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Gortiob Frece 0 PENSAMENTO. UMA INVESTIGACAO LOGICA Ci9a%) __ Mas 0 que € que chamamos de sentenga? A uma se- agliéncia de sons, contanto que tenha um sentido, o que nao signifi ca, porém, que toda seqiiéncia de sons com sentido seja uma sen- tenga, E quando dizemos que uma sentenga € verdadeira, nos refe- rimos propriamente a se seu sentido. Daf resulta que aquilo de que se deve indagar se é verdadeiro é o sentido da sentenga, O sentido de uma sentenca seré uma idéia? De qualquer modo, ser verdadeiro nilo reside na correspondéncia deste sentido com algo de distinto; senio a questo do ser verdadeiro se repetiria a0 infinito, Sem querer dar uma definig#o, chamo de pensamento a algo sobre 0 qual se pode perguntar pela verdade. Conto entre os pensamentos tanto o que é falso, quanto o que é verdadeiro,' Con- seqiientemente, posso dizer: o pensamento é © sentido de uma sentenga, sem querer com isto afirmar que 0 sentido de toda sen- tenga seja um pensamento. © pensamento, em si mesino impercep- tfvel pelos sentidos, veste-se com pagem percepttvel da sen- tenga, tornando-se assim para nds mais facilmente apreenstvel. Di- zemos que a sentenga expressa um pensamento. ( pensamento 6 algo de imperceptivel, e tudo que seja per- cepttvel pelos sentidos deve ser exclufdo do dominio daguilo a res- peito do qual cabe se perguntar se é verdadeiro. A verdade nio é uma propriedade que corresponde a um certo género de impressio sensorial, Assim, ela se distingue nitidamente das propriedades que denominamos com as palavras “vermelho”, “amargo”, “com cheiro de ils” " De forma andloga tem-se dito: “Um jufso 6 squilo que é ou verdadeiro, ou also”. De fato, emprego a palavra “pensamento” mais ou menos no sentido em ‘que *juizo” € usado nos livros de l6gica, Expero, no que se segue, que se compreenda a razio pela qual prefiro “pensainento". Tal definigio tem sido ‘riticada por pressupor uma divisto dos jufzos em yerdadeirs ¢ lalsos, divisio que, enlre todas as divisGes possivels dos jutzos, talvez seja a menos significatva, NEo vejo que seja um deftivo Iigico 0 fato de uma definigto ‘eavolver simultaneamente uma divisio. No que concemme « sua importtncia, nfo se pode menosprezé-la, pois a palavra “verdadeiro", como o disse, & 0 que assinala o objeto da logics A fim de realgar mais nitidamente o que chamo de pensa- mento, cumpre distinguir algumas espécies de sentengas*, Nao que- Temos negar um sentido a uma sentenga iimperativa; mas este senti- do ndio € daquele tipo passivel de snseitar a questiio da verdade, Por isto, nfo chamarei 0 sentido de uma sentengx imperativa de pen- samento, Da mesma maneira, éstio exctufdas as sentengas que ex- pressam desejo ou pedido. Sé serdo consideradas as sentengas me- innte as quais comunicamos ov declaramos algo. Mas, entre estas, no incluo as exclamagées que manifestam sentimentos, gemidos, suspiros, risos, a menos que estejam destinadas, por uma conven- lo especial, a comunicar algo. Mas o que dizer das sentengas in- terrogativas? Mediante uma interrogagao nominal (Worgfrage)* proferimos uma sentenga meorapleta, que s6 atinge um verdadeiro sentido quando completada por aquilo pelo que perguntamos. Por- tanto, tais interrogagSes nominais ficam aqui fora de consideragio. Com as sentengas interrogativas (Sutgfragen) € diferente. Espera- mos ouvir um “sim” ou um “no". A resposta “sim” diz a mesma coisa que uma sentenga assertiva, pois por seu intermédio o pen- samento, que jé estava inteiramente contido na sentenga interroga- tiva, € apresentado como verdadeiro. Assim, para cada sentenga as- sertiva pode-se formar uma sentenga interrogativa. Por essa raziio, uma exclamagto nfo pode ser considerada uma comunicaglo, jé “que nenhuma sentenga interrogativa correspondente pode ser for- / mada. Uma sentenga interrogativa uma sentenga assertiva contém so mesmo pensamento; mas a senfenga assertiva contém ainda algo ‘mais, a saber, a assergto. A sentenga interrogativa também contém algo mais, a saber, um pedido, Duas coisas, portanto, devern ser ‘distinguidas numa sentenga assertiva: 0 contetido, que ela tem em ‘comum com a sentenga interrogativa correspondente, € a assergao. O primeito ¢ o pensamento, ou pelo menos contém 0 pensamento. , pois, possfvel expressar um pensamento sem apresenté-lo como verdadeito. Numa sentenga assertiva ambos os aspectos esto de tal modo ligados que é fécit nfo atentar para a possibilidude de separi- los. Conseqtlenteitente, distinguimos: 1, a apreensio do pensamento - 0 pensar; 2. o reeonhevimento da verdade do pensamento - o julgar*; 3, a manifestagio deste jufzo - 0 asserir. ? Nao emprego, aqui, o fermo “sontenga” em sua acepglo gramatical, posto esta incluir também sentenges subordinadas, Une sentenga subordinada isolada nem ‘sempre term settico passfvel de suscitar& questdo ca verdad enquanto que & sentenga complexa, a qual ea pertesce, tem um tl sentido. Parece-me que alé pensamento e juizo, Talver a linguagem induza a isto, Na sentenga as- sertiva no temos nenhuma parte especial que cosrespond 0 assergio, sentio que 0 fato de asserir algo se encontra na propria forma da senten- G0 assertiva. Em alemdio, temos a vantagem de-que a sentenga principal ¢ a subordinada se distinguem pela ordem das palavras. Quanto a i850, deve-se observar que também uma sentenga subordinada pode conter uma assergio, & que ffeqiientemente nem a sentenga principal isoleda- mente nem a suberdinada isoladamente expressam um pensamento completo, mas somente a sentenga complexa, O primeiro ata realizado quando formamos uma sentenga interrogativa. Em eiéneia, um progresso usualmente se dé da se- {guinte maneira. De infcio, spreende-se um pensamento, que pode ser eventualmente expresso por uma sentenca interrogativa; a se- guir, apds as devidas investigagdes, este peasamento € reconiecido como verdadeiro. Expressamos 0 reconhecimento da verdade sob a forma de uma sentenga assertiva, Para isto, nfo precisamos da pa- Javra “verdadeiro”. B mesmo quando dela fazemos uso, a forga as~ ‘ertiva ndo se encontra propriamente nela, mas na forma da senten- a assertiva, ¢ quando esta perde sua forga assertiva, a palavra “verdadeiro” no poderd restitut-la. Tal é 0 que acontece quando nio se fala a sério, Assim como o troviio no teatro é apenas um trovao aparenté, ¢ tima Iuta no teatro € apenas uma lute aparente, assim também a assergiio no teairo € apenas wma assergdo aparente. E apenas representagio, poesia. © ator ao desempenhar seu papel nada assere; tampouco mente, mesmo.que diga algo de cuja falsi- dade esteja convencido. Na poesia temos pensamentos que se ex- pressam sem que, apesar da forga assertiva da sentenga, sejam postos como verdadeiros; e ainda com a solivitaglo para que 0 ou- vinte-o julgue favoravelmente, ‘Uma sentenga assertiva encerra freqtientemente, além do pensamento e da asseryilo, um tereeiro componente a0 gual no se aplica a assergfio. Com ele se pretende, nfo raramente, agir sobre os sentimentos, 0 estado de alma do ouvinte, ou estimular sua ima- ginaglo. Expresses como “infelizmente” ¢ “gragas a Deus” so desse tipo. Tais componenttes da sentenga sio mais frequentes na poesia, mas raramente esto ausentes da prosa. Ocorem com me- nos freqiiéncia em exposigdes matemséticas, fisicas ou quimicas do que em exposigdes hist6ricas. As chamadas ciéncias do espirito estfio mais préximas da poesia e stio por isso menos cientificas do que as ciéncias exatas, que sto tanto mais fridas quanto mais exa- tas forem; pois a ciéncia exata esti voltada para a verdade & so- mente para a verdade, Portanto, os camponentes da sentenga aos quais no se aplica a forga assertiva nfo perteneem A exposigio ci- entifica, mas muitas vezes estes componentes sto dificeis de serem evitados, até mesmo por aquele que percebe o perigo a eles vincu- lado. Quando se trata de sugerir 0 que nio pode ser apreendido pelo pensamento, esses componentes tém sua plena justificativa, juanto mais rigorosamente cientifica for uma exposigo, menos scernivel seré a naciomalidade de seu autor, e mais fécil sera tra- zi-la. Por outro lado; esses componentes da linguagem para os guero agui chamar a atenglio, fazem com que a tradugiio de poema seja muito dificil e que uma tradugao perfeita seja quase smpre impossfvel. Pois é precisamente nos componentes onde re- je om grande parte 0 valor postico, que as Iinguas mais se dife- iam, Nao faz nenhwmia diferengi, pata o pensamento, se uso a “cavalo”, “corel”, “ginete” ou “roelm”, A forga assertiva -incide sobre aguito em que estas palavras diferem, O que em ‘poema pode-ser chamado-devatmosfera, fragrincia, iluminagio ve 6 descrito-pela-cadénoiae pelo ritmo, nada disso pestence a0 io do ouvinte; por exemplo, destacur um componente ‘sentonga através da Gnfase.ou.da-ordem das pullavras. Pensemnos -palaveas como “winda’" ow ja". ‘Com y sentenga “Alfvedo ainda -2 sigot dizemos é “Alftedo nfo chegou” ¢ se in- seach ay epee 0 Ss No se © sentido da sentenga ep de Alfredo. A palavra ‘mss an ina agar seins Sopa canes pegs hos e seuundo 0 antecedente, st esperaya, Tals insinuagbes do dis- -ndo introduzem nenhuoa.difecenga no: pensamento. Pode-se nsformar ima sentenga: ao se mudaro verbo da vox ative para a ; passiva ¢ fazendo ao mesmo tempo do suijeito chjeto diveto,” ‘mesmo modo, ‘wansformar 0 objeto indireto em sujeito en Dati in den. ‘umwardei) pela substituigto simul eamente de “duc” por “reseber". Certamente, tais conversées jo silo irrélevantes sob-todos os aspectos; mas elas 180 afetam 0 to; @las nie atatn o.que é verdadeieo ou falso. Caso se que tais conversdes so de um. mode geral improceden- as, cattio se impediria toda investigasio I6giva mais reba, ‘Assia, © contedido de una sentenga niio raramente ulira- passa o pensamento por ela expresso. Mas, também o oposto acomtece com freqtiéncia, a saber: 0 mero emunciado verbal, aquilo que fica fixado no papel ou tio disco fonografico, nfo & suficiente para a expresso do pensartiento, O tempo presente do verbo é usa- do de dois modos distintos: primeiramente, para dar uma indicagio de tempo; em segundo lugar, para eliminar qualquer restrigiio tem- poral, quando a intemporalidade ou a eternidadle forem parte inte- grante do pensamento. Considere-se, por exemplo, as leis da ma- temética. Nelas, munca € dito qual dos dois casos acima ests em questtio; cumpre assim adivinbar. Se o tempo presente do verbo é empregado para fazer uma indicagio temporal, entdo € preciso sa- ber quando a sentenga foi proferida, para se apreender correta- mente 0 pensamento. Pois, o tempo em que ela foi proferida é tam- bém parte da expressiio do pensamento, Se alguém quiser dizer hoje © mesmo que expressou ontem usando a palavra “hoje”, teré ‘que substituir esta palavra por “ontem”, Embora o pensamento seja 0 mesmo, sua expresséio verbal tem que ser diferente, para que seja ‘compensada a mudanga do sentido que, de outro modo, ocorreria devido & diferenca de tempo do proferimento. Di-se o mesmo com palavras como “aqui” e “ali”. Em todos estes casos, 0 mero enun- ciado verbal, aquilo que pode ser fixado no papel, nfo é a expres- so completa da pensamento, Necessita-se, ainda, para a correta apreensdo do pensamento, do conhecimento de certas circunstanci- aS que acompanham o proferimento € que servem para expressar 0 pensamento. Isto pode incluir também a agfio de apontar com o dedo, gestos, olhares. O mesmo enunciado que encerre a palavra “eu” expressaré, quando proferide por diferentes pessoas, diferen- tes pensamenitos, alguns dos quais poderio ser verdadeiros, e ou- tros, falsos. @

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