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Ebook Completo 0912 FINAL
Ebook Completo 0912 FINAL
Vivências reais de
crianças e adolescentes
transgêneres dentro
do sistema educacional
brasileiro
Realização Apoio
Vivências reais de
crianças e adolescentes
transgêneres dentro
do sistema educacional
brasileiro
Curitiba
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ISBN 978-65-991261-6-1
21-88501 CDD-306.768092
Índices para catálogo sistemático:
1. Conceitos fundantes 7
1.1 Subjetividade, Sexualidade e Gênero 7
1.2 Glossário 9
1.3 Bullying 13
7. Apresentação 134
5
Prefácio
Em primeiro lugar, nossos mais prioritárias. Assim poderemos de fato
sinceros agradecimentos à UNESCO, proteger e proporcionar às pessoas
à Thamirys Nunes, ao professor Sérgio trans uma infância e adolescência
Junqueira, a toda equipe e às pessoas saudável e segura, como está
que se dispuseram a participar desta garantido no Estatuto da Criança e do
pesquisa tão inovadora e necessária. Adolescente: “Direitos Fundamentais
- Art. 7º A criança e o adolescente têm
Este é um trabalho científico, direito a proteção à vida e à saúde,
praticamente uma tese, feita a mediante a efetivação de políticas
várias mãos. Precisamos de muitos sociais públicas que permitam o
e muitos trabalhos como este. Esta nascimento e o desenvolvimento
pesquisa realizada por nós, do Grupo sadio e harmonioso, em condições
Dignidade, com o apoio da Aliança dignas de existência - 17 Lei nº 8.069,
Nacional LGBTI+ é o início de muitas de 13 de 1990”.
pesquisas que faremos. É somente
através da ciência, com trabalhos Numa visão geral, os dados e
como este, que conheceremos a depoimentos das 120 famílias de
verdade e a verdade nos libertará dos crianças e adolescentes trans que
preconceitos foscos e muitas vezes colaboraram com este trabalho
discriminatórios que ocorrem com as corroboram nossos 30 anos de
crianças e adolescentes trans. ativismo e militância LGBTI+,
mostrando nos retratos das realidades
Participamos em 2016 de um encontro vividas e vivenciadas a dificuldade
promovido na sede da UNESCO em da aceitação, o bullying na escola, o
Paris sobre bullying. Ao ler o presente isolamento social por ser diferente do
documento, lembramos da frase dita convencionalmente esperado.
na ocasião por uma mãe de uma
criança trans do Chile: “nenhuma Que esta pesquisa ajude a diminuir
pessoa trans nasce com 18 anos”. o estigma, o preconceito, a
Os resultados desta pesquisa sobre discriminação e a violência contra
crianças e adolescentes trans apontam as pessoas trans, para que de fato
nitidamente para a veracidade desta possam viver plenamente o espírito do
afirmação. Precisamos sensibilizar e artigo 1º da Declaração Universal dos
capacitar os/as profissionais da saúde, Direitos Humanos: “Todas as pessoas
principalmente da saúde mental, e nascem livres e iguais em dignidade
também da educação, como áreas e direitos” e para que se efetive o
6
Conceitos Fundantes
Gênero e sexualidade são conceitos Concomitante às pesquisas que
que causam frequentes confusões, tentavam compreender como os
assim como outras terminologias corpos sexuais funcionavam, estudos
que são utilizadas para essas conduzidos principalmente na
questões. Objetivando prover o amplo área da sociologia e antropologia,
esclarecimento desses conceitos, este demonstraram que a sexualidade era
capítulo foi dividido em três partes constantemente alvo de regulações
elucidatórias, fundamentais, sendo sociais, não tendo como início e fim
estas: conceitos sobre a subjetividade, a biologia, mas sim a historicidade,
sexualidade e gênero, glossário e a cultura e a sociedade, todas elas
definição do conceito de bullying. em constante interação e evolução
(BONATO, 2019).
1.1 Subjetividade, sexualidade e
gênero1 Os estudos conduzidos por Foucault
A sexualidade humana sempre (2015) trouxeram luz às tentativas
foi permeada por preconceitos e de regulação, imposição e disciplina
tabus, apesar de ser constitutiva dos corpos. Foi ele quem demonstrou
da subjetividade individual e social que a sexualidade é um dispositivo
(QUEVEDO, 2017). histórico regulado pelas sociedades
por meio de estratégias de saber e
A partir da década de 1950, a poder, como, por exemplo, por meio
sexualidade passou a ser estudada dos processos de análise, de políticas
com maior veemência e ‘curiosidade’ e intervenções sociais, que culminam
pelas ciências biológicas, tendo como na construção de ideias sobre normal/
precursores os estudos de Richard von anormal e certo/errado no que tange
Krafft Ebing, Alfred Kinsey, William ao comportamento e conduta sexual.
Howell Masters e Virgínia Eshelman Foi este mesmo autor quem afirmou
Johnson. Estes(a) pesquisadores(a) que a sexualidade não é um aspecto
tentavam compreender as condutas natural dos seres humanos, pautada
sexuais humanas, seus desvios, seu exclusivamente na biologia, mas sim
funcionamento e os prazeres oriundos uma categoria construída por meio de
do ato sexual. Entretanto, também experiências que relacionam aspectos
foram estes estudos, dentre outros, sócio-histórico-culturais.
que categorizaram o que era saudável,
usual e disfuncional na sexualidade Weeks (2016) e Louro (2016), ao
humana (BONATO, 2019). discorrerem sobre os estudos de
Foucault, dispõem que a sexualidade
1
Texto de Fernanda Bonato.
8
² Afirmo “uma suposta binariedade dos corpos” porque a sociedade atual invisibiliza pessoas
intersexuais, por exemplo, crendo que existem somente dois sexos cromossômicos e,
consequentemente, duas únicas formas de se posicionar na sociedade.
10
3
Texto elaborado por Nicolle Amboni Schio
14
4
Transcrito das Nações Unidas: https://www.unfe.org/wp-content/uploads/2017/05/Bullying-and-
Violence-PT.pdf
15
5
https://www.unicef.org/brazil/pacto-internacional-sobre-direitos-civis-e-politicos
6
https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca
27
7
https://www.unicef.org/brazil/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel
8
Organizado por Thamirys Nunes
29
Maior conforto corporal e pessoal; indivíduo trans optar por não fazer a
Vivências mais felizes, integradas transição social, sua transgeneridade
aos convívios familiares que as não deve ser questionada ou menos
acolhem; respeitada.
Maior conforto para interações
sociais; Ao longo da transição social (que
pode perdurar por dias, semanas,
Diminuição de violências causadas
meses ou anos) e em curto prazo de
pelo estranhamento social em relação
sua realização, a criança/adolescente
aos gostos, trejeitos e preferências;
trans não está isenta de ter vivências
Efeitos positivos na autoestima e de preconceito, críticas e bullying.
no desenvolvimento da autonomia. No entanto, em médio e longo
prazo, com o círculo familiar e social
Na transição social deve ser sempre adaptado às alterações realizadas e
respeitado o tempo da criança/ maior passibilidade social, a criança/
adolescente trans e permitido que adolescente trans tende a ter uma
se adéque apenas o que esta desejar, vivência mais acolhedora e respeitada.
não obrigando a alterar coisas que
não são incômodos para si, mas sim 3. Nome social
para a família/sociedade. Alterações/
É o nome pelo qual pessoas
adequações que podem compor a
transgêneres se reconhecem
transição social são:
e almejam ser socialmente
reconhecidos(as/es). Ele é assegurado
Nome social pelo Decreto n° 8.727 de 2016,
Mudança de pronomes apresentado anteriormente neste
Estilo de cabelo mesmo documento. Considerando
que o nome é uma característica
Vestimentas e acessórios
importante para todo e qualquer
Faixa peitoral (binder) indivíduo, o respeito ao nome social
Enchimentos ou próteses externas passa a ser inegociável.
de mamas
Ocultação genital (aquendar) - Cabe à criança/adolescente trans
recomendado a partir da adolescência escolher o seu nome social. Essa
escolha pode ser individualizada
Próteses penianas externas (packer)
ou em processo compartilhado
Depilação com familiares, mas jamais deve ser
Uso de banheiro de acordo com a imposto um nome social à criança/
identidade de gênero adolescente trans. Através do decreto
n° 9.278 de 2018, também já apontado
É importante ressaltar que a transição neste documento, o nome social
social é uma possibilidade e não tem pode ser incluído em documentos de
obrigatoriedade, portanto se um identificação como RG e CPF.
33
9
A menarca é o primeiro ciclo menstrual, ou primeiro sangramento menstrual, em pessoas
com vaginas.
34
Homossexual 4 Várias 1
6a9
salários mínimos
23 Questionado(as/es) sobre a idade
das suas crianças/adolescentes trans,
9 a 12
salários mínimos
8 as idades 8 anos, 11 anos, 13 anos,
15 anos e 16 anos foram as mais
12 a 15
17
salários mínimos apontadas pelos familiares.
Mais de 15
salários mínimos 15
Gráfico 5 - Quantos anos tem sua
criança/adolescente?
Gráfico 4 - Qual seu grau de escolaridade?
Mestrado/Doutorado 5 anos 4
Completo 10
Pós-graduação
Completa 26 6 anos 3
Pós-graduação
Incompleta
8 7 anos
6
Graduação
32
Completa 8 anos
13
Graduação 19
Incompleta
Ensino Médio
9 anos
8
Completo 15
10 anos
Ensino Médio 9
Incompleto 3
11 anos
Ensino Fundamental
2 13
Completo
Ensino Fundamental
Incompleto 4 12 anos
5
Analfabeto 1 13 anos
14
14 anos 10
6. Perfil das crianças e
adolescentes transgêneres 15 anos
14
A pesquisa obteve o perfil das crianças
e adolescentes transgêneres sob a
16 anos
13
perspectiva de seus responsáveis 17 anos
(mães, pais e tutores(as). No entanto,
8
como as famílias entrevistadas
apoiam, compreendem e respeitam
42
Latina
1 Sim 50
Asiática 1 Não 70
43
Sim, uso de
3
Pública - Estadual 32
maconha
Sim, uso de
2 Pública - Municipal 23
tabaco
45
Relatório Psicológico 8
Gráfico 20 - Você solicitou a inclusão do
nome social da sua criança/adolescente Declaração Médica 8
na escola?
Atestado médico 6
Sim 90 Apresentação de RG
4
com nome social
agressão emocional (aquela que não costas, etc) como a principal forma
é diretamente uma agressão física de bullying praticada contra crianças/
ou verbal, mas sim o descaso com adolescentes trans, seguidas de
a presença, ausência de interação, agressões verbais, físico-verbais e
ausência de convites para ocasiões ciberbullying:
sociais, olhares, cochichos pelas Gráfico 27 - Caso sua criança/adolescente
tenha sofrido bullying transfóbico na
Gráfico 26 - Quantos anos tinha a sua escola, por favor identifique. Se necessário,
criança/adolescente quando sofreu assinale mais de uma alternativa.
bullying transfóbico pela primeira vez? 90 respostas entre 120 entrevistados
94 respostas entre 120 entrevistados
Emocional (descaso,
ausência de interação, 79
2 anos 1 olhares, cochichos, etc)
Verbal 52
3 anos 5
Físico e verbal 19
4 anos 5 Ciberbullying 18
5 anos 7 Físico
3
Professor(a/e) 39
13 anos 10 Família de outro(a/e) 39
aluno(a/e)
Direção 16
16 anos 0
Coordenação 9
17 anos 1 Aluno(a/e) de outra 7
série e mais novo(a/e)
Psicólogo(a/e) escolar 6
49
1%
Não
23% Professor(a/e)
Sim
Direção
8% 56%
Parcial
Coordenação 98%
13%
Psicólogo(a/e) escolar
Professor(a/e)
Direção
Coordenação
Psicólogo(a/e) escolar
50
Relatos sobre os
conflitos existentes 19 Parcial, pois não se sente
querido/a/e e respeitado/a/e 3
8
Para mais, acessar FAVERO, S. R.; MACHADO, P. S. Diagnósticos benevolentes na infância: crianças
trans e a suposta necessidade de um tratamento precoce. Revista docência e cibercultura., v.
3, n. 1, p. 1-25, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/article/
view/40481. Acesso em: 05 set. 2021.
56
Louro (2016), em seu livro “O corpo Segundo Saadeh et al. (2018, p. 88):
educado: pedagogias da sexualidade”,
ensina, de maneira magnífica, como Geralmente, as crianças têm a sua
os gêneros são construídos e como identidade de gênero congruente
esse processo se desenvolve ao longo com seu sexo biológico, mas não
de toda a vida, inclusive na infância são todas que se identificam
e na adolescência10, mostrando que totalmente com as características
os corpos são educados por meio sexuais do seu nascimento. Aquelas
de disciplinas pedagógicas sociais, que não são congruentes relatam a
realizadas, inclusive, em ambientes incompatibilidade que sentem com
familiares e escolares. a genitália que nasceram: algumas
meninas percebem-se diferentes e
Por isso, quando se pensa em pessoas identificam-se e sentem-se como se
trans, pode-se pensar em corpos fossem meninos; e alguns garotos
dissidentes, que não concordam, concebem-se como garotas. Esse
não aceitam, questionam e não fenômeno retrata a vivência de uma
se identificam com o gênero com criança transgênero.
que foram designados(as/es) no
nascimento. São pessoas que Entretanto, importantíssimo ressaltar
escapam do padrão binário imposto que esta autopercepção não deve
pela sociedade por meio destas ser transitória, pelo contrário,
políticas pedagógicas de corpos traz um nível de angústia, um
(BUTLER, 2015). Assim, quando se comportamento verbal e/ou não
pensa em pessoas trans, deve-se verbal diante desta não identificação
incluir crianças e adolescentes que imposta e uma manutenção de tais
questionam estes padrões sociais, sentimentos, uma vez que na infância
que dizem que não se identificam e na adolescência “os conceitos
com aquilo que a sociedade espera iniciais sobre gêneros são bastante
delas(es), nem mesmo com as normas flexíveis e elas experimentam todas
10
Para mais informações sugiro o belíssimo artigo de Preciado (2013) intitulado “Quem defende
a criança queer?”. Nele, encontram-se inúmeras informações sobre pedagogia dos corpos e corpos
dissidentes são expostos, como esta passagem intensa que partilho nesta nota de rodapé: “Eles
defendem o poder de educar os filhos dentro da norma sexual e de gênero, como se fossem
supostamente heterossexuais. Eles desfilam para conservar o direito de discriminar, castigar e
corrigir qualquer forma de dissidência ou desvio, mas também para lembrar aos pais dos filhos
não heterossexuais que o seu dever é ter vergonha deles, rejeitá-los e corrigi-los. Nós defendemos
o direito das crianças a não serem educadas exclusivamente como força de trabalho e de
reprodução. Defendemos o direito das crianças e adolescentes a não serem considerados futuros
produtores de esperma e futuros úteros. Defendemos o direito das crianças e dos adolescentes
a serem subjetividades políticas que não se reduzem à identidade de gênero, sexo ou raça”
(PRECIADO, 2013, p. 99)
57
Exposto isso, os dados obtidos com Isso mostra que essas famílias
os pais, mães e responsáveis por participantes são de um recorte
crianças e adolescentes trans, assim da sociedade brasileira que, a
nomeados por eles(as), permitem princípio, poderiam oferecer
afirmar que a maioria destas informações que não comprovassem
famílias, prioritariamente, não são o comprometimento da questão
afetadas direta e negativamente identitária para a saúde mental,
por alguns dos condicionantes entretanto, não foi isso que as
sociais que poderiam prejudicar a entrevistas demonstraram.
saúde e saúde mental das crianças
59
Emocional (descaso,
Nesta pesquisa, 45,83% das famílias ausência de interação, 79
olhares, cochichos, etc)
participantes afirmaram que as
crianças e adolescentes, nomeadas
Verbal 52
pelos pais, mães e responsáveis como Físico e verbal 19
sendo trans, utilizam exclusivamente
banheiros conforme suas identidades Ciberbullying 18
de gênero, porém cerca de 49,16%
utilizam os banheiros conforme seu
Físico
3
sexo biológico e/ou banheiros para
pessoas com deficiência, banheiros Estes dados demonstram como
para professores(as). determinados ambientes podem
ser extremamente prejudiciais
Tais fatos mostram o quanto isso à saúde mental, uma vez que a
pode ser prejudicial às crianças ausência de um ambiente seguro
e adolescentes trans, isso porque e acolhedor prejudica o processo
elas(es) têm seus direitos negados, de desenvolvimento psíquico e de
principalmente no que tange à ensino-aprendizagem (GODOI e
dignidade da pessoa humana, além FREITAS, 2021).
de sofrerem preconceito e serem
cotidianamente discriminadas do dia Diante desta situação, percebe-se uma
a dia escolar. dificuldade de continuar os estudos,
o que ocasiona processos de expulsão
Dentre outros dados observados por escolar ou abandono educacional;
meio das entrevistas realizadas, no dificulta o processo de formação
que tange a condicionantes sociais profissional, a inclusão no mercado de
que podem comprometer a saúde trabalho, o acesso à moradia (devido
mental de crianças e adolescentes aos valores de locação e/ou ausência
trans e/ou com variabilidade de de casas de apoio a pessoas trans); e,
gênero, observam-se altos índices por fim, gera maior vulnerabilidade
de relatos de bullying em ambiente social e, consequentemente, elevados
64
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content/1/LAURETIS%2C%20 Dissertação (Mestrado em Ciências e
Teresa%20de%20-%20%20A%20 Tecnologias da Saúde) - Faculdade
Tecnologia%20do%20Genero.pdf. de Ceilândia, Universidade de Brasília,
Acesso em: 16 ago. 2021 Brasília, 2017.
risco de uso de álcool e outras drogas, que pressupõe uma maior abertura
piora em saúde física e mental, além de seus participantes a esse tema,
de maior risco de comportamentos podendo enviesar interpretações.
suicidas (National Center for Lesbian
Rights et al., 2019; Hidalgo; Chen, É importante estabelecer que
2019). um ambiente escolar tem a
responsabilidade, idealmente, de
Ser transgênere não caracteriza promover inclusão e segurança
um transtorno mental, mas a a qualquer estudante, inclusive
impossibilidade de se identificar e para crianças e adolescentes trans.
se expressar como tal pode acarretar Estudantes também não devem
desfechos como sintomas depressivos vivenciar situações de violência,
e ansiosos (Rafferty, 2018). humilhação e desrespeito à sua
identidade, praticadas por quem
Sendo assim, aspectos de variabilidade quer que seja (ASCD: Association
de gênero podem se expressar of Supervision and Curriculum
durante todo o desenvolvimento Development, 2016).
escolar, incluindo a pré-escola e o
Ensino Dundamental (Rafferty, 2018). Segundo relatório encomendado
e publicado pela Organização das
Com o objetivo de diminuir aspectos Nações Unidas para a Educação, a
de disforia de gênero, a realização Ciência e a Cultura (Unesco, 2016):
da transição social permite à criança
viver de forma consistente com Violência baseada na orientação
sua identidade de gênero. Para a sexual e na identidade/expressão de
maioria de jovens trans, tal transição gênero, também conhecida como
proporciona importante alívio, com violência homofóbica e transfóbica, é
repercussões positivas em aspectos uma forma de violência baseada em
sociais, emocionais e acadêmicos gênero relacionada à escola. Ela inclui
(National Center for Lesbian Rights et violência física, sexual e psicológica,
al., 2019). além do bullying e outras formas de
violência relacionadas à escola, e pode
3. A diversidade no ambiente ocorrer em salas de aula, parques e
escolar áreas de lazer, banheiros, vestiários,
Embora discussões sobre diversidade no caminho de ida ou volta da escola
no ambiente escolar estejam, cada e também online.
vez mais, ocupando novos espaços
de mídia, ainda são poucos os Ainda no ambiente da escola, alguns
estudos científicos que contemplem comportamentos são valorizados em
essa temática no cenário brasileiro. uma lógica organizacional sexista e
Ademais, vários desses estudos cis-heteronormativa. Dessa forma,
possuem metodologia qualitativa, o episódios de violência e discriminação
73
crianças e adolescentes trans, entre gênero e 30% não puderam fazer uso
oito e dezoito anos, indicou que o de roupas que representassem sua
estigma e a discriminação impactam expressão de gênero (Kosciw et al.,
em fatores sociais, físicos e mentais 2014).
(Nascimento et al., 2020).
Em outro estudo estadunidense,
Schumm, W. R. & Crawford D. W. contemplando cerca de 28.000
propuseram uma nova interpretação a crianças e adolescentes trans do
dados contraditórios e anteriormente ensino primário e secundário,
aceitos sobre a relação entre a também observam-se vivências de
aceitação familiar e a saúde mental discriminação de gênero: 54% dos
de jovens trans: mesmo quando estudantes trans já vivenciaram
apoiadas pelos pais, as crianças assédios verbais, 24% já sofreram
trans apresentaram pontuações violência física e 13% já sofreram
médias mais baixas em aspectos violência sexual. Dezessete por cento
de ansiedade e autovalorização. deixaram de frequentar a escola
Frequentemente, uma porcentagem devido a aspectos de discriminação e
significativamente maior de crianças transfobia (James et al., 2016).
trans, em comparação com os
controles cisgênero, apresentava níveis É importante entender quais são
pré-clínicos ou clínicos de ansiedade. as falhas existentes no sistema de
O apoio dos pais e responsáveis ensino em relação à diversidade de
a essas crianças pode reduzir gênero (Saleiro, 2017), mas também à
temporariamente prejuízos em saúde socioeconômica e étnico-racial. Uma
mental, mas não parece eliminar equipe escolar que busque informação
esses problemas completamente e conhecimento sobre questões de
(Schumm; Crawford, 2020). Infere- diversidade e valorize o respeito em
se, então, o quanto aspectos de relação a estudantes trans pode
discriminação vivenciados em outros proporcionar um ambiente escolar
ambientes continuam a influenciar mais inclusivo, seguro e com maior
em seu bem-estar emocional. sensação de pertencimento estudantil.
Por consequência, incentivam-se as
Uma pesquisa realizada pela Gay, potencialidades de todos os seus
Lesbian, & Straight Education Network estudantes, independentemente da
apontou que, em comparação com identidade de gênero de cada um
estudantes lésbicas, gays e bissexuais, (ASCD: Association of Supervision
estudantes trans enfrentaram os and Curriculum Development, 2016;
cenários mais hostis no ambiente National Center for Lesbian Rights et
escolar. Entre esses jovens trans, 42% al., 2019).
foram impedidos de usar seu nome
social, 60% foram forçados a utilizar Ainda, mesmo com as necessidades
banheiros ou vestiários que não eram individuais dos(as/es) estudantes
congruentes à sua identidade de transgêneres atendidas, deve-se
75
Aluno(a/e) de outra 23
série e mais velho(a/e)
Saímos da escola 3
Aluno(a/e) da mesma 23
série e de outra turma
Coordenação 9
Um estudo com 398 estudantes trans
Aluno(a/e) de outra 7 do Ensino Fundamental e Médio do
série e mais novo(a/e)
De acordo com a
sua identidade de
Gráfico 51 - Caso não, conte em breves gênero e os banheiros 3
palavras como foi a transição social de sua destinados aos
criança/adolescente, na rede de ensino professores(as) e
aos deficientes físicos
onde ela aconteceu
52 respostas entre 120 entrevistados
Problemática de
naturezas diversas
Em relação à programação didática
com toda a 33 e pedagógica, 87 participantes
comunidade escolar
relataram que questões sobre gênero e
Escola não estava
preparada/não 10 sexualidade nunca foram trabalhadas
buscou preparo
ou discutidas no ambiente escolar.
Dificuldade com
os colegas 5
Em aulas e ocasiões especiais
Dificuldade com
e comemorativas, 12,5% dos
4
as famílias
entrevistados relataram que a
identidade de gênero não é respeitada,
Em relação ao uso do banheiro, com imposição de papéis neutros ou
44,1% das famílias participantes incongruentes com a identificação.
desta pesquisa identificaram que Enquanto 71,6% referiram que a
sua criança/adolescente trans faz identidade dos filhos/as é totalmente
uso do banheiro de acordo com a respeitada, 15,9% ressaltaram que, por
sua identidade de gênero dentro das mais que a identidade fosse tolerada,
instituições de ensino em que estão fez-se necessário um posicionamento
vinculados(as), conforme evidencia o mais assertivo para que isso ocorresse.
Gráfico 52. Em congruência, em um estudo
estadunidense, cerca de 20% dos
Nesse contexto, a Resolução nº 12 estudantes que se identificaram
do Conselho Nacional de Combate como pertencentes a variabilidades
à Discriminação e Promoção dos sexuais e de gênero relataram ter sido
Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis impedidos de escrever sobre questões
e Transexuais (CNCD/LGBT) ressalta LGBT em anuários ou jornais escolares,
que não se pode proibir pessoas além de impedidos ou desencorajados
trans e travestis de usar banheiros de por treinadores e funcionários da
80
with quality of life. Paper extracted Relacionados a Saúde. 11. ed. Geneva,
from master’s thesis “Crianças e 2018.
adolescentes transgêneros brasileiros:
atributos associados a qualidade de RAFFERTY, J. Gender Identity
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84
1
Puerícia - período de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade;
infância.
87
- “hormonização”, “bloqueio puberal” Ainda que haja uma cultura vigente que
- que são termos específicos de não “autoriza” e nem reconhece essas
protocolos de tratamento do processo variabilidades, pessoas transgêneres,
de identificação das transgeneridades transexuais, gays, lésbicas, bisexuais,
- dentre outros termos, criando uma não binárias, intersexuais, dentre
atmosfera que retira outras ciências outras identidades e sexualidades,
humanas da discussão e inclusive existem, vivem, frequentam escolas,
se coloca como ciência puramente ambientes de trabalho, estão inseridas
biológica por muitas vezes. em círculos sociais, estão aqui, em
meio a todas as pessoas. Corpos que
Ora, se lidar com saúde orgânica e passam são aqueles que circulam
mental de pessoas não é também socialmente sem serem diretamente
uma ciência humana, talvez tenhamos rastreados em suas diferenças. E esse
uma confusão de ideias por princípio rastreio já tem aval na observação
e essa confusão precise ser sanada. e controle da infância, quando se
Inclusive a noção patologizante e corrige toda e qualquer demonstração
tecnicista sobre questões de gênero de comportamento que fuja dessa
vem historicamente de um aspecto coerência preestabelecida. (BUTLER,
desumanizado que a medicina 2013; CLARK, 2014)
foi adquirindo na sua evolução,
que por momentos esqueceu que É dever da medicina olhar para essas
tratava de gente e não de cadáveres. pessoas, compreender suas demandas
(GULGOZ,2019). de saúde orgânica e mental, obter
conhecimentos e ferramentas que
As variabilidades de gênero e auxiliem na manutenção dessa
sexualidade já foram catalogadas saúde. Também é dever da medicina
dentro do Manual Diagnóstico e sair do escopo mecanicista que trata
Estatístico de Transtornos Mentais a sexualidade e o gênero como algo
(DSM) por muitos anos como apenas relacionado à reprodução
distúrbios e patologias e não como humana, às infecções sexualmente
alteridades passíveis de existirem transmissíveis, à inferência de qual
(PELÚCIO & MISKOLCI, 2009; WINTER, corpo está ligado a qual sexualidade
2016). Há pouco tempo que essas e gênero pautado nos genitais,
dissidências começaram a transitar cromossomos e hormônios e a
mais intensamente dentro do espectro comportamentos protocolares de
que se estabelece como “aceitável” e, perfomance de gênero. Essa visão
na verdade, ainda estão periféricas ao determinista biológica se extrapolou
que se considera norma a ser seguida para os campos da pedagogia e foi
dentro da nossa sociedade (UNAIDS; englobada no discurso que tem como
DSM LIBRARY, 2014; PELÚCIO & tônica a repressão e o silêncio sobre a
MISKOLCI, 2009). sexualidade, a vigilância constante da
criança, o confinamento da infância
nas escolas em moldes específicos,
91
Psiquiatra (particular,
plano de saúde, ONG) 28
Gráfico 55 - Você percebeu uma mudança Endocrinologista (particular,
28
de humor positiva em sua criança/ plano de saúde, ONG)
Ginecologista 3
Parcial
6
Fonoaudiólogo 2
Não, foi
negativa 12
Nos dados coletados nesta pesquisa,
Da mesma forma, assim como observa-se que os números sobre
mencionado neste documento, 104 distúrbios de humor/aprendizado
famílias relataram que suas crianças/ são relativamente menores e a
adolescentes trans têm ou já tiveram partir disso é possível presumir os
alterações negativas de humor, em efeitos benéficos que o acolhimento
especial depressão e transtornos familiar e social podem gerar, uma
ansiosos em algum momento. É vez que se pressupõe que as crianças
preciso refletir, com bastante atenção, e adolescentes trans identificadas
sobre como o acolhimento é essencial nesta amostra possuem suas
para que as crianças e adolescentes identidades de gênero respeitadas
consigam coabitar e aproveitar e acolhidas, além de terem acesso a
espaços de convivência com pessoas acompanhamento multidisciplinar
cis de modo saudável, sem se sentirem envolvendo psicólogas(os/es),
ameaçadas. endocrinologistas, psiquiatras e/
96
20
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf> Acesso
em: 31.08.2021.
97
Descobriu através
Gráfico 58 - Sua criança/adolescente se
da aparição de 2 encaixa em qual estado nutricional?
hematomas
Peso e estatura
Poucas famílias relataram que houve adequados 91
algum tipo de comunicação da escola Sobrepeso/
sobre o bullying, o que nos levanta um Obesidade 24
importante alerta sobre como essas
Magreza/
observações em relação às violências Desnutrição 5
de gênero são de fato realizadas e
continuadas. Raça e renda já foram abordados
anteriormente. Observando o padrão
A prevalência de bullying nos nutricional da amostra desta pesquisa,
EUA é de 20% (STEPHENS, 2018), é revelado que a maioria das crianças e
condizente com a realidade brasileira adolescentes trans foram identificadas
que varia em torno dessa faixa de como de peso e estatura habituais e
porcentagem (SILVA, OLIVEIRA, 29 das 120, descritas com alterações
98
MARSHAL, A et al. Coping and Survival gov/28103750/. Acesso em: abr. 2017.
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of Transgender Students. Disponível RAFFERTY, Jason. COMMITTEE ON
em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih. PSYCHOSOCIAL ASPECTS OF CHILD
108
12
Para mais sobre isso, consultar: BRASIL, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Anais da
Conferência Nacional de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais – GLBT. Brasília, 2008.
Disponível em: <https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/546>
112
13
Para mais sobre isso, consultar: FAVERO, Sofia; MACHADO, Paula. Diagnósticos Benevolentes na
infância: crianças trans e a suposta necessidade de tratamento precoce. In.: Revista Docência e
Cibercultura, v. 3, n. 1, 2019. JESUS, Jaqueline. Crianças trans: memórias e desafios teóricos. In.: III
Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades. Salvador, 2013. ZANETTE, Jaime; FELIPE, Jane.
Dos enigmas da infância: quando a transexualidade tensiona os scripts de gênero. Trabalho de
Conclusão de Curso. (Especialização em Educação Infantil) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2016. VAZ, Flávio Marcos de Oliveira. Transgeneridade
infantil para além do binarismo: política pública de inclusão de crianças trans no Brasil. Salvador,
Editora Devires. (Saberes Trans), 2020. RODRIGUES, Alexsandro. (Org.). Crianças em Dissidências:
narrativas desobedientes da infância. Salvador, Editora Devires. (Saberes Trans), 2020. FAVERO,
Sofia. Crianças Trans: infâncias possíveis. Salvador, Editora Devires. (Saberes Trans), 2020.
14
Para mais sobre isso, ler: NUNES, Thamirys. Minha criança trans? Relato de uma mãe ao
descobrir que o amor não tem gênero. Autopublicação. 2020.
113
15
Para mais sobre isso, acessar: <https://www.conjur.com.br/2018-mar-01/stf-autoriza-trans-mudar-
nome-cirurgia-ou-decisao-judicial> Acesso em: 31 ago. 2021. É importante compreender que, no
caso das pessoas trans com menos de 18 anos, a única possibilidade de se realizar essa retificação
ainda é por meio de ação judicial.
114
16
A alteração dos registros escolares deve ser um processo respeitoso à dignidade da pessoa
humana, sem muitas complicações, uma vez que os documentos permanecem com os números
de registro.
17
As informações coletadas nesta pesquisa não pretendem aproximar-se do rigor acadêmico das
pesquisas científicas. Seu objetivo principal é promover a escuta das vivências educacionais de
famílias que reconhecem ter uma crianças/adolescente trans.
115
18
Para mais sobre isso, acessar: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-08/
ministerio-da-educacao-cria-programa-educacao-e-familia> Acesso em: 10 set. 2021. Entretanto,
em relação à concepção de família adotada pelo MEC, fica o questionamento se insere ou não
núcleos familiares com crianças e adolescentes dissidentes das normas de gênero.
116
19
No ano de 2010, o Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual – NGDS, da Secretaria de Estado da
Educação do Paraná – SEED que atuava na implementação da política púbica educacional de gênero
na Rede Pública Estadual de Educação Básica do Paraná, redigiu orientação pedagógica n° 01/2010
DEDI/SEED, recomendando, além do uso do nome social, a utilização dos banheiros escolares de
acordo com a identidade de gênero. É interessante notar que, mesmo após 11 anos, a questão do
banheiro ainda permanece como um complicador na escolarização formal das pessoas trans. Para
saber mais, acessar:
<https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-12/
orientacaopedagogica0012010.pdf>
117
Total, piorou o
20
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf> Acesso
em: 31 ago. 2021.
121
à transfobia escolar.
No tocante às reações da comunidade
Outra questão diretamente escolar à presença das/os/es
relacionada ao rendimento escolar e estudantes trans e de suas respectivas
à socialização consiste na frequência famílias na escola, 86 núcleos
escolar. A esse respeito, de acordo familiares relatam que já sofreram
com 86 relatos das famílias, depois algum tipo de retaliação ou rejeição
da transição houve manutenção ou por parte da comunidade escolar,
melhora na frequência anterior, sendo sendo que em 29 narrativas aparecem
que a manutenção é observada em 56 como responsáveis por essas atitudes
relatos. É possível depreender disso as famílias de outras/os/es estudantes.
que a frequência escolar se relaciona Já em 21 desses casos, a direção da
122
e adolescentes trans, bem como suas forma como a escola acolhe, reconhece
famílias merecem. e valoriza as experiências, a cultura e
a prática, ou seja, a forma como as/
A aceitação produz, não raras vezes, os/es outras/os/es sujeitas/os/es se
a tolerância que apesar de ser um colocam no mundo e dialogam com
conceito amplamente utilizado as normas de gênero tanto quanto
inclusive na legislação educacional, as formas normativas de se colocar
como na Lei de Diretrizes e Bases no mundo em relação ao gênero.
da Educação Nacional – LDBEN n° (Hannah ARENDT, 1987) Isto significa
9394/96, além de não ser capaz de entender e considerar legítimas todas
fazer o enfrentamento à transfobia as formas de se colocar no mundo,
escolar, ainda produz uma relação nesse contexto. Assim, as experiências
de hierarquia nas práticas sociais. Isto trans passariam a ser tão valorizadas
se materializa quando presenciamos quanto as cis.
apenas pessoas cisgêneras, entendidas
aqui como aquelas que fabricam seus É interessante notarmos que mesmo
corpos e subjetividades na direção do as escolas que acolhem as famílias e
gênero designado compulsoriamente suas crianças ou adolescentes trans
ao nascimento (Jaqueline JESUS, não conseguem se movimentar
2012), tolerando pessoas trans; pessoas pela alteridade. Talvez isso se deva
heterossexuais tolerando lésbicas; às dificuldades que a instituição
pessoas brancas tolerando pessoas escolar tem de se distanciar das
negras ou indígenas. (SILVA, 2007) normatizações, regulações, controles
Portanto, a aceitação e a tolerância são e vigilâncias das diferenças. Um
conceitos dos quais precisamos nos movimento pela alteridade precisa
distanciar quando o que precisamos deste deslocamento para se efetivar.
é que a escola acolha, reconheça, Ou seja, precisa se distanciar da
valorize as pluralidades e fomente normatividade e da atuação exclusiva
as potencialidades, promovendo os para a valorização do padrão em
direitos dessas/es estudantes e de suas termos de gênero.
famílias de se sentirem pertencentes
à comunidade escolar. Podemos nos No que tange ao trabalho com gênero
distanciar da aceitação, da tolerância e educação afetiva nas escolas,
e nos movimentar pela alteridade. A 91 famílias afirmam que a escola
alteridade, em linhas gerais, se refere à nunca trabalhou essas questões. Em
21
Transfobia se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas trans; lesbofobia se refere ao
preconceito e à discriminação de lésbicas; homofobia se refere ao preconceito e à discriminação de
gays; bifobia se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas bissexuais; racismo se refere ao
preconceito e à discriminação de pessoas negras e indígenas em detrimento das pessoas brancas;
machismo se refere ao preconceito e à discriminação das mulheres e de outras representações
de feminilidades; xenofobia se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas migrantes e
refugiadas; capacitismo se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas com deficiência;
preconceito geracional se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas por sua idade e a
intolerância religiosa se refere ao preconceito e à discriminação devido a uma crença diferente da
cristã, como acontece, por exemplo, com as religiões de matriz africana.
124
Recomendações e considerações
CONSIDERANDO que a legislação gênero são congruentes com os valores
nacional ampara o entendimento universais da contemporaneidade
de que estudantes menores de democrática, e que o Brasil é
18 (dezoito) anos são portadores signatário desses valores em razão do
de direitos, e que a evasão escolar compromisso nacional e da assinatura
constitui grave atentado contra o em diversos acordos internacionais de
direito à educação; direitos humanos;
Proporcionar oportunidades de
emprego a profissionais LGBTI+ nas
instituições de ensino, com respeito à
livre manifestação de sua orientação
sexual e identidade de gênero, sem
constrangimentos e discriminações,
garantia de uso de nome social e
banheiro de acordo;
Apresentação
Os Direitos Humanos são inerentes - somada à condição de gênero
a todos pela sua condição de trans -, vivenciam um alto teor de
humanidade e estão presentes em vulnerabilidade.
diversos instrumentos internacionais.
Entretanto, alguns grupos que são Dentre as maiores dificuldades para
mais vulneráveis recebem proteção uma proteção efetiva das crianças
especial em normas específicas. Este e adolescentes trans, está a falta de
é o caso das crianças e adolescentes. dados quanto as suas existências e o
entendimento efetivo de como seus
O Estatuto da Criança e do Adolescente direitos são violados. A invisibilidade
(ECA) traz como um de seus princípios das crianças e adolescentes trans
fundamentais a aplicação do melhor acarreta na exclusão desse tema em
interesse da criança e do adolescente debates nos campos normativos e
garantindo a estes sua sobrevivência políticos, resultando na não existência
e desenvolvimento na sociedade, de políticas públicas que visem a sua
livre de qualquer discriminação. proteção e, infelizmente, o ambiente
Ainda reconhece que cabe à família, educacional brasileiro não está
sociedade e ao Estado garantir às isento desta lacuna que fomenta a
crianças e adolescentes que seus violação dos direitos das crianças e
direitos não sejam violados e que adolescentes trans.
tenham seu desenvolvimento integral.
Diante desse contexto - de não
Assumindo que as crianças e reconhecimento da existência das
adolescentes são indivíduos de crianças e adolescentes trans -
direitos e que necessitam de proteção quando os profissionais da educação
e acolhimento, voltemos o nosso olhar se deparam com a presença desta
para um recorte dessa população, as comunidade dentro do sistema
crianças e adolescentes transgêneres. educacional brasileiro, a ausência de
conhecimento prévio e normativas
Se inegáveis são as dificuldades reguladoras dificulta para que
encontradas por pessoas adultas trans a estrutura educacional e seus
para o livre exercício de seus direitos, profissionais protejam o melhor
ainda maiores são as dificuldades interesse das crianças e adolescentes
enfrentadas pelas crianças e transgêneres, contribuindo, assim,
adolescentes transgêneres, que, por para que situações de exclusão,
conta da fase em que se encontram assédios, bullying sejam uma triste
135
Equipe do Projeto
A composição da equipe do projeto foi construída em três eixos, sendo a Equipe
de Fundamento, Equipe Multidisciplinar e Convidados.
Thamirys Nunes:
Mãe de uma criança trans de 6 anos • Assistente: ofereceu suporte para
de idade, autora do livro: “Minha toda a equipe, bem como interagiu
Criança Trans? - Relato de uma mãe com as famílias participantes.
ao descobrir que o amor não tem
gênero.” Cursou Comunicação Social Thais Ferreira de Assis:
- ênfase em Relações Públicas e é Mãe de uma criança trans de 8 anos
estudiosa das questões de que regem de idade, odontóloga, estudiosa
o entendimento da diversidade, em da temática de diversidade sexual.
especial a questão trans infantojuvenil. Em 2020 cursou “Diversidade
Através de seu ativismo, busca a Sexual e de Gênero: Abordagem
visibilidade, políticas públicas e os Sociopsicodramática” no Instituto
direitos das crianças e adolescentes Sedes Sapientiae; “VII Curso de
LGBTI+. É Coordenadora Nacional Atualização em Sexualidade,
da Área de Proteção e Acolhimento Identidade de Gênero e Orientação
a Crianças, Adolescentes e Famílias Sexual”, do Instituto de Psiquiatria
LGBTI+, na Aliança Nacional LGBTI+, do HC/SP, participou do Grupo de
onde realiza o acolhimento e orientação Estudos sobre Infâncias Trans, do
de famílias de crianças e adolescentes NUPSEX/UFRS e do 1°Congresso on-
trans de todo o Brasil. Eleita Vice- line de corpes e Subjetividade Trans,
Presidente da Associação Brasileira da Fundação Cultural Monsenhor
de Famílias Homotransafetivas Chaves. Atualmente realiza o 1° Curso
(ABRAFH), com mais de 2 mil famílias Saúde LGBTQIA+ - Práticas de cuidado
vinculadas. Responsável pela página transdisciplinar do Instituto Saúde e
@minhacriancatrans no Instagram, Diversidade.
140
ISBN: 978-65-991261-6-1