ao se filiar ao


governo romano, adotou os mesmos métodos de violência que os romanos anteriormente
perpetraram contra eles. Durante muitos anos, essa foi uma marca do cristianismo. Os
conflitos envolvendo religião serão mais acirrados nos próximos capítulos da história,
dos quais trataremos nos tópicos seguintes. Outra questão importante que ocorreu no
governo de Teodósio foi o fato de ele atribuir à igreja em Constantinopla o mesmo poder
da igreja em Roma (ESTRADA, 2005). Lembremos que o Império Romano foi dividido em
395 em Império Romano do Ocidente, com a capital em Roma, e Império Romano do
Oriente, com a capital em Constantinopla, que ficou conhecida como Império Bizantino.

O imperador Teodósio II concedeu a Constantinopla, no ano 421, no


Oriente, os mesmos direitos dos quais desfrutava Roma no Ocidente.
Isso foi confirmado e ampliado no âmbito jurisdicional pelo cânon
28 do Concílio de Calcedônia, no ano de 451, apesar dos protestos
contrários por parte de Roma (ESTRADA, 2005, p. 454).

A disputa do poder da igreja entre Roma e Bizâncio só foi resolvida no Cisma do


Oriente, que estudaremos no próximo tópico. A partir de agora, veremos um resumo dos
principais pensadores cristãos do período da História Antiga.

8 OS PRINCIPAIS PENSADORES CRISTÃOS DA ANTIGUIDADE


Prezado acadêmico, fizemos até aqui um panorama geral dos quase quatro
primeiros séculos do cristianismo, período que, no campo da História, equivale à Idade
Antiga. O cristianismo, nessa época, teve alguns nomes relevantes. Homens que se
dispuseram a estudar e auxiliar a igreja nascente na consolidação de sua doutrina.

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Abordaremos, agora, de forma breve, os principais pensadores dessa fase
do cristianismo. Nosso intuito, aqui, é apresentar um cenário panorâmico desses
pensadores e teólogos. Devemos fazer uma ressalva importe quanto às datas de
nascimento desses eruditos. Por vezes, são datas aproximadas, pois, nem sempre os
historiadores conseguiam ter certeza do ano exato do nascimento. Esperamos que sua
curiosidade seja aguçada a procurar outras leituras desses personagens.

Um dos nomes de grande impacto no século IV foi Atanásio (296-373). Ele foi um dos
grandes divergentes das ideias arianas no Concílio de Nicéia (HURLBUT, 2007). O arianismo,
como estudamos, estava no centro dos debates do cristianismo nesse momento. Nascido
em Alexandria, conhecia o grego e era um estudioso da Bíblia. Um dos legados de Atanásio
foi na questão educacional. Ele foi enfático em defender que a educação fosse baseada nos
valores cristãos e não dos pagãos, como nos explicam Mello e Silva:

Essa proposta formativa, que tinha como fundamento a busca pelas


verdades cristãs, representava uma nova concepção da natureza
humana: o homem é imagem de Deus. Diferente dos gregos e
romanos, cuja concepção estava fundamentada na capacidade
racional de entendimento e na participação do indivíduo na vida
política, os cristãos compreenderam o homem a partir de uma
nova cidadania, a celeste. Os esforços por eles realizados tinham o
propósito de ajustar a vida segundo a crença na salvação, por isso,
propuseram uma educação que os preparassem para essa finalidade
(MELLO; SILVA, 2012, p. 14).

Foi exilado algumas vezes e, mesmo assim, teve uma vasta produção literária.
Foi um ferrenho opositor dos cultos pagãos, principalmente dos sacrifícios. Ele defendia
que os homens eram iguais e que não deveriam ter apegos materiais, valorizando o
espírito ao invés do corpo.

Em sua obra ‘Contra os pagãos’, Atanásio atacou as práticas considera-


das pagãs, tais como a idolatria e os sacrifícios, que ainda permaneciam
vivas em sua época. Para o pensador cristão, era necessário mostrar
aos adeptos desses cultos, a superficialidade e as contradições de suas
crenças. Ele parece acreditar que as crenças se originavam em parte
na ignorância humana e em parte no desconhecimento dos chamados
textos sagrados (MELLO; SILVA, 2012, p. 2).

Segundo Atanásio, os seres humanos estavam longe de Deus porque se


detinham em buscar os prazeres. Essa busca desenfreada trazia sofrimento, porém,
ao buscar o conhecimento de Cristo, a questão dos prazeres seria resolvida. Por isso,
ele propôs mudanças na formação educacional, em que os cristãos “rejeitaram a
especulação filosófica do paganismo e afirmaram a fé em Cristo e a observância de seus
mandamentos” (MELLO; SILVA, 2012).

Um outro clérigo importante nesse contexto foi Ambrósio de Milão (340-


397). Proveniente de Augusta dos Tréveros, atual território alemão que, na época, era
dominado por Roma, Ambrósio de Milão foi professor de Agostinho de Hipona. De família
nobre, recebeu uma boa educação das letras e educação religiosa. Seguiu os passos do
23
pai, tornando-se um funcionário imperial. Foi eleito bispo antes mesmo de ser batizado,
o que, segundo o Concílio de Niceia, não era mais permitido. Depois de batizado, assumiu
a igreja de Milão. Foi uma figura que teve destaque não somente no campo teológico,
mas também na política (COELHO, 2020). Vejamos o que diz a professora Pohlmann a
respeito do papel de Ambrósio no tocante à relação Estado e Igreja:

Logo, ao elaborar teorias para amparar o governo imperial, Ambrósio


participava ativamente da vida política romana. Postura que
aproximava o bispo da cidade de Milão do líder político dos romanos, o
imperador. Sendo assim, notamos que a vida religiosa de um homem
conhecido como um dos ‘Pais da Igreja’ ocidental estava fortemente
entrelaçada a sua atuação política (POHLMANN, 2013, p. 52).

Usando desse vínculo com o Estado, Ambrósio procurou combater as ideias


arianas. Ele se via constantemente em conflito com os seguidores dessa doutrina. Ele
era um defensor da teologia praticada em Niceia e foi responsável por vários escritos
importantes para a Igreja.

Abordaremos, agora, a vida de João Crisóstomo (345-407), que ficou conhecido


como grande orador e chegou a ser bispo de Constantinopla, todavia, acabou em exílio
(HURLBUT, 2007). Admirador da vida monástica, era muito crítico quanto ao modo de
vida dos clérigos que fugissem do rigor moral que ele considerava digno para um cristão.
Por causa disso, foi acusado de “exigir dos seus sacerdotes uma disciplina severa e que
frequentemente os acusava de corrupção e incompetência, tendo, inclusive, expulsado
muitos das fileiras da ecclesia” (SILVA, 2010, p. 117).

Outro ponto de destaque na vida de Crisóstomo foi a preocupação com os doentes,


tendo construído hospitais, além de ter diminuído os gastos com a casa episcopal e
acabado, também, com os banquetes eclesiásticos (SILVA, 2010). Apesar disso, questões
políticas entre Crisóstomo e a imperatriz Eudóxia levaram-no a ser exilado.

Seguindo a lista dos eruditos cristãos, não podemos deixar de falar de Jerônimo
de Estridão (340-420). Considerado um dos maiores letrados da Igreja de seu tempo,
tinha uma paixão pela vida ascética, por isso, passou boa parte da sua vida em um
monastério. Seu maior feito “foi a tradução da Bíblia para o latim, obra que ficou
conhecida como Vulgata Latina, isto é, a Bíblia autorizada pela igreja católica romana”
(HURLBUT, 2007, p. 117). Foi, também, fundador de monastérios femininos e masculinos.

A erudição do monge Jerônimo chamou atenção das autoridades


eclesiásticas do Ocidente do Império. Com isso, novamente Jerônimo
se aproximou da cidade de Roma na busca de apoio de líderes
cristãos e de um público-alvo para poder exercer seus trabalhos
como monge e asceta. Destarte, na década dos anos 380, o bispo
de Roma, Dâmaso, convidou o monge Jerônimo para auxiliar em um
Sínodo na cidade de Roma e para trabalhos junto ao entendimento
mais aprofundado das escrituras (COELHO, 2019, p. 7).

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Jerônimo, quando foi residir em Roma, passou a ter ajuda de mulheres cristãs,
que, inclusive, cediam suas casas para debates teológicos. Graças a esse auxílio
financeiro, ele conseguiu implementar monastérios, nos quais muitas dessas mulheres
ingressaram e doaram seus bens para caridade (COELHO, 2019).

Da mesma forma que Agostinho, Jerônimo combateu o pelagianismo,


principalmente em seu escrito Dialogus Adversus Pelagianus. Eles chegaram a trocar
cartas sobre as ideias pelagianas, e, em suas discussões concluíram que tais ideias não
poderiam fazer parte da ortodoxia cristã (COELHO, 2019).

Para finalizar nossa lista dos principais eruditos cristãos da antiguidade, vamos
falar de Agostinho de Hipona (354-430), provavelmente o nome mais conhecido dessa
lista. Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, e se converteu ainda jovem,
por influência de sua mãe. Exímio escritor, foi o autor de diversos livros, entre eles
Confissões, texto em que fala de sua vida antes da conversão. Foi bispo no Norte da
África, em Hipona, e seu legado filosófico transcendeu a Idade Antiga, influenciando o
mundo Medieval depois dele (HURLBUT, 2007).

Antes de sua conversão, Agostinho adotou as ideias do maniqueísmo, que


frisava a concepção do bem e do mal. Pela influência da pregação do bispo Ambrósio,
aceitou o cristianismo e foi batizado em Milão. Ele passou a ser bispo em Hipona e
sempre procurou se posicionar nas questões referentes às heresias (SHELLEY, 2004).

Um dos debates que Agostinho se envolveu foi sobre a heresia donatista, a qual
já estudamos. Ele divergia dos donatistas, pois, diferente deles, acreditava que até “[...]
o dia do julgamento, [...] a igreja deveria ser uma multidão mista. Tanto pessoas boas
como más nela se encontram. Para apoiar sua ideia, citava a parábola de Jesus sobre o
joio e o trigo [...]” (SHELLEY, 2004, p. 145). Para os donatistas, a igreja teria que ser santa
e bastante disciplinada, principalmente os que a lideravam. Além disso, Agostinho não
concordava com as ideias donatistas referentes aos sacramentos, segundo as quais,
estes, quando empregados por sacerdotes indignos, não teriam efeito. Já Agostinho
defendia que os sacramentos teriam poder, porque este viria de Deus (SHELLEY, 2004).

Outra heresia que teve a atenção de Agostinho foi o pelagianismo. Como já


estudamos, Pelágio se opôs à concepção católica de pecado original, alegando que
quase todos indivíduos pecam, porém, é possível que haja pessoas sem pecado
(SHELLEY, 2004). Tais posturas eram criticadas veementemente por Agostinho, pois:

Na visão de Agostinho, o pecado de Adão teve enormes consequências.


Seu poder de agir corretamente se perdera. Em resumo, ele morrera
espiritualmente – e, portanto, fisicamente. Mas ele não estava sozinho
em sua ruína. Agostinho acreditava que toda a raça humana estava
‘em Adão’ e compartilhava seu pecado. A humanidade tornou-se
uma ‘massa de corrupção’, incapaz de qualquer ato bom (salvação).
Todo indivíduo, da primeira infância à idade avançada, não merece
nada além da condenação eterna (SHELLEY, 2004, p. 147).

25
Na concepção agostiniana, o ser humano não pode fazer nada de bom, porém,
isso ocorre em virtude da Graça de Deus que lhe foi concedida. Porém, essa Graça é
ofertada a alguns, por meio de Jesus, através do batismo (SHELLEY, 2004). Em virtude
disso, segundo Agostinho, nenhum ser humano, por seus próprios esforços, tem força
para ser salvo. A salvação, portanto, está condicionada à Graça de Deus.

Estimado acadêmico, nosso estudo até aqui procurou mostrar os principais


fatos e personagens da igreja cristã após a morte de Jesus Cristo. Você já deve ter
percebido que as mudanças ocorridas foram complexas, e que é importante que o
estudo transcenda este material. Busque outros textos acadêmicos para fortalecer seus
conhecimentos. Comece pelo tema que mais chamou sua atenção. Essa é uma parte
fundamental para o processo ensino-aprendizagem!

Nosso estudo procurou mostrar como o cristianismo se espalhou pelos domínios de


Roma; os principais conflitos foram ocasionados pelas diferenças em relação aos preceitos
dos judeus, fato que provocou o primeiro tipo de perseguição sofrida pelos cristãos. Além
disso, os cristãos também sofreram perseguição por parte do Império Romano, inclusive,
vários imperadores fizeram leis que dificultavam a existência do cristianismo. Nesse ínterim,
o cristianismo se fortalecia, se expandia e se consolidava, lutando contra os seus “inimigos”
internos, ou seja, as doutrinas que foram consideradas heréticas.

Para combater as heresias, a igreja atuou por meio de excomunhões, exílios e


concílios. Os movimentos heréticos não se extinguiram nesse período. No mundo medieval,
novas ideias surgiram e outras foram retomadas, mas isso estudaremos nos próximos
tópicos. Outro fator importante que estudamos foi a transição pela qual o cristianismo
passou, isto é, de uma religião párea, da sociedade romana, para uma religião oficial. Em
decorrência disso, ela passou a ser uma ferramenta estatal de controle e perseguição, não
só no mundo antigo, mas até no período moderno.

Por fim, conhecemos os principais representantes da igreja que foram considerados


eruditos e importantes para o desenvolvimento da doutrina e apologética cristã. Eles foram
os principais responsáveis por trazer a erudição para o meio da igreja cristã.

No próximo tópico, estudaremos as principais mudanças ocorridas no seio do


cristianismo, que o tornaram a principal religião da Europa. Veremos seus domínios na
cultura, arte, literatura, música e nos governos. Caro acadêmico, nossa jornada está
apenas começando. Ainda há muita história para ser conhecida. Sigamos nessa viagem!

ESTUDOS FUTUROS
No Tópico 2, estudaremos como o cristianismo se consolidou na Europa;
o início do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição e a primeira divisão do
cristianismo, que gerou a Igreja Ortodoxa.

26
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O cristianismo, passou por mudanças devido a contatos com povos de religiosidades


diferentes. Tais contatos trouxeram, por vezes, debates a respeito das principais
doutrinas que a igreja deveria seguir.

• O cânon bíblico (Antigo e Novo Testamento) antes de ser consolidado gerou uma
série de discursões sobre quais livros deveriam ser acrescentados aos livros judaicos.

• As principais ideias consideradas heréticas pela ortodoxia cristã, principalmente o


gnosticismo, arianismo, donatismo e o montanismo.

• As perseguições que os cristãos sofreram, primeiro pelos judeus, depois pelos romanos
e, posteriormente, a aliança feita com o Império Romano por meio dos Edito de Milão e de
Tessalônica, que mudou a história não só de Roma, como, posteriormente, da Europa.

• Os principais eruditos da igreja cristã do primeiro século: Atanásio, Ambrósio, João


Crisóstomo, Jerônimo e Agostinho de Hipona.

27
AUTOATIVIDADE
1 Os três primeiros séculos do cristianismo foram marcados por conflitos entre cristãos
e judeus, cristãos e pagãos e até mesmo entre os próprios cristãos. Somente no
século IV, no governo de Constantino foi que surgiu uma época de relativa paz aos
cristãos do império romano. Quanto a essa época, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Foi nessa época que o imperador Constantino convocou o Concílio de Niceia. Um


dos pontos trados nesse concílio foi o gnosticismo cristão. Foi nesse concílio que
o gnosticismo foi tratado com heresia.
b) ( ) O cristianismo permaneceu nas regiões de predominância judaica até o Edito de
Milão, pois era mais fácil a conversão de judeus do que de gentios e, assim, eles
evitavam as mortes pelos romanos.
c) ( ) As perseguições dos judeus aos cristãos acabaram depois da expulsão dos
judeus do império Romano. Sem a tutela do judaísmo, os cristãos passaram a ser
alvo do governo romano principalmente por causa do seu proselitismo feroz e por
não aceitarem realizar oferendas aos deuses pagãos e ao imperador.
d) ( ) O século IV foi o período de maior intensidade na perseguição aos cristãos, feitas
pelo Império Romano. Ela só veio ter fim no governo de Constantino, com o Edito
de Tessalônica.

2 Desde o século I, o cristianismo passou a ter dificuldades para consolidar sua doutrina.
Vários grupos começaram a surgir divulgando ideias que, para o cristianismo que se
considerava ortodoxo, foram consideradas heresias. Tendo em vista o que estudamos
das heresias na igreja cristã da Idade Antiga, analise as sentenças a seguir:

I- O Arianismo consistia na ideia de que os judeus não poderiam se tornar cristãos,


pois, eles condenaram Jesus a morte e continuaram perseguindo os cristãos.
II- O gnosticismo pregava que a Trindade não era coexistente e que o Deus Pai era
superior ao Filho e ao Espírito Santo.
III- As ideias gnósticas se espalharam entre os cristãos. Dentre outras coisas, eles
pregavam que Cristo não veio em corpo e que a gnose seria a salvação para a pessoa,
pois, esta “acordaria” do seu engano. Além disso, criam na ideia do Deus bom, no Novo
Testamento e Deus Mal, do Antigo testamento.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

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3 O século IV foi responsável por uma série de mudanças no cenário religioso do Império
Romano, tanto para os cristãos, quanto para os pagãos. Tendo em vista tal período,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O Concílio de Nicéia convocado por Constantino, decidiu que as igrejas de Antioquia,


Roma e Alexandria tinham supremacia decisória sobre as demais. Inclusive, a igreja
em Jerusalém deveria obediência a elas.
( ) Somente no século IV foi que o cristianismo deixou de ser perseguido no Império
Romano, em virtude do Edito de Milão que foi complementado posteriormente pelo
Edito de Tessalônica.
( ) No final do século IV, muitos grupos cristãos passam a aterrorizar comunidades
pagãs, inclusive incendiando sinagogas e destruindo templos pagãos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 O início do cristianismo e sua expansão se deu a base de disputas religiosas. Explique


os principais conflitos existentes entre os cristãos e os judeus e entre os cristãos e os
romanos nesse período.

5 Durante os três primeiros séculos da história do cristianismo, alguns nomes se


destacaram por terem sido responsáveis por ajudar a formar a doutrina católica e, por
lutarem contra as doutrinas heréticas. Um desses nomes foi Agostinho de Hipona.
Escreva sobre as doutrinas heréticas que ele combateu.

29
30
UNIDADE 1 TÓPICO 2 - O
CRISTIANISMO NO PERÍODO MEDIEVAL

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos, no Tópico 1, o desenvolvimento do cristianismo
na Antiguidade e, agora, daremos continuidade ao assunto apresentando os principais
fatos ocorridos na Idade Média. Vamos, primeiramente, entender o contexto histórico,
para depois adentrarmos propriamente na questão religiosa.

Roma foi a civilização no mundo Antigo que mais povos conseguiu conquistar.
Sua história nesse período foi marcada por três fases: monarquia, república e império.
Sua expansão teve início ainda ano período republicano, mas, foi no Império (27 a.C. - 476
d.C.) que ela mostrou mais enfaticamente seu poderio militar, pelo menos inicialmente.

No governo do imperador Teodósio (379-395), além do Edito de Tessalônica


que oficializou o cristianismo em todo Império, ele tomou outra decisão que acarretou
uma mudança drástica para Roma, que foi a divisão do Império entre seus dois filhos:
Arcádio, que ficou com o Império Romano do Oriente e Honório, com o Império Romano
do Ocidente. O primeiro teve sua capital em Constantinopla, gerando o que veio a ser
conhecido com Império Bizantino, e o segundo, em Ravena, depois em Milão.

Pouco tempo depois dessa divisão, a Roma Ocidental passou a sofrer ataques
dos povos bárbaros. O guerreiro Átila, o Huno, invadiu essa parte de Roma em 452. Com
o ataque, muitas pessoas fugiram. O papa Leão conseguiu convencê-lo a não invadir
Roma. O invasor saqueou as riquezas de Roma por cerca de quinze dias. Tudo o que
seus soldados capturaram, e que pertencia às igrejas, Átila mandou que fosse devolvido
(SHELLEY, 2004).

Posteriormente, Roma sofreu outro ataque. Em 455, os povos Vândalos


cercaram Roma. O imperador Maximus tentou fugir e foi morto. Com a desorganização
do exército romano, Genserico, rei dos vândalos, invadiu a Roma Ocidental sem muito
esforço. O papa Leão novamente interveio em favor de Roma e pediu ao rei rival para
que não incendiasse Roma. Novamente a cidade foi saqueada e pessoas foram levadas
como escravas (SHELLEY, 2004).

Notemos aqui que, apesar dos saques, o papa conseguiu fazer com que a vida dos
romanos fosse poupada, assim como a cidade. Somente em 476 é que Roma Ocidental
foi finalmente conquistada pelos povos germânicos. Muitos desses germânicos já eram
cristãos, porém pela vertente do arianismo, considerada herética.

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Com a invasão da Roma Ocidental, boa parte da população teve que fugir e pedir
abrigo fora da cidade de Roma. Foi o início de uma nova organização social, chamada de
feudalismo, que se espalhou por várias partes da Europa, devido às diversas conquistas
bárbaras. As relações sociais ficaram então envoltas no laço de suserania e vassalagem.

O suserano, ou senhor feudal, era o dono de terras que, em troca de favores,


doava um pedaço de sua terra ao vassalo. Além disso, havia os servos, que residiam e
trabalhavam no território do suserano em troca de serviços que deveriam prestar a ele.

Caro acadêmico, perceba que o cristianismo conseguiu sobreviver mesmo


depois da queda do Império Romano do Ocidente. O papa ficou mais forte e conseguiu
fazer aliança com os reinos. Assim, o cristianismo se propagou pela Europa. Agora você
deve estar se perguntando: e o cristianismo na parte Oriental? Pois bem, como a Roma
Oriental durou muito mais tempo que a Ocidental, o cristianismo lá se desenvolveu de
uma forma diferenciada. Esse será um dos assuntos que abordaremos a partir de então.

Acadêmico, no Subtópico 2, abordaremos a consolidação do poder papal; o


desenvolvimento e diferenças da igreja no Oriente e Ocidente, que levou ao Cisma do Oriente.
Estudaremos também o papel dos monastérios e das ordens religiosas em progresso; as
Cruzadas; a Inquisição e os principais pensadores cristãos medievais.

NOTA
Povos bárbaros era o modo como os romanos se referiam em relação
aos povos que viviam em suas fronteiras. Eram formados por sociedades
diferentes, dentre elas os Unos, Godos, Ostrogodos, Visigodos, Francos,
Anglos, Saxões, dentre outros.

2 O PODER PAPAL
Estimado acadêmico, a preponderância do papa sobre os demais bispos ocorreu
gradativamente. Essa questão foi um entrave para a igreja situada no Oriente, pois esta
não aceitava que o centro da cristandade fosse Roma apenas.

Como já vimos, Teodósio elevara o status de Constantinopla administrativamente


como de igual valor à Roma. Porém, nas questões religiosas, Roma procurava manter a
hegemonia. Esse embate foi intenso, pois, com a queda do Império Romano do Ocidente
em 476, Constantinopla reivindicava ainda mais a supremacia nos assuntos religiosos.

Estrada (2005) explica que foi nesse contexto que a “teologia de direitos”
se tornou vigente, formulando a primazia do papa sobre os patriarcas e os bispos.
Os patriarcas eram as autoridades máximas no cristianismo Oriental. O poder era

32
dividido entre cinco patriarcas que ficavam em regiões diferentes do Império.
Constantinopla tendia a diminuir as ordens do papa em seu território, priorizando as
decisões do patriarca.

O papa era visto por eles como uma figura de “honra e de autoridade moral”
(ESTRADA, 2005, p.455). O império romano fez uma série de intervenções no sentido de
resolver as questões da supremacia da igreja romana ou de Constantinopla, dentre elas:
Em 378, o imperador Graciano afirmou que as decisões da parte Ocidental caberiam
à igreja de Roma, e da parte Oriental, à igreja de Constantinopla. Porém, em 445, o
imperador Valentiano III, “imperador do Oriente, proclama em 445 a primazia do bispo de
Roma sobre a Igreja universal, enquanto seu colega Teodósio II, imperador do Oriente, só
o reconhece como patriarca do Ocidente e o adverte que não se misture nos assuntos
das Igrejas Orientais” (ESTRADA, 2005, p. 455).

Alguns concílios ocorreram para tentar dirimir esse problema, porém, não
chegaram a um acordo quanto à sucessão de Pedro. Com relação ao título, a expressão
“pontífice máximo” (ou sumo pontífice) foi usada pela primeira vez pelo papa Leão I
(ESTRADA, 2005). O mesmo papa ainda foi enfático ao afirmar que o cargo que ocupava
era herança de Pedro. Mais tarde, o papa “Gelásio I (492-496) afirmou que o papa tem
autoridade até sobre os concílios e proibiu qualquer apelação contra as decisões da
igreja de Roma” (ESTRADA, 2005, p. 458). Sobre a expressão “papa”, Shelley comenta

A palavra papa por si só não é crucial na criação da doutrina de


primazia papal. Originalmente, o título ‘papa’ expressava o cuidado
paternal de todos os bispos do rebanho. Começou a ser reservado
para o bispo de Roma apenas no século VI, muito depois da
reivindicação de primazia (SHELLEY, 2004, p. 153).

Com a cristianização dos povos bárbaros, o poder do papa foi se ampliando e


as alianças entre os reinos bárbaros e o cristianismo começaram a ocorrer. O apoio do
papa ao reinado de Pepino, o Breve, que era “prefeito de palácio” no reino Franco e deu
um golpe, proclamando-se rei franco e iniciando a dinastia dos Carolíngios, gerou um
fortalecimento para o papado em Roma. Em troca do apoio do papa, o rei concedeu
terras ao redor de Roma para a igreja.

Os carolíngios, sob o comando do filho de Pepino, Carlos Magno, defenderam a


igreja dos povos Lombardos, que, apesar de serem cristãos, tentavam pegar terras que
haviam sido dadas à igreja. Em agradecimento, o papa Leão III consagrou Carlos Magno
como Imperador do Ocidente. Com essa aliança, a igreja em Roma se fortaleceu sem
precisar recorrer ao Império Bizantino. Foi a partir desse apoio que começou.

[...] assim a época dos papas reis que tentaram ampliar seus
territórios, os quais até o século XVI foram chamados de ‘patrimônio
de são Pedro’. Os papas escreviam aos reis francos como se
fossem o próprio são Pedro que devesse ser defendido e protegido
(ESTRADA, 2005, p. 462).

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A partir do século IX, o poder papal estava consolidado. Eles “cunharam moedas
com a esfinge papal (desde 1048) e criaram uma chancelaria e corte pontifícia. Começaram
também a outorgar títulos nobres e a mudar de nome quando, em fins do século X, tomaram
posse do trono pontifício” (ESTRADA, 2005, p. 463). Com esse poder consolidado, o papa se
tornou a pessoa responsável, nas cerimônias, por colocar a coroa real nos reis e imperadores,
enquanto estes deveriam aderir a genuflexão diante do papa.

Progressivamente, a ideia do poder papal como o regente da igreja universal


foi consolidada. O bispo se tornou uma espécie de empregado papal e, inclusive, sua
nomeação dependia da vontade papal. Assim sendo, a igreja na Idade Média ganhou
uma formatação completamente diferente da igreja na Antiguidade.

3 A QUESTÃO ICONOCLASTA
Caros estudantes, como já dissemos, toda religião nasce em um determinado
contexto sociopolítico e, ao ser ampliada para diferentes culturas, ocorrem fusões e
justaposições de elementos, valores, enfim, ocorrem mudanças! Às vezes, algumas
estas não são aceitas por algumas pessoas que ocupam, no âmbito religioso, posições
de lideranças. Outras vezes, as mudanças são apoiadas e celebradas pelos líderes.

Uma das mudanças que ocorreram no cristianismo foi a adesão do uso de


imagens para representar mártires, Cristo, os apóstolos e outros personagens bíblicos.
A religião judaica se opôs ferozmente ao uso de imagens, e até hoje não as permite.
Vimos que, nos primeiros anos do cristianismo, esse exemplo de não aceitação do uso
de imagens foi seguido. Porém, com os novos contatos que o cristianismo foi tendo com
outros povos, as imagens foram sendo introduzidas nos cultos, não só imagens como
também relíquias, que seriam os objetos que haviam sido usados pelos apóstolos, santos
e até mesmo por Cristo. Foram atribuídas a essas relíquias, juntamente com as imagens,
poderes milagrosos como curas.

Agostinho de Hipona foi um dos que inicialmente se opuseram ao culto aos


mártires e ao comércio de relíquias. Porém, ele mudou de opinião, pois, segundo ele,
tinha visto os milagres operados pelas relíquias de Estevão, quando chegaram à Hipona
(ELIADE, 2011b).Mesmo assim, alguns bispos não concordavam com o uso de relíquias
e imagens, por considerarem que eram heranças do paganismo. Como nos apresenta
Eliade (2011b, p. 59), “O culto [das imagens e relíquias] alcança enorme popularidade no
século VI. No Império do Oriente, essa devoção excessiva torna-se às vezes embaraçosa
para as autoridades eclesiásticas”.

Com o passar do tempo, vários intelectuais foram se dedicando a compor uma


teologia que abarcasse o uso de tais símbolos no culto. Um dos principais argumentos é
de que elas tinham um caráter pedagógico, pois boa parte da população era analfabeta,
e o uso de tais símbolos como imagens, pinturas e ícones ajudava na compreensão

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dos feitos dos mártires e de Cristo (ELIADE, 2011b). Tais cultos se expandiram por toda
a cristandade, como explica Eliade: “Durante o reinado dos primeiros carolíngios (740-
840), grande número de santos e mártires romanos foi transportado para o Ocidente.
Presume-se que, por volta do final do século IX, todas as igrejas possuíam (ou deveriam
possuir) relíquias” (ELIADE, 2011b, p. 61).

Com a aceitação popular do uso de relíquias e imagens, outro aspecto


interessante foi a demanda por peregrinações aos cemitérios onde as pessoas
consideradas mártires e santas haviam sido enterradas. Seus túmulos se destacavam
dos demais e atraíam multidões. Assim, o anúncio de milagres em torno dessas figuras
ajudava a espalhar o costume de usá-las em cultos. Vejamos a explicação de Eliade:
“Os fiéis oravam, prosternavam-se diante dos ícones, beijavam-nos, levavam-nos para
desfilar por ocasião de certas cerimônias. Durante esse período, cresce o número das
imagens milagrosas – fonte de poder sobrenatural – que protegiam as cidades, palácios
e exércitos” (ELIADE, 2011b, p. 65).

Todavia, apesar da aclamação popular, o culto às imagens sofreu algumas


tentativas de proibição. Leão III, imperador no século VIII, não aceitava o uso de ícones
e imagens. Ele mandou que elas fossem retiradas das igrejas, o que levantou a fúria
popular. O governante afastou o patriarca que não aceitou seu comando e colocou
outro favorável à sua decisão (SHELLEY, 2004). O termo iconoclasta, então, passou a
referir aos que queriam destruir as imagens.

Outro golpe contra as imagens foi dado quando o imperador Constantino V proibiu
seu uso. Lembremos que era uma fase em que não havia separação entre o poder religioso
e o Estado. Segundo Eliade (2011b), o posicionamento de Constantino V foi referendado pelo
sínodo iconoclasta de Constantinopla no ano de 754.

Posteriormente, no sínodo de 815, o mesmo posicionamento foi mantido,


principalmente considerando errado representar Cristo. Entretanto, outros
representantes da igreja que não concordavam com essa postura iconoclasta passaram
a defender com ímpeto o uso das imagens. Afirmavam que a imagem era apenas uma
representação e não o Ser; que por Jesus ter se tornado homem, a ideia do Antigo
Testamento de não fazer representação foi rompida; que os ícones seriam recipientes
da energia divina, dentre outros argumentos (ELIADE, 2011b).

Porém, posteriormente, a adesão do cristianismo as imagens foi ganhando


força, como nos explica Shelley (2014):

O último período da controvérsia iconoclasta é longo e complicado.


Com a ajuda do patriarca Tarásio (784-806), o sétimo Concílio Geral de
350 bispos se reuniu em Nicéia em 787, e condenou todo o movimento
iconoclasta [...]. O iconoclasmo, contudo, não foi facilmente eliminado.
Fortes tendências iconoclastas permaneceram na Ásia Menor e entre
a classe militar. Mas, no decorrer do século XIX, o calor da controvérsia
foi diminuindo. Um sínodo convocado em 843 depôs João Gramático,

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elegeu Metódio patriarca, condenou todos os iconoclastas e confirmou
as disposições do sétimo concílio. As igrejas ortodoxas ainda hoje
celebram todos os anos, no primeiro domingo da Quaresma, a Festa da
Ortodoxia, comemorando o triunfo dos ícones (SHELLEY, 2014, p.169).

Caro acadêmico, até aqui, já vimos que muitas mudanças foram acontecendo
no cristianismo. Ocorreram vários debates, disputas para que a doutrina fosse formada
e posta em prática por todos. A questão das imagens foi novamente retomada na época
da Reforma Protestante.

4 O CISMA DO ORIENTE
Caro acadêmico, você já deve ter notado que as relações entre a igreja romana
do Oriente e do Ocidente eram carregadas de disputas e discordâncias sérias quanto
à forma de ser cristão. O principal ponto de embates era a questão da primazia papal.
Enquanto o Ocidente lutava para tornar a figura do papa mais imponente e importante,
a igreja Oriental colocava sua confiança nos patriarcas e olhava o papado do Ocidente
apenas como um cargo honroso, como já comentamos. Além disso, a questão cultural
também separava as duas realidades. Com o passar do tempo, o império Bizantino foi
moldando uma forma de ser católico que se diferenciava do modo Ocidental. Uma das
questões que destacaremos aqui se deu com relação aos ícones.

Nós já vimos que há várias diferenças entre a igreja cristã antiga, que estudamos
no primeiro capítulo, para a igreja medieval. Uma das diferenças está no uso das imagens
e ícones. A utilização dessa forma de acessório nas igrejas não foi uma decisão pacífica,
como já estudamos. Durante os primeiros séculos o uso de imagens não foi aceito no
seio cristão.

Porém, devido ao contato com diferentes culturas, teólogos, padres e as pessoas


em geral passaram a achar que era importante a utilização de imagens e ícones pelo
cristianismo, assim como faziam outras religiões. O cristianismo Ocidental acabou preferindo
o uso de imagens, tanto de mártires quanto de Cristo e dos apóstolos. Já a igreja Oriental
fazia uso dos ícones, que consiste em pinturas em alto relevo em suas igrejas.

36
FIGURA 1 – ÍCONE BIZANTINO NA TRANSYLVANIA, ROMÊNIA

FONTE: <https://shutr.bz/3Cb2XV8>. Acesso em: 29 mar. 2021.

O cristianismo Oriental, atualmente, compreende quinze igrejas diferentes,


concentradas em sua maioria no Leste da Europa (SHELLEY, 2004). Cada uma tem um
patriarca responsável por uma determinada área. Elas se diferem pela forma da missa e
cultura. Uma das características que as unem é a importância que elas dão aos ícones.
E o que seriam os ícones? Eles se diferem das imagens e estatuetas que encontramos
na maioria das igrejas católicas brasileiras. Os ícones, segundo Shelley, são:

[...] caracterizados pela auréola dourada em cima de sua cabeça. Eles


são fundamentais para se entender a ortodoxia. O crente ortodoxo
que entra em sua igreja para assistir a um serviço, por exemplo, vai
primeiro ao iconostasis, a parede de quadros que separa o santuário
da nave. Lá, ele beija os ícones antes de tomar acento em meio à
congregação (SHELLEY, 2004, p. 162).

Vemos como os ícones são fundamentais para os ritos em uma igreja Oriental.
Nessa perspectiva, assim como os seres humanos são a imagem de Deus, o homem
teria, então, o ícone de Deus nele (SHELLEY, 2004). A ideia Ocidental é de que a imagem
de Cristo, que foi o homem perfeito, seja restaurada entre os homens, por meio da
igreja, que é invisível. Nisso, a teologia do Oriente se difere da do Ocidente, pois, para a
igreja romana, quando um fiel comete um pecado, ele faz as devidas penitências que o
padre, na confissão, lhe orienta, e completa sua “sentença” pagando no purgatório, até
alcançar a salvação (SHELLEY, 2004).

Outra diferença importante entre as duas igrejas diz respeito ao posicionamento


do imperador Constantino e sua conversão. Para os ocidentais, ele fora um marco
extremamente positivo, pois o cristianismo deixou de ser perseguido e se aliou ao
Estado. Já para os orientais, essa aliança com o Estado não trouxe benefícios, pois a
religião não era mais livre dogmaticamente como no mundo Antigo, tendo que fazer
alianças e barganhas com os imperadores (SHELLEY, 2004).

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Com a mudança da capital de Roma para Constantinopla, a igreja lá instalada
passou a conceber que, assim como Jerusalém havia deixado de ser o centro do
cristianismo, passando a ser Roma, agora, Roma deixara de ser o centro religioso,
passando a ser Constantinopla. Era assim que a igreja Oriental se via no contexto cristão
(SHELLEY, 2004).

Em Bizâncio, no governo de Justiniano (527-565), uma mudança importante


ocorreu. Ele outorgou para si o título de cesaropapista, ou seja, ele possuía o poder de
“césar”, imperador e de “papa”, em claro embate com a igreja Ocidental. Ele impulsionou a
arte bizantina, de uma forma que se afastava dos modelos Ocidentais. Segundo Shelley
(2004, p. 166), Justiniano “definia a missão do pio imperador como a ‘manutenção da
fé cristã em sua pureza e a proteção da Sagrada Igreja Católica e Apostólica contra
qualquer perturbação’”.

O rompimento definitivo entre a igreja Ocidental, também conhecida como


a parte latina, e a Oriental, conhecida como grega, só ocorreu em 1054, quando o
mensageiro do papa deu a excomunhão para o patriarca de Constantinopla. Em
retaliação, o patriarca também expediu a excomunhão para o papa (HURLBUT, 2007).
Portanto, esse episódio marcou a ruptura que ficou conhecida como o “Cisma do
Oriente”, surgindo então a Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma e a
Igreja Ortodoxa, com sede em Bizâncio.

5 OS MONASTÉRIOS: A FUGA DO MUNDO


Os monastérios cristãos tiveram origem no final da Idade Antiga e se
consolidaram como uma prática cristã na Idade Média. A figura do eremita, ou seja,
aquele que vivia uma vida acética, em busca de uma vida separada do mundo
cotidiano, geralmente retirando-se em direção ao deserto, surgiu principalmente no
Egito, (SHELLEY, 2004). Para a tradição cristã, Antônio, nascido por volta de 250, é
considerado o primeiro monge, que “aos 20 anos de idade, distribuiu seus bens e logo
passou a viver solitariamente em uma sepultura” (SHELLEY, 2004, p. 133). Após ele,
outros seguiram seu exemplo em diversas partes.

A partir disso, mudanças aconteceram e, “por volta do ano 320, um ex-soldado


chamado Pacômio instituiu o primeiro monastério cristão (SHELLEY, 2004, p. 134). A
ideia era fazer reunir os que sentissem tal vocação e, assim, pudessem viver juntos.

Pacômio foi responsável por estabelecer um regramento para os monges, com


muita oração, trabalho e disciplina, além disso, todos deveriam se vestir da mesma forma
(SHELLEY, 2004). Tal estilo de vida monástica ficou conhecido como cenobitismo. Essa
nova forma de ascetismo propiciou que as mulheres também optassem por essa forma de
vivenciar o cristianismo. Segundo Shelley (2004), foi a partir daí que o cristianismo em geral
viu a vida monástica como algo moderado, e não com a radicalidade dos primeiros ascetas.

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Para ingressarem nesse estilo de vida, os monges deveriam fazer os votos de
“pobreza, castidade e obediência” (SHELLEY, 2004, p. 135). A ideia era se separar da
família, dos amigos, do conforto, para poder se conectar a Deus, em um autoexílio,
tendo em vista usar de meios que a cristandade em geral não usaria, como o autoflagelo
(GOMES, 2001, p. 87).

Outro personagem importante para mudanças na forma de vida nos


monastérios foi Benedito, que, em 529, fundou a ordem dos Beneditinos. Ele foi
responsável por fazer um sistema de regras que ficou famoso por vários monastérios
na Europa. A ideia dele era trazer a disciplina e mudar a forma com que alguns monges
eram vistos, de maneira indigna (SHELLEY, 2004). Quem liderava o monastério era o
abade e todos deviam-lhe obediência.

O monastério beneditino que fosse sincero no cumprimento dos


propósitos de seu fundador era um ‘pequeno mundo m si mesmo, em
que os monges viviam uma vida intensa, mas não sobrecarregada,
que compreendia cultos, trabalho intenso na oficina e no campo,
e leitura séria’. Cada monastério beneditino, portanto, incluía uma
biblioteca; e apesar do próprio Benedito não ter se pronunciado a
respeito dos clássicos, os monges beneditinos copiaram e leram as
mais importantes obras da literatura da Antiguidade Latina. Devemos
a eles a preservação das obras dos fundadores da igreja latina e as
obras primas da literatura romana (SHELLEY, 2004, p. 138).

Foi nos monastérios que a cultura literária no medievo foi conservada. Os


monges foram responsáveis por guardar, preservar e copiar os textos da Antiguidade.
Os scriptorium eram verdadeiras bibliotecas usadas pelos monges copistas. Também
foram os monges responsáveis por criar a notação musical, por meio de regras rígidas.
Se hoje podemos conhecer a música a partir da Idade Média, devemos agradecer ao
trabalho dos monges medievais.

Segundo Estrada (2005), entre os séculos VIII e IX, os monastérios eram


concedidos como feudos, e os serviços feudais eram cobrados. Aos poucos, o papado
foi conseguindo doações de terras, o que fez com que os monastérios ficassem livres
da dependência feudal.

Outra ordem religiosa criada no período medieval, que serviu para melhorar
a questão da disciplina beneditina, foi a dos cistercienses (1098). Seu criador foi
São Roberto e dedicou-se, sobretudo, às artes e às cópias de manuscritos antigos
(HURLBUT, 2007). Além dela, os franciscanos, ordem fundada por Francisco de Assis em
1209, teve bastante relevância no cenário medieval (HURLBUT, 2007). Por pregar que
a igreja deveria ser pobre, ela esteve, inclusive, sob a mira papal, porém, conseguiu se
firmar na igreja. Foi uma ordem que se propagou rapidamente pela Europa. Sua ênfase
maior era o cuidado com os outros, principalmente com os pobres.

39
Em 1215, foi erigida a ordem dos dominicanos, que teve como fundador São
Domingos. Tanto os franciscanos quanto os beneditinos ficaram conhecidos como
ordens mendicantes, pois seu sustento vinha de esmolas que lhes eram dadas. Além
disso, ambas as ordens não se rendiam à vida reclusa dos monastérios, mas sim
andavam à procura de converter pessoas e de enfrentar o que a igreja considerava
heresia (HURLBUT, 2007).

NOTA
Foi no período Medieval que surgiram as Universidades. Inicialmente
vinculadas às igrejas cristãs, sua base de ensino era o latim, grego, filosofia,
teologia e música.

6 A REFORMA MONÁSTICA E A REFORMA GREGORIANA


Caro acadêmico, como vimos anteriormente, a igreja enfrentava um problema,
pois os senhores feudais acabavam exercendo influências sobre os monastérios, já que
muitos deles eram parte dos feudos. Além disso, as lutas entre império e o papado eram
intensas, pois, segundo Estrada (2005), o papa era subserviente ao imperador pelos laços
da suserania e vassalagem. Porém, o papa possuía a maior parte da Itália, o que gerava
confrontos diretos entre os poderes religioso e civil. O principal problema ocorria porque
o imperador queria interferir nas questões religiosas, inclusive na sucessão papal, na
indicação dos bispos, entre outras questões. Assim, tanto os monges quanto o papado
procuraram meios para se livrar da subserviência do imperador e dos senhores feudais.

Em 910, a ordem dos Beneditinos de Cluny, cidade francesa, começou a


questionar a subserviência da igreja aos leigos, como os imperadores e senhores feudais.
Eles acreditavam que deveriam ser subservientes somente ao papado. Eles desejavam

[...] a abolição da simonia, a compra ou venda de ofício religioso [...].


Certas 300 casas cluníacas foram libertadas do controle leigo e, em
1059, o próprio papado despediu-se da interferência secular com
a criação do Colégio dos Cardeais, que, daquela época em diante,
passou a eleger os papas (SHELLEY, 2004, p. 203).

Com essa decisão sobre a eleição papal, a interferência do imperador nesse quesito
foi abolida. No século XI, subiu ao papado Gregório VII (1073-1085), e ele foi responsável
por dar continuidade às mudanças na igreja, as quais ficaram conhecidas como a “reforma
gregoriana”. Com relação às mudanças, Estrada sintetiza:

O papa é o único a ter o direito de usar insígnias imperiais, de que lhe


beijem os pés todos os príncipes, de depor imperadores e de desligar
o juramento de fidelidade dos súditos dos maus príncipes. Á sede de
São Pedro foram submetidos todo principado e todo poder do mundo

40
inteiro. Consequentemente, Gregório VII depôs e excomungou o
imperador, fomentou os vínculos de vassalagem de numerosos
reinos com Roma, dentre eles o da Espanha e proibiu que qualquer
cargo eclesiástico fosse outorgado por um leigo [...] O papa não pode
ser julgado por ninguém, ninguém pode apelar de suas decisões e os
assuntos importantes de cada igreja devem ser apresentados a ele,
pois a igreja romana nunca errou e, segundo a Escritura, nunca irá se
equivocar (ESTRADA, 2005, p. 476-478).

Perceba, acadêmico, que a igreja pretendia, cada vez mais, influenciar os reinos
e não ser influenciada. Essas reformas promovidas pelo papa Gregório VII ajudaram a
consolidar o poder religioso na parte Ocidental da Europa. A partir disso, a igreja ficou
mais forte para negociar com os futuros reis alianças nas quais ela se beneficiaria e,
em contrapartida, ajudaria a sustentar o poder real perante o povo, ou seja, “a ordem,
a justiça e a submissão a Deus passava pela obediência ao papa, que transformou em
critério eclesiológico absoluto” (ESTRADA, 2005, p. 478). A ideia de Gregório VII era que
toda a cristandade estivesse sob os auspícios do papa, pois, segundo ele, o poder papal
era superior aos dos reis e imperadores (SHELLEY, 2004). Em 1122, um documento
importante resolveu a questão entre imperadores e o papa, foi a Concordata de Worms.
Agora, “a igreja mantinha o direito de eleger a autoridade de um ofício eclesiástico, mas
apenas na presença do imperador ou de seu representante” (SHELLEY, 2004, p. 204). A
Igreja e o Estado buscaram andar juntos, tentando resolver seus atritos, para que ambos
os poderes fossem aceitos e obedecidos pelos súditos.

Então, caro acadêmico, a hierarquia e a força que o papa possui hoje no


segmento do catolicismo romano foram obtidas em um longo processo de negociações,
entraves e discordâncias. Abordaremos, ainda, nos próximos subtópicos, outros conflitos
de reinos que não aceitaram o domínio de Roma em suas questões religiosas. Vemos,
com isso, que a autoridade papal foi, durante muitos anos, contestada. Porém, ela se
manteve firme e é aceita atualmente de uma forma mais pacífica dentro do catolicismo.
Outro ponto importante que devemos chamar a atenção aqui é a relação entre Igreja e
Estado. Na atualidade da cultura Ocidental, os países primam pela democracia e pelo
Estado laico, que seria a separação entre religião e governo. Porém, no período Medieval,
não existiam tais ideias. Os poderes temporal e religioso viviam de desentendimentos,
disputas e alianças. O processo da tentativa de separar religião e Estado só começou a
acontecer a partir da Revolução Francesa, que estudaremos no terceiro tópico.

NOTA
Há muitos filmes ambientados no mundo Medieval. Assista ao filme Irmão
sol, irmã lua, de Franco Zeffirelli, o qual conta a história dos primeiros anos
da vida de São Francisco de Assis.

41
7 A MÚSICA NA IGREJA
Os ritos em vigor na Igreja Romana foram se constituindo no decorrer dos séculos.
Em sua construção, encontramos a colaboração de várias culturas, notadamente a judaica
e a greco-romana. Aos poucos, a maneira própria de se celebrar foi se cristalizando. Com
o passar do tempo, a Igreja passou a apresentar os ritos aprovados, publicados em livros
sob sua autoridade, já mesmo nos primeiros séculos do cristianismo.

FIGURA 2 – EXEMPLO DE CANTOCHÃO

FONTE: <https://shutr.bz/3CbC4Qy>. Acesso em: 29 de mar. 2021

Na Figura 2, temos um exemplo de partitura de canto gregoriano, também


chamado de cantochão, ou “canto do chão”, por apresentar somente uma linha melódica.
É interessante notar a presença do latim, que é a língua oficial da igreja católica ainda na
atualidade. Outro elemento que chama a atenção é a iluminura. Esse tipo de ilustração
era muito comum nos monastérios. Percebemos, também, a forma da escrita musical
que deu origem à partitura atual.

O canto gregoriano foi, durante muito tempo, considerado o canto oficial da


Igreja Católica. Em sua composição havia um arcabouço teológico, pois ele não estava
na missa apenas para deixá-la mais bonita. O canto litúrgico é parte constitutiva do
próprio rito celebrado. Dessa forma, podemos dizer que, no espírito litúrgico da Igreja
Católica, não se canta “na” Missa, e sim “a” Missa.

Segundo Henry Raynor (1986), na história da música no início da Europa cristã


a Igreja aparece como protagonista. A notação musical, inclusive, passou a ser criada
nos mosteiros devido à importância que a música exercia nas missas. Houve, portanto,
a necessidade de criar métodos de unificação do canto para que pudesse ser entoado
42
corretamente por todos. Os cânticos faziam parte do culto cristão desde os primórdios
do cristianismo. Eles se desenvolveram até tomar a forma de uma espécie de melodia
chamada cantochão. Santo Ambrósio (339-378) ajudou a elaborar uma série de regras
para manter um estilo adequado ao canto de hinos sacros. A música que obedece a essas
regras é chamada “Canto Ambrosiano". Foi a primeira forma sistematizada do cantochão.

O Cantochão é um tipo de música vocal, exclusivamente eclesiástica, executada por


coros masculinos em uníssono ou em solo, sem acompanhamento instrumental, durante a
celebração de cerimônias religiosas católicas. É uma música de entonações, sem compasso
ou harmonia definidos. Sua fase de apogeu foi na alta Idade Média. O papa Gregório I, o
Grande (540-604), fez do cantochão o canto oficial da igreja romana (canto Gregoriano),
sendo praticado até hoje em algumas igrejas. A partir de então, o padrão da missa romana
tornou-se o modelo da Europa. Em primeiro lugar, ele é um canto em uníssono. Isso era
extremamente importante, pois havia uma necessidade de passar a ideia da unidade da
igreja católica representando o corpo de Cristo na terra. O canto deveria ser entoado por
todos para manifestar não a voz de um crente individual, mas de toda a igreja. Segundo
Raynor (1986, p. 27), “a música deveria ser a voz de uma igreja universal”.

O canto era visto como um elemento de purificação da alma e sua elevação. Ele
deveria representar o louvor a Deus e estar isento de tudo que pudesse despertar os
sentidos e as paixões humanas. A música herdada dos gregos e hebreus foi modificada e
simplificada, tirando os instrumentos, tornando-se monódica.

A igreja tendia a ver os instrumentos musicais como concernentes a


cultura pagã e por tanto, não poderiam fazer parte dos ritos cristãos.
A voz humana era o único instrumento capaz de louvar a Deus. [...]
A igreja romana não era hostil apenas ao uso de instrumentos na
igreja; era hostil a todo instrumento musical; procurava destruir toda
a geração de artistas ambulantes que divertiam o público e tudo fez
para impedir a música e danças seculares. Tentava impor um novo
modo de vida a um mundo pagão e não podia poupar esforços para
destruir o que restasse do passado (RAYNOR, 1986, p. 34).

Ao longo da Idade Média, a Igreja Católica lutou de todas as formas para


combater as ideias religiosas que iam de encontro às suas doutrinas, para que, assim,
pudesse se tornar hegemônica, principalmente no mundo europeu. A sua influência se
estendeu a áreas como arquitetura, pintura, escultura, música e em todos os espaços
do cotidiano. Para que o cristianismo católico obtivesse uma adesão da população, era
de fundamental importância que ele estivesse presente nas mais diversas áreas que
abrangem a vida do homem.

Devido à expansão do cristianismo, várias pessoas que passavam a fazer parte


dessa religião traziam para dentro da igreja costumes “mundanos”, que iam de encontro
aos ideais católicos. Era muito fácil para um fiel religioso entrar em contato com os cantos
profanos, porque estes faziam parte das festas em família, dos banquetes, sempre acom-
panhado por muitos instrumentos musicais. Com frequência, os padres atacavam essas
festas e suas músicas, pois as declaravam cheias de promiscuidade e falta de moralidade.

43
Danças, coros, cantos pagãos, palavras desonestas, excesso de
orgias de toda a natureza, seduções diabólicas de todo o gênero: daí
vos conta do que estas bodas estão compostas. [...] São Crisóstomo
repetirá que, enquanto estão cantando cantos imorais, o demônio
é celebrado nos teatros; frequentemente os designará como cantos
satânicos. Deste modo, a renúncia ao diabo e a todas as suas obras,
que o cristão promete na fonte batismal, deve incluir também a
renúncia a estes espetáculos e cantos (BASURKO, 2005, p. 121 e 128).

Outro fator relacionado à música dessa época e que não devemos desprezar é o
afastamento da mulher no meio musical da igreja. Era também uma forma de oposição
ao estilo de festas pagãs, nas quais o coro feminino era bastante explorado, vejamos:
“Decreta-se que as mulheres não devem falar na igreja nem sequer em voz baixa nem
devem cantar sozinhas nem tomar parte das respostas, mas estarão em silêncio, orando
a Deus” (BASURKO, 2005, p. 55). A mulher, na concepção católica, não poderia ocupar
espaço algum no rito da missa.

A preocupação em manter a “pureza” do culto pelos padres medievais não


existia apenas nos valores externos dos cantos considerados profanos, mas também
no modo de cantar dentro da igreja. O canto daria prazer aos fiéis, porém, era necessário
que o foco do culto não fosse desvirtuado pelos deleites carnais.

Caro acadêmico, percebemos que, no mundo medieval, o canto deveria ser posto
como uma maneira de adoração a Deus e, portanto, houve toda uma forma de explicação
de como esse canto deveria acontecer. Deveria estar afastado de valores “mundanos”, pois
a música, assim como outros tipos de arte utilizados pela igreja medieval, deveria ser o canal
para adoração e não simplesmente para a contemplação.

DICA
Para se ambientar ao mundo medieval, nada melhor que ouvir alguns
cantos gregorianos. Para ouvi-los, acesse os seguintes links:
https://youtu.be/wcCcUEYzGyo.
https://youtu.be/krWODCyGz1Q.
https://www.youtube.com/watch?v=aqsIq2jSvE0.

8 AS CRUZADAS
Caro acadêmico, você já deve ter ouvido falar no movimento das cruzadas, que
foi um verdadeiro levante da cristandade contra o avanço do islã na região de Jerusalém.
O islamismo é uma religião fundada por Maomé na região da Arábia, no século VI, e,
devido ao seu caráter altamente proselitista, passou a empreender uma verdadeira
jornada rumo à islamização dos povos.

44
O cristianismo, que também tinha um caráter proselitista, entrou em conflito
algumas vezes com o islamismo, na tentativa de levar cada qual a sua religião a ser
aceita. Um desses conflitos ocorreu por cerca de duzentos anos e ficou conhecido como
Cruzadas, um termo que fazia referência às cruzes que os combatentes cristãos levavam,
como uma lembrança a ordem de Cristo de carregar a sua cruz.

Eliade (2011b) observa que esse movimento teve um caráter escatológico,


tendo em vista que, por ser Jerusalém considerada cidade santa que Cristo restauraria
e chamaria de Nova Jerusalém, ela deveria permanecer sob o domínio cristão até que
o Messias retornasse. O autor também retoma a ideia dos iluministas Hume e Voltaire
que caracterizaram esse movimento como “fanatismo e loucura” (ELIADE, 2011b, p. 95).

As cruzadas tiveram início em 1095, quando o papa Urbano II ordenou que os


cristãos pegassem em armas e lutassem contra os “invasores” de Jerusalém, cidade
considerada santa para os cristãos, pois foi onde Jesus Cristo passou boa parte de
sua vida. Foram sete movimentos cruzadísticos oficiais, porém, por vezes, houve
movimentações populares para lutar em Jerusalém.

Antes mesmo que a primeira cruzada estivesse saindo rumo ao encontro dos
islâmicos, um grupo de cerca de quarenta mil pessoas, liderados por um monge, Pedro, o
Eremita, se dirigiu ao oriente na tentativa de combater os “infiéis”. Porém, com uma população
sem vínculos militares, a catástrofe foi inevitável, fazendo com que muitos dos cristãos fossem
mortos ou vendidos como escravos (HURLBUT, 2007).

Segundo Hurlbut (2007), a primeira cruzada oficial foi a mais exitosa das
sete. Além de realizar massacres entre os judeus no Reno (ELIADE, 2011b), com
cerca de 275 mil guerreiros europeus, conseguiu conquistar Jerusalém, em 1099,
quando foi estabelecido um governo no estilo feudal. O reino implantado ali não
subsistiu durante muito tempo, e uma das causas foi a distância do mundo europeu
e o cerco dos sarracenos.

Outra cruzada aconteceu entre 1147 e 1149, pois as notícias eram de que os
sarracenos estavam ameaçando conquistar Jerusalém e que já tinham conseguido
dominar cidades próximas. Os intentos dos cruzados não foram alcançados, porém,
eles conseguiram adiar um pouco o domínio de Jerusalém (HURLBUT, 2007). A
terceira cruzada contou com a liderança de imperadores importantes, mas não teve
grandes conquistas.

Já a quarta cruzada tomou um rumo bem diferente, pois os cruzados se dirigiram


para Constantinopla e tomaram a cidade. Cabe lembrar que, a essa altura, já havia
ocorrido a divisão do cristianismo e a região de Constantinopla não era pertencente ao
catolicismo romano. Segundo Eliade (2011b, p. 97),

45
[...] os cruzados, em vez de tomarem o rumo da Terra Santa, ocuparam
Constantinopla, trucidaram parte da população e saquearam
os tesouros da cidade. O rei Balduíno de Flandres é proclamado
imperador latino de Bizâncio, e Tomás Morosini passa a ser o patriarca
de Constantinopla.

O governo latino nessa região durou cinquenta anos e, após sua saída, o
império Bizantino não foi mais o mesmo, o que facilitou a sua conquista posteriormente
(HURLBUT, 2007). As outras cruzadas não obtiveram o êxito que desejavam. Aos poucos,
o contato entre a Europa e o Oriente foi dando espaço à ampliação do comércio, e o
islamismo se expandiu para outras regiões. Além disso, o mundo feudal sofreu fortes
abalos, vindo a ruir posteriormente, dando lugar aos reinos absolutistas.

9 O GRANDE CISMA PAPAL


O final do século XVIII e início do XIV trouxe para a igreja romana uma disputa
entre papas. Nesse período, as disputas entre os governos inglês e francês resultaram
na eleição de dois papas. Vamos entender como isso aconteceu.

De acordo com Shelley (2004), Eduardo I estava governando a Inglaterra,


enquanto a França era governada por Felipe, o belo. Eles estavam disputando entre si
territórios e, para conseguirem ser bem-sucedidos, teriam que conseguir mais dinheiro
para as guerras e, nessa disputa, cada qual teve a ideia de fazer com que a igreja em
seu território pagasse impostos. A igreja viu essa questão como uma afronta e o papa
ameaçou os governantes de excomunhão, caso fosse levada adiante a questão dos
impostos. Os governantes não se intimidaram com as ameaças papais. Se a excomunhão
ocorresse, a igreja inglesa não poderia contar mais com a proteção que os reis lhes
garantiam e as terras da igreja seriam confiscadas. Já o governante francês proibiu a
saída de recursos para Roma. O papa, então, não levou adiante a excomunhão e usou
o pretexto do “ano santo” para continuar as relações cordialmente com os dois países.

Antes desse desentendimento, o papa Bonifácio VIII havia decretado que o ano de
1300 seria comemorativo, ou seja, o “Ano Santo”, devido a mais um centenário do nascimento
de Cristo. Sendo assim, esse ano em especial, seria concedido aos cristãos o perdão total
dos pecados, mas somente aos que fossem às igrejas em Roma de São Pedro e São Paulo.
Essa peregrinação atrairia os fiéis e suas doações a Roma (SHELLEY 2004).

Porém, a trégua durou pouco. Em 1301, o rei francês prendeu o bispo, o


que gerou um conflito entre o papa e Felipe. O rei convocou uma assembleia e,
por meio dela, garantiu apoio para se opor ao papado. Um tempo depois, o Papa
“Bonifácio emitiu a Unam sanctam, a mais extrema asserção do poder papal em toda
a história da igreja. Dessa vez, Bonifácio foi inquestionavelmente claro ao declarar:
“É absolutamente necessário que todo ser humano esteja subordinado ao pontífice
romano” (SHELLEY 2004, p. 246).

46
O rei francês, em resposta, se uniu ao advogado William de Nogaret e começou
a tramar retirar o papa do poder. Para isso, alegou diversas coisas: “ilegalidade de sua
eleição, como também heresia, simonia e imoralidade” (SHELLEY 2004, p. 246). Os
franceses se deslocaram até o papa, que estava passando uns dias na cidade de Anagni,
e o prenderam. Não se sabe se chegou a ser torturado pelos franceses.

A população da cidade conseguiu capturar o papa dos franceses, porém, como


já era muito idoso, não aguentou o desgaste e morreu. Foi escolhido, então, um sucessor
para o trono papal, que morreu pouco tempo depois. Após isso, o colégio responsável pela
escolha do novo papa escolheu um papa francês, o papa Clemente V, que não aceitou
governar a partir de Roma, ficando em Avignon, na França.

Alguns territórios germânicos, porém, não aceitaram essa mudança da sede


papal. Em 1377, então, o papado voltou a se instalar em Roma, com Gregório XI, porém,
assim que ele faleceu, a nova eleição foi de um papa italiano, apesar de a maioria dos
cardeais que o escolheram serem franceses. Essa atitude teria sido para acalmar os
anseios dos romanos, que não tinham um papa de lá há algum tempo.

Quando o novo papa foi coroado como Urbano VI, ele passou a tomar decisões
consideradas ditatoriais, “em agosto, repentinamente, os cardeais informaram a
Europa que o povo de Roma forçara a eleição de um apóstata para a cadeira de
Pedro e os procedimentos, portanto, eram inválidos” (SHELLEY 2004, p. 249).

Todavia, o papa eleito não se intimidou e escolheu um corpo novo de cardeais


que o apoiou. Em represália, os franceses elegeram outro papa, Clemente VII, que passou
a governar da cidade francesa. A cristandade católica passou, então, a ter dois papas.
Esse período ficou conhecido como Grande Cisma do Papado: “Cada papa tinha seu
próprio Colégio de Cardeais, garantindo, dessa forma, a escolha papal de seu agrado.
Cada papa alegava ser o verdadeiro Vigário de Cristo, com o poder de excomungar
qualquer um que não o reconhecesse” (SHELLEY 2004, p. 249). Essa situação fez a
Europa se separar no quesito de qual papado iria apoiar ou obedecer, se o que estava
em Roma ou em Avignon.

Para acabar com essa duplicidade de papas, foi proposto um concílio geral
em 1395. Essa postura gerou outro debate, pois somente o papa poderia convocá-lo.
Somente em 1409 foi que os cardeais concordaram que deveria ser feito o concílio e
acabaram por decidir que os dois papas deveriam ser depostos.

Eles escolheram outro nome para o cargo, o Papa Alexandre V. Todavia, os dois
papas se recusaram a abandonar seus postos, ficando então a igreja com três papas
(SHELLEY, 2004). Para resolver essa nova situação, outra reunião foi convocada:

47
Em 1414, o santo imperador romano promoveu na cidade alemã de
Constance a mais expressiva reunião da igreja de sua época. Mesmo
a igreja ortodoxa grega enviou representantes. Pela primeira vez a
votação aconteceu em bases puramente nacionais. No lugar de
tradicional assembleia de bispos, o concílio incluiu representantes
leigos e foi organizado como uma convenção de “nações” (alemã,
italiana, francesa e inglesa; a espanhola entrou depois). Cada nação
tinha um voto. [...]. Por fim, em 1417, o concílio conseguiu que um
titular papal fosse posto de lado, depôs outros dois e escolheu um
novo Vigário de Cristo, Martinho V (SHELLEY 2004, p. 251).

A decisão do Concílio de Constance recolocou um papa como governante da igreja,


porém, o papa Martinho V passou a ser contra a ideia do Concílio de ser um órgão que tirasse
o poder do papado. A ideia era de que haveria reuniões do Concílio, o que não foi aceito pelo
papa e, considerado heresia (SHELLEY 2004, p. 251).

10 OS PRINCIPAIS PENSADORES CRISTÃOS MEDIEVAIS


Caro acadêmico, trataremos agora brevemente, dos principais pensadores
cristãos do período medieval. Aqui é o ponto de partida para que você pesquise mais a
respeito desses homens e suas influências para a cristandade.

Começaremos essa jornada expondo Anselmo de Aosta (1033-1109), também


conhecido como Anselmo de Bec, Anselmo de Cantuária, Santo Anselmo ou como o
segundo Agostinho.

Nascido na região da atual Itália, foi bispo, monge, abade e primaz na igreja
inglesa. Por questões políticas travadas contra o imperador, sofreu exílio por alguns
anos (HURLBUT, 2007). Sua principal contribuição foi o pensamento “conhecido pelos
escolásticos como argumento único (argumentum unicum) ou simplesmente razão de
Anselmo (ratio Anselmi)” (STREFLING, 2009, 138).

Santo Anselmo continuou e desenvolveu o método rigoroso de


Lanfranco, utilizando largamente a dialética na exposição da doutrina
revelada em obediência ao princípio augustiniano da fé à procura
da inteligência (fides quaerens intellectum). A sua síntese doutrinal
impõe-se na história do pensamento, tanto pela variedade dos
temas abordados - inteligência da fé, existência e atributos de Deus,
criação, rectidão, verdade e justiça, graça e liberdade etc., como
pela profundidade e originalidade com que são estudados. Toda a
sua obra reflete o esforço do crente que procura descobrir o rosto
de Deus tanto no mistério da sua vida íntima como nas criaturas,
que são sua imagem ou ainda nos acontecimentos providenciais da
história. A palavra de Deus é assumida como fonte primeira e critério
último de toda a especulação anselmiana [...] (FREITAS, 2008, p. 3).

Além de consagrado filósofo, Anselmo foi importante também nas questões


monásticas. Assumiu a função de arcebispo da Cantuária e tentou promover uma maior
liberdade para a Igreja inglesa. Essa postura lhe reservou, inclusive, o exílio.

48
Outro pensador importante desse período foi Pedro Abelardo (1079-1142). Além
de se dedicar à teologia e à filosofia, “pode ser considerado o fundador da Universidade de
Paris, que foi a mãe das universidades europeias” (HURLBUT, 2007, p. 172). Foi professor
e chegou a ser abade. Quanto aos escritos, foram muito importantes no campo da lógica.

O uso crítico da filosofia associado à leitura teológica contribui para


uma boa compreensão da verdade frente às realidades não cristãs.
Abelardo defende o uso das Sagradas Escrituras e dos escritos dos
pais da igreja contra o discurso meramente retórico imposto aos fiéis
por muitos religiosos. Os escritos dos santos seriam para ele modelos
inteligentes e maduros de escrita (DIEBE, 2014, p. 19).

Além de escritos filosóficos relacionados à lógica, Abelardo foi responsável por


obras de teologia, ética e, também, poemas. Todavia, a forma de Abelardo ensinar não
foi bem-vista em certo momento de sua vida, o que lhe rendeu duas condenações em
concílios (DIEBE, 2014)

Como último pensador dessa lista, devemos destacar a importância de Tomás


de Aquino (1225-1274). Italiano, Aquino fez parte da ordem dos dominicanos e foi o mais
importante representante do pensamento escolástico. Este movimento passou a reger
as ideias da igreja no medievo e se baseava nas ideias de Aristóteles.

O pensamento de Aquino divergiu do pensamento de Agostinho de Hipona, que


se baseava mais nas ideias de Platão. “Ele foi chamado de ‘doutor universal’, ‘doutor
angélico’ e ‘príncipe da Escolástica’” (HURLBUT, 2007, p. 173), e sua forma de pensar
acabou influenciando a igreja nesse momento, superando o pensamento agostiniano.

Dentro da ordem dos dominicanos, Aquino atuou em cargos importantes, ajudando,


inclusive, nos estudos da Ordem, chegando a ser assessor da cúria. Durante o período que
ministrava aulas, pensando em auxiliar aos alunos para terem uma melhor compreensão da
teologia, escreveu o que passou a ser sua obra mais conhecida, a Summa theologiae. Sua
produção foi vasta, sendo um dos teólogos que mais escreveu. Suas principais obras foram
compostas de sínteses teológicas, questões disputadas, comentários bíblicos, tratados,
comentários sobre o pensamento de Aristóteles, dentre outras (BONI, 2018). Ao final do
tópico, você encontrará um excerto de uma das obras de Tomás de Aquino.

DICA
Um filme clássico sobre o período Medieval é Em nome de Deus, de 1988,
com direção de Cliver Donner. O filme conta a história de Pedro Abelardo,
que teve grande importância para a universidade medieval.
Disponível em: https://bit.ly/3zXg26p. Acesso em: 15 jun. 2021.

49
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O poder e a autoridade que o papa tem no catolicismo atual é resultado de discussões


e conflitos.

• Foi na Idade Média que o cristianismo sofreu seu primeiro rompimento, o Cisma do
Oriente.

• Ocorreu um movimento de ampliação dos monastérios e o surgimento de novas


ordens religiosas católicas.

• A expansão do cristianismo entre os povos “bárbaros”, formando novas comunidades


cristãs, principalmente na Europa.

• Houve diversas lutas entre o cristianismo e o islamismo, principalmente nas Cruzadas,

• Os monastérios foram importantes para a salvaguarda dos livros e desenvolvimento


musical.

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AUTOATIVIDADE
1 Considere o seguinte trecho do discurso do papa Urbano II no momento da convocação
da cristandade para lutar nas Cruzadas. “Por isso eu vos apregoo e exorto, tanto aos
pobres como aos ricos – e não eu, mas o Senhor vos apregoa e exorta – que como
arautos de Cristo vos apresseis a expulsar esta vil ralé das regiões habitadas por
nossos irmãos, levando uma ajuda oportuna aos adoradores de Cristo. Eu falo aos
que estão aqui presentes e o proclamo, aos ausentes, mas é o Cristo quem convoca
[...]. Se os que forem lá perderem a sua vida durante a viagem por terra ou por mar
ou na batalha contra os pagãos, os seus pecados serão perdoados nessa hora; eu o
determino pelo poder que Deus me concedeu [...]” (SÁNCHEZ, 2000, p. 83). Sobre o
movimento das Cruzadas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os cruzados foram pessoas que lutavam a favor do fim das heresias que
assolavam o cristianismo medieval.
b) ( ) As Cruzadas foram um breve levante da cristandade contra o avanço do islamismo
em Jerusalém, sem ter, contudo, interferências mais sérias na Europa Medieval.
c) ( ) Foi um movimento que uniu fé, política, fanatismo cristão, incentivado
principalmente pela igreja, na luta por fazer de Jerusalém uma cidade cristã,
se opondo ao avanço do islamismo.
d) ( ) Oficialmente, foram sete cruzadas realizadas para a expulsão dos islâmicos
da região de Jerusalém. Todavia, a sexta cruzada acabou tendo um caráter
diferenciado, pois os cruzados fizeram um levante em Constantinopla,
deixando-a sobre o domínio dos latinos.

2 Os monastérios constituem uma parte relevante para a vida do cristianismo. Seu


início remonta ainda a Idade Antiga, sendo que, no período medieval, houve uma
ampliação do número de monastérios e de monges. Tendo em vista o que estudamos
da consolidação da vida monástica. Analise as sentenças a seguir:

I- Os monastérios surgiram no período Medieval e a primeira ordem criada foi a dos


franciscanos, que, por seu cuidado com as pessoas e contra as riquezas, se tornou
muito popular entre os pobres.
II- O monastério na região de Cluny ajudou a igreja na reforma efetuada no cristianismo
medieval, no que diz respeito a interferência do poder secular nas questões da igreja.
III- Os beneditinos foram a primeira ordem monástica, e a que procurou levar seriedade
ao movimento no seio da igreja. Porém, por disputas com as demais ordens que
surgiram como os franciscanos e dominicanos, ela foi extinta na Alta Idade Média.

51
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A Idade Média foi um período muito intenso para a cristandade. Ela foi responsável
por trazer transformações profundas na mentalidade europeia, de se relacionar
com o sagrado. As mudanças nem sempre eram pacíficas, pois, sempre havia os
que iam de encontro a elas. Sendo assim, muitas vezes debates e conflitos ocorriam
internamente. Uma das questões bastante discutida foi se o cristianismo poderia
ou não usar imagens para representar Cristo ou os mártires. Sobre essas disputas,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O movimento iconoclasta se deu pela disputa entre as igrejas Oriental e Ocidental,


pois, a igreja latina era a favor do uso das imagens e a igreja grega não.
( ) O imperador Leão III foi a favor dos ícones nas igrejas. Ele fez leis para que os
iconoclastas fossem excomungados.
( ) Foi no século IX que o movimento iconoclasta foi condenado e, o uso das imagens
e ícones puderam ser retomados e largamente usados nas igrejas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Desde o mundo Antigo que o cristianismo buscou uma unificação das suas ideias.
Porém, as diferenças entre as igrejas Oriental e Ocidental foram se acentuando, até
que o rompimento ocorreu, causando o primeiro cisma no cristianismo. Explique os
principais motivos para o rompimento que ficou conhecido como “Cisma do Oriente”:

5 Temos na doutrina católica um conjunto de ideias que foram frutos de diversos debates
até que fossem consolidadas. Uma das questões que esteve presente no contexto
medieval foi com respeito ao uso ou não de imagens e ícones nas Igrejas, principalmente
na crise Iconoclasta. Explique como essa questão foi resolvida pela Igreja:

52
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
AS HERESIAS MEDIEVAIS E A INQUISIÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 2, nós vimos que, na mudança da cultura Antiga
para a Medieval, o cristianismo tomou novos rumos para suas práticas. Expandiu ainda
mais seu campo de atuação e se tornou presente em toda Europa. Porém, nem tudo
foi ganho. O cristianismo viu surgir uma nova religião que arrebanhou países inteiros, o
islamismo, que abalou por diversas vezes a hegemonia que o cristianismo tentava impor.

Todavia, o cristianismo, apesar da ruptura sofrida, se consolidou, principalmente


com as alianças com reis, imperadores e senhores feudais. Tais laços ajudaram a religião
a ser imposta como única que se deveria ser seguida na Europa. Porém, muitos povos
não eram tão receptivos assim quanto a abdicarem de seus hábitos, que o cristianismo
considerava pagãos, para viverem um cristianismo de fato. Portanto, mesmo quando os
seus líderes aceitavam o cristianismo, mantendo alianças com o papado, nem sempre a
população aceitava de bom grado mudar seus hábitos religiosos. Por vezes, a tentativa
era de mesclar os costumes pagãos com o cristianismo.

Tendo em vista tais questões, estudaremos, agora, as heresias medievais


e as medidas que Igreja católica tomou para combatê-las ao fundar o Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição. Conheceremos as principais características das heresias
medievais, que se diferenciavam dos movimentos heréticos que já estudamos no
mundo Antigo. Conheceremos os pormenores da Inquisição e como ela se tornou a
arma no combate às heresias.

2 AS HERESIAS MEDIEVAIS
Caro acadêmico, temos procurado apresentar a você, até agora, os principais
caminhos que o cristianismo escolheu ao se portar como uma religião universal. Porém,
um dos principais entraves encontrados foram as chamadas heresias. Já vimos que a
igreja tomou para si a responsabilidade de dizer como as escrituras seriam interpretadas.
Quando alguma dúvida surgia, sínodos e concílios eram convocados para resolver a
questão. Quando um grupo insistia em uma ideia que não estava de acordo com os
resultados de tais concílios, ela acabava sendo considerada heresia.

Devemos, primeiramente, entender que, no período medieval, a heresia não


era uma ideia propagada por um indivíduo. Ela até poderia começar com uma pessoa,
porém, a forma de pensar deveria se espalhar. Portanto, era importante que um grupo

53
tivesse levantado as ideias discrepantes. Outro ponto importante que devemos considerar
ao estudarmos essa temática é a diferença entre herege e infiel. O herege era um cristão,
porém, ele era tido como alguém que está distorcendo os ensinos da igreja. Já o infiel era
alguém de outra religião, como, por exemplo, os judeus e os islâmicos (QUEIROZ, 1988).

Sendo assim, para ser considerada herege, era preciso que a pessoa fosse
batizada. O herético, portanto, não era alguém que abandonava a fé, mais sim aquele
que escolhia caminhos diferentes do que lhe era religiosamente imposto.

Na mentalidade medieval, era importante que as pessoas seguissem as


ordenanças da igreja para que a ordem do mundo não fosse desfeita. Para o clero, as
heresias causavam uma quebra da ordem da autoridade por Deus imposta, de obediência
à igreja. O bom cidadão era aquele que não discutia com a autoridade que representava
Deus na terra, portanto, era alguém que não poderia ter escolhas (QUEIROZ, 1988). Sobre
as diferenças entre as heresias medievais e da antiguidade, Queiroz nos esclarece:

Há um fator, entretanto, que separa completamente a heresia


medieval da antiga. A heterodoxia dos primeiros séculos do
cristianismo tendia a ser mais intelectualizada, circunscrevendo-se
a debates teológicos nos meios eclesiásticos. A heresia medieval
desencadeia-se por razões de ordem moral e infiltra-se em todos os
meios sociais. No entanto, vários itens de composição de heresias
antigas reaparecem na Idade Média. Entre eles, o segredo pelos
sacramentos, pela hierarquia eclesiástica, pela cruz, pelo casamento,
pela carne (QUEIROZ, 1988, p. 24).

Entre as heresias antigas que foram revitalizadas no medievo, estavam o


maniqueísmo, em 1018, e o docetismo, em 1022, em Orleans, encabeçado por clérigos.
Com o avanço do cristianismo entre os povos que passaram a ser chamados de
europeus, que antes tinham religiões diversas, muitas ligadas à natureza, e que tinham
padrões de comportamento diferentes dos cristãos que avançavam, principalmente no
campo sexual, a adesão ao cristianismo ocorreu como uma simbiose.

Em alguns momentos, ritos e práticas que eram considerados pagãos, se


encontravam e se misturavam ao cristianismo. Daí, o clero agia para “purificar” tais
ambientes, nem que seja por meio da força. Veremos, a partir de agora, alguns dos
principais grupos considerados heréticos nesse período.

2.1 OS ALBIGENSES OU CÁTAROS


Os cátaros foram o grupo de heréticos medievais que mais conseguiram fiéis. A
propagação de suas ideias foi considerada como uma das mais perniciosas que a Igreja
oficial teve que combater. Com algumas influências gnósticas, eles formaram um grande
séquito e uma estrutura organizacional que se tornou difícil para a Igreja combater. Além
da Inquisição, foram utilizados o exército e até mesmo cruzadas contra eles (FABEL, 1976).

54
A igreja cátara era formada por um bispo e seus auxiliares, os Crentes, que era a
maioria dos fiéis, e os Perfeitos, que eram os considerados de alto nível, pois já haviam
passado pelo rito do consolamentun, no qual eles eram elevados de posição no grupo.
Segundo Fabel (1976, p. 41), “os Perfeitos dedicavam-se à contemplação e esperava-
se que mantivessem o mais elevado nível moral, cabendo aos Crentes fornecer-lhes
alimentos”. Os Perfeitos eram proibidos de quaisquer relações sexuais e não poderiam
ter nenhum contato com mulher. Além disso, o casamento era considerado uma tática
do Deus do mal para prender as pessoas à terra, já que filhos seriam gerados, o que faria
com que a elevação da humanidade demorasse ainda mais. Se o aspirante a Perfeito
fosse casado, ele teria que renunciar sua esposa antes do rito (FABEL, 1976). Todavia,
aos Crentes, a questão do ato sexual não era proibida, desde que não gerassem filhos.
Constantemente, a igreja católica acusava os cátaros de serem promíscuos, porque não
seguiam a mesma lógica sexual que eles (QUEIROZ, 1988).

Sobre sua doutrina, apesar de haver diferentes concepções entre os cátaros, no


geral, eles criam que havia o Deus perfeito e bom e o Deus mal. Portanto, o Deus bom
não poderia ter criado o mundo, pois há o mal no mundo. Assim sendo, o nosso mundo
foi criação do Deus mal (FABEL, 1976), vejamos:

A criação do homem era explicada da seguinte forma: Lúcibel, após ter


criado a terra, decidiu povoá-la e constituir uma milícia para combater o
deus-bem. Penetrou no céu, seduziu alguns anjos pela concupiscência
e para prendê-los à terra deu-lhes um corpo. Depois disso, induziu-os
ao pecado carnal, ligando-os à condição humana. Possuía uma reserva
de anjos decaídos que forneciam alma a cada novo corpo que nascia.
Do mesmo modo que, na doutrina cristã, o homem estaria condenado
desde o nascimento; mas, segundo o catarismo, o pecado original era
determinado pelo céu (FABEL, 1976, p. 53, 54).

Os cátaros ainda eram contra os símbolos cristãos, como a cruz, e criam que
Jesus, em seu corpo, era apenas aparente, já que, por ser o enviado do Deus bom, não
poderia pisar de fato nesse mundo que pertencia ao Deus mal. O Deus mal seria o Deus
do Antigo Testamento, pois, ele que procurou matar o enviado do Deus do bem, que era
Jesus (FABEL, 1976). Também não aceitavam João Batista, pois consideravam-no filho
do diabo (QUEIROZ, 1988). Além disso, não concordavam com a ideia de purgatório e
infernos, pois a alma seria purificada aqui mesmo, mas só conquistada depois que não
fizesse mais parte desse mundo, pois teria se livrado do mal que há aqui.

Alguns cátaros, inclusive, cometiam suicídio para poder ascender mais


rapidamente, porém, não era uma prática referendada. Eles também criam na questão da
transmigração das almas, que ficavam voltando à terra, podendo vir tanto como pessoa,
quanto como animais. Já os Perfeitos eram aqueles que já haviam cumprido seu tempo
de transmigração, por isso, iriam para o céu (QUEIROZ, 1988).

Posteriormente, alguns cátaros mudaram de ideia quanto a Cristo e passaram


a considerá-lo como Deus e humano “[...] sua missão na terra teria sido salvar, pela
pregação, os anjos caídos. Cátaros moderados chegavam até a acreditar nos milagres

55
de Cristo; os mais radicais viam nisso somente truques de magia. O único e verdadeiro
milagre seria o despertar da alma” (QUEIROZ, 1988, p. 55). Quanto aos hábitos
alimentares, como os cátaros criam na ideia da metempsicose, até mesmo como na
forma animal, eles se abstinham de comer carnes, pois acreditavam que ela poderia
conter alguma parte da alma de alguém, que ficaria presa no corpo, sem poder retornar.
Também não se alimentavam dos derivados de carne, porém, não tinham problemas em
comer peixes, pois acreditavam que eles eram gerados espontaneamente pelas águas.
Quanto à questão do mandamento de “não matar”, eles levavam tão a sério que era
relacionado aos animais, pelo mesmo motivo já explicado, pois eles poderiam carregar a
alma de alguém (QUEIROZ, 1988, p. 55).

A reação da igreja contra os cátaros foi intensa e envolveu o exército. Foram várias
investidas em diferentes cidades e muitas pessoas foram mortas, como relata Queiroz:

[...] em 1219, as tropas francesas massacraram 5000 pessoas


em Marmande. [...]. A crueldade da guerra era extrema. Arnoldo
Aiméry escreve exultante para o papa, narrando que os cruzados,
na miraculosa captura de Béziers, haviam matado 15000 pessoas
de todas as idades – a igreja da cidade, onde os heréticos haviam
se refugiado, fora queimada com todos dentro. Essa barbárie tinha
por finalidade assustar outras cidades do sul e forçar sua rendição
(QUEIROZ, 1988, p. 69).

Após vários levantes e ao início do Tribunal da Inquisição, os cátaros foram


morrendo ou se rendendo, e o movimento enfraqueceu até chegar ao fim. Temos, assim,
o desfecho de um dos principais grupos que defendiam ideias destoantes da ortodoxia
no período Medieval.

2.2 OS VALDENSES
De acordo com Queiróz (1988), o grupo dos “pobres de Lyon”, que ficou conhecido
como “Valdenses”, surgiu a partir das ideias de Pedro Valdês, um homem rico que se
dedicou ao estudo da Bíblia e disse ter sido “iluminado” por ela. Ele se separou da mulher,
deixando com ela parte das suas posses e a outra parte ele usou para ajudar aos pobres
em 1173. Conseguiu discípulos e se dispôs a pregar, o que não foi bem-visto pela igreja
pois, não tinha permissão para tal. Foi expulso da cidade de Lyon, apesar de ter pedido
apoio ao papa, o que não conseguiu.

O movimento cresceu e, segundo Falbel (1976), uniu-se ao movimento de


tecelões, os Humilhados de Lombardia, que ficava em Milão. Os que não quiseram unir-
se aos Valdenses formaram uma nova ordem religiosa. Os que se uniram aos Valdenses
“foram excomungados no concílio de Verona, juntamente com outros grupos como os
arnaldistas e os cátaros [...]” (QUEIROZ, 1988, p. 29).

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Por divergências internas, o grupo se separou entre: os franceses, que não
comungavam de algumas questões referentes ao clero, mas continuavam participando
das missas, e os italianos que não quiseram mais estar subordinados a igreja (QUEIROZ,
1988). A vertente italiana se difundiu largamente.

Os principais pontos da pregação dos Valdenses que eram vistos como heresias
pelos católicos eram: a pena de morte não poderia ser aplicada pelo Estado; não deveriam
ser feitos juramentos, pois a Bíblia os condena; quanto aos sacramentos, estes poderiam
ser feitos por leigos. E, talvez, a assertiva mais enfatizada era: “a Igreja Romana não
é a Igreja de Cristo” (FABEL, 1976, p. 63). Esse grupo sobreviveu às perseguições e,
atualmente, ainda tem remanescentes no território italiano, agora, como protestantes
(HURLBUT, 2007).

2.3 JOHN WYCLIFFE


Wycliffe (1328-1384) foi um clérigo inglês que começou a discordar de algumas
posturas da igreja católica. Sua ênfase foi dada principalmente na questão da autoridade
da igreja romana para com a Inglaterra. Sua intenção era que a igreja inglesa tivesse
mais autonomia, chegando a chamar de anticristos os papas de Roma e Avignon.

Além disso, ele desenvolveu outras ideias que foram de encontro a algumas
questões da doutrina católica. Suas principais críticas eram sobre a transubstanciação,
que, segundo a teologia católica, no momento eucarístico os elementos do pão e vinho
se transformam no corpo e sangue de Cristo. Já para Wycliffe, a eucaristia era apenas
simbólica. Além disso, Wycliffe queria que o rito da missa fosse mais simples e chegou
a traduzir a Bíblia para o inglês, o que não agradou o clero pois, segundo a tradição da
igreja, a Bíblia não deveria ser traduzida para a língua comum (HURLBUT, 2007).

Wycliffe desafiou todas as práticas e crenças medievais: perdões e


indulgências, absolvições, peregrinações, a adoração de imagens, a
adoração dos santos, o tesouro de seus méritos estarem nas reservas
dos papas e a distinção entre pecado venial e mortal. Manteve a crença
no purgatório e na extrema-unção, embora admitisse que procurara em
vão na Bíblia pela instituição da extrema-unção (SHELLEY, 2004, p. 257).

Wycliffe defendia a supremacia das Escrituras e não dos escritos dos teólogos
da Igreja. Segundo ele, toda teologia deve encontrar seu respaldo na Bíblia. As ideias
defendidas por Wycliffe foram muito importantes para um movimento posterior, a Reforma
Protestante, que ocorreu com Martinho Lutero, no século XVI.

Inicialmente, Wycliffe fora amparado pela nobreza inglesa, que achava interessante a
ideia de uma igreja mais nacional. Quando suas críticas à ideia da transubstanciação ficaram
mais intensas, ele foi abandonado por muitos nobres. O reitor da cidade de Oxford, onde
ele ensinava, o proibiu de proferir palestras e, “o arcebispo de Canterbary, Willian Courtenay,

57
organizou um outro conselho que condenou dez das doutrinas de Wycliffe por considerá-
las heréticas. Em 1382, o reformador encontrava-se completamente silenciado em Oxford”
(SHELLEY, 2004, p. 258).

Antes do seu silenciamento, ele enviou sacerdotes a pregar para pessoas mais
humildes, obtendo um vasto apoio nas comunidades do campo. O curioso é que a igreja
não levantou um processo inquisitorial contra ele, apenas foi afastado da universidade.
Porém, seus seguidores foram enxotados de Orxford, caso não quisessem abandonar
as ideias consideradas errôneas. Vejamos o que explica Azevedo, em sua tese de
doutorado sobre Wycliffe:

Por seu pensamento dissonante da ortodoxia católica ele é conhecido


como um dos maiores filósofos e teólogos de sua época, ou então
como o maior dos hereges ingleses da segunda metade do século XIV,
sendo que alguns dos que combateram as suas ideias chegaram a
definir que desde o nascimento de Jesus nenhum outro herege mais
pernicioso teria surgido. Após sua morte um grupo de seguidores
de suas ideias continua a perpetuá-las por mais um século, são
os chamados Lolardos. Muito embora muitos autores façam uma
diferença entre ‘Wyclifistas’ e ‘Lolardos’ uma vez que nem todos os
seguidores de Wycliffe sejam Lolardos (AZEVEDO, 2010, p. 32, 33).

Wycliffe, apesar de ter morrido sem sofrer um processo inquisitorial, teve, posteriormente,
seus ossos desenterrados e queimados, em uma ação da Inquisição. Essa prática era comum,
como veremos posteriormente, quando tratarmos do assunto referente à Inquisição. As ideias
dele influenciaram outros, como John Huss, que estudaremos a seguir, e Martinho Lutero, sobre
o qual trataremos nos próximos capítulos.

2.4 JOHN HUSS


Caro acadêmico, no subtópico anterior, conhecemos as ideias de Wycliffe. Elas
foram as bases da pregação de John Huss (1369-1415), que morava na Boêmia e fazia
parte do Sacro Império Romano Germânico. Ele defendia, dentre outras coisas, a pobreza
para clero, a predestinação e também portava-se contra a hierarquia eclesiástica
(SHELLEY, 2004).

Suas ideias foram bem recebidas entre as camadas mais pobres e os artesãos.
Huss se dirigiu ao Concílio de Constance, no qual iria se discutir a questão dos dois
papas, e acabou sendo preso pela Inquisição. Após cerca de oito meses preso, sofreu
como sentença a morte na fogueira (QUEIROZ, 1988).

Após sua morte, que não foi bem recebida pelos seus seguidores, o movimento
não acabou. Segundo Queiroz (1988), o movimento hussita dividiu-se em duas vertentes
principais: a dos mais radicais, que estavam em Praga e eram liderados por Nicolau de
Dresden e João Zeliv, e o grupo chamado de Calistinos, ala mais moderada. Eles ainda
estavam ativos na época da Reforma Protestante e, claro, se uniram ao movimento.

58
2.5 OS BEGUINOS
Os grupos dos beguinos, também chamados de “Irmãos Pobres da Penitência
da Ordem de São Francisco”, tiveram sérios embates com a igreja católica. O movimento
em questão defendia que a igreja deveria ser pobre e não somente andar com os pobres.
Sua principal fonte de inspiração foram os escritos de Pedro João Olivi (1248-1298),
principalmente os comentários sobre o livro bíblico do Apocalipse, que foi considerado
herético pela igreja (FALBEL, 1976).

Nessa seita, também tiveram espaço as mulheres, chamadas de beguinas, que,


segundo Fabel (1976, p. 81): “sob a direção de uma mestra, levavam uma vida em comum,
sem votos propriamente ditos, dentro de ‘cortes de beguinas’, dedicando-se a oração, ao
trabalho manual, a assistência aos enfermos, ao cuidado dos cadáveres e a educação
das crianças”. Esse grupo teve origem ainda no século XII, espalhando-se por algumas
regiões europeias como França, Países Baixos, dentre outros. Segundo Fabel (1976),
muitas passaram a ser influenciadas por seitas panteístas, o que provocou a perseguição
contra elas. Quanto àquelas que se mantiveram com uma forma de pensar considerada
mais ortodoxa, a igreja permitiu que continuassem funcionando. Já com relação à parte
masculina, os beguinos:

[...] surgiram por volta de 1220 nos Países Baixos. Atuavam na


assistência aos enfermos e no sepultamento dos mortos, e
difundiram-se tão extensamente quanto as beguinas. Bem cedo
desviaram de suas tendências iniciais e se tornaram suspeitos
de heresias, de modo que desapareceram antes do século XVI
(FABEL, 1976, p. 82).

Os beguinos defendiam a pobreza, pois, segundo eles, Jesus e os discípulos


foram os pobres perfeitos, por não terem bens, e os verdadeiros cristãos deveriam seguir
seus exemplos. Portanto, eram contra o luxo e a ostentação do clero. Eles aceitavam a
regra de São Francisco e diziam que era a mesma de Cristo.

Outro ponto curioso era que os que se chegassem a eles, para viver em suas
comunidades, não poderiam possuir qualquer bem. Sobre Pedro João Olivi, eles o
tinham como um “anjo do Apocalipse” (FALBEL, 1976, p. 89).

Suas críticas mais duras foram com relação ao papado. Vejamos alguns dos
adjetivos usados pelo grupo para representar o papa: “[...] símbolo do Anticristo, [...] lobo
rapace que deveria ser evitado pelos fiéis; profeta tortuoso e cego, sumo-sacerdote
Caifás, que que condenara Cristo; de javali da floresta, besta feroz que destrói o muro da
igreja de Deus” (FALBEL, 1976, p. 91). Claro que, com tais declarações, as perseguições
a eles não seriam poucas. A Inquisição atuou contra o grupo com veemência, e levou
centenas a fogueira.

59
3 A INQUISIÇÃO MEDIEVAL
Caro acadêmico, você já deve ter percebido que esse tema geralmente chama
muito a atenção das pessoas em geral. É comum a associação da Inquisição com
fogueiras e a suposição de que todos os acusados acabavam morrendo, tostando em
praça pública. Apesar da morte pelo fogo ter sido uma prática, ela não se aplicava a
todos os casos. Veremos, a partir de agora, como a Inquisição funcionava e, para isso,
utilizaremos os dois principais escritos que serviam de guia para os Inquisidores: O
Martelo das feiticeiras (ou Martelo das bruxas), de Heirich Kramer e James Sprenger, e o
Manual dos Inquisidores, de Nicolau Eymerich e Francisco de La Peña.

O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi criado pela Igreja católica romana
para auxiliar no combate as heresias. Ele passou por diversas reestruturações e contava,
inicialmente, com bulas papais, que deveriam ser seguidas pelos inquisidores. Com o
tempo é que foram criados manuais mais específicos como o Manual dos Inquisidores
(1376) e o Martelo das feiticeiras (1486). Segundo Shelley (2004), a Inquisição teve início
em 1184, ao chamar bispos para inquirir sobre as crenças, porém, posteriormente, foram
tomadas medidas mais precisas para o combate às heresias: “Em 1215, o Quarto Concílio
Lanterano, sob a liderança de Inocêncio III, estabeleceu para a punição estatal dos
hereges os confiscos de suas propriedades, excomunhão para aqueles que não agissem
contra os hereges [...]” (SHELLEY, 2004, p. 239). Posteriormente, houve a permissão
para torturas, e o poder do tribunal foi dado aos Dominicanos (SHELLEY, 2004).

O combate as heresias foi o ponto norteador da Inquisição. Para que ela fosse
bem-sucedida, deveria contar com o apoio estatal, cedendo a guarda necessária a igreja
para cumprir as prisões e sentenças mais drásticas. Trataremos, agora dos principais
pontos de como deveriam funcionar os diversos tribunais instaurados, segundo o
Manual dos Inquisidores.

O Diretorium Inquisitorum, ou Manual dos Inquisidores, foi escrito por Nicolau


Eymerich, em 1376, e ampliado por Francisco de La Peña, em 1578, época em que a
Inquisição sofreu um renovo para combater as ideias protestantes. Aqui, trataremos
dos primeiros passos da Inquisição, e voltaremos, no próximo capítulo, a falar dessa
temática, que passou por mudanças significativas.

Primeiramente, falaremos das condenações de um herege. Como já explicamos,


o herege era uma pessoa que havia recebido o batismo católico e passava a crer e
disseminar ideias que destoavam da ortodoxia católica. A inquisição não tinha poder
sobre pessoas de outras religiões, que não haviam sido batizadas no catolicismo, como
os judeus e os islâmicos. Estas pessoas eram chamadas de infiéis, não de hereges.
Todavia, caso a pessoa tivesse recebido o batismo cristão e se convertesse a outra
religião, aí sim, ela poderia ser presa pela Inquisição.

60
Como já expusemos, nem todos os processados tinham a pena da fogueira.
Esse era o último recurso contra o considerado herege. O processo era longo, e o réu
tinha várias audiências antes do veredito final. Quando se iniciava o processo, o réu
era levado à presença dos inquisidores e era dito que ele confessasse. Porém, ele não
sabia do que estava sendo acusado, pois isso era revelado alguns dias depois da prisão.
Essa tática era utilizada para que a pessoa, tomada pelo desespero, falasse tudo que
poderia ter feito de “errado”. A partir do momento que ela dissesse que não tinha mais
o que confessar, e, se ela não tivesse falado o que os inquisidores quisessem ouvir,
eles liam suas “culpas”. Após isso, o processo tomava outro rumo menos “benevolente”,
pois, o réu era pressionado a confessar. E como a mesa inquisitorial chegava a essas
“provas” contra o acusado? Por meio de denúncias, geralmente. Amigos, parentes,
vizinhos, conhecidos, todos deveriam denunciar, caso houvesse algo suspeito, pois, se
não fizessem, poderiam ser considerados cúmplices do herege.

Caso o réu não confessasse, mas houvesse muitas acusações contra ele,
ele poderia ser considerado como um “negativo”, ou seja, era culpado, porém negava
durante os interrogatórios. O “afirmativo” era aquele que não escondia que andava nos
“erros” da heresia. Mesmo que o réu confessasse suas culpas logo de início e fizesse
a relação de todos que andavam com ele e compactuavam de suas heresias, ele não
teria a sentença dada rapidamente. Segundo o Manual do Inquisidor, o réu deveria
ficar pelo menos um ano nos cárceres, seja para se “arrepender” por completo do que
fizera, quanto para denunciar todos seus cúmplices. Caso a pessoa não confessasse
após vários interrogatórios, o réu era enviado para a tortura. Essa pessoa deveria ser
acompanhada por um médico, que diria até quando ela poderia aguentar sem morrer.
Era sempre advertido à pessoa processada que, se ela viesse a morrer em interrogatório
era culpa dela mesma, pois não havia colaborado com os inquisidores.

Os instrumentos de tortura usados variavam conforme a região. No caso da


Inquisição portuguesa, os comumente usados eram o potro, em que o indivíduo era
esticado sobre uma mesa, e a polé, em que ele era pendurado pelos braços e caía
rapidamente, causando o deslocamento dos membros superiores.

Caso o acusado resistisse ao tormento sem confessar e não tivesse um número


de acusações que os inquisidores achassem convenientes, ele seria liberado com outras
penas. Porém, se ele passasse pelo tormento e, não aguentando a dor, confessasse,
mesmo que não fosse culpado, o processo teria outro rumo. Caso o réu mostrasse à
Mesa inquisitorial que estava arrependido, poderia se livrar do fogo se fosse o primeiro
julgamento dele. Caso ele não demonstrasse arrependimento pelos seus “erros”, iria
para a fogueira. Vejamos um trecho do Manual sobre a questão da tortura:

Se o réu não confessar, ordenarão aos carrascos para que tirem as


suas roupas – o que farão imediatamente, sem brincadeiras, como se
estivessem tomados de emoção. Enquanto é despido pelos carrascos,
pedirão a ele que confesse. Se continuar a resistir, será levado num
canto, completamente nu, por esses fiéis idôneos, que lhe suplicarão
cada vez mais. Começam a dizer-lhe, ao mesmo tempo que suplicam,

61
que, se confessar, terá sua vida poupada, se jurar que nunca mais vai
cometer tais crimes. [...] Se não conseguir nada através desses meios,
e se as promessas se revelarem ineficazes, executa-se a sentença
e tortura-se o réu da forma tradicional, [...] mais fracos ou mais
violentos; de acordo com a gravidade do crime. [...] Se, depois de ter
sido convenientemente torturado, não confessar, vão lhe mostrar os
instrumentos de um outro tipo de tortura, dizendo-lhe que vai passar
por todos eles, se não confessar (EYMERICH, 1993, p. 154, 155).

Quando o réu confessava durante a tortura, ele deveria ser levado para outro
local e, depois, teria que continuar sua confissão sem o tormento, para que fosse válida
sua confissão. Todo o processo era conduzido para que o réu confessasse e mostrasse
arrependimento. Na mentalidade da igreja, esse processo de confissão-arrependimento
era necessário para que o réu pudesse voltar ao seio da igreja e não ser excomungado.

A morte pelo fogo acontecia de duas formas: caso não se arrependesse pelas
heresias, seria queimado vivo. Se recebesse a sentença da morte pelo fogo, mas
demonstrasse arrependimento, seria garroteado, ou seja, enforcado e depois queimado.

Todo processo era feito pelos membros da igreja que fossem escolhidos
como inquisidores. A sentença da morte na fogueira não era aplicada pela igreja e sim
pelo “braço secular”. Portanto, quando a sentença final era dada como “relaxado ao
braço secular”, queria dizer que foi sentenciado à fogueira. Outra penalidade eram os
trabalhos nas galés, que é a parte inferior das caravelas, onde os condenados tinham
que remar. Era uma situação de trabalho muito difícil, que gerava sérios problemas de
saúde para os condenados.

Havia ainda uma sentença muito aplicada, o “degredo”. Essa pena consistia na
expulsão da pessoa do local de origem e ela teria que morar em outra região, geralmente
inóspita. A sentença poderia ter um prazo para que o réu retornasse ou poderia ser
perpétua. Outro ponto interessante consistia no confisco de bens. Tudo que pertencia
ao acusado era confiscado e dividido entre a igreja e o governo. Além dessas, a pena
mais branda era o uso do hábito penitencial, ou sambenito, que era uma roupa especial
que o sentenciado deveria usar toda vez que saísse de casa. O seu uso poderia ser por
um determinado tempo ou perpétuo.

Um detalhe importante diz respeito ao caso em que o acusado morria durante


o processo. Este não era interrompido, e, caso ao final sua sentença fosse de culpado,
seus restos mortais eram desenterrados e queimados junto a um boneco ou pintura em
um pano, representando-o. Além disso, os seus bens não ficariam para os herdeiros,
mas sim para o Tribunal e o governo. Quando alguém conseguia fugir dos cárceres, era
considerado culpado. Caso não fosse pego, era dada a sentença de morte em efígie, em
que se erguia um boneco que o representava e era queimado. Se fosse pego, o processo
continuava, porém, dificilmente teria um destino diferente da fogueira.

62
No decorrer do processo, era concedido ao réu um advogado de defesa, chamado
de procurador. Porém, segundo o Manual dos Inquisidores, seu papel era ajudar ao réu
a fazer a confissão. O tempo do encerramento do processo variava conforme a vontade
do réu em “cooperar” com a Inquisição. Houve casos que duraram mais de cinco anos,
outros bem menos, porém, dificilmente alguém sairia do cárcere em menos de um ano.
Quando a pessoa que conseguiu passar pelo processo inquisitorial e sua penalidade
fosse branda e, por algum motivo, posteriormente voltasse a ser processada, ela era
considerada como “relapsa”, e seria condenada à pena máxima.

Após as sentenças escolhidas, os réus eram levados para um grande


espetáculo, em praça pública ou na igreja principal, chamado de “auto-de-fé”, em
que as penalidades dos réus eram lidas e, quando havia, a morte pela fogueira era
realizada publicamente. Para os fiéis que assistissem aos autos-de-fé eram concedidas
indulgências. Os que manifestassem apoio às vítimas eram também presos. Todo o
espetáculo era feito com o intuito de servir de exemplo para os demais para que não
seguissem os caminhos dos hereges.

Quanto ao livro Malleus Maleficarum, em português, o Martelo das Feiticeiras,


sua ênfase é na questão da feitiçaria, ou bruxaria. Ele “ensina” aos inquisidores como
reconhecer uma bruxa ou bruxo e como deveria lidar com ele durante o interrogatório.
A questão do imaginário sobre a feitiçaria foi muito intensa na Idade Média e na Idade
Moderna. Devemos compreender, ao estudarmos essa temática que, feitiçaria foi a
expressão usada para rotular e criminalizar práticas religiosas de grupos que tinham
costumes diferentes dos cristãos.

A cristianização de várias partes da Europa, como vimos, não ocorreu


necessariamente porque as massas se converteram. Muitas vezes, os governantes
aceitavam o cristianismo, como alianças e, as pessoas acabavam sendo obrigadas a
aceitar também. Fazer parte do cristianismo era uma das formas de ser cidadão. Todavia,
as práticas religiosas acabavam aparecendo, vez ou outra, fundidas ao cristianismo.
Muitas delas deram origens a diversas heresias, outras eram consideradas feitiçaria e
eram fortemente rechaçadas pela igreja.

Na próxima unidade, voltaremos a falar da Inquisição. As mudanças que


ocorreram na sociedade europeia devido à Reforma Protestante acabaram acarretando
alterações significativas no funcionamento do referido Tribunal.

Caro acadêmico, chegamos ao final do período Medieval e, agora, o próximo


passo é fazer a leitura de alguns documentos histórico sobre os assuntos estudados.
Será um bom exercício para reforçarmos o aprendizado sobre o pensamento religioso
dos períodos que estudamos. Boa leitura!

63
LEITURA
COMPLEMENTAR
O EDITO DE MILÃO, MARÇO DE 313

Imperador Constantino

Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontrando-nos. em Milão para


conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que, entre tantas
coisas benéficas à comunidade o culto divino deve ser a nossa primeira e principal
preocupação. Pareceu-nos justo que todos, cristãos inclusive, gozem da liberdade de
seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim Deus que mora no céu ser-nos-á
propício a nós e a todos nossos súditos. Decretamos, portanto, que, não obstante a
existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião
de Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho, e que ninguém
absolutamente os impeça ou moleste. Observai outrossim, que também todos os
demais terão garantida a livre e irrestrita prática de suas respectivas religiões, pois está
de acordo com a estrutura estatal e com a paz vigente que asseguremos a cada cidadão
a liberdade de culto segundo sua consciência e eleição; não pretendemos negar a
consideração que merecem as religiões e seus adeptos. Outrossim, com referência aos
cristãos, ampliando normas estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é-nos
grato ordenar, pelo presente, que todos que compraram esses locais os restituam aos
cristãos sem qualquer pretensão a pagamento.

As igrejas recebidas como donativo e os demais lugares que antigamente


pertenciam aos cristãos deviam ser devolvidos. Os proprietários, porém, podiam requerer
compensação.

Use-se da máxima diligência no cumprimento das ordenanças a favor dos


cristãos e obedeça-se a esta lei com presteza, para se possibilitar a realização de
nosso propósito de instaurar a tranquilidade pública. Assim continue o favor divino, já
experimentado em empreendimentos momentosíssimos, outorgando-nos o sucesso,
garantia do bem comum.

FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 44.

64
EDITO DE TESSALÔNICA

Imperador Teodósio I

Queremos que as diversas nações sujeitas a nossa Clemência e Moderação


continuem professando a religião legada aos romanos pelo- apóstolo Pedro, tal como a
preservou a tradição fiel e tal como é presentemente observada pelo pontífice Dámaso e
por Pedro, Bispo de Alexandria e varão de santidade apostólica. De conformidade com a
doutrina dos apóstolos e; o ensino do Evangelho, creiamos, pois, na única divindade do
Pai, do Filho e do Espírito Santo em igual majestade e em Trindade santa. Autorizamos
aos seguidores desta lei a tomarem o título de Cristãos Católicos. Referentemente aos
outros, que julgamos loucos cheios de tolices, queremos que sejam estigmatizados
com o nome ignominioso de hereges, e que não se atrevam a dar a seus conventículos
o nome de igrejas. Estes sofrerão, em primeiro lugar, o castigo da divina condenação é,
em segundo lugar, a punição que nossa autoridade, de acordo com a vontade do céu,
decida infligir-lhes comum.

FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 51, 52.

A INQUISIÇÃO EPISCOPAL E O PODER SECULAR


Dos decretos do Quarto Concilio de Latrão, 1215

[A Igreja no século doze foi perturbada por várias espécies de heresias, sendo
as mais perigosas as dos albigenses e valdenses. Os primeiros eram maniqueus na
teoria e rigorosamente ascéticos na prática, embora seus adversários os acusassem de
excessos antinomianos. Os valdenses começaram tentando recuperar o que pensavam
ter sido a simplicidade da Igreja apostólica. Mas eles, como tantos outros grupos
que começaram com o mesmo propósito, tendiam a um sectarismo intransigente. O
Terceiro Concilio de Latrão em 1179, sob Alexandre III, pediu o auxílio do poder secular:
“Embora a disciplina da Igreja não leve a efeito retribuições cruentas, contentando-se
com o julgamento sacerdotal, ela, contudo, é ajudada pelos regulamentos dos príncipes
católicos, de modo que os homens frequentemente busquem o remédio salutar por
temor de incorrerem em castigos corporais.

Por conseguinte, decretamos que (os albigenses) e os que os sustentam,


dando-lhes apoio, estão sob anátema, e proibimos sob pena de anátema que alguém
ouse abrigá-los em sua casa ou em seu país, de ajudá-los ou de ter negócios com eles”
(cap. 27, Mansi XXII.231; Denzinger, n.° 401). Inocêncio III deu início em 1208 à cruzada
contra os albigenses, mas não conseguiu extirpar a heresia; em 1220 a inquisição papal
foi confiada aos frades e imposta às cortes episcopais].

65
Hereges convictos devem ser entregues a seus superiores seculares ou a seus
agentes para o devido castigo. Se forem clérigos, primeiramente devem ser destituídos.
Os bens dos leigos serão confiscados; os dos clérigos serão aplicados nas igrejas das
quais recebiam seus subsídios.

Se um senhor temporal negligencia em cumprir o pedido da Igreja de purificar


sua terra da contaminação da heresia, será excomungado pelo metropolitano e pelos
outros bispos da província. Se deixa de se emendar dentro de um ano, o fato deve
ser comunicado ao sumo pontífice que declarará seus vassalos livres do juramento
de fidelidade e oferecerá suas terras aos católicos. Esses exterminarão os hereges,
serão donos da terra sem discussão, e a preservarão na verdadeira fé. Os católicos que
tomarem a cruz e se devotarem ao extermínio de hereges gozarão da mesma indulgência
e privilégio dos que se dirigem à Terra Santa.

Determinamos, além disto, que cada arcebispo ou bispo, em pessoa ou através


de seu arcediago ou outras pessoas capazes e dignas de confiança, visitará cada uma
de suas paróquias nas quais se diz que há hereges; fá-lo-á duas vezes ou, pelo menos,
uma vez por ano.

Obrigará três ou mais homens de boa reputação, ou se for necessário toda a


vizinhança, a jurar que se qualquer um deles souber de algum herege, ou de alguém que
frequente reuniões secretas, ou de pessoa que pratica coisas e costumes diferentes
dos que são comuns aos cristãos, que o comunicarão ao bispo. O bispo deve chamar
os que forem acusados para que se lhe apresentem; e, a não ser que se purifiquem da
acusação, se incorrerem no erro anterior, receberão o castigo canônico.

FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 181,182.

AS CRUZADAS
O CONCÍLIO DE CLERMONT: URBANO II (1095)

Considerando as exigências do tempo presente, eu Urbano, tendo, pela


misericórdia de Deus a tiara pontificial, pontífice de toda a terra, venho até vós, servidores
de Deus, como mensageiro para desvendar-vos o mandato divino [...] é urgente levar
com diligência aos nossos irmãos do Oriente a ajuda prometida e tão necessária no
momento presente.

Os turcos e os árabes atacaram e avançaram pelo território da România até a


parte do Mediterrâneo chamada o Braço de São Jorge, e penetram mais a cada dia nos
países dos cristãos; eles os venceram sete vezes em batalha, matando e fazendo grande
número de cativos, destruindo as igrejas e devastando o reino. Se vós deixardes isto sem
resistência, estenderão os seus exércitos ainda mais sobre os fiéis servidores de Deus.

66
Por isso eu vos apregôo e exorto, tanto aos pobres como aos ricos – e não
eu, mas o Senhor vos apregoa e exorta – que como arautos de Cristo vos apresseis
a expulsar esta vil ralé das regiões habitadas por nossos irmãos, levando uma ajuda
oportuna aos adoradores de Cristo. Eu falo aos que estão aqui presentes e o proclamo
aos ausentes, mas é Cristo quem convoca [...].

Se os que forem lá perderem a sua vida durante a viagem por terra ou por mar
ou na batalha contra os pagãos, os seus pecados serão perdoados nessa hora; eu o
determino pelo poder que Deus me concedeu [...].

Os que estão habituados a combater maldosamente, em guerra privada, contra


os fiéis, lutem contra os fiéis, lutem contra os infiéis, e levem a um fim vitorioso a guerra
que devia ter começado a tempo. Os que até agora viviam em brigas se convertam
em soldados de Cristo. Os que até agora eram mercenários por negócios sórdidos,
ganhem no presente as recompensas eternas. Os que se fatigaram em detrimento de
seus corpos e de suas almas, se esforcem no presente por uma dupla recompensa [...].
De um lado estarão os miseráveis, do outro as verdadeiras riquezas, aqui os inimigos
de Deus, lá os seus amigos. Alistem-se sem demora; que os guerreiros arrumem os
seus negócios e reúnam o necessário para prover às suas despesas; quando terminar o
inverno e chegar a primavera, que eles se movam alegremente para tomar a rota sob o
comando do senhor [...].

FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 83, 84.

O PODER SECLUAR E ESPIRITUAL EM SANTO TOMÁS DE AQUINO


(1235-1255)

[...] O poder espiritual e o secular são ambos derivados do poder divino; e,


portanto, o poder espiritual na medida em que foi estabelecido por Deus, a saber: nas
coisas referentes à salvação da alma, e por isso o poder espiritual deve, em tais assuntos,
ser obedecido preferentemente ao secular. Mas naquelas coisas que se referem ao bem-
estar civil, o poder secular deve ser obedecido preferencialmente ao espiritual, de acordo
com o dito em Mateus 22, 21: ‘Dai a César o que é de César’. A menos que o poder secular
esteja unido com o espiritual, como no caso do Papa, que detém ambos, o espiritual e o
temporal, porque ele é sacerdote e rei; sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedec,
mas rei de reis e mestre daqueles que tem o domínio (dominus dominantium).

O poder secular é submetido ao espiritual como o corpo à alma e não usurpa o


julgamento, pois o poder espiritual se introduz nas coisas temporais, pelo menos naquelas
nas quais esse poder lhe é submetido ou que lhe são entregues pelo poder secular.

FONTE: PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da idade média: textos e testemunhas. São Paulo: UNESP,
2000, p. 137.

67
QUESTÃO VI DO MARTELO DAS FEITICEIRAS

Sobre as bruxas que copulam com demônios. Por que principalmente as


mulheres se entregam às superstições diabólicas

Há também, a respeito das bruxas que copulam com Demônios, muitas


dificuldades ao considerarem-se os métodos pelos quais tal abominação é consumada.
Da parte do Demônio: primeiro, de qual dos elementos que compõem o corpo ele se
utiliza; segundo, se o ato ´sempre acompanhado da injeção do sêmen recebido de
outro homem; terceiro, quando ao momento e ao lugar, ou seja, se pratica o ato mais
frequentemente em determinado momento do que em outro; quarto, se o ato não é
visível aos que estão perto. Da parte das mulheres, cumpre indagar se apenas as que
foram concebidas dessa forma obscena são frequentemente visitadas pelos Demônios,
ou se o são pelas parteiras por ocasião de seu nascimento; e, por fim, se o deleite com
o ato venéreo é de algum tipo mais fraco. Não poderemos aqui responder a todas essas
questões por estarmos empenhados tão somente num estudo geral e porque na Parte
II desta obra todas serão explicadas separadamente (no capítulo IV da questão I, no qual
se faz menção a cada método em separado). Vamos nos deter por ora, no problema
das mulheres; e, em primeiro lugar, tentaremos explicar porque essa perfídia é mais
encontrada nas pessoas do sexo frágil e não em homens. Nossa primeira indagação será
de caráter geral – quanto as condições gerais das mulheres; a segunda será particular –
quanto ao tipo de mulher que se entrega a superstição e à bruxaria; e por fim a terceira,
específica as parteiras, que superam todas as demais em perversidades.

FONTE: KRAMER, H.; SPRENGER, J. O martelo das feiticeiras. Tradução de Paulo Fróes. 2 ed. Rio de Janeiro:
BestBolso, 2015, p. 119, 120.

68
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A igreja romana ampliou o combate na luta contra as heresias, principalmente com a


criação do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

• Os dois principais guias para os inquisidores foram o “Manual dos Inquisidores” e o


“Martelo das feiticeiras”, que continham as principais instruções de como proceder
em casos, principalmente de heresias.

• As ideias de John Wycliffe e John Huss, condenadas pela Igreja como heresias,
serviram de base para a posterior Reforma Protestante, com Martinho Lutero.

69
AUTOATIVIDADE
1 Desde a expansão do cristianismo, houve a preocupação com a disseminação de
ideias que foram consideradas heréticas. No Mundo Medieval, os movimentos
heréticos foram ampliados, ou seja, novas ideias surgiram e, com elas, novas formas
de combatê-las. Tendo em vista tal contexto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Apesar de muitas ideias heréticas novas no Medievo, percebe-se que alguns


conceitos heréticos da Antiguidade ainda estavam presentes.
b) ( ) Percebe-se que, no Medievo, o poderio da Igreja estava consolidado com
novos movimentos monasteriais e o papado fortalecido. Com isso, as
pregações e o ensino da ortodoxia acabavam auxiliando para que não
houvesse disseminação de heresias.
c) ( ) Com o surgimento do Tribunal da Inquisição do Santo Ofício, os movimentos
heréticos foram freados, e, em alguns anos, totalmente combatidos.
d) ( ) O fenômeno das heresias medievais, diferentemente do que ocorreu na
Antiguidade, atingiu prioritariamente as classes mais pobres.

2 O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi um órgão criado pela igreja para combater
as heresias, ainda no período Medieval. Sobre o Tribunal do Santo Ofício, analise as
sentenças a seguir:

I- Foi um tribunal eclesiástico, que contou com o apoio do poder temporal, inclusive
para aplicar as sentenças mais drásticas.
II- A força da Inquisição estava não só nas prisões, como também no espetáculo feito
aos sentenciar os réus, além do aparato do medo e das denúncias.
III- A Inquisição foi um Tribunal formado para combater as heresias medievais. Sua
atuação foi eficaz e pouco tempo depois não foi mais necessária sua atuação.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi o órgão criado pela Igreja católica
romana para processar as pessoas que eram acusadas de heresias. Partindo do que
estudamos sobre tal tribunal, avalie os itens:

70
( ) A tortura foi largamente empregada pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição,
principalmente no início do processo, tendo em vista amedrontar os réus.
( ) A Inquisição Medieval tinha como liderança o papa e os reis de cada país, pois, não
havia separação entre religião e Estado nessa época.
( ) A Inquisição foi um período que durou cerca de seiscentos anos, e teve início ainda
no período Medieval. Seu poder de atuação era restrito aos católicos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 As heresias estiveram presentes desde o momento inicial de expansão do cristianismo.


No período medieval, ela esteve mais ampliada, pois o alcance do cristianismo
se deu no território europeu, que já contava com diversas religiosidades ligadas
principalmente a natureza. Muitas vezes, os posicionamentos heréticos começavam,
ou eram endossados por representantes eclesiásticos. Escreva as principais ideias
defendidas por John Wycliffe que foram consideradas herética pela Igreja.

5 Para combater as heresias, a Igreja católica adotou uma série de medidas desde a
antiguidade. No medievo, esse combate contou com a organização do Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição. Explique, de forma sucinta, como funcionava este tribunal.

71
72
REFERÊNCIAS
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THEISSENN, G. A Religião dos primeiros cristãos: uma teoria do cristianismo primitivo.


Tradução de Paulo F. Valério. São Paulo: Paulinas, 2009. (Coleção Cultura Bíblica).

76
UNIDADE 2 —

O CRISTIANISMO NA IDADE
MODERNA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• definir os principais pontos do Renascimento Cultural e Científico e seu impacto nas


questões religiosas;

• identificar os principais movimentos da Reforma Protestante;

• caracterizar os principais desafios do catolicismo perante o protestantismo;

• identificar os aspectos do Iluminismo e sua influência no campo religioso.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – AS MUDANÇAS RELIGIOSAS NA IDADE MODERNA


TÓPICO 2 – PERÍODO DE REFORMAS
TÓPICO 3 – AS MUDANÇAS RELIGIOSAS APÓS A REFORMA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

77
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

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UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
AS MUDANÇAS RELIGIOSAS NA
IDADE MODERNA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos, na Unidade I, as principais mudanças ocorridas
no cristianismo na Europa no período Medieval. Foi uma época de profundas mudanças
sociais e políticas. O sistema feudal era majoritário na Europa e os reis eram grandes
senhores feudais.

O catolicismo romano se expandiu, inclusive, expulsando comunidades


islâmicas de regiões como a Península Ibérica, no conflito que ficou conhecido como
Guerra de Reconquista. Antes disso, promoveu as cruzadas, na tentativa de expulsar os
muçulmanos da cidade de Jerusalém. A partir disso, houve uma abertura comercial e o
recuo do islamismo na Europa, porém, o avanço em outras regiões.

Nesse ínterim, a Europa passou pela peste negra, que dizimou cerca de um terço
da população, e, com o aumento do comércio e a diminuição dos números de servos nos
feudos, o sistema que estava consolidado começou a ruir. Os comerciantes chamados
de burgueses, pois viviam nos burgos, que eram as feiras, estavam necessitando de
medidas estatais para auxiliar no comércio.

A principal questão era a normatização do dinheiro. Era necessário que os


territórios definissem suas moedas para que o comércio fosse facilitado. Além disso,
as questões nacionais foram ganhando força, desfavorecendo o sistema de divisões
por feudos. Sendo assim, os reis, em alguns territórios, conseguiram concentrar mais
poderes, em detrimento dos senhores feudais. Este cenário favoreceu o surgimento das
primeiras Monarquias Nacionais: França, Inglaterra, Espanha e Portugal. Todavia, cabe
lembrar que os territórios da atual Itália e a Alemanha só passaram pela unificação no
século XIX.

Não é nosso intuito explicar como esse fenômeno ocorreu, porém, é importante
entendermos essa mudança sociopolítica, já que ela afetou, também, a forma com que
a igreja católica passou a exercer seu domínio na sociedade. O período do absolutismo
monárquico não alcançou os países citados na mesma época. Eles tiveram que enfrentar
disputas internas e externas para se consolidarem.

Após alcançarem o patamar de nação unificada, algumas características se


fizeram presentes, como: com o poder nas mãos dos reis, apoiados pela nobreza e pelo
clero; todos os governos se declararam cristãos católicos, e, em contrapartida, seus

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súditos também eram. Somente a Inglaterra optou por um sistema de governo no qual
o monarca não era absoluto, já que escolheram a monarquia parlamentarista, em que o
rei tinha seu poder controlado pelo Parlamento. Porém, a relação entre rei e parlamento
nem sempre foi harmônica, principalmente após a Reforma Protestante.

Para completar o aparato de mudanças, em 1492, as caravelas espanholas


chegaram à América. Esse evento mudou completamente a história, não só dos povos
europeus, como dos povos das terras que passaram a ser chamadas de América. As
expansões marítimas favoreceram a abertura das rotas comerciais, intensificando as
relações sociais e econômicas entre o Ocidente e o Oriente, favorecendo a inserção,
na América, da cultura, da religião e da forma de governo europeus. A religião,
principalmente nas Américas espanholas e portuguesa, foi um dos principais meios
utilizados no processo de colonização europeia na América.

Caro acadêmico, tendo em vista essa contextualização histórica, trataremos


agora, neste tópico, de alguns aspectos do Renascimento Cultural e Científico e suas
relações nas questões religiosas, além das mudanças ocorridas com relação à Inquisição
e a formação da Inquisição Ibérica.

Já no Tópico 2, estudaremos como ocorreu a Reforma Protestante e os


principais grupos surgidos, que passaram a rivalizar com a Igreja católica no mundo
Europeu. No Tópico 3, veremos como foi a reação católica em relação ao protestantismo,
no movimento conhecido como Contrarreforma. Estudaremos, também, como ocorreu
o desabrochar de outros grupos protestantes. Além disso, veremos como as ideias
Iluministas influenciaram o cristianismo.

2 O RENASCIMENTO CULTURAL E CIENTÍFICO: REAÇÕES


DA IGREJA
O período conhecido como Renascimento Cultural e Científico compreendeu os
séculos XV e XVI. Teve início nas cidades italianas, que já vivam um intenso comércio,
e se expandiu para diversas cidades europeias. Foi uma época de grandes mudanças
sociais e invenções, como a bússola, o astrolábio, o relógio e, talvez a mais importante,
a imprensa. Nesse período, houve um verdadeiro florescer das artes nos campos da
pintura, escultura e arquitetura. Nomes como Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael
Sanzio (1483-1520) e Michelangelo Buonarroti (1475-1564), tão conhecidos, fizeram
dessa época um marco para a História da Arte Ocidental. A Figura 1 e a Figura 2
apresentam pinturas que demonstram as principais características do Renascimento.

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FIGURA 1 – TETO DA CAPELA SISTINA, MICHELANGELO, 1512

FONTE: <https://bit.ly/3NlvSe6>. Acesso em: 23 jun. 2022

FIGURA 2 – A ESCOLA DE ATENAS, RAFAEL, 1510

FONTE: <https://bit.ly/3yhpG2G>. Acesso em: 16 abr. 2021

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Na Figura 1, a pintura de Michelangelo faz um relato das histórias bíblicas. Em
uma sociedade em que a maior parte da população era analfabeta, contar as histórias
sagradas pelas imagens era importante. É possível observar os destaques do corpo
humano em cada representação, diferente do que ocorreu com a arte do período
Medieval. Essa foi uma das maneiras de expressar a ideia antropocêntrica, tão apregoada
no Renascimento.

A pintura mostra, também, o resultado dos vários estudos do corpo humano


realizado pelos artistas. Na segunda obra, apresentada na Figura 2, Rafael rememorou
a filosofia e arquitetura gregas. Muitos pintores nesse período utilizaram da história e
mitologia grega para compor suas obras, retomando, assim, a cultura clássica.

Nessa etapa do Livro Didático, trataremos de algumas ideias renascentistas que


foram responsáveis por mudanças na forma de pensar do Ocidente e que colaboraram
com o pensar religioso. Dentre tais ideias estão as humanistas, que foram aderidas nos
currículos das universidades, como explica o professor Sevcenko (1988):

Iniciou-se, assim, um movimento cujo objetivo era atualizar, dinamizar


e revitalizar os estudos tradicionais, baseado no programa dos studia
humanitatis (estudos humanos), que incluíam a poesia, a filosofia,
a história, a matemática e a eloquência, disciplina esta resultante
da fusão entre a retórica e a filosofia. Assim, num sentido estrito,
os humanistas eram, por definição, os homens empenhados nessa
reforma educacional, baseada nos estudos humanísticos. Mas o que
tinham esses estudos de tão excepcional, a ponto de servirem para
reformar o predomínio cultural inquestionável da Igreja e reforçar toda
uma nova visão do mundo? Ocorre que esses studia humanitatis eram
indissociáveis da aprendizagem e do perfeito domínio das línguas
clássicas (latim e grego), e mais tarde do árabe, hebraico e aramaico.
Assim sendo, deveriam ser conduzidos, centrados exclusivamente
sobre os textos dos autores da Antiguidade clássica, com a completa
exclusão dos manuais de textos medievais. Significava, pois, um
desafio para a cultura dominante e uma tentativa de abolir a tradição
intelectual medieval e de buscar novas raízes para a elaboração de
uma nova cultura (SEVCENKO, 1988, p. 13, 14).

O empenho dos estudiosos humanistas estava concentrado em um retorno


aos estudos dos clássicos da antiguidade em contraste com o pensamento dos
filósofos medievais. Para isso, foi imprescindível a retomada dos estudos das línguas
clássicas, principalmente o grego e o latim. O hebraico também foi retomado, tendo
em vista o estudo da Bíblia. Portanto, um novo perfil de estudantes foi responsável
por revitalizar a compreensão do mundo greco-romano, principalmente no que diz
respeito à filosofia e às artes.

Caro acadêmico, devemos lembrar, porém, que a igreja católica ainda estava
como centro da cultura e do modo de pensar na Europa. Ela atuava junto aos reis
absolutistas, na busca de hegemonia religiosa. Sendo assim, você já deve ter percebido
que as ideias renascentistas nem sempre foram bem recebidas pela igreja. Todavia, é

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importante lembrar que os estudiosos da Renascença não eram necessariamente contra
o cristianismo. Ao contrário, eles prezavam pela religião. Entretanto, a interpretação dada
sobre os limites do clero na vida das pessoas, das artes e da ciência é que passaram
a ser contestados. Por isso mesmo é que as perseguições foram constantes, vejamos
alguns exemplos:

O respeito à individualidade deles e à originalidade de pensamento


nunca foi uma conquista assegurada. A vida sempre lhes foi cheia
de perseguições e riscos iminentes: Dante e Maquiavel conheceram
o exílio, Campanella e Galileu foram submetidos a prisão e tortura,
Thomas Morus foi decapitado por ordem de Henrique VIII, Giordano
Bruno e Etiene Dolet foram condenados à fogueira pela Inquisição,
Miguel de Servet foi igualmente queimado vivo pelos calvinistas de
Genebra, para só mencionarmos o destino trágico de alguns dos mais
famosos representantes do humanismo [...] (SEVCENKO, 1988, p. 16).

Um dos representantes do Renascimento mais conhecidos da área científica


foi Galileu Galilei (1564-1642). Ele foi processado pela Inquisição por defender a ideia
de Nicolau Copérnico (1473-1543), relacionada ao Heliocentrismo, que afirma ser o sol
o centro do sistema solar, tendo os astros girando ao seu redor. Ele chegou, inclusive, a
alertar a Igreja de que era um risco ela não aceitar que estaria errada quanto à afirmação
do pensamento geocêntrico.

Tal ideia era a favor da Terra como centro do universo, tendo os astros girando
ao redor dela. Todavia, para que não tivesse a penalidade máxima da Inquisição, Galilei
teve que, publicamente, negar a veracidade de seus estudos (BAIARDI, 2011). Galileu se
considerava um fiel católico e defendia que a Bíblia não continha erros, porém, algumas
das interpretações feitas pela igreja poderiam ser equivocadas. Além disso, Galileu também
defendia que a Bíblia não deveria ser interpretada literalmente. Quanto às questões da
ciência, sua posição era de que ela não poderia sofrer influências externas, inclusive da
religião (BAIARDI, 2011).

DICA
Para conhecer mais dos processos inquisitoriais envolvendo Galileu
Galilei, leia o artigo do professor Amílcar Baiardi (2011), disponível em:
https://bit.ly/3HMbJga.
Amplie seus conhecimentos da relação da impressa na Renascença, lendo o
artigo de Ribeiro, Chagas e Pinto, disponível em: https://bit.ly/3xLCGvL.

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Lembremos, caro acadêmico, que a Inquisição atuava com força e com o aval
dos reis. Sendo assim, a liberdade de expressão que fugisse do pensamento da Igreja não
era permitida. Outro fator relevante no período renascentista se deu por meio da maior
divulgação do conhecimento, em virtude do surgimento da imprensa, como já ressaltamos.

Os livros, antes feitos à mão, levavam muito tempo para serem confeccionados,
o que os tornavam caros e de difícil acesso e circulação. Com a invenção da imprensa
de tipos móveis por Gutemberg (1400-1468), foi possível o avanço de ideias divergentes
com mais rapidez. Contudo, não devemos achar que era tão ágil como foi após a
Revolução Industrial. Devemos lembrar, também, que o índice de analfabetismo era
muito alto, porém, entre a população que tinha acesso à educação, houve um aumento
no contato e na circulação das ideias renascentistas.

FIGURA 3 – MODELO DA IMPRENSA DE GUTEMBERG

FONTE: <https://bit.ly/39Naz7v>. Acesso em: 17 jun. 2021

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FIGURA 4 – TIPOS MÓVEIS

FONTE: <https://bit.ly/3tWAWia>. Acesso em: 17 jun. 2021

A possibilidade de publicação e disseminação dos impressos em larga escala


ocasionou uma revolução social: “O barateamento dos livros e a liberdade de acesso
aos escritos e à informação [...] contribuíram de maneira considerável para a transição
de pensamento teocêntrico passando para um modelo antropocêntrico de pensar”
(RIBEIRO; CHAGAS; PINTO, 2007) E, no cenário religioso, tal mudança trouxe preocupação
para a igreja, que tinha mais um campo para vigiar. Veremos, no Tópico 3, como ela fez
para conter as publicações que não estavam de acordo com sua doutrina.

Quanto ao desenvolvimento da teologia cristã na Renascença, alguns


pensadores foram muito importantes, entre eles Lorenzo da Valla (1407-1457), que
conseguiu comprovar que alguns “documentos” que a igreja utilizava haviam sido
falsificados, como, por exemplo, um texto atribuído a Constantino. Ele também ajudou
a elaborar técnicas de estudo da literatura sagrada. Para isso, era importante que o
estudioso dominasse as línguas antigas.

O estudo da literatura antiga foi intensificado pelos principais pensadores


italianos, como Marcilio Ficino (1433-1499) e Pico della Mirandola (1463-1494), que
“os tratavam como chaves para o futuro, cotejavam e deles se valiam como padrões
de avaliação do ensino convencional no Ocidente” (JOHNSON, 2001, p. 322). Esses
estudiosos foram fundamentais para as mudanças no ensino desse período.

Ao mesmo tempo, todo o espectro da erudição hebraica, que se


havia mantido intocado na Espanha por séculos, foi disponibilizado
para o Ocidente por Mirandola, que uniu a teosofia cabalística
judaica à cosmologia neoplatônica. Seu discípulo, o hebraísta
Johann Reuchilin, produziu a primeira gramática hebraico-cristã
em 1506 e procurou impedir a destruição desses primeiros livros
judaicos pela Inquisição dominicana. Assim, o Novo Ensino entrou

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em conflito, pela primeira vez, com a igreja estabelecida. Mas o
choque era inevitável. Agora, os homens tinham condições de
estudar os textos gregos e hebraicos no original e compará-los com
a versão recebida em latim, tratada como sacrossanta no Ocidente
por séculos (JOHNSON, 2001, p. 322-323).

Tais estudos foram importantes também para rever, inclusive, a tradução da


Bíblia conhecida como Vulgata, na qual Valla conseguiu apontar alguns erros (JOHNSON,
2001). O estudo mais intenso e a articulação com conhecimento da Antiguidade
acarretaram uma reformulação no ensino, a qual foi fundamental para o posterior
desenvolvimento da Reforma Protestante.

DICA
Um bom filme para entendermos a mentalidade Medieval em contraponto
com a Renascentista é O nome da rosa, dirigido por Jean-Jacques Annaud.
Ele é baseado no livro de mesmo nome, de Umberto Eco: https://www.
adorocinema.com/filmes/filme-2402/. Há, também, a série lançada em
2019: https://www.adorocinema.com/series/serie-22858/.

3 A INQUISIÇÃO MODERNA
Caro acadêmico, vimos que a Europa estava passando por mudanças religiosas,
políticas e sociais intensas, no final do século XV. A Inquisição estava ampliando seu
domínio, sendo instituída em diversos países. Todavia, apesar de Roma ser a sede geral
da Igreja e comandar o Tribunal do Santo Ofício, ela precisava da ajuda dos governantes
para que seu poder se efetivasse.

Nem sempre essas relações eram harmoniosas, por isso, cada país acabava
fazendo leis sobre o papel do catolicismo na vida da sociedade e como se daria o domínio
da Inquisição em seu território. Estudaremos, agora, como funcionou, na Península
Ibérica, o Tribunal do Santo Ofício, pois ele se tornou como um dos principais tribunais
inquisitoriais e, diferente de outras regiões, ele atuou com uma grande interferência do
estado, em detrimento de Roma.

Durante a Idade Média, a Península Ibérica foi o local da Europa com uma maior
convivência pacífica entre cristãos, judeus e islâmicos. Os judeus não conseguiram
ter o domínio político da região, mas os islâmicos, sim. Tal fator fez com que guerras
fossem realizadas para acabar como domínio islâmico no território, e estabelecesse o
cristianismo como liderança política e social. Tal feito só foi possível quando houve a
unificação da Espanha (NOVINSKY, 1982).

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Na Espanha, a Inquisição teve início em 1478, no governo dos Fernando de
Aragão e Isabel de Castela, conhecidos como os reis católicos. Eles haviam conseguido
unificar o território, o que causou uma perseguição intensa a quem não fosse cristão.
Contudo, com a Inquisição instalada no reino, a vida das pessoas que não eram católicas
não foi alterada. Caro acadêmico, você deve estar lembrado que a Inquisição só poderia
atuar entre os cristãos, ou seja, os que já haviam recebido o batismo. Por isso, os reis
usaram da tática de expulsão do território, para os que não se convertesse.

A Inquisição espanhola teve a intensa participação do Estado durante o seu


funcionamento. Ela é considerada a mais sangrenta das Inquisições, como explica Green:

A Inquisição atingiu o ápice da violência na Espanha, nos primeiros


cinquenta anos após sua criação, em 1478, período em que, segundo
estimativas, cerca de 50 mil pessoas foram julgadas e uma parcela
significativa desse número foi queimada na fogueira na condição de
relaxados. Em alguns anos, como em 1492, 2 mil pessoas podem ter
sido ‘relaxadas’ e outras 2 mil podem ter tido suas efígies queimadas.
Aproximadamente setecentas pessoas foram mortas só em Servilha
entre 1481 e 1488, e outras cinquenta em Cidade Real entre 1483 e
1484. Cerca de 10% da população de Toledo foi julgada pela Inquisição
entre 1486 e 1499, e 3% foi ‘relaxada’ em vida ou em efígie. Enquanto
isso, no reino de Aragão, aproximadamente mil pessoas foram
‘relaxadas’ entre 1485-1530 (GREEN, 2011, p. 32, 33).

O ano de 1492 trouxe mudanças para os espanhóis, pois eles conseguiram


consolidar a unificação, ao expulsar os últimos mouros de Granada, e, conseguiram
chegar à América, mudando completamente as relações entre os povos do mundo. Outro
passou foi dado, entretanto, em 31 de julho de 1492, quando foi assinado o Decreto de
Alhambra, ou Édito de Granada, que expulsava os judeus da Espanha. Quem quisesse
permanecer no território espanhol deveria se converter ao cristianismo e, claro, viver
como cristão. Os judeus que aceitaram, ficaram conhecidos como conversos. Muitos
judeus fugiram para outros países, principalmente Portugal.

No caso da Inquisição portuguesa, o seu alvo principal foram os cristãos-novos


acusados de práticas judaizantes. Estes eram judeus que tiveram que aceitar a fé cristã
católica ou fugir de Portugal, quando o rei D. Manuel I (1469-1521) decretou, em 1496, que
no reino português não poderia haver judeus. Esse decreto foi uma pressão feita pelos
reis católicos da Espanha, ao monarca português. Aos judeus foi dado um prazo de dez
meses para sair do reino ou se batizarem. Porém, antes de findar o prazo, o rei, temendo
a saída em massa dos judeus, ordenou o batismo forçado. Sobre esse assunto, vejamos
a explicação de Wilke:

O desenrolar final da conversão forçada é relatado por Abraão Saba,


que foi dela testemunha. Enquanto estava com dez mil outros judeus
comprimidos no pátio do edifício e provavelmente na Praça do Rossio,
o rei ordenou que os mantivessem fechados, sem comida e sem
água. Ao fim de quatro dias, apenas 40 judeus teriam resistido; o rei
mandou-os prender. Samuel Usque, concordando com fontes cristãs,
dá uma versão bastante diferente, e afirma que outras coacções foram

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impostas aos prisioneiros para que se tornassem cristãos. Os soldados
e os clérigos uniram-nos de água batismal a força, arrastando-os pelos
cabelos e pela barba até às igrejas. O único meio de se subtraírem a
essa brutalidade foi então o suicídio. Alguns saltaram pelas janelas do
edifício d’Os Estaus, ou precipitaram-se nos poços. A maioria tornou-
se cristã, como escreveria o humanista português Jerônimo Osório, por
‘um ato iníquo e injusto cometido contra as leis e contra a religião’, pois
forçando os judeus a fingir uma fé que abominavam, o rei deu azo ‘a
que, pela simulação religiosa, a religião fosse indignamente profanada’
(WILKE, 2009, p. 67).

Após esse processo de conversão forçada, uma vez “cristãos”, eles estariam
subordinados à Igreja católica e, se fossem pegos realizando práticas que fugissem do
padrão aceito pela religião dominante, poderiam ser processados pela Inquisição. Ao
obrigar esses judeus a abraçarem uma fé na qual eles não tinham interesse, a vigilância
passou a ser intensa para que eles não tivessem as práticas da sua antiga religião. Alguns
cristãos-novos procuravam praticar o judaísmo clandestinamente. A esse judaísmo
camuflado os estudiosos deram o nome de criptojudaísmo.

O início da Inquisição no solo português foi solicitado ao papa por D. João III em
1531, que reinou em Portugal entre 1521 e 1557. O papa Clemente VII constituiu o tribunal
com a bula Cum ad nihil magis, em dezembro do mesmo ano. Porém, tal decisão foi
revista após um ano. Em 1536, o papa Paulo III voltou a autorizar o estabelecimento do
tribunal em Portugal, porém de uma forma restrita, não podendo, por exemplo, confiscar
bens durante dez anos. Inicialmente, a Inquisição esteve limitada, sendo que, em 1539,
o rei D. João III concedeu ao seu irmão, D. Henrique, o cargo de inquisidor. A partir do
seu comando, tal tribunal passou a agir mais violentamente, tendo sido o primeiro auto-
de-fé realizado, em 1540. Outros tribunais foram instaurados no Reino português nas
cidades de Évora, Coimbra, Lamego, Porto e Tomar (WILKE, 2009).

O papa, no entanto, não satisfeito com os desmandos dos tribunais portugueses,


proibiu novamente que esses funcionassem, em 22 de setembro de 1544. Todavia, em 16
de julho de 1547, a Inquisição em Portugal foi reinstalada e um perdão geral foi concedido
aos cristãos-novos, promovendo-se a libertação dos presos nos cárceres inquisitoriais. O
perdão Geral era uma medida que o papa tomava, na qual era concedido o perdão a todos
que estivessem nos cárceres inquisitoriais.

A partir disso, a Inquisição portuguesa passou a ser dividida em duas partes:


Lisboa, que comandava o Centro-Norte, e Évora, o Sul do Reino. Outros tribunais foram
criados depois, um em Goa, na Índia, em 1560; outro em Coimbra, no ano de 1565. No
ano de 1568, por meio de uma carta papal, todas as graças concedidas aos cristãos-
novos foram desfeitas, e a Inquisição Portuguesa passou a agir com menos restrições
de Roma (WILKE, 2009).

Os moldes da Inquisição portuguesa foram baseados na espanhola. Cada país


acabava criando regras específicas para o funcionamento do Tribunal do Santo Ofício, pois,
devemos lembrar que religião e política não estavam separadas nessa época.

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Caro acadêmico, como já estudamos, havia dois livros principais que direcionavam
o funcionamento da Inquisição em qualquer país: O Manual do Inquisidor, escrito por
Nicolau Eymerich, em 1376, e ampliado, em 1578, por Francisco de La Peña, e o Martelo
das Feiticeiras (Malleus Maleficarum), escrito por Heinrich Kramer, em 1486. Esses dois
livros trazem as principais ideias de quem deveria passar pelo tribunal inquisitorial.

O primeiro, de forma mais genérica, aponta as principais características do inquisidor,


o que eram as heresias, como deveria ser a tortura etc. Já o segundo trata sobre quem eram as
bruxas/bruxos (ou feiticeiras) e como os inquisidores deveriam agir.

Porém, em Portugal, outros documentos trataram do funcionamento da Inquisição.


Os Regimentos Inquisitoriais foram os principais, porém, eles sofreram algumas mudanças
durante os anos. Temos, então, os Regimentos dos anos: 1552, 1613, 1640 e 1774. Além
deles, havia o Monitório do Inquisidor Geral, que era uma espécie de resumo do Manual do
Inquisidor, em que eram apontadas as principais práticas que deveriam ser denunciadas
e/ou confessadas. Esse documento era afixado nas igrejas quando a inquisição chegava
em alguma cidade.

Além desses documentos que eram mais específicos para ao trabalho da


Inquisição, havia, também, o conjunto das leis portuguesas, conhecidas como
Ordenações, que tratavam de todos os aspectos da vida dos portugueses e, claro,
também abordava aspectos religiosos. As Ordenações sofreram algumas mudanças
a depender dos reis que governassem o país. Foram elas: As Ordenações Afonsinas
(1500-1514), Manuelinas (1514-1603) e Filipinas (1603-1774).

Quando não havia um tribunal inquisitorial em alguma cidade do reino e havia


muitas denúncias de práticas consideradas desviantes da fé, era enviado um inquisidor,
ou alguém com este poder, para fazer a Visitação. Na ocasião em que o inquisidor
estivesse lá, ele deveria colher as denúncias, fazer interrogatórios, mas só poderia
aplicar penas leves.

Caso as acusações fossem mais graves, ele deveria encaminhar para o Tribunal
mais próximo. No caso do Brasil, ocorreram três visitações. Todos os casos relativos ao
Brasil Colonial foram julgados pelo Tribunal de Lisboa. No geral, os “crimes” mais comuns
apurados pela Inquisição foram:

• Práticas judaizantes: pessoas que eram acusadas de realizarem algum tipo de


práticas judaicas. Os alvos principais dessa acusação eram ao cristãos-novos.
• Sodomia: a homossexualidade foi um dos aspectos que mais ganhou repercussão em
Portugal, só “perdendo” para os cristãos-novos (MOTT, 1992, p. 704).
• Bigamia: quando uma pessoa era casada e contraía outro matrimônio, sendo que o seu
primeiro cônjuge ainda estava vivo. Isso ocorreu muito com os colonos que vieram à
América portuguesa. Muitos que já eram casados em Portugal e vinham para a colônia

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acabavam contraindo novo matrimônio e, claro, não diziam que já eram casados. Era
comum que, quando pegos, eles alegassem que achavam que suas esposas haviam
morrido, pois alguém havia falado a eles.
• Solicitantes: era quando os padres eram acusados de obterem favores sexuais nos
confessionários, de forma consensual ou não.
• Feitiçaria: pessoas acusadas de fazerem sortilégios, pacto com o diabo, entre outros.
Porém, os casos de feitiçaria foram menos comuns na Península Ibérica.
• Havia, ainda, a perseguição às pessoas que disseminassem ideias de outras vertentes
religiosas, como o islamismo, o luteranismo ou o calvinismo. Além disso, quem fosse
pego portando algum livro proibido também seria preso.

A sentença do processo não era dada de maneira rápida, como já estudamos


anteriormente. Havia casos em que a pessoa passava mais de dez anos nos cárceres.
De acordo com o manual do inquisidor, no caso de alguém que fosse preso e que
confessasse logo, porém não se arrependesse, a pena não poderia ser dada de imediato.
A pessoa deveria ser mantida pelo menos um ano presa, para que os inquisidores
pudessem ajudá-la a se arrepender, pois, segundo o manual, era mais importante levá-
la ao arrependimento (EYMERICH, 1993, p. 154). Além do que, se morto logo, ele poderia
ser considerado um mártir para seus seguidores. Era importante que os inquisidores
conseguissem extrair do réu quem eram seus cúmplices, mesmo que não conseguissem
que ele viesse a se arrepender.

FIGURA 5 – RÉPLICA DO POTRO, INSTRUMENTO DE TORTURA

FONTE: <http://www.museudainquisicao.org.br/acervo/potro/>. Acesso em: 24 maio 2021.

DICA
Para conhecer as ordenações portuguesas, visite os seguintes links.
Ordenações Afonsinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas.
Ordenações Manuelinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/.
Ordenações Filipinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm.

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3.1 ESTATUTOS DE PUREZA DE SANGUE
Os Estatutos de Pureza de sangue iniciaram na Espanha em 1449, e, em Portugal,
o processo discriminatório foi paulatino, tendo-se iniciado, sobretudo, nas ordenações
religiosas (SARAIVA, 1994, p. 113). Sobre esse tema, Carneiro (1988) nos apresenta um
panorama das leis portuguesas nas quais se excluía à participação de cargos públicos
e de ordens religiosas pessoas que tivessem em sua ascendência familiar algum tipo de
“sangue infecto”, ou seja, mouro, judeu, cigano, negro, indígena, mulatos e cristão-novo
(CARNEIRO, 1988, p. 12).

O mito da pureza de sangue afirmava a linhagem “pura” como sendo a linhagem


de Jafé, um dos filhos de Noé e a linhagem impura a dos descendentes de outro filho
de Noé, Sem, dando origem à linhagem semítica. Por isso, os cristãos-novos estavam
incluídos na linhagem impura, pois, mesmo tendo aceitado o cristianismo, continuavam
semitas, ou seja, impuros (CARNEIRO, 1988).

Portanto, para uma pessoa conseguir ter algum cargo nos governos da Espanha
ou de Portugal ou fazer parte de alguma ordem religiosa, deveria comprovar que sua
linhagem era “pura”, ou seja, se não havia ascendentes familiares de nenhuma categoria
marcada como sangue infecto. Os estatutos de pureza de sangue no reino português só
deixaram de existir no período da administração pombalina, em 1773 (CARNEIRO, 1988).

DICA
Alguns documentários sobre a Inquisição:
O martelo das feiticeiras, produzido pela National Geografic.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bt1NddkM_UE.
A estrela oculta do sertão. Elaine Eiger; Luize Valente. Brasil: Fototema, 2005.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zM6dRc5mrtM&t=24s.
Caminhos da memória: a trajetória dos judeus em Portugal. Elaine
Eiger; Luize Valente. Brasil: Fototema, 2002.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JNuz7wEd7Lw.
A santa visitação. Elza Cataldo. Brasil: Persona Filmes, 2006.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kTICGiqp2vA.

Alguns filmes sobre a temática da Inquisição:


O poço e o pêndulo. Stuart Gordon. EUA. 1991.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KLaKml78-Tk&t=1043s.
O judeu. Jom Tob Azulay. Brasil/Portugal. 1995.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UvB2LD9PGjI&t=133s.
Sombras de Goya. Miloš Forman. Espanha/EUA. 2007.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-jioJBfDn5c.

91
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O sistema feudal dominante no Medievo deu lugar, na Idade Moderna, às monarquias


absolutistas cristãs.

• O Renascimento Cultural e Científico foi, em certo ponto, combatido pela Igreja.


Mesmo assim, ele trouxe contribuições para o cristianismo, principalmente na
questão educacional pautada pelo humanismo.

• A Inquisição atuou com mais ênfase, expandido seu domínio em diferentes países,
principalmente após a Reforma Protestante.

• No contexto da Inquisição Ibérica, o catolicismo perseguiu com mais ênfase os


islâmicos e judeus, expulsando de seus territórios, ou pela conversão forçada.

92
AUTOATIVIDADE
1 Confira o trecho a seguir e, em seguida, responda à questão proposta. “Em 1615
começam a se acumular denúncias e depoimentos formais contra Galileu, a exemplo
das do padre Tomaso Caccini, que continha detalhes e envolvia os discípulos de
Galileu [...]. No seio da própria igreja havia vozes favoráveis a Galileu como a do vigário
Attavanti e do padre Mihelangelo Buonarroti. [...] De outro lado, a concorrer para a
animosidade estava o fato de Galileu, na condição de católico, entender que era sua
missão flexibilizar a interpretação da Igreja sobre Copérnico, para que a autoridade
desta não fosse atingida quando se tornasse irreversível a aceitação universal do
heliocentrismo” (BAIARDI, 2011, p. 7). Vários representantes do Renascimento Cultural
e Científico tiveram suas publicações tiradas de circulação pela Igreja, além de muitos
sofrerem processos pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Sobre esse assunto,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) No período renascentista, houve um empenho dos estudiosos humanistas com


o retorno aos estudos dos pais da igreja da antiguidade, em detrimento dos
filósofos medievais. Para isso, foi imprescindível a retomada dos estudos das
línguas clássicas, principalmente o grego e o latim.
b) ( ) Os cientistas da Renascença se envolveram em lutas contra o domínio da religião
católica, proclamando o ateísmo e o cientificismo no lugar no cristianismo.
c) ( ) Apesar do ambiente cultural favorável à busca de novos conhecimentos que
o Renascimento propiciou, havia fatores que impediam um linear avanço da
ciência nos Estados cuja influência católica era muito grande, como a constante
fiscalização, por parte da Igreja, do que era proposto pelos cientistas.
d) ( ) Um dos representantes do Renascimento mais conhecidos da área científica foi
Galileu Galilei. Ele foi processado pela Inquisição por defender o pensamento de
Nicolau Copérnico, o Geocentrismo, que afirma ser a terra o centro do sistema solar.

2 O Tribunal do Santo Ofício, criado no período Medieval, adentrou a Idade Moderna


com mais força. Sobre esta instituição, analise as sentenças a seguir:

I- A Inquisição na Península Ibérica teve a intensa participação do Estado durante o seu


funcionamento, fazendo com que o papado não tivesse sobre ela tanta autoridade.
II- No caso da Inquisição portuguesa, seus alvos principais foram os mouros e os
cristãos-novos acusados de práticas judaizantes.
III- O criptojudaísmo consistiu na prática do judaísmo por judeus convertidos ao
catolicismo em Portugal.

93
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A Inquisição teve diferentes formas de atuação, a depender da época e do país. Tendo


em vista o que estudamos da Inquisição Ibérica, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas.

( ) Em Portugal, os crimes que mais tiveram sentenciados pela Inquisição fora a


bruxaria e o luteranismo.
( ) Visando a agilidade no processo inquisitorial, quando o réu confessava, logo sua
pena era lida e o processo encerrado.
( ) Os Estatutos de Pureza de Sangue visavam separar a sociedade espanhola e
portuguesa em puros e impuros. Os considerados “sangue infecto” eram os mouros,
judeus, ciganos, negros, indígenas, mulatos e cristãos-novos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Uma das principais características do Renascimento Cultural e Científico foi a adesão


ao Humanismo, principalmente no campo educacional. Explique em que consistia o
humanismo e qual o impacto para aquela sociedade.

5 Confira o trecho a seguir e, em seguida, responda à questão proposta. “Uma das


melhores razões para se concentrarem na Inquisição em Portugal e na Espanha é
o fato de que se trata de uma história de poder e abuso de poder [...]. Durante o
estabelecimento da Inquisição em Portugal, o papado foi sempre mais benevolente
do que o governo português [...]” (GREEN, 2011, p. 24). As inquisições ibéricas se
diferenciaram das instaladas em outros países. Com base no que foi estudado,
explique o que diferenciou a Inquisição em Portugal e Espanha dos demais países.

94
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
PERÍODO DE REFORMAS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos até aqui os principais passos do cristianismo
e sua luta contra as ideias consideradas heréticas. Porém, em 1517, um novo cisma
ocorreu dentro da cristandade, com o monge Martinho Lutero (1483-1546) expondo seu
pensamento a respeito das vendas de indulgências.

É importante lembrarmos que, politicamente, Igreja e Estado caminhavam


juntas nos países europeus, mesmo nos locais onde a unificação ainda não havia
ocorrido, como nas atuais Alemanha e Itália. A força do papado estava mais consolidada
e o catolicismo tornava-se hegemônico em países como Espanha e Portugal, na medida
em que conseguiu expulsar os mouros e judeus de seus territórios.

Todavia, o período em que antecedeu a Reforma Protestante foi marcado por


uma igreja que descuidou, em alguma medida, do seu clero. Era comum que muitos
padres tivessem amantes, filhos, o que era proibido, todavia, acontecia sem maiores
punições. No tocante à teologia, alguns abusos ocorriam, como nas questões da venda
de indulgências e de relíquias consideradas sagradas. Tendo em vista esse cenário,
estudaremos a partir de agora como ocorreu o segundo cisma católico, a partir de
Martinho Lutero.

Neste tópico, abordaremos o início da Reforma Protestante e seus


desdobramentos nas questões religiosas, políticas e sociais. Veremos os principais
conflitos entre católicos e protestantes, e, também, os conflitos dentro do protestantismo.

2 A REFORMA PROTESTANTE
Caro acadêmico, abordaremos, agora, os principais aspectos do movimento da
Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero. Esse foi o segundo rompimento que
ocorreu com a Igreja Católica. Várias igrejas surgiram a partir dele, e desenvolveram
doutrinas diversas. O protestantismo abalou a hegemonia do catolicismo romano na
Europa Ocidental e na América.

95
2.1 O LUTERANISMO
Para entendermos o processo que levou a formação da igreja luterana, de acordo
com Eliade (2011), faz-se necessário conhecer um pouco da vida de Martinho Lutero,
pois foram suas inquietações e experiências que o fizeram questionar alguns aspectos
da doutrina aceita pela Igreja católica. Personagem central no movimento reformista,
nasceu em Eisleben, no atual território alemão. Aos 22 anos, ingressou para a ordem dos
agostinianos, na cidade de Erfurt, e, em 1507, ordenou-se sacerdote. A partir daí, iniciou
como professor na universidade de Erfurt e Wittenberg. Lutero passou por período de busca
espiritual intensa. Foi a Roma e ficou transtornado pelo que considerou “decadência da
Igreja” (ELIADE, 2011, p. 225), em virtude da vida desregrada em que muitos sacerdotes
viviam. Outra questão que o atormentava era a ideia de um Deus vingativo, punitivo, mesmo
quando pensava na figura de Jesus, como nos explica o historiador Lucien Febvre:

[...] tudo, até as obras de arte nas capelas ou nos pórticos das igrejas,
falava ao jovem Lutero de um Deus terrível, implacável, vingativo,
que contabilizara rigorosamente os pecados de cada um para jogá-
los na face aterrorizada de miseráveis fadados à expiação. Doutrina
atroz, do desespero e dureza; e qual o pobre alimento de uma alma
sensível, impregnada de amor e ternura? [...] Assim, depois de entrar
no convento para ali descobrir a paz, a ditosa certeza da salvação,
Lutero só encontrou a dúvida e terror. Em vão, para desarmar a ira
atroz de um Deus enfurecido, redobrava as penitências, mortíferas
para seu corpo, irritantes para sua alma (FEBVRE, 2012, p. 30, 31).

O relato de Febvre sobre a angústia de Lutero é importante para percebermos


como sua inquietude interior foi o impulso para o estudo da teologia. Febvre (2012)
relata que, ao meditar sobre a justiça de Deus, Lutero passou a compreender de forma
diferente a relação de Deus com a humanidade, vejamos:

[...] compreendeu o monge que a justiça de que falava São Paulo, a


justiça que o evangelho revelava ao homem, era ‘a justiça em que vive
o justo, por dom de Deus, se tiver fé’, a justiça passiva dos teólogos,
‘aquela mediante a qual Deus em Sua misericórdia, nos justifica por
meio da fé, segundo o que está escrito: “o justo viverá pela fé”. [...]
‘Imediatamente, senti que renascia. As portas se abriram de par em
par. Entrei no paraíso. As Escrituras inteiras me revelavam outra face’
(FEBVRE, 2012, p. 34, 35).

Foram seus estudos da carta aos Romanos, a qual ele considerava o texto mais
importante da Bíblia, que Lutero chegou à conclusão de que é a fé em Jesus que salva, e
esta salvação só pode ser concedida por Deus e de forma gratuita. “Lutero elaborou essa
descoberta em seu curso de 1515, desenvolvendo o que ele chamava de uma ‘teologia da
cruz’” (ELIADE, 2011, p. 225). Essa visão foi sendo desenvolvida por ele em seus estudos,
ensinos e sermões. Observemos que ela contrasta com importância dada a questão das
obras e dos ritos, além das indulgências que eram tão divulgadas pela Igreja. O dinheiro e
os bens adquiridos por meio das indulgências eram usados para sustentarem conventos,
monastérios, construções de igrejas, dentre outras coisas. Era uma entrada de renda
significativa para Roma e os Estados.
96
O desgosto de Lutero com a venda de indulgências ficou mais latente com as
pregações do dominicano Tetzel, no território alemão. A ênfase nas indulgências era
para angariar fundos para a construção da basílica de São Pedro (SHELLEY, 2004). Em
31 de outubro de 1517, Lutero tornou públicas as suas teses que iam de encontro a ideia
das indulgências. Enviou uma carta ao papa Leão X procurando explicar seus motivos,
e este o convocou para ir a Roma se desculpar. Lutero conseguiu, pela influência de
Frederico III, eleitor da Saxônia, que seu caso fosse julgado no território germânico
(ELIADE, 2011), e não se retratou.

Em 1519, Lutero atacou a questão do primado papal e o papa lançou a bula


Exsurge Domine, que até aceitava alguns pontos das teses de Lutero, todavia, exigia
que Lutero se retratasse com relação à maioria das ideias apresentadas. Lutero não
aceitou a determinação papal e queimou a bula. A partir disso, seus escritos passaram
a criticar outras questões da doutrina católica, como a supremacia papal em relação
as reuniões dos concílios, as diferenças entre leigos e o clero, manifestando a ideia
do sacerdócio universal e, passou a aceitar como sacramento somente o batismo e a
eucaristia (ELIADE, 2011). Nessa fase, “Lutero passou de sua primeira convicção – a de
que a salvação se dá somente pela fé em Cristo – para a segunda: a de que as Escrituras,
e não os papas e os concílios, fornecem as diretrizes da fé e do comportamento cristão”
(SHELLEY, 2004, p. 268, 269).

Pela atitude de Lutero, o próximo passo seria o início de um processo pela


Inquisição contra ele, porém, o príncipe Frederico III o escondeu em seu castelo em
Wartburg durante cerca de um ano. Nesse período de reclusão, Lutero traduziu a Bíblia
para o alemão, algo que era totalmente proibido pela igreja católica (SHELLEY, 2004).
A Igreja Ocidental não aceitava que versões da Bíblia, traduzidas ou não, estivessem
disponíveis ao público em geral. Como ela tomava para si a tarefa de interpretar os
escritos sagrados, dar acesso a Bíblia poderia gerar interpretações heréticas. Vejamos o
comentário de Johnson a esse respeito:

Após os valdenses, as tentativas de estudar a Bíblia constituíam


prova circunstancial de heresia – a pessoa poderia ir para a fogueira
só por isso [...] A partir de fins do século XIV, a disponibilidade da Bíblia
para o público tornou-se o objeto central das disputas entre a Igreja
e sus críticos, tais como os wycliffistas e hussitas. Nenhuma Bíblia
popular era permitida pelas autoridades, exceto na Boêmia – que na
verdade, havia rompido com Roma, por volta de 1420; por outro lado,
essas versões vernáculas jamais foram suprimidas de forma eficaz
(JOHNSON, 2001, p. 329).

O estudo da Bíblia era um dos pontos principais levantados pelos reformistas


a partir de Lutero. Portanto, tornou-se fundamental disseminar os escritos nas línguas
populares. Para que isso fosse feito, era necessário um conhecimento amplo das línguas
em que a Bíblia fora escrita.

97
FIGURA 6 – BÍBLIA DE LUTERO EXPOSTA NA BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://bit.ly/3Ac0I33>. Acesso em: 24 maio 2021.

Ao sair da reclusão, Lutero se deparou com um movimento em curso, que queria


mudanças mais estruturais no território germânico. Suas ideias de reforma religiosas
foram vistas por alguns camponeses, liderados por Thomas Müntzer (1489- 1525), como
o início para mudanças mais profundas, como a tomada das terras da igreja católica e
sua divisão entre os menos favorecidos. As revoltas se espalharam e Lutero escreveu
contra os revoltosos, como explica Shelley (2004, p. 272): “Em 1525, os príncipes e
nobres reprimiram as revoltas, o que custou 100 mil vidas de camponeses. Os que
sobreviveram consideram Lutero um falso profeta. Muitos deles voltaram ao catolicismo
ou se interessaram por formas ainda mais radicais da Reforma”. Retomaremos a questão
desses movimentos mais adiante.

Em 1522, Lutero voltou a Wittenberg, onde passou a reformular a liturgia da


igreja. O reformador contou com o apoio de duques e príncipes germânicos. Segundo
Shelley, “[...] ele aboliu o ofício de bispo por não encontrar base para tal nas Escrituras.
A igreja precisava de pastores, não de dignatários. A maioria dos ministros da Saxônia e
arredores abandonou o celibato” (SHELLEY, 2004, p. 271).

Outros acontecimentos importantes para o rompimento com o catolicismo


romano ocorreram quando Filipe Melanchthon (1497-1560), auxiliar de Lutero no
movimento reformista, foi o responsável por produzir o documento apresentado aos
líderes do Sacro Império Romano Germânico sobre as doutrinas da nova igreja. Esse
documento ficou conhecido como Confissão de Augsburgo, e ainda é um documento
relevante para a igreja Luterana. Todavia, ainda não havia um consenso sobre esse novo
formato de cristianismo, e não se sabia como ele seria aceito nas diversas regiões. O
próprio imperador do Sacro Império Romano Germânico, Carlos V (1500-1558), não se
mostrou favorável à separação com Roma, vejamos a explicação de Shelley:

98
Depois de 1530, o imperador Carlos V deixou clara sua intenção
de reprimir a crescente heresia. Em sua defesa, os príncipes
luteranos uniram-se em 1531 na Liga Schmalkald, e entre 1546 e
1555 irromperam esporadicamente uma ou outra guerra civil. Os
combatentes firmaram um compromisso na paz de Augsburgo
(1555) que permitia a cada príncipe decidir a religião de seus súditos
(SHELLEY, 2004, p. 274).

A paz de Augsburgo foi o acordo que trouxe mudanças profundas para o


território alemão. Os príncipes deste território poderiam decidir sobre a religião dos seus
súditos. O luteranismo passou a ser amplamente difundido. Ele se tornou uma religião
estatal, assim como era o catolicismo.

Na vida de Lutero, mudanças importantes aconteceram, quando seus


escritos chegaram de forma escondida, ao mosteiro Sistersinianas Trono de Maria, em
Nimbschen. Lá, algumas freiras passaram a ler as obras de Lutero e escreveram para ele
pedindo ajuda. Lutero, com o apoio de alguns amigos, conseguiram ajudar cerca de doze
monjas a fugirem. Essas mulheres encontravam-se em uma situação complicada, pois
suas famílias não queriam recebê-las, tendo em vista que o ato delas era considerado
escandalosos. Tampouco elas poderiam ficar nos monastérios masculinos. Foi assim
que pensaram, então, em arranjar casamento para elas (ULRICH, DALFERTH, 2017). Um
dessas mulheres, Katharina Von Bora (1499-1552), foi acolhida pela família de Lucas
Cranach (1472- 1553) e, posteriormente, casou-se com Lutero.

Lutero continuou escrevendo, geralmente, para combater alguma ideia, e


acabava indo além nas questões teológicas. Entre seus alvos, estavam algumas ideias
de Tomás de Aquino (1225-1274) e de Ockham (1285-1347). Vejamos:

Segundo o ensinamento da Igreja medieval, ilustrado sobretudo por


Tomás de Aquino, o fiel que praticava o bem num estado de graça
contribuía para sua própria salvação. Por outro lado, cuidavam os
numerosos discípulos de Ockham que a razão e a consciência, dons
de Deus, não foram anulados pelo pecado original; por conseguinte,
aquele que faz o bem segundo sua tendência moral natural recebe
a graça como recompensa [...]. Nos Argumentos contra a teologia
escolástica, Lutero atacou vigorosamente essa doutrina. A vontade
humana por sua própria natureza, não é livre para fazer o bem.
Depois da queda, já não se pode falar em ‘livre arbítrio’, pois o que
desse momento em diante domina o homem é seu egocentrismo
absoluto e a busca furiosa de suas próprias satisfações (ELIADE,
2011, p. 228, grifos do original).

A teologia de Lutero se aproximava do pensamento de Agostinho, assim como


ocorreu, posteriormente com Calvino. Nas questões de razão e fé, Lutero se opunha à
visão de que houvesse uma harmonia entre elas. Lutero defendia que a Igreja precisava
de uma reforma em sua teologia e não nas questões morais. Essa reformulação ocorreria
pelo estudo acurado das línguas antigas para poder auxiliar no estudo das Escrituras
(MCGRATH, 2007, p. 66).

99
Um dos conflitos de ideias no qual Lutero se envolveu foi com Erasmo de Roterdã
(1466-1536), teólogo, escritor e um dos grandes nomes do Renascimento cultural.
Inicialmente, quando Lutero expôs as 95 teses, Erasmo sugeriu a Igreja que não o condenasse,
mas que dialogasse. Essa postura não foi bem-vista nem pela Igreja, nem por Lutero, pois
ambos impunham que ele definisse de qual lado estava. Antes mesmo de Lutero, Erasmo
já criticava algumas posturas da Igreja e falava da necessidade de mudanças. Vejamos
algumas questões levantadas por Erasmo.

Erasmo recusava-se a contribuir para a fragmentação da


comunidade cristã; abominava a guerra, a violência verbal e a
intolerância religiosa. Clamava por uma forma radical do cristianismo
ocidental e pronunciara-se não só contra as indulgências, a
indignidade dos sacerdotes, a imoralidade dos bispos e cardeais e a
impostura dos monges, como também contra o método escolástico
e o obscurantismo dos teólogos. Acreditava em uma educação mais
racional e lembrava sempre o grande proveito que o cristianismo
pode tirar da assimilação da cultura clássica. Seu ideal era a paz, tal
como havia sido pregada por Cristo: somente ela podia assegurar a
colaboração entre as nações europeias (ELIADE, 2011, p. 228, 229).

Perceba, caro acadêmico, que o pensamento de Erasmo convergia em


vários aspectos com o que pregava Lutero. São notórias, também, as influências do
pensamento renascentista, como já estudamos. Essa recusa em nortear sua vida
religiosa nos preceitos Medievais, direcionados pelo método escolástico, era uma das
bases da educação humanista a qual já nos referimos. Inicialmente, Erasmo até defendeu
Lutero, porém, como os discursos do reformador passaram a ser mais contundentes, o
rompimento se concretizou e Erasmo passou a tecer críticas a ele. O principal ponto
de divergências dos dois foi a questão do livre arbítrio, que Erasmo defendia e Lutero,
não (ELIADE, 2011). Apesar dos esforços de Erasmo em manter a unidade cristã e o
diálogo de ideias, seus livros foram considerados perigosos, sendo proibidos pela Igreja
no Concílio de Trento, o qual estudaremos na próxima Unidade (JOHNSON, 2001).

Uma das polêmicas envolvendo as posturas de Lutero se deu em torno de um


dos seus escritos “dos judeus e suas mentiras”, em que ele conclama um levante contra
os judeus, como foi feito nos países ibéricos. Sua postura sobre as revoltas anabatistas
também são alvo de críticas. Todavia, sua grande contribuição ao pensamento religioso
tornou-se seu principal legado.

DICA
Acadêmico, confira algumas dicas de filmes sobre Lutero e sua história nos
links a seguir:
• Martinho Lutero. Direção de Irvring Pichel. Alemanha: 1953. Disponível
em: https://filmow.com/martinho-lutero-t26173/ficha-tecnica/.
• Luther. Direção de Eric A. Stillwell. Alemanha: 2003. Disponível em:
https://filmow.com/lutero-t1843/ficha-tecnica/.

100
2.2 HULDRYCH ZWINGLI
Representante importante da Reforma Protestante, Zwingli (ou Ulrico Zuínglio)
(1484-1531), iniciou um movimento de mudanças na Igreja na cidade de Zurique, na
mesma época em que Lutero desenvolvia suas ideias em Wittemberg. Antes da unificação,
o território da atual da Suíça era a Confederação Helvética, formada por estados
independentes. Zwingli foi a figura responsável por disseminar as ideias da Reforma pela
Confederação, abrindo o caminho para Calvino posteriormente (MAINKA, 2001).

Em 1506, Zwingli foi ordenado sacerdote católico na cidade de Glarus.


Considerava-se fiel ao papa, e também à sua terra, chegando a lutar contra a dominação
francesa no território. Todavia, passou a ser fortemente influenciado pelas ideias
de Erasmo de Roterdã, principalmente no que diz respeito ao pacifismo. Com essa
influência, Zwingli adotou em suas práticas o estudo humanista, chegando a aprender
grego para poder ler os textos bíblicos no original. A partir do seu contato com a leitura
do Novo Testamento, ele

[...] encontrou um novo acesso à Bíblia que continha, como ele


começou a conhecer, numa linguagem bem simples, os mais
profundos pensamentos. Tal caminho invocava os homens para uma
vida verdadeiramente cristã suprimindo os desejos e as afecções
sensuais do corpo. O seu ideal de uma religiosidade ativa, que se
orientaria diretamente na vida de Cristo, opôs-se às condições
da igreja católica naquele tempo, o qual era determinada por uma
multiplicidade de ordens e pelo complicado sistema da Escolástica.
Apesar dessa crítica clara à igreja, Zwingli ainda não afrontava
diretamente a doutrina oficial do Catolicismo (MAINKA, 2001, p. 143).

Diante da postura política antifrancesa que adotou com relação aos assuntos no
território Suíço, Zwingli teve que sair da região de Glarus, pois esta estava governada pelo
partido pró-França. Zwingli passou a ser sacerdote em Maria-Einsiedeln e, posteriormente,
em 1519, se estabeleceu na região de Zurique. Ao desenvolver seus estudos, ele concluiu
de que a Bíblia deveria nortear a vida da igreja. É importante salientar que tal concepção
não veio da influência de Lutero, sendo um movimento concomitante:

De um ponto de partida diferente de Lutero, que estava interessado


especialmente na justiça de Deus, Zwingli, se ocupando
especialmente com a questão da autoridade decisiva para renovar a
igreja e toda a vida, encontrou o mesmo princípio: a Bíblia Sagrada.
Além do princípio, só a Escritura, ele descobriu também, logo a
seguir – plenamente de acordo com Lutero – o princípio, só Cristo
(MAINKA, 2001, p. 143).

As críticas de Zwingli ao catolicismo ficaram cada vez mais contundentes.


Em alguns pontos, suas práticas foram até mais incisivas do que as de Lutero, como
na questão da adoração aos santos, bem como das restrições alimentares durante a
quaresma, o que ele próprio ridicularizava a ordenança da Igreja ao comer carne em
público. Também se opôs à imposição do celibato aos sacerdotes.

101
O clima de insatisfação foi se ampliando, até que o conselho municipal
convocou um debate em Zurique, sobre os pontos discordantes da Igreja que estavam
sendo levantados por Zwingli. No debate, ele expôs suas ideias no que chamou de “67
discursos finais”, quando explicou:

[...] os seus princípios, só a Escritura e só o Cristo, contra a doutrina


e a prática da igreja tradicional [...]. Com os seus argumentos,
Zwingli conseguiu apoio, e o conselho municipal decidiu que ele
poderia continuar o seu trabalho na cidade sem limitações. Além
disso, também os outros pregadores em Zurique deveriam se
orientar pela sua base teológica e observar somente a norma da
Bíblia (MAINKA, 2001, p. 144).

Com o apoio que Zwingli recebeu, uma nova igreja foi sendo estruturada em Zurique,
sob sua liderança. Porém, outro líder, Conrado Grebel, passou a expor a necessidade de
mudanças mais consistentes, como a separação da Igreja com o Estado, algo que Zwingli
não concordava, além do batismo somente de adultos, e não de crianças como a igreja
era acostumada a fazer. Tais divergências geraram perseguições sérias ao grupo que ficou
conhecido como anabatistas. Sobre esse tema, estudaremos mais adiante.

Outro fator relevante da atuação de Zwingli em Genebra está relacionado


à educação dos sacerdotes. Ele percebeu que era importante que houvesse escolas
especializadas para a formação do corpo eclesiástico da cidade. Fundou uma escola
bíblica que se transformou em universidade posteriormente. A educação teológica
tinha por base os estudos dos textos sagrados nas línguas originais, uma influência do
humanismo (MAINKA, 2001).

Caro acadêmico, você pode estar se perguntando sobre a relação entre Zwingli
e Lutero, já que, para nós, hoje, pareça que as ideias deles convergiam. Entretanto, não
houve uma união entre os dois reformadores. Zwingli não concordou com o documento
enviado pelos luteranos às autoridades, a confissão de Augsburgo, principalmente
sobre a questão da eucaristia. Zwingli, como já expomos, trouxe ideias mais radicais que
Lutero, e via os elementos eucarísticos apenas como pão e vinho, não aceitando uma
presença física de Cristo em tal rito. Essa questão foi levada tão a sério que se tornou
o ponto decisivo para que os dois reformadores não se unissem. Lutero não aceitava
que Cristo era sacrificado a cada celebração da ceia, como, segundo ele, afirmavam
os católicos; ele acreditava que havia a presença real nesse momento. Já Zwingli via
a cerimônia como um símbolo, um momento de lembrança do sacrifício de Cristo, ou
seja, nem aceitava a transubstanciação católica, nem a consubstanciação Luterana
(MAINKA, 2001).

Para contrapor o documento enviado pelos luteranos, Zwingli elaborou a


Confissão Ratio Fidei, em 1530, e enviou ao rei francês Francisco I, que era amigo do
protetor político de Zwingli. Nessa confissão, constavam os pontos que estavam sendo
ensinados em Zurique, inclusive com relação à eucaristia.

102
Todavia, as querelas religiosas passaram a ser o centro de discórdia da
Confederação Helvética, o que gerou duas guerras conhecidas como guerras de Kappel.
Em uma das batalhas, Zwingli foi morto e as tropas de Zurique derrotadas. Essa derrota
freou o avanço do protestantismo na região da Suíça por um tempo, mas foi retomado,
como veremos a seguir, com a figura de Calvino.

2.3 O CALVINISMO
Nascido na França, João Calvino (1509-1564) já havia decidido rejeitar o
catolicismo ainda aos 24 anos de idade. Unindo e reelaborando as ideias de Lutero
e de Martin Bucer (1491-1551), Calvino escreveu o que veio a ser sua principal obra,
Instituição da Religião cristã, ainda em 1536 (JOHNSON, 2001). O interessante de suas
ideias é que não ficaram restritas a uma denominação, como no caso do luteranismo ou
anglicanismo. O calvinismo acabou influenciando diversas denominações protestantes
que vieram a surgir, e a grande inspiração de seu pensamento estava nas obras de
Agostinho. Assim como Lutero, Calvino concordava com a teoria da predestinação
divina, sobre a qual ele se debruçou mais até do que Lutero, inclusive os seguidores de
Calvino desenvolveram ainda mais essa hipótese posteriormente.

Essa doutrina aterrorizante da eleição ou danação foi tornada mais


palatável pelo fato de a eleição ser demonstrada pela comunhão com
Cristo – ou seja, na prática, pelo pertencimento a uma congregação
Calvinista: ‘quem quer que se encontre em Jesus Cristo e seja
membro desse corpo de fé, esses tem garantida sua salvação’.
Enquanto evitassem a excomunhão, a pessoa estava em segurança.
Eis o ponto forte e a vulnerabilidade do calvinismo: para quem não
aceita o terrível argumento da dupla predestinação, ele é abominável;
para quem o aceita, é quase irresistível (JOHNSON, 2001, p. 346).

Para que a comunidade religiosa conseguisse diferenciar os eleitos dos não


eleitos foi que, em Genebra, foi criado um órgão de fiscalização e decisório conhecido
como Consistório. Muitas cidades da Suíça aceitaram as ideias protestantes. Genebra
foi influenciada pelas pregações reformadas de Guilherme Farel (1489-1565) e pela
cidade de Berna. No ano de 1536, em assembleia, os cidadãos concordaram em aderir à
Reforma e viverem segundo a Bíblia. Após a assembleia, João Calvino foi convidado por
Farel para morar em Genebra e o auxiliar na implantação das ideias reformadas (MATOS,
2013, p. 65). Ele, que tentava se fixar em Estrasburgo pois estava fugindo da França por
questões religiosas, acabou aceitando o convite de Farel.

Após sua chegada à cidade, a missa foi banida, assim como as demais formas
de protestantismo. Quem não quisesse se submeter era excomungado e expulso da
cidade e, em alguns casos, até mesmo morto. Calvino, inclusive, se posicionou favorável
à perseguição e morte dos anabatistas. Vejamos o comentário de Johnson:

103
[...] a execução, como descobriu Calvino, também era útil para inspirar
terror e, assim, acarretar obediência. Um de seus modos preferidos de
triunfar sobre um oponente consistia em fazê-lo queimar seus livros
em praça pública, com suas próprias mãos – Valentin Gentilis salvou
sua vida submetendo-se a essa indignidade. Era particularmente
severo com qualquer um que se rebelasse contra seu governo ou
recorresse ao Novo Ensino para questionar a doutrina da Trindade
(JOHNSON, 2001, p. 348).

Todavia, nem sempre as ideias de Calvino foram aceitas em Genebra. Um dos


pontos de discórdia ocorreu em virtude da questão da ceia, em que as autoridades
de Genebra queriam que o pão servido fosse sem fermento. Calvino e Farel não
concordaram e foram expulsos de Genebra. Calvino passou cerca de três anos em
Estrasburgo, atuando junto com o teólogo Martin Bucer. Foi uma época bastante
profícua com relação aos seus estudos na teologia e na produção literária. Em 1540, ele
se casou com a viúva Idelette de Bure (1506-1549) (ELIADE, 2011). Sobre o conjunto das
obras de Calvino, Eliade explica:

A teologia de Calvino não constitui um sistema. É antes uma súmula


comentada do pensamento bíblico. Calvino explora e estuda os
dois Testamentos, lidos e entendidos muitas vezes à luz de santo
Agostinho. Reconhece-se da mesma forma a influência de Lutero,
ainda que ele não seja citado. Calvino debate, numa ordem bastante
pessoal, os problemas essenciais de sua teologia: o conhecimento
de Deus como criador e senhor, o decálogo e a fé (segundo o símbolo
dos apóstolos), a justificação pela fé e pelos méritos das obras, a
predestinação e a providência de Deus, os dois sacramentos válidos
(o batismo e a eucaristia), sem esquecer-se da prece, dos poderes
eclesiásticos e do governo civil. Para Calvino, o homem não deixa
nunca de ser pecador: suas “boas obras” só podem ser aceitas pela
graça divina. A distância entre o Deus transcendente e a criatura
pode ser abolida pela revelação conservada nas Escrituras. O
homem, no entanto, não pode conhecer Deus n’Ele mesmo, mas
apenas como Senhor que se revela aos seres humanos [...] (ELIADE,
2011, p. 232-233, grifos do original).

Quando a oposição a Calvino não estava mais no comando em Genebra, ele


foi convidado a retornar. O convite foi aceito com algumas exigências, como a garantia
de que ele poderia criar um conjunto de leis para a Igreja em Genebra. Tal exigência
foi acatada e ele “apresentou às autoridades as Ordenanças eclesiásticas, que
previam a existência de quatro classes de oficiais na igreja reformada local: pastores,
doutores, presbíteros e diáconos” (MATOS, 2013, p. 65). Ficava a cargo dos presbíteros
a fiscalização da comunidade, e eram eleitos pelos magistrados civis. Já os doutores e
pastores faziam parte do Consistório. Esse órgão tinha a função de tribunal criado para
as questões religiosas. Segundo Matos:

Os pastores e os presbíteros passaram a se reunir semanalmente no


Consistório, uma espécie de tribunal eclesiástico, que se tornou o
principal órgão encarregado da disciplina em Genebra. Seu principal
objetivo era a supervisão sistemática da vida moral e religiosa da
população. Essa instituição ilustrava a integração entre igreja e estado

104
que era um lugar comum na Europa do século 16. [...] O problema é
que as autoridades civis de Genebra também reivindicavam o direito
de se pronunciar sobre os casos levados ao Consistório. A maior parte
dos pecados que requeriam censura eclesiástica estavam igualmente
inseridos nas leis civis daquela cidade-estado. Surgiu, assim, um
conflito de competência entre as duas esferas, principalmente no
que diz respeito à excomunhão e readmissão à mesa do Senhor
(MATOS, 2013, p. 65, 66).

O conflito entre os limites do Estado e da religião em Genebra não estavam


claros. Calvino lutava para enfrentar os que ele considerava “libertinos”, pois não
queriam seguir os padrões morais que ele impunha. Percebemos que a herança
da Inquisição católica esteve presente no mundo protestante, seja para punir os
considerados hereges, ou os que iam de encontro a moral estabelecida. Para Calvino,
Igreja e Estado deveriam estar juntos, porém, a Igreja não tinha que se submeter ao
Estado em caso de conflito entre ambas.

Um dos casos mais conhecidos de execução em Genebra foi a do médico Miguel


Servet (1511-1553). Nome conhecido do Renascimento, ele descobriu como funcionava
a circulação sanguínea. Inicialmente católico, após conhecer as ideias dos anabatistas,
acabou acolhendo várias de suas posições, principalmente sobre o batismo ser somente
na idade adulta. Ele começou a escrever para Calvino e fazer-lhe perguntas sobre seus
posicionamentos teológicos. Calvino enviou um exemplar de sua obra Institutas, a qual
Servet fez várias anotações e devolveu a Calvino. Não aceitando seus comentários,
Calvino parou de respondê-lo e solicitou a um primo seu, católico, que fizesse algo
para parar Miguel de Servet. Este foi aprisionado pela Inquisição, mas conseguiu fugir.
Porém, foi a Genebra, onde o reconheceram e o denunciaram. Foi julgado e condenado
principalmente devido à recusa em aceitar a ideia da Trindade, sendo queimado em
1553 (MATOS, 2013).

Genebra, no tempo de Calvino, passou a ser a cidade visitada por diversas


pessoas que queriam conhecer mais de perto o movimento reformista. Ela passou a ser
o modelo, que muitos quiseram imitar na Europa, de um local que era regido, segundo
eles, pelos ensinamentos bíblicos.

2.4 OS ANABATISTAS
Os anabatistas receberam vários rótulos no início do movimento protestante,
principalmente o de radicais. A expressão anabatista foi um apelido dado pelos seus
adversários, pois significava “rebatizador” (SHELLEY, 2004). A ênfase do seu discurso
atingia tanto aos católicos quanto aos protestantes. Atualmente, as denominações
menonitas e amish são as herdeiras do seu legado. Esse movimento pode ser divido em
três fases: revolucionários, pacifistas e milenaristas (ROSA, 2016). Abordaremos, agora,
as principais características dessas fases.

105
O movimento anabatista surgiu na década de 1520 e atingiu diversas cidades,
tanto do território germânico, como em Zurique. Apesar de haver diferenças entre as
fases, alguns posicionamentos eram constantes nas vertentes anabatistas.

A não aceitação do batismo infantil talvez tenha sido um dos maiores conflitos
entre eles e o protestantismo na época. Tal ponto se relacionava à ideia de que o Estado
não deveria estar ligado à religião, pois, segundo os anabatistas, o indivíduo deveria poder
escolher a religião que quer seguir. Por isso, defendiam que o batismo só poderia ocorrer na
fase adulta, quando o indivíduo, por sua livre escolha, decidisse fazer parte de tal seguimento
religioso. O batismo infantil condicionava o indivíduo a determinada religião, devido ao pacto
entre Igreja e Estado, e isso o levava a uma vida sem o poder de escolha no campo religioso:

Eles criam que a Reforma deveria purificar não apenas a teologia, mas
também a vida integral dos cristãos, especialmente no que se referia
aos relacionamentos sociais e políticos. Portanto, a igreja não deveria
ser apoiada pelo Estado, nem por dízimos, nem por impostos, nem
pelo uso da espada. O Cristianismo era uma questão de convicção
individual, que não poderia ser imposta a quem quer que fosse mas,
ao contrário, requeria uma decisão pessoal. Segue-se, então, que
infantes não deveriam ser batizados, pois eles não podem fazer tal
decisão. (GONZALEZ, 2004, p. 89, 90).

O movimento anabatista foi o primeiro grupo após o início da Reforma a defender


a separação entre Igreja e Estado. Outro ponto amplamente aceito pelos anabatistas era
o de não se alistar ao exército (ROSA, 2016). Os anabatistas aceitavam diversos pontos
da reforma, por isso eles são conhecidos como a reforma dentro da reforma. Entre as
ideias que eles defendiam que estavam presentes nos demais movimentos reformistas,
estavam “a sola scriptura, o sacerdócio universal, a liberdade cristã e a responsabilidade
individual” (ROSA, 2016, p. 129, grifos do original).

Um dos primeiros líderes anabatistas foi Konrad Grebel (1498-1526), um leigo,


que morava em Zurique e rebatizou Georg Blaurock (1491-1529). A comunidade liderada
por Zwingli perseguiu ferozmente os anabatistas nessa região. Além dos pontos que
já ressaltamos dos anabatistas, Grebel criticava a igreja em Zurique pela “cobrança
de dízimo, a missa e as imagens, e alguns chegaram a defender a morte de padres
e monges” (ROSA, 2016, p. 128). Após o batismo realizado por Grebel, o conselho em
Zurique determinou que aos anabatistas fosse dada a pena de morte, sendo bastante
perseguidos nesse território. O grupo de Grebel se mudou para a aldeia de Zollikon,
onde nasceu “a congregação anabatista, a primeira igreja livre (dos laços do Estado) dos
tempos modernos” (SHELLEY, 2004, p. 279).

Outros anabatistas foram pregar na região de Tirol, onde foram perseguidos pelos
católicos. Blaurock, o primeiro rebatizado, foi morto na fogueira. Os que conseguiram
fugir foram para a Morávia e conseguiram um período de paz. Eles “fundaram uma
forma duradoura de comunidade econômica chamada Bruderhof, uma comunidade
de cristãos. Seu propósito era, em parte, seguir o modelo das primeiras comunidades
apostólicas” (SHELLEY, 2004, p. 280). Esse grupo passou a ser chamado de huteritas.

106
Os anabatistas liderados por Grebel não viam como boa a união da Igreja com o
Estado e proclamavam uma separação dos “santos”, “eleitos”. Eram contra, inclusive, que
os seus liderados assumissem cargos no governo, “não pagavam tributos de guerra e não
faziam juramentos (ROSA, 2016, p. 134). Todavia, seu intuito não era de ir contra as autoridades
seculares no intuito de guerrear contra elas, como no caso dos anabatistas radicais.

A vertente anabatista que foi chamada de radical ou revolucionária, recebeu


esse título pois partiu para a luta armada. A ideia era firmar o Reino de Deus. Como
principal eco desses movimentos, temos, no território germânico, o grupo liderado por
Thomas Müntzer. Ele e um amigo de Lutero, Andrea Bodenstein von Karlstadt (1486-
1541), incentivaram mudanças na liturgia alemã enquanto Lutero estava escondido
no castelo. Entre as mudanças, estavam: “a abolição da missa, a distribuição dos dois
elementos da Ceia, a destruição das imagens, abolição da música dos cultos e a negação
do batismo infantil. Lutero não aceitou muitas das mudanças promovidas por Karlstadt
e os dois romperam” (ROSA, 2016).

Já Müntzer foi mais além, pois lutou por mudanças mais radicais da estrutura
da sociedade e que o poder deveria ser das pessoas comuns e não dos nobres. Ele,
que havia sido sacerdote católico e tinha se convertido às ideias luteranas, criticava
Lutero por não ter lutado para mudar de fato as estruturas, ficando somente no
campo teológico. Segundo Müntzer, o Espírito Santo dissolvia os padrões de classe e
nacionalidade, fazendo com que todos fossem iguais. E isso deveria ser levado a cabo
com o fim das desigualdades sociais. A igreja, então, deveria refletir essa realidade,
deveria proporcionar aos fiéis um ambiente sem propriedade privada, sem classes (ROSA,
2016). Ele era enfático na questão da luta social, retomando a ideia bíblica de que os
menos desfavoráveis é que tem a revelação e não os nobres e o governo. Sua proposta,
inclusive, era de exterminar os governos ímpios: “os governantes ímpios deveriam ser
mortos, especialmente os sacerdotes e monges que insultam os evangelhos como uma
heresia e, ao mesmo tempo desejam ser considerados os melhores cristãos” (ROSA,
2016, p. 133). Em 1525, junto com milhares de camponeses, Müntzer conduziu seu
projeto revolucionário na batalha de Frankenhausen, na qual cerca de 5 mil pessoas
foram mortas e ele foi capturado, sofreu tortura e foi morto (ROSA, 2016).

Surgiu outra formação anabatista, cujas ideias estavam mais voltadas a um


reino milenarista. Um líder que despontou foi Melchior Hoffman (1495-1543), que
havia aceitado as ideias luteranas, e passou andar com os anabatistas. Todavia, sua
concepção religiosa extremamente apocalíptica, acabou afastando alguns anabatistas.
Com seguidores que preconizavam que “a segunda vinda de Cristo, que deveria ser
preparada com uma operação limpeza através da eliminação dos ateus e da construção
de um reino de paz” (ROSA, 2016, p. 136).

Seus seguidores foram aumentando, em sua maioria, pessoas mais pobres. Ele foi
preso e morreu na prisão. Mesmo assim, suas ideias continuaram entre seus seguidores,
sob a liderança de Jan Matthys (1500-1534), até que eles tomaram a cidade de Münster e
proclamaram o “Reino de Münster”, e que aquela cidade se tornaria o “Reino de Jerusalém.

107
Todos aqueles que não aderissem ao movimento foram expulsos da cidade ou executados,
a poligamia foi instituída, a comunhão de bens passou a ser regra e um governo teocrático
foi instaurado” (ROSA, 2016, p. 136).

A liderança estava sob o comando de Jan van Leiden (1509-1536), que se


autoproclamou rei, quando Jan Matthys foi morto em um dos conflitos. A guerra
instaurada para derrotar os anabatistas levou a um cerco da cidade, em que, em 1555,
uma população faminta foi massacrada.

Após esse episódio drástico, outro líder surgiu, menos revoltoso e sob uma
pregação pacífica. Menno Simons (1496-1561) foi responsável pela liderança dos
anabatistas, que passaram a ser conhecidos também como menonitas.

Menno Simons preocupou-se em estabelecer as bases teológicas para


seus seguidores, que deveriam construir comunidades separadas e com
rígida disciplina interna. Nesse contexto, a disciplina da excomunhão
ganhava enorme importância, aprofundando uma característica do
anabatismo desde o seu início [...] (ROSA, 2016, p. 139).

Simons imprimiu no movimento anabatista o caráter sectário e pacifista.


Declaradamente contra guerra, era a favor de lutar somente com a Palavra de
Deus como espada. Insistia para que os governantes deixassem o movimento em
paz, pois eles não queriam conflitos com o governo. Em suas pregações, afirmava
que ao verdadeiro crente não cabia revidar as agressões, mas deixar que Deus
julgasse quem estivesse agindo mal. Com a liderança de Simons, o movimento
anabatista consolidou sua doutrina e conseguiu sobreviver em meio aos conflitos
dos movimentos religiosos do século XVI.

2.5 JACÓ ARMÍNIO


Jacó Armínio (1559-1609), nasceu em Oudewater, na Holanda, no mesmo ano do
falecimento de seu pai. Um benfeitor o ajudou em seus estudos até os 15 anos de idade,
quando veio a falecer. Contou, então, com o auxílio de Rodolfo Snellius (1546-1613), que o
adotou, levou-o a cidade de Marburg, onde ele ingressou na universidade. Em 1575, sua
cidade natal foi invadida pelo exército espanhol e dizimou parte da população, inclusive
seus familiares (DANIEL, 2017).

Ele foi morar na cidade de Leiden, onde concluiu seus estudos e se dirigiu a
Holanda, para estudar com Teodoro de Beza (1519-1605). De lá, foi convidado para ser o
pastor em uma igreja em Amsterdã.

Cerca de quinze anos depois, aceitou o cargo de professor da Universidade de Leiden.


Foi nesse momento de sua vida que os embates sobre seu modo de pensar e o calvinismo se
tornaram intensos. Por estar em um ambiente dominado pela teologia calvinista, ele se opôs
às ideias do infralapsarianismo e do supralapsarianismo. Vejamos a explicação de Daniel:
108
Calvinismo infralapsariano é aquele que afirma que os decretos
divinos de eleição e condenação ocorreram após o Decreto da Queda.
Já o supralapsariano assevera que os decretos divinos de eleição e
condenação foram determinados por Deus antes mesmo do Decreto
da Queda – isto é, primeiro Deus planejou que alguns se salvariam
e outros se perderiam para depois determinar do que eles seriam
salvos e como seriam salvos. Pois bem, Gomarus era adepto desse
calvinismo radical supralapsariano, que era o calvinismo original de
Calvino, Vermigli, Zanchi e Beza. Ele afirmava enfaticamente que
Deus salva uns e condena outros (DANIEL, 2017, p. 302-303).

Os conflitos ocorreram principalmente porque o também professor universitário


Franciscus Gomarus (1563-1641) não aceitava um posicionamento diferente do que
era pregado pelo calvinismo. Os debates ficaram intensos entre os dois, até que foram
chamados na Suprema Corte em Haia. O veredito dado foi que os dois professores
deveriam encontrar uma forma de conviverem, mesmo pensando de formas diferentes.
Todavia, segundo Daniel (2017), Gomarus continuou atacando a forma de pensar de
Jacó Armínio. Em 1608, Armínio solicitou que fosse realizada uma assembleia, para
que ele pudesse expressar seu pensamento. Ele expôs seu posicionamento contra o
supralapsarianismo e o infralapsarianismo, considerando que a presciência de Deus
seria mais aceitável no que se refere à predestinação. No ano seguinte, outra assembleia
aconteceu, e logo depois Armínio faleceu.

Mesmo com o falecimento de Armínio, seus alunos continuaram a disseminar


suas ideias e acabaram formulando uma síntese do seu pensamento, nas questões
discordantes do calvinismo. Cerca de quarenta e seis teólogos e pastores assinaram ao
documento que eles chamaram de Remonstrante. Caro acadêmico, na área destinada à
leitura complementar você terá acesso a esse documento.

Após a divulgação dos artigos da Remonstrância, não houve conflitos, porém,


surgiram algumas questões políticas. Vejamos a explicação de Daniel:

[...] o principal desafeto do príncipe Maurício de Orange Nassau (1567-


1625), seu ex-amigo e braço direito Johan van Oldenbarnevelt (1547-
1619), advogado-geral da Holanda, havia aderido ao Arminianismo
e defendia a tolerância religiosa. Oldenbarnevelt era apoiado pela
maioria das províncias marítimas holandesas, onde se concentrava
a burguesia do país, que havia aderido majoritariamente ao
Arminianismo. Essa maioria apoiava Oldenbarnevelt ‘em sua oposição
ao poder crescente de Maurício de Orange Nassau’. Já as demais
províncias marítimas e as rurais eram fiéis a Maurício e apoiavam
majoritariamente o Calvinismo (DANIEL, 2017, p. 309).

Os calvinistas também acusavam os arminianos de terem uma doutrina parecida


com o catolicismo, o que poderia facilitar, segundo eles, que as ideias dos Jesuítas
fossem aceitas em seu meio. Esse foi um dos motivos para a convocação do Sínodo
Nacional de Dordrecht, mais conhecido como Sínodo de Dort (1618-1619). Esse sínodo
contou com a participação de vários representantes protestantes, durou cerca de sete
meses, e teve 154 seções.

109
O sínodo contrapôs as ideias arminianas elaboradas pelos remonstrantes, e
elaboraram os Cinco pontos do Calvinismo (TULIP), que consiste em: “depravação total
(Total Depravity); Eleição Incondicional (Unconditional Election); Expiação Limitada (Limited
Atonement); Graça Irresistível (Irresiteible Grace); Perseverança dos Santos (Perseverance
os the Saints)” (LEITE, 2016, p. 70). Com esses pontos, o Sínodo marcou seu posicionamento
contra as ideias remonstrantes. Os arminianos foram expulsos ou mortos após o Sínodo:
“[...] João Uirenbogaert, exilado e bens confiscados. Simão Spiscópio, banido. Jan van
Oldenbarnevelt, decapitado. Hugo Grócio, prisão perpétua. Os pastores arminianos – uns
200 deles – perderam seus cargos; muitos banidos do país. Os demais reagiram e formaram
uma Irmandade Remonstrante” (LEITE, 2016, p. 73).

2.6 O ANGLICANISMO
Caro acadêmico, agora chegou o momento de abordarmos os conflitos
religiosos que ocorreram na Inglaterra. Esta foi uma região que muito importante, tanto
para o desenvolvimento do protestantismo, quanto para o surgimento de diferentes
movimentos. Além disso, foi desse país que saíram, inicialmente, os primeiros
protestantes para o continente americano.

O rei Henrique VIII (1491-1547), governava a Inglaterra no período em que teve início
os movimentos reformistas na Europa. É importante lembrarmos que a situação política da
Inglaterra era diferente dos demais países. Enquanto o absolutismo monárquico, em que o
rei concentrava os poderes legislativo, executivo e judiciário, era a realidade de praticamente
toda a Europa, na Inglaterra, o sistema era diferente. O rei tinha sua importância, todavia, seus
poderes eram subordinados ao parlamento.

O rei Henrique VIII subiu ao trono pois seu irmão, Artur, que era o primogênito
e, portanto, assumiria o trono, morreu. Ele havia se casado com Catarina de Aragão, em
virtude de uma aliança feita entre a coroa espanhola e inglesa e seu pai, o rei Henrique VII.
Porém, após a morte do príncipe Artur, as coroas decidiram casar a viúva, Catarina, com
Henrique VIII, já que o trono inglês seria dele. Porém, entrava em jogo a questão do direito
canônico, que proibia o casamento com a viúva do irmão. Essa questão foi resolvida com
uma autorização papal.

Com o passar do tempo, Catarina só conseguiu dar à luz a Maria Tudor, os


outros filhos faleceram. Sem um herdeiro homem, a questão sucessória foi colocada
em questão, e foi solicitado ao papa que anulasse o casamento, para que o rei Henrique
VIII se casasse novamente. Tal pedido não foi aceito pelo pontífice (RAMOS NETO, 2010).

Geralmente, a questão do casamento do rei inglês é vista como o principal


motivo para o rompimento com Roma. Porém, caro acadêmico, lembremos do caso
estudado no capítulo passado, quando John Wycliffe passou a defender uma Igreja
mais autônoma de Roma, várias pessoas concordaram com ele.

110
O desejo por uma igreja inglesa ainda estava presente, como assinala Shelley
(2004, p. 296) “durante séculos, a igreja na Inglaterra mobilizou-se para tornar-se
independente de Roma. No tempo de Lutero, a maior parte dos patriotas ingleses percebia
o caráter distintivo da fé em sua terra natal”. Esse sentimento nacionalista, que estava
presente em outros países também, acabou aflorando com o movimento da Reforma.

Tendo em vista esse cenário, e os diversos movimentos de reforma acontecendo


na Europa, o rei Henrique VIII solicitou do parlamento a aprovação do Ato de Supremacia,
o que foi feito. A partir de então, o rei inglês passou a ter mais poder que o parlamento,
e Henrique VIII rompeu com Roma em 1534.

O parlamento inglês também tornou inválido o casamento do rei com Catarina


de Aragão, além de promulgar leis para o não pagamento à Roma de diversas
contribuições. Em 1536, o rei inglês foi excomungado pelo papa e os conventos ingleses
foram confiscados pelo parlamento (RAMOS NETO, 2010).

Uma vez anulado o casamento com Catarina de Aragão, Henrique VIII


casou-se com Ana Bolena (que também não consegui um herdeiro,
senão uma filha, Elizabeth Tudor) que posteriormente foi acusada de
adultério e executada. Henrique VIII casou-se com Jane Seymour,
que finalmente lhe deu um herdeiro, Eduardo Tudor, futuro Eduardo
VI. Após a morte de Jane Seymour, Henrique VIII casou-se ainda com
a luterana Ana de Cleves (cunhada de Frederico, da Saxônia), com a
conservadora Catarina Howard e finalmente com Catarina Parr. Claro
que todos esses casamentos tiveram suas articulações políticas
(RAMOS NETO, 2010, p. 06, 07).

O rompimento com o catolicismo deu origem à Igreja Anglicana, que contava


com o rei inglês como o seu líder, como ocorre até hoje. Inicialmente, o Anglicanismo
continha mais doutrinas católicas do que da Reforma. Inclusive, Henrique VIII se aliou a
Carlos V na luta contra o luteranismo que avançava na França. O rei colocou em vigor os
Seis Artigos, que funcionariam como diretriz da nova igreja. Todavia, as mudanças igreja
não foram significativas, como explica Gonzalez, ao se referir aos Seis Artigos:

Neles foi declarado que rejeitar a transubstanciação ou defender a


comunhão dos dois tipos era heresia, punível com morte e confisco
de propriedade. O mesmo foi dito do celibato clerical e sacerdotes
que haviam se casado deveriam agora abandonar suas esposas.
Para mostrar que ele não estava cedendo nem ao Papa nem aos
protestantes, Henrique assegurou que um grupo simbólico de católicos
e luteranos fosse executado por suas ideias (GONZALEZ, 2004, p. 185).

Segundo Shelley (2004), nessa primeira fase, apenas duas mudanças


significativas ocorreram, a permissão de utilizar a bíblia em inglês nos cultos e o fim
dos monastérios. Os monges puderam escolher se iriam para outra localidade ou se se
desligariam das obrigações religiosas e participariam da vida secular.

111
Após a morte do rei Henrique VIII, seu filho Eduardo VI (1537-1553) assumiu
ao trono em 1547. Com o seu governo, a igreja Anglicana começou um processo
de mudanças, o que a tornou mais próxima das ideias protestantes que estavam
ocorrendo. O latim foi retirado do culto e a língua local instituída. Além disso, foi
instituído para o rito o Livro de Orações Comum (LOC), de Thomas Cranmer (1489-1556).
Um dos fatores mais importantes foi o cancelamento dos Seis Artigos que haviam sido
instituídos no reinado de Henrique VIII e a permissão para que o sacerdote pudesse se
casar. O reinado de Eduardo foi curto, apenas de seis anos, e o trono passou para sua
meia irmã, Maria Tudor.

Em 1553, Maria Tudor (1516-1558), a filha do primeiro casamento de Henrique


VIII, assumiu a coroa inglesa. Ela tentou desfazer com o movimento iniciado pelo pai,
procurando restaurar o catolicismo e perseguiu os protestantes: “Imediatamente, ela fez
com que o Parlamento declarasse que o casamento de sua mãe com Henrique VIII fora
válido, e que todas as leis religiosas de Eduardo VI fossem, por conseguinte, anuladas”
(GONZALEZ, 2004, p. 186). No curto tempo de seu governo, muitos foram mortos e
outros fugiram para países protestantes europeus ou para as Treze Colônias na América
do Norte. “Em apenas quatro anos, ela superou o pai em intolerância. Mandou cerca de
300 protestantes para a fogueira, incluindo o arcebispo Cranmer” (SHELLEY, 2004, p.
301). Os ingleses que se refugiaram em países com a tradição protestante consolidada
acabaram assimilando suas doutrinas, o que, posteriormente, foi fundamental.

Após o reinado de Maria, subiu ao trono Elizabeth I (1558-1603), também


conhecida como Isabel I. Ela retomou o anglicanismo e continuou a ampliação das
reformas iniciadas por seu meio-irmão Eduardo. Nesse período, muitas das ideias
calvinistas passaram a agregar o credo Anglicano. Um grupo dentro da igreja anglicana
procurava fazer com que a rainha ampliasse as mudanças na Igreja, como, por
exemplo, que abolisse as vestes sacerdotais, pois assemelhava-se ao modelo católico.
Esse movimento, conhecido como puritanismo, ganhou força na Inglaterra, mas não
conseguiu mudar as estruturas principais do Anglicanismo. Mais adiante voltaremos à
questão puritana.

Ao aceitar a Bíblia como autoridade final e ao reconhecer apenas o


batismo e a Sagrada Eucaristia como sacramentos instituídos por
Cristo, os Trinta e Nove Artigos (1563) de Elizabeth eram essencialmente
protestantes, mas muitos deles encontravam-se escritos de maneira
a satisfazer tanto católicos como protestantes. A liturgia da igreja
manteve vários elementos católicos e a igreja era governada por
bispos, em sucessão apostólica (SHELLEY, 2004, p. 301).

Portanto, o protestantismo na Inglaterra teve início pelo movimento do


rei, e a igreja criada manteve os padrões católicos. Só com o reinado de Eduardo e,
posteriormente, de Elizabeth I, a Igreja Anglicana passou a agregar as ideias do
protestantismo, principalmente da vertente calvinista.

112
2.7 O PURITANISMO
O puritanismo foi uma forma de vivenciar o cristianismo que surgiu na
Inglaterra, dentro da Igreja Anglicana. Segundo Campos (2014), esse termo foi
empregado a primeira vez, provavelmente em 1567, para diferenciar o movimento que
pedia mudanças dentro do anglicanismo.

Caro acadêmico, trataremos agora de alguns aspectos da formação do puritanismo.


Para isso, abordaremos algumas questões da política na Inglaterra. É importante lembrarmos,
novamente, de que Igreja e Estado não estavam separados. Qualquer ponto discutido nela
era também uma questão estatal, mesmo nos países protestantes.

Muitos anglicanos que tiveram contato com o calvinismo passaram a pensar


que a Igreja inglesa deveria passar por mudanças mais profundas, e mudar suas
características católicas, tanto na aparência quanto na teologia. Um dos pontos mais
defendidos era o fim das vestes sacerdotais, que muito lembravam as do clero católico.
O puritanismo também era contra o formato de igreja episcopal, ou seja, um modelo de
igreja em que as decisões eram tomadas pela hierarquia do clero.

Os puritanos passaram a exigir que fosse adotado como sistema de governo da


igreja o presbiterianismo, no qual um corpo de presbíteros, que seria escolhido, tivesse o
poder decisório. Além disso, eram a favor da adoção de um rigor disciplinar, para punir os
que não estivessem se comportando com a ética puritana.

Outro ponto relevante era que, no sistema anglicano, a tradição era importante,
assim como no catolicismo, o que era criticado pelos puritanos, pois defendiam que a
Bíblia era o princípio para seu modo de vida. Com relação à forma de culto, o sistema
anglicano valorizava os pormenores do rito, enquanto os puritanos queriam que fosse
estabelecida a simplicidade e espiritualidade (CAMPOS, 2014).

Como estudamos, a mudança religiosa que o rei Henrique VIII estabeleceu não
ocasionou um rompimento de fato com a teologia católica. Somente a partir do governo
de seu filho, Eduardo VI, é que os anseios por mudanças mais profundas nas questões
religiosas foram atendidos. Ainda assim, o movimento puritano exigia que fossem
tomadas medidas mais profundas de rompimento com as características católicas.

Mesmo com a subida da rainha Elizabeth I ao poder e a instauração do


anglicanismo como religião oficial, desfazendo as medidas tomadas por sua irmã, a
rainha Maria Tudor, os puritanos não ficaram satisfeitos. A rainha Elizabeth I manteve
a hierarquia eclesiástica e não rompeu com as vestimentas sacerdotais. Após sua
morte, como não possuía herdeiros, o trono foi sucedido por Jaime Stuart e depois
Carlos Stuart. A atuação desses reis foi marcada por uma tentativa de absolutismo
monárquico, e, com isso,

113
[...] perseguiram os protestantes radicais (os puritanos) dentro e fora
do Parlamento e tornaram a Igreja da Inglaterra novamente muito
semelhante à Católica. Muitos puritanos emigraram para a América
para a construção de uma sociedade como desejavam. Muitos
parlamentares puritanos que ficaram na Inglaterra desistiram de lutar
e voltaram para o que consideravam seu verdadeiro chamado: salvar
almas (CAMPOS, 2014, p. 7).

Com problemas em decorrência da guerra contra a Escócia, o rei Carlos I (1600-


1649) acabou convocando o parlamento que ia crescendo em oposição ao seu governo.
Nesse ínterim, Oliver Cromwell (1599-1658) assumiu o comando do exército inglês,
que se tornou grande opositor do rei e conseguiu tirá-lo do poder e executá-lo. Esse
movimento político ficou conhecido como Revolução Puritana.

A chegada do partido puritano ao poder no Parlamento, durante a


Reforma na Inglaterra, trouxe como contribuição fundamental à
religião protestante a elaboração da Confissão de Fé de Westminster,
que veio à existência depois do sínodo de Dordrecht (1618-1619)
por solicitação em 1645 da Câmara dos Comuns à Assembleia de
Westminster (1643-1649), composta por 121 ministros, 30 leigos e oito
comissários escoceses. O pedido era claro: que se formulasse uma
confissão para a Igreja da Inglaterra (CAMPOS, 2014, p. 09).

Foi então que, na Assembleia de Westminster, foi elaborada a Confissão de Fé de


Westminster, que teve por base a teologia calvinista. Outro ponto importante definido foi
a implantação de um modelo de igreja nos moldes organizacionais do presbiterianismo.
Esse modelo deveria ser seguido por todas as igrejas calvinistas.

2.8 JOHN KNOX E A REFORMA NA ESCÓCIA


O protestantismo na Escócia chegou por meio de livros e panfletos que chegaram
ilegalmente. Patrick Hamilton (1504-1528), um dos precursores do luteranismo nesse
território, foi considerado herege e morto na fogueira em 1528 (LINDBERG, 2017).

A vertente protestante que acabou prevalecendo no território escocês, porém,


foi o calvinismo, pela influência de John Knox (1513-1572). Ele chegou a passar um
tempo em Genebra, aprendendo os pontos da doutrina calvinista. Todavia, Gonzalez
(2004) afirma que também foi grande a influência do pensamento de Ulrico Zuínglio na
concepção teológica de Knox, dentre outras coisas, na maneira de se posicionar frente
ao Estado, já que Knox foi um severo crítico da rainha Maria Stuart (1542-1587), e Calvino
não enfrentou o governo.

A questão entre a Inglaterra e a Escócia era conflituosa. Houve uma tentativa


de união por meio do casamento de Eduardo, filho de Henrique VIII, com Maria Stuart, da
Escócia, mas essa união não ocorreu.

114
Maria Stuart, católica, casou-se com o francês Delfim Francisco II (1544-1560).
A França, que tinha um reinado católico e era inimiga da Inglaterra, não viu com bons
olhos tal união. Assim que Francisco II morreu, Maria Stuart retornou à Escócia. No
período em que esteve na França, o protestantismo se proliferou no território escocês,
e a liderança de Knox ficou forte.

No parlamento, os protestantes se destacaram e chegaram a aprovar a separação


com Roma e uma confissão de fé para a Escócia, com características marcadamente
calvinistas (LINDBERG, 2017).

2.9 OS QUACRES
A Inglaterra do início do século XVII estava passando por transformações sociais
importantes. Com a ampliação do processo conhecido por “cercamento”, que consistiu
em cercar as terras cumunais, ou seja, terras que poderiam ser usadas por todos,
várias pessoas que tinham pequenas propriedades rurais se viram sem condições de
sobreviver, pois utilizavam os recursos de tais terras. Houve, então, um êxodo para
regiões urbanas, o que formou uma massa de desempregados nesses lugares.

Nesse contexto, alguns movimentos religiosos surgiram na Inglaterra, dentro


do protestantismo, além dos puritanos, como já estudamos. Havia várias ideias que
associavam a nobreza ao anticristo e que não aceitavam as diferenças sociais, pois as
consideravam fora dos padrões estabelecidos por Deus na criação. Foi uma época de
ideias contundentes e diversas, como explica Christopher Hill (1987):

Em 1642 os pregadores citavam o dito: "Quando Adão cavava e Eva


fiava, quem era o fidalgo?". Dessa forma, quando Christopher Feake
declarou, em 1646, que a monarquia e a aristocracia eram "inimigas de
Cristo", o que disse não era uma inovação audaciosa, porém apenas
um desenvolvimento de doutrinas já conhecidas. Havia, então, uma
longa tradição popular de ceticismo materialista e de anticlericalismo;
havia a tradição familista, segundo a qual Cristo estava presente em
cada fiel; havia a tradição separatista de oposição a uma Igreja oficial,
aos dízimos que sustentavam os seus ministros e ao sistema de
clientela que assegurava à classe (HILL, 1987, p. 51, 52).

Algumas pessoas na sociedade inglesa questionavam o poder do Estado


em impor as questões de fé. Grupos passaram a defender uma maior liberdade nas
questões de crença, apesar de serem visto pelo Estado, muitas vezes como agitadores
e radicais, ao tentaram fazer da sociedade inglesa um ambiente mais plural, com relação
as questões religiosas.

Ao ler a Bíblia e enxergar questões que não eram priorizadas pela Igreja
anglicana, acabaram compondo uma teologia diferente do que era aceito, como, por
exemplo, ao defender que o clero não deveria ser remunerado pelo Estado, e sim por
contribuições dos fiéis, de forma voluntária.

115
Em alguns casos, também defendiam que os leigos poderiam pregar, além de
pontos que eram considerados mais radicais para a sociedade da época:

[os separatistas] defendiam a tolerância para todas as seitas


protestantes, repelindo a censura eclesiástica e todas as formas
de jurisdição eclesiástica, em favor de uma disciplina interna às
congregações, sem o aval de nenhuma sanção coercitiva. Atribuíam
pequena importância a muitos dos sacramentos tradicionais da
Igreja. O seu programa implicaria destruir a Igreja nacional, deixando
a cada congregação a responsabilidade de seus próprios negócios e
havendo apenas um tênue contato entre as diversas congregações;
a Igreja não teria mais condições para moldar a opinião segundo um
padrão único, para punir o ‘pecado’ ou para proibir a ‘heresia’. Não
haveria controle sobre o que pensassem as classes médias e baixas
(HILL, 1987, p. 52).

Perceba, caro acadêmico, que a Inglaterra adotou um modelo de igreja muito


parecido com o catolicismo, e, mesmo com as mudanças que ocorreram para deixar o
anglicanismo com mais características protestantes, nem todos ficaram satisfeitos.

Enquanto o puritanismo lutou por uma simplicidade do culto e era a favor da


coerção estatal nas questões de “desvios” de fé, outros grupos se levantaram, tentando
ir além nas questões religiosas. Muitos desses grupos foram perseguidos em algumas
épocas e tolerados em outras. Trataremos agora de uma das vertentes mais importantes
nesse período, que chegou a fazer parte do parlamento, os quacres e que atuaram
também na América. No próximo tópico, estudaremos o grupo dos ranters.

George Fox (1624-1691) é considerado o fundador dos Quacres, também


conhecidos como “Sociedade dos amigos”. Fox foi preso diversas vezes por questões
religiosas. Todavia, suas críticas não eram somente sobre religião, mas também
em questões políticas e sociais. Ele, em seu jornal, atacava o clero, não aceitava o
pagamento do dízimo nem concordava com a sacralidade que era imputada aos
templos. Denunciava a opressão da nobreza, defendia as pessoas comuns e atacava
veementemente a monarquia. Uma das críticas feitas aos quacres era a aceitação de
mulheres no sacerdócio.

Os craques ficaram conhecidos pela pregação de que Cristo está dentro de


nós e, por isso, não somos apenas pecadores. Cristo seria a Luz interior e todos teriam
acesso a Ele. Com isso, eles descartavam o papel do sacerdote, da liturgia e do Estado
nas questões religiosas.

Outros pontos, no entanto, eram tidos como mais radicais, como não aceitar
a questão da ressurreição de Cristo, pois acreditavam que a ressurreição acontecia
internamente, no caso dos bons, e não criam na volta de Cristo. Vejamos algumas
crenças quacres na década de 1650:

116
(1) A Bíblia não é o verbo de Deus; (2) todo homem, neste mundo, tem
dentro de si o espírito de Cristo; (3) o Jesus Cristo que foi crucificado
mil e seiscentos anos atrás não satisfez a justiça divina no tocante aos
pecados dos homens; (4) a carne e sangue de Cristo se encontram
no interior dos santos; (5) não haverá ressurreição dos corpos; (6)
a ressurreição já se realiza, internamente, no caso dos bons; (7) o
Jesus crucificado não ascendeu acima do céu estrelado; (8) nem se
reencarnará, no último dos dias, para julgar todas as nações baixas
(HILL, 1987, p. 52).

A forma de pensar dos quacres atraiu diversas condenações dos anglicanos


e, também, dos puritanos. Quando Fox defendia que as igrejas, mansões e castelos
fossem transformados em asilos, gerava ainda mais ataques do clero e da nobreza.

Outra questão em que os quacres eram criticados era a forma de tratamento


dado a todos, sempre por “tu”, e a recusa de tirar o chapéu, principalmente para
autoridades. Tais aspectos eram tidos como desrespeitosos, todavia, eles faziam isso
como forma de protesto. Muitos integrantes dos quacres, por seu caráter pacífico, não
concordavam em lutar no exército.

Outro líder dos quacres que teve notoriedade foi Samuel Fisher (1605-1665).
Inicialmente puritano, tornou-se batista e, depois, seguidor do quacrismo, em que
passou a pregar que os santos poderiam viver nessa terra em perfeição.

Além disso, defendia que Deus salvava quem quisesse aceitá-lo, pois Jesus veio à
Terra para salvar todas as pessoas (HILL, 1987). Essa ideia não era defendida pela corrente
calvinista, que pregava que a morte de Cristo teria sido apenas para salvar os eleitos.

Outra postura criticada do ponto de vista dos quacres, foi a respeito do papel
da Bíblia. Boa parte do movimento passou a considerar a Bíblia como um conjunto
de mitos e de bons ensinos. Não aceitavam que o clero tivesse a autoridade para
interpretar os textos sagrados, pois para eles, pessoas incultas também tinham o Cristo
interior: “Os quacres foram acusados de reduzirem ‘todas as coisas a alegorias, ou a
um Cristo interior’. [...] muitas vezes os seus ouvintes entendiam que eles afirmavam ter
ressuscitado alguém, quando, na verdade, apenas queriam dizer que tinham convertido
essa pessoa” (HILL, 1987, p. 149).

Um dos nomes relevantes para a divulgação das ideias quacres foi Gerrard
Winstanley (1609-1676). Filósofo, político e reformador, escrevia panfletos manifestando
os ideais do quacrismo. Defendia que a criação de Deus não comportava a hierarquia
social de um grupo dominando o outro. Além disso, no aspecto da Nova Aliança, não
haveria também as diferenças de classes, como, por exemplo, entre escravos e senhores.
Isso significava que não deveria existir a propriedade privada. Tal questão suscitou
muitos ataques à sua pessoa. Segundo Winstanley, a sociedade cristã deveria ter uma
base comunal, ou seja, um modelo em que a propriedade privada e os salários seriam

117
abolidos e que, ao continuar mantendo tal sistema social, estaria atrasando a salvação.
Como ele defendia o universalismo, ou seja, todos seriam salvos, era necessário que o
sistema social fosse alterado. Assim, com o fim da propriedade privada, a salvação seria
completada entre os homens (HILL, 1987).

Seria difícil imaginar algo mais consequente do que a recusa, por


Winstanley, da divindade que justifica a dominação dos proprietários
– e que foi criada à imagem destes. Respondeu à acusação de que
suas crenças ‘destruirão todo governo, todo o nosso clero e religião’
friamente: ‘É a perfeita verdade’. Em The Law of Freedom, propôs
explicações psicológicas para a crença num Deus personificado, em
anjos, em lugares determinados que estariam reservados à glória ou
aos tormentos. A sua filosofia, que nasceu de uma visão, parece ter
culminado em uma espécie de materialismo panteísta, no interior do
qual Deus, ou a Razão abstrata, só pode ser conhecido no homem
ou na natureza; e o homem é mais importante do que as abstrações
(HILL, 1987, p. 148).

Na Inglaterra do século XVII, havia uma parte da nobreza que estava em crise,
devido à questão da herança. Pela lei, a herança do nobre ficava com o filho mais velho.
Com isso, os outros filhos ficavam empobrecidos, apesar de terem o título de nobreza.
Winstanley denunciou com veemência essa situação, e comparava os primogênitos a
Caim. Muitos dos que faziam parte dos quacres eram nobres que não tinham direito à
herança (HILL, 1987).

O movimento dos quacres foi perseguido na Inglaterra e muitos fugiram para


as Treze Colônias Britânicas, fundando a Colônia da Pensilvânia. O grupo atualmente é
conhecido pela criação do Greenpeace (1971).

2.10 OS RANTERS
Caro acadêmico, se as ideias dos quacres conseguiram causar alvoroço e
oposição entre os ingleses, o grupo dos ranters foram além. Apesar de terem muitos
pontos em comum e, por isso, muitas vezes as pessoas se confundiam quanto a um
e a outro, os ranters levaram as questões do cristianismo a um patamar ainda mais
alegórico. Além disso, eles eram continuamente acusados de relaxados e dados à
bebida, ao fumo e frequentadores de tavernas.

Num encontro ranter do qual temos um relato (é verdade que


hostil), os assistentes, muito heterogêneos em sua composição,
se encontraram numa taverna, entoaram canções obscenas sobre
melodias de salmos bem conhecidos e comeram fartamente em
comum. Um deles partiu um enorme bife, gritando: ‘Essa é a carne
de Cristo, tomai dela e comei-a’. Outro derramou um copo de cerveja
na lareira, dizendo: ‘Esse é o sangue de Cristo’. Clarkson disse que
uma taverna era a casa de Deus; o xerez, continuava, era a essência
da divindade. Mesmo um inimigo puritano parece expressar uma
espécie de admiração ressentida pela alegria encontrada nas

118
orgias dionisíacas dos ranters: ‘são os mais alegres dentre todos os
demônios na improvisação de canções lascivas, em brindes, música,
franco deboche e dança’. Uma das acusações formuladas contra
o capitão Francis Freeman era que ele cantava canções obscenas
(HILL, 1987, p. 202).

Segundo Hill (1987), além dessas questões sociais, o ponto de vista dos ranters
acerca de Deus era controverso para a cristandade em geral. Eles criam que Deus
estaria em tudo que fosse vivo. Acreditavam que não tinham pecados e que todos
os mandamentos bíblicos ocorreram devido à maldição. Todavia, como não há mais a
maldição, não haveria mais pecado e, como Deus está em tudo e em todos, o que o
homem faz é o que Deus quer. Não criam no juízo final, nem na vida após a morte, pois
acreditavam que o corpo voltaria a Deus, fazendo parte do próprio Deus. Vejamos o
posicionamento dos ranters sobre o que consideravam histórias alegóricas:

O inferno e o demônio estão dentro de nós; senão, teríamos de


imaginar um inferno em Deus. Não há inferno além desta vida. O
diabo não é uma pessoa, a ressurreição é espiritual e interna, não
pertence à carne nem ao além. A Bíblia fala-nos em linguagem
que podemos compreender: as histórias de Caim e Abel, de Isaac
e Ismael, de Jacó e Esaú são alegorias, não verdades literais. Não
devemos guiar-nos pela Bíblia, porém pelo espírito de Deus que
temos em nós [..] (HILL, 1987, p. 219).

Outra crítica feita por eles relacionava-se ao clero. Para os ranters, o clero era
desnecessário, já que a população era sustentada pelo Estado. Os quacres tinham alguns
pontos de vista semelhantes aos dos ranters, porém, criticavam a maneira libertina que
estes viviam, principalmente com relação ao uso de bebidas alcóolicas, fumo e o que
era considerado como vida sexual desregrada. Tais aspectos eram tidos como falta de
virtude (HILL, 1987).

Hill (1987) afirma que é difícil saber o período que demarca o fim desse movimento.
Tendo em vista que os ranters não fizeram uma organização formal e muitos deles foram
presos e mortos, aos poucos o movimento ficou enfraquecido e chegou ao fim.

119
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A Reforma Protestante assumiu diversos contornos sociais e políticos, mudando o


cenário religioso europeu do século XVI.

• Com a difusão das ideias de Lutero, outros personagens entraram em cena ampliando
o olhar teológico iniciado pelo reformador, fazendo com que surgissem novos
movimentos protestantes, como o Calvinismo.

• Os Anabatistas foram um movimento dentro do protestantismo que buscou


ampliar as reformas iniciadas por Lutero. Eles tiveram diferentes líderes, e sofreram
perseguições tanto dos protestantes, quanto dos católicos.

• Armínio passou a tecer críticas as ideias Calvinistas, o que gerou diversos debates, e
um sínodo, que reafirmou as principais vertentes calvinistas.

• Na Inglaterra, a separação da Igreja romana deu origem a Igreja Anglicana. O rei inglês
passou a ser o líder da nova Igreja.

• Vários grupos protestantes foram perseguidos na Inglaterra, o que provocou a fuga


para as Treze Colônias Britânicas, na América.

120
AUTOATIVIDADE
1 No século XVI, importantes mudanças ocorreram na sociedade europeia, em virtude da
Reforma Protestante. O cenário religioso foi modificado, surgindo várias igrejas cristãs
com interpretações e a hegemonia católica no Ocidente teve fim. Tendo em vista tais
questões, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O batismo infantil condicionava o indivíduo a determinada religião, devido ao


pacto entre Igreja e Estado, e isso levava a uma vida sem o poder de escolha
no campo religioso. Por esse motivo, vários grupos protestantes enfatizaram a
importância do batismo na idade adulta, como os anabatistas.
b) ( ) O grupo anabatista liderado por Grebel foi duramente perseguido em Zurique,
mas conseguiu guarida no território alemão, sob a influência de Lutero.
c) ( ) Zwingli adotou a Confissão de Augsburgo no território de Zurique, apenas
discordando da questão da eucaristia.
d) ( ) O pensamento de Zwingli foi influenciado por Erasmo, e as mudanças que ele
propôs para Zurique não tiveram a influência de Lutero.

2 O protestantismo se desenvolveu com bastante força na cidade de Genebra, sob o


comando de João Calvino. Tendo em vista o que foi estudado este assunto, analise
as sentenças a seguir:

I- Genebra tornou-se um centro para quem quisesse conhecer a teologia calvinista.


Seu modelo de sociedade se espalhou por vários países, inclusive a Inglaterra,
influenciando os puritanos.
II- Após o falecimento de Armínio, seus alunos continuaram a disseminar suas ideias e
acabaram formulando uma síntese do seu pensamento, nas questões discordantes
do calvinismo. Eles passaram a se denominar de Remonstrantes.
III- Sínodo Nacional de Dordrecht ocorreu para apresentar a doutrina dos remonstrantes.
Ela passou a ser largamente aceita pela igreja calvinista e anglicana.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O pensamento de Lutero rompeu, em muitos sentidos, com a estrutura da teologia


católica. Após sua recusa em abdicar dos seus pressupostos, Lutero foi excomungado
do catolicismo, porém, recebeu apoio do príncipe, o que o ajudou a não ser processado
pela Inquisição. Tendo em vista o cenário da teologia de Lutero, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

121
( ) Lutero se envolveu em disputas com Erasmo, que não aceitava o rompimento da
comunidade cristã, além de ser considerado um pacifista. Por isso, era a favor da
tolerância religiosa.
( ) Uma das questões que geraram críticas a postura de Lutero, foi o fato de ele ser
favorável aos judeus, criticando a postura católica de perseguição e batismo forçado.
( ) A Confissão de Augsburgo continha os princípios do Luteranismo, que passou a ser
uma religião estatal, assim como era o catolicismo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A Igreja inglesa, antes mesmo da Reforma iniciada por Lutero, já criticava o domínio
de Roma em seu território. Tendo em vista tal questão, explique com suas palavras,
os principais fatores que levaram ao rompimento da Inglaterra com a Igreja romana.

5 Tendo em vista o cenário religioso na Inglaterra após a adesão ao anglicanismo e as


diversas correntes protestantes que se formaram, explique os principais pontos do
Puritanismo na Inglaterra.

122
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
AS MUDANÇAS NA RELIGIÃO EUROPEIA
APÓS A REFORMA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos no tópico anterior as principais correntes
geradas pelo protestantismo. A igreja católica perdeu sua hegemonia na Europa
Ocidental, e as disputas religiosas ficaram cada vez mais intensas. Os conflitos entre
católicos e protestantes e dentro do protestantismo ocuparam e preocuparam os
reis e as sociedades.

O catolicismo se manteve firme em locais como Portugal, Espanha, em boa parte


da França e nas cidades italianas. Com a intenção de conter o avanço do protestantismo
nesses países e em outros territórios que ainda era hegemônica, surgiu a necessidade
de convocar mais um concílio. O concílio de Trento serviu, dentre outros fatores, para
reafirmar os dogmas católicos, e traçar estratégias sobre como proceder diante do
crescimento das igrejas protestantes.

As monarquias nacionais definiam qual igreja apoiaria em seu território. Na


América, a presença católica foi imperativa nas regiões dominadas por Portugal e pela
Espanha. Já na América do Norte, a influência de igrejas protestantes foi forte devido
à colonização inglesa. Além dos anglicanos, muitos grupos perseguidos na Inglaterra
migraram para as Treze Colônias. É acerca desse cenário que abordaremos, neste tópico, o
que foi a Contrarreforma católica, além do movimento surgido na igreja católica, conhecido
como Jansenismo; as ideias Iluministas e seu impacto no cristianismo; O surgimento dos
movimentos pietistas e a influência do metodismo para as missões protestantes.

2 A CONTRARREFORMA CATÓLICA
A historiografia atual, quando trata da temática da contrarreforma, mostra que
esse movimento acabou sendo uma série de medidas, não só para combater o avanço do
protestantismo, mas que resultou na reforma do catolicismo, como explica Shelley:

Alguns historiadores interpretam a Reforma católica como um contra-


ataque ao protestantismo; outros a classificam como um verdadeiro
avivamento da fé católica, pouco tendo a ver com o protestantismo.
A verdade é que o movimento tanto foi uma contrarreforma, como
insistem os protestantes, como uma Reforma católica como afirmam
os católicos. Suas raízes remontam a tempos anteriores a época de
Lutero, mas a forma que tomou foi em grande parte determinada
pelo ataque protestante (SHELLEY, 2004, p. 304).

123
Devido ao avanço do protestantismo na Europa, além de sua diversidade, como
já discutimos no capítulo anterior, a igreja católica iniciou, oficialmente, um movimento
organizado contra o que para ela era heresia. Muitos territórios já haviam cortado
relações com Roma, o que fez com que o catolicismo perdesse o apoio de governos,
bem como as receitas provenientes dos dízimos e dos Estados. Manter o catolicismo
como única religião nos países em que as ideias protestantes ainda eram fracas era
uma questão de sobrevivência (TILLICH, 1976). A reação católica, então, foi convocar o
concílio ecumênico que ficou conhecido como Concílio de Trento.

Antes mesmo da convocação do concílio de Trento, alguns cardeais pensaram


na possibilidade de um concílio geral, com protestantes, para se tratar de temas como
o celibato, a questão da eucaristia, dentre outros. Porém, ele não ocorreu, pois, com
o passar do tempo, o abismo na forma de pensar entre as correntes protestantes,
principalmente os calvinistas, e o catolicismo ficavam mais evidentes (JOHNSON, 2001).

O Concílio de Trento aconteceu entre os anos de 1546 e 1563, na cidade italiana


de Trento. Nele, alguns pontos doutrinários questionados por Lutero foram reafirmados
e alguns posicionamentos foram revistos. Este concílio moldou a cosmovisão católica
a partir de então.

Em desacordo com a concepção, defendida por Lutero, segundo a qual a Bíblia


consiste em autoridade última, ou seja, sola scriptura, o Concílio reafirmou a igualdade
entre a Bíblia e a Tradição da Igreja. Além disso, a tradução de Jerônimo, conhecida como
Vulgata, foi considerada a única correta, e, com relação à interpretação das Escrituras,
a única aceita seria a da Igreja Católica Romana (TILLICH, 1976).

Quanto ao pecado, a principal diferença entre os ideais reformadores e os


preceitos instituídos em Trento referia-se à questão do livre arbítrio. Os reformadores
afirmavam que o ser humano fora totalmente corrompido após o pecado, inclusive
em sua liberdade de escolha. Todavia, o concílio reafirmou que, apesar da corrupção
causada pelo pecado, a vontade humana está apenas debilitada (TILLICH, 1976).

Sobre a questão dos sacramentos, o protestantismo aceitou apenas dois. No


entanto, o catolicismo reafirmou a importância dos sete sacramentos, e sua relevância
quanto a salvação. Na questão do batismo, enfatizam a importância do batismo infantil,
pois esse sacramento é que limparia a mácula do pecado original (TILLICH, 1976). Com
relação à eucaristia, foi reafirmada a transubstanciação. O papel da missa foi reafirmado,
assim como a doutrina do purgatório.

O Index foi instituído e consistia em uma lista de livros proibidos. Ocorreria a


queima dos livros não autorizados pela Igreja romana. Inclusive, a Bíblia traduzida por
Lutero, bem como a versão de Erasmo e as demais versões ampliadas por reformadores,
todas essas estavam nessa lista. Quanto às questões de moralidade, o papa Pio V:
“[...] em 1565, gerou o novo clima puritano, que envolveu a expulsão das prostitutas

124
de Roma, a imposição de trajes clericais estritos e punições de extremo rigor para
a simonia” (JOHNSON, 2001, p. 360). O concílio de Trento procurou, dentre outras
coisas, trazer uma moralidade para a igreja católica, punindo os membros do clero que
estivessem envolvidos em denúncias de solicitação, sodomia, ou com relacionamentos
com mulheres. Tais aspectos, antes de Trento, costumavam ser tolerados, o que foi
incisivamente atacado por Lutero.

Uma das mais importantes medidas da contrarreforma foi a criação da nova ordem
religiosa, regida por Inácio de Loyola (1491-1556), a Companhia de Jesus. Os jesuítas,
como ficaram conhecidos, se identificavam como soldados de Cristo na luta contra o
protestantismo. Loyola se opôs à ideia de Lutero com relação à salvação pela fé. O jesuíta
enfatizava que a salvação seria alcançada pela obediência aos mandamentos da Igreja
católica, a qual ele considerava a verdadeira Igreja (JOHNSON, 2001). Inclusive, ao adotar
os três votos comuns do catolicismo que envolvem a obediência, castidade e pobreza, eles
incluíram o quarto voto, que era o de apoio e lealdade ao papado (SHELLEY, 2004).

A intensão original dos jesuítas fora trabalhar entre os pobres e


doentes. Com efeito, o êxito de sua missão educacional lançou sua
sorte em meio aos ricos e poderosos: tornaram-se especialistas na
educação da classe alta. Foi em grande parte por acaso, pois, que a
Contrarreforma muniu-se de um instrumento poderoso (JOHNSON,
2001, p. 363, 364).

Lembremos, caro acadêmico, que os jesuítas se fizeram presentes no Brasil


Colonial, atuando na educação dos filhos dos colonos e nas missões e reduções
indígenas. Eles foram os responsáveis pela implantação de escolas em todo o Brasil
Colonial. Isso ocorreu tanto para auxiliar no processo de colonização portuguesa,
quanto para afastar os protestantes da América portuguesa e espanhola, fazendo
com que o catolicismo imperasse. A questão educacional foi um fator relevante para a
contrarreforma, principalmente a política da igreja na melhoria da formação dos seus
clérigos. Tendo em vista que a Reforma atuou enfaticamente na formação dos seus
sacerdotes, a igreja católica passou a ser mais rígida, também, na formação clerical.

A causa jesuítica era a defesa do catolicismo a todo custo, como nos


lembra Johnson (2001, p. 367) “Os jesuítas não somente defendiam a guerra como
instrumento legítimo contra a heresia como eram favoráveis ao assassinato seletivo
dos protestantes – sobretudo se ocupassem posições importantes”. Eles ainda viam
como favorável o assassinato daqueles líderes que se afastassem do catolicismo e
abraçassem a fé reformada:

[...] em 1599, escreveu Juan Mariani, aconselhando Felipe III a respeito


da questão da monarquia, escreveu sobre os soberanos protestantes:
‘é algo glorioso exterminar toda essa raça pestilenta e perniciosa da
comunidade dos homens’. Também os membros são cortados fora
quando corruptos, a fim de não infectarem o restante do corpo; da
mesma maneira, essa crueldade bestial sob forma humana tem que ser
apartada do Estado e cortada com a espada (JOHNSON, 2001, p. 367).

125
Para o catolicismo romano, a reforma protestante desestabilizou o avanço
religioso na Europa, quebrando a sua hegemonia. Durante muitos anos, toda vertente
protestante foi considerada heresia pelo catolicismo romano, e a luta contra ele foi
travada de diferentes formas, a depender do país e da época.

Outro braço forte da igreja no processo da contrarreforma foi o reinado espanhol,


principalmente por meio do tribunal inquisitorial, como já estudamos. A força da
Inquisição na Península Ibérica foi responsável pela tentativa do extermínio do judaísmo
e do islamismo naquele território, como também se opôs ferozmente contra qualquer
tentativa da propagação das ideias protestantes.

3 O JANSENISMO
O jansenismo foi um movimento dentro da Igreja católica, iniciado por Cornélio
Jansen (1585-1638), que retomou as leituras de Agostinho de Hipona, principalmente
na questão da predestinação. Segundo Shelley (2004), ele se ocupou em criticar os
jesuítas e tentou corrigir o que, segundo ele, seriam os erros da igreja católica.

Com relação aos jesuítas, sua crítica baseava-se no posicionamento diante


da questão do rigor moral, pois acusava-os de serem tolerantes ao erro: “eram tão
permissivos em relação à pecaminosa natureza humana, que muitas pessoas honestas
chegaram a protestar em relação ao que lhes parecia uma ‘graça barata’, isto é, perdão
sem contrição” (SHELLEY, 2004, p. 358). Jansen, ao contrário, defendia um rigor na
moralidade, principalmente para o clero. Tal posicionamento teve por base as ideias
agostinianas (SHELLEY, 2004).

Segundo Jansen, o catolicismo deveria rever sua postura quanto à questão da


salvação a partir do catolicismo do Norte da África, que afirmava que as obras dos seres
humanos não acarretam mudanças na salvação, pois todas as escolhas humanas estão
corrompidas pelo pecado. Sendo assim, os salvos já foram escolhidos anteriormente.
Todavia, apesar da questão da predestinação em Agostinho não ter sido, até então,
combatida oficialmente pelo catolicismo, a ideia das obras, principalmente com o
Concílio de Trento e com o apoio enfático dos jesuítas, foi mais ressaltada pela Igreja.
Não só a questão das obras, mas a obediência aos ritos romanos (SHELLEY, 2004).

Jansen faleceu antes de concluir seu tratado sobre o assunto, intitulado de


Augustinus. Porém, esse escrito acabou servindo como base do movimento (SHELLEY,
2004). Seu sucessor foi Jean DuVergier (1581-1643), que fez com que a França passasse
a conhecer as ideias de Jansen. Os jesuítas passaram a atacar o movimento, alegando
que tais posturas eram “[...] calvinismo com aparência católica. Em 1653, o papa
condenou cinco proposições pretensamente tiradas de Augustinus” (SHELLEY, 2004,
p. 360). As ideias jansenistas espalharam-se, chegando a membros da elite intelectual,
como médicos, e até mesmo ao cientista Blaise Pasqual (1623-1662).

126
4 O ILUMINISMO E A QUESTÃO RELIGIOSA
O Iluminismo foi um processo de mudanças na forma de pensar que iniciou
no século XVIII, originalmente na França, influenciando, posteriormente, outros países,
como os da América. Há quem diga que as ideias Iluministas tenham se iniciado com
o Renascimento científico e cultural, todavia, foi no século XVIII que o movimento das
Luzes tomou forma como um modelo de pensamento para a sociedade, a economia e a
política, e veio a moldar o Ocidente (FALCON, 1986).

Caro acadêmico, é importante lembrar como funcionava a política na Europa desde


o final do Feudalismo. A política era exercida pelo rei, no regime do absolutismo monárquico.
No campo econômico, o Mercantilismo preconizava a importância de as nações serem ricas,
por meio do acúmulo de metais preciosos e de uma balança comercial favorável, ou seja,
mais exportação do que importação. O Estado era responsável pelo controle econômico,
mantendo privilégios da nobreza, que, em contrapartida, apoiava o sistema para não perder
suas regalias. Nas camadas sociais mais baixas, havia os camponeses, e os burgueses,
que eram comerciantes. A burguesia, com o passar do tempo, foi exigindo maior espaço na
sociedade, em virtude do crescimento do comércio e do maior nível educacional que eles
iam adquirindo. A associação entre burguesia e indústria só ocorreu posteriormente, após a
Revolução Industrial, aspecto que trataremos no próximo tópico.

Como principais representantes das ideias Ilustradas (outro termo usado para
Iluminismo), temos: François-Marie Arouet, o Voltaire (1694-1778); Denis Diderot (1713-
1784); Jean le Rond d’Alembert (1717-1783); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Charles-
Louis de Secondat, conhecido como Montesquieu (1689-1755). A visão deles de sociedade
não era unânime, mas havia alguns pontos em comum, como a questão do acesso à
educação para todas as pessoas. Esse pressuposto seria fundamental para a formação de
uma sociedade mais consciente e moldada pela razão e não por deias religiosas, as quais
eles se referiam, muitas vezes, como superstições. Além disso, os iluministas defendiam,
também, que o poder não deveria ser exercido somente pelo rei, como ocorria no sistema
absolutista, ao qual eles chamavam de “Antigo Regime”, e sim por uma divisão do poder,
como sugeriu Montesquieu, em executivo, legislativo e judiciário.

Com relação à religião, os iluministas criticavam, principalmente, a não possibilidade


de escolha individual de pensamento e de crença, sendo que, tanto nos países católicos
quanto nos protestantes, o Estado e a Religião andavam juntos. Outras concepções
quanto à relação entre natureza, Deus e ciências foram sendo construídas e, muitas vezes,
rechaçadas pelas correntes religiosas da época. Vejamos a explicação de Falcon:

A visão tradicional, de natureza finalista ou teleológica por definição,


era típica de um universo mental marcado pela Revelação.
Pouco a pouco essa visão perdeu terreno diante do avanço da
visão imanentista, naturalista e antropocêntrica. Ao longo desse
embate produziu-se uma nova concepção de mundo e do homem,
essencialmente terrena e humana, pautada pelos pressupostos da
imanência, da racionalidade e da relação homem-natureza como
realidade essencial (FALCON, 1986, p. 33, grifos do original).

127
Contudo, é importante entendermos que essa forma de pensar, apesar de ter
ganhado espaço na sociedade, não foi acolhida por todos os grupos religiosos. Como já
vimos em outros momentos, as novas ideias que surgem ganham espaço em uma certa
área da sociedade, mas, muitas vezes, são rechaçadas por outras.

Os iluministas defendiam “a liberdade de pensamento e, referindo-se às


interpretações da Bíblia e à multiplicidade de opiniões em matéria de religião, afirmava
que a razão deve ser o único critério válido, de acordo com a própria vontade divina”
(FALCON, 1986, p. 33). A questão do cristianismo como uma religião que foi revelada por
Deus e, portanto, a única que deveria ter espaço nas sociedades, foi perdendo força,
dando espaço ao deísmo, que preconizava a importância da racionalidade nas questões
religiosas (FALCON, 1986).

Devido a essas questões, as críticas dos filósofos iluministas ao clero foram


intensas. Um dos principais personagens anticlericais foi Voltaire, o que, segundo Falcon
(1986), deu origem à questão da secularização, ou seja, a necessidade da separação da
religião dos demais aspectos da vida como a ciência e a política. Falcon (1986) também
enfatiza que o anticlericalismo foi muito marcante na França, mas não em outras partes
da Europa, e que os iluministas, em regra, não se apartaram do cristianismo, mas sim
propuseram novas (re)leituras. Sobre esse assunto, Johnson expõe a situação da França:

[...] o jansenismo degenerou para um mero partido político, perdeu


seu fervor espiritual e acabou voltando à tona, como uma religião de
advogados, em 1789. Assim, o catolicismo permaneceu sem Reforma,
e a terceira força – o Iluminismo – emergiu como variedades do
deísmo ou ateísmo, atuando fora do cristianismo, ou mesmo contra
ele. [...] O Iluminismo francês foi o primeiro movimento intelectual
europeu, desde o século IV, a se desenvolver fora dos parâmetros da
crença cristã (JOHNSON, 2001, p. 424).

Johnson (2001) trouxe um aspecto importante sobre a filosofia Iluminista,


o fato de seu desenvolvimento ter sido fora da igreja ou teologia. Contudo, as ideias
iluministas também foram responsáveis por mudanças no cristianismo. Além disso, elas
influenciaram monarcas, em um movimento conhecido como “despotismo esclarecido”.

Como mencionamos anteriormente, o filosofo ilustrado Voltaire foi um dos


mais críticos à atuação da Igreja, e um dos mais profícuos escritores de seu tempo.
Segundo Johnson (2001, p. 425), ele, por diversas vezes, se declarou um deísta e
argumentou que cria “no deus da natureza, o grande geômetra, o arquiteto do universo,
a força motriz, inalterável, transcendental, eterna”. Com relação à institucionalidade do
cristianismo, tentou mostrar, assim como outros estudiosos de sua época, que boa parte
das desgraças na história ocorreu devido à truculência do cristianismo. As atitudes do
cristianismo teriam sido responsáveis por destruir sociedades.

128
Voltaire escreveu a Frederico, o Grande: ‘Vossa majestade prestará a
raça humana um serviço eterno se extirpar essa superstição infame,
e não digo entre o populacho, que não é digno de ser iluminado e
está pronto para qualquer jugo; digo entre os bem-nascidos, entre
os que desejam pensar’ [...] ‘não basta saber mais que os teólogos;
temos de mostrar-lhes que somos melhores e que a filosofia torna
os homens mais honoráveis que qualquer graça suficiente ou eficaz’
(JOHNSON, 2001, p. 424).

Com a disseminação das ideias iluministas, algumas mudanças começaram a


ocorrer a partir dos governos onde, em muitos casos, diminuíram o poder da religião
nos assuntos estatais, e os tribunais inquisitoriais começaram a ter fim. No império
austríaco, o imperador José II determinou a tolerância religiosa. Além disso, tirou das
mãos da religião a incumbência sobre a educação, tornando-a secularizada e fechou
casas religiosas que não tinham uma função social (JOHNSON, 2001). Em Portugal, a
ordem dos jesuítas foi expulsa, assim como em diversos territórios católicos como na
Espanha e França. Todavia, tais mudanças ainda foram pequenas, tendo em vista o
papel que o cristianismo ainda exercia na Europa nesse período.

5 AS MISSÕES DA ÁSIA
O cristianismo na região da Ásia passou por dificuldades desde o seu início, no
século XVI. Ele esbarrou em culturas com um sistema religioso consolidado e governos
que, no geral, não estavam dispostos a se abrir para uma religião tão diferente. De
acordo com Shelley (2004), um dos pioneiros nessa empreitada foi Francisco Xavier
(1506-1552), que fazia parte da Companhia de Jesus e foi para Goa, na região das Índias,
que estava sob o domínio de Portugal. Após alguns meses, se dirigiu para o Sul da Índia
e passou a exercer uma grande influência entre uma comunidade de pescadores, que
solicitaram ao missionário que o reino português os protegesse dos inúmeros roubos
que ocorriam na região.

Todavia, o rei português só aceitou o pedido quando eles se comprometeram


em aceitar o batismo católico. Xavier foi o missionário que implantou o cristianismo
ali, inicialmente, quando as vilas de pescadores passaram a viver sob a religião cristã,
cercados pelos hinduístas. Posteriormente, outros jesuítas chegaram e conseguiram
transformar os hábitos dos moradores de acordo com o catolicismo.

Xavier, ao sair de Goa, foi participar de missões na Malásia, onde, após dois
anos, retornou para Goa e partiu para o Japão. Nessa época, os senhores feudais
japoneses estavam abertos ao comércio com os estrangeiros, o que favoreceu a ida dos
missionários cristãos para aquela região (SHELLEY, 2004).

Com a convivência com os japoneses, observando seus hábitos culturais,


Xavier mudou a forma de evangelizar. Até então, o cristianismo, ao se estabelecer
em uma região, não levava somente a religião, mas também impunha as questões

129
culturais, moldando a sociedade de acordo com a cultura dos missionários, pois, o que
a cultura pagã produzia não poderia ser considerado bom. No Japão, Xavier mudou
de perspectiva, pois considerou que o cristianismo poderia ser aceito sem, contudo,
modificar os seus costumes. Vários jesuítas se deslocaram para colaborar com Xavier
nas missões no Japão.

A sociedade de Jesus dominou a missão cristã no Japão até o final do


século XVI. Seu trabalho obteve sucesso notável. Em 1557, um jesuíta
otimista escreveu: ‘Dentro de dez anos todo o Japão será cristão
se tivermos missionários suficientes’. Dois anos depois, os jesuítas
estabeleceram uma nova cidade como lar para cristãos convertidos.
Chamaram-na Nagasaki. Antes do final do século, os missionários
haviam convertido 300 mil pessoas, fundado centenas de igrejas e
duas faculdades cristãs (SHELLEY, 2004, p. 321).

Os jesuítas pregavam o cristianismo, mas procuravam respeitar os costumes


dos japoneses até onde foi possível, conseguindo, inclusive, que os próprios japoneses
convertidos guiassem igrejas. Porém, a tolerância ao cristianismo nessa região ficou
ameaçada, com a suspeita de que eles seriam invasores (SHELLEY, 2004). Muitos
missionários foram mortos “[...] pela espada, outros pela fogueira e outros ainda apelo
caldeirão fervente. O trabalho cristão que antes florescia no Japão se desintegrara.
Restara muito pouco nas colinas próximas a Nagasaki” (SHELLEY, 2004, p. 321).

Com relação aos trabalhos dos cristãos na China, o missionário Xavier, quando
saiu do Japão, tentou obter autorização para a implantação do cristianismo lá, mas
faleceu antes de ir. A empreitada ficou a cargo de Mateus Ricci (1552-1610), que conseguiu
ir até Macau, ilha próxima à China, todavia, o acesso a China era difícil para povos com
culturas diferentes, principalmente pela influência do Confucionismo (SHELLEY, 2004).

Em Macau, Ricci se ocupou em aprender o mandarim e a cultura chinesa. Ele


conseguiu entrar na China e foi bem recebido, pois já conhecia a língua, e por ser um
homem bem instruído. Ricci ensinou sobre o calendário cristão e mostrou os mapas que
estavam sendo feitos na Europa, o que entusiasmou os chineses em um primeiro momento.
Posteriormente, conseguiu acesso à Pequim, e foi aceito como astrônomo e matemático.

Após sua morte, a comunidade cristã na China já contava com cerca


de dois mil membros. Seu sucessor, Adam Schall, elevou ainda mais
o trabalho intelectual. Conquistou a admiração dos intelectuais
chineses ao predizer acuradamente a época de um eclipse da lua,
tornando-se diretor do serviço astrônomo Imperial. Em 1650, Schall
construiu uma igreja em Pequim e obteve liberdade religiosa para o
cristianismo em todo o império (1657) (SHELLEY, 2004, p. 323).

Perceba, caro acadêmico, que, tanto no Japão quanto na China, os jesuítas,


além de ficarem impressionados com as culturas, tiveram que ser criativos ao levar o
cristianismo, para que os governantes permitissem que continuassem lá. No caso da
China, a ligação com a ciência fez com que o missionário, além de ser aceito, estivesse
com cargo importante no Império. Quanto ao evangelismo na China, os jesuítas usaram a

130
mesma metodologia do Japão, que foi a adaptação cultural. Porém, outros missionários
cristãos passaram a criticar a postura jesuítica de aceitação e adaptação, chegando ao
ponto de fazer denúncias ao papa. Segundo Shelley (2004), o papado ora concordava
com a metodologia jesuítica, ora criticava. A situação foi se agravando e, cerca de um
século depois, a missão nesse território declinou.

6 O PIETISMO
Após a consolidação da Reforma Protestante e das inúmeras divisões, na
qual surgiram várias igrejas, a religiosidade continuou estando unida ao Estado. Para
muitos, fazer parte de uma igreja era apenas uma formalidade social. No decorrer do
desenvolvimento do cristianismo, muitos movimentos surgiram com a proposta de
ser uma “renovação espiritual”, dentro de uma igreja que, para a maioria, era somente
formalidade. Tais grupos fizeram parte tanto do catolicismo quanto do protestantismo.
O movimento pietista surgiu na Alemanha, dentro do luteranismo, e, segundo Shelley
(2004, p. 363), tratou-se de “[...] uma reação a essa calcificação da Reforma”.

Caro acadêmico, atualmente, não é difícil encontrarmos, no protestantismo, a


ideia de uma conversão pessoal. Essa ideia foi posta pela primeira vez pelo movimento
pietista, que enfatizava a fé pessoal, assim como, a experiência, tanto dos já batizados,
quanto dos demais. Outra característica do pietismo foi a ênfase no papel do leigo, e não
na igreja estatal. A fé dos fiéis contagiaria os outros fiéis, e eles mesmo divulgariam o
Evangelho. Esse tipo de manifestação, que, hoje em dia, é tão comum ao protestantismo,
foi uma novidade iniciada na igreja alemã, e seus principais adeptos foram Philip Jacob
Spener (1635-1705), August Hermann Francke (1663-1727) e Nikolaus von Zinzendorf
(1700-1760) (SHELLEY, 2004).

Spener deu início a reuniões em sua casa para estudar a Bíblia, sendo logo
taxadas de reuniões de pios, o que deu origem ao termo pietismo. O caráter de reuniões
em casas foi defendido por Spener, como algo que ajudaria na vida cristã e, formaria
fiéis mais fervorosos espiritualmente. Ele foi a Berlim e conseguiu levar à universidade,
para lecionar, Francke, que se tornou o próximo líder pietista. Os dois foram atacados
pela ortodoxia luterana das universidades de Leipzig, Wittenberg: “Deutschmann, um
dos teólogos de Wittenberg, os acusou de duzentos e oitenta e três ensinos heréticos
[...] Como resultado, os pietistas foram forçados a fundar a Universidade de Halle (1694)”
(GONZALEZ, 2004, p. 305). Sobre sua atuação, vejamos a explanação de Shelley:

Em Halle, Francke iniciou a formação de ministros espirituais e sociais.


A universidade tornou-se o centro de formação de grande número de
ministros pietistas. A compaixão de Francke pelos negligenciados o
levou a abrir uma escola para os pobres. Abriu também um orfanato
e comprou uma taverna e as terras que lhe eram próximas para
construir um hospital. Sua atividade incansável incluiu uma escola
de latim para jovens talentosos, uma casa para viúvas, uma casa para
mulheres solteiras, um dispensário médico, um depósito de livros,
uma gráfica e uma casa da Bíblia (SHELLEY 2004, p. 365).

131
A influência de Francke foi importante para a formação de cristãos mais envolvidos
com o cotidiano da igreja, inclusive no movimento posterior das missões protestantes. Foi o
pietismo a ala protestante que se preocupou em atuar na sociedade por meio de uma ética
social, por meio da criação de orfanatos, empresas missionárias, entre outros. Além disso,
no campo da liturgia, eles retomaram a questão da confirmação da fé, com o propósito de
confirmação do batismo (TILLICH, 1976).

Outro personagem fundamental dentro do pietismo foi Zinzendorf. Ele, que havia
iniciado os estudos na área do direito e conheceu membros da Fraternidade Boêmia, grupo
que era herdeiro do movimento hussita. Eles eram liderados por um carpinteiro da região
da Morávia, por isso, foram chamados de moravianos. De acordo com Shelley (2004),
eles pretendiam viver em uma comunidade de cristãos verdadeiros, separadamente,
longe das tentações. Foi em 1727 que Zinzendorf se tornou líder dos moravianos, também
chamados de “Fraternidade Unida”. Sob sua liderança, eles passaram a ser uma força no
campo da evangelização protestante. Ao conhecer um homem negro escravizado quando
realizava uma visita à cidade de Copenhague, Zinzendorf se sensibilizou com a vida que os
escravizados levavam e resolveu formar missionários para atuarem junto a essas pessoas,
em diversos países. Sobre o diferencial do movimento petista, Shelley explica que:

A intensidade com que os pietistas descreviam a regeneração


frequentemente fazia do cristianismo um drama da alma humana.
O coração do homem era cenário de uma batalha desesperada entre
os poderes do bem e do mal. Nesse sentido, o pietismo foi a fonte de
todos reavivamentos modernos. Ele colocou a experiência da nova
vida em Cristo no centro da mensagem e do ministério cristãos. Por
essa razão, é impossível pensar na cristandade evangélica sem a
influência do pietismo (SHELLEY 2004, p. 365).

As ideias pregadas pelos pietistas, como a ênfase na conversão e na experiência


individual, acabaram sendo uma marca de vários outros movimentos posteriores. Cabe
ressaltar que os pietistas não confrontaram a igreja oficial nem o Estado. Sua ênfase foi
na mudança de vida individual, a partir da experiência.

7 O METODISMO
Caro acadêmico, o pensamento Iluminista, como estudamos, penetrou em
diversos setores da religiosidade anglicana, em que muitos aderiram ao pensamento
deísta. De acordo com Shelley (2004, p. 330), na Inglaterra “entre os cultos e os ricos, o
Iluminismo banira a fé do centro de sua vida para a periferia”. Assim como os pietistas que
iniciaram um movimento para “reavivar” a “dura” ortodoxia luterana nas terras alemãs, na
Inglaterra, ideias similares tomaram forma, no que veio a ser conhecido como Metodismo.

John Wesley (1793-1791), em seus estudos na universidade de Oxford, teve


contato com teólogos como Taylor (1711 – 1785) e Tomás de Kempis (1380 – 1471) , que
o inspiraram a buscar uma vida compromissada com Deus. Posteriormente, Wesley fez

132
parte da Faculdade Lincoln e depois tornou-se ministro anglicano. Ao retornar para Oxford,
juntou-se ao seu irmão que havia convocado cristãos na universidade, que estavam se
reunindo para estudarem a Bíblia, orar, visitar prisões e fazer doação aos pobres. Wesley
passou a liderar o grupo que foi apelidado, dentre outros nomes, de metodista.

Wesley recebeu o convite para ir a Geórgia, nas Treze Colônias, para ser capelão.
Ele viu uma oportunidade para pregar aos indígenas da América. Ao iniciar suas
tentativas evangelísticas na América, passou por um choque cultural intenso, não tendo
êxito entre os nativos. Já a comunidade branca estabelecida na Geórgia, não via com
apreço as posturas radicais de Wesley, como a “proibição de que as mulheres usassem
roupas elegantes e joias de ouro na igreja” (SHELLEY, 2004, p. 375). Após alguns meses,
ele retornou a Europa.

Em Londres, Wesley foi desafiado por um moraviano a buscar o “novo


nascimento”. Ele começou a frequentar reuniões em casas, onde, em maio de 1738,
ocorreu uma mudança radical em sua vida, que o influenciou daí por diante:

Escreveu ele: ‘De noite’, fui, completamente sem vontade, a uma


sociedade na rua Aldergaste, onde alguém lia o prefácio de Lutero
para a epístola aos romanos. Por volta das 20h45, enquanto ele
descrevia a mudança que Deus opera no coração através da fé
em Jesus, senti meu coração estranhamente aquecido. Senti que
realmente acreditava em Cristo, apenas nele, para a salvação; e me
foi dada uma certeza de que ele levou meus pecados, e me salvou da
lei do pecado e da morte’ (SHELLEY 2004, p. 374).

O relato de Wesley é importante para compreendermos o fervor religioso que


entrou em vigor na Inglaterra. Ele visitou a terra dos moravianos, na qual não permaneceu
por muito tempo, mas foi bastante influenciado pelos pequenos grupos nos lares. Outra
importante influência para ele foi ler os relatos das pregações ao ar livre feitas por
Jonathan Edwards (1703-1758). Nessa época, o culto era prestado somente no espaço
do templo. Quem quisesse ouvir as pregações, teria que se dirigir a igreja. Edwards estava
iniciando um novo formato de pregação, ao ar livre. Inicialmente relutante com esse
modelo, Wesley passou a adotá-lo: “Pregou para mais de três mil pessoas a céu aberto. E
a reação desses cidadãos comuns foi surpreendente. Conversões, tão verdadeiras quanto
aquelas de Nova Inglaterra, passaram a acontecer em toda parte. O despertar metodista
havia começado” (SHELLEY, 2004, p. 376). Wesley passou, então, a pregar em diversos
lugares, indiscriminadamente, pois, segundo ele, “o mundo era a sua paróquia” (SHELLEY,
2004, p. 376), algo nada convencional para as igrejas protestantes até então.

É importante ressaltar que Wesley não era contra a igreja anglicana. O movimento
que ele liderou, aos poucos, foi se distanciando do anglicanismo, porém, não era isso que
ele almejava. Inclusive, ele se recusou a sair da igreja inglesa, permanecendo nela até sua
morte (SHELLEY, 2004). Ele também se opunha à questão da predestinação, aceitando
a concepção de que o sacrifício de Cristo foi para todas as pessoas, entretanto, o ser
humano pode aceitá-lo ou não. Segundo Mendonça (1995, p. 46), ele “alargou ainda mais

133
a brecha entre o arminianismo e calvinismo com a sua doutrina da perfeição cristã, que
é a sua mais importante contribuição para a teologia protestante”. Ele defendia que a
santificação era um processo que ocorria devido à fé, e que a experiência pessoal era mais
relevante que frequentar a igreja por uma questão meramente social (MENDONÇA, 1995).

O trabalho de Wesley cresceu e ele passou a colocar leigos para pregar e até
mesmo liderar. Para cuidar desses líderes, ele criou conferências regulares para instruí-
los. O metodismo ganhou força na América do Norte, onde decidiram romper com o
anglicanismo, mesmo contra sua vontade.

Os metodistas eram anglicanos, e sua igreja era a igreja da Inglaterra.


Com a final separação dos dois corpos, entretanto, o Metodismo
se tornou uma organização que assemelhou intimamente a outras
tradições da igreja livre e, ao mesmo tempo, herdou na teologia de
seu fundador perspectivas da igreja que eram muito diferentes da sua
prática efetiva. Diferentes tentativas para resolver esta ambiguidade
se explicam em parte por causa da diferença entre o Metodismo
inglês e americano (GONZALEZ, 2004, 319).

Na Inglaterra, o rompimento com a igreja oficial só aconteceu após a morte de


Wesley. Na época de seu falecimento, o metodismo já contava com mais de 70 mil fiéis
na Europa e cerca de 40 mil nas colônias inglesas (SHELLEY, 2004).

8 O GRANDE AVIVAMENTO NA AMÉRICA DO NORTE


Na mesma época do movimento pietista e do metodismo, a América do Norte
vivenciou uma série de mudanças na religião que ficaram conhecidas como o Grande
Avivamento. O protestantismo nas Treze Colônias Britânicas, atual Estados Unidos,
ocorreu durante o processo da colonização inglesa. Como a principal característica dessa
colônia, diferente da portuguesa, foi de povoar, os colonos trouxeram sua religiosidade
para reger a vida em comunidade.

Diferentes grupos protestantes se estabeleceram nessa região, principalmente


por fugirem de perseguições religiosas na Inglaterra, como já estudamos no conteúdo
sobre a Igreja anglicana.

Na América, longe dos reis, os diferentes grupos perceberam a importância de


adotarem um sistema religioso diferente do que ocorria na Europa, onde o governante
definia qual seria a religião do povo. Foi estabelecido, então, que o Estado não interferiria na
religião, não cobrando de seus súditos a adesão a uma igreja.

Todavia, era importante que a vertente seguida fosse protestante. Esse sistema
ficou conhecido por denominações, imperando, de certa forma, a ideia de fraternidade
entre os diferentes grupos protestantes, e não mais as guerras que ocorriam na
Europa. Isso não quer dizer que não houvesse divergências e disputas, mas essas não

134
chegavam a embates maiores. Esse modelo cedeu espaço ao voluntariado, ou seja, o
cidadão poderia aderir à denominação que preferisse, e a manutenção da igreja não
ficava a cargo do Estado, mas sim das contribuições voluntárias dos fiéis. Com relação
ao catolicismo, ele não era bem aceito, e se deu por via migratória, em grande escala,
somente a partir do século XVIII (MENDONÇA, 1995).

Na primeira fase da colonização, os principais grupos religiosos que se


estabeleceram foram os calvinistas, principalmente representados pelos puritanos, e os
luteranos. Quanto ao anglicanismo, este era visto como representante da igreja inglesa
nas terras americanas. O livro de Oração Comum foi usado amplamente, por diversas
igrejas nas colônias britânicas:

Nesses primórdios, tanto anglicanos como congregacionais e


presbiterianos são calvinistas em teologia e usam a mesma liturgia (Livro
de Oração Comum), embora eclesiasticamente os anglicanos sejam
episcopais e os congregacionais e presbiterianos venham a assumir
formas democráticas diretas ou representativas indiferentemente,
conforme as circunstâncias (MENDONÇA, 1995, p. 50).

As Treze Colônias passaram a ser um local profícuo para o protestantismo,


devido a liberdade que assumiram desde o início da colonização. Além dos calvinistas,
anglicanos e luteranos, acharam guarida nessas terras os quacres, batistas,
presbiterianos, congregacionais e anabatistas.

Entre os anos de 1720 e 1740, o Grande Despertar iniciou nas Treze Colônias,
com as pregações do calvinista Theodorus Jacobus Frelinghuysen (1691-1747), que
“despertou emoções de seus paroquianos, fazendeiros do vale do Raritan, com seus apelos
apaixonados e se deleitou com a grande adesão de novos membros” (SHELLEY, 2004, p.
385, 386). O avivamento se espalhou por diversas igrejas. Porém, na mesma medida em
que se espalhava, havia também aqueles que criticavam e não aceitavam a nova forma de
manifestação do protestantismo. Os grupos chegaram a se dividirem em O Novo Partido, no
qual se encontravam os adeptos do Avivamento, e o Velho Partido, com os que o rejeitavam
(SHELLEY, 2004).

As igrejas que aderiram ao avivamento começaram a enviar missionários para as


diversas regiões da colônia, onde o número de adeptos se multiplicava rapidamente. Um
nome muito importante foi o de George Whitefield (1714-1770), que era muito amigo de
John Wesley e passou a pregar nas colônias, conseguindo levar o avivamento para boa
parte das cidades. Sua forma de pregar atraía multidões.

Segundo Shelley (2004, p. 386), ele é considerado o “pai do evangelismo de


massa moderno”. Com suas viagens, ele conseguiu unir os movimentos de Norte a Sul
das colônias. Outro importante pregador foi Jonathan Edwards (1703-1758), escritor
e teólogo, atuou em uma igreja em Northampton, Massachusetts. Ele se destacou na
pregação em diversas cidades, sempre com sermões com fortes doses de emoção
(SHELLEY, 2004).

135
Na região da Nova Inglaterra, Isaac Backus (1724-1806) foi um relevante
evangelizador. Ele também foi importante para que a liberdade religiosa fosse realmente
verdadeira nas colônias.

Ele escreveu tratados, dezenas de petições, obteve evidências


concreta de perseguições, compareceu à corte como testemunha,
trabalhou em comitês para a formulação de políticas, e manteve
uma constante guerra de palavras em jornais, disputas públicas e
cartas privadas. A prisão de sua mãe, irmão e tio, em Connecticut,
e suas próprias convicções pietistas produziram nele uma oposição
apaixonada ao sistema estabelecido (SHELLEY, 2004, p. 389).

Perceba, caro acadêmico, que, mesmo com a liberdade das denominações


nas colônias inglesas, às vezes, ocorriam perseguições. Não na mesma proporção que
aconteciam na Europa, mas foi preciso que pessoas se levantassem e lutassem para
que o ideal de liberdade fosse realmente praticado. Devemos lembrar que as mudanças
sociais não ocorrem rapidamente. Já que os colonos vinham para a “nova” terra,
trazendo uma herança de conflitos que eram resolvidos com guerras, se desvencilhar
dessa forma de lidar com a religião não era tão simples.

Backus defendia que a religião deveria ser aceita por meio do desejo individual
de obediência a Deus, e não por obrigação social ou coerção estatal. Além disso,
ressaltava a ideia de que estado e religião deveriam estar separados, pois são governos
com funções diferentes.

A América seria, então, uma nação cristã, pois seus moradores seriam
persuadidos a obedecer aos princípios de Deus, de forma voluntária. E isso ocorreu em
grande escala na época do grande avivamento (SHELLEY, 2004).

Caro acadêmico, encerramos por aqui mais uma etapa do nosso estudo. Neste
tópico, pudemos acompanhar as mudanças engendradas desde o final do século XV no
cristianismo. Na área da “leitura complementar”, você encontrará alguns documentos
históricos importantes dos momentos que estudamos neste tópico. Observe, no Quadro
1, um cronograma de alguns dos principais movimentos após a Reforma.

136
QUADRO 1 – PRINCIPAIS MOVIMENTOS PROTESTANTES DOS SÉCULOS XVI – XVII

1517 Lutero afixa as 95 Teses em Wittemberg.


1520 Década do surgimento dos primeiros grupos anabatistas.
1523 Zwingli publica seus 67 artigos.
1534 Henrique VIII decreta o Ato de Supremacia e cria a Igreja Anglicana.
1536 Calvino escreve as Institutas da Religião Cristã.
1545 Início do Concílio de Trento.
1567 Os puritanos propões mudanças na igreja Anglicana.
Armínio vai ao encontro das correntes
1608
do supralapsarianismo e do infralapsarianismo.
1618 Início do Sínodo de Dort.
1643 1ª Confissão de Fé de Westminster.
1652 Georg Fox inicia o movimento Quaker.
1730 Grande Despertar na América do Norte.
1739 Início do Metodismo.
FONTE: O autor

ESTUDOS FUTUROS
Na próxima unidade, abordaremos as mudanças históricas do cristianismo a
partir da Revolução Francesa, até os dias atuais.

137
LEITURA
COMPLEMENTAR
AS NOVENTA E CINCO TESES DE LUTERO, 1517 (ALGUNS ARTIGOS)

Com um desejo ardente de trazer a verdade à luz, as seguintes teses serão


defendidas em Wittenberg sob a presidência do Rev. Frei Martinho Lutero, Mestre de
Artes, Mestre de Sagrada Teologia e Professor oficial da mesma.

Ele, portanto, pede que todos os que não puderem estar presentes e disputar com
ele verbalmente, o façam por escrito. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

1. Nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo em dizendo “Arrependei-vos, etc.”, afirmava que
toda a vida dos fiéis deve ser um ato de arrependimento.
2. Essa declaração não pode ser entendida como o sacramento da penitência (i. e.,
confissão e absolvição) que é administrado pelo sacerdócio.
3. Contudo, não pretende falar unicamente de arrependimento interior; pelo contrário,
o arrependimento interior é vão se não produz externamente diferentes espécies de
mortificação da carne.
4. Assim, permanece a penitência enquanto permanece o ódio de si (i. e., verdadeira
penitência interior), a saber, o caminho reto para entrar no reino dos céus.
5. O papa não tem o desejo nem o poder de perdoar quaisquer penas, exceto aquelas
que ele impôs por sua própria vontade ou segundo a vontade dos cânones.
6. O papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando
que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoando os casos que lhe são
reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações a culpa permaneceria. [...].
10. Os sacerdotes que no caso de morte reservam penas canônicas para o purgatório
agem ignorante e incorretamente.
11. Esta cizânia que se refere à mudança de penas canônicas em penas no purgatório
certamente foi semeada enquanto os bispos dormiam. [...]
15. Esse temor e esse terror bastam por si mesmos para produzir as penas do purgatório,
sem qualquer outra coisa, pois estão pouco distantes do terror do desespero. 16.
Com efeito, a diferença entre Inferno, Purgatório, e Céu parece ser a mesma que há
entre desespero, quase-desespero e confiança. [...]
20. O papa pela remissão plenária de todas as penas não quer dizer a remissão de todas
as penas em sentido absoluto, mas somente das que foram impostas por ele mesmo.
21. Por isto estão em erro os pregadores de indulgências que dizem ficar um homem
livre de todas as penas mediante as indulgências do papa.
22. Pois para as almas do purgatório ele não perdoa penas a que estavam obrigadas a
pagar nesta vida, segundo os cânones.

138
23. Se é possível conceder remissão completa das penas a alguém, é certo que somente
pode ser concedida ao mais perfeito; isto quer dizer, a muito poucos.
24. Daí segue-se que a maior parte do povo está sendo enganada por essas promessas
indiscriminadas e liberais de libertação das penas.
25. O mesmo poder sobre o purgatório que o papa possui em geral, é possuído pelo
bispo e pároco de cada diocese ou paróquia.
26. O papa faz bem em conceder remissão às almas não pelo poder das chaves (poder
que ele não possui), mas através da intercessão.
27. Os que afirmam que uma alma voa diretamente para fora (do purgatório) quando
uma moeda soa na caixa das coletas, estão pregando uma invenção de homens
(hominem praeãicant).
28. É certo que quando uma moeda soa, cresce a ganância e a avareza; mas a intercessão
(suffragium) da Igreja está unicamente na vontade de Deus. [...]
32. Aqueles que se julgam seguros da salvação em razão de suas cartas de perdão
serão condenados para sempre juntamente com seus mestres.
33. Devemos guardar-nos particularmente daqueles que afirmam que esses perdões do
papa são o dom inestimável de Deus pelo qual o homem é reconciliado com Deus. [...]
35. Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou indulgência,
estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristianismo.
36. Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plenária tanto da
pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de perdão. 37.
Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo
e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem cartas de perdão. [...]
42. Deve ensinar-se aos cristãos que não é intenção do papa que se considere a compra
dos perdões em pé de igualdade com as obras de misericórdia.
43. Deve ensinar-se aos cristãos que dar aos pobres, ou emprestar aos necessitados é
melhor obra que comprar perdões.
44. Por causa das obras do amor o amor é aumentado e o homem progride no bem;
enquanto que pelos perdões não há progresso na bondade, mas simplesmente
maior liberdade de penas.
45. Deve ensinar-se aos cristãos que um homem que vê um ' irmão em necessidade
e passa a seu lado para dar o seu dinheiro na compra dos perdões, merece não a
indulgência do papa, mas a indignação de Deus.
46. Deve ensinar-se aos cristãos que — a não ser que haja grande abundância de bens
— são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo
algum gastar seus bens na compra de perdões.
47. Deve ensinar-se aos cristãos que a compra de perdões é matéria de livre escolha e
não de mandamento.
48. Deve ensinar-se aos cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo (como
tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que de dinheiro contado. [...]
51. Deve ensinar-se aos cristãos que o papa — como é de seu dever — desejaria dar os seus
próprios bens aos pobres homens de quem certos vendedores de perdões extorquem o
dinheiro; que para este fim ele venderia — se fosse possível — a basílica de S. Pedro.
52. Confiança na salvação por causa de cartas de perdões é vã, mesmo que o comissário,
e até mesmo o próprio papa, empenhasse sua alma como garantia.

139
53. São inimigos de Cristo e do povo os que em razão da pregação das indulgências
exigem que a palavra de Deus seja silenciada em outras igrejas.
54. Comete-se uma injustiça para com a palavra de Deus se no mesmo sermão se
concede tempo igual, ou mais longo, às indulgências do que à palavra de Deus. [...]
76. Dizemos ao contrário, que os perdões papais não podem tirar o menor dos pecados
veniais no que tange à culpa.
77. Dizer que nem mesmo S. Pedro, se fosse o papa, não podia dar graças maiores, é
nenhuma blasfêmia contra S. Pedro e o papa. [...]
82. Esses perguntam: Por que o papa não esvazia o purgatório por um santíssimo ato de
amor e das grandes necessidades das almas; isto não seria a mais justa das causas
visto que ele resgata um número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro
dado para a edificação de uma basílica que é uma causa bem trivial?
83. Por que continuam os réquiens e os aniversários dos defuntos e ele não restitui os
benefícios feitos em seu favor, ou deixa que sejam restituídos, visto que é coisa
errada orar pelos redimidos? [...]
86. As riquezas do papa hoje em dia excedem muito às dos mais ricos Crassos; não
pode ele então construir uma basílica de S. Pedro com seu próprio dinheiro, em vez
de fazê-lo com o dinheiro dos fiéis?
88. Não receberia a Igreja um bem muito maior se o papa 1 fizesse cem vêzes por dia o
que agora faz uma única vez, isto é, distribuir essas remissões e dispensas a cada
um dos fiéis?
89. Se o papa busca pelos seus perdões antes a salvação das almas do que dinheiro,
por que suspende ele cartas e perdões anteriormente concedidos, visto que são
igualmente eficazes? [...]
91. Se os perdões fossem pregados segundo o espírito e a intenção do papa seria fácil
resolver todas essas questões; antes, nem surgiriam.
92. Portanto, que se retirem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “paz, paz”, e
não há paz.
93. E adeus a todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “a cruz, a cruz”, e não há
cruz.
94. Os cristãos devem ser exortados a esforçar-se em seguir a Cristo, sua cabeça,
através de sofrimentos, mortes e infernos.
95. E que eles confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por
meio da confiança da paz.

FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2 ed. São Paulo:
Aste. 1963. p. 231-238.

A DIETA DE WORMS, 1521 RESPOSTA FINAL DE LUTERO,


18 DE ABRIL DE 1521

[Eek, oficial do Arcebispo de Tréveris, perguntou a Lutero:] Desejas defender


os livros que foram reconhecidos como sendo obra tua? Ou retratar tudo o que está
contido neles?

140
[Lutero respondeu:] Sereníssimo Senhor Imperador, Ilustríssimos Príncipes,
Benevolentíssimos Senhores... Suplico-vos prestardes benevolente ouvido à minha
defesa, a qual, espero, será uma defesa da justiça e da verdade, e se por causa de minha
inexperiência eu deixo de conceder a alguém o seu título próprio, ou em qualquer ponto
ofendo a etiqueta da corte pelas minhas maneiras ou comportamento, sede bastante
bondosos para me perdoar — peço-vos — pois sou um homem que passou sua vida não
nas cortes mas nas celas de um mosteiro; um homem que de si só pode dizer que até
este dia só meditou e escreveu na simplicidade do coração, somente com vista à glória
de Deus e à instrução pura do povo fiel a Cristo... Majestade Imperial e meus Senhores:
peço-vos que observeis que os meus livros não são todos da mesma espécie.

Há alguns em que com piedade tratei da fé e dos costumes com tal simplicidade
e em tal consonância com os Evangelhos que os meus próprios adversários são
obrigados a admiti-los como úteis, sem perigo e evidentemente dignos de serem lidos
por um cristão. Até mesmo a Bula — embora violenta e cruel — reconhece que alguns
de meus livros são sem perigo, embora condene também a eles por um julgamento
simplesmente monstruoso. Se eu tivesse de começar a retratar-me aqui, o que —
pergunto-vos — o que deveria eu fazer senão condenar — único entre os mortais — uma
verdade que é admitida tanto por amigos como por inimigos, numa luta sem socorro
contra o consenso universal?

A segunda espécie consta dos escritos dirigidos contra o papado e as doutrinas


dos papistas, isto é, contra aqueles que por suas más doutrinas e maus precedentes
devastaram a cristandade arruinando as almas e os corpos dos homens. Ninguém
pode negar ou ocultar este fato, pois a experiência universal e as queixas de todos
dão testemunho do fato de que pelas leis do papa e por doutrinas feitas por homens
as consciências dos fiéis foram miseravelmente enlaçadas, perturbadas e atiradas em
tormentos, e que também os seus bens e suas possessões foram devorados (sobretudo
nesta famosa nação germânica) por uma tirania inacreditável e até os nossos dias são
devorados sem fim e de uma forma vergonhosa, apesar de eles mesmos em suas leis
tomarem cuidado para que as leis e as doutrinas do papa contrárias ao Evangelho ou
às doutrinas dos padres não sejam consideradas errôneas e sejam reprovadas. Se eu
retratasse isso, o único resultado seria acrescentar mais força a essa tirania; seria abrir,
não as janelas, mas as principais portas a essa blasfêmia a qual depois progrediria muito
mais amplamente do que ousou até agora... A terceira espécie consiste naqueles livros que
escrevi contra indivíduos privados, como se diz; isto é, contra aqueles que se entregaram
à defesa da tirania romana e para derrubar a piedade que eu ensino. Confesso que fui
mais violento contra esses do que convém aos meus votos religiosos e à minha profissão.
Com efeito, não me apresento como nenhum santo, nem luto pela minha conduta, mas
pela doutrina cristã. Mas não posso me retratar desses livros, porque essa retratação daria
àquela tirania e blasfêmia a ocasião de tiranizar aqueles a quem defendo e a enfurecer-se
contra o povo de Deus mais violentamente do que nunca.

141
Não obstante — visto que sou um homem e não Deus — não posso propor para
os meus escritos outra defesa senão a que meu Senhor Jesus Cristo propôs para a sua
doutrina. Quando foi interrogado sobre os seus ensinamentos diante de Anás e recebeu
uma bofetada de um servo, disse: “Se falei mal, dá testemunho do mal”. Se o próprio Senhor,
que sabia que não podia errar, não recusou ouvir um testemunho contra o seu ensino, até
mesmo de um servo sem valor, quanto mais devo eu, vil como sou, capaz de nada senão
errar, procurar e esperar alguém que queira dar testemunho contra o meu ensino.

E assim, pela misericórdia de Deus, peço a Vossa Majestade Imperial e a Vossas


Ilustres Senhorias, ou a qualquer um de qualquer posição, dar testemunho, derrubar os
meus erros, derrotá-los pelos escritos dos profetas ou pelos Evangelhos, pois estarei
inteiramente pronto, quando melhor instruído, a retratar-me de qualquer erro, e eu serei
o primeiro a atirar meus escritos no fogo...

Então o Locutor do Império — num tom de reprimenda — disse que essa resposta
não atingia o ponto e que não deveriam ser postas em questão matérias que já tinham
anteriormente sido objeto de condenação e decisões de concílios. Foi-lhe pedida uma
resposta simples, sem sutilezas ou sofisticações, a esta questão: Estava ele pronto a se
retratar, ou não?

Lutero então respondeu: Vossa Majestade Imperial e Vossas Senhorias


pedem uma resposta simples. Ei-la, simples e sem subterfúgios: A não ser que eu
seja convencido de erro pelo testemunho da Escritura ou - visto que não dou valor à
autoridade não provada do papa e dos concílios, por ser claro que eles muitas vezes
erraram e frequentemente se contradisseram - por um raciocínio evidente, continuo
convencido pelas Escrituras às quais apelei e minha consciência foi feita cativa pela
palavra de Deus, não posso e não quero retratar-me de qualquer coisa, pois agir contra
nossa consciência não é coisa segura nem permitida a nós. É esta a minha posição. Não
posso agir diversamente. Deus me ajude. Amém.

FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2 ed. São Paulo:
Aste. 1963. p. 307-308.

OS CINCO PONTOS DA REMONSTRÂNCIA, 1610

Artigo 1 – Deus, por um eterno e imutável decreto em Jesus Cristo, seu Filho,
antes de ter lançado os fundamentos do mundo, decidiu salvar, dentre a raça humana
caída em pecado, os que – em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo – por
meio da graça do Espírito Santo, creriam nesse seu Filho, e que, pela mesma graça,
perseverariam até o fim nessa fé e obediência de fé; mas, por outro lado, decidiu deixar
os impenitentes e descrentes sob o pecado e a ira, condenando-os como alheios a
Cristo, conforme a palavra do Evangelho de João 3.36 (“Aquele que crê no Filho tem a
vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre
ele permanece”), e também conforme outras passagens da Escritura.

142
Artigo 2 – Em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do Mundo,
morreu por todos e por cada um dos homens, de modo que obteve reconciliação e
remissão dos pecados para todos por sua morte na cruz; porém, ninguém é realmente
feito participante dessa remissão exceto os crentes, segundo a palavra do Evangelho de
João 3.16 (“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”) e da Primeira
Epístola de João 2.2 (“E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos
nossos, mas também pelos de todo o mundo)”.

Artigo 3 – O homem não possui fé salvadora por si mesmo, nem a partir do poder
do seu livre-arbítrio, visto que, em seu estado de apostasia e de pecado, não pode, de si e
por si mesmo, pensar, querer ou fazer algo de bom (que seja verdadeiramente bom tal como
é, primeiramente, a fé salvífica); mas, é necessário que Deus, em Cristo, pelo seu Espírito
Santo, regenere-o e renove-o no intelecto, nas emoções ou na vontade, e em todos os seus
poderes, a fim de que ele possa corretamente entender, meditar, querer e prosseguir no que é
verdadeiramente bom, como está escrito em João 15.5: “Porque sem mim nada podeis fazer”.

Artigo 4 – Esta graça de Deus é o princípio, o progresso e a consumação de todo o bem,


tanto que nem mesmo um homem regenerado pode, por si mesmo, sem essa precedente ou
preveniente, excitante, prosseguinte e cooperante graça, pensar, querer ou terminar qualquer
bem, muito menos resistir a quaisquer tentações para o mal. Por isso, todas as boas obras e
boas ações que possam ser pensadas devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas,
em relação ao modo de operação dessa graça, ela não é irresistível, visto que está escrito
sobre muitos que “resistiram ao Espírito Santo” (Atos 7) e em muitos outros lugares.

Artigo 5 – Aqueles que são incorporados em Cristo por uma fé verdadeira, e


consequentemente são feitos participantes do seu Espírito vivificante, são abundantemente
dotados de poder para que possam lutar contra Satanás, contra o pecado, contra o mundo
e contra a sua própria carne, e ganhar a vitória. Contudo, sempre (queremos que seja
bem entendido) com o auxílio da graça do Espírito Santo, Jesus Cristo os ajuda, pelo seu
Espírito, em todas as suas tentações, estende-lhes as suas mãos, apoia-os e fortalece
(caso estejam prontos para lutar, queiram o seu socorro e não desistam de si mesmos),
de modo que, por nenhum engano ou poder sedutor de Satanás, possam ser arrebatados
das mãos de Cristo, conforme o que Cristo disse em João 10.28 (“Ninguém as arrebatará
da minha mão”). Mas, se eles não são capazes de, por descuido, esquecer o início de sua
vida em Cristo, novamente abraçar o presente mundo, se afastar da santa doutrina que
uma vez lhes foi entregue, perder a sua boa consciência e negligenciar a graça, isto deve
ser assunto de uma pesquisa mais acurada na Sagrada Escritura, antes que possamos
ensiná-lo com inteira persuasão de nossas mentes.

Esses artigos, assim definidos e ensinados, os Remonstrantes consideram


estarem de acordo com a Palavra de Deus, idôneos para edificação e, no que diz
respeito a este argumento, suficientes para a salvação, de modo que não é necessário
ou edificante acrescentar ou diminuir qualquer coisa.

FONTE: DANIEL, S. Arminianismo, a mecânica da salvação: uma exposição Histórica, doutrinária e exegética
sobre a graça de Deus e a responsabilidade humana. Rio de Janeiro: CPAD, 2017. p. 307-308.

143
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A Igreja católica realizou o Concílio de Trento, que serviu, dentre outras coisas, para
reafirmar os dogmas que foram contestados pela Reforma, pensar estratégias para
conter o avanço protestante em países católicos e moralizar o clero.

• O avivamento na América do Norte influenciou diversas denominações. Foi


nessa época que a luta pela liberdade religiosa nessa região ficou mais intensa,
principalmente pela intervenção de Isaac Backus.

• O surgimento do pietismo e do metodismo influenciaram o protestantismo, pois estes


prezavam por uma religiosidade mais íntima, baseada na experiência dos convertidos.

• As ideias iluministas, que colocavam a razão como central na vida em sociedade,


trouxeram mudanças para o cristianismo, inclusive introduzindo a concepção deísta.

144
AUTOATIVIDADE
1 Após a Reforma Protestante, o catolicismo também passou por algumas mudanças.
Para isso, foi instituído o Concílio de Trento, o qual reafirmou doutrinas que o
Protestantismo havia contestado. Sobre este cenário, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) No século XVII surgiu, dentro da igreja católica, o jansenismo. Ele foi um


movimento iniciado por Cornélio Jansen, que procurou retomar as leituras de
Tomás de Aquino, com o princípio da Escolástica.
b) ( ) A Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola, consistiu em um dos principais
braços da contrarreforma católica. Essa ordem foi muito atuante na educação, criação
de hospitais e na colonização da América portuguesa e espanhola.
c) ( ) O concílio de Trento foi unanimemente visto pela historiografia como uma reação
da igreja católica ao avanço do protestantismo. Uma de suas medidas foi instaurar
tribunais inquisitoriais nos países protestantes.
d) ( ) O concílio de Trento reafirmou a importância da tradição católica juntamente
com a Bíblia. Sendo assim, a tradução da Bíblia foi permitida, desde que fosse
a partir da Vulgata.

2 No século XVII, teve início o movimento pietista, que, dentre outras coisas, valorizava a
conversão individual, ganhou forma na Europa, atingindo diversas igrejas protestantes.
Tendo em vista tal movimento, analise as sentenças a seguir:

I- Os primeiros pietistas foram pessoas que se viram insatisfeitas com a rigidez da Igreja
anglicana. Eles desejavam mais controle da religião no campo moral, e defendiam
que as vestes sacerdotais fossem abolidas.
II- Algumas características do movimento pietista foram, dentre outras, a importância
do papel do leigo; a busca pela conversão pessoal, em que a fé dos fiéis contagiaria
os outros fiéis, e eles mesmos divulgariam o Evangelho.
III- Os assim chamados irmãos moravianos se destacaram no campo missionário,
inclusive entre pessoas escravizadas em vários países.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

145
3 Confira o trecho a seguir e, em seguida, resolva a questão proposta: “Assim, em 1748,
‘as pessoas chamadas metodistas’ – como os pietistas na Alemanha – formavam uma
igreja dentro da igreja. Nos 40 anos seguintes, Wesley resistiu a todas as pressões de
seus próprios seguidores e a todos os ataques dos bispos anglicanos, que sugeriam
a separação da igreja na Inglaterra. ‘Viverei e morrerei, disse ele, ‘como membro da
igreja da Inglaterra’” (SHELLEY, 2004, p. 379). Tendo em vista o movimento iniciado
por John Wesley, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Wesley foi influenciado pelo pietismo alemão, o que fez ele ultrapassar a ritualística
da igreja anglicana, e passou a pregar em lugares com anfiteatros, nas ruas, inclusive
no cemitério. Os grupos de estudos bíblicos nos lares foi uma das maneiras usadas
para a conversão dos fiéis.
( ) O estilo de Wesley, com pregações ao ar livre, estudos bíblicos nos lares, ênfase
na conversão, importância dada aos leigos, além da não aceitação da doutrina da
predestinação tal qual era pregada pelo calvinismo, fez com que, mesmo contra
sua vontade, fosse expulso da igreja anglicana.
( ) Wesley conseguiu levar um avivamento para a Inglaterra que se espalhou por diversos
países, inclusive na América do Norte. Mesmo sem pretender, o metodismo se afastou
da igreja anglicana, e a América deu o primeiro passo para a separação das duas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O Iluminismo, ou ilustração, foi um movimento filosófico que despontou, inicialmente,


na França do século XVIII e se espalhou por diversos países. Suas ideias acabaram
influenciando o cristianismo. Tendo em vista este momento histórico, escreva com suas
palavras as principais críticas dos iluministas ao cristianismo e as religiões em geral:

5 Com a ida para as Treze Colônias inglesas, na América do Norte, de vários grupos
protestantes diferentes, iniciou-se um movimento de fraternidade, diferente do que
ocorria até então na Europa, onde os conflitos religiosos geraram diversos conflitos
e mortes. O sistema de denominações foi sendo implementado e acabou servindo
como referência para outros locais, inclusive para o Brasil no século XIX, com a vinda
de missionários protestantes americanos. Tendo em vista tal cenário, explique a
importância de Backus nesse processo na América do Norte:

146
REFERÊNCIAS
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INTERNACIONAL DE ESTUDOS INQUISITORIAIS: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA, 1., 2011,
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WILKE, C. L. História dos judeus em Portugal. Lisboa: Edições 70, 2009.

149
150
UNIDADE 3 —

A IGREJA NA IDADE
CONTEMPORÂNEA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender os reflexos da Revolução Francesa para o cristianismo;

• conhecer as principais caraterísticas das missões protestantes lideradas por Willian Carey;

• estudar o movimento de Oxford e seu impacto na igreja anglicana;

• entender os princípios da teologia liberal protestante.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A REVOLUÇÃO FRANCESA: O INÍCIO DO ESTADO LAICO


E AS MUDANÇAS RELIGIOSAS
TÓPICO 2 – O CRISTIANISMO NO MUNDO INDUSTRIALIZADO
TÓPICO 3 – A IGREJA CATÓLICA NO SÉCULO XX

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UNIDADE 3!

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UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
A REVOLUÇÃO FRANCESA: O INÍCIO
DO ESTADO LAICO E AS MUDANÇAS
RELIGIOSAS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, na unidade anterior abordamos como as ideias iluministas
influenciaram o cristianismo. Ele foi o início de diversas mudanças no cenário social,
político e religioso. Experimentado, inicialmente, na Europa, espalhou-se também na
América. O iluminismo foi o responsável direto pela Revolução Francesa, o que fez com
que a França fosse o primeiro país a romper com o sistema absolutista. Outro ponto
marcante dessa época foi a independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de
1776. Esse evento também foi influenciado pelo iluminismo, contando, inclusive, com
soldados franceses ao lado dos colonos americanos contra os ingleses. A nova nação
assumiu como sistema de governo uma república presidencialista e continuou com o
sistema escravista.

Após a independência, os EUA procuraram expandir seu território para as áreas


do Oeste, que não haviam sido colonizadas pelos ingleses. Tal território era habitado por
diversas comunidades indígenas. O protestantismo atuou com força nessas “novas” áreas.
A situação religiosa nos EUA era de maior liberdade em relação ao que ocorria na Europa.

Tendo em vista essa breve contextualização, no Tópico 1, abordaremos como


a Revolução Francesa trouxe mudanças para o ambiente religioso, tendo em vista que
ela quebrou com o vínculo entre religião e Estado. Além disso, estudaremos algumas
questões envolvendo a Igreja anglicana, como o movimento evangélico e de Oxford,
e os impactos que a teologia liberal protestante trouxe para o cristianismo. Já no
Tópico 2, trataremos dos impactos da Revolução Industrial para o cristianismo. Levando
em consideração as mudanças na dinâmica do trabalho e as dificuldades sociais, a
Igreja teve que trazer respostas tanto para as situações sociais quanto para as ideias
socialistas. No campo protestante, estudaremos o início do pentecostalismo e também
as principais características do fundamentalismo protestante.

No Tópico 3, abordaremos as principais mudanças no catolicismo a partir das decisões


do concílio do Vaticano II, além do surgimento do movimento carismático e sua importância
para a renovação da Igreja romana. Além disso, abordaremos algumas características da
Igreja ortodoxa no século XX. Por fim, na área reservada à Leitura Complementar, você terá
acesso a um artigo sobre a Igreja ortodoxa e sua atuação na Rússia.

153
2 A REVOLUÇÃO FRANCESA E A IGREJA
A Revolução Francesa foi um marco para a história do Ocidente. Ela foi um
processo que envolveu diferentes fases e influenciou diversos países. A França, assim
como a maior parte dos países europeus no século XVIII, era governada pelo sistema de
monarquia absolutista. Neste sistema, sobre o qual já nos referimos anteriormente, não
havia divisão de poderes, pois o rei detinha todas as funções do Estado.

Vários foram os fatores que cooperaram para o acontecimento da Revolução


na França. Socialmente, o país era dividido em três categorias: o Primeiro Estado, que
era composto pelo clero; o Segundo Estado, pela nobreza; e o Terceiro Estado, pelos
burgueses, que eram os comerciantes, e pelos camponeses, que compunham a maior
parte da sociedade. Os impostos eram pagos pelo Terceiro Estado, fato que desencadeou
uma série de reivindicações, tendo em vista que dele fazia parte a população que
menos tinha condições financeiras, principalmente os camponeses. Devemos ter em
mente também que o movimento Iluminista, estudado na unidade anterior, foi de
extrema importância para que os atos revolucionários fossem iniciados. Eric Hobsbawm
(1996), dentre outras questões determinantes a tais atos, menciona o fato de a França
ter lutado, juntamente com as Treze Colônias Britânicas, contra a Inglaterra – o que
foi fundamental para a independência dos Estados Unidos –, e os gastos luxuosos da
nobreza e da monarquia, inclusive com as despesas colossais do palácio de Versalhes.

Como a França estava passando por um momento de crise financeira, o rei


Luís XVI convocou uma Assembleia, com a participação dos três Estados, para que
fossem propostas ações para a superação da crise. Essa reunião ficou conhecida como
Assembleia dos Estados Nacionais.

Na Assembleia, o Terceiro Estado reivindicava que os outros dois Estados


pagassem impostos, o que não era aceito pelo clero nem pela maioria dos nobres. Outro
ponto era que a votação da Assembleia fosse por pessoa e não por Estado, já que neste
último formato, o Terceiro Estado estaria sempre em desvantagem.

Nenhuma das duas reinvindicações da burguesia foram aceitas. Essas questões


emperravam o debate e, ao mesmo tempo, fora do palácio, acentuava-se o desgosto
da população camponesa, que começou a saquear propriedades dos nobres e, assim,
em 14 de julho de 1789, tomou o símbolo do poder monárquico absolutista na França, a
Bastilha, local onde havia sido uma prisão para os críticos do rei. Essa data é considerada
o marco inicial para a Revolução Francesa.

O Terceiro Estado e o baixo clero defendiam a aprovação de uma constituição


para a França, o que também não foi aceito pelas demais partes. Sendo assim, eles se
retiraram da sala de reuniões e se reuniram em outra ala do palácio, onde declararam
uma Assembleia Geral Constituinte, na qual instituíram o documento conhecido como
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão e a Constituição francesa, que acabava

154
com o absolutismo, inaugurando uma monarquia constitucional. Tal Assembleia foi
finalizada em setembro de 1791. Entre os anos de 1789 e 1791, os girondinos aprovaram
leis que foram basilares para a França, dentre elas:

[...] a emancipação pioneira dos judeus [...]. Dava pouca satisfação


concreta ao povo comum, exceto a partir de 1790, com a secularização
e venda dos terrenos da igreja (bem como dos terrenos da nobreza
emigrante) que tinha tripa vantagem de enfraquecer o clericalismo,
fortalecer o empresário rural e provinciano e dar a muitos camponeses
uma retribuição mensurável por suas atividades revolucionárias
(HOBSBAWM, 1996, p. 31).

Perceba, caro acadêmico, que a Revolução foi tomando rumos que afastaram,
gradativamente, o clero das decisões. Na França, a igreja, além de possuir diversas
terras, historicamente estava ligada à monarquia. Significa, portanto, que o papa não
esteve do lado dos revolucionários, o que trouxe sérias implicações ao catolicismo no
país. Até mesmo porque os franceses acabaram dando um tratamento diferenciado aos
judeus, acabando com as perseguições que sofriam, principalmente por parte da Igreja.

Por meio do voto masculino, a Assembleia deu lugar à Convenção Nacional, que
vigorou entre 1792 e 1795. A república tomou o lugar da monarquia. O rei tentou fugir,
mas foi capturado e decapitado com sua família. No campo interno, no seio do Terceiro
Estado despontavam ideias divergentes, culminando na fragmentação em dois grupos:
o dos girondinos, que era a burguesia com padrões econômicos mais elevados, e os
jacobinos, que agregava a ala mais pobre da burguesia. Estes últimos constituíam a
maioria na Convenção e, assim, conseguiram tomar o poder, levando à guilhotina todos
os que se opusessem à revolução. A Constituição foi ampliada, acabando, inclusive,
com a escravidão nas colônias americanas. As questões religiosas, especificamente as
que diziam respeito às terras pertencentes à igreja, estavam na pauta da Assembleia.
Vejamos a explicação de Johnson (2001, p. 433):

A terra [da igreja] foi vendida a preços elevados, em geral a pessoas


muito respeitáveis (inclusive, imagina-se, ao rei). A Assembleia
acreditava que as vendas proporcionariam, a um maior número de
pessoas, uma participação no novo regime, e propôs a união entre
regime e estado mediante a elaboração de uma constituição civil
para o clero, a qual, dentre outras coisas, racionalizaria seus salários.

Tal atitude gerou descontentamento do clero francês e do papa. Os padres


que não quiseram aceitar a constituição, sofreram sanções pesadas, após o início da
Revolução. As execuções foram intensas no período em que os jacobinos governaram.

No campo religioso, “[...] os clérigos eram amarrados aos pares, colocados em


barcos e atirados no rio. Em dezembro de 1794, cinquenta e oito foram eliminados dessa
forma” (JOHNSON, 2001, p. 435). No Ocidente, foi a primeira vez que o cristianismo
sofreu um ataque direto do Estado (JOHNSON, 2001).

155
Outros incidentes relacionados ao clero ocorreram na França. Começou um
período de descristianização, onde, em Paris:

Cerca de vinte a quarenta mil dos sacerdotes que não juraram


foram exilados; algo entre dois e cinco mil foram executados. A
Igreja ‘constitucional’ foi arruinada quando cerca de vinte mil dos
padres juradores – a maioria sob pressão – concordaram em ser
descristianizados; quarenta e dois bispos abdicaram de sua posição
[...]. Alguns padres casaram-se para salvar suas vidas, outros fizeram-
no voluntariamente; porém, havia casamentos clericais, celebrados
por bispos, antes do início do processo descristianização. (Mais
tarde, quando a Igreja retomou o celibato, sob Napoleão, milhares
solicitaram absolvição).
A separação formal entre a Igreja e o Estado foi decretada em 1795
[...] (JOHNSON, 2001, p. 437).

A França inaugurou uma nova etapa na vida política: a separação entre Igreja e
Estado, com impactos iniciais abruptos, tais como a execução de padres e retirada dos
bens da Igreja. Ao passar dos anos, o catolicismo foi se adaptando à nova realidade, e
a igreja foi realizando acordos com os governantes, o que foi fundamental para que ela
não fosse expulsa do território. Um novo calendário foi feito, retirando todas as menções
ao cristianismo, enfatizando o caráter laico do novo sistema (SHELLEY, 2004). Shelley
(2004) também ressaltou que um culto à razão foi implantado na França, inclusive com
procissões e tomando os espaços das igrejas. Nos antigos altares dos santos, passaram
a haver atrizes simbolizando a deusa da razão. Em 1795, foi instituída a liberdade de
culto na França (SHELLEY, 2004).

Em 1794, teve início outra fase da revolução, que ficou conhecida como Diretório.
Cinco pessoas da ala dos girondinos passaram a governar a França, durante cinco anos. Foi
nessa época, também, que outros países propunham intervir na França, na tentativa de que
a revolução não se espalhasse. Nesse contexto, Napoleão Bonaparte ganhou proeminência
como comandante do exército. Com a proclamação do golpe do Dezoito Brumário, Napoleão
acabou como o Diretório e se proclamou imperador da França, posição que conseguiu
manter entre 1800 a 1815.

Foi sob a liderança de Napoleão que a França alcançou um poderio militar frente
às outras nações. No campo religioso, o imperador reatou laços com o papado, por
meio da Concordata de 1801, quando foi concedido ao catolicismo um espaço de maior
destaque entre outras religiões na França. Um fato interessante ocorreu na sua coroação:
ele acrescentou ao juramento a questão da liberdade religiosa na França. Tal acréscimo,
segundo Johnson (2001), foi visto como um golpe para o papado, uma humilhação.

Sobre as justificativas para Napoleão ter aceitado se relacionar com o papado,


Johnson (2001) argumenta que a fúria contra esse líder vinha sendo muito intensa,
em razão de todas as ações anticlericais empreendidas nos anos iniciais da Revolução.
Napoleão teria reconhecido, então, a importância de as pessoas comuns terem uma
religião, para ajudá-las no sofrimento diário. No entanto, a religião deveria estar

156
subordinada ao Estado, vejamos: “[...] seus motivos eram inteiramente seculares. ‘O povo
precisa ter uma religião, a qual tem que estar sob o controle do governo’. A igualdade
era inatingível, e a crença em uma vida futura ajudava aos pobres a aceitar seu fardo.
Sem uma religião ‘respeitável’, o povo se voltaria para qualquer coisa” (JOHNSON, 2001,
p. 441). Também causava preocupação em Napoleão a possibilidade de líderes de outros
países se negarem a fazer acordos com ele, por acharem que ele era ateu ou que se
opunha à religião. Possivelmente, a aceitação das relações com o catolicismo foi um ato
político e não uma convicção religiosa (JOHNSON, 2001).

Com o avanço das ideias iluministas e, posteriormente, da Revolução Francesa,


a religião iniciou uma fase nova no Ocidente. A ruptura institucional que a França
impulsionou ao separar Igreja e Estado foi importante para que tais laços deixassem
de ser naturalizados. Nos países católicos, a Inquisição começou a perder força, até ser
interrompida nos diversos países. Em Portugal, o último Auto-de-fé ocorreu em 1821 e,
na Espanha, em 1834.

3 O MOVIMENTO EVANGÉLICO
Ao final do século XVIII e início do XIX, na Inglaterra, surgiu um grupo dentro da
Igreja anglicana que ficou conhecido como evangélico. Acadêmico, você se recorda do
metodismo que estudamos na unidade anterior? John Wesley (1703- 1791) foi o grande
pregador das massas e trouxe para dentro do protestantismo o valor da conversão.
Importante enfatizar que ele não se posicionou contra a igreja inglesa. Muitos dos valores
do metodismo estiveram presentes no movimento evangélico, como a continuidade
da comunhão com a igreja inglesa, todavia, os membros do referido movimento se
mostravam insatisfeitos com os ritos desta, para eles, a pregação enfática do evangelho
era mais importante.

O movimento evangélico, como explica Johnson (2001, p. 455) “[...] forçou


grande número de pessoas, inclusive clérigos, a levar a religião a sério e a se empenhar
em esclarecer suas próprias posições”. Era uma busca pelo evangelismo e por um
comprometimento com a fé. Foi considerado conservador, pois seus adeptos eram
contrários a teatros, festas, vícios etc. Outra característica que o grupo assumiu foi a de
trazer soluções para os problemas sociais de seu país, vendo nisso a oportunidade para
servir (SHELLEY, 2004).

3.1 A COMUNIDADE DE CLAPHAM


Um dos grupos mais conhecidos dentro do movimento evangélico foi a
“comunidade de Clapham”, também conhecido como “seita de Clapham”, apesar de
não ter, de fato, características de seita. Esse nome foi atribuído porque ela surgiu de

157
reuniões num povoado denominado Clapham, onde residiam homens ricos e influentes
socialmente, que passaram a se reunir para realizar estudos bíblicos e discutir como
poderiam agir contra as injustiças em seu país (SHELLEY, 2004).

Muitos deles faziam parte de um partido político conservador chamado tories,


que, em geral, votava a favor de um maior rigor moral para a sociedade, pondo-se contra,
principalmente, ao vício e à imoralidade (JOHNSON, 2001). Um dos principais líderes do
Clapham foi William Wilberforce (1759-1833). Como explica Shelley (2004, p. 410):

Sob a liderança de Wilberforce, os amigos de Clapham foram aos


poucos se unindo em intimidade e solidariedade. Nas mansões dos
Clapham, promoviam o que costumavam chamar de “Conselhos de
Gabinete”. Neles, discutiam os erros e as injustiças de seu país, e as
batalhas que teriam de lutar para estabelecer a justiça. Depois, dentro
e fora do Parlamento, agiam como um só corpo, delegando a cada
homem o trabalho que poderiam fazer melhor para que atingissem
seus objetivos comuns.

A comunidade de Clapham se empenhou em criar diversas entidades que


atuaram tanto em diferentes frentes missionárias quanto no auxílio da sociedade.
Elas assistiam pessoas em situação de vulnerabilidade, tais como: refugiados, viúvas,
prostitutas, soldados, doentes, mendicantes etc. Os locais onde geralmente prestavam
auxílios eram os hospitais, os asilos, as penitenciárias, entre outros (JOHNSON, 2001).

Além desse alcance nas questões sociais, Wilberforce é mais conhecido por
sua luta contra a escravidão. Inicialmente, ele começou a defender que a Inglaterra
parasse com o tráfico de pessoas escravizadas. Fez discurso na Câmara dos Comuns,
em 1789. Não conseguiu o apoio da classe política, pois tal comércio era muito rentável.
Voltou a fazer um discurso contra a escravidão dois anos depois, não conseguindo
grande adesão, mas, já havia pessoas interessadas na questão. A partir daí o grupo
de Clapham investiu esforços na tentativa de convencer a sociedade inglesa que a
escravidão deveria acabar:

Os evangélicos obtiveram petições; publicaram literatura


abolicionista de qualidade; deram palestras em plataformas públicas;
fizeram campanhas nas ruas. Usaram todas as formas modernas de
publicidade. Os não-conformistas se uniram a eles e, pela primeira
vez na história, as mulheres participaram de um contexto político.
Os evangélicos ‘avivaram a chama’ e depois levaram o fogo para
o Parlamento onde Wilberforce e quatro colegas de Clapham – os
‘santos’ dos Comuns – tentaram eleger líderes para acabar com o
tráfico desumano de escravos (SHELLEY, 2004, p. 411, 412).

Foi em 1807 que, finalmente, o tráfico de pessoas escravizadas foi abolido da


Inglaterra. A luta agora era para que a escravidão chegasse ao fim em todo império
britânico. Quando Wilberforce, em razão de problemas de saúde, teve que se afastar da
luta, quem assumiu a liderança foi Thomas Fowell Buxton, que continuou lutando pela
emancipação, até que, em 25 de julho de 1833, ela foi concretizada.

158
4 O MOVIMENTO DE OXFORD
Caro acadêmico, inicialmente, o movimento de Oxford consistiu em críticas à
subordinação da Igreja anglicana ao governo. Com as reformas políticas que ocorreram
na Inglaterra em 1832, ampliou-se a participação de cidades recém-criadas devido
ao avanço das fábricas na sociedade inglesa e aboliram-se os distritos pequenos que
possuíam cadeiras representativas no cenário político. Segundo Johnson (2001, p. 458),
a “origem da reforma institucional, o Parlamento estava assumindo uma participação
mais ativa nas questões da igreja”. Tais mudanças trouxeram uma maior participação
das pessoas nas questões políticas. Além disso, o parlamento procurou reduzir, em
algumas regiões, como na Irlanda, o número de bispos anglicanos (SHELLEY, 2004).

Essa intervenção do governo em questões internas do anglicanismo passou


a ser contestada por três estudantes da universidade de Oxford: John Keble (1792-
1866), John Henry Newman (1801-1890) e Edward Pusey (1800-1882). Suas pregações
passaram a dar ênfase à questão da autoridade de Igreja, que não deveria ser
subordinada ao Estado, pois esta tinha a garantia da descendência apostólica, o que
bastava para dar credibilidade às suas ações (SHELLEY, 2004). Eles decidiram expor
seus pontos de vista e escreveram tratados explicando seus posicionamentos, como
explica Shelley (2004, p. 414):

Enfatizavam a sucessão apostólica dos bispos ao longo da história e a


autoridade da igreja, conferida por Deus, de ensinar a verdade e governar
a vida dos homens. Valorizavam os sacramentos, atribuindo-lhes um
real poder de salvação. Colocavam a igreja dos cinco primeiros séculos
como um parâmetro ideal para a Igreja da Inglaterra, pois, naquela
época, não havia divisões na igreja e ela era verdadeiramente católica.

Caro acadêmico, até aqui já deu para perceber que esse movimento estava
defendendo pontos que faziam parte da doutrina católica. Seus tratados foram recebidos
com críticas pela Igreja anglicana. Para os homens de Oxford, diferentemente do que
pregavam os metodistas e os evangélicos, o rito teria um papel fundamental e deveria
ser realizado com toda a pompa: “vestimenta do clero magnífica, incenso no altar,
música cantada por vozes treinadas” (SHELLEY, 2004, p. 414). O ponto máximo foi com a
publicação do Tratado 90, no qual Newman afirmou que os Trinta e Nove Artigos, a base
da Igreja anglicana, “poderiam ser interpretados segundo o espírito da igreja católica”
(SHELLEY, 2004, p. 415).

Depois da divulgação desse ponto, Newman foi proibido de continuar


escrevendo tratados. Ele decidiu ingressar na igreja católica e foi para Roma. Alguns
clérigos o seguiram posteriormente. Ele chegou a se tornar cardeal.

Quanto aos que ficaram na Inglaterra, acabaram fazendo adeptos e “gradualmente,


o ‘Movimento de Oxford’ deu origem ao termo ‘anglo-católico’, que significava anglicanos que
valorizavam sua unidade como a tradição católica da ortodoxia oriental e com o catolicismo
romano, mas que recusavam aceitar a supremacia do patriarca ou papa” (SHELLEY, 2004,

159
p. 415). Shelley (2004) ressalta que o formato de igreja idealizado pelo movimento de Oxford
atribuiu maior importância para o embelezamento da arquitetura e da música nas igrejas
anglicanas. Além disso, os representantes desse movimento foram responsáveis por

[...] uma profunda renovação litúrgica, o reavivamento das ordens


monásticas e o despertamento de uma forma de piedade mais
intimamente relacionada com a tradição da igreja como um todo.
Finalmente, sua influência alcançaria além dos limites da comunhão
anglicana e seria sentida em diversos outros corpos protestantes
(GONZALEZ, 2004, p. 392).

Mesmo não tendo permanecido na Inglaterra, Newman plantou uma semente


que desabrochou na vivência religiosa do anglicanismo. O movimento de Oxford acabou
auxiliando a igreja inglesa, posteriormente, nas questões referentes ao ecumenismo
(GONZALEZ, 2004).

5 A INFLUÊNCIA DE WILLIAM CAREY NAS MISSÕES


PROTESTANTES
Quando tratamos das missões protestantes no final do século XVIII e início do
XIX, o nome de William Carey (1761-1834) é, sem dúvida, o mais proeminente. Inglês,
sapateiro, leitor ávido, tinha um talento especial para aprender línguas, tendo estudado
sozinho grego e latim. Foi evangelizado por um colega de profissão e, mais tarde, tornou-
se pastor batista. Convencido de que as pessoas fora da Europa deveriam conhecer
o cristianismo, ele dedicou-se a escrever sobre o assunto. “Em 1792, Carey publicou
Inquirição sobre a obrigação dos cristãos de usar métodos para a conversão de pagão”
(SHELLEY, 2004, p. 419).

Perceba, acadêmico, que tal ponto de vista entrava em choque com a teologia
calvinista, pois dava importância ao método de pregação, visando o convencimento
de quem estivesse ouvindo. Já na teologia mais tradicional calvinista, muito aceita na
Europa, o pregador não poderia interferir, pois era Deus que escolhia quem seria salvo.

O pensamento de Carey foi influenciado por Andrew Fuller (1754-1815), que


também via na teologia calvinista um empecilho para a divulgação do evangelho
(SHELLEY, 2004).

A ideia de Carey era que o protestantismo não deveria se restringir à Europa e à


América do Norte, e sim que conquistasse outros países na América, na Ásia e na África.
Para isso, seria importante uma união de forças das igrejas europeias, e não de apenas
uma igreja específica. Buscando auxílio no mandamento de Cristo, isto é, de pregar
o evangelho ao mundo, Carey e Fuller uniram outros amigos batistas e “fundaram a
Sociedade Missionária Batista, e em um ano Carey e sua família estavam a caminho da
Índia” (SHELLEY, 2004, p. 419).

160
Na Índia, Carey encontrou um desafio, pois a empresa inglesa que estava
responsável pelo neocolonialismo no país não aceitou que Carey residisse com sua
família em Calcutá. Segundo Shelley (2004), a intenção da Inglaterra ali era puramente
comercial. Ele conseguiu abrigo na parte holandesa, indo residir e trabalhar como
capataz em Serampore. Ele se dedicou aos estudos, principalmente da cultura hindu
e das línguas orientais. Traduziu a Bíblia para diversos idiomas (em alguns deles,
parcialmente), além de outros livros da cultura oriental.

O estilo de missão empreendido no século XIX foi uma influência dos


movimentos avivalista e evangélico, que já estudamos. Foi um empreendimento que
contou não com uma igreja específica, mas sim com a união de várias denominações
protestantes. Inicialmente, as igrejas não conformistas da Inglaterra lideraram,
mas, com o passar do tempo, as denominações mais tradicionais também foram se
integrando ao movimento missionário.

6 O CRISTIANISMO NA AMÉRICA DO NORTE NO SÉCULO


XIX: O AVIVAMENTO E A QUESTÃO ESCRAVISTA
Caro acadêmico, no subtópico anterior estudamos como o protestantismo
chegou na América do Norte. Além da igreja oficial inglesa, outras seitas protestantes
que fugiam de perseguições também ajudaram no processo colonizador. Vimos,
também, a influência do primeiro avivamento na América do Norte no século XVIII e,
como resultado desse, o surgimento do movimento missionário local. Agora, iremos
conhecer o que ocorreu no século XIX, especificamente no que diz respeito ao Segundo
Grande Avivamento, à evangelização das terras do Oeste e à questão da escravidão.

A colonização inglesa havia concentrado esforços na região conhecida como


Treze Colônias, que ficava próxima ao litoral. Após a independência, os norte-americanos
começaram a conquistar as terras que ficavam ao Oeste, tomando-as, à força, dos
indígenas que residiam ali. A empreitada, conhecida como “Conquista para Oeste”,
foi executada, basicamente, trazendo europeus que fossem brancos, protestantes e
anglo-saxões. Essas eram as características aceitas para completar a colonização no
território dos EUA.

Essa foi uma época que despertou na sociedade americana a ideia do “destino
manifesto”, ou seja, de que as terras ali teriam sido dadas por Deus àquele povo, assim
como Canaã havia sido dada ao povo de Israel, no Antigo Testamento. No campo
religioso, essa ideia também se fez presente:

Nos Estados Unidos o Destino Manifesto embasava não apenas


a perspectiva de uma nação construída sob os auspícios divinos,
mas também que tinha por dever a propagação da graça divina
aos recantos do mundo. Esta empreitada alimentou, por sua vez,
os projetos de missionarismo protestante que tomaram fôlego nas
igrejas estadunidenses, no século XIX (OLIVEIRA FILHO, 2016, p. 2).
161
Sob tal égide, a bandeira das missões tomou conta da vida religiosa nos EUA,
não só para as regiões do país, mas também para outros territórios, inclusive para o
Brasil. Para que a evangelização se concretizasse na região do Oeste, duas forças
estiveram juntas: as associações missionárias compostas de voluntários e a força do
avivamento (SHELLEY, 2004).

Influenciado pelas missões lideradas por William Carey, o movimento evangélico


nos EUA conseguiu compor diversas sociedades missionárias, que não tinham o apoio
financeiro do governo. O voluntariado foi a marca desses movimentos. Segundo Shelley
(2004), em 1800, teve início, em diversas faculdades da região leste dos EUA, o Segundo
Grande Avivamento. Um dos nomes importantes desse momento foi James McGready
(1763-1817):

Em julho de 1800, McGready teve seu Pentecostes – e mudou o


curso da história americana. Após um avivamento inicial em Red
River, ele decidiu divulgar amplamente a notificação do próximo
serviço sacramental na igreja de Gasper River. Quando a notícia
se espalhou pelos povoados, grandes quantidades de pioneiros
atulhados em carroças, montados em lombos de animais, calçando
mocassins rumaram para Gasper River, prontos para que o Espírito
trabalhasse. Vinham de regiões situadas a até 260 quilômetros com
tendas e comidas – carne de porco fria, grossas fatias de pão de
milho e aves assadas – prontos para ver, ouvir e sentir a mão de
Deus (SHELLEY, 2004, p. 433).

Essa estrutura de acampamentos para pregações esteve presente durante


muito tempo nos EUA, até ser substituída pelo formato de pregações em locais
fechados e mais aconchegantes (SHELLEY, 2004). Tais movimentos geravam críticas
pelas igrejas mais tradicionais, que não concordavam com a ênfase nas emoções
dadas pelos avivalistas. Mesmo assim, as igrejas e congregações se espalharam pelos
EUA. Uma das características desse modelo era a valorização dada aos pregadores
leigos. Gonzalez (2000) enfatiza que, principalmente entre os batistas e metodistas, os
pregadores que tinham a vivência popular, e eram leigos, conseguiam atingir as massas,
de tal modo que nenhum outro pregador formal conseguira até então naquele território.
Eles conseguiram ampliar o número de igrejas a tal ponto, que se tornaram os grupos
protestantes mais numerosos na época. Nas igrejas presbiterianas, o movimento foi
perseguido e os pastores dessas eram proibidos de participar dele.

No século XIX, em todo território americano, ocorreu um debate fervoroso


acerca da escravização. Nos EUA, a escravização ocorreu, principalmente, nas colônias
do Sul, onde o latifúndio era preponderante. Um fato importante que diferenciou
a colonização no Brasil da que ocorreu nos EUA foi que, nos EUA, os indígenas não
foram preteridos como mão de obra escrava, pois, eram considerados muitas vezes,
como pedra de tropeço para a colonização. No contexto norte-americano, a escravidão
era feita, em grande parte com pessoas trazidas da África. Durante muito tempo, os
povos indígenas e os negros escravizados não foram considerados dignos de serem
evangelizados. Todavia, no século XVIII, alguns pregadores passaram a se preocupar

162
com a religiosidade desses indivíduos. Sendo assim, não tardou para que começassem
a aparecer igrejas com pregadores negros, as quais atendiam à população negra, como
explica Shelley (p. 434, 435): “já que todas as outras formas de organização da vida
social estavam proibidas entre os escravos, o pregador negro surgiu como a figura
importante da ‘instituição invisível’ – a igreja dos escravos”.

No século XIX, algumas igrejas estadunidenses passaram a se opor à escravidão


de forma intensa, principalmente as igrejas do Norte. Charles Grandison Finney (1792-
1875) foi um dos pregadores que levaram adiante a causa abolicionista.

Um dos seus discípulos, Theodore Weld (1803-1885), escreveu textos que iam de
encontro à teologia que concordava com a escravidão. “Seus textos poderosos, The Bible
against Slavery (A Bíblia contra a escravidão), de 1837, e Slavery as it is (A escravidão como
ela é), serviram de catalisadores para o abolicionismo” (SHELLEY, 2004, p. 436). Seus escritos
influenciaram Harriet Elizabeth Beecher Stowe (1811-1896), filha de Lyman Beecher (1775-
1863), um pastor presbiteriano que também fez oposição à escravidão. Harriet escreveu
diversos livros, dentre eles A cabana do pai Tomás, considerada uma das principais obras de
combate à escravidão (SHELLEY, 2004).

Os EUA estavam divididos quanto à questão da escravidão. O Norte, industrializado,


tinha interesse que ela fosse abolida, enquanto o Sul, que tinha sua base na agricultura,
via o fim da escravidão como perda de um sistema lucrativo. Os sulistas decretaram uma
separação, por meio dos Estados Confederados da América, o que não foi aceito pela região
norte, dando início à guerra de Secessão, que ocorreu entre os anos 1861 e 1865 (SANTOS,
2017). Com o final da guerra, o Norte saiu vitorioso e a escravidão teve fim nos EUA.

Após a Guerra Civil, a situação nas igrejas continuou a refletir as questões


do preconceito racial. De acordo com Gonzalez (2000), no Sul, os estabelecimentos
religiosos se dividiram em duas categorias primordiais: igrejas de pessoas negras e
igrejas de pessoas brancas.

Quanto às igrejas metodistas do Sul, “recomendou-se que as abandonassem os


negros que as haviam frequentado durante os tempos da escravidão” (GONZALEZ, 2000,
p. 42). As igrejas batistas também se separaram, criando convenções diferenciadas.
A população negra que seguia os fundamentos batistas formou a Convenção Batista
Nacional, enquanto aquela que seguia a doutrina metodista fundou a Igreja Metodista
Episcopal de Cor (GONZALEZ, 2000). Na parte do Norte, no geral, não houve divisões por
questões raciais, e muitas igrejas nortistas acabaram se juntando àquelas pertencentes
à comunidade negra do Sul.

Ainda no pós-guerra, outro estilo de avivamento teve espaço nos EUA, no


assim chamado movimento holiness, que pregava a importância de uma vida santa,
além da ênfase no Espírito Santo. Várias associações foram formadas, o que fortaleceu
o movimento. Alguns pontos que eram ressaltados movimento holiness sofreram
constantes críticas por partes das igrejas protestantes, vejamos a explicação de Matos
(2006, p. 29):
163
Um desdobramento significativo ocorreu quando, nas décadas
posteriores à Guerra Civil (1861-1865), o discurso e a simbologia
do Pentecoste neotestamentário começaram a dominar cada vez
mais o movimento de santidade e suas igrejas. A santidade cristã
começou mais e mais a ser entendida em termos do batismo
com o Espírito Santo, sendo considerada uma “segunda bênção”,
distinta da conversão. Ao mesmo tempo deu-se ênfase crescente
ao Pentecoste como o arquétipo dos avivamentos e à importância
de resgatar a vitalidade e o poder do cristianismo primitivo. Outros
destaques foram as profecias, geralmente no sentido sobrenatural e
extático, as curas e os milagres. A hinódia também foi afetada, tendo
surgido vários ‘hinários pentecostais’.

Já no final do século XIX, igrejas foram formadas com a formatação do movimento


de santidade nos EUA. Esse movimento foi importante para o posterior surgimento do
movimento pentecostal, o qual estudaremos mais adiante.

7 AS MISSÕES CRISTÃS NA ÁFRICA NO SÉCULO XIX


No século XIX, as potências industriais europeias e os EUA se engajaram no
imperialismo, também chamado de neocolonialismo, nas regiões desses povos, dividindo
os territórios por zonas de influências. O país imperialista obrigava a “sua” zona de influência
a servir-lhe matérias-primas para suas indústrias, e impunha sua língua e sua cultura.

O cristianismo foi, nesse período, usado como um meio importante para


completar a tarefa imperialista, assim como fora importante no período da colonização
americana. Nesse momento, tanto os católicos quanto os protestantes utilizavam-
se das armas neocoloniais para empreender as missões, principalmente na África.
Apesar disso, alguns missionários estiveram empenhados em buscar melhorias para as
condições de vida das pessoas assistidas por eles.

O movimento antiescravista ganhou força com a atitude de missionários como


Charles Lavigerie (1825-1892), que foi um dos primeiros católicos

[...] a assumir uma posição vigorosa contra o comércio de escravos,


colocando a França e demais potências católicas na linha. Na
Conferência de Berlim sobre Questões Coloniais, em 1884, os
protestantes finalmente obtiveram apoio católico ao problema, e todas
as potências comprometeram-se a extinguir a escravidão e exterminar
o tráfico; concordaram também, em adotar plena liberdade religiosa nos
territórios coloniais e garantir uma salvaguarda especial para as missões
cristãs. Cinco anos depois, na Conferência de Bruxelas para Abolição do
Comércio de Escravos, Lavigerie conseguiu que um acordo internacional
definitivo fosse elaborado e assinado (JOHNSON, 2001, p. 550).

Caro acadêmico, já compreendemos que a presença de missionários no continente


africano ocorreu em meio a questões políticas e sociais conflituosas. Um dos entraves diz

164
respeito à disputa entre católicos e protestantes pelos territórios a serem evangelizados.
No geral, as missões se estabeleciam tendo em vista os respectivos países dominantes, ou
seja, nas colônias inglesas, a presença protestante era atuante, ao passo que, nas colônias
francesas, ocorria a influência católica.

Lavigerie foi importante para a região africana dominada pela França. Ele foi
o fundador da Ordem dos Pais Brancos. Outras ordens católicas passaram a ocupar a
região para auxiliar o trabalho.

Os franceses incentivaram a igreja católica na empreitada missionária em terras


africanas. No caso da Inglaterra, segundo Johnson (2001), foi a primeira vez que o governo
passou a financiar missões anglicanas fora da Inglaterra. Quando conflitos ocorriam,
era comum os missionários apelarem para suas nações de origem intermediarem as
relações, o que poderia resultar, inclusive, em bombardeios a vilas e cidades (JOHNSON,
2001). Havia críticas à forma que alguns missionários se portavam em certas situações:

O reverendo Colin Era, da missão anglicana na África do Sul, falou


pela maioria: “o nativo deve ser mantido sob controle, submetido
à disciplina, e a palavra de ordem tem de ser trabalho! trabalho!
trabalho!”.
[...] as missões católicas sofriam críticas constantes por infligirem
castigos corporais aos nativos. Entretanto, todos os governos
coloniais (e nativos) faziam o mesmo; e, como logo se viu, também as
missões protestantes, sobretudo as escocesas. E 1880, a missão da
Igreja Livre da Escócia em Niassalândia recebeu muitas críticas por
dispor de um poço prisão, onde um homem morreu depois de levar
mais de duzentas chicotadas (JOHNSON, 2001, p. 554).

Relatos assim ocorreram vez ou outra, todavia, em geral, o trabalho missionário


era aplaudido, tanto pelos protestantes quanto pelos católicos. Ambos, inclusive,
costumavam escrever a biografia dos missionários retratando-os como santos
(JOHNSON, 2001).

Os territórios islamizados tornavam a presença do cristianismo quase inexistente,


apesar das tentativas tanto de católicos quanto de protestantes. Em muitas regiões, o
catolicismo foi mais acolhido do que o protestantismo, tendo em vista que havia uma
maior aceitação de aspectos do catolicismo que eram rechaçados pelos protestantes,
como o uso de imagens. Ademais, a centralidade católica, em contraponto às divisões do
protestantismo, também colaborou para a aceitação do catolicismo nas comunidades
(JOHNSON, 2001).

Com relação ao Egito, o cristianismo não havia sido de todo extinto. Ainda havia
igrejas que celebravam as missas em copta, língua de parte da população local, antes
do avanço dos árabes. Havia também protestantes vindos dos EUA, presbiterianos e a
Sociedade Missionária Eclesiástica. Eles atuavam entre os muçulmanos e ortodoxos,
conseguindo bastante adesão (LATOURETTE, 2006).

165
A Igreja Ortodoxa Grega estivera presente antes da ocupação
árabe e existia, continuamente, desde então. Ela estava sob seu
próprio patriarca de Alexandria. Na última parte do século 19 seus
números aumentaram pela imigração dos sírios e dos gregos, e
escolas, hospitais, e outras instituições de caridade foram criadas.
Os monofisistas armênios e sírios também estavam no Egito, mas
em números menores. Os católicos romanos estavam presentes
desde o século 17, mas no início do século 19 eram poucos. Como
as outras igrejas, eles cresceram na segunda metade do século. Isso
se deu, em parte, por imigração da Europa. Foi fundamentalmente
pelo crescimento dos coptas, o fruto das missões de várias ordens
religiosas (LATOURETTE, 2006, p. 1629).

Na região da Etiópia, o cristianismo havia interrompido o avanço do islamismo


na região. Havia lá, também, a presença de judeus, além de muçulmanos. Na segunda
metade do século XIX, houve uma tentativa de unir a igreja cristã etíope com a Ortodoxa
Russa, mas não teve êxito (LATOURETTE, 2006).

8 A TEOLOGIA LIBERAL PROTESTANTE


No século XIX, mudanças significativas ocorreram no Ocidente, em virtude
dos efeitos da Revolução Francesa e da Independência dos EUA. Com a diminuição da
interferência estatal nas questões religiosas, e a possibilidade, em alguns locais pelo
menos, das pessoas poderem ter escolha religiosa, ou mesmo de não seguir nenhuma
religião, impactos profundos no cristianismo ocorreram. A ideia que temos hoje de um
país laico estava nascendo ainda. As opiniões divergiam quanto à questão do papel que
a Igreja deveria ter no Estado, porém, em vários países ecoavam as ideias da Revolução
Francesa de liberdade religiosa e de pensamento. Todavia, as mudanças mais profundas
não costumam ser repentinas. Elas fazem parte de um processo, necessitando de tempo
para se consolidarem. Foi neste cenário que filósofos se posicionaram contra o domínio de
uma religião específica, ou até mesmo, a favor do ateísmo, algo até então visto como tabu.

As ideias científicas estavam a todo vapor, e ganhavam espaço na sociedade.


Em alguns círculos, as religiões passaram a serem vistas como superstições. A crítica
literária da Bíblia foi feita, o que causou desconforto de muitos cristãos. Porém, uma
ala importante do cristianismo passou a considerar como relevante as críticas feitas
ao cristianismo, principalmente pelos acadêmicos, suscitando debates e possíveis
respostas, dentro da teologia, para as questões levantadas. Nesse contexto, muitos
cristãos sentiram necessidade de compreender sua fé de uma forma que não fosse de
encontro às questões científicas que estavam em vigor, a exemplo da teoria da evolução
de Charles Darwin (SHELLEY, 2004). Nesse cenário, o liberalismo protestante surgiu, na
tentativa de fazer uma ponte entre a teologia e o saber científico. Vejamos a explicação
de Shelley (2004, p. 443):

166
Os liberais acreditavam que a teologia cristã deveria entrar em acordo
com a ciência moderna se desejasse a fidelidade dos homens de
inteligência de seu tempo. Eles recusaram a aceitar apenas as crenças
religiosas sobre autoridade. E insistiam que a fé tinha que passar nos
testes da razão e da experiência. A mente do homem, acreditavam, era
capaz de alcançar os pensamentos de Deus, e acreditavam também que
a melhor pista para a natureza de Deus estava na intuição e na razão.

A ideia de mostrar uma teologia que coubesse nesse mundo “governado” pelo
saber científico, fez com que muitos cristãos eruditos se dedicassem aos estudos, não
somente teológicos. A religião, para eles, deveria passar pelo crivo da ciência, não sendo,
portanto, aceitável a crença apenas da revelação, base da teologia cristã até então.
Segundo Mondin (1980), o protestantismo liberal teve início com Friedrich Schleiermacher
(1768-1834), pois ele enfatizou a importância dos estudos sobre a origem tanto da religião,
quantos dos dogmas. Na sua percepção, à pessoa religiosa, não interessava a validação
da autoridade bíblica e sim, a experiência, ou seja, o que era vivenciado dentro da religião,
“[...] a essência da religião consiste no sentimento de dependência radical” (MONDIN, 1980,
p. 9). Essa dependência se daria, pois, o ser humano ao se deparar com sua realidade,
percebe que é dependente de algo, ou Outro, que seria Deus.

Para Schleiermacher, chegar a essa conclusão não seria um produto da razão,


mas sim do sentimento, ou da intuição (MONDIN, 1980). Nessa perspectiva, a crítica
bíblica não acarretaria em malefícios ao religioso, porque a sua dependência está na
experiência, e a crítica ao texto sagrado só o ajuda a compreender melhor as bases de
sua fé (SHELLEY, 2004). Outro ponto defendido por Schleiermacher, segundo Johnson
(2001), é sobre a falta de importância dada às questões, tanto da ressurreição de Cristo
quanto da sua volta, além de considerar “as doutrinas da natureza de Cristo e das três
pessoas em Deus enganosas” (JOHNSON, 2001, p. 457).

Outro representante importante do liberalismo protestante foi Albrecht Ritschl


(1822-1899). Sua ideia sobre o cristianismo baseava-se na importância que deveria ser
dada a Jesus, e seria, portanto, função da teologia traçar a recondução do ser humano
à Cristo. Ele era defensor de que a principal contribuição da religião eram os valores.

Quanto ao conhecimento científico, este se propunha a mostrar como as coisas


são de fato (SHELLEY, 2004), portanto, a religião não precisaria se opor a ele. Assim,
“em Ritschl, desvaloriza-se toda diferença confessional, compromete-se a expressão
genuína do Evangelho, reduz-se a fé cristã a um puro empenho moral, pouco se aprecia
o dogma e as tradições da Igreja” (MONDIN, 1980, p. 11). Seu pensamento entendia que
não cabe à teologia explicar as questões de domínio da ciência. Segundo ele, a revelação
se dava em Cristo, pois ele encarnou tudo o que o homem deveria ser (KLEIN, 2005).

Em geral, o liberalismo protestante ia de encontro à literalidade da Bíblia. As


questões referentes aos milagres, por exemplo, não deveriam ser entendidas ipsis litteris.
O importante seria compreender a mensagem que o texto quer passar. Vajamos o
comentário de Gonzalez (2004, p. 385):

167
Em 1835, D. F. Strauss publicou sua obra A Vida de Jesus, em que ele
argumentou que aqueles que aceitaram os milagres e as referências
ao sobrenatural como literais erraram, e que o mesmo foi verdade
quanto àqueles que simplesmente os rejeitaram como ficção. O Novo
Testamento não é simplesmente uma crônica; ele é um testemunho
de fé por aqueles que criam em Jesus. Suas narrativas, portanto, não
deveriam ser lidas como afirmações do fato. Elas são, na verdade,
‘mitos’. Um mito, no sentido em que Strauss usa a palavra, não é pura
falsidade. Pelo contrário, um mito expressa verdade da mais alta
ordem. O que é, portanto, importante sobre o Novo Testamento não
é o próprio Jesus, ou seus milagres, ou mesmo seus ensinos, mas a
verdade fundamental à qual estes apontam; a unidade suprema de
Deus com a humanidade.

O liberalismo protestante abalou a forma de pensar teologia. Sua postura em tentar


colocar o cristianismo como não destoante do pensamento científico, acabou contagiando
diversos seminários e universidades. Todavia, a reação a essa teologia ocorreu de forma
veemente, no movimento fundamentalista, que estudaremos mais adiante.

168
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O período da História Contemporânea trouxe novos desafios ao cristianismo,


principalmente com a Revolução Francesa. Na fase revolucionária, a Igreja na França
foi controlada pelos revolucionários, depois proibida e, posteriormente, a liberdade
religiosa foi aceita.

• O movimento Evangélico que surgiu na Inglaterra, além de enfatizar a evangelização,


despertou em vários dos seus integrantes a necessidade de intervir em questões
sociais, inclusive no combate à escravidão.

• O Segundo Grande Despertar nos EUA teve um impacto na evangelização das


recentes áreas colonizadas no Oeste.

• O protestantismo europeu se engajou na questão missionária, principalmente sob a


influência de Willian Carey.

• A teologia liberal protestante trouxe uma nova perspectiva para o cristianismo, ao


enfatizar a ciência e ao contestar a literalidade da Bíblia.

169
AUTOATIVIDADE
1 As ideias Iluministas do século XIX acabaram mobilizando forças para a Revolução
Francesa. A questão religiosa foi um dos pilares do movimento revolucionário,
principalmente na chamada fase do terror. Sobre os acontecimentos relacionados à
Igreja francesa nesse período, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Foi somente como Dezoito Brumário que Napoleão conseguiu acabar com os conflitos
religiosos na França, ao instituir a separação definitiva com Roma e a liberdade religiosa.
b) ( ) No período em que os Jacobinos estiveram à frente do processo revolucionário,
vários padres foram presos e mortos, pois não aceitaram a constituição civil
imposta ao clero.
c) ( ) Uma das questões que favoreceram o sentimento anticlerical na França, foi
em virtude do clero não pagar impostos. Isso foi resolvido durante o governo
dos jacobinos em decretos que somente as igrejas que pagassem impostos
poderiam funcionar.
d) ( ) Foi no período napoleônico que o cristianismo foi mais perseguido após a revolução.
Vários padres foram expulsos da França ou mortos.

2 Foi no século XVIII que a importância das missões ganhou espaço no culto protestante
europeu. Outros locais fora da Europa passaram a ser vistos como um campo para o
evangelismo, tais como a África e a Ásia. Tendo em vista o que foi estudado sobre esse
assunto, analise as sentenças a seguir:

I- William Carey defendeu que as missões deveriam partir da união das Igrejas e não
apenas de uma denominação. Ele fundou a Sociedade Missionária Batista e partiu em
missão para a Índia, que estava sendo dominada economicamente pela Inglaterra.
II- Inicialmente, as missões foram impulsionadas pelos avivalistas e pelas Igrejas
não conformistas. Posteriormente, a Igreja anglicana passou a se unir em prol do
evangelismo em outros territórios.
III- Devido à questão escravista que assolava o continente africano, os missionários
cristãos não tiveram êxito nas missões. Somente nas regiões que já haviam igrejas
foi que o cristianismo se fez presente.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

170
3 Nos EUA do século XIX, o protestantismo passou por movimentos de avivamento
com grande ênfase missionária. Tendo em vista o que foi estudado sobre o Segundo
Grande Despertar, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Uma das grandes mudanças da religião nos EUA do século XIX foi a questão do
voluntariado. Sem o apoio do Estado, as Igrejas incentivaram os fiéis a se engajarem
nas missões, o que fez o protestantismo crescer.
( ) Nessa fase, a denominação de maior impacto foi a anglicana, que, historicamente
tinha o apoio da antiga metrópole para realizar as missões.
( ) A Igreja protestante nos EUA defendeu veementemente o fim da escravidão, inclusive
se opondo ao governo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A Revolução Francesa passou por diferentes etapas. Em cada uma delas a religião
foi tratada de uma forma, culminando na chegada de Napoleão Bonaparte ao poder.
Explique, com suas palavras, as principais mudanças para a religião na França, sob o
governo de Napoleão Bonaparte:

5 A Igreja anglicana, no século XIX, passou por uma série de críticas com o, assim
denominado, Movimento de Oxford. Explique com suas palavras as principais ideias
dos clérigos que lideraram esse movimento:

171
172
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
O CRISTIANISMO NO MUNDO
INDUSTRIALIZADO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, vimos no tópico anterior como a Revolução Francesa modificou
o status da religião perante o Estado na França. A ideia do estado laico começava a ser
desenvolvida e impactou diversos governos nos anos seguintes, quando os sistemas
de governo absolutistas foram dando espaço a sistemas mais democráticos na Europa.

Já na América, seguindo o exemplo dos EUA, os demais países lutaram por suas
independências, onde, com exceção do Brasil, foi escolhido o sistema republicano de
governo. As questões religiosas após as independências americanas também sofreram
mudanças. Se pensarmos no caso do Brasil, por exemplo, a independência trouxe a
possibilidade de poder ter outra religião que não fosse o catolicismo, porém, com sérias
restrições, que só foram quebradas com o início da República, após 1889.

No contexto do século XIX, outro evento acarretou mudanças profundas na


sociedade. Com a Revolução Industrial a Europa passou por um processo intenso
que mexeu nas estruturas de trabalho. As cidades tornaram-se atraentes com suas
promessas de trabalho e a miséria aumentou em várias localidades. Em busca de
matéria-prima para as indústrias e de mercado consumidor, os países europeus e os
EUA iniciaram uma nova etapa colonialista, conhecida como Imperialismo. As regiões
da África e da Ásia ficaram sob a influência europeia. Cada país colonizado tinha que
aprender a língua do seu colonizador, além da obrigatoriedade de enviar as matérias-
primas desejadas a um custo muito baixo. A colonização possibilitou o avanço do
cristianismo nessas regiões, mesmo que, muitas vezes, as barreiras impostas pela
colonização fossem acirradas.

Tendo em vista tais questões, nos próximos subtópicos, abordaremos os impactos


da Revolução Industrial na sociedade e a resposta dada tanto pelo catolicismo quanto pelo
protestantismo. Estudaremos, também, os principais temas do concílio do Vaticano I e, no
campo protestante, verificaremos o impacto do fundamentalismo e seu posicionamento
contrário ao liberalismo teológico. Por último, traçaremos um panorama do início do
movimento pentecostal e suas diferenças com relação aos avivamentos anteriores.

173
2 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E OS MOVIMENTOS CRISTÃOS
Ao final do século XVIII e início do XIX, a sociedade europeia passou pela
Revolução Industrial. Mudanças profundas afetaram o dia a dia das pessoas, suas
relações de trabalho, uma nova classe de trabalhadores surgiu, a do operariado, a
serviço da burguesia, que detinha o domínio das fábricas e contratavam os operários.

Caro acadêmico, você pode estar se perguntando: o que a Revolução Industrial


teria a ver com cristianismo? Pois bem, toda mudança social acaba, de uma forma ou de
outra, tocando nas questões religiosas. O período posterior ao surgimento das fábricas
atraiu para as cidades uma grande quantidade de trabalhadores em busca de trabalho.
Tendo em vista que, em boa parte da Europa, eram comuns os cercamentos de terra por
parte dos grandes latifundiários, os quais acabavam tomando para si terras que eram
de uso comum, muitos pequenos proprietários foram obrigados a emigrar do campo, já
que não podiam mais usufruir das áreas comunais.

A vida dos trabalhadores nas fábricas era de realmente árdua, pois tinham de
cumprir mais de doze horas laborais por dia. Não havia nenhuma legislação que apoiasse,
em alguma medida, a classe operária. Se os salários eram baixos para os homens, pior ainda
para as mulheres e, além disso, crianças também trabalhavam, ganhando menos ainda.

As cidades europeias, a começar pelas inglesas, começaram a mudar


radicalmente de aspecto, não só no que diz respeito ao aumento de indústrias, como
também da massa populacional em busca de melhores condições de vida, o que, mesmo
com emprego, não ocorria de fato. As igrejas não estavam preparadas para agregar essa
população que chegava nas cidades (SHELLEY, 2004).

O lucro capitalista, que crescia sempre em detrimento da qualidade de vida da


massa trabalhadora, tornou-se objeto a ser combatido, motivando o advento das ideias
socialistas. O mais proeminente pensador de tais concepções foi Karl Marx (1818-1883),
que, juntamente com Friederich Engels (1820-1895), trabalhou as ideias do socialismo
científico e do comunismo. Ferrenho opositor do sistema capitalista, Marx explicava a
história da sociedade por meio da luta de classes, defendendo que uma revolução do
proletário deveria acontecer para tirar a burguesia do poder. Ele foi enfático ao apontar a
religião, principalmente o cristianismo, como um sistema que aliena as pessoas para que
elas se conformem com sua hostil realidade social, contribuindo para a permanência do
capitalista no poder, isto é, quem detém o capital. As ideias socialistas se posicionavam
contra as afirmações liberalistas do laissez faire, que, em suma, considerava que o Estado
deveria deixar o mercado livre para concorrer, já que, na visão liberalista, as mazelas
sociais poderiam ser sanadas “naturalmente” com a força do trabalho (SHELLEY, 2004).

Inicialmente rechaçadas pelas autoridades eclesiais, até porque muitos dos


donos de indústrias faziam parte da membresia das igrejas, aos poucos, as ideias
socialistas ganharam adeptos nas comunidades cristãs. A situação dos trabalhadores
era tão deplorável, que alguns padres e pastores se uniram aos sindicatos para reivindicar
melhoria de condições de trabalho nas indústrias, tanto na Europa quanto nos EUA.

174
Mas, após a metade do século XIX, um número crescente de cristãos,
católicos e protestantes, lutou por melhores condições para os
trabalhadores. Quatro campos de ação lhes era possível: (1) desafiar
a filosofia do laissez faire em nome dos princípios cristãos; (2) criar
instituições cristãs para aliviar o sofrimento dos necessitados; (3)
apoiar a formação de grupos trabalhistas; (4) apelar ao Estado por
uma legislação referente à melhora das condições de trabalho
(SHLLEY, 2004, p. 458).

Dentre esses cristãos que contribuíram para essa causa, podemos citar o bispo
alemão Wilhelm Ketteler (1811-1877), que se posicionou a favor da intervenção do Estado
para conter os capitalistas, mas também se posicionou a favor da propriedade privada,
buscando, assim, um equilíbrio entre o capitalismo e o socialismo.

Ketteler apoiava a luta dos trabalhadores pelos sindicatos e defendia que “o


Estado deveria garantir reformas que incluíam participação nos lucros, jornada de trabalho
razoável, dias de descanso suficientes, inspeção nas indústrias e regulamentação do
trabalho de mulheres e crianças” (SHELLEY, 2004, p, 458).

Outro personagem católico importante foi o cardeal inglês Henry Edward (1808-
1892). Ele fez parte do movimento de Oxford, sobre o qual já nos referimos. Ele chegou
a se posicionar a favor da classe trabalhadora e exigir do governo que o trabalho infantil
fosse abolido. Além disso, se posicionou contra a extensa carga horária diária de trabalho
(SHELLEY, 2004).

A Igreja católica, durante muito tempo, não foi a favor dos sindicatos. A encíclica
Rerum Novarum, feita pelo papa Leão XIII (1878-1903), se posicionou contra o socialismo,
mas também procurou ressaltar que fossem tomadas medidas para melhoria das
condições dos operários (SHELLEY, 2004).

O termo central da encíclica é a instauração de uma ordem social


justa, para a qual é preciso apontar critérios de juízo que auxiliem
a discernir os ordenamentos sociopolíticos existentes e formular
diversas diretrizes de ação para sua oportuna transformação. Por
conta da novidade deste método esboçado, a encíclica Rerum
novarum tornou-se ‘um paradigma permanente’, servindo, por isso,
de parâmetro para todas as demais encíclicas chamadas sociais. Por
tudo isso, a Rerum novarum se constituiu na ‘carta magna’ de toda
atividade social de inspiração cristã (BÁRBARA JÚNIOR, 2016, p. 21).

A Rerum novarum acabou sendo o principal documento para as questões


sociais que envolvessem o catolicismo. Quarenta anos depois, foi publicada outra
encíclica, a Quadragesimo Anno, em referência a Rerum novarum. Nessa nova encíclica,
discutiram-se novamente questões sociais e ações humanitárias da Igreja católica.
Segundo Bárbara Júnior (2016), essa foi a primeira vez que a expressão “Doutrina Social”
foi usada.

175
Da parte protestante, as principais vozes contra a situação social, na Inglaterra,
vieram por parte dos não conformistas, que eram, principalmente, os metodistas e
os batistas, como nos explica Shelley (2004, p. 459): “Os não-conformistas também
eram líderes na cruzada da temperança e na fundação de orfanatos. George Müller
da Fraternidade de Plymouth; Charles Haddon Spurgeon, o líder pregador batista de
Londres; e o metodista T.B. Stephenson, todos foram instrumentos na criação de
orfanatos cristãos”. Entre os pietistas, o de maior destaque foi William Booth (1829-1912),
que fundou o Exército da Salvação, que até hoje é uma referência mundial. Para mostrar
a necessidade de mudanças, ele fez um levantamento para revelar a situação social
da maioria das pessoas da Inglaterra. De acordo com Shelley (2004, p. 459), “em onze
anos, ele tinha 32 bases de evangelização e serviço social entre a população crente de
Londres”. Essa atuação é considerada a maior já realizada na Inglaterra.

Foi na Igreja anglicana que surgiu o movimento Socialista Cristão (1848-1854).


A principal crítica do movimento à sociedade capitalista era a ênfase que esta dava à
competição. Segundo movimento Socialista Cristão, a sociedade deveria ser instruída
para a ajuda mútua e não para a concorrência entre seus pares. Os principais integrantes
do movimento foram “o teólogo F.D. Maurice (1805-1872), o romancista Charles Kingsley
(1819-1875) e o advogado John Malcolm Ludlow (1821-1911)” (SHELLEY, 2004, p. 460). O
movimento não durou muito e não conseguiu conquistas mais práticas. Mas, segundo
Shelley (2004), a Inglaterra, com o passar do tempo, acabou adquirindo posições
políticas e sociais que acarretaram em melhoria da vida da população em geral.

3 O EVANGELHO SOCIAL NA AMÉRICA


No final do século XIX e início do XX, surgiu nos EUA, entre alguns cristãos,
a necessidade de buscar mudanças nas estruturas sociais, como parte da questão
religiosa. Influenciados tanto pelos evangélicos que lutaram contra a escravidão, como
pelos socialistas cristãos europeus, alguns líderes impulsionaram as igrejas cristãs a
se posicionassem frente às injustiças de sua época. Não quer dizer que todos esses
líderes defendiam o sistema socialista como governo, mas sim, que as mazelas sociais
deveriam ser um motivo de preocupação para a igreja, pois a dignidade da vida humana
deveria ser garantida em um país formado por maioria de cristãos.

Segundo Shelley (2004), um dos nomes importantes desse movimento foi


Washington Gladden (1836-1918). Suas pregações sobre o abismo das classes sociais
eram intensas. Escreveu alguns livros tratando da justiça social e da problemática
trabalhista. Defendia, dentre outras concepções, que “[...] muitas indústrias pudessem
ser administradas corporativamente e que estradas de ferro, minas e indústrias de
serviço público devessem ser operadas pelo governo” (SHELLEY, 2004, p. 462).

176
Outro pastor influente na pregação do evangelho social nos EUA foi Walter
Rauschenbusch (1861-1918). Batista, também escreveu sobre as questões sociais e o
comportamento da igreja, enfatizando que o arrependimento que o cristianismo produz
nas pessoas deve ser estendido aos pecados sociais.

O melhor exemplo do pecado social, segundo os pregadores do


evangelho social, era o sistema capitalista. A salvação do homem,
diziam, era impossível enquanto aquele sistema permanecesse
inalterado. Os evangelistas sociais diferiam entre si sobre quanta
mudança era necessária para a regeneração do sistema americano,
mas concordavam que o reino de Deus não poderia vir sem ela
(SHELLEY, 2004, p. 463).

Rauschenbusch defendia que o Reino de Deus seria alcançado quando as


pessoas se unissem em torno da justiça. Para ele, a ênfase ao reino do diabo, dada
durante tantos anos pelo cristianismo, acabou interferindo na construção da justiça, e
que, com a “superstição” superada, o reino de Deus poderia ser estabelecido, por meio
do Evangelho social (DORNELES, 2018).

Josiah Strong (1847-1916) foi outro personagem importante para a formação


do pensamento da teologia do evangelho social. Ele foi um escritor que se pôs a favor
da justiça social, no entanto, foi também favorável ao darwinismo social, que via
algumas sociedades como superiores a outras. Nessa perspectiva, os EUA seriam a
nação mais “elevada” socialmente e “não só fora privilegiada por alcançar o pináculo
da civilização, mas que lhe cabia o dever de ‘cristianizar’ e ‘civilizar’ o restante do
mundo” (DORNELES, 2018, p. 119).

As ideias defendidas pelos adeptos do evangelho social influenciaram


diversas denominações e fizeram parte do currículo teológico de alguns seminários
estadunidenses.

Segundo Shelley (2004), foi realizado, em 1908, um concílio entre as igrejas, em


que se defendeu, dentre outros direitos, “segurança no trabalho, seguro para idosos,
salário mínimo” (SHELLEY, 2004, p. 463).

4 A INFALIBILIDADE PAPAL E O CONCÍLIO DO VATICANO I


Com a consolidação da Revolução Francesa, os ideais liberais ganharam espaço
no mundo ocidental. A Igreja católica, que já havia perdido espaço com o avanço da
Reforma Protestante, ganhou um novo rival, com quem teve que aprender a conviver
para tentar cativar: o mundo secularizado, ou seja, a igreja perdia espaço para as esferas
públicas, a cada novo país no qual havia separação entre religião e poder civil.

177
Em meados do século XIX, mais um golpe foi dado ao poderio da Igreja romana,
quando teve início o processo da unificação italiana. Esse processo veio tardiamente, se
levarmos em consideração que países como França, Inglaterra, Espanha e Portugal já
haviam consolidado suas unificações no século XV.

Antes da unificação, a Igreja católica chefiava várias regiões e, segundo Shelley


(2004, p. 402), o “espírito revolucionário não pôde tolerar a continuação dos Estados
papais, um estado medieval no coração da Itália governado por princípios absolutistas
rígidos. Após 1849, os Estados papais eram tão odiados que só podiam ser defendidos
por baionetas francesas”. Esse desgosto pelo papado ocorreu em virtude da revogação
de uma constituição que havia sido feita pelo papa, para os estados pontifícios, que
tinha aberto espaço para uma democracia moderada. Ao revogar e reimplantar o
absolutismo, a oposição ao estilo de governo dos estados papais foi então rechaçada
por boa parte dos italianos.

Alguns nomes se destacaram no processo da unificação italiana, os quais tinham


projetos diferentes para a futura nação. Enquanto que Garibaldi defendia a instauração
da república, o rei Vítor Emanuel II, que governava a região da Sardenha, despontava
como a pessoa que iria conquistar a unificação. E assim foi. Quanto a Roma, rendeu-
se após ser bombardeada, acabando com a era dos estados pontifícios. As tensões
entre o papa e o governo italiano permaneceram intensas e ficaram conhecidas como
Questão Romana. Somente em 1929, no governo de Mussolini, foi realizado um acordo
que permitiu o poder do papa como soberano na região do Vaticano (SHELLEY, 2004).

No meio desses conflitos, teve início, em 1869, o concílio que estabeleceu a tão
discutida Infalibilidade Papal. O assim chamado Primeiro Concílio do Vaticano teve como
centro do debate a questão do poder papal, se seria acima dos concílios ou se os concílios
teriam a primazia. Sobre esse tema, ficou estabelecido que:

Como sucessor de Pedro, vigário de Cristo, e líder supremo da


Igreja, o papa exerce plena e direta autoridade sobre toda a igreja
e, individualmente, sobre os bispos. Essa autoridade se estende a
questões de fé e de moral, bem como a disciplina e administração da
igreja. Por isso, os bispos devem obediência ao papa, ‘não apenas no
tocante a questões de fé e moral, mas também no que diz respeito a
hábitos e a administração da igreja’ (SHELLEY, 2004, p. 405).

O concílio também apostolou que Maria foi concebida sem a mácula do pecado
original. Essa questão já havia sido declarada dogma pelo papa Pio IX, em 1854. O concílio
não chegou ao final pois foi interrompido em virtude da guerra Franco-Prussiana.
Somente no século seguinte foi convocado o Concílio do Vaticano II, o qual estudaremos
no próximo tópico.

178
5 O MOVIMENTO FUNDAMENTALISTA PROTESTANTE
Ao estudarmos a questão do fundamentalismo protestante, devemos diferenciar
do significado que o senso comum costuma atrelar ao protestantismo na atualidade.
Basicamente, as ideias do fundamentalismo ocorreram no final do século XIX e início
do XX, nos EUA, como uma maneira de refutar o liberalismo protestante, sobre o qual já
estudamos. As ideias do fundamentalismo, segundo Campos (2015, p. 473-474) foram
divulgadas, inicialmente pela publicação da coletânea “The Fundamentals: a Testimony
to the Truth [...] (1910 a 1915) [...] e a Scofield Reference Bible (uma edição anotada da
Bíblia, publicada pela primeira vez por Cyrus Ingerson Scofield em 1909)”.

Caro acadêmico, você deve estar lembrado que o liberalismo foi uma tentativa
de agregar os conhecimentos científicos ao cristianismo, abrindo mão, muitas vezes,
de questões que até então haviam sido basilares, como a ressurreição, os milagres
relatados na Bíblia, dentre outros pontos. O fundamentalismo veio, então, como uma
proposta de resgatar tais verdades e reafirmá-las. O ponto principal, então, era defender
a Bíblia como um livro inspirado, portanto, que não contém erros (CAMPOS, 2015).
Vejamos a explicação de Campos (2015, p. 472):

O principal adversário de fora do campo religioso contra as


convicções das comunidades protestantes ultraconservadoras
foi o desafio imposto pela ciência. Como exemplo mais forte, o
caso de o darwinismo haver oferecido concorrência ou alternativa
à explicação bíblica para as origens da vida como nunca antes na
história do cristianismo. Conclusão a que chega o fundamentalista
como resultado necessário de sua hermenêutica: ciência boa é
somente a que confirma a Bíblia. Os adversários internos ao campo
religioso protestante foram aqueles que, associados ao liberalismo
teológico e ao modernismo dentro das igrejas, com destaque para
a alta crítica na interpretação dos textos bíblicos, propuseram o
estudo da Bíblia com base na crítica histórica e literária.

O movimento fundamentalista reafirmava as questões bíblicas relacionadas aos


milagres, a ressurreição de Cristo como verdades, e influenciou diversas igrejas. Os embates
entre o liberalismo teológico e o fundamentalismo ganharam espaço principalmente após
a I Guerra Mundial, quando o liberalismo protestante foi visto pelos fundamentalistas
como um verdadeiro inimigo do cristianismo.

6 O MOVIMENTO DA NEO-ORTODOXIA
Outra reação às ideias do liberalismo protestante ocorreu por meio de teólogos
que configuraram o movimento que ficou conhecido como neo-ortodoxia, ou teologia
dialética. Alguns nomes se destacaram, dentre eles, Karl Barth (1886-1968), que,
apesar de ter influências do liberalismo teológico, passou a adotar uma postura de
ruptura com ele. Um dos principais pensadores que o influenciou foi Sören Aaby
Kierkegaard (1813-1855), vejamos:

179
Logo após a Primeira Guerra Mundial, retomando Kierkegaard,
denunciou vigorosamente todas as tentativas de amordaçar a Palavra
de Deus com a Razão. Contra um cientificismo ingenuamente triunfal
e um racionalismo seguro de si, Barth afirmou que todo conhecimento
provém de Deus, o ‘Totalmente-Outro’. Essencialmente enfraquecido
em sua unidade originária, o ser humano, segundo Barth, não pode
mais alcançá-lo com suas forças; ao contrário, tudo aquilo que é
humano, razão, filosofia, cultura, religião, encontra-se em substancial
oposição a Ele (GUIMARÃES, 2014, p. 29).

Para Barth, por meio do sacrifício de Cristo, o ato mais importante, acabou
tornando tal oposição ultrapassada. Foram suas ideias que contribuíram para fortalecer
o pensamento teológico antiliberal (GUIMARÃES, 2014). Seus comentários sobre a
epístola de Romanos tornou a teologia neo-ortodoxa conhecida, principalmente no meio
acadêmico. Nela, ele teceu críticas tanto ao liberalismo teológico, quanto às ideias do
fundamentalismo que vimos anteriormente (MORAIS; FERREIRA; GOMES, 2010). Barth
enfatizava a importância e autoridade da Palavra de Deus, e a centralidade de Cristo.
Além disso, afirmava que a razão não deveria ser o motor que garantiria a correta análise
dos textos sagrados (MORAIS; FERREIRA; GOMES, 2010).

Além de Barth, outros nomes também foram importantes para o desenvolvimento


do pensamento teológico neo-ortodoxo, como Paul Tillich (1886-1965), que, nascido na
Prússia, foi morar nos EUA fugido do governo de Hitler.

O pensamento de Tillich por vezes é considerado liberal, e outras, neo-ortodoxo,


não havendo, portanto, entre os estudiosos um consenso (XIMENES, 2007). Além dele,
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), também viveu os horrores da perseguição nazista, pois
não aceitava as mudanças impostas na Alemanha, principalmente da submissão da
igreja aos ideais nazistas. Para contrapor a tal influência, ele e “Hans Amussen, Otho
Dibelius, Karl Barth, Martin Niemoeller, que juntos fundaram a Igreja Confessante”
(KNUDSEN, 2019, p. 26). Posteriormente, ele ampliou sua luta antinazista e acabou preso
e enforcado pelo regime de Hitler.

7 O PENTECOSTALISMO
Ao falar em pentecostalismo é possível, caro acadêmico, que você pense na
numerosa força que este movimento tem atualmente, principalmente no Brasil. Sendo
uma das vertentes evangélicas que mais cresce, ele teve suas origens no início do
século XX, nos EUA.

Influenciado pelos movimentos avivalistas anteriores, os quais já estudamos


neste livro, como o metodismo de John Wesley, o Grande Despertar e o movimento
holiness, o pentecostalismo agregou outras características e se espalhou por diversas
regiões rapidamente, provocando, em alguns casos, rupturas com o protestantismo, em
outros, ressignificando práticas protestantes.

180
Um personagem importante que precedeu o pentecostalismo foi Charles Fox
Parham (1873-1929), que ensinava a importância do falar em línguas diferentes – a
glossolalia, na região do Kansas, como um resultado do batismo com o Espírito Santo.
Vejamos a explicação de Matos (2006, p. 30-31, grifo do original), sobre a diferença
entre os movimentos:

O movimento de Parham recebeu diferentes nomes – fé apostólica,


movimento pentecostal ou chuva tardia – todos os quais apontavam
para características marcantes da nova cosmovisão. Uma das ideias
centrais era o que se denomina “repristinação” ou restauracionismo,
isto é, o desejo de voltar aos dias iniciais do cristianismo, aos primeiros
tempos da igreja primitiva, idealizados como uma época de maior
fervor e plenitude cristã. Associada a isso estava a nova linguagem
que dava ênfase ao poder do Espírito, conforme manifesto entre os
apóstolos através de sinais e maravilhas. Essa linguagem passou a
ser uma distinção importante entre os dois movimentos: enquanto a
tradição holiness dava maior destaque à santidade ou santificação,
o movimento pentecostal passou a privilegiar o conceito de poder.

Devemos lembrar que as divisões sociais relacionadas à cor eram muito presentes
nesse momento nos EUA. Muitos religiosos aceitavam a discriminação, como foi o caso
de Parham, que deixou William Joseph Seymour (1870-1922), um pregador negro atuante
no movimento holiness, assistir suas aulas no corredor (MATOS, 2006). Seymour foi visitar
uma igreja em Los Angeles, que tinha a liderança de uma mulher negra, que não gostou
de sua pregação. Ele passou a reunir um grupo em sua casa onde, em pouco tempo, já
não cabia mais pelo tanto de gente, e tiveram que alugar um espaço maior. Com esse
grupo, teve início o movimento pentecostal, na Rua Azusa, em 1906 (MATOS, 2006).

As reuniões na rua Azusa logo chamaram a atenção dos jornais, de grupos


espíritas, de outros cristãos, o que fez aumentar tanto o número de fiéis, quanto de
críticos. Segundo Matos (2006), os cultos podiam durar até 12 horas ininterruptas. O
movimento rompeu com o rigor da liturgia e “Os homens gritavam e saltavam através
do salão; as mulheres dançavam e cantavam. Algumas pessoas entravam em transe e
caiam prostradas” (MATOS, 2006, p. 32).

FIGURA 1 – SEYMOUR E O GRUPO DE PENTECOSTAIS

FONTE: <https://bit.ly/3tD45gS>. Acesso em: 10 set. 2021.

181
Algo totalmente inusitado acabou acontecendo em meio ao avivamento
pentecostal, ao menos tendo em vista a situação dos EUA nesse momento. Ele foi
o primeiro movimento religioso que teve, desde seu início, a participação de negros,
brancos, asiáticos, hispânicos, além de imigrantes europeus. A participação de mulheres
em posições de liderança também era comum. Apesar disso, com o tempo, conflitos
internos acabaram dividindo o grupo e os negros tomaram a frente na liderança.

O racismo e as leis de segregação racial do sul dos Estados Unidos (leis


Jim Crow) prevaleceram. Ficou difícil realizar convenções multirraciais,
pois havia leis proibindo reuniões desse tipo e acomodações em hotéis
para ambas as raças. Por causa dos obstáculos culturais, sociais
e institucionais, muitas igrejas negras começaram a se retirar de
denominações multirraciais já em 1908 (MATOS, 2006, P. 34).

Devido à força dessas leis, a unidade racial que, inicialmente se fez presente,
sofreu um grande abalo, o que fez várias Igrejas serem criadas ou somente de brancos, ou
somente de negros. Após o falecimento de Seymour e depois de sua esposa, a chamada
“missão da rua Azusa” foi encerrada (MATOS, 2006). Porém, os frutos desse movimento
já haviam se espalhado por diversos países, formando igrejas de diversos tipos, mudando
substancialmente as estruturas do campo evangélico.

Apesar das divisões internas, o pentecostalismo apresenta características que


o diferenciam dos outros movimentos avivalistas que ocorreram antes dele. Além do
batismo com o Espírito Santo e a Glossolalia, a ênfase nos dons do Espírito Santo, como
a profecia e o dom de cura, são elementos que estão presentes. Em geral, seu início se
deu em áreas socialmente menos favorecidas e, posteriormente, ganhou espaço em
outros meios (MENESES, 2008).

DICA
Para ampliar seus conhecimentos sobre a temática do pentecostalismo, leia os
seguintes artigos:
• ALENCAR, G. F. de; FAJARDO, M. P. Pentecostalismos: Uma superação da
discriminação racial, de classe e de gênero? Revista Estudos de Religião,
São Paulo, v. 30, n. 2, p. 95-112, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3l4SfZe.
• SANTOS CORREA, M. A. O. dos. Pastores das Assembleias de Deus. Revista
Interações, Uberlândia, v. 14, n. 25, p. 29-54, 2019. Disponível em: https://
bit.ly/3A7E2Be.

8 O NEOPENTECOSTALISMO
Caro acadêmico, no subtópico anterior estudamos a origem do movimento
pentecostal e os principais fatores que o diferenciou de outras expressões dentro do
protestantismo. Por suas características, alguns grupos fazem, inclusive, distinção entre
o protestantismo e o pentecostalismo, não o vendo como uma ramificação.
182
O pentecostalismo passou por mudanças durante o percurso do século XX.
Várias igrejas surgiram ou se separam de outras históricas. De acordo com Paul Freston
(1993), pode ser feita uma diferenciação do pentecostalismo no Brasil, por meio da
primeira onda, que ocorreu com a vinda, em 1910 e 1911 da Congregação Cristã e da
Assembleia de Deus.

Já nas décadas de 1950 e 1960, a segunda onda entrou em vigor com as


igrejas Quadrangulares e o Brasil para Cristo, que trouxeram mudanças principalmente
em relação aos usos e costumes, além da igreja Deus é amor, que se manteve mais
tradicional com relação ao uso de vestimentas e separação rígida entre o papel da
mulher e do homem na igreja.

E, na década de 1970, houve uma mudança significativa no pentecostalismo,


que ficou conhecido como neopentecostalismo. As principais igrejas representantes
dessa nova vertente foram, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), tendo, como seu
principal fundador, Edir Macedo, e, a partir dela, surgiram a Igreja Internacional da Graça
de Deus, com R. R. Soares e a Igreja Mundial, com Valdomiro Santiago.

O neopentecostalismo fez releituras de aspectos do pentecostalismo e


incrementou com elementos da religiosidade popular. De acordo com Mendonça (2011),
apesar dessa categorização não abarcar a diversidade de igrejas surgidas a partir da
década de 1970, ela ainda é considerada importante para diferenciar características
do pentecostalismo. O autor ainda dissocia as igrejas neopentecostais das igrejas
evangélicas, o que nem sempre é aceito, principalmente entre a população em geral.

Uma das principais ênfases dadas pelas igrejas neopentecostais é com relação
à teologia da prosperidade, na qual se enfatiza que quanto maior for a oferta do fiel, mais
ele receberá. Além disso, muitos elementos usados no culto são de religiões diversas,
fruto de um sincretismo, principalmente com religiões de matriz africana, ainda que, tais
religiões sejam duramente combatidas.

Há também uma grande ênfase na luta com “o mundo espiritual”, por meio do
exorcismo. Em geral, nos cultos, não há uma preocupação com estudos mais aprofundados
dos textos sagrados ou de teologia. A música tem papel de destaque, assim como as
emoções. A estrutura organizacional não reflete, em geral, um sistema de governo mais
participativo, ao contrário, os líderes são responsáveis pelas decisões da igreja.

183
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As mudanças nas cidades ocorridas com a Revolução Industrial também refletiram


nas Igrejas, que comportavam tanto operários quanto os donos das fábricas. Alguns
movimentos dentro do cristianismo tentaram auxiliar os movimentos sociais, para
melhorar as condições de vida dos operários.

• O Evangelho social na América foi fruto de protestantes que viram uma oportunidade
de reivindicar as questões sociais, onde muitos viviam sob graves problemas. Eles
eram a favor não da implantação do socialismo, mas defendiam que dignidade da
vida humana deveria ser garantida em um país formado por maioria de cristãos.

• O Concílio do Vaticano I declarou que Maria foi concebida sem a mácula do pecado
original, além da infalibilidade papal.

• O movimento fundamentalista protestante surgiu nos EUA. Ele visava combater o


liberalismo teológico, enfatizando a inerrância da Bíblia.

• O pentecostalismo surgiu nos EUA, no início do século XX. Apesar das críticas que
recebeu, o movimento se espalhou por diversos países e é hoje uma das principais
forças no campo evangélico. Além dele, o neopentecostalismo trouxe novas
abordagens para o campo religioso, enfatizando elementos pentecostais e mantendo
um sincretismo com a religiosidade popular.

184
AUTOATIVIDADE
1 Após a Revolução Industrial, mudanças significativas ocorreram na sociedade,
mudando, inclusive, as relações de trabalho. Diante da situação dos operários, Karl
Marx e Engels passaram a formular as ideias do socialismo científico. Alguns setores,
tanto entre os protestantes quanto no meio católico, passaram a defender ou se
posicionar contra o socialismo. Sobre essas questões, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A encíclica Rerum Novarum combateu o capitalismo e se pôs a favor do socialismo


cristão, tendo em vista a precariedade da situação dos operários no século XIX.
b) ( ) Dentro do protestantismo, os principais grupos que atuaram a favor da melhoria
de condições de trabalho para os operários foram os luteranos, seguido dos
anglicanos com o movimento de Oxford.
c) ( ) O movimento social na América se baseou, principalmente, em críticas à situação
social de pobreza a que muitas pessoas estavam submetidas nos EUA. Eles
defendiam que fosse implantado o sistema socialista cristão. Por esse motivo,
seus líderes foram perseguidos.
d) ( ) Entre os anglicanos surgiram defensores do socialismo cristãos, os quais se opunham
à competição capitalista, pois defendiam que o ideal para uma sociedade é a ajuda
mútua, em detrimento da concorrência e competição.

2 Durante o século XIX, muitos movimentos cristãos a favor de medidas relacionadas à


melhoria social surgiram. O impacto de alguns desses movimentos foi diverso, inclusive
na propositura de leis. Tendo em vista tais questões, analise as sentenças a seguir:

I- Na Inglaterra, apesar do movimento socialista cristão, as principais igrejas que se


engajaram nas questões sociais foram a batista e a metodista, criando, dentre
outras coisas, orfanatos.
II- A encíclica Rerum novarum foi um marco para a atuação da Igreja católica nas
questões referentes à questão social.
III- A partir de uma pesquisa sobre a pobreza, o luterano William Booth criou o exército
da salvação, movimento atuante ainda hoje.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

185
3 No percurso da história da Igreja temos vários movimentos de avivamentos. Na
primeira década do século XX, um grupo de cristãos na rua Azusa, nos EUA, chamaram
a atenção com os cultos avivados e com características distintas dos avivamentos
anteriores. Tendo em vista o que foi estudado sobre pentecostalismo, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O principal líder foi Charles Fox Parham, que pregava sobre a importância do batismo
com o Espirito Santo, e de uma unidade entre os cristãos, independente da classe
social ou cor de pele.
( ) O pentecostalismo, inicialmente, conseguiu unir, em um país segregacionista,
negros, asiáticos e brancos sob a bandeira de que, em Cristo, não haveria mais
divisão social.
( ) Diversos fatores se destacaram entre as igrejas cristãs, após o desenvolvimento
do pentecostalismo. Um deles se deu quanto ao papel que as mulheres tiveram na
liderança do pentecostalismo, como pastoras e pregadoras.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – V – V.

4 No início do século XX surgiu, nos EUA, o pentecostalismo. Influenciado por outros


movimentos anteriores, como o metodismo e o holines, ele se expandiu rapidamente
e é, hoje, uma das vertentes evangélica que mais tem crescido. Diferencie, usando
suas palavras, o movimento pentecostal dos outros anteriores.

5 Ainda no século XIX, ganhou espaço nos meios protestantes o liberalismo teológico.
Em contraposição a essas ideias, surgiu nos EUA, o fundamentalismo protestante.
Destaque as principais características desse movimento.

186
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
A IGREJA CATÓLICA NO SÉCULO XX

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, várias mudanças ocorreram no final do século XIX até meados do
século XX. Com a disputa por mercado consumidores e de matérias-primas se acirrando,
as nações europeias deflagraram a I Guerra Mundial (1914-1918), sucedida pelo período da
grande depressão – a primeira grande crise do capitalismo.

Poucos anos após a I Guerra Mundial, as nações voltaram a se enfrentar na II


Guerra Mundial (1939-1945). O período pós-guerra foi conturbado, devido à Guerra Fria,
além dos conflitos políticos internos com a imposição de diversas ditaduras. Outro fator
importante se deu com os processos de descolonização da África e da Ásia, muitas
vezes com conflitos.

No campo religioso cristão, o século XX contou com o reavivamento pentecostal,


além das ideias do fundamentalismo protestante que estudamos no tópico anterior.
O século XX foi palco também de importantes mudanças na Igreja católica, quando
buscou um maior contato com a modernidade.

Com essa contextualização passaremos, a partir de agora, a tratar das mudanças


ocorridas no catolicismo romano, principalmente a partir das decisões do concílio do
Vaticano II. Também estudaremos como surgiu o movimento de renovação carismática
e sua influência no catolicismo. Sobre a Igreja católica ortodoxa, abordaremos suas
principais formas de atuação e divisões.

2 O CONCÍLIO DO VATICANO II
Acadêmico, estudamos anteriormente o Concílio do Vaticano I, que ocorreu em
1870, e tratou, dentre outras coisas, sobre a infalibilidade papal.

No século XX, João XXIII (1881-1963) foi papa entre os anos de 1958 até 1963 e
tomou para si a missão de convocar o concílio do Vaticano II. A convocação papal para
o segundo concílio tinha em vista discutir, sobretudo, sobre as mudanças/implicações
sociais trazidas pela modernidade e promulgar resoluções nesse sentido.

De 11 de outubro de 1962 a 8 de dezembro de 1965, também se abordou: a


missa em latim, a evangelização, a relação entre Igreja e Estado, bem como a relação
entre os católicos ortodoxos e os protestantes, dentre outras questões. Antes mesmo

187
de dar início ao concílio, o papa João XXIII já havia dado passos importantes para o
catolicismo, quando conseguiu abrir os diálogos com países comunistas (JOHNSON,
2001). João XXIII também se opôs ao racismo, falando da necessidade de romper
qualquer vestígio social de discriminação racial. Além disso, criticou a postura de
“impor ideias ocidentais homogêneas” (JOHNSON, 2001, p. 619), principalmente ao
tratar com os países em desenvolvimento.

FIGURA 2 – CONCÍLIO DO VATICANO II

FONTE: <https://bit.ly/3htIlzl>. Acesso em 22 de junho de 2021

Pela primeira vez, um concílio do Vaticano, segundo Shelley (2004), não


se voltava a combater heresias, e sim provocar um aggiornamento, ou seja, uma
modernização para a Igreja católica. O Concílio Vaticano II contou com uma grande
participação de eclesiásticos, além de ouvintes, isto é, representantes protestantes e
ortodoxos. Um passo importante foi dado logo no início do concílio, quando, segundo
Shelley (2004), o papa João XXIII declarou que não cabia mais à igreja a união com o
Estado, além de reconhecer que o caminho a ser trilhado pelo catolicismo, a partir de
então, deveria ser livre de repressão.

Dois grupos principais compuseram as cadeiras decisórias do concílio. De


um lado, o grupo que tinha ideias mais progressistas, ou seja, defendia mudanças
mais alinhadas à modernidade. Do outro lado, a ala mais conservadora, que recusava
mudanças profundas para o catolicismo (SHELLEY, 2004).

Abordou-sel, também, a importância das Escrituras e da tradição. A proposta da


vertente progressista consistia em diminuir as divergências entre católicos e protestantes
nesse quesito. A discussão sobre esse assunto foi vista como o fim da Contrarreforma
(SHELLEY, 2004). Sobre o uso do latim no rito da missa, ficou estabelecido que:

A restauração litúrgica operada pelo concilio visa favorecer a participa-


ção dos fiéis. O texto insiste sobre o lugar que se deve dar a Palavra de
Deus. Sua leitura será mais abundante e mais variada, e o sermão ‘bebe-
rá na fonte da Sagrada Escritura e da liturgia’. Serão priorizadas as cele-
brações públicas, mais que as privadas, e não fará acepção de pessoas.

188
O uso do latim continua sendo a regra, mas a língua falada terá um espaço maior
por conta de sua ‘utilidade para o povo’, sobretudo nas leituras, admoestações e cantos,
por meio de traduções aprovadas (MOULINET, 2012, p. 31).

Com o falecimento do papa João XXIII, em 3 de julho de 1963, o papa sucessor,


Paulo VI, decidiu dar continuidade ao concílio, que trouxe ainda mais mudanças para ao
cenário da Igreja romana.

Um dos pontos discutidos foi a liberdade religiosa. Nesse contexto, questionou-se


se, ao defender tal liberdade, a igreja estaria ou não contribuindo para a indiferença quanto
às questões religiosas (SHELLEY, 2004). Sobre esse assunto, Shelley (2004, p. 507) comenta:

A declaração do Concílio sobre o direito à liberdade de consciência


proclamou que nenhum Estado tinha o direito de impedir por meio
de pressão externa a pregação e aceitação do evangelho. Ao mesmo
tempo, a igreja abandonou a suposição defendida desde o tempo de
Constantino de que onde quer que ela tivesse os meios (como na
Espanha e Itália), ela tinha o direito de exercer o poder público para
que fossem cumpridas suas determinações religiosas e promover
seu trabalho de salvação. Ao aceitar o decreto, o catolicismo romano
solenemente renunciou, em princípio, a todo uso de força contra a
voz da consciência. Sua proclamação no dia 7 de dezembro marcou
uma ruptura radical com uma prática de 1500 anos.

Perceba, caro acadêmico, que, com essa postura, o catolicismo rompeu


com uma prática longínqua de imposição religiosa e laços com o Estado, marcando,
assim, uma nova perspectiva para a Igreja no século XX. No entanto, ao implantar
tais mudanças, por vezes, os fiéis mostraram-se confusos, pois muito do que haviam
aprendido como o correto, foi mudado abruptamente, como a missa na língua local e
não mais em latim. Mesmo assim, os primeiros passos para a aceitação da modernidade
no seio da Igreja reverberaram em novas posturas. No entanto, é interessante notar que,
até hoje, ocorrem, em determinadas localidades, missas com o rito Tridentino, em que o
padre prefere a liturgia em latim e de frente ao altar.

3 A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA


A Igreja católica romana, com sede no Vaticano, esteve, durante muito tempo,
ligada aos poderes estatais, o que fez com que ela ampliasse suas riquezas e, raramente,
se posicionasse contra o Estado. No entanto, quando as ideias modernas de secularização
e laicidade passaram a ganhar força nos países ocidentais, promovendo separação entre
religião e Estado, o poder da Igreja foi enfraquecido.

Porém, essa ruptura não foi de todo prejudicial para a Igreja, tendo em vista que
ela continua a exercer grande influência na vida das pessoas, sendo considerada, ainda
hoje, uma das grandes representantes do cristianismo na atualidade, tendo a figura do
papa como a liderança religiosa mais influente no mundo. Ademais, ao longo dos anos,
a Igreja veio passando por significativas alterações a fim de conservar seus membros e
conquistar novos adeptos.

189
FIGURA 3 – FOTO PANORÂMICA DO VATICANO

FONTE: <https://shutr.bz/3Afstbe>. Acesso em: 10 set. 2021.

A Igreja católica, a partir da encíclica Rerum novarum (1891), trouxe à tona a


necessidade de um olhar mais cuidadoso no que diz respeito às condições de vida das
pessoas, em especial, dos operários. Ela foi, segundo Bárbara Júnior (2016), um marco
para o catolicismo, influenciando outras encíclicas e decretos sobre tais questões, tendo
por base a “justiça e caridade”.

O amadurecimento do catolicismo permitiu a estruturação de uma Doutrina


Social da Igreja (DSI). Dois momentos foram fundamentais para a concretização dos
ensinamentos da DSI: a encíclica Rerum novarum, sobre a qual já nos referimos,
e também as resoluções do Concílio Vaticano II. A intenção da Igreja não foi de agir
partidariamente, mas “orientar o comportamento das pessoas, levando cada uma
delas, como consequência, ao empenho pela justiça, segundo o papel, a vocação e as
circunstâncias pessoais” (BÁRBARA JÚNIOR, 2016, p. 21). Além disso, a Igreja colocou-
se como um agente importante de denúncia das mazelas sociais.

Para a DSI, o papel evangelizador da Igreja deve considerar a atenção aos pobres
em face às dificuldades que estes enfrentam. De acordo com a DSI, a Igreja deve se
preocupar com a integralidade do ser humano, ação que envolve alguns princípios básicos:
“a) o princípio da dignidade da pessoa, no qual todos os demais princípios encontram seu
firme fundamento; b) o princípio da solidariedade; c) o princípio da subsidiariedade; e por
fim, d) o princípio do bem comum” (BÁRBARA JÚNIOR, 2016, p. 27).

Tais princípios envolvem tanto as questões religiosas quanto as questões


racionais, no sentido de que a dignidade da pessoa humana é entendida pelo caráter
universal. Sendo o ser humano a imagem de Deus, sua respeitabilidade deve ser
assegurada por meio da liberdade, da não exploração da sua mão de obra, dentre outros
direitos e preceitos. Assim, ao assegurar tais características aos indivíduos, toda a
sociedade se beneficia, vejamos:

190
A luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir-
se das dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do
perdão e da reconciliação. O próximo, então, não é um só ser humano
com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a
todos os demais; mais torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada
pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto permanente do Espírito
Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja inimigo, com o
mesmo amor com que se ama o Senhor; e é preciso estarmos
disposto ao sacrifício por ele, mesmo o sacrifício supremo: ‘dar a vida
pelos próprios irmãos’ (JOÃO PAULO II, 2000, p. 76).

A DSI trouxe ênfase à posição do pobre, a saber, a de vulnerabilidade social. Isso


não dá margem para colocá-lo como alguém que possua uma dignidade maior, mas
sim, porque sua condição é mais precária. Para que as sociedades consigam refletir uma
dignidade para todos, é fundamental, segundo a DSI, que a solidariedade seja intrínseca
a ela (BÁRBARA JÚNIOR, 2016).

4 O MOVIMENTO CARISMÁTICO
Após o concílio do Vaticano II, a Igreja católica começou a contar com um renovo
através do movimento carismático católico (RCC). Seu surgimento se deu nos EUA, em
1967, em uma universidade na Pensilvânia. Podemos identificar nesse movimento uma
profunda influência do protestantismo, que estava atuante e em largo crescimento
nos EUA. Um fator interessante, é que, em seu surgimento, a RCC atuava de forma
ecumênica, inclusive, no evento considerado sua fundação foi num retiro “realizado
por professores e acadêmicos católicos [...], orientados por carismáticos presbiterianos,
o grupo [...] orou pedindo o Batismo no Espírito Santo e a manifestação de dons
carismáticos como os descritos por São Paulo em sua segunda carta aos Coríntios,
pedido este que considerou atendido durante o evento” (MASSARÃO, 2007, p. 5). No
Brasil, a característica ecumênica não tem ocorrido na RCC.

A RCC tem algumas características que a distingue de outros grupos católicos.


A forte utilização da glossolalia é uma delas, além de práticas exorcistas, a presença
de orações em prol da cura divina, uma intensa busca por dons do Espírito Santo e um
forte apelo musical. Outra característica marcante é a presença acentuada da mídia,
principalmente de programas de rádio e televisão (MASSARÃO, 2007).

Apesar de sofrer críticas em alguns meios católicos, a RCC conseguiu se manter


firme perante a hierarquia católica, pois, não buscou confrontar a autoridade central, e
convoca seus fiéis a uma devoção íntima e constante. Vejamos a explicação de Massarão
(2007, p. 8):

191
Uma das formas encontrada pelo Movimento Carismático, nos seus
primeiros anos de vida, para ganhar a simpatia e a participação
do clero foi, através de sua literatura, demonstrar ‘docilidade’ em
relação à autoridade institucional e o culto mariano, diminuindo
o efeito negativo que a proximidade com as práticas pentecostais
protestantes poderia ter, além de reafirmar a Renovação Carismática
Católica como uma renovação cristã autêntica.

Além do culto mariano, outros fatores diferenciam o RCC do pentecostalismo,


como afirma Valle (2004, p. 100), “por meio das ‘três brancuras’: Nossa Senhora, a
Eucaristia e o Papa”. Os carismáticos também enfatizam a questão bíblica e uma forte
ênfase na oração. A força da Igreja católica em vários países, atualmente, se deve também
à questão da renovação carismática. Assim como o pentecostalismo tem avançado com
força, principalmente na América, a RCC tornou-se o braço católico de propagação com o
vigor do avivamento no seio da Igreja romana.

5 A IGREJA ORTODOXA NO SÉCULO XX

FIGURA 4 – CATEDRAL DE SÃO BASÍLIO EM MOSCOU, RÚSSIA

FONTE: <https://shutr.bz/3C2AgcG>. Acesso em: 10 set. 2021.

Caro acadêmico, na primeira unidade deste livro nós estudamos o Cisma do


Oriente, que consistiu na primeira divisão do cristianismo. A partir de então, a Igreja
católica apostólica romana ficou com sua sede em Roma e a Igreja ortodoxa em
Constantinopla, antiga Bizâncio. Em 1453, o Império Romano do Oriente foi dominado
pelos turcos otomanos. Durante alguns anos, a igreja ortodoxa viveu pacificamente com
os muçulmanos. Quando os turcos foram dominando outras regiões como Síria e Palestina,
as igrejas dessas regiões tiveram que se vincular ao Patriarca de Constantinopla.

192
Já no século XIX, com a independência da Grécia em relação à Turquia, a
questão religiosa entrou em pauta, pois, a Igreja grega queria manter sua independência
em relação ao patriarca de Constantinopla. Com a desintegração do Império Otomano,
no período entre guerras, “[...] o patriarcado de Constantinopla reconheceu a autonomia
das diversas igrejas ortodoxas, não apenas nos antigos territórios turcos situados
nos Bálcãs, mas também em outras regiões europeias como a Estônia, a Letônia e a
Checoslováquia” (GONZALEZ, 1995, p. 31).

Antes do século XX, muitas regiões dominadas pelo islamismo já haviam imposto
restrições ao cristianismo e seus territórios. Na Grécia, a igreja ortodoxa continuou com
hegemonia, mantendo, inclusive, a relação estreita com o Estado (GONZALEZ, 1995). Já
no território russo, a situação era bem mais pacífica para os ortodoxos, ao menos até
a ascensão do socialismo. Sobre a importância desse território para a igreja ortodoxa,
Gonzalez (1995, p. 32) nos oferece uma explicação:

Na Rússia, muitos interpretaram a queda de Constantinopla, em


1453, como um castigo de Deus por terem concordado em unir-se
novamente à herege Roma. Por fim, desenvolveu-se a teoria de que,
assim como Constantinopla havia substituído Roma como a ’segunda
Roma’, agora Moscou era a ‘terceira Roma, a nova cidade imperial
cuja tarefa providencialmente designada era sustentar a ortodoxia.

Desde o século XVI, a Igreja russa demonstrou certa hostilidade às demais


Igrejas. Em 1547, inclusive, o patriarca de Moscou se posicionou contra o protestantismo
e o catolicismo, tanto romano, quanto grego. Algumas tentativas foram feitas na Rússia,
no século XVII, para unificar o rito com a Igreja grega, com o intuito de estreitar as relações
entre as duas, porém, os protestos foram intensos, inclusive, com muitos mortos.

Após tal incidente, o czar Pedro, o Grande, (1689-1725) lançou novas bases para
a religião na Rússia, quando abriu o país às influências tanto das outras igrejas católicas
quanto do protestantismo. Além disso, as ideias iluministas também fizeram eco no
território russo, influenciando a Igreja. Já no século XIX, houve um intenso movimento
nacionalista, no qual o teólogo Alexis Komiankov (1804-1860) foi um importante
representante. Em sua concepção, a teologia seguida na Rússia abarcava tanto o
catolicismo quanto o protestantismo (GONZALEZ, 1995).

No início do século XX, após a Revolução Russa, ocorreu a separação entre


Igreja e Estado, em 1918. Já em 1936, o Estado adotou medidas mais severas com
relação à religião, ao declarar que a propaganda contra a religião não seria proibida. “Em
1920, o ensino religioso nas escolas foi banido. Dois anos antes foram fechados todos os
seminários. [...] a Igreja Ortodoxa Russa não obteve permissão para eleger seu sucessor
antes de 1943” (GONZALEZ, 1995, p. 34). Após essa data, foi permitido que fizessem a
impressão de livros religiosos e a Igreja autorizada a funcionar.

193
O cristianismo ortodoxo constituiu igrejas em diferentes territórios, como Japão,
China e Coréia. Nesses países, a presença se deu principalmente por meio da igreja russa.
No geral, são igrejas de maioria nativa. Um ponto interessante ressaltado por Gonzalez
(1995), é sobre a imigração, que fez com que pessoas que fugiam de questões sociais e
políticas de seus países, migrassem para outros territórios. Ao constituírem uma igreja
no novo local, acabou gerando conflitos dentro do ramo ortodoxo, que, durante muito
tempo, não concordava que houvesse mais de um tipo de igreja ortodoxa no território,
para não gerar conflitos entre a questão do patriarcado.

Há também as Igrejas que se separaram da igreja ortodoxa oficial, por não


concordarem com algum aspecto dos concílios realizados. Essas Igrejas são inúmeras e
são chamadas de independentes. Alguns dos territórios onde elas floresceram são Etiópia,
Síria, Iraque, Irã, dentre outros. Algumas delas sofreram perseguições dos muçulmanos, e
seus fiéis tiveram que migrar parar outros territórios.

IMPORTANTE
MARCOS IMPORTANTES PARA O CRISTIANISMO NA CONTEMPORANEIDADE
Independência dos EUA 4 de julho de 1776
Revolução Francesa 1789-1799
Movimento de Oxford 1833
Willian Carey 1761-1834
Teologia liberal protestante Final do século XVIII
Fundamentalismo protestante Final do século XIX
Concílio do Vaticano I 1869-1870
Pentecostalismo 1906
Concílio do Vaticano II 1961-1965
FONTE: O autor

Caro acadêmico, chegamos ao final deste Livro Didático com a certeza de que
sua curiosidade sobre a história do cristianismo só aumentou. Este é um assunto amplo
e de suma importância para sua formação. Aqui, você teve um ponto de partida para
aprofundar, posteriormente, seus estudos. Logo a seguir, você poderá realizar a leitura
de um artigo sobre a Igreja ortodoxa russa.

194
LEITURA
COMPLEMENTAR
RELIGIÕES TRANSNACIONAIS A IGREJA CATÓLICA ROMANA
NO BRASIL E A IGREJA ORTODOXA NA RÚSSIA

Ralph Della Cava

[...] Mesmo que a Igreja russa faça parte da Ortodoxia mundial, esta, em seu
sentido mais estrito não pode ser caracterizada como "transnacional". Por um lado, a
confissão Ortodoxa consiste em quinze Igrejas nacionais (ou regionais) verdadeiramente
independentes. Cada uma delas é liderada por seu próprio Patriarca e possui autonomia
completa em todos os assuntos pastorais e administrativos. Por outro, existe um Patriarca
Ecumênico (de Constantinopla) que, por razão de precedência histórica, preside todo o
mundo ortodoxo. Entre os fiéis é considerado como "patriarca dos patriarcas", mas gozando
somente de uma "primazia de respeito": ao contrário do Patriarca Ocidental (outro título do
Papa, além de Bispo de Roma), ele não é considerado nem infalível nem o principal chefe
executivo de uma comunidade mundial de fé. Na verdade, em assuntos de fé e de moral,
ele é impotente para emitir sua própria opinião. Ele se submete e atua como o portador
das decisões de bispos do mundo Ortodoxo tomadas nos concílios também chamados
"ecumênicos", ainda que raramente estes tenham se reunido.

Finalmente, o Patriarca Ecumênico não pode contar de forma significativa com


a generosidade das Igrejas-irmãs nas áreas centrais, exceto talvez quando se trata
dos fiéis Ortodoxos de comunidades basicamente de emigrados - tais como as gregas,
espalhadas pelos Estados ricos do centro. De fato, as Igrejas Ortodoxas mais numerosas
e com maior número de fiéis encontram-se hoje no antigo "bloco comunista" e são, em
sua grande maioria, pobres e carentes de recursos.

Agora, como no passado, considero que este caráter transnacional das religiões
modernas é também o maior fator, senão o decisivo, que condiciona o desenvolvimento
das igrejas locais. Seria demais afirmar que existe somente uma "religião vinda do alto",
porém, insistir na primazia de um paradigma de uma "religião vinda de baixo" é sem
dúvida perder de vista a característica central de uma religião transnacional organizada:
a tendência inescapável em direção a unidade e universalidade tanto no que se refere à
doutrina quanto à estrutura. [...]

Vejamos primeiro o que está ocorrendo na Rússia. Em 1990, a Lei Soviética


sobre Liberdade Religiosa e Direito de Consciência, seguida em 1991 pela dissolução da
União Soviética e sua transformação em quinze repúblicas independentes, colocou a
Igreja Ortodoxa Russa em uma situação tumultuada.

195
Antes de mais nada, ela se encontrou momentaneamente carente de quadros
porque, virtualmente do dia para a noite, mais de um terço dos cerca de sete mil
padres, bispos e seminaristas foram reincorporados em confissões antes suprimidas.
Nas repúblicas recém independentes, muitos voltaram para as igrejas Ortodoxas
reconstituídas ou Greco-Católicas, quase todas da Ucrânia Ocidental, ou ainda para as
Católicas Romanas de Bielorrússia.

Como resultado, o Patriarcado de Moscou, que havia presidido as igrejas


Ortodoxas de toda a URSS por várias décadas, como autoridade administrativa máxima,
teve sua hegemonia ameaçada. Ainda que a maior parte das comunidades Ortodoxas em
muitas das antigas repúblicas soviéticas tenham continuado a reconhecer o "Patriarca de
Moscou e de toda a Rússia", alguns movimentos pela autokephalia (i.e., a plena autonomia
eclesiástica), que procuram a sua independência do Patriarcado de Moscou, apareceram
na Estônia, Ucrânia, Bielorrússia e Moldávia, tornando-se cada vez mais fortes.

Dentro das fileiras da própria Igreja russa também irromperam diversas facções.
Alguns elementos do baixo clero têm acusado duramente membros da hierarquia de
"colaboração" com as agências de informação do antigo Estado comunista. Muitos
outros, no entanto, são bem abertos para o Ocidente. Ao cultivar contatos ecumênicos
com denominações não ortodoxas, eles vêm assumindo os riscos implicados quando
ultrapassaram os limites formais aceitáveis, definidos de forma cada vez mais estrita
pelo Patriarcado. [...]

A Igreja Russa é afiliada desde os anos 60, motivada em parte por uma postura
institucional compartilhada com o Conselho, em favor da paz mundial. E também porque
naquela época se tratava de um dos objetivos da política exterior soviética. Argumentou-
se que esse casamento de objetivos foi o "o preço" pago pela liderança [da Igreja] para
poder "exercer atividades verdadeiramente pastorais..." na ex-URSS. E poderia ser
acrescentado que foi o preço para ser parte atuante em organismos religiosos mundiais.

Desde inícios dos anos 90, o CMI vem mudando suas prioridades: cada vez mais,
assuntos do "Terceiro Mundo" dão lugar aos do "Primeiro Mundo", como por exemplo
ordenação de mulheres, casamento entre homossexuais e o uso de uma terminologia
não sexista na linguagem bíblica e litúrgica. Algumas Igrejas Ortodoxas, as mais
contrárias a estas posições "liberais" ameaçaram repetidas vezes romper suas ligações
com o Conselho e, finalmente, o fizeram. Em 1997 a Igreja Georgiana e a Búlgara foram
as primeiras a abandoná-lo. Os russos reagiram com um plano para reformas amplas.
No bojo destas reformas estava o fim da norma de maioria simples, que favorecia as
Igrejas Protestantes, e a proposta de adoção de um acordo de não-comprometimento
nas questões teológicas. Se as mudanças não se concretizarem em 2000 ou 2001, a
Igreja Ortodoxa Russa poderá ser compelida de fazer o mesmo: sair do Conselho.

O que está em jogo não são as questões teológicas somente, mas também
a tolerância religiosa e o pluralismo. A liberdade religiosa e de consciência na Rússia
foi restabelecida - para todos - por lei específica em 1990, como já foi dito. Com isso,

196
muitos Protestantes antes aliados às Igrejas russas e pertencentes ao Conselho,
abandonaram essa posição e se tonaram missionários engajados no "resgate de
suas próprias confissões" na Rússia pós-soviética. Passaram, portanto, a competir de
modo tão contundente que da perspectiva da Igreja Ortodoxa Russa eles têm apenas
"comprado almas" com seus cofres cheios, acusação igualmente lançada contra
os Católicos Romanos. Esta competição acirrada entre as igrejas desencadeou uma
verdadeira guerra pela conversão.

Neste contexto a executiva do CMI ficou parcialmente de mãos atadas. Por um


lado, ele conseguiu fazer prevalecer sua posição de que a Rússia já era cristã e não uma
"área para missões" junto a igrejas importantes, tais como as Luterana e Presbiteriana
- ainda que, após de sete décadas de ateísmo imposto pelo Estado, poucos russos
continuassem praticantes. Por outro lado, o CMI não teve sucesso com os chamados
fundamentalistas, atualmente o segmento pentecostal do Protestantismo que é aquele
que mais tem crescido em âmbito mundial. São eles que possuem os missionários mais
empreendedores, militantes e presentes em quase todas as repúblicas da antiga URSS.
No passado, os fundamentalistas, principalmente os pentecostais, haviam boicotado o
CMI. Mas, por mais de uma década, Genebra entabulou com eles um diálogo assíduo,
o que resultou na participação de vários de seus delegados nas Assembleias recentes.
Enfim, a busca institucional por parte do CMI - da universalidade que sempre reivindicou
e que procura manter - contribuiu em grande medida para desgastar as relações com a
Igreja Ortodoxa Russa. [...]

Agora vamos tratar das outras ligações transnacionais da Igreja Russa Ortodoxa
que considero "inadequadas". As comunidades Ortodoxas russas da Europa Ocidental e
dos Estados Unidos, poucas em número e pequenos em tamanho, simplesmente não
podiam levantar recursos de vulto, necessários para reconstruir a Ortodoxia na Rússia.
Além disso, estavam diametralmente opostas a muitas das atuais políticas da Igreja
russa. Primeiro, os três maiores seminários ortodoxos fora da Rússia – em Crestwood,
nas cercanias da cidade de Nova Iorque, Paris e Oxford – são teologicamente liberais,
ideologicamente ecumênicos e culturalmente assimilacionistas e pluralistas.

As obras de seus mais respeitados teólogos e pensadores não somente ainda


não estão disponíveis na maior parte dos seminários na Rússia, mas também são, por
alguns, vistos como heréticas. Em 1998 vários livros foram queimados publicamente,
sob as ordens do Bispo de Ekaterinemburgo, demitido um ano depois por razões não
inteiramente ligadas ao incidente.

Sob muitos aspectos estas comunidades "além fronteiras" (zarubezhnie) têm


muito mais em comum com o baixo clero e seus paroquianos liberais e ecumenistas
de Moscou e São Petersburgo da Igreja russa. Constituindo uma minoria tanto em
número como em posições dentro da Igreja russa, muitos deles eram ateus que foram
convertidos à Ortodoxia nas décadas de forte crescimento religioso de 1970 e 1980,
quando a fé era uma marca de oposição política. Mas o Patriarcado reagiu de modo

197
desconfiado tanto do financiamento estrangeiro desta facção (vindo particularmente
dos Católicos Romanos bem como dos Protestantes liberais europeus), quanto de suas
ideias e simpatias "ocidentais". Passou então a disciplinar sistematicamente alguns
desses padres, suspendeu outros das santas ordens e isolou de forma efetiva muitos
de seus intelectuais proeminentes.

A subordinação da Igreja Ortodoxa Russa ao comunismo durante a Guerra Fria


levou a que Igrejas-irmãs na Inglaterra e na França rompessem suas ligações com o
Patriarcado de Moscou e se "realinhassem" com o Patriarcado Ecumênico. Após o colapso
da União Soviética, este escutou com benevolência o apelo das Igrejas ortodoxas nos
Estados recém independentes da Estônia e da Ucrânia por uma completa autonomia
eclesiástica em relação à Igreja Russa. Criou com isso um grande mal-estar, que
ainda permanece, entre Moscou e Constantinopla. Qualquer influência que as Igrejas
Ortodoxas da Europa Ocidental pudessem vir a ter, foi diminuída, senão eclipsada.

Mais um importante problema deve ser analisado: a questão das finanças. Diante
das ligações "contraproducentes" e "inadequadas" estabelecidas fora do "Estado-Nação",
é preciso perguntar-se como a Igreja russa conseguiu reconstituir sua infraestrutura
física na última década. Atualmente só em Moscou ela abrange cerca de 404 edifícios,
nove vezes mais do que em 1988. Ou, como obteve os estimados trezentos milhões de
dólares para reconstruir Cristo Salvador, a catedral monumental que está rapidamente
se tornando símbolo nacional do triunfo da religião sobre o ateísmo? Projetada em 1813
pelo Czar Alexander I para comemorar a vitória da Rússia sobre Napoleão, o edifício
original foi demolido por Stalin em 1931, e suas fundações tornaram-se uma piscina
ao ar-livre na margem do Kremlin do Rio Moskva. Ou, finalmente, como pagou pelo
treinamento e salários que contribuíram para o eventual aumento de pessoal na função
eclesiástica - que passou de menos de 7.397 padres e diáconos em 1988 para 17.084 no
início de 1998?

Na ausência de fontes significativas de recursos externos, a Igreja Ortodoxa


russa fez dois acordos em casa: um com o Estado, outro com os chamados "Novos
Russos", a classe emergente capitalista de homens de negócio atentos a todo tipo
de oportunidade. O Estado ofereceu à Igreja concessões de taxas e restituição de
impostos, o direito excepcional de importar "ajuda humanitária" livre de tarifas, o
retorno de suas propriedades pré-revolucionárias (bastante reduzidas e quase sempre
restritas a edifícios religiosos necessitando reparos), e ainda subsídios limitados para a
restauração de igrejas.

Os "Novos Russos", sobretudo os banqueiros mais ricos, gerentes executivos


de companhias de petróleo e gás, o atuante Prefeito de Moscou e muitos financistas de
sucesso, fizeram doações generosas ao Patriarcado para restaurar algumas igrejas da
capital. E o que a Igreja Ortodoxa Russa oferece em troca?

198
Os críticos acusam-na de fazer vistas grossas à corrupção generalizada em
âmbito público e privado. Ou de apoiar escancaradamente as campanhas eleitorais e as
políticas do ex-Presidente Boris Yeltsin. E, finalmente, de, sem pudor, aproximar-se por
conveniência dos deputados comunistas para aprovar a nova lei de 1997 sobre religião.
Além disso, os mesmos críticos apontam para recentes escândalos financeiros envolvendo
líderes-chave da Igreja, abafados por esta e não processados pelas autoridades, para
reforçar seus argumentos de que a Igreja, mais uma vez, tornou-se a defensora cega e
subserviente do Estado - não da fé [...].

Mas o que pode ser dito sobre aggiornamento no mundo Ortodoxo? A este
respeito a Igreja russa pode se encontrar num impasse duplamente difícil. Antes de
mais nada, o mundo ortodoxo, enquanto uma comunidade global, tem ainda que fazer
um esforço coletivo para se "modernizar". Sendo uma igreja sinodal (aquela governada
por bispos), se acha doutrinariamente presa por um sistema no qual todas as decisões
sobre questões pertinentes à fé só podem ser tomadas por um concílio mundial. Ela
ainda permanece atada, sob muitos aspectos, aos cânones dos sete primeiros com-
cílios ecumênicos realizados entre 325 e 787 d.C.

A intenção de modernização certamente não está ausente. Os notáveis passos


dados pelo Patriarca Ecumênico para utilizar o prestígio da Ortodoxia para renovar a
educação teológica, promover ligações mais estreitas com Roma e Genebra, e proteger
o meio ambiente apontam para algumas das possíveis direções futuras. Mas tentativas
repetidas para unir todas as Igrejas-irmãs num concílio ecumênico mundial no início do
Terceiro Milênio Cristão não surtiram efeito.

As razões disso podem ser apenas delineadas aqui. Uma delas é a fraqueza
financeira e institucional de Constantinopla. Outra, é a prioridade que Igrejas do antigo
"bloco comunista" atribuíram à restauração das propriedades, da vida religiosa, bem como
das suas instituições. Outra, ainda, é a difundida resistência ideológica e a frequente
hostilidade aberta de muitas comunidades monásticas - de singular importância para
a espiritualidade Ortodoxa, e ainda a fonte primária de recrutamento de futuros bispos
- para a maior parte das mudanças. Finalmente, não se pode ignorar a rivalidade entre
os patriarcados de Constantinopla e Moscou, este último invocando frequentemente
sua posição como chefe da maior Igreja da Ortodoxia, numa aparente manobra para
aumentar sua influência no mundo Ortodoxo.

O outro impasse com que se defronta a Ortodoxia russa é que, na maior parte
dos últimos três séculos, ela não elaborou nenhum plano próprio de modernização em
que se apoiar. Pedro, o Grande, transformou impiedosamente a Igreja, bloqueando a
eleição de um Patriarca (desde 1700) e, em 1721 tornou o Santo Sínodo, até então o
corpo executivo principal da Igreja, num mero braço administrativo do governo. A maior
parte de seus sucessores seguiu o mesmo procedimento. Somente no século XX,
quando o último Czar abdicou e a Revolução Bolchevique estava a caminho, é que os

199
bispos da Igreja Ortodoxa russa se libertaram por um breve período do controle estatal.
Nem o restabelecimento vitorioso da função Patriarcal nem a restauração da autoridade
eclesiástica do Santo Sínodo mostraram-se duráveis: as diferenças internas na Igreja
irromperam e, logo após, seguiu-se a notória perseguição religiosa dos Bolcheviques.

De fato, a "união patriótica" de 1943 entre a Igreja e o Estado (por iniciativa da


Igreja Ortodoxa russa) não pôs fim a sua subjugação política. Tampouco, a concessão
de 1945 pelo estado de um espaço público menos limitado, em troca de o ativo esforço
da Igreja em favor da Pátria durante a guerra e o seu apoio além-fronteiras à política
externa Soviética. Para piorar, sob a administração de Nikita Krushchev, Secretário-
Geral do Partido Comunista, foram iniciadas, nas décadas de 50 e 60, campanhas
antirreligiosas especialmente destrutivas. Esta política não foi essencial- mente
alterada nem mesmo depois que o último sucessor do regime, Mikhail Gorbachov, líder
da glasnost, promoveu oficialmente, em 1988, a celebração do Milênio da Conversão dos
eslavos ao Cristianismo. Até mesmo a "eleição" em 1990 do quinto patriarca em tempos
modernos, Sua Santidade Aleksiy II, que preside atualmente a Igreja, é tida como evento
que foi manipulado, sofrendo a interferência direta do Estado.

Será que o colapso subsequente da União Soviética em 1991 e a inesperada


liberdade religiosa recém-conquistada colocaram à Igreja Ortodoxa russa mais próxima de
uma reforma? O agora histórico plano dos bispos de 1917 para reunir um "Concílio Geral" (ou
pomestniy sobor), a assembleia com maior autoridade da Igreja nacional e o único veículo
próprio para "modernizar" doutrina e prática, foi frustrado pela Revolução de Outubro.
Recentemente trazido à tona, ele precariamente responde às realidades correntes da Igreja
russa, como tampouco respondem as conclusões de concílios realizados neste século pelas
Igrejas-irmãs além-mar.

Desde 1991 a Igreja Ortodoxa russa teve que enfrentar a um número drasticamente
reduzido de fiéis após sete décadas de regime Soviético, escassez econômica sob a
nova Federação Russa e custosos conflitos entre facções internas. Talvez em virtude
de insolubilidade imediata destes problemas, é que os membros do atual Santo Sínodo
tenham decidido em julho de 1999 adiar indefinidamente a convocação, tão discutida e
ansiosamente esperada, de um Concílio Geral.

Como alternativa intermediária, uma comissão especial provisória do Patriarcado


de Moscou, autorizada pelos bispos em seu encontro de 1994, foi finalmente constituída
em 1997. Sua tarefa foi compilar as posições da Ortodoxia russa sobre Igreja, Estado e
sociedade. Especialistas de vários setores foram rapidamente recrutados para esboçar
documentos indicativos sobre uma variedade de temas. Mas o grosso dos trabalhos,
conduzido a portas fechadas, recaiu sobre um pequeno número de colaboradores,
escolhidos a dedo, pelo Arcebispo Kirill, o prestigiado Metropolitano de Smolensk e
Kaliningrado, membro permanente da direção do Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa russa
e diretor há decênios do poderoso Departamento de Relações Eclesiásticas Exteriores do
Patriarcado de Moscou.

200
Com 53 anos de idade, orador brilhante e já uma proeminente personalidade, tanto
na cena política nacional quanto no circuito religioso internacional, Kirill é invariavelmente
visto por amigos e desafetos como o "poder atrás do trono" e o "segundo homem de igreja
mais poderoso da Rússia". Muitos suspeitam que ele ambiciona o posto de Patriarca. Esta
é parcialmente a razão pela qual seus motivos e feitos têm sido quase sempre analisados
com grande cuidado pela imprensa, e provocam rumores tanto nos círculos políticos quanto
eclesiásticos. Apesar de tudo, com relação à "modernização" da Igreja russa, a estratégia
de Kirill parece ancorar-se em dois objetivos. O primeiro visa a neutralizar facções nas
disputas internas da Igreja. O setor ultranacionalista e xenófobo provou ser particularmente
causador de problemas. Na última década, este setor pressionou repetidamente o Patriarca
a atacar os progressistas, levando-o a silêncios constrangedores sobre determinadas
questões políticas e sociais, pelas quais os setores progressistas e moderados buscavam
desesperadamente, e sem sucesso, a aprovação da hierarquia.

O segundo objetivo de Kirill parece ter sido o de evitar a repetição da experiência


da Igreja Romana. Nas últimas três décadas ela vem sofrendo de agravadas divisões
internas decorrentes do Concílio Vaticano II. Para prevenir uma sorte similar em solo
russo, que um Concílio Geral da Igreja ortodoxa poderia precipitar, o arcebispo parece ter
preferido bancar uma "declaração de reforma" feita por esta comissão especial interna
por ele escolhida. De qualquer maneira, nenhuma data para reunir tal Concílio Geral
chegou sequer a ser proposta. Portanto, até que o documento final desta comissão
especial se torne público, o que provavelmente ocorrerá no encontro da conferência
trienal dos bispos (archiiereiskiy sobor), em agosto de 2000, e até que as reações a ele
possam seguir seu curso, a direção e o ritmo do aggiornamento da Igreja ortodoxa na
Rússia não devem mudar. [...]

FONTE: CAVA DELLA, R. Religiões transnacionais: a igreja católica romana no Brasil e a igreja ortodoxa na
Rússia. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 147-167, jun .2003. Disponível
em: https://www.redalyc.org/pdf/742/74230108.pdf. Acesso em: 10 set. 2021.

201
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O concílio do Vaticano II foi convocado para que a Igreja pudesse atender a questões
propostas pela modernidade. Ele abordou a relação com o catolicismo ortodoxo e
com os protestantes, além de implementar mudanças na liturgia da missa.

• O movimento carismático foi o avivamento no meio católico. Influenciado pelo


pentecostalismo, a RCC tem ampliado a participação de pessoas, e marcado presença
nos meios midiáticos.

• A doutrina social da Igreja foi o instrumento usado pelo catolicismo, para dar respostas as
questões sociais relacionadas às desigualdades, trazendo à tona a ênfase na caridade.

• A igreja ortodoxa não possuí uma centralidade. Cada região possui a ligação com um
patriarca que a lidera.

202
AUTOATIVIDADE
1 A Igreja católica ortodoxa surgiu no episódio conhecido como Cisma do Oriente,
ainda no século XI. Sem uma autoridade central, a Igreja ortodoxa se desenvolveu
de maneiras diferentes em diversos países, principalmente no Leste Europeu. Tendo
em vista o funcionamento da Igreja ortodoxa no século XX, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) A Igreja ortodoxa russa foi palco de diversas oposições do governo e, só veio


conseguir apoio do Estado, no período da II Guerra Mundial.
b) ( ) A igreja ortodoxa atuou na expansão do cristianismo, principalmente nas regiões
do Japão, Coréia e China. Ela investiu em criar lideranças locais, o que fortaleceu
as Igrejas nesses territórios.
c) ( ) A Igreja ortodoxa na Rússia lutou para que houvesse a unificação do patriarcado
com as demais Igrejas. Porém, tal ideia não foi aceita pelas igrejas da Grécia e dos
países africanos.
d) ( ) A maior parte das Igrejas ortodoxas na África, apesar de conflitos ideológicos,
acabaram fazendo parte do patriarcado da Grécia.

2 Os concílios fazem parte da vida da Igreja católica. Eles são responsáveis por tomarem
decisões sobre questões que afligem a Igreja. No século XX, o concílio do Vaticano
II abordou temáticas que transformaram muitas das práticas católicas. Sobre este
assunto, analise as sentenças a seguir:

I- O concílio do Vaticano II tornou obrigatório que a missa fosse celebrada na língua


local, acabando com toda a influência do Latim no culto.
II- O papel do leigo foi ressaltado como importante para o catolicismo e, por ser um
concílio ecumênico, foram convidados para participarem, lideranças protestantes e
ortodoxas, com direito a votarem.
III- O papa João XXIII se opôs ao uso da cultura como meio impositivo. Também criticou
o racismo e as diferenças sociais.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A Doutrina Social da Igreja passou por vários processos de aperfeiçoamento. Ela foi
consolidada principalmente após o concílio do Vaticano II. Sobre este tema, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

203
( ) A ênfase da doutrina social da Igreja estava no pobre, pois, segundo seu entendimento,
era necessário a Igreja atentar para a dignidade das pessoas que são à imagem e
semelhança de Deus.
( ) A encíclica Rerum novarum foi importante para a Igreja, pois se opôs ao socialismo
e a todas as formas de lutas da classe operária, sendo vista, portanto, como um
apoio ao liberalismo econômico.
( ) A DSI teve sua ênfase centrada na evangelização, sem levar m consideração as condições
de vida das pessoas, pois, o mais importante era estar em comunhão com a Igreja.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A Renovação Carismática foi profundamente marcada pela influência pentecostal.


Todavia, em seu desenvolvimento, ela buscou o afastamento dessa influência. Com
base no que foi estudado, explique com suas palavras, as principais diferenças entre
o pentecostalismo e a RCC:

5 A encíclica Rerum novarum foi responsável por orientar os passos da Igreja com
relação às questões sociais. Posteriormente, a doutrina social da Igreja foi sendo
formada, no intuito de dar respostas às questões sociais. Observando o que
foi estudado sobre essa temática, explique, com suas palavras, as principais
características da Doutrina Social da Igreja:

204
REFERÊNCIAS
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