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pesquisa sobre

Vivências reais de
crianças e adolescentes
transgêneres dentro
do sistema educacional
brasileiro

Realização Apoio

Coordenação Nacional da Área de


Proteção e Acolhimento a Crianças,
Adolescentes e Famílias LGBTI+
pesquisa sobre

Vivências reais de
crianças e adolescentes
transgêneres dentro
do sistema educacional
brasileiro

Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito do projeto


257GLO1043.4.1, que tem o objetivo de eliminar todas as formas de
discriminações relativas ao HIV.

As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste


livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da
UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território,
cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação
de suas fronteiras ou limites. As ideias e opiniões expressas nesta
publicação são as dos autores e não refletem obrigatoriamente as da
UNESCO nem comprometem a Organização.

Curitiba
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ensaio sobre vivências reais de crianças e


adolescentes transgêneres dentro do sistema
educacional brasileiro [livro eletrônico] /
organização Thamirys Nunes. -- Curitiba, PR :
IBDSEX, 2021.
PDF

ISBN 978-65-991261-6-1

1. Crianças e adolescentes - Bem-estar 2. Educação


3. Ensaios brasileiros - Coletâneas 4. Identidade de
gênero 5. Pessoas transgênero - Identidade I. Nunes,
Thamirys.

21-88501 CDD-306.768092
Índices para catálogo sistemático:

1. Pessoas transgênero : Relatos pessoais 306.768092

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


Sumário
Prefácio 5

1. Conceitos fundantes 7
1.1 Subjetividade, Sexualidade e Gênero 7
1.2 Glossário 9
1.3 Bullying 13

2. Por uma proteção integral à criança e ao adolescente trans 16


no Brasil
2.1 Fundamentos jurídicos 28

3. Protocolos possíveis para crianças e adolescentes 31


transgêneres

4. Vivências reais das crianças e adolescentes transgêneres 35


dentro do sistema educacional brasileiro

5. Leitura multidisciplinar a partir das vivências das crianças 51


e adolescentes transgêneres

5.1 Aspectos emocionais envolvendo crianças e 52


adolescentes trans: uma análise a partir das entrevistas
realizadas pela Coordenação de Proteção e Acolhimento
a Crianças, Adolescentes e Famílias LGBTI+

5.2 Variabilidade de gênero no ambiente escolar: 70


aspectos de discriminação e saúde mental

5.3 Crescer nunca foi fácil – Um ensaio sobre o olhar 86


da pediatria para além da medicina a respeito do
processo de formação da identidade na infância e
na adolescência e como a identidade de gênero e o
ambiente escolar influenciam nessa construção

5.4 Da escola como “espaço de terror” à escola como 110


espaço-tempo acolhedor e livre de transfobia

6. Recomendações e considerações 130

7. Apresentação 134
5

Prefácio
Em primeiro lugar, nossos mais prioritárias. Assim poderemos de fato
sinceros agradecimentos à UNESCO, proteger e proporcionar às pessoas
à Thamirys Nunes, ao professor Sérgio trans uma infância e adolescência
Junqueira, a toda equipe e às pessoas saudável e segura, como está
que se dispuseram a participar desta garantido no Estatuto da Criança e do
pesquisa tão inovadora e necessária. Adolescente: “Direitos Fundamentais
- Art. 7º A criança e o adolescente têm
Este é um trabalho científico, direito a proteção à vida e à saúde,
praticamente uma tese, feita a mediante a efetivação de políticas
várias mãos. Precisamos de muitos sociais públicas que permitam o
e muitos trabalhos como este. Esta nascimento e o desenvolvimento
pesquisa realizada por nós, do Grupo sadio e harmonioso, em condições
Dignidade, com o apoio da Aliança dignas de existência - 17 Lei nº 8.069,
Nacional LGBTI+ é o início de muitas de 13 de 1990”.
pesquisas que faremos. É somente
através da ciência, com trabalhos Numa visão geral, os dados e
como este, que conheceremos a depoimentos das 120 famílias de
verdade e a verdade nos libertará dos crianças e adolescentes trans que
preconceitos foscos e muitas vezes colaboraram com este trabalho
discriminatórios que ocorrem com as corroboram nossos 30 anos de
crianças e adolescentes trans. ativismo e militância LGBTI+,
mostrando nos retratos das realidades
Participamos em 2016 de um encontro vividas e vivenciadas a dificuldade
promovido na sede da UNESCO em da aceitação, o bullying na escola, o
Paris sobre bullying. Ao ler o presente isolamento social por ser diferente do
documento, lembramos da frase dita convencionalmente esperado.
na ocasião por uma mãe de uma
criança trans do Chile: “nenhuma Que esta pesquisa ajude a diminuir
pessoa trans nasce com 18 anos”. o estigma, o preconceito, a
Os resultados desta pesquisa sobre discriminação e a violência contra
crianças e adolescentes trans apontam as pessoas trans, para que de fato
nitidamente para a veracidade desta possam viver plenamente o espírito do
afirmação. Precisamos sensibilizar e artigo 1º da Declaração Universal dos
capacitar os/as profissionais da saúde, Direitos Humanos: “Todas as pessoas
principalmente da saúde mental, e nascem livres e iguais em dignidade
também da educação, como áreas e direitos” e para que se efetive o
6

artigo 5º da Constituição Federal em


relação às pessoas trans: “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza”.

Toni Reis Rafaelly Wiest


Homem gay cis Mulher trans

• Diretor-executivo do Grupo • Diretora Administrativa da Aliança


Dignidade Nacional LGBTI+
• Diretor-presidente da Aliança • Diretora Financeira da
Nacional LGBTI+ Associação Brasileira de Famílias
Homotransafetivas
• Presidente da Associação Brasileira
de Famílias Homotransafetivas
• Doutor em Educação
7

Conceitos Fundantes
Gênero e sexualidade são conceitos Concomitante às pesquisas que
que causam frequentes confusões, tentavam compreender como os
assim como outras terminologias corpos sexuais funcionavam, estudos
que são utilizadas para essas conduzidos principalmente na
questões. Objetivando prover o amplo área da sociologia e antropologia,
esclarecimento desses conceitos, este demonstraram que a sexualidade era
capítulo foi dividido em três partes constantemente alvo de regulações
elucidatórias, fundamentais, sendo sociais, não tendo como início e fim
estas: conceitos sobre a subjetividade, a biologia, mas sim a historicidade,
sexualidade e gênero, glossário e a cultura e a sociedade, todas elas
definição do conceito de bullying. em constante interação e evolução
(BONATO, 2019).
1.1 Subjetividade, sexualidade e
gênero1 Os estudos conduzidos por Foucault
A sexualidade humana sempre (2015) trouxeram luz às tentativas
foi permeada por preconceitos e de regulação, imposição e disciplina
tabus, apesar de ser constitutiva dos corpos. Foi ele quem demonstrou
da subjetividade individual e social que a sexualidade é um dispositivo
(QUEVEDO, 2017). histórico regulado pelas sociedades
por meio de estratégias de saber e
A partir da década de 1950, a poder, como, por exemplo, por meio
sexualidade passou a ser estudada dos processos de análise, de políticas
com maior veemência e ‘curiosidade’ e intervenções sociais, que culminam
pelas ciências biológicas, tendo como na construção de ideias sobre normal/
precursores os estudos de Richard von anormal e certo/errado no que tange
Krafft Ebing, Alfred Kinsey, William ao comportamento e conduta sexual.
Howell Masters e Virgínia Eshelman Foi este mesmo autor quem afirmou
Johnson. Estes(a) pesquisadores(a) que a sexualidade não é um aspecto
tentavam compreender as condutas natural dos seres humanos, pautada
sexuais humanas, seus desvios, seu exclusivamente na biologia, mas sim
funcionamento e os prazeres oriundos uma categoria construída por meio de
do ato sexual. Entretanto, também experiências que relacionam aspectos
foram estes estudos, dentre outros, sócio-histórico-culturais.
que categorizaram o que era saudável,
usual e disfuncional na sexualidade Weeks (2016) e Louro (2016), ao
humana (BONATO, 2019). discorrerem sobre os estudos de
Foucault, dispõem que a sexualidade

1
Texto de Fernanda Bonato.
8

deveria ser pensada a partir de um cromossômicas, físicas e performativas


ponto de vista histórico, social, cultural, que o gênero assume. Supor que
permeado e inter-relacionado com gênero sempre e exclusivamente
questões de poder. Por certo, trazer significa as matrizes “masculino” e
luz para o fato de que a sexualidade “feminina” é perder de vista o ponto
é uma construção sócio-histórica- crítico de que essa produção coerente
cultural possibilitou pensar a e binária é contingente, que ela teve
sexualidade para além da biologia, e, um custo, e que as permutações de
consequentemente, dissociar sexo de gênero que não se encaixam nesse
gênero. binarismo são tanto parte do gênero
quanto seu exemplo mais normativo.
Isso significa dizer que, se (...) Gênero é o mecanismo pelo qual
anteriormente pensava-se em uma as noções de masculino e feminino
lógica social de que o sexo biológico são produzidas e naturalizadas, mas
(macho ou fêmea) determinava gênero pode muito bem ser o aparato
uma única via de desejo sexual através do qual esses termos podem ser
(heterossexual) e duas únicas desconstruídos e desnaturalizados. (...)
possibilidades de comportamento Manter o termo “gênero” em separado
social (masculino ou feminino), de masculinidade e feminilidade
passa-se a pensar na possibilidade é salvaguardar uma perspectiva
de variações de ser e amar (BORRILO, teórica que permite analisar como
2016), principalmente a partir das o binarismo masculino e feminino
reflexões advindas dos debates sobre esgotou o campo semântico de
o conceito de gênero. gênero. Quer estejamos nos referindo
à “confusão de gênero”, “mistura
Uma das principais autoras que de gêneros”, “transgêneros” ou
fomenta as discussões e reflexões “crossgêneros”, já estamos sugerindo
sobre este tema é Judith Butler. que gênero se move além do
binarismo naturalizado. A assimilação
Os estudos de Foucault foram base entre gênero e masculino/feminina,
para as construções teóricas de homem/mulher, macho/fêmea, atua
Butler, que afirma que gênero é assim para manter a naturalização
uma construção histórica e social, a que a noção de gênero pretende
qual faz intersecções com questões contestar.
relacionadas a etnia, classe, cultura,
raça e política (BUTLER, 2016). Butler (2015) questiona uma lógica
social que tende a impor papéis sociais
Para Butler (2015, p. 253-254): chamados masculinos e femininos a
machos e fêmeas, afirmando, ainda,
Gênero é o aparato pelo qual a produção que tais papéis são construções
e a normalização do masculino e do sociais elaboradas e mantidas por
feminino se manifestam junto com determinadas culturas e sociedades,
as formas intersticiais, hormonais, em um período histórico específico,
9

que naturalizam o que é ser homem (Guedes, 1995), ou então “uma


e ser mulher a partir de uma ideia de categoria social imposta sobre um
binaridade dos corpos². corpo sexuado”. (Gates, citada por
Scott, 1995)
Butler (2015) também afirma que
tais imposições são feitas por meio O gênero diz respeito aos
de uma performatividade, que tem comportamentos, pensamentos e
como pressuposto a repetição social características esperadas socialmente
de determinados comportamentos, de acordo com um determinado
por meio de processos educacionais, sexo biológico (mulher - feminino -
realizados, principalmente, por feminilidade; e homem - masculino -
instituições familiares e educacionais masculinidade). Ou seja, corresponde
que tendem a atribuir papéis com o que a sociedade espera de
femininos e masculinos aos corpos uma mulher com vulva e de um
sexuados. homem com pênis). Por isso que
é compreendido como feminino e
masculino.
1.2 Glossário
1.2.1 - Sexo É imprescindível esclarecer que o
No senso comum, o sexo é atribuído gênero ou papel de gênero está
ao nascimento, de acordo com vinculado a construções sociais e não
características fisiológicas observadas. a características naturais.
O aspecto principal que orienta essa
definição é a presença do órgão 1.2.3 - Identidade de gênero
sexual (vulva ou pênis). No entanto A identidade de gênero é a maneira
é importante ressaltar que o sexo como a pessoa se sente, entende e
biológico ou sexo designado ao percebe, assim como a forma com que
nascimento também é composto deseja ser reconhecida e respeitada
pelos hormônios e cromossomos que pela sociedade. Todas as pessoas
carregamos (XY e XX). possuem identidade de gênero.

O indivíduo que nasce com vulva é A identidade de gênero impacta


designado como fêmea, enquanto diretamente na vida de uma pessoa,
aquele que nasce com pênis, como uma vez em que políticas públicas,
macho. Há também aquele que acesso a saúde, oportunidades de
nasce com genitália ambígua e é emprego, etc. são muitas vezes
compreendido(a/e) como intersexo. determinados pela identidade de
gênero.
1.2.2 - Gênero
Trata-se de “uma forma de entender, Segundo a Comissão de Direitos
visualizar e referir-se à organização Humanos de Nova York, existem
social da relação entre os sexos.” 31 identidades de gênero. As
mais conhecidas socialmente são:

² Afirmo “uma suposta binariedade dos corpos” porque a sociedade atual invisibiliza pessoas
intersexuais, por exemplo, crendo que existem somente dois sexos cromossômicos e,
consequentemente, duas únicas formas de se posicionar na sociedade.
10

cisgênero, transgênero (homem trans/ de gênero diferente da designada


mulher trans) e não binário. ao nascimento pelo sexo biológico.
Transgeneridade não é uma doença
1.2.4 - Expressão de gênero ou distúrbio mental.
São as características que cada pessoa
possui ou demonstra para comunicar Transgênero é um termo “guarda-
seu gênero; a forma como o gênero chuva”, que representa pessoas
de cada pessoa é lida, influenciada binárias (mulher trans e homem trans)
por preconcepções sociais. Muitas ou não binárias (pessoas em que a
vezes é representada pelo modo sua identidade de gênero e expressão
como agimos (jeito de ser), como nos de gênero não são limitadas ao
vestimos, andamos e falamos. masculino e feminino).

1.2.5 - Cisgeneridade É importante entender que identidade


Termo utilizado para pessoas que se de gênero e orientação sexual não
identificam com o sexo biológico. são a mesma coisa. A identidade
de gênero é a forma com que o
• Mulher cis (cisgênera) é aquela que indivíduo se enxerga, enquanto a
nasceu com genitália feminina (vulva), orientação sexual diz respeito a quem
desenvolveu características físicas a pessoa possui desejo sexual, afetivo
femininas (seios, menstruação...) e e emocional.
adotou, um ou alguns, dos padrões
sociais ligados ao feminino, tais como: 1.2.8 - Intersexo
roupas, tom de voz, etc. Descreve pessoas que naturalmente
desenvolvem características sexuais
• Homem cis (cisgênero) é aquele que não se encaixam nas noções
que nasceu com genitália masculina típicas de sexo fêmea ou macho,
(pênis), desenvolveu características não se desenvolvem completamente
físicas masculinas (barba, pomo de como nenhuma delas ou desenvolvem
adão...) e adotou, um ou alguns, dos naturalmente uma combinação de
padrões sociais ligados ao masculino. ambas. Pode ser identificada através
da genital, do sistema reprodutor,
1.2.6 - Variabilidade de Gênero composição hormonal e/ou através
Qualquer identidade de gênero que dos cromossomos.
não corresponda ao sexo designado
ao nascimento e qualquer expressão 1.2.9 - Afirmação de Gênero
de gênero que não se adéque às Considera-se afirmação de gênero
normas binárias e hegemônicas, o procedimento terapêutico
padronizadas pela nossa sociedade. multidisciplinar para a pessoa que
necessita adequar seu corpo à sua
1.2.7 - Transgênero identidade de gênero por meio de
Pessoas transgêneres (trans) são hormonioterapia e/ou cirurgias.
aquelas que possuem uma identidade (Resolução nº 2.265 de 2019 Artigo 1,
11

inciso 5°). desenvolvimento de doenças no


genital.
1.2.10 - Passibilidade
Termo usado para se referir ao grau no É importante ressaltar que nem
qual um homem ou uma mulher trans todas as pessoas trans têm disforia de
“passam por” um homem ou mulher gênero, uma vez em que há aquelas
cisgênero, sem distinção por parte que não vivenciam sofrimento intenso
do interlocutor; ou seja, é quando a em relação ao seu corpo.
pessoa trans é lida pela sociedade
como se fosse cis (cisgênera). No que tange às crianças e adolescentes,
segundo as recomendações feitas
Essa leitura social não necessariamente pela Sociedade Brasileira de Pediatria,
reflete a intenção da pessoa analisada. deve-se observar a duração de pelo
Por isso é comum ouvir frases do tipo menos seis meses da manifestação
“nossa, mas ninguém nunca diria de no mínimo seis dos seguintes (um
que você é trans”, “Você engana bem, deles deve ser o Critério 1):
viu?” ou “Você parece muito com uma
mulher!” como se fossem elogios –
mas não são.
 1. Forte desejo de pertencer ao
outro gênero ou insistência de que
Muitas pessoas trans buscam ter um gênero é o outro (ou algum gênero
uma maior passibilidade social, pois alternativo diferente do designado).
sentem, que desta forma não serão  2. Em meninos (gênero designado),
alvos de violências, discriminação e
uma forte preferência por cross-
bullying.
dressing (travestismo) ou simulação de
trajes femininos; em meninas (gênero
1.2.11 – Disforia de Gênero
designado), uma forte preferência por
Em resumo, é caracterizada pelo
vestir somente roupas masculinas
desconforto/sofrimento forte e
típicas e uma forte resistência a vestir
persistente de um indivíduo com
roupas femininas típicas.
suas características biológicas
sexuais e condições relacionadas à  3. Forte preferência por papéis
sua identidade de gênero, podendo transgêneros em brincadeiras de faz
promover o comprometimento de conta ou de fantasias.
do desenvolvimento funcional da
parte do corpo na qual o indivíduo é  4. Forte preferência por brinquedos,
disfórico, além de imprimir prejuízo jogos ou atividades tipicamente
social, acadêmico ou em outras usadas ou preferidos pelo outro
importantes áreas da vida. Por gênero.
exemplo, um homem trans que possui
 5. Forte preferência por brincar
forte disforia de gênero de vulva e
com pares do outro gênero.
se recusa a realizar a higienização
adequada, pode contribuir para o
12

 6. Em meninos (gênero designado), e fantasias. Com frequência, sua


forte rejeição de brinquedos, jogos e preferência é por esportes de
atividades tipicamente masculinos contato, brincadeiras agressivas e
e forte evitação de brincadeiras competitivas, jogos tradicionalmente
agressivas e competitivas; em meninas masculinos e ter meninos como pares.
(gênero designado), forte rejeição Elas demonstram pouco interesse
de brinquedos, jogos e atividades por brinquedos (p. ex., bonecas) ou
tipicamente femininas. atividades (p. ex., usar vestidos ou
desempenhar papéis femininos em
 7. Forte desgosto com a própria brincadeiras) tipicamente femininos.
anatomia sexual. Às vezes, recusam-se a urinar na
posição sentada. Algumas meninas
 8. Desejo intenso por características
podem expressar o desejo de ter um
sexuais primárias e/ou secundárias
pênis, afirmar ter um pênis ou que
compatíveis com o gênero
terão um pênis quando forem mais
experimentado.
velhas. Também podem afirmar que
 B. A condição está associada a um não querem desenvolver seios ou
sofrimento clinicamente significativo menstruar. Meninos pré-puberais
ou a prejuízo no funcionamento com disforia de gênero podem
social, acadêmico ou em outras áreas expressar o desejo ou afirmar que
importantes da vida do indivíduo. são meninas ou que serão meninas
quando crescerem. Preferem usar
 C. A disforia de gênero manifesta- trajes de meninas ou de mulheres
se de formas diferentes em grupos ou podem improvisar roupas com
etários distintos. Meninas pré- qualquer material disponível (p. ex.,
puberais com disforia de gênero usar toalhas, aventais e xales como
podem expressar o desejo de serem cabelos longos ou como saias). Essas
meninos, afirmar que são meninos ou crianças podem desempenhar papéis
declarar que serão homens quando femininos em brincadeiras (p. ex.,
crescerem. Preferem usar roupas e brincar de “mãe”) e com frequência se
cortes de cabelo de meninos, com interessam intensamente por bonecas.
frequência são percebidas como Na maioria das vezes, preferem
meninos por estranhos e podem atividades, jogos estereotípicos e
pedir para serem chamadas por passatempos tradicionalmente
um nome de menino.Geralmente femininos (p. ex., “brincar de casinha”,
apresentam reações negativas desenhar quadros femininos, assistir a
intensas às tentativas dos pais de programas de televisão ou vídeos com
fazê-las usar vestidos ou outros trajes personagens femininos favoritos).
femininos. Algumas podem se recusar Bonecas estereotípicas femininas
a participar de eventos escolares ou (p. ex., Barbie) geralmente são os
sociais que exigem o uso de roupas brinquedos favoritos, e as meninas
femininas. Essas meninas podem são as companheiras de brincadeira
demonstrar identificação transgênero preferidas. Eles evitam brincadeiras
acentuada em brincadeiras, sonhos agressivas e os esportes competitivos
13

e demonstram pouco interesse por importunação, assédio, violência,


brinquedos estereotipicamente agressão, perseguição manifestadas
masculinos (p. ex., carrinhos, de forma: verbal, emocional,
caminhões). Alguns fingem que psicológica, mental e física.
não têm pênis e insistem em urinar
sentados. Mais raramente, podem 1.3.1 - Conceito adotado pela UNESCO
dizer que sentem repulsa pelo pênis
Embora todos os alunos possam ser
ou pelos testículos, que gostariam
afetados pelo bullying, os alvos mais
que eles fossem removidos ou que
prováveis são aqueles percebidos
têm, ou gostariam de ter, uma vagina.
como diferentes da maioria. Aqueles
(DSM-5, 2014)
cuja sexualidade é vista como
diferente, ou cuja identidade de gênero
1.2.12 – Incongruência de Gênero
ou comportamento difere do seu
É a terminologia adotada na 11ª versão
sexo biológico, são particularmente
do CID, para significar a condição de
vulneráveis. O bullying com base
um indivíduo que não se identifica
em orientação sexual e identidade
com o sexo designado ao nascimento.
de gênero percebidas é um tipo
Com isso, a transgeneridade deixa
específico de bullying definido como
de ser apontada na seção referente
bullying homofóbico.
aos transtornos mentais e passa
a ser compreendida como uma
condição relacionada à saúde sexual, Escolas possivelmente estão entre
denominada como incongruência de os espaços sociais mais homofóbicos
gênero. que existem. Estudos feitos em uma
série de países mostram que os jovens
1.2.13 - LGBTI+ têm maior probabilidade de sofrer
É a sigla que engloba pessoas que bullying homofóbico na escola que
pertencem a qualquer identidade em casa ou na comunidade.
de gênero ou orientação sexual que
não seja cisgênero ou heterossexual: O bullying homofóbico não afeta
Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti e apenas alunos gays, lésbicas,
Transgênero, Intersexo e demais bissexuais, transgêneros ou
variabilidades. intersexuais. Um estudo do Canadá
encontrou um número muito maior
de alunos que relatou ser alvo de
1.3 Bullying3 bullying homofóbico que o número
Antes que se possa decorrer de forma que efetivamente se identificou como
mais detalhada sobre o conceito de LGBT. Conforme disse um estudante
bullying, é essencial elucidar que, no da Nova Zelândia, “Me chamavam
decorrer do desenvolvimento deste de gay por que era menino e escrevia
projeto, o bullying foi utilizado para poesia.”
abranger todo e qualquer tipo de

3
Texto elaborado por Nicolle Amboni Schio
14

O bullying homofóbico pode tomar Estudantes LGBTI+ reportam


várias formas, como zombar de consistentemente maior prevalência
alguém, xingar, ridicularizar em de bullying e violência em comparação
público, fazer fofoca, intimidar, aos seus colegas não LGBTI+. Por
empurrar, bater, roubar ou estragar exemplo, uma pesquisa realizada
os pertences de alguém, e praticar na Nova Zelândia demonstra que
isolamento social, cyberbullying, estudantes lésbicas, gays e bissexuais
agressão física ou sexual e ameaças são três vezes mais propícios a
de morte. sofrer bullying do que seus colegas
heterossexuais, e estudantes
1.3.2 - Violência homofóbica e transgêneres são cinco vezes mais
transfóbica nas escolas propícios a sofrer bullying do que
A violência homofóbica e transfóbica estudantes não transgêneres.
atinge estudantes que são – ou que
são percebidos como – lésbicas, Estudantes e profissionais da escola
gays, bissexuais ou transgêneres. que não se conformam as normas
Ela também atinge estudantes cuja “masculinas” – incluindo homens e
expressão de gênero não se encaixa meninos que são gays ou bissexuais
nas normas e nas expectativas sociais, e mulheres e meninas transgêneres
a exemplo dos meninos que são – também têm maiores chances de
percebidos como “femininos” ou das serem alvo de violência. Ainda que
meninas que são percebidas como a violência homofóbica e transfóbica
“masculinas”. seja mais tipicamente perpetrada por
meninos e homens jovens, meninas
A violência homofóbica e transfóbica e mulheres jovens também podem
inclui a violência física, sexual e provocar essa violência.
psicológica e também o bullying.
Assim como outras formas de violência Os estudantes e os adultos que
relacionadas aos espaços educativos, testemunham a violência homofóbica
ela pode ocorrer nas salas de aula, nos e transfóbica muitas vezes não reagem.
intervalos, nos banheiros e vestiários, Isso se deve, em parte, ao fato de que
nos trajetos de ida à e volta da esse tipo de violência está assentada
escola ou mesmo online. Ainda que em creanças culturais arraigadas
aconteça mais frequentemente entre sobre papéis de gênero relacionados
estudantes, ela pode também ocorrer à masculinidade e à feminilidade. O
entre professores e estudantes. Em ambiente escolar pode também ser
certos casos, essa violência pode hostil a estudantes LGBT de modo
atingir, ainda, pessoas que trabalham mais implícito.
na escola, particularmente professores
e professoras. Ela pode ser perpetrada Exemplos incluem professores ou
por estudantes, por profissionais da gestores escolares que afirmam
escola ou por gestores educacionais. que determinadas disciplinas são

4
Transcrito das Nações Unidas: https://www.unfe.org/wp-content/uploads/2017/05/Bullying-and-
Violence-PT.pdf
15

mais adequadas a determinados intensa que por vezes a criança não


estudantes com base em seu sexo, mais consegue conviver no ambiente
sua orientação sexual, sua identidade discente.
de gênero ou sua expressão de
gênero, ou, ainda, que reforçam Os resultados são devastadores para
estereótipos em materiais didáticos. as vítimas, levando ao isolamento,
Isso pode incentivar o preconceito e depressão, transtornos ansiosos e,
a discriminação das pessoas LGBT, em casos mais extremos, à prática do
que normalmente estão nas bases da suicídio. (SILVA, 2018; STEPHENS)
violência homofóbica e transfóbica.

1.3.3 - Manifestações da Violência


A violência e/ou bullying, podem ser
manisfestados, em principal, de três
modos, quais sejam: a forma indireta,
a forma direta e a psicológica.

• Forma Direta: é caracterizada por


situações como a vítima ter seus
pertences tomados, sofrer agressões
com chutes, murros, tapas, puxões
de cabelo, empurrões, ferimentos
com objetos, ter materiais escolares
e uniformes destruídos e ou até
mesmo ter seu dinheiro ou pertences
roubados.

• Forma Indireta: ocorre com as


agressões verbais, como, por exemplo:
apelidos pejorativos, acusações
injustas, gozações, brincadeiras
maldosas, insultos, ofensas por
meio dos quais muitas crianças
são excluídas do grupo social em
que convivem, não podendo mais
participar das atividades de tal grupo.

• Agressão Psicológica: é o resultado


das duas formas anteriores
mencionadas, que cria sensações de
intimidação, constrangimento, medo,
culpa, não pertencimento e acaba por
manter uma angústia psíquica tão
16

Por uma proteção integral à


criança e ao adolescente trans
no Brasil
Por Carlos Nicodemos e que, reunido em torno da ONU
(Organização das Nações Unidas), em
Tainá Juliano
1979, no Ano Internacional dos Direitos
da Criança, iniciou, de forma objetiva,
O tempo dos direitos da criança e
os trabalhos para um novo tempo de
adolescente é o tempo da democracia
direitos humanos infantojuvenis.
brasileira.
O que colhemos disso, em termos
A década de 1990 no país foi forjada
legais, não foi só a ruptura da
sob o signo da imperativa necessidade
institucionalidade segregadora e
de evoluirmos no conjunto normativo
criminalizadora da Doutrina da
de direitos humanos que pudesse,
Situação Irregular, mas a formação de
de alguma forma, fazer emergir os
uma nova compreensão da criança
segmentos sociais e, em especial, os
e adolescente como um sujeito de
grupos invisibilizados na sociedade.
direitos fundamentais em processo
Entre eles, as crianças e adolescentes.
peculiar de desenvolvimento, assim
Todas as crianças. Todos os
promovendo uma conexão entre a
adolescentes.
Convenção dos Direitos da Criança
da ONU de 1989, da Constituição
Neste contexto, nasce o Estatuto
Federal de 1988 e o próprio Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº
da Criança e do Adolescente, a Lei nº
8069/90), com a missão de traduzir
8069/90.
um novo significado de cidadania
para a população infantojuvenil.
Entender este processo de passagem
histórico a respeito dos fundamentos
A senha para este novo valor político,
éticos, que instruem o conjunto
social e humano na sociedade se
normativo acima, é essencial para
encontra definido na Doutrina da
compreendermos o estado da arte da
Proteção Integral, fundamento ético
institucionalidade política e normativa
da humanidade que instituiu um
do Estado brasileiro para centenas e
novo status normativo e político para
milhares de crianças e adolescentes
este público.
trans no país.
A Doutrina da Proteção Integral
Para uma verdadeira recuperação
nasceu como uma resposta do mundo
17

histórica do que o Estado brasileiro criança e o adolescente, que deixam


deveria ter promovido ao longo de ser objeto de tutela por parte do
das últimas décadas diante do Estado (Doutrina da Situação Irregular)
novo paradigma que se instalou, e passam a gozar de uma condição
especialmente para as crianças de cidadãos, detentores de todos os
e adolescentes trans, torna-se direitos fundamentais, reconhecidos
fundamental colocarmos luz em na Carta Constitucional de 1988.
alguns pontos.
Assim, torna-se uma premissa nos
Efetivamente, o Estatuto da Criança esforços de darmos visibilidade social
e do Adolescente é uma lei universal e política à criança e ao adolescente
que se aplica a todos e todas. E por trans no Brasil entendermos que, para
que não dizer todos/as/es crianças e além de uma condição na sociedade
adolescentes? como atores sociais, aos mesmos é
assegurado o afastamento do olhar
No que se refere ao debate tutelar do Estado (pressuposto da
desta universalidade, importante Doutrina da Situação Irregular).
destacarmos o que menciona o Art.
3º da Lei nº 8.069/90: “A criança e Temos também que enfatizar o
ao adolescente gozam de todos os sentido ético de direitos humanos, no
direitos fundamentais inerentes à qual se asseguram todos os direitos
pessoa humana, sem prejuízo da fundamentais, como já anunciamos,
proteção integral de que trata esta Lei, que estão intrinsecamente
assegurando-se-lhes, por lei ou por vinculados a uma proposta para o
outros meios, todas as oportunidades desenvolvimento físico, mental, moral,
e facilidades, a fim de lhes facultar o espiritual e social.
desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de É na esteira da ruptura da visão tutelar
liberdade e de dignidade.” estatal emanada pela Doutrina da
Situação Irregular, que nasce uma
Desdobra-se desta universalidade para nova ideia de proteção que na nossa
todos, todas e todos/as/es na condição Constituição Federal de 1988, no
de sujeitos de direitos humanos a artigo 227, se organizou numa base
condição peculiar de crescimento, triangular entre a família, a sociedade e
no qual se impõe normativamente o Estado, que se denominou Princípio
a garantia de um desenvolvimento de Cooperação: “É dever da família,
físico, mental, moral, espiritual e da sociedade e do Estado assegurar à
social. criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à
Sobre esta condição de sujeito de saúde, à alimentação, à educação, ao
direitos em peculiar processo de lazer, à profissionalização, à cultura, à
desenvolvimento, é fundamental dignidade, ao respeito, à liberdade e
frisarmos a nova percepção sobre a à convivência familiar e comunitária,
18

além de colocá-los a salvo de toda O que demandamos, então, para


forma de negligência, discriminação, as crianças e adolescentes trans,
exploração, violência, crueldade e sob o ângulo da universalidade do
opressão.” alcance do Estatuto da Criança e
do Adolescente, é uma pirâmide de
Entendamos agora que este Princípio proteção, de inspiração democrática
de Cooperação se forma como uma e inclusiva. E isso, numa condição da
pirâmide de proteção que deve ser criança e do adolescente enquanto
assegurado à criança e ao adolescente. sujeito social com status de prioridade
absoluta.
A base desta pirâmide é o Estado,
que deve assegurar o pleno Ao mirar a própria Convenção dos
desenvolvimento social, humano e Direitos da Criança da ONU de 1989,
político da criança e do adolescente, temos no seu artigo 3 que: “Todas
na condição de ser um ente público as ações relativas à criança, sejam
e republicano que deve prover de elas levadas a efeito por instituições
direitos, sem discriminação. públicas ou privadas de assistência
social, tribunais, autoridades
A primeira linha lateral da pirâmide administrativas ou órgãos legislativos,
é a família, todas as formas de e devem considerar primordialmente o
dimensões de família, que devemos melhor interesse da criança.”
garantir como um fundamento de
cuidado e afeto dispensado à criança Ora, verifica-se de forma evidente e
e ao adolescente. latente que a criança e o adolescente
trans deverão sempre receber por
A segunda linha lateral da pirâmide parte do Estado, da sociedade da
é a sociedade, que se reveste na família um tratamento jurídico
democracia social num patamar que prime pelo “melhor interesse”.
civilizatório que deve proteger a Sempre!
criança e o adolescente em todos os
momentos e em todas as situações. Soma-se a isso que nossa própria
Constituição Federal de 1988 também
Então, se temos uma nova condição fincou entendimento, quando no
jurídica para criança e adolescente, Art. 227, entre outros elementos,
entendendo-se agora os mesmos estabeleceu que, com absoluta
como sujeitos de direitos em peculiar prioridade, deverá ser assegurado um
processo de desenvolvimento no conjunto de direitos fundamentais,
qual caberá à família, à sociedade e ou seja, como prioridade absoluta.
ao Poder Público protegê-lo, resta-
nos saber o grau de prioridade frente Fechando este entendimento
ao conjunto normativo que aqui normativo por parte do Estado, para
sustentamos. todas, todos e todos/as/es as crianças e
adolescentes, o Estatuto da Criança e
19

do Adolescente estabeleceu no Art. 4º O ponto de partida e de chegada


que o dever da família, da comunidade do debate sobre o direito humano à
e do poder público, para garantia sexualidade de crianças e adolescentes
e efetivação de direitos humanos, passa por um entendimento
levará em consideração a condição de alienígena de parte do Art. 227, que
“absoluta prioridade” da população estabeleceu que:
infantojuvenil, independentemente
de sua condição pessoal quanto § 4º A lei punirá severamente o abuso,
à religião, raça/etnia e também à a violência e a exploração sexual da
orientação sexual. criança e do adolescente.

Assim, quando completamos 31 Esta proposição constitucional


anos do Estatuto da Criança e incrementou o direcionamento
do Adolescente, que introduziu criminalizador do tema da sexualidade
na estrutura do Estado, de forma de crianças e adolescentes.
republicana, na moderna democracia,
um conjunto normativo que Como se vê, o que deveria ter sido
assegura a condição da população trabalhado no campo afirmativo do
infantojuvenil como sujeitos de direitos direito, como a sexualidade como
fundamentais em peculiar processo direito humano, e a partir dela as
de desenvolvimento e crescimento, construções de gênero, identidade
com status de prioridade para família, e orientação, optou-se pela clássica
sociedade e o poder público, fica a criminalização do tema, apontando
pergunta: como estão as crianças e um norte de combate a um problema
adolescente trans? no lugar de pavimentá-lo com direitos
humanos.
Por que a nova democracia
social brasileira não oportunizou Não é muito difícil de identificar
nem assegurou estes preceitos que sobre este tema o Estado fez
institucionais conquistados para as uma opção de funcionar na lógica
crianças e adolescentes trans? dos Sistemas de Justiça e Segurança
Pública em detrimento do Sistema de
Para responder a esta pergunta, Garantia de Direitos.
primeiramente, é fundamental
entendermos que por mais que O lugar ocupado pela criança e
estejamos sob o signo da Doutrina da adolescente no que se refere a sua
Proteção Integral, vive-se no Brasil um própria sexualidade, à luz da nossa
ambiente institucional da Doutrina Constituição Federal de 1988, é de
da Situação Irregular em várias ser vítima de um crime, que sob
dimensões. Esta contradição cultural o reclame clássico do liberalismo,
se aplica fortemente à agenda dos no que se refere à vingança, deu
direitos humanos de crianças e protagonismo à punição do infrator
adolescentes trans no Brasil. e subjugou a criança e adolescente
20

vítima à condição de testemunha do da nova versão da CID-11, adotou-se


processo. o termo “incongruência de gênero”,
referente a condições relacionadas à
Este é apenas um elemento saúde sexual (OMS, 2018).
estruturante que foi incrementando
a invisibilidade do importante Isso posto, a transgeneridade, por
e indispensável debate sobre o definição da Organização Mundial
direito humano à sexualidade, suas de Saúde (OMS), trata-se de uma
identidades de gênero e formas de incongruência de gênero acentuada e
interação social. persistente entre o gênero vivido pelo
indivíduo e aquele atribuído em seu
E neste ambiente de contradições nascimento.
culturais normativas, instaura-se um
hiato institucional sobre a cidadania Dessa forma, partindo-se do
de crianças e adolescentes trans no pressuposto de que o fato de se
Brasil, dando lugar, inclusive, aos ter identidade não é algo fixo
debates patologizantes da questão. e incontestável, pela natureza/
Esta orientação do Estado brasileiro, constituição biológica, mas sim ser e se
somado aos movimentos de evolução reconhecer em si mesmo, identificar
e involução técnicas e científicas, vai a transexualidade não é um trabalho
dando contorno a este distanciamento exatamente novo para o corpo médico
entre o que se tem consolidado e a própria sociedade nos dias de hoje,
normativamente e a realidade de inclusive em razão da necessidade
crianças e adolescentes trans no Brasil. de se reconhecer a transexualidade
como condição relacionada à saúde
Sabemos que do ponto de vista sexual, e não como um transtorno
biomédico sobre a temática da ou perturbação da identidade sexual.
transexualidade na Classificação Nessa lógica, pensar infância e gênero
Internacional de Doenças (CID-10), é uma atividade que exige abrir mão
utilizou-se o termo “transexualismo” do modo tradicional de interrogar.
e “transtorno de identidade sexual na
infância” para diagnosticar pessoas Historicamente, as crianças foram
que apresentam uma incongruência negligenciadas em seus desejos
com o sexo biológico (OMS, 1993). e suas necessidades. Com o
desenvolvimento de estudos e teorias
Com o passar dos anos e após revisões que envolvem a infância, houve um
no Manual Diagnóstico e Estatístico salto no que se refere ao cuidado e
dos Transtornos Mentais da 5ª Edição à educação dispensados às crianças,
(DSM-5), empregou-se o termo mas algo que ainda hoje parece ter
“disforia de gênero” para diagnosticar grande força no imaginário social é o
indivíduos que não se identificam com fato de que as crianças não possuem
seu gênero de nascimento (APA, 2013). a capacidade da autonomia, o que
Recentemente, com a publicação muito se relaciona com a dificuldade
21

de serem vistas como sujeitos e não reconhecem a sua “diferença”, porém,


meros objetos de tutela. ante à dominância social de práticas e
discursos que negam a possibilidade
Retornando ao campo normativo de invariância na relação entre sexo
dos direitos humanos de crianças e biológico e gênero, essas crianças,
adolescentes, propriamente quanto ao patologizadas e invisibilizadas,
Estatuto da Criança e do Adolescente, vivenciam o estranhamento de si
vamos encontrar no Capítulo II, que como um obstáculo a ser enfrentado
cuida do direito à liberdade, ao respeito solitariamente, de maneira silenciada,
e à dignidade, dois dispositivos que e podendo ser somente retomada
merecem especial destaque. Primeiro a partir de um doloroso processo
o artigo 17, que afirma que o direito de autoaceitação ao longo de anos
ao respeito consiste na inviolabilidade ou décadas de amadurecimento
da integridade física, psíquica e psicoafetivo e intelectual.
moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, Ao observar esse cenário nos aspectos
da identidade, da autonomia, dos jurídico-legal e institucional, vemos
valores, ideias e crenças, dos espaços uma enorme falha e ausência por parte
e objetos pessoais. do Estado brasileiro em assegurar
não só a essas crianças, enquanto
Frise-se aqui que o que o Estado grupos marginalizados, vulneráveis e
assegurou como inviolabilidade excluídos, mas à família, psicólogos,
à integridade física, psíquica e professores, corpo médico e todos
moral está intrinsecamente ligado os possivelmente envolvidos dentro
à identidade pessoal, em todas as do âmbito sociocultural, o adequado
dimensões, inclusive quanto à condição reconhecimento e tratamento
de gênero. Tudo como resultado do dessas crianças que desde já não se
reconhecimento da autonomia que a identificam com o padrão social e
criança e o adolescente trans detêm sexual que lhes é imputado.
como sujeitos de direitos.
A imprescindibilidade de se pensar em
Uma vez que a criança, desde cedo, políticas públicas institucionais se dá,
já não se sente mais à vontade também, a partir da abrangência que
com o próprio corpo, com o tempo essa temática tem no meio familiar,
as manifestações passam a ser escolar, médico, jurídico e social,
ainda mais contundentes e ela pensando-se no acompanhamento
pode ter problemas de interação digno a essas crianças que
social, apresentando ansiedade ou apresentam desde pequenos sinais
depressão. de transexualidade, e que permitam
um desenvolvimento sadio, um
Tal exposição aponta para o fato de ambiente pacífico, um meio social
que, como as demais crianças, as que inclusivo e equipes multidisciplinares
vivenciam a transgeneridade também preparadas.
22

Pouco tem gerado o Estado no campo espaços e setores da sociedade. A


político-institucional para assegurar a partir disso, proporcionar às crianças e
cidadania de crianças e adolescentes adolescentes transgêneres brasileiros,
trans no Brasil. Podemos destacar bem como seu meio familiar, a
em relação ao acompanhamento liberdade e segurança de trazer em
de crianças e adolescentes com pauta questões relevantes e, assim,
“incongruência” de gênero, o beneficiar sua saúde física, mental e
Parecer nº 8/2013. Ainda, em 2009, o social, sob diretrizes legítimas e com
Ministério da Saúde garantiu que o políticas públicas implementadas
nome social de travestis e transexuais para essas demandas.
fosse garantido na Carta de Usuários
do SUS, contudo, para ambos os Não se pode ignorar, dessa maneira,
gêneros, a idade mínima para que as crianças que apresentam
procedimentos ambulatoriais é de o transgenerismo necessitam de
18 anos. No Brasil, devido à ausência cuidados especiais, não só pela sua
de normas ou diretrizes abordando o condição de ser em desenvolvimento,
atendimento às crianças transgêneres mas pela peculiaridade do caso,
no âmbito da saúde, torna-se restrito sendo, inclusive, necessária uma
o acompanhamento dessa população. avaliação individualizada, um
acompanhamento contínuo e
Nessa linha, o cerne da presente políticas públicas voltadas para as
temática envolve a absoluta mesmas – e é nesse sentido que se
ausência estatal em face das analisa a ausência absoluta de política
crianças e adolescentes trans, institucional do Estado no campo das
que, por sua vez, necessitam de políticas públicas sociais e normativa.
forma urgente e estrutural políticas
públicas e institucionais, incluindo As crianças e os adolescentes têm
regulamentação legal. Não obstante, direitos subjetivos à liberdade, à
a (falta de) atuação estatal se dignidade, à integridade física,
apresenta, condenavelmente, em psíquica e moral, à educação, à saúde,
favor da manutenção da violência, à proteção no trabalho, à assistência
discriminação, violação e carência de social, à cultura, ao lazer, ao desporto,
acesso à saúde e de acompanhamentos à habitação, a um meio ambiente de
adequados aos mesmos. qualidade e outros direitos individuais
indisponíveis, sociais, difusos e
Assim, toda a presente exposição coletivos.
fática, histórica e científica é imperiosa
para subsidiar a formulação de E consequentemente se postam,
políticas públicas antitransfóbicas em como beneficiários desses direitos,
relação à população infantojuvenil diante do Estado e da sociedade,
e ampliar a discussão sobre deveres devedores que devem garantir
e direitos dos cidadãos frente à esses direitos. Não apenas como
transexualidade em diferentes atendimento de necessidades,
23

desejos e interesses, mas como no artigo 98 que as medidas de


Direitos Humanos indivisíveis, como proteção à criança e ao adolescente
os qualifica a normativa internacional são aplicáveis sempre que os direitos
– como direito a um desenvolvimento reconhecidos nesta Lei forem
humano, econômico e social. ameaçados ou violados: I - por ação ou
omissão da sociedade ou do Estado; II
Torna-se evidente que existe um - por falta, omissão ou abuso dos pais
grande desafio na democracia social ou responsável; III - em razão de sua
brasileira quanto à demanda de conduta.
políticas sociais que possam assegurar
às crianças e adolescentes trans uma Numa hipótese de ausência ou
cidadania plena. ineficácia de programas e políticas
públicas nas áreas de educação,
Já estão postos normativamente saúde, assistência social, cultura etc.,
os direitos materiais das crianças e temos a configuração da regra do
adolescentes trans. artigo 98, I do Estatuto da Criança e
do Adolescente, impondo-se então a
Como superar a contradição aplicação das normas corretivas desta
criminalizadora e patologizante violação por parte do Estado e da
que recai sobre estes sujeitos e seus Sociedade.
familiares para um exercício pleno de
cidadania? É o caso de se acionar o órgão
de proteção instituído pela Lei nº
O ponto de partida está na 8069/90, que representa a sociedade
compreensão de que uma criança e/ a partir da inteligência normativa do
ou criança trans não se encontra em artigo 227 da Constituição Federal de
risco social por sua simples identidade 1988.
de gênero. O mesmo ocorrerá quando houver
uma violação direta por terceiros
Por outro lado, a ausência e falta de contra a dignidade da criança e
normas e políticas públicas nas áreas do adolescente trans, como nas
da saúde, educação, assistência social, hipóteses da prática de bullying ou
entre outras, evidenciam uma violação qualquer outra forma ou tipo de
de direitos humanos que precisa ser constrangimento.
enfrentado pela Sistema de Garantia
de Direitos, formulado no arquétipo Não só a instituição escolar deverá
do próprio Estatuto da Criança e do adotar medidas objetivas em relação
Adolescente, Lei Federal nº 8069/90. ao seu projeto pedagógico, mas
também acionar imediatamente o
No mencionado Estatuto, temos a Conselho Tutelar para que o mesmo,
regra do Título II, quanto às Medidas a partir do artigo 98, aplique uma das
de Proteção que, no Capítulo I, das medidas protetivas relacionadas nos
Disposições Gerais, estabeleceu artigos 102 e 136 da Lei nº 8069/90.
24

A proteção integral, consolidada no inclusive proteção legal apropriada.


Estatuto da Criança e do Adolescente,
se aplica ao âmbito jurídico e social, Alguns princípios básicos trazidos
aos níveis individuais, difusos e em seu texto referem-se à proteção
coletivos, de modo a alcançar todos especial para o desenvolvimento
os direitos e todas as crianças, sem físico, mental, moral e espiritual (art.
discriminação ou seletividade. 2º),responsabilidade dos pais num
Paralelamente, tem-se a ideia do ambiente de afeto e segurança moral
desenvolvimento integral da criança, e material (art. 6º), proteção contra
que diz respeito ao desenvolvimento qualquer forma de negligência,
físico, mental, espiritual e social. crueldade e exploração (art. 9º) e
proteção contra atos que possam
Nessa linha de raciocínio, em razão suscitar discriminação racial, religiosa
da condição de ser um sujeito em ou de qualquer natureza (art. 10º).
pleno processo de desenvolvimento,
à criança e ao adolescente trans deve Por outro giro, a partir do Estatuto
ser assegurada a máxima proteção. da Criança e do Adolescente, Lei nº
8069/90, no enfrentamento da ausência
Ressalta-se que, em âmbito de uma política pública de proteção,
institucional, referente a políticas temos e devemos considerar a regra
públicas e/ou execução de planos estabelecida Parte Especial, Título
e programas de atendimento dos I, quanto à Política de Atendimento
direitos da criança e do adolescente que no Capítulo I, estabeleceu que:
que o Estado brasileiro deve Art. 86. A política de atendimento dos
promover, olhando-se especialmente direitos da criança e do adolescente
a particularidade de cada caso e a far-se-á através de um conjunto
coletividade existente, a elaboração articulado de ações governamentais
da proposta orçamentária pode e e não governamentais, da União, dos
deve ser feita de forma conjunta com estados, do Distrito Federal e dos
o Conselho Tutelar (art. 136, IX, ECA). municípios.

Isso se deve, sobretudo, à sua Neste mesmo capítulo, na sequência


vulnerabilidade e ao seu estágio de lógica das normas geradoras das
desenvolvimento enquanto pessoa, o políticas públicas, temos no Art. 87:
que pode ser visto de forma histórica,
evolutiva e progressiva em normas “São linhas de ação da política de
nacionais e internacionais. atendimento: I - políticas sociais
básicas; II - serviços, programas,
A Declaração Universal dos Direitos da projetos e benefícios de assistência
Criança adotada pela ONU estabeleceu social de garantia de proteção social e
que a criança, em decorrência de sua de prevenção e redução de violações
maturidade física e mental, precisa de direitos, seus agravamentos ou
de proteção e cuidados especiais, reincidências; III - serviços especiais de
25

prevenção e atendimento médico e para atenção à criança e adolescente


psicossocial às vítimas de negligência, trans, em qualquer nível, nacional,
maus-tratos, exploração, abuso, estadual ou municipal, poderá
crueldade e opressão; IV - serviço de acarretar responsabilização de seus
identificação e localização de pais, agentes públicos encarregados na
responsável, crianças e adolescentes formulação das políticas sociais e
desaparecidos; V - proteção jurídico- das especiais que direcionam para
social por entidades de defesa dos particularidades de demandas, que
direitos da criança e do adolescente; serão sempre promovidas de forma
VI - políticas e programas destinados articulada entre os Conselhos de
a prevenir ou abreviar o período de Direitos das Crianças e Adolescentes
afastamento do convívio familiar e a e demais conselhos nos campos da
garantir o efetivo exercício do direito educação, saúde e assistência social,
à convivência familiar de crianças entre outros, conforme estabelece o
e adolescentes; VII - campanhas artigo 88 da Lei nº 8069/90.
de estímulo ao acolhimento sob
forma de guarda de crianças e Por sua vez, observa-se no Pacto
adolescentes afastados do convívio Internacional de Direitos Econômicos,
familiar e à adoção, especificamente Sociais e Culturais5 a previsão contida
inter-racial, de crianças maiores ou no Art. 10º referente ao dever de se
de adolescentes, com necessidades adotar, em prol de todas as crianças
específicas de saúde ou com e adolescentes, medidas especiais de
deficiências e de grupos de irmãos.” proteção e assistência, sem distinção
alguma por quaisquer condições.
Verifica-se então que, de acordo com
os normas constitucionais da Carta Ainda no campo internacional, a
Política de 1988, no que se refere Convenção Americana de Direitos
ao Pacto Federativo, à democracia Humanos (Pacto de San José da
participativa e à descentralização Costa Rica, de 1969), aprovada pelo
política e administrativa, caberá ao Brasil pelo Decreto nº 27/1992 e
poder público, em conjunto com a promulgada pelo Decreto Executivo
sociedade civil organizada, formular nº 678/1992, exige respeito à vida
as políticas sociais para crianças humana desde o momento da
e adolescentes trans, através de concepção, recomendando, ainda,
conselhos de direitos. conforme seu Art. 5º, tratamento
judicial especializado em face da
Importante destacar o espaço do menoridade, declarando, ainda,
Conselho de Direitos das Crianças em seu Art. 19, que as medidas de
e Adolescentes como um espaço proteção a que têm direito as crianças
universal para todas as crianças e são deveres da família, da sociedade e
adolescentes. do Estado, princípio este inserido na
CRFB/88, com os mesmos termos.
A omissão ou negligência deste órgão
26

Somando-se a essas, a Convenção interesse da criança (Art. 3º); direitos


sobre os Direitos da Criança6, ratificada à sobrevivência e ao desenvolvimento
pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, (Art. 6º); e respeito à opinião,
em especial, tem um papel superior e identidade e autonomia da criança
preponderante no embasamento da (Art. 8º).
criação ou reforma de toda e qualquer
norma reguladora, no campo da Como verificamos, quando ocorrer
família e no embasamento de uma inobservância do dever de
processos de reforma administrativa, proteção integral à criança e ao
de implantação e implementação de adolescente trans, no que se refere
políticas, programas, serviços e ações à geração de políticas públicas
públicas. estruturais e especiais, por parte dos
órgãos públicos encarregados desta
Já a Convenção das Nações Unidas função, caberá ao Sistema de Justiça
sobre os Direitos da Criança assegura fazer valer as normas constitucionais,
as duas prerrogativas maiores que internacionais e internas através de
a sociedade e o Estado devem processos e procedimentos próprios.
conferir à criança e ao adolescente,
para operacionalizar a proteção dos Neste norte, o próprio Estatuto da
seus Direitos Humanos: cuidados e Criança e do Adolescente estabeleceu
responsabilidades. no Capítulo VII, quanto à Proteção
Judicial dos Interesses Individuais,
Em seu preâmbulo e em muitos dos Difusos e Coletivos, o Art. 208, com
seus artigos, a Convenção, sobretudo a seguinte regra: regem-se pelas
reconhecendo as necessidades disposições desta Lei as ações de
especiais das crianças que, em função responsabilidade por ofensa aos
de seu status econômico e social direitos assegurados à criança e
ou de gênero, são especialmente ao adolescente, referentes ao não
vulneráveis ao recrutamento ou à oferecimento ou oferta irregular: I - do
utilização em hostilidades, define ensino obrigatório; II - de atendimento
os direitos da criança num sentido educacional especializado aos
realmente próximo da Declaração portadores de deficiência; III – de
dos Direitos da Criança, da ONU, de atendimento em creche e pré-escola
1959, como direito a uma proteção às crianças de zero a cinco anos de
especial: “a criança tem necessidade idade; IV - de ensino noturno regular,
de uma proteção especial e de adequado às condições do educando;
cuidados especiais, notadamente V - de programas suplementares de
de uma proteção jurídica, antes e oferta de material didático-escolar,
depois de seu nascimento.” É notável transporte e assistência à saúde do
que, para efetivação da Convenção educando do ensino fundamental; VI -
no país é importante que sejam de serviço de assistência social visando
observados os seguintes princípios: à proteção à família, à maternidade, à
não discriminação (Art. 2º); melhor infância e à adolescência, bem como

5
https://www.unicef.org/brazil/pacto-internacional-sobre-direitos-civis-e-politicos
6
https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca
27

ao amparo às crianças e adolescentes Assim, para além da proteção judicial


que dele necessitem; VII - de acesso das políticas estruturais voltadas
às ações e serviços de saúde; VIII - de para todas as crianças e adolescentes
escolarização e profissionalização dos existe a possibilidade de se exigir,
adolescentes privados de liberdade; de forma especial e peculiar, ações,
IX - de ações, serviços e programas de programas e políticas públicas
orientação, apoio e promoção social especiais direcionadas propriamente
de famílias e destinados ao pleno ao público infantojuvenil trans.
exercício do direito à convivência
familiar por crianças e adolescentes; X Logo, no caso de negativa ou
- de programas de atendimento para a eventual recusa dos Conselhos de
execução das medidas socioeducativas Direitos das Crianças e Adolescentes,
e aplicação de medidas de proteção; XI dos Conselhos de Educação; dos
- de políticas e programas integrados Conselhos de Saúde; dos Conselhos de
de atendimento à criança e ao Assistência Social, entre outros, para
adolescente vítima ou testemunha de formulação de políticas de proteção
violência. integral ao público infantojuvenil
trans, poderá o Poder Judiciário ser
Verifica-se então que frente a uma acionado para fazer valer a regra do
ausência de políticas públicas voltadas artigo 208, inclusive parágrafo único
para as crianças e adolescentes trans para geração de ações de proteção
em vários campos, no que se refere ao integral.
acesso à saúde, educação, assistência
social, etc., funcionará a regra da Para tanto, nós temos na legislação
proteção judicial no qual o Poder vigente os institutos do inquérito civil
Executivo poderá ser compelido a que, movido pelo Ministério Público,
adotar medidas de correção desta poderá promover investigações
ausência, com a devida formulação quanto à eventual omissão do Poder
das políticas públicas necessárias. Público, em todos os níveis, e a partir
da apuração mover uma Ação Civil
Podemos ainda denominar, neste Pública, conforme a regra do próprio
tema da proteção judicial dos direitos Estatuto da Criança e do Adolescente,
difusos e coletivos de crianças e no artigo 210.
adolescentes trans, a norma contida
no parágrafo único do artigo 208 Esta mesma norma também permite
acima mencionado que aponta: que organizações da sociedade civil,
As hipóteses previstas neste artigo legalmente constituídas, promovam
não excluem da proteção judicial estas ações de interesse coletivo,
outros interesses individuais, difusos neste caso, para ações, programas e
ou coletivos, próprios da infância políticas direcionadas para as crianças
e da adolescência, protegidos pela e adolescente trans no Brasil.
Constituição e pela lei.
Em rigor, a criança requer, por parte
28

do Estado e da sociedade civil, uma o signo da proteção integral dessa


ruptura com os padrões tradicionais nova perspectiva de protagonismo da
de proteção, uma vez que se torna criança e do adolescente, dispondo
necessária uma atenção e uma sobre a proteção integral da criança,
intervenção que assegure a proteção aponta para a possibilidade de,
integral, isto é, uma proteção inclusiva também nos casos de transgenerismo
em um contexto adequado a sua infantil, ser assegurado, de
condição, voltada para o acolhimento maneira isonômica – ressalvadas e
de um modo complexo e para a consideradas as peculiaridades do
garantia da expressão do melhor de caso – o exercício dos direitos e das
suas potencialidades como seres garantias assegurados às crianças no
humanos e como cidadãos. Brasil.

Nesse contexto, cabe tanto ao Estado Derradeiramente, sendo o tempo dos


quanto à sociedade civil empreender direitos das crianças e adolescentes
medidas que visem impedir qualquer o tempo da democracia brasileira,
tipo de estigmatização que possa por se tratar dos direitos humanos e
macular ou mesmo atrapalhar o da proteção integral, é fundamental
exercício do direito à igualdade abrirmos o diálogo e as agendas
e à liberdade no transcurso do institucionais para recuperarmos o
amadurecimento pessoal, psicológico, que ficou no meio e começarmos
social e físico, e que qualquer omissão a entregar aos seus legítimos e
estatal contraditória ao exposto é, de legítimas detentores a dignidade
forma minimamente justa, incabível. perdida ou ocultada por um Estado
declarado constitucionalmente Social
Não é demais lembrarmos que 193 e de Direito, especialmente através de
Estados-membros da ONU, incluindo uma pirâmide de proteção que aqui
o Brasil, se comprometeram a anunciamos!
adotar a chamada Agenda Pós-2015,
em elaboração dos Objetivos de 2.1. Fundamentos Jurídicos8
Desenvolvimento Sustentável (ODS)7,  Resolução nº 1/2018 do Conselho
“não pode haver desenvolvimento Nacional de Educação / Conselho Pleno
sustentável, prosperidade ou paz sem (MEC) que reconhece a importância
equidade – oportunidades justas para do ambiente escolar saudável e acesso
cada criança e cada adolescente. Se ao nome social, segundo a identidade
as crianças e os adolescentes mais de gênero, conforme estabelecido
desfavorecidos não compartilham para a manutenção da permanência
desse progresso, ele não será nos estudos.
sustentável”.
 O decreto n° 8.727 de 2016, que
Assim, é possível afirmar que o dispõe sobre o uso do nome social
Estatuto da Criança e do Adolescente e o reconhecimento da identidade
(ECA), Lei nº 8069/90, por sua vez, sob de gênero de pessoas transgêneres

7
https://www.unicef.org/brazil/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel
8
Organizado por Thamirys Nunes
29

no âmbito da administração  Com a Resolução 01/2018, o


pública federal direta, autárquica e Conselho Federal de Psicologia (CFP)
fundacional. afirma que compete a psicólogas e
psicólogos, nos diversos campos do
 O enquadramento da LGBTfobia exercício profissional, o atendimento
como crime de racismo nos termos voltado à promoção da vida, do bem-
da Lei n° 7.716/1989, da ADO 26 e do estar e da dignidade de pessoas trans,
MI 4733, julgados pelo STF em 2019, contribuindo ainda para a eliminação
tornando o crime imprescritível e de qualquer forma de preconceito ou
inafiançável. discriminação contra essa população.
 Decreto n° 9.278 de 2018, que  Declaração Universal dos Direitos
regulamenta a Lei nº 7.116 de 29 Humanos, adotada e proclamada
de agosto de 1983, que assegura pela Assembleia Geral das Nações
validade nacional às Carteiras de Unidas pela Resolução 217 A (III), em
Identidade e regula sua expedição. 10 de dezembro de 1948, assegura
Este decreto, entre outras coisas, em seu artigo 1.º, que “Todos os seres
possibilita a inclusão do nome social humanos nascem livres e iguais em
no documento de identificação RG. dignidade e em direitos”; E, ainda
conforme seu artigo 2, sem distinção
 Provimento n° 73 do Conselho
de qualquer espécie, seja de raça, cor,
Nacional de Justiça (CNJ) que
sexo, idioma, religião, opinião política
regulamenta a alteração de nome e
ou de outra natureza, origem nacional
sexo no Registro Civil.
ou social, riqueza, nascimento, ou
 Portaria n° 1.820/2009 do SUS, qualquer outra condição.
artigo 4°, inciso I, que garante o direito
 Os Princípios de Yogyakarta,
ao uso do nome social em todo e
lançados pela Organização das Nações
qualquer registro, procedimento,
Unidas (ONU) durante a IV Sessão do
atendimento, exames, acolhimento
Conselho de Direitos Humanos, que
nos equipamentos do SUS. O nome
tratam de legislação internacional de
social, independentemente do
direitos humanos e sua aplicação a
registro civil, deve ser tratado como
questões relativas à orientação sexual
um direito do usuário, não podendo
e identidade de gênero.
ser substituído por número, nome e/ou
código de doenças ou outras formas  A Convenção Interamericana Contra
desrespeitosas e preconceituosas. Toda Forma de Discriminação e
Intolerância, aprovada em 5 de julho
 Resolução n° 2.265 de 2019, que
de 2013, pela 43ª Sessão Ordinária
dispõe sobre o cuidado específico à
da Assembleia Geral da Organização
pessoa com incongruência de gênero
dos Estados Americanos (OEA),
ou transgênero e revoga a Resolução
que pressupõe que uma sociedade
CFM n°1.995/2010.
pluralista e democrática deve
30

respeitar, entre outros, a orientação construídas, em especial, aquelas


sexual e a identidade de gênero, vivenciadas pela população LGBTI+.
bem como promover condições
que possibilitem a expressão,
 O princípio constitucional da
preservação e desenvolvimento legalidade estrita segundo o qual os
humano pleno, comprometendo os atos da administração pública devem
Estados-membros com a formulação ser fundamentados em legislação
e implementação de políticas cujo anterior, de forma que o ente público
intuito seja proporcionar tratamento não possa impedir a participação de
equitativo e gerar igualdade de pessoas trans sem que exista norma
oportunidades, inclusão e progresso nesse sentido.
para todas as pessoas.  O princípio constitucional da
 O Parecer Consultivo n° 24, de legalidade, o qual define que o
24 de novembro de 2017, da Corte cidadão não pode ter sua liberdade
Interamericana de Direitos Humanos, restrita pelo Estado sem que haja
que assegurou que “orientação sexual lei nesse sentido e que sua conduta
e identidade de gênero, bem como possa prejudicar o interesse público.
expressão de gênero são categorias  O disposto no art. 5º do Estatuto
protegidas pela Convenção” e
da Criança e do Adolescente, ou
que “consequentemente, seu
seja, que “Nenhuma criança ou
reconhecimento pelo Estado é de
adolescente será objeto de qualquer
vital importância para garantir o
forma de negligência, discriminação,
pleno gozo dos direitos humanos das
exploração, violência, crueldade e
pessoas trans, incluindo a proteção
opressão”.
contra a violência, tortura, maus-tratos,
direito à saúde, educação, emprego,  A Lei nº 12.852/2013, Estatuto
moradia, acesso à seguridade social, da Juventude, que protege os
bem como direito à liberdade de adolescentes e jovens de discriminação
expressão e associação”. pela orientação sexual e identidade
de gênero.
 A Constituição República Federativa
do Brasil de 1988, em seu art. 1º,  O Estatuto da Juventude, em seu art.
inciso III, que versa sobre a dignidade 2º, inciso VI, que versa sobre o respeito
da pessoa humana; bem como o à identidade e à diversidade individual
dever de promoção da igualdade sem e coletiva da juventude, bem como
quaisquer formas de discriminação, no art. 29, inciso II, que trata sobre a
conforme o inciso IV, do art. 3º. adoção de lei de incentivo fiscal para
o esporte, com critérios que priorizem
 A necessidade de ações afirmativas
a juventude e promovam a equidade.
para dar efetividade ao princípio
da igualdade material, previsto no
artigo 5º, caput, da Constituição
Federal de 1988, de modo a combater
as desigualdades socialmente
31

Protocolos possíveis para


crianças e adolescentes
transgêneres
1. Acolhimento
 2018 – Resolução n°1 /2018 CFP-
Estabelece normas de atuação para as
Não existe um roteiro pré-fixado para psicólogas e os psicólogos em relação
o melhor acolhimento das crianças/ às pessoas trans.
adolescentes transgêneros, uma vez
 2017 – Endocrine Society –
que se reconhece a individualização e
Endocrine Treatment of Gender-
a personificação de cada um.
Dysphoric / Gender-Incongruent
Persons: An Endocrine Society Clinical
Portanto, existem possíveis protocolos Practice Guideline
e alterativas sociais, aos quais caberá  2011 – WPATH – World Professional
análise caso a caso. O fundamental
Association for Transgender Health –
para as crianças e adolescentes trans é
Standards of Care, version 7, 2011
o acolhimento familiar, possibilitando
um espaço protetivo e seguro
2. Transição Social
para que possam manifestar seus
desconfortos e assim, com o apoio Constitui-se pelo processo de
da família, traçar o melhor caminho a transição de pessoas transgêneres
fim de garantir o seu bem-estar físico, livre de qualquer protocolo de
mental, emocional e psicológico. hormonização e/ou interferências
corporais cirúrgicas. Nela se alteram
Existem alguns documentos que apenas os estereótipos sociais que
auxiliam e direcionam a família/ nos fazem ser compreendidos como
equipe que acolherá as demandas “meninos/meninas”.
da criança/adolescente trans em A transição social é possível em
questão: qualquer faixa etária e totalmente
reversível. Deve ser acolhida pelos seus
 2020 – Sociedade Brasileira de familiares/responsáveis e em alguns
Pediatria n° 16, de março de 2020 – casos acompanhada por profissionais.
Incongruência / Disforia de Gênero Para as crianças trans, a transição
Atualizado e Revisado social é a única possibilidade!
 2019 – Resolução do CFM n° Realizar a transição social pode
2265/2019 – regras e normativas para gerar muitos benefícios às crianças/
acompanhamento de crianças e adolescentes trans, tais como:
adolescentes trans.
32

 Maior conforto corporal e pessoal; indivíduo trans optar por não fazer a
 Vivências mais felizes, integradas transição social, sua transgeneridade
aos convívios familiares que as não deve ser questionada ou menos
acolhem; respeitada.
 Maior conforto para interações
sociais; Ao longo da transição social (que
pode perdurar por dias, semanas,
 Diminuição de violências causadas
meses ou anos) e em curto prazo de
pelo estranhamento social em relação
sua realização, a criança/adolescente
aos gostos, trejeitos e preferências;
trans não está isenta de ter vivências
 Efeitos positivos na autoestima e de preconceito, críticas e bullying.
no desenvolvimento da autonomia. No entanto, em médio e longo
prazo, com o círculo familiar e social
Na transição social deve ser sempre adaptado às alterações realizadas e
respeitado o tempo da criança/ maior passibilidade social, a criança/
adolescente trans e permitido que adolescente trans tende a ter uma
se adéque apenas o que esta desejar, vivência mais acolhedora e respeitada.
não obrigando a alterar coisas que
não são incômodos para si, mas sim 3. Nome social
para a família/sociedade. Alterações/
É o nome pelo qual pessoas
adequações que podem compor a
transgêneres se reconhecem
transição social são:
e almejam ser socialmente
reconhecidos(as/es). Ele é assegurado
 Nome social pelo Decreto n° 8.727 de 2016,
 Mudança de pronomes apresentado anteriormente neste
 Estilo de cabelo mesmo documento. Considerando
que o nome é uma característica
 Vestimentas e acessórios
importante para todo e qualquer
 Faixa peitoral (binder) indivíduo, o respeito ao nome social
 Enchimentos ou próteses externas passa a ser inegociável.
de mamas
 Ocultação genital (aquendar) - Cabe à criança/adolescente trans
recomendado a partir da adolescência escolher o seu nome social. Essa
escolha pode ser individualizada
 Próteses penianas externas (packer)
ou em processo compartilhado
 Depilação com familiares, mas jamais deve ser
 Uso de banheiro de acordo com a imposto um nome social à criança/
identidade de gênero adolescente trans. Através do decreto
n° 9.278 de 2018, também já apontado
É importante ressaltar que a transição neste documento, o nome social
social é uma possibilidade e não tem pode ser incluído em documentos de
obrigatoriedade, portanto se um identificação como RG e CPF.
33

obrigatoriedade de laudo médico/


O SUS, através da portaria n° 1.820 de psicológico, sentença judicial e/ou
2009, e o MEC, através da resolução nº outros documentos comprobatórios.
1 de 2018, elencadas anteriormente Após a retificação da certidão de
neste trabalho, também reconhecem nascimento, deverá providenciar
que o nome social é um direito dos que o mesmo seja feito em todos os
usuários transgêneres, sem qualquer documentos de identificação (RG,
tipo de restrição à idade. CPF, passaporte, cartão do SUS, entre
outros).
Ao mesmo tempo que o nome social
é uma solução muito importante Em relação às crianças e adolescentes
e protetiva para as crianças e transgêneres, a retificação de nome e
adolescentes trans, ele não permite a gênero no registro civil só é permitida
intimidade e privacidade em relação através de sentença judicial.
a sua condição de gênero. Em outras
palavras, sempre que apresentado o 5. Bloqueio puberal
nome social para matrículas, fichas Em crianças e adolescentes trans,
cadastrais, consultas médicas, o o bloqueio puberal é o protocolo
indivíduo trans tem sua condição que busca adiar o processo de
de gênero exposta ficando, assim, desenvolvimento hormonal
vulnerável a ser questionada(o/e) e responsável pelas características
desrespeitada(o/e). secundárias do sexo biológico - ou
seja, no caso das meninas trans ele
Vale ressaltar que a condição de adia o desenvolvimento de barba,
gênero é uma questão íntima e deve aumento de pelos corporais e
ser partilhada com quem a criança/ pubianos, engrossamento da voz,
adolescente trans se sentir confortável entre outros. Já no caso dos meninos
sem qualquer tipo de obrigatoriedade. trans, este protocolo tem efeito no
adiamento da menarca9, crescimento
4. Retificação de nome e gênero de mamas, pelos pubianos entre
A retificação de nome e gênero no outras características congruentes ao
registro civil (certidão de nascimento, sexo biológico fêmea.
casamento, divórcio, entre outros) de
uma pessoa trans foi regulamentada O bloqueio puberal é reversível e deve
através do provimento n° 73/2018 ser iniciado no estágio Tunner II da
do Conselho Nacional de Justiça, puberdade, que geralmente acontece
apresentado anteriormente neste entre 8 e 12 anos em pessoas que
documento. É permitida via possuem vaginas e de 9 a 13 anos
processo administrativo junto a nas que possuem pênis. Segundo a
cartórios de registro civil, para toda resolução n°2.265/2019 do Conselho
e qualquer pessoa que se reconheça Federal de Medicina (CFM), apontada
como transgênero, sem qualquer anteriormente neste documento, a

9
A menarca é o primeiro ciclo menstrual, ou primeiro sangramento menstrual, em pessoas
com vaginas.
34

realização do bloqueio puberal em É chamada de cruzada devido ao


crianças e adolescentes trans deve se fato de ambos os hormônios estarem
constituir exclusivamente em caráter em todos os corpos, porém um em
experimental em protocolos de menor quantidade que o outro, em
pesquisa, de acordo com as normas função do desenvolvimento dos
do Sistema CEP/Conep, em hospitais caracteres secundários inerentes ao
universitários e/ou de referência para sexo biológico (Coleman et al., 2012).
o Sistema Único de Saúde.
Segundo a resolução n° 2.265/2019
O objetivo principal do bloqueio do CFM, a hormonização cruzada
puberal é evitar o aumento da é possível aos adolescentes trans,
disforia corporal que muitas crianças única e exclusivamente, através do
e adolescentes trans apresentam. O acompanhamento clínico por equipe
protocolo não é uma obrigatoriedade especializada, nos ambulatórios do
e deve ser acordado entre a criança/ SUS. A idade mínima permitida é 16
adolescente trans, família e equipe (dezesseis) anos de idade.
multidisciplinar dos ambulatórios
especializados do SUS. 7. Cirurgias de modificação
corporal
6. Hormonização Cruzada Na atenção médica especializada ao
Consiste na administração de transgêneres é vedada a realização
fármacos à base de testosterona (para de procedimentos cirúrgicos
meninos trans) ou de estrogênio (para de ressignificação sexual antes
meninas trans). dos 18 (dezoito) anos de idade.
Seu objetivo é o desenvolvimento (implante de silicone, mastectomia
de características secundárias que masculinizadora, transgenitalização,
sejam congruentes à identidade entre outros).
de gênero - ou seja, nos meninos
transgêneros o desenvolvimento
de barba, engrossamento da voz,
ampliação de pelos corporais entre
outros; e nas meninas transgêneras
o desenvolvimento mamário, a
distribuição caracteristicamente
feminina da gordura corporal, a
redução do padrão masculino de
crescimento dos pelos faciais e
corporais, além de determinar a
suavização da textura da pele e
redução de sua oleosidade, entre
outros.
35

Vivências reais das crianças


e adolescentes transgêneres
dentro do sistema educacional
brasileiro
1. Objetivo e/ou consequência de uma família
disfuncional.
As crianças e adolescentes
transgêneres, assim como qualquer
São constantes os relatos de crianças
outro de sua idade, passam um longo
e adolescentes trans que sofrem
período dentro das escolas. E cabem
dentro do sistema educacional
às instituições educacionais dois
brasileiro - seus direitos fundamentais
papéis fundamentais na sociedade:
são violados de diversas formas e em
socializar e democratizar o acesso
diferentes níveis.
ao conhecimento, e promover
a construção moral e ética nos
Essa realidade só poderá ser
estudantes.
modificada através da conscientização
social sobre a existência das crianças
Juntamente com a sociedade e as
e adolescentes trans e da criação de
famílias, a escola é um importante
normas e regulamentações que visem
aliado na formação do indivíduo.
a sua proteção.
É também na escola que os
estudantes vivenciam padrões sociais,
Esta pesquisa busca contribuir para
criam vínculos, adquirem valores,
uma melhor compreensão sobre a
consciência crítica e entendem o
qualidade de vida que as crianças/
que é normativo, possível e correto
adolescentes trans possuem dentro
perante a nossa sociedade.
das instituições educacionais, bem
como identificar práticas de bullying,
Infelizmente, é comum dentro das
abuso e preconceito, a fim de que
instituições educacionais, nas famílias
se possa iniciar uma base de dados
e comunidade que ali estabelecem a
que norteiem os fundamentos das
vivência, a falta de informação sobre
mudanças tão necessárias no sistema
a naturalidade da existência das
de ensino brasileiro, visando a uma
crianças e adolescentes transgêneres
qualidade de ensino integral às
e seus direitos. Assim, muitas vezes
crianças e adolescentes transgêneres
a condição de gênero destas é
e que proporcione uma vivência
entendida como uma “aberração”
saudável com a comunidade escolar.
36

Políticas público-sociais são Esta pesquisa contou com a


constituídas através do conhecimento participação de 120 famílias que
dos diretos e principalmente da reconhecem ter uma criança/
constatação da violação dos direitos adolescente trans. Dentre elas, 56
fundamentais. No entanto, só é famílias representam uma criança
possível constatar a realidade através trans (5 a 11 anos) e 64 reconheceram
da escuta e observação dos indivíduos. ter um adolescente trans (12 a 17
Essa escuta é o objetivo principal anos).
desta pesquisa.
3. Metodologia
2. Amostragem Em virtude da escassez de referências
Por se tratar de uma escuta sobre para análise e compreensão sobre a
vivências que podem ser dolorosas, temática abordada, consideramos
optou-se por não dialogar diretamente esta pesquisa como um processo
com as crianças e adolescentes de escuta exploratória/inicial, sobre
transgêneres, mas sim, com seus dados qualitativos e quantitativos
responsáveis legais. coletados. Não foi realizada uma
análise estatística relacional ao cenário
Portanto, as informações coletadas brasileiro, mas sim observações de
foram fornecidas pelas mães, pais dados que correspondem à realidade
e tutores que reconhecem ter uma da amostra obtida.
criança/adolescente transgênere.
A fim de proporcionar uma maior
Ponderou-se que a percepção dos interação das famílias para com
responsáveis pode, em alguns casos, esta pesquisa e garantir o completo
não ser tão efetiva quanto a realidade anonimato destas, ficou estabelecido
vivenciada pela criança/adolescente que o contato seria feito única e
trans, no entanto, o vínculo familiar, exclusivamente pela Coordenadora/
acolhimento, proximidade e convívio Mediadora e a Assistente de projeto,
entre eles permitem que seus uma vez que ambas são mães de
apontamentos levem essa pesquisa a crianças trans e já possuíam interação
uma proximidade muito grande com com grande parte dos participantes.
a realidade vivida pelas crianças e
adolescentes transgêneres. A interação e participação das famílias
foi dividida em 4 etapas, sendo Convite
As famílias que reconhecem ter uma para Livre Participação, Encontro
criança/adolescente trans foram Explanatório, Preenchimento do
convidadas a participar do projeto Formulário Online e Encontro Final.
de forma voluntária, mediante a
consentimento livre e esclarecido, Após o término do processo de
excluindo qualquer opressão e diálogos e coletas de informações
obrigatoriedade na participação. com as famílias participantes, os
37

dados foram transferidos para gráficos O agendamento foi feito pela


pela Coordenadora/Mediadora do Assistente de Projeto, enquanto as
Projeto e reafirmados pela Assistente entrevistas foram realizadas pela
e Consultor do Projeto. Coordenadora/Mediadora deste. Estes
encontros não tiveram seu material
Os profissionais da equipe gravado.
multidisciplinar tiveram acesso
aos dados e, através deste, fizeram • Formulário online:
suas inferências, considerações e O questionário foi desenvolvido
levantaram hipóteses. por todos os profissionais da
equipe de fundamento e da equipe
As etapas que corresponderam à multidisciplinar, através de reunião
interação e participação das famílias online. Após aprovação, foi transcrito
foram as seguintes: para a plataforma “Google Forms”.

• Convite para Livre Participação: Ao término do encontro explanatório,


O convite foi feito através das redes as famílias receberam o link do
sociais, dos aplicativos de mensagens formulário, que, por sua vez, foi
e de grupos compostos por mães subdividido em 6 eixos:
e pais de pessoas trans. As famílias
interessadas em participar deste  1. Identificação da Família –
projeto foram orientadas a entrar em contendo 8 questões;
contato com a assistente de projeto,
 2. Identificação da Criança ou
para agendamento da data do
Adolescente Trans – contendo 23
encontro explanatório.
questões;
• Encontro explanatório:  3. Identificação da Instituição
Encontro online, através da plataforma Educacional – contendo 53 questões;
“Google Meet” para explanação do  4. Pandemia e aulas online –
projeto, bem como termos que seriam contendo 4 questões;
adotados no formulário, o objetivo  5. Trajeto para escola – contendo
almejado com a obtenção dos dados e 3 questões;
a garantia do anonimato das famílias.
 6. Aulas extracurriculares –
contendo 2 questões.
Neste encontro foi esclarecido
o entendimento sobre bullying
Foi solicitado que, ao terminarem
transfóbico, o que pode, ou não,
de responder o formulário, os(as/
consistir em agressões verbais,
es) responsáveis comunicassem
emocionais, físicas e cibernéticas.
a Assistente do Projeto para
Bem como toda e qualquer dúvida
agendamento a última etapa.
que as famílias apontaram ao logo do
diálogo.
38

• Encontro final: A partir destas, gráficos com


Neste encontro, a Coordenadora/ os dados brutos foram gerados
Mediadora conversou com os pela Coordenadora/Mediadora
familiares, de forma individual, para e reafirmados pela Assistente e
entender suas percepções sobre o Consultor de Projeto.
questionário e o impacto gerado
(reflexões, angústias, etc). Os áudios com as respostas das
questões feitas no encontro final foram
As famílias tiveram que responder a analisados pela equipe de fundamento
cinco perguntas: e transferidas para planilha de Excel.
 1 - “Você percebeu mudança de Todas as respostas formam escutadas
comportamento positiva em seu pelos três integrantes da equipe.
filho(a/e) após a transição social?”
Os dados coletados foram
 2 - “Outros familiares também disponibilizados para os profissionais
tiveram a mesma percepção?” da equipe multidisciplinar.
 3 - “Você tem medo de que seu
filho(a/e) volte, presencialmente, 5. Perfil das famílias
para a escola, devido à condição de A pesquisa contou com a participação
gênero?” de 120 famílias, das quais 56
 4 - “Seu filho(a/e) tem medo de reconheceram ter uma criança trans
voltar presencialmente, para a escola, entre 5 e 11 anos de idade e outras 64
devido à condição de gênero?” famílias afirmaram ter um adolescente
trans entre 12 e 17 anos.
 5 - “Em um cenário geral, você
acredita que as escolas brasileiras são
Foram identificados participantes de
um espaço seguro para crianças e
62 cidades distintas, entre capitais e
adolescentes trans?”
cidades interioranas, de 17 estados
brasileiros de todas as regiões (Alagoas,
Nesta etapa os áudios foram gravados,
Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito
no entanto, para preservação do
Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato
anonimato das famílias, nomes não
Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí,
foram mencionados.
Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia,
Roraima, Rio Grande do Sul, Santa
4. Transcrição dos dados
Catarina e São Paulo).
Ao término do processo de coleta
de informações com as famílias Os estados com maior
participantes, através do recurso representatividade nas participações
da plataforma “Google Forms”, as foram São Paulo (47 famílias), Rio
respostas formam transportadas para Grande do Sul (17 famílias) e Paraná
planilha de Excel. (16 famílias).
39

Tabela 01- Relação Cidade/Estado da


amostra Amostra Cidade Estado
2 Maceió AL
Amostra Cidade Estado 1 Matinhos PR
1 Anchieta ES 2 Niterói RJ
1 Bagé RS 2 Novo Hamburgo RS
1 Belém do São PE 1 Campo Largo PR
Francisco
1 Ponta Grossa PR
4 Belo Horizonte MG
1 Parnaíba PI
1 Birigui SP
1 Paulista PE
1 Boa Vista RR
1 Pelotas RS
3 Brasília DF
7 Porto Alegre RS
1 Brodowisk SP
1 Porto Velho RO
1 Cachoeirinha RS
2 Ribeirão Preto SP
1 Caieiras SP
7 Rio de Janeiro RS
1 Camboriú SC
2 Sapucaia do Sul RS
2 Campinas SP
1 Tramandaí RS
1 Campo Grande MS
1 Santa Maria RS
1 Campo Limpo SP
Paulista 1 Balneário Gaivota SC

1 Cruzeiro SP 1 Santa Cruz do Rio SP


Pardo
12 Curitiba PR
2 Santo André SP
1 Diadema SP
1 São José dos SP
1 Divinópolis MG Campos
2 Mogi das Cruzes SP 3 São José do Rio SP
2 Jundiaí SP Preto
2 Florianópolis SC 16 São Paulo SP
3 Fortaleza CE 1 Sumaré SP
1 Goiânia GO 1 Socorro SP
1 Garulhos SP 1 São Vicente SP
1 Itu SP 2 Taboão da Serra SP
1 Ivoti RS 1 Senador Canedo GO
1 Joinville SC 2 Sertãozinho SP
1 Juazeiro BA 1 Teresina PI
1 Mairiporã SP 1 Votorantim SP
1 Juazeiro do Norte CE
1 Maringá PR Os(as/es) familiares entrevistados(as/
1 Boa Esperança MG es) (pais, mães e/ou tutores(as))
40

foram questionados(as/es) sobre sua em menor representatividade, de


orientação sexual, identidade de acordo com o Gráfico 2.
gênero, religião e renda.
Gráfico 2 Você
- Vocêpossui
frequenta
algumalgum
tipo tipo
de de
religião ou crença? Qual?
religião ou crença?
É interessante observar que, dentre
os 120 entrevistados(as/es), 113 se
Não possui 60
identificaram como mães e mulheres
cisgêneras, 1 como guardiã e mulher 23
Católica
cisgênera e 6 como pais e masculino
cisgênero. Espírita 13

Em relação à orientação sexual, nota- Umbanda 8


se que uma parcela significativa
dos participantes se declara como Evangélica 6
heterossexual, como consta no gráfico
Candomblé 3
a seguir.
Budismo 3
Gráfico 1 - Qual a sua orientação sexual?
120 respostas
Cristã 2
Heterossexual 100 Nação Afro-
1
Brasileira

Homossexual 4 Várias 1

Bissexual 15 Em relação à renda familiar mensal,


observa-se que a maioria das famílias
Pansexual 1 entrevistadas recebem entre 1 e 9
salários mínimos (Gráfico 3). Quando
Sobre a raça/etnia com que se questionados(as/es) sobre o grau de
autodenominam, 80% das famílias escolaridade, a graduação completa
responderam branca e 12,5% negra. aparece em maior representatividade,
As raças/etnias parda, indígena, seguida pelo pós-graduação completa
asiático e latino aparecem com menor e graduação incompleta (Gráfico 4).
representatividade dentre os(as/es)
participantes. Por fim, ao serem questionados(as/
es) se possuíam algum outro
As famílias que declaram não possuir familiar LGBTI+, 70 das 120 famílias
nenhum vínculo com alguma religião/ entrevistadas declaram que sim,
crença representam 50% desta possuem outros familiares LGBTI+,
amostra, 19% são da religião católica, enquanto 50 famílias responderam
11% espíritas e outras religiões/ não possuir outros familiares LGBTI+.
crenças como umbanda, evangélica,
candomblé e budista foram declaradas
41

Gráfico 3 - Somando sua renda com a renda


a condição de gênero de sua criança/
das pessoas que moram com você, quanto é,
aproximadamente, a renda familiar mensal? adolescente, pondera-se que o perfil
apresentado pelos responsáveis
1a3
28 corresponde à realidade, ou é muito
salários mínimos
próximo ao perfil real da criança/
3a6
salários mínimos 28 adolescente trans.

6a9
salários mínimos
23 Questionado(as/es) sobre a idade
das suas crianças/adolescentes trans,
9 a 12
salários mínimos
8 as idades 8 anos, 11 anos, 13 anos,
15 anos e 16 anos foram as mais
12 a 15
17
salários mínimos apontadas pelos familiares.
Mais de 15
salários mínimos 15
Gráfico 5 - Quantos anos tem sua
criança/adolescente?
Gráfico 4 - Qual seu grau de escolaridade?

Mestrado/Doutorado 5 anos 4
Completo 10
Pós-graduação
Completa 26 6 anos 3
Pós-graduação
Incompleta
8 7 anos
6
Graduação
32
Completa 8 anos
13
Graduação 19
Incompleta
Ensino Médio
9 anos
8
Completo 15
10 anos
Ensino Médio 9
Incompleto 3
11 anos
Ensino Fundamental
2 13
Completo
Ensino Fundamental
Incompleto 4 12 anos
5
Analfabeto 1 13 anos
14

14 anos 10
6. Perfil das crianças e
adolescentes transgêneres 15 anos
14
A pesquisa obteve o perfil das crianças
e adolescentes transgêneres sob a
16 anos
13
perspectiva de seus responsáveis 17 anos
(mães, pais e tutores(as). No entanto,
8
como as famílias entrevistadas
apoiam, compreendem e respeitam
42

Em relação à identidade de gênero Sobre a utilização do nome social,


de sua criança/adolescente, as(os/es) 76,67% dos participantes declararam
familiares responderam: que sua criança/adolescente trans faz
uso do nome social.
Gráfico 6 - Qual o gênero com que sua
criança/adolescente se autodenomina? Gráfico 8 - Sua criança/adolescente
faz uso do nome social?
Masculino Trans
67 Sim 92
Feminino Trans
47
Não 28
Não Binário
6
Gráfico 9 - Caso sua criança/adolescente
não faça uso do nome social, qual o
Segundo os(as/es) responsáveis
motivo?
entrevistados(as/es), 75,84% das
crianças e adolescentes trans Não, pois fez a
retificação de nome na 2
possuem peso e estatura adequada, certidão de nascimento

seguido por 20% que, segundo os(as/ Não, por limitações 9


burocráticas
es) seus(suas) responsáveis, estão Não, ainda não escolheu
17
com sobrepeso ou obesidade; e por um nome social

fim, 4,16% identificaram um quadro


de magreza ou desnutrição de sua Em relação ao processo de
criança/adolescente trans. aprendizagem de suas crianças e
adolescentes trans, observa-se que
Em relação à raça/etnia, os familiares uma quantidade expressiva de famílias
declaram suas crianças/adolescentes (94) entendem que suas crianças/
trans como: adolescentes trans não possuem
qualquer tipo de diagnóstico
Gráfico 7 - Qual raça/cor descreve melhor responsável por uma alteração no
sua criança/adolescente?
processo de aprendizagem. Sobre
a utilização de medicação de uso
Branca 94 contínuo, 50 famílias participantes
relataram que suas crianças/
Negra 17 adolescentes trans fazem uso de
Parda medicação contínua.
6
Indígena Gráfico 10 - Sua criança/adolescente faz
1 uso de alguma medicação contínua?

Latina
1 Sim 50
Asiática 1 Não 70
43

Gráfico 11 - Sua criança/adolescente foi Gráfico 12 - Sua criança/adolescente


diagnosticada com algum distúrbio que faz algum tipo de acompanhamento
altera o aprendizado? Se necessário, especializado? Se necessário, assinale
assinale mais de uma opção. mais de uma opção.
26 respostas entre 120 entrevistados
Sim, por questões ligadas
à transgeneridade
110
Ansiedade 6
Sim, por outras questões 41
Depressão 5
Transtorno de
Não 7
Hiperatividade e Déficit 5 Não, pois está na fila de
de Atenção (TDAH)
espera do ambulatório 5
Autismo/Síndrome
de Asperger 3 especializado

Déficit de Atenção 2 Gráfico 13 - Em caso positivo para


questões relacionadas à transgeneridade,
Insônia 1 quais tipos de acompanhamento são
feitos?
Atraso Global 1
Psicólogo (particular,
plano de saúde, ONG)
82
Altas Habilidades
1
Alteração no
Ambulatório
especializado
52
processamento
auditivo central
1
Psiquiatra (particular,
Dificuldade de plano de saúde, ONG) 28
aprendizagem 1
Endocrinologista (particular,
plano de saúde, ONG) 28
Dislexia 1 Ambulatório multidisciplinar
mas não especializado 4
Transtorno Opositor em transgeneridade
Desafiador (TOD) 1 Neurologista 3
Transtorno Obsessivo-
compulsivo (TOC) 1
Ginecologista 3
Transtorno de
Borderline 1
Fonoaudiólogo 2
Tourrette 1
Dificuldade de
aprendizagem que
não se enquadra nas 1 No que tange ao desenvolvimento de
opções acima características sexuais em decorrência
da puberdade, apenas 29 famílias
Quando questionadas sobre a não reconheceram qualquer tipo de
existência de um acompanhamento desenvolvimento de características
especializado, 110 famílias relacionadas a esta fase (Gráfico 14).
participantes desta pesquisa
afirmaram que sim, motivado por Sobre os protocolos de bloqueio
questões ligadas à condição de gênero puberal e hormonização cruzada, 89
da sua criança/adolescente trans. Os famílias afirmam que sua criança/
familiares também identificaram as adolescente trans não faz/fez uso
especialidades dos profissionais que de nenhum desses protocolos,
realizam o acompanhamento. enquanto 22 reconhecem ter iniciado
o protocolo de bloqueio puberal, 4
fazem a hormonização cruzada
44

e 5 confirmaram que sua criança/ Em relação à mudança de humor


adolescente, identificada como após a transição, 102 famílias
trans, teve acesso aos dois perceberam uma mudança positiva
protocolos. de humor, enquanto 6 observaram
uma mudança parcialmente positiva
Gráfico 14 - Sua criança/adolescente e 12 identificaram uma mudança
já apresenta sinais de puberdade? Se
necessário, assinale mais de uma opção. negativa de humor.

Não 29 Por fim, quando questionados(as/es)


se outros(as/es) familiares tiveram
Crescimento de pelos
78 alguma percepção sobre a mudança
de humor da criança/adolescente
Crescimento de mamas 62
trans, 24 famílias afirmam que não
Aparecimento de acne 42 tiveram qualquer tipo de observação
feita nesse sentido, enquanto 96
Mudança no tom de voz
24 reconheceram que outros(as/es)
Aumento dos testículos familiares perceberam mudança de
e pênis 15
humor na criança/adolecente trans.
Mudança de 1
comportamento
7. Perfil das instituições
Menstruação 1 educacionais
Sim, quase adulto 1 Para entendermos melhor as questões
relacionadas às vivências das crianças
Dentre 120 participantes, 113 e adolescentes trans (que compõem
famílias afirmam que sua criança/ a amostra desta pesquisa) dentro do
adolescente trans não faz uso de sistema educacional, é imprescindível
substâncias psicoativas (lícitas ou observar o perfil das escolas
ilícitas), enquanto o uso de álcool (em frequentadas. Mais da metade das
ocasiões sociais), tabaco e maconha famílias participantes afirmam que
foi reconhecido por uma parcela sua criança/adolescente trans está
significativa das famílias. vinculado(a/e) a uma instituição de
ensino privada. Instituições de ensino
Gráfico 15 - Sua criança/adolescente já públicas estaduais e municipais
fez uso de substâncias psicoativas (lícitas também foram identificadas.
ou ilícitas)? Se necessário, assinale mais
de uma opção.
Gráfico 16 - A qual rede a instituição que
sua criança/adolescente estuda, pertence?
Não 113
Sim, álcool (em
7
Privada 65
situações sociais)

Sim, uso de
3
Pública - Estadual 32
maconha

Sim, uso de
2 Pública - Municipal 23
tabaco
45

Em relação ao vínculo da instituição Gráfico 18 - Sua criança/adolescente


estuda há quanto tempo nesta mesma
educacional com alguma religião/ instituição?
crença, a maioria expressiva (94
famílias) afirmam não possuir, Até 1 ano 35
enquanto apenas 26 reconheceram
que sua criança/adolescente trans Até 2 anos 9
frequenta uma escola católica. Outras
religiões/crenças não foram identificas Até 3 anos 16
pelos(as/es) participantes.
Até 4 anos 7
Sobres festividades, celebrações
e comemorações escolares, é Até 5 anos 9
interessante observar que uma grande
parte das instituições educacionais Até 6 anos 7
identificadas pelas famílias desta
amostra possuem datas festivas
Até 7 anos 1
normativas e convencionais, como
Dia das Mães e Dia dos Pais.
Até 8 anos 3

Gráfico 17 - A instituição escolar celebra


Até 9 anos 1
datas festivas?
Até 10 anos 1
Sim, Dia das Mães
e Dia dos Pais 67
Mais de 10 anos 3
Sim, Dia das Crianças 57
Sem informação
precisa 28
Sim, Dia da Família 52

Outras datas festivas 17


Já em relação à presença de
Não 19 psicólogo(a/e) escolar no quadro
de profissionais da instituição
Quanto à etapa educacional das educacional, a maioria das famílias
120 crianças e adolescentes trans afirmaram que a escola não possui esse
reconhecidas por suas famílias nesta profissional para auxílio e orientação
pesquisa, 4 estão na Educação Infantil das demandas dos estudantes.
(pré-escola, creche), 41 no Ensino
Fundamental I (1° ao 5° ano), 43 no Gráfico 19 - A escola possui psicólogo(a/e)
para orientar/acolher alguma demanda
Ensino Fundamental II (6° ao 9°ano) e dos(as/es) alunos(as/es)?
32 estão no Ensino Médio.

Quando questionados(as/es) sobre o Sim 51


tempo de permanência na instituição
educacional, as famílias participantes Não 69
afirmaram que:
46

A respeito do uso de nome social Gráfico 22 - Se sim, foi solicitado algum


documento comprobatório? Se necessário,
na escola, é interessante observar
assinale mais de uma opção.
que, apesar de pequena (1,67%), 45 respostas entre 120 entrevistados
existe uma parcela das famílias
que reconhecem que sua criança/ Declaração dos
responsáveis 11
adolescente trans tem nome social,
porém não solicitaram a inclusão
Parecer psicológico 10
deste na instituição educacional. Laudo médico 9

Relatório Psicológico 8
Gráfico 20 - Você solicitou a inclusão do
nome social da sua criança/adolescente Declaração Médica 8
na escola?
Atestado médico 6
Sim 90 Apresentação de RG
4
com nome social

Não 30 Laudo Pedagógico 1


Encaminhamento ao
Conselho Tutelar 1

Quando questionados se foram


obrigados(as/es) a declarar a condição 8. Percepção de bullying no
de gênero de sua criança/adolescente sistema educacional
nas instituições escolares em algum É urgente e necessário um olhar mais
momento, respoderam: atento sobre o impacto que o bullying
transfóbico gera no bem-estar físico,
Gráfico 21 - Você foi obrigado(a/e) a declarar mental, emocional e psicológico das
a condição de sua criança/adolescente em
algum momento (matrícula, rematrícula, crianças e adolescentes trans.
durante a transição?)

Apenas 16 das 120 famílias


Sim 45 participantes desta pesquisa
(13,3%) afirmaram que sua criança/
adolescente trans não possui qualquer
Não 75 tipo de quadro psicoemocional
disfuncional, enquanto as demais
(86,6%) reconheceram que sua
As famílias que foram obrigadas a
criança/adolescente trans apresenta
declarar a condição de sua criança/
ou já apresentou algum quadro
adolescente (37,5% da amostra)
psicoemocional conforme descrito no
descreveram os documentos
Gráfico 23 a seguir.
comprobatórios exigidos pela
instituição de ensino conforme o
Observa-se que, apesar de uma
Gráfico 22 a seguir.
parcela significativa das famílias
não atribuírem esse tipo de quadro
47

psicoemocional disfuncional à Gráfico 25 - Caso sim, qual o motivo?


condição de gênero de sua criança/ Se necessário, assinale mais de uma
alternativa.
adolescente trans, a maioria dos(as/ 72 respostas entre 120 entrevistados
es) participantes entendem que sim,
o comportamento disfuncional está Bullying sofrido
39
diretamente ligado à condição de na escola

gênero. Pela não aceitação


da família 36
Pela não aceitação
Gráfico 23 - Sua criança/adolescente tem dos amigos 29
ou já teve algum quadro piscoemocional?
Se necessário, assinale mais de uma
opção. Este dado será discorrido e analisado
104 respostas entre 120 entrevistados pela equipe multidisciplinar mais
adiante. No entanto, é indispensável
Ansiedade 86 que reforcemos aqui o quanto a
Depressão 44 ausência de um ambiente saudável
dentro do sistema educacional é
Automutilação
não suicida 39 impactante para o desenvolvimento
de um quadro psicoemocional
Ideação suicida 15 disfuncional das crianças/
adolescentes trans.
Tentativa Suicida 4

Fobia social 2 Quando questionadas sobre


vivências de bullying transfóbico
dentro do sistema educacional, 93
Gráfico 24 - Você atribui isso à condição de famílias afirmaram que sua criança/
gênero dela(e)? adolescente trans já foi vítima de
algum tipo de bullying dentro da
Sim 72 escola, enquanto 27 entendem que
não tiveram essa experiência.
Não 48 Segundo as famílias que compuseram
a amostra observada nesta pesquisa,
Ainda sobre o comportamento as vivências dolorosas de violações de
psicoemocional disfuncional das direitos foram iniciadas durante toda
crianças e adolescentes trans, a infância e adolescência, exceto aos
identificado por seus familiares 16 anos, idade que não foi apontada
nesta pesquisa, os pais, mães e nenhuma vez (Gráfico 26).
responsáveis inferem que o quadro
é/foi motivado por não aceitação de Ainda sobre o bullying dentro das
amigos/familiares e bullying ocorrido escolas, quando questionadas sobre
na escola, conforme mostra o Gráfico qual/quais o(s) tipo(s) de bullying
25 a seguir. a criança/adolescente trans foi
vítima, as famílias identificaram a
48

agressão emocional (aquela que não costas, etc) como a principal forma
é diretamente uma agressão física de bullying praticada contra crianças/
ou verbal, mas sim o descaso com adolescentes trans, seguidas de
a presença, ausência de interação, agressões verbais, físico-verbais e
ausência de convites para ocasiões ciberbullying:
sociais, olhares, cochichos pelas Gráfico 27 - Caso sua criança/adolescente
tenha sofrido bullying transfóbico na
Gráfico 26 - Quantos anos tinha a sua escola, por favor identifique. Se necessário,
criança/adolescente quando sofreu assinale mais de uma alternativa.
bullying transfóbico pela primeira vez? 90 respostas entre 120 entrevistados
94 respostas entre 120 entrevistados
Emocional (descaso,
ausência de interação, 79
2 anos 1 olhares, cochichos, etc)

Verbal 52
3 anos 5
Físico e verbal 19
4 anos 5 Ciberbullying 18

5 anos 7 Físico
3

6 anos 3 No que diz respeito aos agentes que


praticam/praticaram bullying, os
7 anos 9 mais apontados pelas famílias foram:
aluno(a/e) da mesma série e turma,
8 anos 8 família de outro(a/e) aluno(a/e) e
os(as/es) professores(as).
9 anos 7 Gráfico 28 - Quem cometeu bullying
transfóbico contra a criança/adolescente?
10 anos 3 Se necessário, assinale mais de uma
alternativa.
90 respostas entre 120 entrevistados
11 anos 8
Aluno(a/e) da mesma 64
12 anos 9 série e turma

Professor(a/e) 39
13 anos 10 Família de outro(a/e) 39
aluno(a/e)

14 anos 5 Aluno(a/e) de outra 23


série e mais velho(a/e)

15 anos 5 Aluno(a/e) da mesma 23


série e de outra turma

Direção 16
16 anos 0
Coordenação 9
17 anos 1 Aluno(a/e) de outra 7
série e mais novo(a/e)

Psicólogo(a/e) escolar 6
49

Ao realizar um recorte considerando Novamente é essencial atenção para


apenas os adultos identificados como os dados apontados pelas famílias
agentes de bullying (apontamento de crianças e adolescentes trans
de 90 famílias), é possível observar que compõem a amostra observada
que 65% da amostra corresponde nesta pesquisa, pois nos leva ao
a profissionais das instituições entendimento de que uma parcela
educacionais e 35% familiares de significativa dos agentes de ações
outros(as/es) estudantes. Analisando de bullying são adultos vitimizando
de forma mais detalhada ainda, é crianças e adolescentes trans.
possível identificar que os principais
agentes de bullying dentro das Isso nos possibilita refletir sobre o
escolas são os(as/es) professores(as) “consenso social” de que bullying é
em maioria, seguido pela direção, brincadeira de criança. Será mesmo?
coordenação e psicólogo(a/e). Os apontamentos feitos pelos pais,
mães e responsáveis participantes
Gráfico 29 - Identificação dos adultos desta pesquisa denunciam o
responsáveis pela prática de bullying bullying enraizado dentro do sistema
transfóbico
90 respostas entre 120 entrevistados educacional, tendo, também, como
agentes de ação, indivíduos que em
tese deveriam promover atenção,
65% proteção e cuidados.
65%
35%
35% Dispondo desse cenário lamentável
identificado pelos participantes desta
pesquisa, não causa estranheza ou
espanto que 98% das famílias que
Praticado
Praticado porpor familiares
familiares compõem a amostra não acreditam
de de outro(a/e)
outro(a/e) aluno(a/e)
aluno(a/e) que o ambiente educacional
Praticado
Praticado porpor profissionais
profissionais
brasileiro seja seguro para crianças e
dasdas instituições
instituições adolescentes trans.
23%
Gráfico 30 - Identificação dos profissionais Gráfico 31 - Você considera que o ambiente
8%
das instituições educacionais 56%
apontados educacional brasileiro é seguro para as
como agentes de bullying crianças/adolescentes trans?
13%
70 respostas entre 120 entrevistados

1%
Não
23% Professor(a/e)
Sim
Direção
8% 56%
Parcial
Coordenação 98%
13%
Psicólogo(a/e) escolar

Professor(a/e)

Direção

Coordenação

Psicólogo(a/e) escolar
50

9. Pandemia e aulas online Gráfico 33 - Nos aplicativos adotados para


aula online, sua criança/adolescente teve
A pandemia gerada pela covid-19 a identidade de gênero respeitada?
forçou que a humanidade Sim
74
desenvolvesse novas formas
de realizar muitas atividades
cotidianas. A educação também Ainda não solicitou o
nome social nas aulas online 20
teve que se adequar aos protocolos
de distanciamento, quarentenas Parcialmente, pois apesar de
e outras medidas sanitárias. As adotarem o nome social nas
chamadas e outras atividades, 19
instituições educacionais deixaram precisei solicitar que utilizassem
nos recursos das aulas online
de exercer suas atividades no
campo físico e se tornaram virtuais. Não, a escola impossibilitou
que o nome social fosse
As aulas online, por um grande utilizado nos recursos online 7
(login, identificação de
período, foram o único meio de usuária(e/o), etc.)

ter acesso à educação. Como foi a


relação desse “novo educar” com os Gráfico 34 - Após a pandemia, sua criança/
adolescente sente vontade de voltar às
estudantes transgêneres? Dentro aulas presenciais?
do universo virtual, proporcionado
Sim
pelas escolas, as crianças e
adolescentes trans tiveram suas 1% Parcialmente, ainda
com receio de voltar
identidades respeitadas? o contato com os/as/es
amigas/es/os, pois tem
59%
medo de sofrer bullying
ou preconceito
Ainda que esta pesquisa não tenha
Não, sente-se mais
como foco fazer inferências e seguro(a/e), protegido(a/e)
do bullying, preconceito,
levar dados sobre as aulas online discriminação e violências
durante a pandemia, alguns de gênero em casa

questionamentos foram feitos para Gráfico 35 - Nos aplicativos de interação


provocar que, dentro de todas as social (Whatsapp, Instagram TikTok,
análises que deverão ser feitas jogos online, encontros virtuais), onde
os participantes são alunos, sua criança/
sobre o impacto da pandemia na adolescente sente-se bem-vindo(a/e)?
educação, não seja esquecida a Se for necessário, assinale mais de uma
temática trans infantojuvenil nas opção.
escolas. Sim, desempenha interação
53
virtual com todo o grupo

Gráfico 32 - Comente sobre a identidade Parcial, tem alguns


alunos/as/es que interagem
de gênero nas aulas online melhor e outros/as/es que 31
o/a/e ignoram
Relatos de situações
problemáticas diversas 74 Não, pois tem dificuldade
em lidar com o grupo 15
Relatos que evidenciam
existir muita ignorância
para as questões da 20 Parcial, pois não sente
criança/adolescente trans que o/a/e escutam 3

Relatos sobre os
conflitos existentes 19 Parcial, pois não se sente
querido/a/e e respeitado/a/e 3

Relatos sobre o receio


Ainda não faz uso
das escolas ao referir-se
7 de redes sociais 15
à criança/adolescente trans
51

Leitura multidisciplinar a partir


das vivências das crianças e
adolescentes transgêneres
5.1. ASPECTOS EMOCIONAIS ENVOLVENDO CRIANÇAS
E ADOLESCENTES TRANS: UMA ANÁLISE A PARTIR
DAS ENTREVISTAS REALIZADAS PELA COORDENAÇÃO
DE PROTEÇÃO E ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS,
ADOLESCENTES E FAMÍLIAS LGBTI+
Fernanda Rafaela Cabral Bonato

5.2.VARIABILIDADE DE GÊNERO NO AMBIENTE ESCOLAR:


ASPECTOS DE DISCRIMINAÇÃO E SAÚDE MENTAL
Nathália Ajudarte Lopes

5.3. CRESCER NUNCA FOI FÁCIL – UM ENSAIO SOBRE


O OLHAR DA PEDIATRIA PARA ALÉM DA MEDICINA A
RESPEITO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE
NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA E COMO A IDENTIDADE
DE GÊNERO E O AMBIENTE ESCOLAR INFLUENCIAM
NESSA CONSTRUÇÃO.
Nicolle Amboni Schio

5.4. DA ESCOLA COMO “ESPAÇO DE TERROR” À ESCOLA


COMO ESPAÇO-TEMPO ACOLHEDOR E LIVRE DA
TRANSFOBIA
Dayana Brunetto
52

5.1. Aspectos emocionais envolvendo


crianças e adolescentes trans: uma
análise a partir das entrevistas
realizadas pela Coordenação de
Proteção e Acolhimento a Crianças,
Adolescentes e Famílias LGBTI+
Por Fernanda Rafaela Cabral questão identitária, uma vez que “na
definição do que é ser homem ou
Bonato
mulher, não são os cromossomos
ou a conformação genital, mas a
1. Cisgeneridade e transgeneridade
autopercepção e a forma como a
A construção do conceito de gênero pessoa se expressa socialmente”
possibilitou a compreensão e que determinarão quem a pessoa
nomeação de identidades que fogem é, bem como de que maneira ela se
da regra macho/fêmea = homem/ identifica e deseja ser identificada.
mulher, isso porque nem todas as Ainda segundo Jesus (2012, p. 14),
pessoas se identificam com estas cisgênero é um “conceito ‘guarda-
atribuições; nem todos(as/es) se chuva’ que abrange as pessoas que
identificam com o gênero atribuído se identificam com o gênero que
no nascimento. lhes foi determinado quando de seu
nascimento”, enquanto transgênero é
Segundo Leão e Castanho (2018, p. 89), um termo “guarda-chuva” que abrange
aqueles indivíduos cujas identidades o grupo diversificado de pessoas
de gênero correspondem ao seu sexo que não se identificam, em graus
biológico são chamados de cisgêneros; diferentes, com comportamentos e/
já transgêneres são aquelas pessoas ou papéis esperados do gênero que
que em momentos particulares e/ou lhes foi determinado quando de seu
socialmente transitam entre os dois nascimento.
gêneros.
Resumidamente, segundo o
Jesus (2012, p. 06) reforça estes Centro de Estudos de Cultura
conceitos afirmando, em seu livro Contemporânea (2021, p. 08) “o termo
intitulado “Orientações sobre ‘trans’ é utilizado para denominar um
identidade de gênero: conceitos e grupo diversificado de pessoas cujas
termos”, que a transexualidade é uma
53

identidades de gênero diferem em Se é quem se é pelas experiências


graus e expressões diversas do sexo vividas, pelas influências familiares,
com que foram designadas ao nascer”. educacionais, sociais, religiosas,
entre outros, que ocorrem com o
Estes conceitos de cisgeneridade curso do tempo, com as relações
e transgeneridade se relacionam estabelecidas e vínculos criados. Por
a outro conceito denominado certo, é importante pontuar que não
‘identidade sexual’, que segundo se exclui a interferência hereditária
os Princípios de Yogyakarta – ICJ – neste processo de desenvolvimento
(2007, p. 06), documento que traz subjetivo, mas compreende-se que
regulamentações internacionais sobre a esta se somam questões inerentes
os direitos humanos do qual o Brasil com a especificidade do ser humano,
é signatário, constitui-se na profunda que vive e se constitui em, e por meio
“(...) experiência interna e individual de, relações sociais e culturais.
do gênero de cada pessoa, que pode
ou não corresponder ao sexo atribuído Algumas pesquisas científicas, como
no nascimento, incluindo o senso a conduzida por Jarvis et al. (2005),
pessoal do corpo (que pode envolver, buscam compreender estes processos
por livre escolha, modificação da de identificação identitária partindo
aparência ou função corporal por da análise de conexões cerebrais
meios médicos, cirúrgicos ou outros) e da interferência hormonal no
e outras expressões de gênero, período gestacional; já outras, como
inclusive vestimenta, modo de falar e o ensaio sobre gênero de Lauretis
maneirismos”. (1994), entendem gênero a partir da
compreensão social dos processos
Para além destes conceitos, é identitários.
importante pontuar o significado
da palavra “travesti”, já que travestis Estas são somente duas das inúmeras
“são as pessoas que vivenciam papéis pesquisas que visam compreender
de gênero feminino, mas não se a categoria identitária, porém até os
reconhecem como homens ou como dias atuais, nenhuma delas, entre
mulheres, mas como membros de tantas outras, chegou à conclusão
um terceiro gênero ou de um não categórica e inquestionável sobre
gênero” (JESUS, 2012, p. 17), uma como estes processos de identificação
vez que elas estão incluídas neste se constituem e individualizam. Fato
grande guarda-chuva do conceito da é que pessoas trans existem e passam
transgeneridade. a se reconhecer como tal em distintos
momentos de vida.
2. Transgeneridade: percursos e
construções Neste momento, é importante frisar
Esta experiência identitária não tem que parte destas identificações
um momento certo para acontecer. se fazem na mais tenra infância,
54

entretanto, também se percebe o atualmente, vivem sozinhos(as) (31%)


processo de se reconhecer como trans ou, menos frequentemente, com
na adolescência, na vida adulta e/ou companheiros ou amigos (23%).”
na terceira idade, até mesmo porque,
como exposto acima, o processo de A Associação Nacional de Travestis e
ser quem se é, é um processo contínuo Transexuais – ANTRA– (2020) trabalha
que sofre influências biológicas, com a estimativa de que 1,9% da
psicológicas, históricas, culturais e população brasileira seja não
sociais (OLIVEIRA, 2017). cisgênera. Já os dados da pesquisa
conduzida por Spizziri et al. (2021),
No que tange aos dados intitulada “Proportion of people
sociodemográficos do Brasil, é identified as transgender e non-
importante frisar a inexistência de um binary in Brazil”, cuja tradução livre
censo nacional que englobe dados seria “Proporção de pessoas que se
sobre a população trans brasileira autoidentificam como transgêneras e
(CENTRO DE ESTUDOS DE CULTURA não binárias no Brasil”, concluiu que,
CONTEMPORÂNEA, 2021; ANTRA, estatisticamente, cerca de 1.090.200
2018) brasileiros(as/es) se identificam
como transgêneros(as/es) e 1.880.200
No ano de 2021, o Centro de Estudos de pessoas como gêneros não binários,
Cultura Contemporânea publicou um ou seja, quase 3 milhões de
estudo denominado “Mapeamento brasileiros(as/es) se identificam como
das pessoas trans no município de gênero diverso.
São Paulo”, que foi pioneiro no cenário
brasileiro. Estes são os poucos dados
sociodemográficos referentes à
O estudo supracitado (2011, p. 75) população trans brasileira, por isso
entrevistou 1.788 (mil setecentos e é extremamente válida a reflexão
oitenta e oito) pessoas adultas que feita pelo Centro de Estudos de
se autodeclaravam trans e moravam Cultura Contemporânea (2021), que
cidade de São Paulo, concluindo afirma que há uma lacuna quanto às
que a população trans que mora na características, localização, condições
maior cidade da América Latina é de moradia, nível de escolaridade,
“bastante diversificada em relação situação de trabalho e renda,
aos marcadores sociais. A sua maioria vivência de situações de violência
é composta de: mulheres (travestis e impedimento ao exercício da
e mulheres trans) (70%); jovens cidadania vivido pelas pessoas trans.
(com até 35 anos) (70%); solteiras/
os (75%); de cor preta e parda (57%); Perceber e pontuar essa grave lacuna
de escolaridade média (51%); não se é extremamente importante, pois esta
consideram religiosas(os) (40%).” Estas ausência de dados gera um vácuo
pessoas também “deixaram de morar na construção e implementação
com a família precocemente (75%) e, de políticas públicas voltadas à
55

população trans brasileira. Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais – 5ª. Ed.) e da
A pesquisa ora realizada visa Organização Mundial da Saúde
suprir parte desta lacuna, a partir (Classificação Estatística Internacional
das informações obtidas por meio de Doenças e Problemas Relacionados
das entrevistas efetuadas no ano de à Saúde – CID 10), entretanto, nestes
2021 com pais, mães e/ou tutoras documentos, as vivências trans são
de adolescentes, nomeados por patologizadas8.
estes(as) como trans, realizadas
pela Coordenação de Proteção O guideline da World Professional
e Acolhimento de Crianças, Association for Transgender Health –
Adolescentes e Famílias LGBTI+, WPATH - (2012) informa que crianças
vinculada ao Grupo Dignidade. de apenas dois anos de idade podem
expressar um desejo, em diferentes
3. Vivências trans na infância e níveis, de pertencer ao outro
na adolescência gênero e angústia com relação às
Segundo Jesus (2013, p. 02-03), “há características físicas e sexuais. Estas
poucos estudos, fora do campo da crianças e adolescentes apresentam
psiquiatria e da saúde mental lato um descontentamento com roupas,
sensu, sobre o desenvolvimento social brinquedos, jogos e brincadeiras que
de crianças que vivenciam papéis de são usualmente associados ao gênero
gênero fora dos modelos normativos oposto.
predominantes na sociedade, as quais
se pode denominar genericamente O referido documento (WPATH,
como integrantes da população 2012) também pontua a
“transgênere”, ou simplesmente heterogeneidade destas expressões
trans”. Alguns estudos são realizados e angústias, afirmando que enquanto
por meio de relatos sobre as memórias algumas crianças e adolescentes
de pessoas trans adultas sobre suas demonstram comportamentos e
infâncias, mas no que concerne à desejos discordantes extremos,
vivência da variabilidade de gênero acompanhados por um desconforto
ou da transgeneridade infantojuvenil? diante de seus corpos, outras crianças
e adolescentes têm sentimentos
Para responder estas perguntas, menos intensos e/ou parcialmente
alguns(as) profissionais de distintas presentes.
áreas que compõem as ciências
da saúde buscam os manuais Fato é que a análise destas descrições
diagnósticos, como o da Associação possibilita questionar sobre gênero,
Americana de Psiquiatria (Manual sobre os corpos e sobre como corpos
são educados para responder e

8
Para mais, acessar FAVERO, S. R.; MACHADO, P. S. Diagnósticos benevolentes na infância: crianças
trans e a suposta necessidade de um tratamento precoce. Revista docência e cibercultura., v.
3, n. 1, p. 1-25, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/re-doc/article/
view/40481. Acesso em: 05 set. 2021.
56

se enquadrar nos padrões sociais e padrões sociais binárias existentes


binários, femininos e masculinos. nas sociedades.

Louro (2016), em seu livro “O corpo Segundo Saadeh et al. (2018, p. 88):
educado: pedagogias da sexualidade”,
ensina, de maneira magnífica, como Geralmente, as crianças têm a sua
os gêneros são construídos e como identidade de gênero congruente
esse processo se desenvolve ao longo com seu sexo biológico, mas não
de toda a vida, inclusive na infância são todas que se identificam
e na adolescência10, mostrando que totalmente com as características
os corpos são educados por meio sexuais do seu nascimento. Aquelas
de disciplinas pedagógicas sociais, que não são congruentes relatam a
realizadas, inclusive, em ambientes incompatibilidade que sentem com
familiares e escolares. a genitália que nasceram: algumas
meninas percebem-se diferentes e
Por isso, quando se pensa em pessoas identificam-se e sentem-se como se
trans, pode-se pensar em corpos fossem meninos; e alguns garotos
dissidentes, que não concordam, concebem-se como garotas. Esse
não aceitam, questionam e não fenômeno retrata a vivência de uma
se identificam com o gênero com criança transgênero.
que foram designados(as/es) no
nascimento. São pessoas que Entretanto, importantíssimo ressaltar
escapam do padrão binário imposto que esta autopercepção não deve
pela sociedade por meio destas ser transitória, pelo contrário,
políticas pedagógicas de corpos traz um nível de angústia, um
(BUTLER, 2015). Assim, quando se comportamento verbal e/ou não
pensa em pessoas trans, deve-se verbal diante desta não identificação
incluir crianças e adolescentes que imposta e uma manutenção de tais
questionam estes padrões sociais, sentimentos, uma vez que na infância
que dizem que não se identificam e na adolescência “os conceitos
com aquilo que a sociedade espera iniciais sobre gêneros são bastante
delas(es), nem mesmo com as normas flexíveis e elas experimentam todas

10
Para mais informações sugiro o belíssimo artigo de Preciado (2013) intitulado “Quem defende
a criança queer?”. Nele, encontram-se inúmeras informações sobre pedagogia dos corpos e corpos
dissidentes são expostos, como esta passagem intensa que partilho nesta nota de rodapé: “Eles
defendem o poder de educar os filhos dentro da norma sexual e de gênero, como se fossem
supostamente heterossexuais. Eles desfilam para conservar o direito de discriminar, castigar e
corrigir qualquer forma de dissidência ou desvio, mas também para lembrar aos pais dos filhos
não heterossexuais que o seu dever é ter vergonha deles, rejeitá-los e corrigi-los. Nós defendemos
o direito das crianças a não serem educadas exclusivamente como força de trabalho e de
reprodução. Defendemos o direito das crianças e adolescentes a não serem considerados futuros
produtores de esperma e futuros úteros. Defendemos o direito das crianças e dos adolescentes
a serem subjetividades políticas que não se reduzem à identidade de gênero, sexo ou raça”
(PRECIADO, 2013, p. 99)
57

as possibilidades com tranquilidade lo(a/e) a funcionar de forma produtiva


e liberdade” (SAADEH, et al., 2018, p. e frutífera, inclusive de maneira a ser
88). capaz de dar uma contribuição para a
comunidade.
4. Análise a partir dos dados
coletados nesta pesquisa, Assim como no conceito de saúde,
pela Coordenação de Proteção a WHO (2004) também afirma que
e Acolhimento a Crianças, condicionantes sociais podem afetar
Adolescentes e Famílias LGBTI+ a saúde mental, uma vez que ela
sobre a saúde mental de é determinada pela inter-relação
crianças e adolescentes trans de fatores sociais, psicológicos e
brasileiros(as/es) nomeados(as/ biológicos, múltiplos e interativos.
es) assim por seus pais, mães e
responsáveis) Diante destes conceitos, é importante
Antes de se pensar em como estas refletir sobre as seguintes questões:
vivências trans infantojuvenis podem Como os pais e mães de crianças e
ser afetadas pela não compreensão adolescentes trans - nomeados assim
de algumas pessoas e instituições, por eles(as) - percebem a saúde mental
bem como em virtude do preconceito, de seus filhos(as/es)? O que as 120
é importante compreender o que famílias, que foram entrevistadas de
significam os termos “saúde” e “saúde maneira voluntária pela Coordenação
mental”. de Proteção e Acolhimento a Crianças,
Adolescentes e Famílias LGBTI+,
A WHO (1946) considera saúde expressam sobre a saúde mental
como um estado de completo bem- destas crianças e adolescentes? Estes
estar físico, mental e social e não condicionantes sociais, dispostos
meramente a ausência de doença pela OMS como sendo necessários
ou enfermidade. Afirma, ainda, que ao processo de saúde, são oferecidos
aspectos pessoais, sociais e culturais pela sociedade brasileira, por meio de
como família, idade, trabalho, renda políticas públicas e da sociedade civil?
mensal, poder aquisitivo, educação, Recursos sociais e políticas públicas
recursos sociais e políticas públicas estão garantindo os processos de
são determinantes sociais que desenvolvimento saudáveis a crianças
influenciam diretamente o estado de e adolescentes trans?
saúde.
Para responder estas e outras
Como saúde mental, a WHO (2001) questões, é importante analisar os
dispõe que esta é um estado de dados coletados que compõem
bem-estar em que o indivíduo esta pesquisa juntamente com a
percebe suas próprias habilidades, análise do perfil sociodemográfico
conseguindo lidar com os estresses das famílias participantes, elencado
normais da vida, de maneira a auxiliá- anteriormente neste documento.
58

A análise destes dados e adolescentes, como escolaridade,


sociodemográficos é fundamental renda e religiosidade. Entretanto,
para compreender o que pais, mães conforme será demonstrado a seguir,
e responsáveis apontam sobre a a saúde mental de algumas destas
saúde e saúde mental destas crianças crianças e adolescentes é afetada
e adolescentes nomeados(as) por prejudicialmente e, em relação a isso,
eles(as) como sendo trans, pois se hipotetizam causas relacionadas
sabe-se que estas situações de ao preconceito e não aceitação da
renda, raça e religião influenciam identidade de gênero.
nas possibilidades de saúde/saúde
mental dos sujeitos, uma vez que eles Estes pais, mães e responsáveis
formam os condicionantes sociais afirmaram que questões envolvendo
deste estado de saúde/bem-estar, o bullying na escola, a não aceitação
conforme a OMS diz e que foram de amigos(as/es) e família são vistas
expostos anteriormente. como possíveis causas do prejuízo à
saúde e saúde mental de seus filhos(as/
Conforme exposto acima, segundo a es). É importante pontuar que estas
WHO (2004), algumas características famílias participantes da pesquisa, a
são cruciais para a saúde mental priori, dão suporte aos seus filhos(as/
dos sujeitos, podendo aumentar as es) neste processo de formação de
possibilidades para se ter/desenvolver identidade, uma vez que todas elas,
uma saúde ou um transtorno mental. sem exceção, afirmaram durante as
entrevistas que buscam compreender
Entre estes fatores, a referida e dar auxílio as suas crianças e
organização cita indicadores de adolescentes diante da variabilidade
pobreza, baixo índice de educação, de gênero e transgeneridade.
moradia precária e baixa renda
(WHO, 2004). Fato é que questões Este ponto é fundamental pois, no
relacionadas a religião, gênero e Brasil, a maioria das pessoas trans
orientação sexual também podem são expulsas de casa, por volta dos 13
influenciar a saúde e saúde mental anos de idade, devido à não aceitação
(ROSA, MORELAND e HUGHES, 2019). da família (ANTRA, 2018a).

Exposto isso, os dados obtidos com Isso mostra que essas famílias
os pais, mães e responsáveis por participantes são de um recorte
crianças e adolescentes trans, assim da sociedade brasileira que, a
nomeados por eles(as), permitem princípio, poderiam oferecer
afirmar que a maioria destas informações que não comprovassem
famílias, prioritariamente, não são o comprometimento da questão
afetadas direta e negativamente identitária para a saúde mental,
por alguns dos condicionantes entretanto, não foi isso que as
sociais que poderiam prejudicar a entrevistas demonstraram.
saúde e saúde mental das crianças
59

Observou-se que 41,66% das crianças Gráfico 37 - Caso sua criança/adolescente


faça uso de medicação contínua, qual é?
e adolescentes, nomeados como Se necessário, marque mais de uma opção.
trans por pais, mães e responsáveis 50 respostas entre 120 entrevistados
fazem uso de uma medicação Tratamento hormonal
ou anticoncepcional 22
contínua, sendo que os diagnósticos Fluoxetina 8
que embasam o uso destas, conforme Risperidona 6
relato dos(as) responsáveis, estão Sertralina 5

relacionados a questões de saúde Escitalopram 5


Ritalina e similares 3
mental, problemas de aprendizagem, Vitaminas 3
ou devido ao bloqueio hormonal/ Quetiapina 2

hormonioterapia cruzada, conforme Ácido Valproico 1


Ansitec 1
demonstram os gráficos a seguir. Bupropiona 1
Paroxetina 1
Gráfico 36 - Sua criança/adolescente foi Trazodona 1
diagnosticada com algum distúrbio que Desve 1
altera o aprendizado? Se necessário, Espironolactona 1
assinale mais de uma opção. Haldol 1

26 respostas entre 120 entrevistados Lamitor 1


Rivotril 1
Fluvoxamina 1
Ansiedade 6 Melatonina 1
Óleo de THC 1
Valeriana 1
Depressão 5
Zolpidem 1
Transtorno de Lítio 1
Hiperatividade e Déficit 5
de Atenção (TDAH)
Autismo/Síndrome
3
Soma-se a isso o fato de que
de Asperger
usualmente estas crianças e
Déficit de Atenção 2 adolescentes se queixarem de
sintomas psicossomáticos em seu dia
Insônia 1
a dia, algo ordinariamente observado,
Atraso Global 1 segundo Resende, Santos, Santos e
Ferrão (2013) em adolescentes com
Altas Habilidades
1 depressão e, de acordo com Assis,
Avanci, Pesce e Ximenes (2009), em
Alteração no
processamento 1
auditivo central
Dificuldade de
crianças e adolescentes que vivenciam
aprendizagem 1 situações de violência, como pode
Dislexia 1 ser o caso de crianças e adolescentes
trans, seja em ambiente escolar ou
Transtorno Opositor
Desafiador (TOD) 1 familiar.
Transtorno Obsessivo-
1
compulsivo (TOC)
Analisando as questões relacionadas
Transtorno de
Borderline 1 à saúde mental de adolescentes,
o estudo realizado por Lopes et al.
Tourrette 1
(2016) chamado “ERICA: prevalência
Dificuldade de
aprendizagem que
1 dos transtornos mentais comuns entre
não se enquadra nas
opções acima adolescentes brasileiros” aponta uma
60

prevalência de transtornos mentais Os pais, mães e responsáveis


em 30% dos(as) participantes. O participantes da amostra desta
estudo também constatou que pesquisa apontaram, também,
esta prevalência é mais elevada em que suas crianças e adolescentes
meninas do que em meninos, bem usualmente se queixam de sintomas
como entre adolescentes com idades como dores de cabeça, abdominais,
entre 15 a 17 anos. dores no corpo, enjoo, dificuldade
de dormir, entre outros, conforme
Segundo o referido trabalho (2016, demonstrado no gráfico abaixo.
p. 1s), “as prevalências de transtornos
Gráfico 39 - Sua criança/adolescente se
mentais comuns aumentaram queixa de sintomas psicossomáticos (dor
conforme a idade, para ambos os de cabeça, dores abdominais, dores em
sexos, sempre maior nas meninas membros, dores pelo corpo inespecíficas,
mal-estar inespecífico, enjoo, dificuldade
(variando de 28,1% aos 12 anos, para dormir, nervosismo, choro
até 44,1% aos 17 anos), do que nos inespecífico, irritação?
meninos (variando de 18,5% aos 12 Sim, com muita
5
anos até 27,7% aos 17 anos)”. frequência (todos os dias)

Sim, com frequência


(toda semana) 33
Ansiedade, depressão e Sim, eventualmente
48
comportamento de automutilação (poucas vezes ao mês)

e ideação suicida também foram Não 34


relatados pelos pais, mães e
responsáveis. Segundo eles(as), Tais informações convergem com o que
tais sintomas e comportamentos a literatura diz sobre saúde mental em
já aconteceram ao longo do pessoas que vivenciam a variabilidade
desenvolvimento das crianças e de gênero e/ou transgeneridade na
adolescentes que formam estas infância e adolescência.
famílias, conforme gráfico a seguir.
Conforme a WPATH (2012, p. 13),
Gráfico 38 - Sua criança/adolescente tem
ou já teve algum quadro piscoemocional? são usuais as questões envolvendo
Se necessário, assinale mais de uma a (não) saúde mental de crianças
opção. e adolescentes trans e/ou com
104 respostas entre 120 entrevistados
variabilidade de gênero. Segundo a
Ansiedade 86 referida associação:

Depressão 44 É relativamente comum que crianças


Automutilação com disforia de gênero tenham
não suicida 39
distúrbios internalizados coexistentes,
Ideação suicida 15 tais como ansiedade e depressão
(Cohen-Kettenis, Owen, Kaijser,
Tentativa Suicida 4 Bradley, e Zucker, 2003; Wallien,
Swaab, e Cohen-Kettenis, 2007;
Fobia social 2 Zucker, Owen , Bradley, e Ameeriar,
61

2002). A prevalência de transtornos As entrevistas realizadas permitem


do espectro do autismo parece ser constatar que mais 24% das famílias
maior em crianças com disforia de decidiram por mudar as crianças e
gênero que na população em geral adolescentes de instituições escolares
(de Vries, Noens, Cohen-Kettenis, van por motivos relacionados a bullying e
Berckelaer-Onnes, e Doreleijers, 2010). transfobia, conforme gráfico abaixo.

Saadeh et al. (2018, p. 88) corrobora Gráfico 40 - Sua criança/adolescente já


mudou de escola alguma vez? Por quê?
esta informação ao afirmar que:
“Uma criança que sofre de angústia Não

como resultado de sua identidade 21%


Sim, por motivos de
de gênero, especialmente se é bullying/transfobia
55%
intimidada ou marginalizada, vivencia 24% Sim, por outros motivos,
maior risco para desenvolver quadros que não situações de
bullying/transfobia
psiquiátricos, como transtornos de
ansiedade, depressão e abuso de
substâncias, entre outros”, algo que Das 66 (sessenta e seis) famílias
pode ter relação com os dados obtidos que afirmaram que a criança
por meio desta pesquisa, uma vez que realizou transição social na escola,
soma-se a estes a afirmação de que 22% afirmaram que a transição foi
65% dos pais, mães e responsáveis desafiadora e 49% alegaram que
acreditam que estes contextos de estavam no sistema online e, por
preconceito, não aceitação da família isso, conseguiram manter a criança
e/ou amigos têm relação direta com o na mesma escola. Somente 29%
comprometimento da saúde mental pontuaram que tiveram uma recepção
de seus filhos(as/es). acolhedora e tranquila no momento
desta transição escolar.
Por fim, a escola também é um fator
importantíssimo para a análise de Gráfico 41 - Sua criança/adolescente fez a
transição social nesta mesma instituição?
dados sobre a saúde mental, uma vez
que crianças e adolescentes passam
grande parte do início de suas vidas Sim 66
neste ambiente, não somenete
aprendendo os conteúdos formais, mas Não 54
também desenvolvendo a socialização,
autopercepção, autoestima, entre
Gráfico 42 - Caso sim, conte em breves
outros. palavras como foi essa vivência:

Neste sentido, as entrevistas apontaram Estamos no sistema online


e por isso conseguimos nos
22%
para uma possível relação de prejuízo manter na mesma escola

para a saúde mental em virtude de 49% Tivemos uma recepção


acolhedora/tranquila
29%
processos de exclusão, discriminação e
marginalização em ambiente escolar. Foi/está sendo desafiador
62

Gráfico 43 - Caso não, conte em breves Dentre as que o tiveram, 48,97% o


palavras como foi a transição social de sua
fizeram, unicamente, por meio de
criança/adolescente, na rede de ensino
onde ela aconteceu requerimento assinado pelos pais,
52 respostas entre 120 entrevistados mães e/ou responsáveis; os outros
Problemática de 51,03% tiveram que apresentar algum
naturezas diversas
com toda a 33 tipo de documento, que variou desde
comunidade escolar
a permissão do Conselho Tutelar, até
Escola não estava
preparada/não 10 mesmo RG (em que o nome social
buscou preparo
já estivesse incluso), ou documentos
Dificuldade com emitidos por profissionais da saúde
5
os colegas
como: relatório psicológico, parecer
psicológico, laudo, declaração ou
Dificuldade com
as famílias 4 atestado médico.

As famílias que afirmaram ter Fato é que ter o direito de incluir


mudado suas crianças/adolescentes o nome social nos documentos
de instituição educacional devido escolares pode ser um condicionante
ao processo de transição social, social para o processo de saúde e saúde
justificaram que ora a comunidade mental de crianças e adolescentes
escolar promovia sofrimento (41%), trans e/ou com variabilidade de
ora porque desejavam iniciar uma gênero, uma vez que esta inclusão
nova fase em um novo ambiente diminui o processo de marginalização,
educacional (21%), ora por motivos vergonha, exclusão e aumentam
diversos e variados (38%). os processos de pertencimento no
ambiente escolar.
Gráfico 44 - Caso tenha mudado sua
criança/adolescente de escola em
virtude da transição, qual foi a sua maior Segundo Alves, Resende e Moreira
motivação? (2015, p. 60), “o ato de nomear e de
29 respostas entre 120 entrevistados
reconhecer o outro a partir de um
nome revelam práticas discursivas que
Comunidade escolar
promovia sofrimento tanto podem visibilizar politicamente
38%
41% sujeitos e seus corpos, quanto podem
Desejo de iniciar nova
fase em nova escola silenciá-los”. É por isso que beneficiar
a inclusão do nome social no
21% Motivos diversos e
variados ambiente escolar é facilitar a garantia
e prática de direitos fundamentais
Ainda no que tange ao ambiente que favorecerão a permanência em
escolar, das 90 (noventa) famílias ambiente escolar, pois o respeito e a
que solicitaram a inclusão do nome dignidade humana serão observados
social da criança/adolescente nos no dia a dia escolar e do(a/e) aprendiz.
registros escolares, dentre elas, 41 O mesmo ocorre com o uso do
(quarenta e uma) não tiveram que banheiro em ambiente educacional.
apresentar nenhum documento.
63

Segundo Holanda e Ehrhardt Júnior escolar. Segundo os pais, mães


(2018, p. 187), “no Brasil, os banheiros e responsáveis entrevistados(as/
são separados a partir de uma lógica es), cerca de 77,5% das crianças e
binária que reconhece dois sexos adolescentes trans já sofreram bullying
plausíveis: masculino e feminino. em ambiente escolar, incluindo
Identificados socialmente por um violências emocionais, físicas, verbais
gênero distinto do seu sexo biológico, e ciberbullying.
os transexuais muitas vezes enfrentam
problemas quando precisam utilizar Gráfico 45 - Caso sua criança/adolescente
tenha sofrido bullying transfóbico na
esses espaços, já que muitas vezes são escola, por favor identifique. Se necessário,
impedidos de adentrar no banheiro assinale mais de uma opção.
coerente com o seu gênero”. 90 respostas entre 120 entrevistados

Emocional (descaso,
Nesta pesquisa, 45,83% das famílias ausência de interação, 79
olhares, cochichos, etc)
participantes afirmaram que as
crianças e adolescentes, nomeadas
Verbal 52
pelos pais, mães e responsáveis como Físico e verbal 19
sendo trans, utilizam exclusivamente
banheiros conforme suas identidades Ciberbullying 18
de gênero, porém cerca de 49,16%
utilizam os banheiros conforme seu
Físico
3
sexo biológico e/ou banheiros para
pessoas com deficiência, banheiros Estes dados demonstram como
para professores(as). determinados ambientes podem
ser extremamente prejudiciais
Tais fatos mostram o quanto isso à saúde mental, uma vez que a
pode ser prejudicial às crianças ausência de um ambiente seguro
e adolescentes trans, isso porque e acolhedor prejudica o processo
elas(es) têm seus direitos negados, de desenvolvimento psíquico e de
principalmente no que tange à ensino-aprendizagem (GODOI e
dignidade da pessoa humana, além FREITAS, 2021).
de sofrerem preconceito e serem
cotidianamente discriminadas do dia Diante desta situação, percebe-se uma
a dia escolar. dificuldade de continuar os estudos,
o que ocasiona processos de expulsão
Dentre outros dados observados por escolar ou abandono educacional;
meio das entrevistas realizadas, no dificulta o processo de formação
que tange a condicionantes sociais profissional, a inclusão no mercado de
que podem comprometer a saúde trabalho, o acesso à moradia (devido
mental de crianças e adolescentes aos valores de locação e/ou ausência
trans e/ou com variabilidade de de casas de apoio a pessoas trans); e,
gênero, observam-se altos índices por fim, gera maior vulnerabilidade
de relatos de bullying em ambiente social e, consequentemente, elevados
64

índices de violência e morte de transgêneres podem passar no Brasil


pessoas travestis e transexuais. em distintos momentos e cenários.
(GRUPO CULTURAL AFROREGGAE,
2013; ANTRA, 2018a, 2020, 2021a). Há uma lacuna no Censo sobre
pessoas trans e isso gera ausência
Por fim, é válido pontuar o que estes de políticas públicas sobre a vivência
pais, mães e responsáveis relataram trans (CENTRO DE ESTUDOS DE
sobre a transição social, considerando CULTURA CONTEMPORÂNEA, 2021;
que 85% deles(as) afirmam uma ANTRA, 2018a), incluindo crianças e
mudança de humor positiva de adolescentes trans. Ademais, não é
seus filhos(as/es) após a transição. só a ausência de políticas públicas,
Isso pode demonstrar o quanto esta mas de visibilidade, de existência e
transição é benéfica à saúde mental, segurança para pessoas trans.
mesmo diante das dificuldades
expostas acima, como afastamento Além da ínfima existência de políticas
de família, amigos, dificuldades públicas voltadas a pessoas trans,
no uso de banheiros (incluindo na constata-se uma escassez de projetos
escola), violências físicas e verbais, da sociedade civil para o acolhimento
além de processo de discriminação e e proteção de crianças e adolescentes
marginalização. trans, uma vez que no cenário
brasileiro duas são as organizações
que realizam este trabalho, sendo elas
Conclusão a própria Coordenação de Proteção e
Conforme Jesus (2013) aponta, Acolhimento a Crianças, Adolescentes
em seu ensaio intitulado “Crianças e Famílias LGBTI+, principal responsável
trans: memórias e desafios teóricos”, por esta pesquisa, e o grupo Mães pela
ainda são escassos os estudos Diversidade, que tem com maior foco
sobre variabilidade de gênero e questões relacionadas a orientações
transgeneridade na infância e sexuais não heterossexuais.
adolescência. Em contrapartida,
os dados coletados com pais, Por meio de informações obtidas
mães e responsáveis de crianças e diretamente com a própria
adolescentes trans, assim nomeados Coordenação de Proteção e
por eles(as) e apresentados nesta Acolhimento a Crianças, Adolescentes
pesquisa pela Coordenação de e Famílias LGBTI+, criada no ano de
Proteção e Acolhimento a Crianças, 2020, ou seja, há pouco mais de um
Adolescentes e Famílias LGBTI+, ano, 203 (duzentas e três) famílias já
mostram o quão difíceis, excludentes, buscaram informações, acolhimento,
violentos e marginalizantes podem orientação da própria Coordenação,
ser os processos de transição social o que demonstra que crianças
pelos quais crianças e adolescentes e adolescentes trans e/ou com
com variabilidade de gênero ou variabilidade de gênero existem e que
estas famílias precisam de orientação,
65

acolhimento e direcionamento. pesquisa, os(as) participantes relatam,


em sua maioria, que não sentem
O Estado brasileiro precisa fomentar segurança no ambiente escolar, já que
discussões sobre estas vivências, apontam para inúmeras situações
acolhendo crianças, adolescentes marginalizantes e discriminatórias,
e famílias que vivenciam a como, por exemplo, a solicitação
transgeneridade e variabilidade de de documentos de profissionais da
gênero, ultrapassando este cuidado saúde para mudança de nome social
para além do cenário familiar a outras nos registros escolares, dificuldades
instâncias sociais, com discussões no processo de uso de banheiro
pautadas em ciência para todos(as/es) em ambiente escolar, violações de
que formam a sociedade, incluindo direitos, como integridade física e
as pessoas que formam o ambiente mental, narrados em situações de
escolar. bullying e ciberbullying.

As tentativas de impedimento do É urgente a mudança no cenário


Poder Legislativo para os processos de brasileiro das vivências trans! Será
educação em sexualidade são notórias somente por meio da educação, de
a todos(as/es) os(as/es) brasileiros(as/ políticas públicas e de proposituras da
es), isso porque são quase que diários. sociedade civil que os condicionantes
Entretanto, inúmeras organizações, sociais, descritos pela OMS como
como, por exemplo, a Unesco (2013), sendo fundamentais aos processos de
mostram o quão fundamental é saúde e saúde mental, serão pensados,
realizar um trabalho de educação realizados, garantidos e assegurados
em sexualidade em diversos espaços para a população trans, incluindo
sociais, incluindo a escola. crianças e adolescentes trans e/ou
com variabilidade de gênero.
Todavia, para que esse processo
realmente ocorra, é necessário que
professores(as) sejam instruídos Referências
adequadamente sobre educação ALVES, C. E. R.; MOREIRA, M. I. C.
em sexualidade, diminuindo Do uso do nome social ao uso do
mitos, embasando suas falas banheiro: (trans)subjetividades
em conhecimentos científicos. em escolas brasileiras. Quaderns
Posteriormente, é necessário que de Psicologia, v. 17, n. 3, p. 59-69,
a escola como um todo (incluindo 2015. Disponível em: https://raco.
os(as/es) agentes que a formam, cat/index.php/QuadernsPsicologia/
como pais, mães e responsáveis) article/view/10.5565-rev-
sejam abrangidos neste processo de qpsicologia.1275/392825. Acesso em:
educação e aprendizagem. 07 set. 2021

Exponho isso, porque pode- ANTRA. Antra oficia DPU e esta


se observar que, por meio desta envia recomendação ao IBGE sobre
66

população trans no censo 2020. 2018. em: https://antrabrasil.files.wordpress.


Disponível em: https://antrabrasil. com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-
org/2018/05/16/antra-oficia-dpu- assassinatos-2017-antra.pdf. Acesso
e - e s t a - e nv i a - r e co m e n d a ca o - a o - em: 10 ago. 2021.
ibge-sobre-a-populacao-trans-no-
censo-2020/. Acesso em: 10 ago. 2021. ASSIS, S. G. de; AVANCI, J. Q.; PESCE,
R. P.; XIMENES, L. F. Situação de
ANTRA. Boletim n. 002/2021. Rio de crianças e adolescentes brasileiros
Janeiro: documento eletrônico, 2021a. em relação à saúde mental e à
Disponível em: https://antrabrasil.files. violência. Ciênc. saúde coletiva, v.
wordpress.com/2021/07/boletim- 14, n. 2, p. 349-361, 2009. Disponível
trans-002-2021-1sem2021-1.pdf. em: https://www.scielo.br/j/csc/a/
Acesso em: 12 ago. 2021. M8pLWybkhtR6nDdsZFd336S/abstra
ct/?format=html&stop=previous&lang
ANTRA. Boletim n. 03/2020: =pt. Acesso em: 07 set. 2021.
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70

5.2. Variabilidade de gênero no


ambiente escolar: aspectos de
discriminação e saúde mental
Por Nathália Ajudarte Lopes indivíduos que possuíam alguma
incongruência com o sexo designado
1. Evolução diagnóstica e o papel ao nascimento (Organização Mundial
da medicina e da psiquiatria da Saúde, 1997).
Historicamente, as entidades médicas
Após atualizações para sua quinta
e psiquiátricas foram responsáveis, em
edição, em vigor desde 1993, o DSM
vários aspectos, pela estigmatização
passou a apresentar o termo “Disforia
das condições de variabilidade de
de Gênero” para se referir a indivíduos
gênero (Nascimento et al., 2020).
que possuem sofrimento psíquico
A partir de 1975, o diagnóstico
relacionado à incongruência entre o
“transexualismo” passou a integrar o
gênero com o qual se identificam e
Manual de Classificação Internacional
àquele designado ao seu nascimento.
de Doenças usado pela comunidade
Esse sofrimento é caracterizado por
médica (Organização Mundial da
desconforto intenso e persistente
Saúde, 1977).
em relação às características sexuais
primárias e secundárias do sexo
De acordo com o Manual Diagnóstico designado ao nascimento (American
e Estatístico de Transtornos Mentais Psychiatric Association, 2013). Nem
(Diagnostical and Statistical Manual todas as pessoas trans apresentam
of Mental Disorders - DSM), em sua disforia de gênero.
terceira edição vigente a partir de
1980, transexualismo era descrito Mesmo que a disforia de gênero não
como uma condição psicossocial configure um transtorno mental,
e definido como um transtorno da tal mudança buscaria proporcionar
identidade de gênero (American um caráter mais descritivo, focando
Psychiatric Association, 1980). na disforia, e não na identidade
propriamente, como o problema
Em 1990, com a décima edição da clínico (National Center for Lesbian
Classificação Internacional de Doenças Rights et al., 2019; American
(CID), instituíram-se os termos e os Psychiatric Association, 2013).
códigos “Transexualismo (F64.0)” e
“Transtorno de identidade sexual na Por fim, a décima primeira versão
infância (F64.2)” para diagnosticar da CID - com previsão para entrar
71

em vigor a partir de 1º de janeiro Esse período também marca o


de 2022 - excluiu o equivocado aprendizado dos ditos papéis de
diagnóstico transexualismo da seção gênero, com a assimilação de discursos
referente aos transtornos mentais e e ideias sobre o que seriam “coisas de
passou a incluir “Incongruência de meninos” e “coisas de meninas”. No
Gênero” no capítulo que versa sobre entanto, a fluidez das preferências
condições relacionadas à saúde sexual e brincadeiras entre os diferentes
(Organização Mundial da Saúde, estereótipos masculino e feminino
2018). configuram uma parte normal do
desenvolvimento e da exploração da
Embora ainda haja aspectos infância, independentemente de qual
importantes a serem discutidos será a futura identidade de gênero
em relação à patologização da (Rafferty, 2018).
variabilidade de gênero, apenas
recentemente tais discussões e Nesse contexto, as crianças trans
desfechos puderam ser observados costumam expressar-se através de
na comunidade médica. Espera-se, declarações como “Eu tenho um
portanto, que com maior enfoque cérebro de menina e um corpo
para a temática da variabilidade de de menino” ou vice-versa, além de
gênero, as reflexões passem a avançar comportamentos como se vestir e se
de forma ainda mais contundente. envolver em atividades congruentes
com normas de gênero compatíveis
2. Aspectos da variabilidade de com essa identificação. Tal assimilação
gênero costuma perdurar de forma
Segundo a American Academy of consistente para tais crianças (National
Pediatrics, as crianças geralmente Center for Lesbian Rights et al., 2019;
começam a desenvolver sua American Psychiatric Association,
identidade de gênero entre dois e 2013). Embora haja escassez de
quatro anos, a partir dos seguintes literatura científica, Johanna Olson
estágios (Rafferty, 2018): et al. averiguaram que crianças trans
relataram ter reconhecido seu gênero
Aos 2 anos: as crianças desenvolvem como “diferente” em uma idade
maior percepção e conscientização média de 8,5 anos. (Olson et al., 2015).
em relação às diferenças físicas entre
os gêneros masculino e feminino. Estudos mostram que as
Até os 3 anos: a maioria das crianças consequências de não afirmar a
consegue identificar a qual gênero identidade de gênero de uma criança
pertence com facilidade. interferem em sua capacidade de
Aos 4 anos: a maioria das crianças desenvolver e manter relacionamentos
tem percepção e identificação estável interpessoais saudáveis, assim como
de sua identidade de gênero. outros desfechos negativos, como
perda do interesse escolar, maior
72

risco de uso de álcool e outras drogas, que pressupõe uma maior abertura
piora em saúde física e mental, além de seus participantes a esse tema,
de maior risco de comportamentos podendo enviesar interpretações.
suicidas (National Center for Lesbian
Rights et al., 2019; Hidalgo; Chen, É importante estabelecer que
2019). um ambiente escolar tem a
responsabilidade, idealmente, de
Ser transgênere não caracteriza promover inclusão e segurança
um transtorno mental, mas a a qualquer estudante, inclusive
impossibilidade de se identificar e para crianças e adolescentes trans.
se expressar como tal pode acarretar Estudantes também não devem
desfechos como sintomas depressivos vivenciar situações de violência,
e ansiosos (Rafferty, 2018). humilhação e desrespeito à sua
identidade, praticadas por quem
Sendo assim, aspectos de variabilidade quer que seja (ASCD: Association
de gênero podem se expressar of Supervision and Curriculum
durante todo o desenvolvimento Development, 2016).
escolar, incluindo a pré-escola e o
Ensino Dundamental (Rafferty, 2018). Segundo relatório encomendado
e publicado pela Organização das
Com o objetivo de diminuir aspectos Nações Unidas para a Educação, a
de disforia de gênero, a realização Ciência e a Cultura (Unesco, 2016):
da transição social permite à criança
viver de forma consistente com Violência baseada na orientação
sua identidade de gênero. Para a sexual e na identidade/expressão de
maioria de jovens trans, tal transição gênero, também conhecida como
proporciona importante alívio, com violência homofóbica e transfóbica, é
repercussões positivas em aspectos uma forma de violência baseada em
sociais, emocionais e acadêmicos gênero relacionada à escola. Ela inclui
(National Center for Lesbian Rights et violência física, sexual e psicológica,
al., 2019). além do bullying e outras formas de
violência relacionadas à escola, e pode
3. A diversidade no ambiente ocorrer em salas de aula, parques e
escolar áreas de lazer, banheiros, vestiários,
Embora discussões sobre diversidade no caminho de ida ou volta da escola
no ambiente escolar estejam, cada e também online.
vez mais, ocupando novos espaços
de mídia, ainda são poucos os Ainda no ambiente da escola, alguns
estudos científicos que contemplem comportamentos são valorizados em
essa temática no cenário brasileiro. uma lógica organizacional sexista e
Ademais, vários desses estudos cis-heteronormativa. Dessa forma,
possuem metodologia qualitativa, o episódios de violência e discriminação
73

são impulsionados e a não intervenção ou solicitações são antiéticas,


nessas situações acaba por perpetuar independentemente de tal objeção
as condições de desigualdade. (Lins et ser baseada em crenças religiosas ou
al., 2016). na interpretação de que tal estudante
não tem capacidade de afirmar sua
Por mais que pressões em relação identidade ou expressão de gênero
ao cumprimento de propostas (por exemplo, devido à idade ou
pedagógicas e programação curricular deficiência intelectual) (National
ocorram e possam levar à relativização Center for Lesbian Rights et al., 2019).
dessas vivências, é importante que a A angústia por não poder vivenciar sua
comunidade escolar institua questões identidade também pode prejudicar
de diversidade e relações de gênero o foco e a capacidade de aprendizado
como eixo fundamental de seu projeto (National Center for Lesbian Rights et
educativo coletivo (Lins et al., 2016). al., 2019).
Profissionais de educação, incluindo
os que ocupam cargos de liderança Fatores como a idade, estado
e administrativos, comumente não emocional, aceitação familiar,
recebem treinamentos específicos em dinâmica institucional e ano escolar
relação aos aspectos de diversidade e podem afetar como a transição
podem apresentar receio de retaliação social ocorre. É importante evitar a
da comunidade escolar para qualquer ideia de uma “forma correta” e, ao
atitude tomada (Mangin, 2020). contrário, focar em elaborar quais
seriam as condições necessárias para
Nesse aspecto, é comum que alguns tornar a experiência dessa pessoa em
cenários estejam mais facilmente particular a mais positiva possível.
vinculados ao início de reflexões e Um guia elaborado por instituições
proposições em relação às questões estadunidenses propõe a criação de
de gênero. A existência de crianças um “Plano de Transição de Gênero
e adolescentes trans na instituição sob Medida” (em tradução livre), com
e as aulas de disciplinas de Ciências aspectos elencados previamente,
e Biologia enquadram-se nesses mas a serem individualizados para
exemplos. Ressalta-se, no entanto, cada estudante (National Center for
que tal discussão não deve limitar-se Lesbian Rights et al., 2019).
ao espaço dessas matérias, tampouco
só deva existir em escolas com Para crianças e adolescentes trans,
estudantes com variabilidade de vivências de discriminação podem
gênero (Hobbs, 2020). proporcionar menor qualidade de
vida, maior sofrimento psíquico
Estudantes com variabilidade de e pior desempenho acadêmico
gênero não devem ser forçados a (ASCD: Association of Supervision
se identificar ou se expressar de and Curriculum Development, 2016;
maneira inconsistente com sua Yuanshu Zou et al., 2018). Um estudo
autoidentificação. Essas tentativas descritivo brasileiro realizado com 32
74

crianças e adolescentes trans, entre gênero e 30% não puderam fazer uso
oito e dezoito anos, indicou que o de roupas que representassem sua
estigma e a discriminação impactam expressão de gênero (Kosciw et al.,
em fatores sociais, físicos e mentais 2014).
(Nascimento et al., 2020).
Em outro estudo estadunidense,
Schumm, W. R. & Crawford D. W. contemplando cerca de 28.000
propuseram uma nova interpretação a crianças e adolescentes trans do
dados contraditórios e anteriormente ensino primário e secundário,
aceitos sobre a relação entre a também observam-se vivências de
aceitação familiar e a saúde mental discriminação de gênero: 54% dos
de jovens trans: mesmo quando estudantes trans já vivenciaram
apoiadas pelos pais, as crianças assédios verbais, 24% já sofreram
trans apresentaram pontuações violência física e 13% já sofreram
médias mais baixas em aspectos violência sexual. Dezessete por cento
de ansiedade e autovalorização. deixaram de frequentar a escola
Frequentemente, uma porcentagem devido a aspectos de discriminação e
significativamente maior de crianças transfobia (James et al., 2016).
trans, em comparação com os
controles cisgênero, apresentava níveis É importante entender quais são
pré-clínicos ou clínicos de ansiedade. as falhas existentes no sistema de
O apoio dos pais e responsáveis ensino em relação à diversidade de
a essas crianças pode reduzir gênero (Saleiro, 2017), mas também à
temporariamente prejuízos em saúde socioeconômica e étnico-racial. Uma
mental, mas não parece eliminar equipe escolar que busque informação
esses problemas completamente e conhecimento sobre questões de
(Schumm; Crawford, 2020). Infere- diversidade e valorize o respeito em
se, então, o quanto aspectos de relação a estudantes trans pode
discriminação vivenciados em outros proporcionar um ambiente escolar
ambientes continuam a influenciar mais inclusivo, seguro e com maior
em seu bem-estar emocional. sensação de pertencimento estudantil.
Por consequência, incentivam-se as
Uma pesquisa realizada pela Gay, potencialidades de todos os seus
Lesbian, & Straight Education Network estudantes, independentemente da
apontou que, em comparação com identidade de gênero de cada um
estudantes lésbicas, gays e bissexuais, (ASCD: Association of Supervision
estudantes trans enfrentaram os and Curriculum Development, 2016;
cenários mais hostis no ambiente National Center for Lesbian Rights et
escolar. Entre esses jovens trans, 42% al., 2019).
foram impedidos de usar seu nome
social, 60% foram forçados a utilizar Ainda, mesmo com as necessidades
banheiros ou vestiários que não eram individuais dos(as/es) estudantes
congruentes à sua identidade de transgêneres atendidas, deve-se
75

atentar para que a cultura escolar interesse das famílias no processo


não mantenha, mesmo que de forma educacional de seus filhos e filhas.
não intencional, as normas binárias Torna-se necessária a criação de
de gênero que perpetuam rejeição e estratégias efetivas voltadas para
discriminação (Mangin, 2020; Mangin, a sensibilização dos pais, além da
2018). promoção de espaços abertos ao
diálogo entre professores, familiares e
Silva et al. elencam importantes demais redes de apoio social acerca
apontamentos sobre a dificuldade de de questões que envolvam crianças e
inclusão da diversidade no ambiente adolescentes.
escolar, a partir de um estudo brasileiro
qualitativo com 23 professores de Respostas eficazes do setor de
duas escolas municipais de Ensino educação à violência relacionada ao
Fundamental de João Pessoa, na gênero necessitam de uma abordagem
Paraíba (Silva et al., 2021). abrangente: com protocolos e
políticas eficazes, recursos e materiais
A investigação sobre as concepções de para formação específica de todas as
professores quanto à transgeneridade pessoas envolvidas com a instituição
na infância oportunizou diversas escolar, estratégias de parceria,
reflexões acerca das possibilidades/ monitoramento e avaliação. Também
limites de trabalho com crianças deve incluir a prevenção e a resposta
transgêneres no contexto escolar. à violência para ser implementada
A transgeneridade infantil é uma nos âmbitos nacional e subnacional
realidade inquestionável, no entanto, (Unesco, 2016).
apesar dos crescentes avanços nos
âmbitos políticos e sociais, as escolas Priorizar práticas que combatam
têm dificuldades para promover a preconceitos é essencial para educar
inclusão de crianças trans. As Escolas a comunidade escolar em sua
A e B possuem posicionamentos totalidade - estudantes, responsáveis,
sociais, religiosos, culturais e pessoais profissionais da educação,
distintos, os quais as diferenciam no administração e prestadores de
modo de conduzir as diversidades. serviços.
Enquanto na Escola A predomina
uma postura mais conservadora 4. Desfazendo preconcepções
e heteronormativa, na Escola B No ambiente escolar, o uso de
as abordagens são mais abertas, banheiros e vestiários, as aulas
participativas e acolhedoras. de Educação Física, as excursões
e os eventos comemorativos são
Entretanto, independentemente exemplos de situações nas quais
dos posicionamentos das Escolas, normas sociais e binárias de gênero
observou-se que os dilemas são os imperam. Tais preceitos são baseados
mesmos, perpassados possivelmente em um funcionamento patriarcal
pela deficiente apropriação e
76

da sociedade e contribuem para entre 5 e 17 anos, sendo a média de


que situações de desigualdade se 11,8 anos.
perpetuem (Lins et al., 2016).
Considerando a identidade de
É necessária uma reflexão em relação gênero declarada pelos responsáveis,
às limitações que tais estereótipos 6 crianças/adolescentes tiveram
desencadeiam, para além das identificação como não binários, 67
questões de variabilidade de gênero. A como trans masculinos e 47 como
partir de então, essas preconcepções trans femininos. Considerando que
podem ser desfeitas, novas dinâmicas a convivência com pessoas que
organizacionais podem passar a possuam variabilidade de gênero
ocorrer e, por consequência, todas e sexual pode promover melhores
as pessoas acabam vivenciando uma informações e maior compreensão
sociedade e um funcionamento em relação a aspectos dessa temática,
coletivo mais justo. 70 participantes relataram possuir
alguma outra pessoa LGBTI+ em sua
5. Entrevista sobre o cenário família, além da própria criança ou
brasileiro adolescente trans.

A Coordenação de Proteção e Adolescentes transgêneres que


Acolhimento a Crianças, Adolescentes desejam expressar seu nome social
e Famílias LGBTI+, vinculada ao Grupo são mais propensos a utilizá-lo
Dignidade, promove, através desta quando ambientes familiares e
pesquisa, um diálogo com famílias escolares são favoráveis para tal, com
que identificam ter uma criança/ repercussão em melhora de aspectos
adolescente trans, possibilitando emocionais. Dessa forma, sistemas de
(mesmo que com algumas limitações) dados que contemplem apenas os
um olhar mais atento sobre essas nomes de registro devem ser revisados
vivências no cenário educacional para identificação de estratégias
brasileiro. O objetivo estabelecido de inclusão do nome social (Pollitt
era de investigar e retratar as et al., 2021). Em nossa pesquisa, 92
particularidades das vivências de responsáveis relataram que criança
crianças e adolescentes trans em tal já fazia uso de nome social. Entre
ambiente. os 28 responsáveis que referiram
que seu filho ou filha não fazia tal
A pesquisa contou com 120 famílias uso, 9 justificaram-no por limitações
participantes, sendo 113 mães, 1 burocráticas, 17 identificaram que
guardiã e 6 pais que declararam o nome social ainda não havia sido
ter uma criança/adolescente com escolhido e apenas 2 afirmam que
variabilidade de gênero. A idade sua criança/adolescente já realizou
das crianças e adolescentes trans, a retificação de nome e gênero no
identificados pelas pais, mães e registro civil.
responsáveis nesta amostra, variou
77

A percepção de seus responsáveis de pertencimento à escola pode ser


em relação à saúde mental de suas um fator de proteção para evitar que
crianças/adolescentes trans é de que: tais desfechos ocorram, devendo ser
objetivada por profissionais de saúde
mental escolar para promoção de
Gráfico 46 - Sua criança/adolescente tem
ou já teve algum quadro piscoemocional? espaços seguros e de apoio (Mackie
Se necessário, assinale mais de uma et al., 2021). A Primeira Pesquisa
opção.
Nacional sobre Bullying Homofóbico,
104 respostas entre 120 entrevistados
realizada em 2012 no México, revelou
que uma em cada quatro pessoas
Ansiedade 86
LGBT já havia pensado em suicídio
Depressão 44 devido ao bullying vivenciado na
escola (Youth Coalition et al., 2012).
Automutilação
não suicida 39
Em congruência com tais aspectos
Ideação suicida 15
de hostilidade, 93 responsáveis
Tentativa Suicida 4 interpretaram que sua criança/
adolescente trans já sofreu alguma
Fobia social 2 vivência de discriminação transfóbica
no ambiente escolar. Dentro deste
recorte, 90 identificaram a forma com
Em relação a tais condições, 72 que ocorreu, como demonstrado no
responsáveis consideraram que havia gráfico abaixo:
ligação com questões relativas à
variabilidade de gênero. Gráfico 48 - Caso sua criança/adolescente
tenha sofrido bullying transfóbico na
escola, por favor identifique. Se necessário,
Gráfico 47 - Caso sim, qual o motivo? assinale mais de uma alternativa.
Se necessário, assinale mais de uma 90 respostas entre 120 entrevistados
alternativa. Emocional (descaso,
72 respostas entre 120 entrevistados ausência de interação, 79
olhares, cochichos, etc)

Bullying sofrido Verbal 52


na escola 39
Pela não aceitação Físico e verbal 19
da família 36
Pela não aceitação
Ciberbullying 18
dos amigos 29
Físico
3

Grace Mackie et al. demonstraram


a relação do bullying e da Em relação aos praticantes
discriminação com aspectos de de tais comportamentos, os
saúde mental de jovens trans de relatos contemplavam diversos
Ensino Médio, incluindo depressão e perpetuadores dessa violência,
comportamentos suicidas. A sensação conforme ilustra gráfico 49.
78

Gráfico 49 - Quem cometeu bullying Gráfico 50 - A ação tomada pela escola


transfóbico contra a criança/adolescente? surtiu resultado?
Se necessário, assinale mais de uma 43 respostas entre 120 entrevistados
alternativa. Parcialmente - houve
90 respostas entre 120 entrevistados melhora por um tempo
mas ainda acontecem 15
casos de bullying
Aluno(a/e) da mesma 64 Sim, não tivemos mais
série e turma
nenhum caso de 14
bullying transfóbico
Professor(a/e) 39
Não, minha criança/
Família de outro(a/e) 39 adolescente continua 8
aluno(a/e) sofrendo bullying

Aluno(a/e) de outra 23
série e mais velho(a/e)
Saímos da escola 3
Aluno(a/e) da mesma 23
série e de outra turma

Direção 16 Não sabe opinar,


pois o caso é recente 3

Coordenação 9
Um estudo com 398 estudantes trans
Aluno(a/e) de outra 7 do Ensino Fundamental e Médio do
série e mais novo(a/e)

Psicólogo(a/e) escolar 6 Canadá demonstrou que esses jovens


apresentam maior propensão a faltar
Ressalta-se que 48% dos casos de à escola, a vivenciar episódios de
bullying relatados em nossa pesquisa bullying e discriminação baseados em
foram cometidos diretamente por preconceitos e a relatar percepções
adultos, sendo 35% praticados por mais negativas do ambiente escolar,
familiares de outros alunos e alunas e embora não referissem notas
65% por profissionais das instituições comparativamente piores (Day et al.,
escolares. 2018).

Apesar de 93 famílias participantes Em relação à transição social, 66


desta pesquisa terem afirmado ter responsáveis relataram que seus
conhecimento de que sua criança/ jovens a realizaram na escola onde
adolescente trans sofreu/sofre bullying estudam atualmente. Dentre os 54
transfóbico dentro da instituição responsáveis que referiram haver
educacional, apenas 65 comunicaram realizado em outra escola, grande
a escola sobre o ocorrido, das quais parte relatou ter vivido situações
apenas 43 famílias identificaram problemáticas de diversas naturezas,
uma ação por parte da instituição de conforme demonstra o Gráfico 51.
ensino, conforme expõe o gráfico 50.
Dentre estas, 32,5% relataram que as Um estudo nacional com jovens LGBTI+
ações tomadas pela escola tiveram dos Estados Unidos ressaltou que as
resultados efetivos para que não escolas não são ambientes seguros
houvesse recorrência de tais situações para jovens trans: 75% se sentem
discriminatórias. inseguros no ambiente escolar,
relacionando à sua variabilidade
79

de gênero, em comparação com acordo com sua identidade de gênero


32% dos que se identificavam (Sampaio; Germano, 2014).
como meninos cisgênero e 23% das
Gráfico 52 - Qual banheiro sua criança/
meninas cisgênero. Em associação, adolescente usa na instituição escolar?
mais da metade dos estudantes que
se identificaram como trans foram De acordo com o
sexo biológico 15
impedidos de usar, no ambiente
escolar, banheiro, nomes ou pronomes De acordo com a
sua identidade de 14
que estivessem alinhados com sua gênero

identidade de gênero (Kosciw et al., Banheiros destinados


aos professores(as) e 8
2016). aos deficientes físicos

De acordo com a
sua identidade de
Gráfico 51 - Caso não, conte em breves gênero e os banheiros 3
palavras como foi a transição social de sua destinados aos
criança/adolescente, na rede de ensino professores(as) e
aos deficientes físicos
onde ela aconteceu
52 respostas entre 120 entrevistados
Problemática de
naturezas diversas
Em relação à programação didática
com toda a 33 e pedagógica, 87 participantes
comunidade escolar
relataram que questões sobre gênero e
Escola não estava
preparada/não 10 sexualidade nunca foram trabalhadas
buscou preparo
ou discutidas no ambiente escolar.
Dificuldade com
os colegas 5
Em aulas e ocasiões especiais
Dificuldade com
e comemorativas, 12,5% dos
4
as famílias
entrevistados relataram que a
identidade de gênero não é respeitada,
Em relação ao uso do banheiro, com imposição de papéis neutros ou
44,1% das famílias participantes incongruentes com a identificação.
desta pesquisa identificaram que Enquanto 71,6% referiram que a
sua criança/adolescente trans faz identidade dos filhos/as é totalmente
uso do banheiro de acordo com a respeitada, 15,9% ressaltaram que, por
sua identidade de gênero dentro das mais que a identidade fosse tolerada,
instituições de ensino em que estão fez-se necessário um posicionamento
vinculados(as), conforme evidencia o mais assertivo para que isso ocorresse.
Gráfico 52. Em congruência, em um estudo
estadunidense, cerca de 20% dos
Nesse contexto, a Resolução nº 12 estudantes que se identificaram
do Conselho Nacional de Combate como pertencentes a variabilidades
à Discriminação e Promoção dos sexuais e de gênero relataram ter sido
Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis impedidos de escrever sobre questões
e Transexuais (CNCD/LGBT) ressalta LGBT em anuários ou jornais escolares,
que não se pode proibir pessoas além de impedidos ou desencorajados
trans e travestis de usar banheiros de por treinadores e funcionários da
80

escola de participar de esportes por No âmbito escolar, 7 responsáveis


causa de sua orientação sexual ou relataram ter a matrícula de seu
expressão de gênero (Kosciw et al., filho ou filha recusada devido à
2016). variabilidade de gênero. Ainda em
relação à permanência estudantil,
Em relação à saúde física e mental, 79% relataram que as crianças/
110 responsáveis relataram que sua adolescentes já precisaram mudar
criança/adolescente trans realiza de escola alguma vez, sendo que
acompanhamento especializado 24% correlacionam às vivências de
por questões relacionadas à discriminação, como bullying ou
transgeneridade, 28 relataram transfobia.
acompanhamento psiquiátrico e 82
acompanhamento psicológico. Gráfico 53 - Sua criança/adolescente já
mudou de escola alguma vez? Por quê?

Cinquenta responsáveis relataram Não

que suas crianças faziam uso de 21%


Sim, por motivos de
alguma medicação de uso contínuo. bullying/transfobia
55%
Apenas 34 responsáveis relataram que 24% Sim, por outros motivos,
a criança/adolescente não se queixa que não situações de
bullying/transfobia
de sintomas psicossomáticos, como
dores de cabeça, dores abdominais,
dores inespecíficas no corpo, mal- Para que o ambiente educacional
estar inespecífico, enjoo, dificuldade brasileiro fosse considerado seguro,
para dormir, irritação ou nervosismo. os responsáveis entrevistados
interpretam que seria importante
Muitos(as) responsáveis já relataram, o respeito e o acolhimento a esses
eles próprios, terem sofrido jovens, além de estímulo efetivo
alguma vivência de discriminação, para a vivência da diversidade. A
incluindo retaliação ou rejeição, falta de políticas explícitas que
pela comunidade escolar. Além de protejam os jovens identificados
insultos de colegas estudantes, há como pertencentes a variabilidades
discriminação e violência por parte de gênero foi associada ao aumento
de adultos que são responsáveis da discriminação relatada (Kosciw et
pela organização escolar (Sampaio; al., 2016)
Germano, 2014).
Utilizar-se de proposições e
Quarenta e cinco entrevistados orientações estruturadas em
relataram situações nas quais conhecimento qualificado, como o
familiares ou responsáveis de outros relatório para os setores educacionais
estudantes proibiram que sua criança/ da Unesco, é uma das formas de
adolescente trans tivesse contato com buscar a promoção dessa segurança.
seu filho(a/e). (Unesco, 2016).
81

Proposições elaboração de documento unificado


para orientação e programação
A pesquisa aqui descrita faz-se
de transição social de gênero
extremamente importante no cenário
individualizada no ambiente escolar?
brasileiro, no qual há escassez de
pesquisas que investiguem, reflitam e  Ainda, em relação a aspectos
elaborem aspectos e particularidades de saúde mental: Como podemos
da transgeneridade infantojuvenil no estender os aspectos protetivos
ambiente escolar. das famílias analisadas, nas quais a
aceitação e cuidado com as crianças
É essencial a inclusão do debate trans é um imperativo? Há maneiras
e da capacitação continuada em de pulverizar e impulsionar tal
relação a aspectos de diversidade comportamento para famílias que
socioeconômica, étnico-racial, sexual apresentam resistência à variabilidade
e de gênero nos cenários da nossa de gênero de seus filhos e filhas?
sociedade, inclusive o da escola. Toda
a comunidade escolar deve participar Mesmo com essa aceitação familiar
dessa formação específica, o que positiva, sabemos que vivências de
inclui: estudantes, seus responsáveis, violência e estigmatização na infância
professores, equipe pedagógica, e na adolescência repercutem no
equipe de apoio escolar à saúde desenvolvimento e repertório psíquico
mental, funcionários administrativos da vida adulta.
e de outros serviços.
Entende-se que a infância e a
A partir do estudo de literatura e adolescência já constituem períodos do
da análise descritiva preliminar dos desenvolvimento nos quais mudanças
dados das entrevistas realizadas e desafios ocorrem, configurando
pela Coordenação de Proteção e situações de estresse naturalmente
Acolhimento a Crianças, Adolescentes esperadas e demandando suporte
e Famílias LGBTI+, questionamentos emocional adequado para qualquer
surgiram: pessoa. A partir do estudo realizado,
no entanto, pode-se explicitar o
quanto crianças e adolescentes com
 Quais programas e estratégias
variabilidade de gênero estão sujeitos
podem ser desenvolvidos no ambiente
a estresses adicionais.
escolar para a garantia de maior
proteção e segurança às crianças e
Essas vivências estressoras
adolescentes com variabilidade de
adicionais são exemplificadas por:
gênero?
violências, discriminação e bullying
 Como melhorar a conscientização praticados em vários cenários, mas,
da sociedade, a partir dos cenários principalmente, no ambiente escolar;
educacionais, em relação a aspectos impedimento de desenvolver e
de diversidade? expressar sua identidade justamente
 Como pode ser realizada a no período em que aprendemos e
82

começamos a entender quem somos cenários educacionais mais inclusivos,


e como podemos ser no mundo; seguros e saudáveis para essas crianças
dificuldades impostas para vivenciar e adolescentes; prevenir e combater
experiências coletivas esperadas para situações de bullying, violências e
cada período de vida; estigmatização discriminação; intervir para maior
da variabilidade de gênero por vários compreensão, representatividade e
setores da sociedade. igualdade nos diferentes âmbitos da
sociedade.
Assim, devemos refletir ao nos
depararmos com maiores prevalências, Levando em consideração a
demonstradas em literatura, de diversidade da amostra em relação
aspectos negativos de saúde mental à idade, ressalta-se a importância
em crianças e adolescentes, como de entender quais as questões mais
sintomas de ansiedade, de depressão, significativas para cada faixa etária
dificuldade de aprendizagem, e, por consequência, cada período
menor sensação de pertencimento, letivo, com o intuito de promover
insatisfação pessoal, desesperança, ações congruentes.
pensamentos de morte, ideação ou
tentativas de suicídio. Uma análise estatística
pormenorizada, assim como a
Em uma análise superficial e possível reprodução e amplificação
equivocada, poderia considerar-se que de tal pesquisa em âmbito nacional
a própria condição da variabilidade de e subnacional, objetivam o encontro
gênero causaria uma pior saúde mental à elaboração de tais respostas.
e demandaria maior necessidade de
acompanhamento psiquiátrico, por Referências
exemplo. No entanto, um dos papéis BLACKLESS, M. et al. How sexually
dos profissionais de psiquiatria é dimorphic are we? Review and
justamente realizar essa reflexão synthesis. Am J Hum Biol., v. 12, n. 2, p.
aprofundada: como esse sofrimento 151 – 166, 2000. Disponível em: https://
psíquico se expressaria se não fosse pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11534012/.
gerado e imposto externamente?
ASCD: ASSOCIATION OF SUPERVISION
Deve-se, então, buscar analisar quais AND CURRICULUM DEVELOPMENT.
são as propostas para garantir a The School Transgender Students
prevenção das situações estressoras, Need. 2016. Disponível em: https://
assim como elencar as intervenções www.ascd.org/el/articles/theschools-
efetivas para promover acolhimento transgender-students-need. Acesso
e segurança quando elas venham a em: 04 set 2021.
ocorrer.
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Pode-se agir, ainda, para gerar transgender children and
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86

5.3. Crescer nunca foi fácil - um ensaio


sobre o olhar da pediatria para além
da medicina a respeito do processo de
formação da identidade na infância e
na adolescência e como a identidade
de gênero e o ambiente escolar
influenciam nessa construção
Por Nicolle Amboni Schio o cérebro em desenvolvimento não
encontra um ambiente adequado –
1. Como funciona nosso em que uma criança seja alimentada,
aprendizado e desenvolvimento? higienizada, cuidada, receba afeto e
atenção –, ele enfrenta dificuldades
A infância e a adolescência são
para se desenvolver de modo saudável.
períodos da vida nos quais temos
(EAGLEMAN, 2017).
intensa captação de vivências,
conceitos, informações, aprendizados.
O cérebro de uma criança nasce com Ao analisarmos como acontecem
muitos neurônios, porém ainda não esses processos, podemos citar,
possui ligações sinápticas em grande para além dos conceitos médicos e
quantidade e ordenação. Com o biológicos, conceitos que advêm da
passar dos anos e aprendizados, essas psicologia moderna, suscitados por
ligações vão aumentando e ficando Sigmund Freud, Donald Winnicott,
mais complexas rapidamente. É Wilhelm Reich, Melanie Klein, Lev
por este motivo que crianças são Vigotsky, Jean Piaget, David Boadella,
tão plásticas e têm tanta facilidade Stanley Keleman, dentre tantos outros
em aprender coisas. Mesmo que nomes que falam do desenvolvimento
passemos uma vida toda adquirindo psicológico, social, sexual e físico do
novas experiências, essa aquisição ser humano, em especial da época
mais vigorosa enquanto criança puerícia1. Alguns destes pensadores
formará nossa identidade, nosso discorrem em seus livros sobre como
arcabouço neurológico, psicológico e o período da infância terá efeitos na
emocional que servirá o tempo todo formação de personalidade e como a
para lidarmos com as demandas de influência do meio que cerca a criança
responsabilidade da vida adulta. Se será imperiosa nessa construção. Esses

1
Puerícia - período de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade;
infância.
87

autores mencionam veementemente acordo com o desenvolvimento de


a necessidade de esses pequenos seu cérebro e seu corpo.
seres obterem respeito, serem
tratados de acordo com suas Não devem ser tratadas conforme
necessidades e demandas, serem necessidades exclusivas de pessoas
ouvidos e compreendidos levando adultas (como, por exemplo, ter
em consideração a sua imaturidade maturidade para lidar com situações
e primordialidade, além de serem que uma pessoa adulta teria ou
reconhecidos como tal e não como mesmo ter destreza para exercer
se pessoas adultas já fossem. Todos algumas habilidades motoras que
esses pensadores fizeram análises uma criança não consegue), não
sobre crianças de uma realidade ou devem ser chantageadas, ameaçadas,
de outra e, a partir daí, estudaram a agredidas, insultadas e ofendidas por
construção identitária delas. (NASIO, serem crianças nem por pensarem
1995; VIGOTSKY, 2000; BOADELLA, como crianças. Devem ser amparadas
1992; KELLEMAN, REICH, 2004; como uma criança precisa e merece
WINNICOTT, 1964.) ser. Elas podem e sentirão alegria,
serenidade, raiva, tristeza, frustração e
A psicologia infantil é um campo de devem expressar estes e tantos outros
estudo recente, que se desenvolveu sentimentos livremente, em vez de
principalmente do início do século serem levadas a crer que esses sentires
XX em diante. Durante muito tempo são ruins ou muito menos que devem
pensou-se que a criança se comportava ser escondidos ou despejados em
como o ser adulto e, portanto, as vias outros seres de maneiras perversas.
pedagógicas e afetivas de criação
tinham bases muito diferentes do Principalmente, crianças não são
que entendemos hoje. (REICH, 1984; moldadas para repetir o padrão
WINNICOTT, 2003; WINNICOTT, 1988; psicológico de comportamento
BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2002; familiar, ainda que o acabem
FREUD, 1995; NELSEN,1981). fazendo em grande parte das vezes.
(WINNICOTT, 1964; REICH, 1984;
Hoje conseguimos compreender, SIEGEL & BRYSON, 2011; NELSEN,
após mergulharmos em todos estes 2018; NASIO, 1995; DIAS, 2003). Ainda
estudos, que crianças e adolescentes que tudo isso pareça óbvio hoje, essas
não são versões incompletas ou “obviedades” nem sempre foram
miniaturas de pessoas adultas, mas sim assim se olhamos para o passado. As
indivíduos complexos em si mesmos gerações de pessoas adultas que nos
que estão iniciando seu processo de precedem, nossos pais, mães, avós,
maturação e construção identitária bisavós, etc., provavelmente viveram
(SIEGEL & BRYSON, 2011; WINNICOTT, imersos numa ideia de educação e
1964 e 1988). Assim sendo, devem criação infantil onde nenhum desses
ser tratadas como seres inteligentes, preceitos de respeito e compreensão
capazes de pensar, refletir e agir de sobre o comportamento infantil
88

e adolescente eram praticados desestimuladas. Basicamente, esses


adequadamente. Algumas dessas “orfanatos” eram instituições que
pessoas tiveram a sorte de crescer mantinham uma linha de organização
em ambientes familiares mais impessoal e asséptica, extremamente
estruturados, porém, pode-se dizer funcional em termos práticos, mas
que são exceção. (REICH,1984; DIAS, completamente desumanizada. O
2003). Estado da Romênia manteve essas
instituições funcionantes por alguns
Um estudo que avaliou 136 crianças anos. Após algum tempo, devido
em situação de vulnerabilidade a mudanças políticas locais, elas
entre 0 e 3 anos em instituições de pararam de existir.
acolhimento para órfãs na Romênia
no período pós-segunda guerra, Descobriu-se posteriormente,
na década de 1950, mostrou que a acompanhando essas crianças já
falta de estímulo cognitivo e afetivo crescidas e em novos lares, que o
causou comprometimento severo da cérebro de várias delas foi capaz
capacidade mental com diminuição de recuperar-se e continuar em
de coeficiente intelectual e da desenvolvimento cognitivo adequado,
capacidade de aprendizado, além proporcionando um crescimento
de sinais claros de dificuldade de sem maiores sequelas, mas que
modulação afetiva. outras em contrapartida ficaram
com comprometimento significativo,
Essas crianças tinham acesso a como dificuldades de aprendizado e
comida, roupas, cama, higiene socialização.
adequada, mas não tinham liberdade
de individualização e expressão e nem Esta experiência estatal nos mostra
eram tratadas com ternura. Todas o quanto somos sensíveis ao
tinham o mesmo corte de cabelo, ambiente que nos cerca e como
independentemente do gênero, há uma importância gigantesca na
usavam uniformes monocromáticos nossa formação não só emocional
com o mesmo desenho, tinham e psicológica, mas também
rotinas diárias de atividades básicas neurológica e cognitiva que depende
totalmente padronizadas, não tinham de um entorno amoroso e acolhedor.
acesso a nenhum tipo de exercício (EAGLEMAN, 2017; SIEGEL & BRYSON,
que envolvia cultura, criatividade ou 2011). Muitas crianças e adolescentes
ludismo e também não recebiam ao redor do mundo vivem em
atenção afetiva das pessoas adultas ambientes emocionalmente
que trabalhavam e coordenavam insalubres, violentos, inadequados
essas instituições. aos pontos de vista colocados em
pauta até aqui. Apesar de que o nosso
Também eram orientadas a não cérebro e psique são capazes de
terem contato mais próximo entre desenvolver defesas suficientes para
si. Brincadeiras e diversão eram que seja possível progredir dentro de
89

ambientes não salutares, muitas vezes vamos reforçar algumas conexões


esses mecanismos de defesa contra dendríticas que serão muito usadas
tantas invasões psíquicas geram na vida adulta. (EAGLEMAN, 2017;
também neuroses muito profundas SIEGEL & BRYSON, 2011).
que podem trazer sofrimento
crônico, o que, por conseguinte, gera Elucidando essa base imprescindível,
alterações fisiológicas deletérias, que poderemos abordar de fato a
podem dar origem a vários tipos problemática sobre o entendimento
de patologias, como por exemplo de gênero na infância, assim como
doenças cardiovasculares, câncer, adentrar também em como se dá o
obesidade, diabetes, asma, doença papel da escola na construção de
pulmonar obstrutiva crônica, doenças identidade e sobre a possibilidade
autoimunes, demência (CDC, 2020; de oferta de desenvolvimento
CRAIG, 2020; WINNICOTT, 1964; biopsicossocial mais próximo do
REICH, 2004). saudável para todas as crianças.

Portanto, novamente friso a O objetivo desta análise é relacionar


importância de um ambiente os dados dos sujeitos, deste
satisfatório na fase da infância e levantamento, com outras populações
adolescência, pois será um bom que possuam características
alicerce psíquico para a vida adulta. semelhantes e a partir disso levantar
hipóteses, questionamentos e
Nosso cérebro tende a continuar desdobramentos a respeito de como
o processo acelerado de formação se dá o acolhimento de crianças
sináptica até por volta dos 25 anos e e adolescentes trans no ambiente
depois estabiliza. Em torno de 10 a 12 intrafamiliar e escolar. Também
anos, entramos na fase da puberdade, analisaremos aspectos relacionados
rica em mudanças hormonais e ao bullying de gênero na escola e
comportamentais. Também é a como todos esses fatores afetam a
fase onde teremos o nosso senso de construção de identidade dessas
identidade e autoconsciência mais pessoas.
nítidos. Não é à toa que todas as
famílias sempre mencionam que lidar 2. O gênero como instância
com filhos e filhas na adolescência social e psíquica que direciona o
requer um tipo diferente e resiliente crescer
de trato. Neste estágio, temos uma A medicina normalmente infere
alteração de número de neurônios e um olhar técnico e biológico sobre
de ligações sinápticas muito maior as questões de gênero, trazendo à
na região pré-frontal, que é a região tona termos como “incongruência”,
do nosso cérebro responsável pela “disforia de gênero” - que estão
modulação de comportamento ligados diretamente à saúde mental
ético, emocional, de julgamento. É e psicológica dessas crianças e jovens
exatamente nesse momento que
90

- “hormonização”, “bloqueio puberal” Ainda que haja uma cultura vigente que
- que são termos específicos de não “autoriza” e nem reconhece essas
protocolos de tratamento do processo variabilidades, pessoas transgêneres,
de identificação das transgeneridades transexuais, gays, lésbicas, bisexuais,
- dentre outros termos, criando uma não binárias, intersexuais, dentre
atmosfera que retira outras ciências outras identidades e sexualidades,
humanas da discussão e inclusive existem, vivem, frequentam escolas,
se coloca como ciência puramente ambientes de trabalho, estão inseridas
biológica por muitas vezes. em círculos sociais, estão aqui, em
meio a todas as pessoas. Corpos que
Ora, se lidar com saúde orgânica e passam são aqueles que circulam
mental de pessoas não é também socialmente sem serem diretamente
uma ciência humana, talvez tenhamos rastreados em suas diferenças. E esse
uma confusão de ideias por princípio rastreio já tem aval na observação
e essa confusão precise ser sanada. e controle da infância, quando se
Inclusive a noção patologizante e corrige toda e qualquer demonstração
tecnicista sobre questões de gênero de comportamento que fuja dessa
vem historicamente de um aspecto coerência preestabelecida. (BUTLER,
desumanizado que a medicina 2013; CLARK, 2014)
foi adquirindo na sua evolução,
que por momentos esqueceu que É dever da medicina olhar para essas
tratava de gente e não de cadáveres. pessoas, compreender suas demandas
(GULGOZ,2019). de saúde orgânica e mental, obter
conhecimentos e ferramentas que
As variabilidades de gênero e auxiliem na manutenção dessa
sexualidade já foram catalogadas saúde. Também é dever da medicina
dentro do Manual Diagnóstico e sair do escopo mecanicista que trata
Estatístico de Transtornos Mentais a sexualidade e o gênero como algo
(DSM) por muitos anos como apenas relacionado à reprodução
distúrbios e patologias e não como humana, às infecções sexualmente
alteridades passíveis de existirem transmissíveis, à inferência de qual
(PELÚCIO & MISKOLCI, 2009; WINTER, corpo está ligado a qual sexualidade
2016). Há pouco tempo que essas e gênero pautado nos genitais,
dissidências começaram a transitar cromossomos e hormônios e a
mais intensamente dentro do espectro comportamentos protocolares de
que se estabelece como “aceitável” e, perfomance de gênero. Essa visão
na verdade, ainda estão periféricas ao determinista biológica se extrapolou
que se considera norma a ser seguida para os campos da pedagogia e foi
dentro da nossa sociedade (UNAIDS; englobada no discurso que tem como
DSM LIBRARY, 2014; PELÚCIO & tônica a repressão e o silêncio sobre a
MISKOLCI, 2009). sexualidade, a vigilância constante da
criança, o confinamento da infância
nas escolas em moldes específicos,
91

a separação entre os gêneros, o limitações e observações importantes,


combate à masturbação e educação pois podem ser confundidas pela
em sexualidade, o engessamento de família e por profissionais de saúde
comportamentos de gênero. que não estiverem atentos, com
comportamentos próprios da
Isso limita as ações e atitudes exploração da identidade de gênero
ao biológico e não permite a da criança, o que é algo comum e
vivência dessas experiências, que corriqueiro principalmente na idade
para as crianças ainda não são pré-escolar e escolar.
conceitualmente fechadas porque,
afinal, essa categorização acontece Quando falamos sobre gênero na
a partir das pessoas adultas, que infância, precisamos pontuar que
inferem significados aos atos de essa concepção é adquirida durante o
brincar com boneca ou com carrinho, crescer, tanto é que a criança entende
de gostar de cor rosa ou azul, de com mais clareza sobre seu gênero
ser comportada ou aventureiro, de e seus genitais entre 2 e 6 anos de
usar vestido ou bermuda, e a partir idade e partir disso compreende
dessas categorizações acaba por que um está ligado ao outro; como
tolher a autonomia das crianças que é posto socialmente. (MARIANO,
experimentam o mundo sem levar 2018; GULGOZ; RAFFERTY, 2018). É,
em consideração os conceitos obtusos em média, nessa idade que a criança
das pessoas adultas. (NASCIMENTO, começa a se identificar com pessoas
2020; ABRAMOVAY, 2004; RAE, 2019). do mesmo gênero/sexo e também
quando ela entende que a noção
Nesta pesquisa, foram realizadas de gênero permanecerá presente
escuta e diálogo com 120 famílias de ao longo de sua vida. Além disso, o
crianças e adolescentes transgêneres entendimento dessa permanência de
(também nomeadas como crianças gênero na vida é considerado um fator
e adolescentes trans) no decorrer do psicológico central que influenciará
ano de 2021, para análise do contexto nas preferências e comportamentos
da transgeneridade no ambiente de crianças em idade pré-escolar e
escolar. além. (FAST & OLSON, 2018; OLSON,
2016).
Para falar de variabilidade de
gênero e ambiente escolar, também Não há uma noção de gênero
precisaremos falar de violência, de naturalmente aparente, que nasce
bullying, de possibilidade ou não de em conjunto com a criança, uma vez
aprendizado dentro dessa vivência, que, como elencado anteriormente
de interrupção de saúde. nesta pesquisa, gênero é uma
construção social. A maioria das
Dentro da pediatria, as definições, teorias de desenvolvimento de gênero
ja elencadas anteriormente nesta explica os padrões de aquisição
pesquisa se apresentam com algumas desses comportamentos por meio de
92

uma combinação de influências de É preciso compreender que a amostra


fatores biológicos (por exemplo, sexo analisada nesta pesquisa possui
atribuído ao nascimento, exposição a recortes sociais importantes. Mais da
hormônios pré-natais), capacidade de metade dos(as/es) entrevistados(as/
autocognição de gênero das crianças es) possui condições socioeconômicas
e a socialização cultural e interpessoal melhores (média de renda acima de 6
a que estarão submetidas. Para salários mínimos), é branca, tem níveis
crianças cisgêneras, o sexo atribuído escolares médios com no mínimo
ao nascimento, a socialização e graduação universitária.
autoatribuição de gênero estão em
acordo, o que reforça os estereótipos e Todos estes fatores podem influenciar
comportamentos de gênero daquela diretamente no acolhimento às
criança e ajuda na construção de crianças e adolescentes e podem
autoestima e personalidade, por propiciar ambientes mais amorosos e
serem ações afirmativas sobre esse saudáveis para o seu desenvolvimento,
comportamento (GULGOZ, 2019). o que influenciará nos graus de
disforia e distúrbios de humor e
Já para as crianças trans, há uma aprendizado. A literatura também
incongruência nesses fatores que coloca esses pontos como fatores
colaboram para que haja uma de influência sobre as condições de
confusão nesse senso identitário, onde desenvolvimento também porque,
influência de ações não afirmativas e/ sozinhos, podem atuar nos mesmos
ou negativas, junto com outros fatores mecanismos de noção identitária,
sociais, podem acarretar processos assim como o gênero o faz.
desfavoráveis na construção da psique
e eventualmente se mostrarem como Os dados que mostram a faixa etária
distúrbios de humor, de aprendizado, mais comum de compreensão sobre
disforia de gênero e/ou outros transgeneridade vão ao encontro dos
distúrbios orgânicos (GULGOZ, 2019). dados levantados nesta pesquisa,
o que levanta a hipótese de que,
Nesta pesquisa, é possível perceber em média, é a partir de uma idade
que, apesar de estarmos falando específica que se internalizam essas
de crianças e adolescentes trans, percepções. E isso não exclui que
segundo as famílias participantes, crianças possam se identificar com a
apenas 21,66% tiveram diagnósticos transgeneridade mais precocemente.
de alguma condição que dificultasse Como podemos ver em nosso estudo,
o aprendizado, tais como transtorno algumas famílias perceberam que
de hiperatividade e déficit de atenção, suas crianças já apresentavam seus
transtorno opositor e autismo. desconfortos anteriormente aos 7
Comparado com a literatura, como anos. Por isso, é importante pensarmos
veremos mais adiante, é um número em como essa fase pré-escolar deve ser
menor do que o esperado. abordada dentro da criação familiar
e na escola para que essas crianças
93

consigam viver de acordo com sua sua identificação como preferir, a


identidade e diminuir o abismo entre construção de identidade e do gênero
entendê-la e assumi-la. ocorrerá de forma semelhante à de
crianças com entendimento de gênero
condizente com o sexo atribuído ao
Gráfico 54 - Com quantos anos você
compreendeu e/ou a sua criança/
nascimento, crianças cisgêneras no
adolescente comunicou que possuía caso. (FAST & OLSON; GULGOZ).
questões de gênero?
Considerando tudo isso, será que de
2 anos 7 fato estamos lidando com crianças e
adolescentes transgêneres na escola,
3 anos 20 no consultório, em casa, de maneira a
afirmar suas vivências e dessa forma
4 anos 8 colaborar com uma formação psíquica
e cognitiva satisfatória? Seguindo o
5 anos 5 fluxo, para elucidar ainda mais nossa
percepção sobre essas vivências
6 anos 5 alternativas de gênero na infância e
adolescência e o ambiente escolar
7 anos 10 envolto, é importante trazermos
alguns números.
8 anos 3
Estima-se que até 2% das crianças
9 anos 9 e adolescentes se identificam
como sendo transgêneres. Ainda
10 anos 5 assim, é válido salientar que esse
número é subnotificado devido à
11 anos 8 baixa disponibilidade de estudos
e estatísticas epidemiológicas e
12 anos 13 sociodemográficas confiáveis sobre o
assunto. O que se percebe é que há um
13 anos 10 aumento considerável de crianças que
apresentam essa não conformidade de
14 anos 11
gênero hoje em dia, seja por aumento
15 anos 3 desse rastreio ou por mudanças
sociais e culturais com o passar dos
16 anos 3 anos. (WINTER, 2016; SPIVEY, 2019;
CASTILLA-PEÓN, 2018). Também
Ainda que haja o imperativo biológico se sabe que dentro desses até 2%,
em que designe o gênero, se a criança cerca de 1/3 dessas crianças e jovens
se identificar com gênero cruzado ao manterão sua não conformidade de
seu sexo atribuído ao nascer e assim gênero na vida adulta e os outros 2/3
tiver liberdade para continuar fazendo não necessariamente terão questões
94

específicas com a transgeneridade do espectro entre masculino e


mas talvez com aprendizados sobre feminino, sem necessariamente
sexualidade que envolvem orientação impor um gênero, apresentaram
e afetividade sexual (CASTILLA- comportamentos menos extremos
PEÓN, 2018; WINTER, 2016). Por para algum gênero especifico mais
outro lado, um estudo mostrou, ao tarde (RAE, 2019).
questionar pessoas transgêneres
adultas sobre seu comportamento Em outra pesquisa, observou-se que as
de criança e adolescente no passado, ligações neurais do cérebro de pessoas
que elas apresentaram atitudes trans têm uma organização basal
com variabilidade de gênero mais semelhante à arquitetura do cérebro
anunciadas, persistentes e frequentes de uma pessoa em congruência
durante a juventude do que pessoas de sexo e gênero. Analisando com
que mantiveram identidade de gênero atenção, isso reforçaria a hipótese
de acordo com seu sexo atribuído ao de que, por exemplo, uma pessoa
nascimento, trazendo fatores que que nasce biologicamente macho
possam ser observados e predizer uma mas se identifica socialmente como
necessidade de mudança de gênero mulher, terá uma formação sináptica
mais precoce (RAE, 2019). Outro semelhante à de uma mulher
estudo que analisou sinais de predição cisgênera. Ainda temos poucas
precoce de transição na infância pesquisas que corroboram esses
mostrou que crianças que possuíam dados, mas isso seria uma importante
comportamentos e preferências aquisição científica que explicaria
cruzadas entre gênero e sexo atribuído por que o gênero é construído e não
ao nascimento (por exemplo, criança ligado ao genital ou cromossomos
que nasceu biologicamente macho (WINTER, 2016). Ainda assim, a melhor
mas tinha comportamentos mais maneira de compreendermos essa
femininos ou criança que nasceu situação é ouvindo sobre as vivências
biologicamente fêmea e tinha e sentimentos dessas pessoas, mesmo
comportamentos mais masculinos), que nosso afã científico nos faça querer
tinham maior chance de fazerem análises eletroencefalográficas ou
a transição mais precocemente tomográficas sobre como o cérebro e
do que crianças que possuíam todo o eixo fisiológico dessas pessoas
comportamentos e preferências funcionam, para que assim possamos
mais condizentes com gênero e rever as bases das nossas atribuições
sexo atribuído ao nascimento. Este de gênero e como lidamos com isso
mesmo estudo mostrou também que em termos de saúde e educação.
quanto mais reprimida a variabilidade
de gênero fosse, mais se afirmava Nessa mesma linha, uma revisão
a presença de comportamentos e sistemática (MARIANO, 2018)
preferências cruzadas. Crianças que que avaliou cortes de crianças e
tiveram a liberdade de transitar entre adolescentes de vários países com
comportamentos e preferências variabilidade e disforia de gênero
95

mostrou que crianças que viveram Em outro estudo dessa mesma


de acordo com a sua identidade revisão, sem especificação sobre
de gênero (que fizeram a transição transição social e/ou apoio familiar,
social) tinham sua autopercepção com menores que davam sinais de
em acordo com sua expressão e variabilidade de gênero entre 3 e 12
identidade de gênero e apresentaram anos de idade, vimos que metade
autoestima global elevada. As que da amostra apresentou distúrbios de
realizaram a transição social com comportamento/aprendizado e 46%
apoio familiar evidenciaram taxas apresentaram sinais de depressão ou
típicas de depressão e de transtornos ansiedade (MARIANO).
ansiosos para a idade, sem aumento
ligado à transgeneridade e seus Gráfico 56 - Em caso positivo, para
desdobramentos. Neste estudo, questões relacionadas à transgeneridade,
quais tipos de acompanhamento são
percebe-se que 102 das 120 famílias feitos?
relataram mudanças e percepções
positivas em relação ao humor de Psicólogo (particular,
plano de saúde, ONG)
82
suas crianças e adolescentes após a Ambulatório
52
transição. especializado

Psiquiatra (particular,
plano de saúde, ONG) 28
Gráfico 55 - Você percebeu uma mudança Endocrinologista (particular,
28
de humor positiva em sua criança/ plano de saúde, ONG)

adolescente após a transição? Ambulatório multidisciplinar


mas não especializado 4
em transgeneridade
Sim, foi 3
positiva 102 Neurologista

Ginecologista 3
Parcial
6
Fonoaudiólogo 2
Não, foi
negativa 12
Nos dados coletados nesta pesquisa,
Da mesma forma, assim como observa-se que os números sobre
mencionado neste documento, 104 distúrbios de humor/aprendizado
famílias relataram que suas crianças/ são relativamente menores e a
adolescentes trans têm ou já tiveram partir disso é possível presumir os
alterações negativas de humor, em efeitos benéficos que o acolhimento
especial depressão e transtornos familiar e social podem gerar, uma
ansiosos em algum momento. É vez que se pressupõe que as crianças
preciso refletir, com bastante atenção, e adolescentes trans identificadas
sobre como o acolhimento é essencial nesta amostra possuem suas
para que as crianças e adolescentes identidades de gênero respeitadas
consigam coabitar e aproveitar e acolhidas, além de terem acesso a
espaços de convivência com pessoas acompanhamento multidisciplinar
cis de modo saudável, sem se sentirem envolvendo psicólogas(os/es),
ameaçadas. endocrinologistas, psiquiatras e/
96

ou equipe multidisciplinar (Gráfico humor e surgimento de distúrbios


56), o que pode favorecer o processo psíquicos podem estar intimamente
de compreensão da família sobre ligados à aceitação da família e
essas diferenças e auxiliar no seguida de amigos e pessoas do
autoentendimento da identidade da ambiente escolar. Entre os possíveis
criança ou adolescente trans. motivos identificados pelas famílias,
os itens mais citados foram: a não
A aceitação da sociedade para crianças aceitação da família, a não aceitação
com não conformidade de gênero dos núcleos de amizades e o bullying
reflete fortemente nas pesquisas escolar.
sobre o tema. Quando falamos deste
assunto, é importante frisar que a O primeiro ambiente social em que
dificuldade de aceitação e respeito a criança é inserida é o ambiente
social é a grande problemática, e não a familiar. É o primeiro local onde ela
variabilidade de gênero de indivíduos. vai socializar, trocar vivências e iniciar
Tendo como perspectiva que toda a construção da sua identidade
a repercussão de saúde orgânica e (PRIEST, 2019; JUAREZ-CHAVEZ,
mental dessas pessoas se dá pela não 2018). O segundo local é a escola,
inclusão social, e não por terem um um ambiente tão importante na
gênero ou sexualidade diversos. formação de identidade de crianças
e adolescentes, que se faz necessário
Um estudo no Reino Unido mostrou entender como as relações acontecem
que crianças trans acolhidas em dentro dela, pois eventualmente é
centros referenciados de Londres um lugar onde se pode experienciar
relataram sofrer com bullying, estigmatização e discriminação
ansiedade, lesões autoinflingidas (MARSHALL et al.; JOHNS, 2019),
não fatais e ideação suicida devido o que pode gerar condições
ao contato com a sociedade. Outra psicopatológicas. Por outro lado, a
pesquisa contemplada nesta escola também é o ambiente em que
mesma revisão evidenciou que as é possível coletar novas ferramentas
maiores preocupações das crianças para que essa realidade de estigma,
e adolescentes trans foram uso de discriminação e perda de direitos civis
banheiros e vestiários, bloqueadores seja desconstruida. Dentro da escola,
de puberdade e segurança na escola. uma situação comum que está ligada
Seus pais reportaram preocupações a essa realidade de preconceito e
com a aceitação familiar, uso de estigma é o bullying.
banheiros e vestiários, questões legais
relacionadas à mudança de gênero e 3. Compreendendo as violências
discutir questões trans com membros dentro do aparato educacional
não familiares. (MARIANO, 2018). Em nossa população, os tipos mais
evidenciados de bullying foram as
Novamente, em nossa pesquisa pode- agressão psicológicas e verbais. O
se observar que essas alterações de

20
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf> Acesso
em: 31.08.2021.
97

bullying cibernético e as agressões 2018). As populações que são mais


física tiveram taxas menores. A maior afetadas com a prática do bullying,
parte das famílias descobriu sobre portanto, geralmente são vítimas, são
o ocorrido através de relatos das pessoas do gênero feminino, pessoas
suas crianças e adolescentes trans, da comunidade LGBT, pessoas negras
mas uma parcela significativa notou ou de etnias não brancas, pessoas
mudança de comportamento de suas com menor renda, pessoas com
crianças/adolescentes, na época em deficiência, pessoas portadoras de
que aconteciam as violências. alguma patologia crônica, pessoas
com alguma especificidade religiosa,
Gráfico 57 - Como você tomou
pessoas acima ou abaixo da faixa
conhecimento de que sua criança/
adolescente havia sido vítima de bullying habitual de peso (SILVA, 2017;
transfóbico? Se necessário, assinale mais MORENO, 2012; STEPHENS, 2018;
de uma alternativa.
JUAREZ-CHAVEZ, 2018).
91 respostas entre 120 entrevistados
A criança/
adolescente 72 Novamente, o recorte populacional
contou
Descobriu através
das crianças e adolescentes trans
da observação de 34 observadas nesta pesquisa nos
mudança de
comportamento mostra que os fatores predisponentes
A escola
13
ao bullying praticado estão ligados
comunicou
fortemente às questões gênero,
Outro profissional compreendido como bullying
da escola comunicou 3
transfóbico, e não necessariamente
Amigos da minha a outras questões como raça e
criança/adolescente 3 renda, questões religiosas e padrão
me contaram
nutricional.
Presenciei 2

Descobriu através
Gráfico 58 - Sua criança/adolescente se
da aparição de 2 encaixa em qual estado nutricional?
hematomas

Peso e estatura
Poucas famílias relataram que houve adequados 91
algum tipo de comunicação da escola Sobrepeso/
sobre o bullying, o que nos levanta um Obesidade 24
importante alerta sobre como essas
Magreza/
observações em relação às violências Desnutrição 5
de gênero são de fato realizadas e
continuadas. Raça e renda já foram abordados
anteriormente. Observando o padrão
A prevalência de bullying nos nutricional da amostra desta pesquisa,
EUA é de 20% (STEPHENS, 2018), é revelado que a maioria das crianças e
condizente com a realidade brasileira adolescentes trans foram identificadas
que varia em torno dessa faixa de como de peso e estatura habituais e
porcentagem (SILVA, OLIVEIRA, 29 das 120, descritas com alterações
98

de peso, estatura e nutrição. aparecem em congruência com os


dados encontrados nesta pesquisa.
Da mesma forma com relação à
religião, metade dos entrevistados De 70% a 80% de alunas(os/es)
e entrevistadas não possui ou não LGBT relatam já ter sofrido algum
pratica algum tipo de espiritualidade tipo de discriminação, estigma ou
ou religião específicas. A outra metade bullying na escola de acordo com
está dividida entre práticas cristãs e pesquisa nacional realizada nos EUA
de religiões de matriz africana. (MARSHALL). Nesta pesquisa, 93 das
É importante frisar que, em se 120 famílias participantes relataram
tratando das questões que motivam que sua criança/adolescente trans
o bullying, preconceito, discriminação já sofreu bullying transfóbico,
e outras condutas repressoras, a confirmando, mais uma vez, que este
interseccionalidade sempre deve ser problema é real e urgente, pois mais
levada em conta. Todas as variáveis uma vez os números de populações
que possam se cruzar terão pesos e estudadas em outras realidades
importâncias diferentes a partir da convergem.
subjetividade e individualidade do
sujeito que é colocado como centro Nas estimativas brasileiras da Pesquisa
dessas violências. Nacional de Saúde Escolar de 2015,
orientação sexual e variabilidade de
Abordaremos aqui com mais gênero mais uma vez entram como
aprofundamento o bullying de gênero, fatores preditores para bullying
mais especificamente direcionado às (SILVA, 2017; SILVA & OLIVEIRA, 2018),
crianças e adolescentes trans, sendo ainda que não haja uma estimativa
chamado de bullying transfóbico. Os numérica específica sobre este
tipos mais comuns são discriminação, tipo de ocorrência. Já se sabe que
injúrias verbais, isolamento, banheiros pessoas transgêneres têm maior risco
binários que proporcionam situações de sofrer com perseguições, brigas
de constrangimento e assédio físicas, dificuldade para usar banheiro
moral, assédio sexual, exposição da e vestiários, sintomas depressivos,
identidade de gênero e sexualidade tentativas de lesões autodirigidas,
sem anuência do indivíduo, entre suicídio e ser incapaz de acessar
outros. (MURCHINSON). Os agentes cuidados de saúde em comparação
de perpetuação, ou agressores, com seus pares não trans (CLARK,
geralmente são colegas do gênero 2014; JONES,2017; JUAREZ-CHAVEZ,
masculino, professores e a equipe 2018.). Por outro lado, também se
escolar em geral. O pico de ocorrência percebe que nas escolas que possuem
é na faixa etária entre 10 e 12 anos políticas afirmativas, há uma maior
(GATO, 2020; SILVA, 2019; SILVA & chance de permanecerem na escola
OLIVEIRA, 2018; STEPHENS, 2018; e se sentirem socialmente inclusos.
MORENO, 2012; JUAREZ-CHAVEZ, (JONES, 2017; CLARK, 2014).
2018). Esses dados mais uma vez
99

Os resultados de estudos realizados em Sim, requerimento assinado


diversos países são semelhantes aos pelas(os/es) responsáveis
2
observados pela amostra objetivada legais (modelo MEC) e
neste documento, o que leva à atestado médico
percepção de que o ambiente escolar Sim, requerimento assinado
brasileiro não está de fato preparado pelas(os/es) responsáveis
2
para a recepção dessas pessoas, ainda legais(modelo MEC) e parecer
que não tenhamos uma amostra tão psicológico
expressiva. As famílias participantes
que reconheceram ter uma criança/ Sim, declaração médica 1
adolescente trans evidenciaram
Sim, declaração médica e
dificuldades para aceitação e respeito 1
parecer psicológico
com nome social: 36,73% precisaram
apresentar laudos técnicos e/ou Sim, laudo médico 1
declarações reiterando a necessidade
do uso do nome social para que então Sim, requerimento assinado
fosse respeitado e usado dentro do pelas(os/es) responsáveis
1
ambiente escolar. legais(modelo MEC) e laudo
médico
Tabela 02 - Para a inclusão do nome Sim, requerimento assinado
social, a instituição escolar solicitou pelas(os/es) responsáveis
algum tipo de documento? 1
legais(modelo MEC) e parecer
ou relatório psicológico
Sim, requerimento assinado
Sim, requerimento assinado
pelas(os/es) responsáveis 24
pelas(os/es) responsáveis
legais (modelo MEC) 1
legais(modelo MEC) e laudo
Sim, requerimento assinado médico e parecer psicológico
pelas(os/es) responsáveis
4 Permissão do Conselho
legais (modelo MEC) e laudo 1
Tutelar
médico e psicológico
Sim, laudo médico ou
2 Os direitos dos(as) estudantes
declaração médica
transgêneres ao acesso à educação
Carteira social 2 igualitária têm sido declarados
repetidamente em nível global
RG com nome social incluso 2 nos últimos anos. Nos Princípios
de Yogyakarta já está colocado
Retificação da certidão de que identidade de gênero e
2
nascimento orientação sexual são direitos
Sim, requerimento assinado humanos e civis (WINTER, 2016).
pelas(os/es) responsáveis Pesquisas acadêmicas em vários
legais (modelo MEC) e 2 países têm mostrado que jovens
apresentação de RG com transgêneres vêm sofrendo violência
nome social e discriminação significativamente
100

desproporcional em contextos de A análise dos dados coletados nesta


educação em comparação com seus pesquisa mostrou que 18% das
pares em conformidade de gênero crianças/adolescentes trans não
(JONES, 2017; UNESCO, 2016). desejam voltar ao ambiente escolar
presencial.
Pessoas com sexualidades diversas
têm mais chance de sofrerem Políticas de afirmação e antibullying
bullying na escola do que pessoas para grupos de alunas (os/es)
com sexualidades dentro do padrão trans diminuem essa sensação de
heterocisnormativo. Essas mesmas hostilidade e melhoram o desempenho
pessoas frequentemente entendem escolar, além de diminuírem taxas de
o ambiente escolar como hostil, distúrbios de humor, pensamentos
atrapalhando seu sucesso acadêmico suicidas e lesões autodirigidas.
e diminuindo as chances de concluir Essas ações afirmativas incluem
a escola. Muitas vezes esse tipo de treinamento da equipe escolar,
violência acaba por levar crianças e inserção de pessoas com sexualidades
adolescentes LGBT à expulsão escolar. diversas como educadoras (criando
(GATO, 2020; CARRERA-FERNANDEZ, representatividade), criação de
2019; CICERO & WESP, 2017; POTEAT, ambientes psicologicamente seguros
2014). Vinte e quatro por cento (24%) como banheiros não binários ou que
das famílias participantes desta estejam livres para acesso de crianças
pesquisa alegaram que precisaram trans de acordo com sua identidade de
mudar de escola devido ao bullying; gênero, ações educacionais com pais
mais da metade das instituições e discentes, adequação de linguagem
escolares relatadas não possuem para com alunas(os/es) transgêneres,
equipe psicopedagógica para orientar e recrutamento de professores como
e acolher demandas de alunas(os/es). aliadas (os/es) LGBTI+ em defesa dessas
pessoas que sofrem com esse tipo de
Na amostra de 120 famílias que violência. Geralmente esse apanhado
compõem esta pesquisa, 66 afirmam de medidas tem efeitos muito
que sua criança/adolescente trans fez benéficos para os grupos que sofrem
a transição social na mesma instituição com essas vivências (MARSHALL,
em que está matriculado(a/e) e 2015; SILVA-OLIVEIRA, 2018; JOHNS,
quando questionadas sobre como foi 2019; JONES, 2017; GRANT, 2011;
realizar a transição social dentro do DAY, 2018; GREYTAK, 2013; REISNER,
mesmo ambiente, 22% disseram ter 2017; GATO, 2020; POTEAT, 2014).
tido grandes desafios, 26% disseram
terem sido recebidos adequadamente Nesta pesquisa, no que tange a
e os outros 49% fizeram a transição questões relacionadas a banheiros e
em meio à pandemia, então estavam vestiários, nota-se que 55 das crianças/
no formato online, o que não criou adolescentes trans identificadas por
confronto direto entre a criança/ seus familiares, utilizam banheiros
adolescente e o ambiente escolar. de acordo com sua identidade de
101

gênero, 43 fazem uso de acordo com escolar sobre essas violências no


sexo atribuído ao nascer, 16 usam ambiente educacional devido à
banheiro da sala de professores ou falta de conhecimento da equipe
destinado a pessoas com deficiência docente, o que acaba por perpetuar
enquanto 6 usam banheiros de as dificuldades sofridas por essa
acordo com a sua identidade de população. Faz-se imperiosa a
gênero e os destinandos a professores necessidade de treinamento das
e deficientes físicos. Mais da metade equipes pedagógicas, das famílias e
relatou não ter tido questões de alunas (os/es) em geral, uma vez
desagradáveis com uso de banheiro, que medidas gerais de educação
mas a outra metade relatou que já da população não trans são muito
teve problemas com outras alunas efetivas, inclusive parecem surtir mais
(os/es) e suas famílias, professores efeito que abordar individualmente as
e coordenação, o que reitera que a situações de cada pessoa transgênere.
questão da transgeneridade na escola (MARSHALL, 2015; REISNER, 2017).
é estrutural e não pontual a algum
âmbito específico e que os banheiros Como elencado anteriormente, os
são sim locais de violência para essas relatos das famílias que compõem
pessoas. esta pesquisa revelam que, além de as
injúrias serem provocadas por alunas
Gráfico 59 - A definição do uso do banheiro
gerou algum tipo de conflito? Se necessário,
(os/es) e familiares, também há um
assinale mais de uma opção. número considerável de pessoas da
33 respostas entre 120 entrevistas equipe docente e de coordenação
Sim, com a direção
que praticam essas detrações.
e/ou coordenação 16
Gráfico 60 - Quem cometeu bullying
Sim, com professores(as) 8 transfóbico contra a criança/adolescente?
Sim, com as famílias de Se necessário, assinale mais de uma
8
outros(as/es) alunos(as/es) alternativa.
90 respostas entre 120 entrevistados
Sim, entre alunos(as/es) 6
Aluno(a/e) da mesma 64
A identificação de espaços seguros série e turma

para crianças e jovens LGBT emergiu Professor(a/e) 39


em vários estudos como prática
importante associada a climas Família de outro(a/e) 39
aluno(a/e)
escolares mais positivos e é destinada Aluno(a/e) de outra 23
a promover a inclusão e o apoio série e mais velho(a/e)

aos jovens (MARSHALL, 2015; SILVA Aluno(a/e) da mesma 23


série e de outra turma
& OLIVEIRA, 2018; JOHNS, 2019; Direção 16
JONES, 2017; GRANT, 2011; DAY,
2018; GREYTAK, 2013; REISNER, Coordenação 9
2017; GATO, 2020; POTEAT, 2014).
Aluno(a/e) de outra 7
Percebe-se que, muitas vezes, há série e mais novo(a/e)

dificuldade de intervenção da equipe Psicólogo(a/e) escolar 6


102

Gráfico 61 - Identificação dos adultos apropriado para veicular esse tipo de


responsáveis pela prática de bullying
transfóbico
conhecimento porque, além de ser
90 respostas entre 120 entrevistados um local onde acontece boa parte
da educação formativa da criança,
também é um lugar que reúne um
65%
65% número grande de pessoas e, portanto,
o alcance dessas ações educativas é
35%
35% muito maior do que possivelmente
teríamos capacidade de abordar caso
essa aproximação precisasse ser feita
em cada família que possui crianças
Praticado
Praticado porpor familiares
familiares ou adolescentes em casa. (PRIEST,
de de outro(a/e)
outro(a/e) aluno(a/e)
aluno(a/e)
2019; UNESCO, 2016; HUMPHREY,
Praticado
Praticado porpor profissionais
profissionais 2020, CICERO & WESP, 2017).
dasdas instituições
instituições

23% Também se entende que a faixa etária


Gráfico 62 - Identificação dos profissionais que mais sofre com essas questões
8%
das instituições educacionais 56%
apontados acaba por ser a da adolescência, pois
como agentes de bullying
13%
70 respostas entre 120 entrevistados a capacidade de entendimento sobre
o mundo é maior nessa idade. O que
acontece muitas vezes em crianças
Professor(a/e) menores de 10 anos é que elas sejam
23%
vítimas das mesmas violências,
Direção
8% 56% mas não codifiquem tão facilmente
Coordenação essas agressões como jovens mais
13%
Psicólogo(a/e) escolar maduros o fazem (PRIEST, 2019;
UNESCO, 2014; UNESCO, 2011).
Especificamente para a faixa etária
Professor(a/e)
Além disso, ao questionarmos sobre acima de 10 anos, podemos usar da
se a escola já trabalhou questões de
Direção ferramenta investigativa de ambiente
gênero e sexualidade, 87 das 120
Coordenação como HEEADSSS (home environment,
famílias disseram não terem ciência
Psicólogo(a/e) escolar
education and employment, eating,
de dinâmicas pedagógicas sobre o peer-related activities, drugs, sexuality,
assunto terem sido realizadas até suicide/depression, safety), que é
então. muito útil nessa orientação, podendo
ser usada na escola pela equipe
Orienta-se que a educação contra psicopedagógica ou no consultório
bullying seja oferecida para toda (STEPHENS, 2018; US DEPARTMENT,
a equipe pedagógica, famílias e 2017; CDC, 2009; UNESCO, 2017).
também para crianças acima de 6
anos, no intuito de alertar sobre os Também é possível avaliar alguns
abusos e assim prevenir esse tipo de problemas de saúde que podem
opressão. Usa-se a escola como local acontecer com a recorrência em
103

frequências e intensidade da prática sobre construção de identidade, há


do bullying nessa população, maiores chances de internalização
juntamente com a dificuldade para desta violência e reprodução de
se manter com bom desempenho comportamentos agressivos (JUAREZ-
escolar. Na idade pré-puberal CHAVEZ, 2018; HUGHTO, 2001).
percebe-se uma maior prevalência Pensando novamente que a maior
de sintomas psicossomáticos, como ferramenta é ouvir as vivências dessas
dores inespecíficas, indisposição, dores famílias, quando questionamos se os
de cabeça, queixas gastrointestinais integrantes acham que o ambiente
(dores abdominais, alterações escolar é seguro para seus filhos e
funcionais) e problemas envolvendo o filhas, o Gráfico 64 abaixo nos mostra
sono. (WOLKE). a resposta.

Observa-se que, em crianças na idade Gráfico 64 - Como sua criança/adolescente


é tratada na escola?
puberal, disfunções de saúde mental
como depressão, ideação suicida e Não recebe
ansiedade aparecem como sendo acolhimento 43
adequado
mais prevalentes em quem sofre com
Diversas
esse tipo de violência para além dos problemáticas 36
sintomas psicossomáticos. Também
Respeita/
pudemos perceber que há relatos de acolhe 24
observação desses sintomas.
Tolerada
17
Gráfico 63 - Sua criança/adolescente se
queixa de sintomas psicossomáticos (dor
de cabeça, dores abdominais, dores em
membros, dores pelo corpo inespecíficas, 4. Conclusão
mal-estar inespecífico, enjoo, dificuldade
para dormir, nervosismo, choro Esta pesquisa não nos traz
inespecífico, irritação? necessariamente elucidações sobre o
Sim, com muita cenário brasileiro da transgeneridade
5
na infância e adolescência e a
frequência (todos os dias)

Sim, com frequência


(toda semana) 33 tratativa no ambiente escolar, uma
Sim, eventualmente vez que coloca dados quantitativos
48
que podem gerar reflexões sobre
(poucas vezes ao mês)

Não 34 o acolhimento, respeito e manejo


de questões muito pertinentes aos
Todo esse contexto acaba virando um ambientes, tanto escolar como
mecanismo em alça fechada. Quanto familiar, que recebem essas crianças
mais discriminação há, mais essas e adolescentes trans. Também traz
crianças e adolescentes escondem sua questionamentos sobre o que de fato
identidade, aumentando ainda mais estamos fazendo enquanto sociedade
todos os efeitos nocivos que estão e aparato educacional formativo na
atrelados a essas questões. Ademais, formação de sujeito dessas mesmas
quando mantemos essa lógica violenta crianças e adolescentes e como
104

mudaremos essa realidade. O que do Brasil de forma satisfatória essas


pudemos perceber é que existem ações afirmativas que são retiradas
maiores taxas de bullying direcionado de outras experiências fora daqui.
a crianças e adolescentes trans e, Sugere-se com esse documento que
em decorrência disso, há questões outros grupos de pesquisa também
que afetam diretamente a saúde realizem estudos e se aprofundem em
mental, orgânica e psicológica dessas questões que envolvam as condições
pessoas. A não aceitação social acaba de saúde, educação, direitos civis
por gerar condições patológicas a e humanos de pessoas trans e da
esses indivíduos que continuam não comunidade LGBT em geral.
senda reconhecidas e levadas em
consideração devido ao preconceito e
à discriminação tão presentes. Referências
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É muito importante levantarmos Bernadete; CASTRO, Mary Garcia.
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teoria performativa de assembleia.
Podemos tomar muitas condutas
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
de outros países como base para
2018.
mudança de nosso escopo, ainda
sim serão essenciais estudos mais BUTLER, Judith. Problemas de gênero:
profundos sobre nossa conjuntura Feminismo e subversão da identidade.
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5.4. Da escola como "espaço de terror"


à escola como espaço-tempo acolhedor
e livre da transfobia
Por Dayana Brunetto pelas famílias como espaços-tempos
hostis. As escolas se constituem em
1. Introdução instituições que foram inventadas em
meados do século XVII para trabalhar
Este texto tem como objetivo
com a produção de subjetividades
principal promover um diálogo com
padrão. Essas produções são
base na pesquisa realizada com
reguladas pelos tempos escolares,
famílias que reconhecem ter crianças
pelo esquadrinhamento dos espaços,
e adolescentes que se distanciam
pelo funcionamento das normas,
das normas de gênero vigentes na
como, por exemplo, as médias
sociedade ocidental, sobre as suas
escolares, pela regulação e vigilância
experiências escolares. Ou seja,
dos corpos, no que se refere, por
crianças e adolescentes que não se
exemplo, aos uniformes escolares.
identificam com o sistema corpo-
(FOUCAULT, 2007; VEIGA-NETO,
gênero (Gayle RUBIN, 1993)11 de
2000; Maria Rita CÉSAR, 2004; 2009;
forma linear, aqui nomeadas pelas
CÉSAR; DUARTE, 2017) As escolas não
próprias famílias como crianças e
suportam o trabalho com a diferença
adolescentes trans. Para dialogar
e com a dissidência. Com isso, é
com as informações dessas famílias,
possível compreender que a presença
acionam-se as pesquisas acadêmicas
trans nas escolas perturba, incomoda
com as pessoas trans adultas, no
e desloca a instituição. (BRUNETTO,
Brasil compreendidas como travestis,
2015).
transexuais e transgêneres.
Assim, a partir da análise das
Essas informações nos demonstram
informações produzidas pelas famílias
que ainda há um longo caminho a
participantes desta pesquisa, somadas
ser trilhado no campo das políticas
às pesquisas acadêmicas e das lutas
públicas em educação para que as
dos movimentos sociais organizados,
famílias de crianças e adolescentes
se pretende discutir sobre como as
dissidentes das normas de gênero
políticas públicas educacionais e o
sintam as escolas como espaços-
espaço-tempo da escola dialogam
tempos seguros. Mais uma vez os
com as transformações sociais em
espaços escolares foram descritos
curso.
11
Optamos por grafar o prenome das autoras, na primeira vez em que as cito no texto, devido
ao histórico apagamento das feminilidades nos diversos processos, inclusive os de produção
acadêmica. Esta é uma opção política e epistemológica por uma escrita feminista e por uma
estratégia de educação não sexista.
111

Nesta perspectiva, é importante transexuais eram vítimas de todo tipo


compreender que essas de preconceito”. (BENTO, 2006, p. 208).
transformações sociais se iniciaram
há algum tempo no campo do social Diante disso, elaborou-se uma
e alguns marcos históricos se fazem pesquisa de mestrado, defendida em
imprescindíveis para se compreender 2010, pela Universidade Federal do
as condições de possibilidades Paraná – UFPR, sendo este o primeiro
históricas que contribuíram para que trabalho que fez dialogar as questões
se pudesse dialogar sobre isso na trans e a educação (BRUNETTO,
atualidade. (FOUCAULT, 2005) 2010) e subsequente uma tese de
doutorado (BRUNETTO, 2017).Nessas
Em 2008, a I Conferência Nacional de pesquisas, travestis e mulheres trans
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis negras e brancas, de diversas classes
e Transexuais – LGBT12, realizada sociais, com diferentes idades, em
em Brasília, reuniu mais de 2000 diferentes territórios, sem deficiências,
lideranças do movimento social LGBT atuando em diferentes profissões,
nacional para pensar políticas públicas todas adultas, trouxeram, cada uma
específicas para essa população, a sua maneira, memórias de suas
despertando um olhar acadêmico infâncias e adolescências. Para Márcio
para as questões trans relacionadas à Seligmann-Silva (2003, p. 62), “[o]
educação. Durante esta conferência, registro da memória é, sem dúvida,
a professora Dra. Berenice Bento mais seletivo e opera no double bind
(2006), da Universidade Federal do entre lembrança e esquecimento, no
Rio Grande do Norte – UFRN, lançou tecer e destecer [...]”. Esse processo é
um livro com o conteúdo da sua tese dinâmico e contínuo. A costura das
de doutorado, publicado pelo Centro lembranças, ou aquilo que se quer
Latino-Americano em Sexualidade lembrar, tem uma relação direta com
e Direitos Humanos – CLAM. Na a memória coletiva e possui uma
pesquisa de doutorado, Berenice finalidade localizada no tempo. Para
Bento não perguntou pela escola, Berenice Bento:
pois estava estudando o processo
transexualizador. No entanto, na sua A organização das lembranças
incursão pelo campo de pesquisa, funciona como um recurso para
ouviu inúmeras narrativas de pessoas legitimar suas histórias de insatisfação
trans que definiram a escola como com o gênero imposto. A infância
um “espaço de terror”. Especialmente é uma fase da vida evocada com
quando analisou a baixa escolaridade grande força. No entanto, a memória
das/os/es sujeitas/os/es. Para a não pode ser compreendida como
autora: “[a] escola é lembrada como um arquivo de imagens que é posto
um espaço de terror, onde os/as em movimento em suas narrativas.

12
Para mais sobre isso, consultar: BRASIL, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Anais da
Conferência Nacional de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais – GLBT. Brasília, 2008.
Disponível em: <https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/546>
112

Relembrar é um ato interpretativo, saber e as investigações científicas


no qual o sujeito atualiza uma leitura com as questões trans estavam em
sobre o passado e as lembranças movimento e em transformação. O
são matizadas pelas condições do campo político de luta por existências,
presente (BENTO, 2006, p. 167). políticas públicas específicas e
por dignidade também se alterou.
Nesta perspectiva, a maioria das Atualmente se observa a proliferação
participantes dessas pesquisas de estudos sobre os diferentes tipos
elaborou um conjunto de narrativas de infâncias, dentre as quais a que,
que buscaram na infância uma segundo pessoas trans adultas13 e de
ontologia para a experiência trans, ou acordo com as famílias14, se distancia
seja, um lugar discursivo para uma das normas de gênero vigentes, que
verdade sobre corpo-gênero e sobre exigem uma linearidade inteligível
a fabricação futura da subjetividade entre corpo e gênero. Isto é, as
trans. Para Leonor Arfuch (1995, infâncias dissidentes das normas de
p. 68), “[l]a infancia aparece como gênero. Por dissidência de gênero,
territorio privilegiado, como clave de entendemos as subjetividades que
inteligibilidad donde se acecha el se distanciam do que as normas de
momento en que surgen las primeras gênero exigem como ideal binário,
manifestaciones de lo que convoca el feminino e masculino, bem delimitado
momento presente” (grifo da autora). pela cultura e produzido a partir
Ainda de acordo com a autora, “[l]a da generificação do corpo sexuado
infancia es un territorio privilegiado, referido pelo olhar escrutinador, não
donde se encuentran las claves del raras vezes de um médico, para a
presente, el éxito, la notoriedad, la genitália aparente. (Judith BUTLER,
excelencia, que hacen del entrevistado 2000; 2008)
un personaje” (ARFUCH, 1995, p. 88,
grifo da autora). 2. Diálogos entre militância e
academia: as famílias e suas
No momento em que essas pesquisas percepções sobre as experiencias
acadêmicas foram realizadas escolares de suas crianças e
(BRUNETTO, 2010; 2017), o campo do adolescentes trans

13
Para mais sobre isso, consultar: FAVERO, Sofia; MACHADO, Paula. Diagnósticos Benevolentes na
infância: crianças trans e a suposta necessidade de tratamento precoce. In.: Revista Docência e
Cibercultura, v. 3, n. 1, 2019. JESUS, Jaqueline. Crianças trans: memórias e desafios teóricos. In.: III
Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades. Salvador, 2013. ZANETTE, Jaime; FELIPE, Jane.
Dos enigmas da infância: quando a transexualidade tensiona os scripts de gênero. Trabalho de
Conclusão de Curso. (Especialização em Educação Infantil) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2016. VAZ, Flávio Marcos de Oliveira. Transgeneridade
infantil para além do binarismo: política pública de inclusão de crianças trans no Brasil. Salvador,
Editora Devires. (Saberes Trans), 2020. RODRIGUES, Alexsandro. (Org.). Crianças em Dissidências:
narrativas desobedientes da infância. Salvador, Editora Devires. (Saberes Trans), 2020. FAVERO,
Sofia. Crianças Trans: infâncias possíveis. Salvador, Editora Devires. (Saberes Trans), 2020.
14
Para mais sobre isso, ler: NUNES, Thamirys. Minha criança trans? Relato de uma mãe ao
descobrir que o amor não tem gênero. Autopublicação. 2020.
113

Talvez um dos elementos mais O nome social na educação,


notáveis da discussão sobre as demonstrou-se como uma ação
experiências trans e a escola seja a afirmativa imprescindível, dentro da
denominada “evasão escolar” que política pública educacional. Afinal,
não raras vezes vem acompanhada o uso do nome social de pessoas
do termo “abandono escolar”. As trans nos espaços escolares nos quais
análises mais comuns em educação, o nome da pessoa é demandado
principalmente aquelas apolíticas publicamente, pode significar a
ou descompromissadas com as diferença entre seguir com os estudos
discussões de gênero e educação, e não seguir. É uma ação afirmativa
escondem por trás desses termos a importante para que as pessoas
dificuldade que a escola ainda tem trans se sintam acolhidas e deve ser
em lidar com corpos dissidentes de respeitado em todos os espaços da
gênero nos seus espaços-tempos. escola. Não é um apelido. Faz parte
Mais ainda, rotinas escolares que da subjetividade das pessoas trans.
promovem expulsão ou expurgo Não o utilizar ou não o respeitar é
da população trans dos sistemas optar por violentar essas pessoas.
educacionais. Isto é, as pessoas trans Além disso, é resultado de muita luta
constituem-se em alvos de estratégias dos movimentos sociais brasileiros.
de poder-saber que expurgam seus Em relação ao nome civil de pessoas
corpos dos ambientes escolares. trans, possibilitado a partir de decisão
(FOUCAULT, 2010) histórica do Superior Tribunal Federal
– STF em 201815, não deveria haver
A instituição inclusive se vale e faz questionamentos, uma vez que se trata
circular frequentemente discursos do nome civil da pessoa. Entretanto,
sobre como as pessoas trans não se dependendo da idade em que esta
adaptam à escola ou não se interessam retificação é feita, e da forma como
pelos estudos. (BRUNETTO, 2010) São as instituições mantenedoras das
as pessoas trans que abandonam escolas normatizam e regulam esta
os estudos e evadem dos espaços prática, é possível que a instituição
escolares ou é a instituição que produz precise adequar os seus registros16.
a evasão desses corpos e o abandono
dos estudos? Parece-nos que são as Nas pesquisas acadêmicas realizadas
instituições que abandonam os corpos, (BRUNETTO, 2010; 2017), foi possível
práticas e experiências dissidentes concluir também que as pessoas trans
de gênero. Isto é, não são as pessoas adultas entrevistadas, na sua maioria,
trans que desistem de estudar. É a não tiveram o apoio de suas famílias ao
escola que se demonstra um espaço longo dos seus processos de transição.
hostil para as pessoas trans. Muitas dessas pessoas gostariam de
contar com esse acolhimento, esse

15
Para mais sobre isso, acessar: <https://www.conjur.com.br/2018-mar-01/stf-autoriza-trans-mudar-
nome-cirurgia-ou-decisao-judicial> Acesso em: 31 ago. 2021. É importante compreender que, no
caso das pessoas trans com menos de 18 anos, a única possibilidade de se realizar essa retificação
ainda é por meio de ação judicial.
114

afeto e suporte emocional. Este é as experiências escolares das pessoas


um elemento interessante também trans.
para as discussões aqui propostas. As
informações fornecidas pelas famílias Das 120 famílias com as quais se
das crianças e adolescentes trans estabeleceu o diálogo, 26 transferiram
nesta pesquisa sugerem a oferta de a criança ou adolescente de escola por
uma educação afetuosa, acolhedora dificuldades enfrentadas no processo
e com suporte emocional para as de transição de gênero. Dentre essas,
crianças e adolescentes trans, o que em aproximadamente 12 famílias,
faz toda a diferença nos processos da essas transferências se deram porque
vida dessas crianças e adolescentes, a comunidade escolar promovia o
dentre os quais os processos de sofrimento para as/os/es estudantes
escolarização formal. e suas famílias. Ou seja, a escola
permanece como um espaço de
É possível compreender com isso hostilidade e produção de sofrimento
que tanto o apoio, quanto o suporte em relação às experiências trans.
das famílias, são fundamentais para
o processo de subjetivação e para Gráfico 65 - Você mudou sua criança/
adolescente de instituição escolar por
uma escolarização segura, saudável conta da transição?
e bem-sucedida das pessoas trans. O 91 respostas entre 120 entrevistas
diálogo permanente e o compromisso
das famílias com os processos de Sim 26
escolarização de suas/seus filhas/os/es
são imprescindíveis no enfrentamento
das práticas transfóbicas na/da escola,
Não 65
possibilitando desta forma um maior
tempo de escolarização. Isto fica Em 45 famílias se obteve o relato
evidente ao se analisar o conjunto de de que as escolas solicitaram algum
informações desta pesquisa. documento comprobatório sobre
a dissidência de gênero da/o/e
As análises das informações prestadas estudante, em algum momento.
pelas 120 famílias17 que nomeiam suas Noventa (90) famílias disseram que
crianças e adolescentes como trans, solicitaram a utilização do nome
espalhadas pelo Brasil e com o perfil social das/os/es estudantes. Destas,
sociodemográfico já apresentado 45 precisaram apresentar algum
neste material, demonstram alguns documento para a escola. A partir
deslocamentos e outras permanências da análise desses relatos, é possível
no que se refere às discussões sobre perceber que a escola faz questão de

16
A alteração dos registros escolares deve ser um processo respeitoso à dignidade da pessoa
humana, sem muitas complicações, uma vez que os documentos permanecem com os números
de registro.
17
As informações coletadas nesta pesquisa não pretendem aproximar-se do rigor acadêmico das
pesquisas científicas. Seu objetivo principal é promover a escuta das vivências educacionais de
famílias que reconhecem ter uma crianças/adolescente trans.
115

que alguma outra instituição, além movimentos sociais de pessoas


da família, legitime uma verdade trans e dos núcleos familiares de
sobre aquele corpo, experiência e pessoas trans, no caso de crianças e
prática que se distancia das normas adolescentes.
de gênero. Por um lado, por ser uma
discussão recente com a qual não está No que se refere ao uso do banheiro
familiarizada e apesar de o Ministério escolar, 55 famílias narraram que sua
da Educação – MEC18 reconhecer criança/adolescente trans faz uso
a importância fundamental da de banheiro de acordo com a sua
família na educação das crianças e identidade de gênero, 43 afirmam
adolescentes, a gestão da educação, que sua criança/adolescente é
representada aqui pelas secretarias obrigada/o/e a utilizar o banheiro em
de educação e a escola, ainda utilizam desacordo com a sua identidade de
estratégias de regulação pelas quais gênero; 16 afirmaram que utilizam o
demonstram precisar da legitimidade banheiro das/os/es professoras/es ou
de outros discursos como o jurídico, o banheiro reservado para deficientes
das ciências psi e o do médico, para físicas/os/es, 6 reconhecem utilizar
além do discurso da família. banheiros de acordo com a sua
identidade de gênero e os destinados
Diante do exposto, é possível aos professoras/es e deficientes físicas/
entender que as transformações os/es.
sociais, culturais e nas práticas sociais
são processos históricos. Assim, leva Para 42 famílias, o banheiro escolar
um tempo até que a educação e a é lugar de violências. De acordo
escola adquiram segurança para a com as narrativas de 33 famílias,
transformação das práticas. Por outro houve conflitos em relação ao uso do
lado, essa exigência pode também ser banheiro escolar, seja com as famílias
entendida como uma estratégia de de outras/os/es estudantes, seja entre
saber-poder (FOUCAULT, 2010) que estudantes, com professoras/es ou
faz funcionar a transfobia, uma vez que com a coordenação/direção da escola.
deveria constar nos planejamentos
de aperfeiçoamento profissional da Gráfico 66 - A definição do uso do banheiro
gerou algum tipo de conflito? Se necessário,
educação a formação mínima para assinale mais de uma opção.
acolher todas/os/es as/os/es sujeitas/ 33 respostas entre 120 entrevistas
os/es nos espaços-tempos escolares.
Sim, com a direção
Essa formação deveria inclusive ser e/ou coordenação 16
uma ação das políticas públicas de Sim, com professores(as) 8
formação permanente das/os/es
Sim, com as famílias de
profissionais da educação e deveria outros(as/es) alunos(as/es) 8
ser pensada em conjunto com os Sim, entre alunos(as/es) 6

18
Para mais sobre isso, acessar: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-08/
ministerio-da-educacao-cria-programa-educacao-e-familia> Acesso em: 10 set. 2021. Entretanto,
em relação à concepção de família adotada pelo MEC, fica o questionamento se insere ou não
núcleos familiares com crianças e adolescentes dissidentes das normas de gênero.
116

A partir das narrativas das famílias, é Gráfico 67 - Como sua criança/adolescente é


tratado(a/e) com relação às aulas de Educação
possível compreender que a utilização Física na escola?
do banheiro escolar ainda permanece
Respeitada,
como uma questão para as pessoas participando de

trans na escola19. Os banheiros


"times" que estejam
de acordo com sua
67
identidade de gênero
escolares não podem se constituir
em espaços interditos para quaisquer Por conta da pandemia
e aulas online não 17
estudantes, independentemente dos posso responder

seus pertencimentos. São espaços Sente que não é


e tempos que como todos os outros bem-vinda(o/e) a aula/ 16
sente despreitado(a/e)
estão à disposição das pessoas que
Tolerada, pois tem que
ali frequentam, inclusive em relação a se posicionar para que
participe de "times" que 14
estudantes trans. O que deve imperar estejam de acordo com
sua identidade de gênero
é o respeito. Interditar esse espaço ou
qualquer outro ambiente escolar a Não gosta de fazer a aula,
se sente incomoda(a/e) 8
qualquer estudante, inclusive as/os/es
trans, é um processo de violação de
direitos e faz funcionar a transfobia. As aulas são mistas 4

No que se refere às aulas de Educação Não tem aula de


4
Física, 57 famílias afirmaram que Ed. Física na escola

sua criança ou adolescente trans


são respeitadas, participando de As aulas de Educação Física também
“times” que estejam de acordo se mostraram como um espaço-
com a sua identidade de gênero. tempo hostil na escola, nas pesquisas
Segundo 14 famílias, as suas crianças acadêmicas, contribuindo muitas
e adolescentes trans são toleradas/ vezes para a interrupção dos estudos,
os, pois precisam se posicionar para pois eram momentos em que se
participarem de “times” de acordo dividiam as turmas muitas vezes entre
com a sua identidade de gênero. meninas e meninos e as pessoas trans
Ainda de acordo com as famílias, 16 ficavam desconfortáveis com esta
delas afirmam que suas crianças ou divisão por terem que se submeter
adolescentes trans sentem que não a performar o gênero com o qual
são bem-vindas/os/es às aulas e se foram assignadas compulsoriamente
sentem desrespeitadas/os/es. no nascimento, diferente daquele

19
No ano de 2010, o Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual – NGDS, da Secretaria de Estado da
Educação do Paraná – SEED que atuava na implementação da política púbica educacional de gênero
na Rede Pública Estadual de Educação Básica do Paraná, redigiu orientação pedagógica n° 01/2010
DEDI/SEED, recomendando, além do uso do nome social, a utilização dos banheiros escolares de
acordo com a identidade de gênero. É interessante notar que, mesmo após 11 anos, a questão do
banheiro ainda permanece como um complicador na escolarização formal das pessoas trans. Para
saber mais, acessar:
<https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-12/
orientacaopedagogica0012010.pdf>
117

identificado por elas mesmas. intercorrências agressivas primárias.


(BRUNETTO, 2010, p. 166-167) As idades com as quais foram narradas
mais agressões são 7, 12 e 13 anos.
No que se refere à transfobia, 93
famílias relatam que a sua criança Gráfico 69 - Quantos anos tinha a sua
ou adolescente já sofreu algum tipo criança/adolescente quando sofreu
bullying transfóbico pela primeira vez?
de violência na escola. Havendo 94 respostas entre 120 entrevistados
possibilidade a identificar uma ou
mais de uma violência, houve 79
relatos, que destacaram as violências
2 anos 1
psicológicas, em 52 as agressões
verbais, em 19 as físicas e verbais, em
3 anos 5
18 casos a violência se deu de modo
virtual e em 3 as agressões foram
4 anos 5
físicas.
5 anos 7
Identificou-se na amostra obtida nesta
pesquisa que 72 estudantes relataram
6 anos 3
as violências que sofreram para a mãe,
pai e/ou responsável. Em 48 famílias
7 anos 9
existem relatos de constrangimento
na escola.
8 anos 8

Gráfico 68 - Conhece algum outro tipo 9 anos 7


de bullying que sua criança/adolescente
possa ter sofrido?
71 respostas entre 120 entrevistados
10 anos 3
Constrangimento 11 anos 8
16%
Ser afastado(a/e)
14% da convivência 12 anos 9
69% 1% Verbal
13 anos 10
Físico
14 anos 5
Ainda nesta perspectiva, sobre a
primeira vez em que sofreram com 15 anos 5
a transfobia, 94 famílias relataram
que as/os/es estudantes sofreram 16 anos 0
com essa violência num intervalo
compreendido desde os 2 anos
17 anos 1
até os 17 anos de idade, sendo que
apenas no marcador temporal dos Ainda de acordo com as famílias, as
16 anos nenhuma família assinalou agressões foram majoritariamente
118

feitas por outras/os/es estudantes. aqui como toda a equipe


Sendo que neste recorte, houve 64 composta por direção, pedagogas/
apontamentos em relação aos alunos/ os/es, agentes educacionais –
as/es da mesma série e turma, 23 da profissionais que desempenham
mesma série e outra turma, 23 alunos/ funções administrativas, de limpeza
as/es de outra série e mais velhos/as/es e alimentação, além de professoras/
e 7 alunos/as/es de outra série e mais es. O enfrentamento à transfobia na
novos/as/es. Empatados em segundo escola precisa ser parte do trabalho
lugar as famílias relataram como pedagógico.
agressoras/es as/os/es professoras/es.
É de responsabilidade de todo o
Gráfico 70 - Quem cometeu bullying coletivo da comunidade escolar pensar
transfóbico contra a criança/adolescente?
Se necessário, assinale mais de uma e adotar estratégias de enfrentamento
alternativa. a todas as violações de direitos e fazer
90 respostas entre 120 entrevistados da escola um espaço-tempo seguro,
acolhedor, saudável e agradável para
Aluno(a/e) da mesma 64 todas as pessoas, independentemente
série e turma

Professor(a/e) 39 dos seus pertencimentos.

Família de outro(a/e) 39 Diante da transfobia escolar, 65 famílias


aluno(a/e)

Aluno(a/e) de outra 23 comunicaram o ocorrido. Ainda que a


série e mais velho(a/e)
questão não tenha sido obrigatória,
Aluno(a/e) da mesma 23 algumas famílias participantes
série e de outra turma
apontaram os profissionais a quem
Direção 16
informaram sobre o bullying sofrido
Coordenação 9 por suas crianças e adolescentes,
conforme tabela:
Aluno(a/e) de outra 7
série e mais novo(a/e)
Tabela 03 - A quem você comunicou
Psicólogo(a/e) escolar 6 o bullying sofrido pela sua criança/
adolescente?
Ainda que as/os/es agressoras/es 43 respostas entre 120 entrevistados
sejam majoritariamente outras/os/ Professor(a/e), Coordenação, 7
es estudantes, a instituição escolar Direção
precisa agir no sentido de garantir um Coordenação 7
espaço-tempo seguro para todas/os/
Coordenação, Direção 5
es, sem exceção.
Direção 5
A omissão em relação à tomada Coordenação, Psicólogo(a/e) 3
de atitude pedagógica para fazer escolar, Direção
o enfrentamento à transfobia Professor(a/e) 3
na escola também faz funcionar
Professor(a/e), Coordenação 3
as violações de direitos e para a
gestão escolar, compreendida Professor(a/e), Coordenação, 2
Direção, Famílias de outros
alunos(as/es)
119

Professor(a/e), Coordenação, 2 (52) famílias já pensaram em transferir


Famílias de outros alunos(as/ as/os/es estudantes das instituições
es) escolares devido à transfobia.
Coordenação, Psicólogo(a/e) 1
escolar A análise das informações das famílias
em relação à intervenção pedagógica
Coordenação, Psicólogo(a/e) 1
escolar, Orientadora da escola em situações de transfobia
Educacional demonstra que quando a instituição
escolar coloca em ação o compromisso
Professor(a/e), Direção 1
ético-político de agir em defesa de
Professor(a/e), Direção, Famílias 1 um espaço-tempo seguro e livre de
de outros alunos(as/es)
preconceitos e discriminações, as
Professor(a/e), Coordenação, 1 situações podem se resolver e não
Psicólogo(a/e) escolar, Direção, se repetir. Entretanto, isso depende
Famílias de outros alunos(as/
diretamente do tipo de abordagem
es)
escolhida e do posicionamento
Psicólogo(a/e) escolar, Direção 1 da escola em deixar explícito que
naquele espaço-tempo não se admite
Mediante a comunicação feita à qualquer tipo de posicionamento
instituição educacional, apenas ou atitude preconceituosa e
43 famílias relataram que a escola discriminatória. Ou seja, as crianças
tomou alguma providência a partir e adolescentes trans e suas famílias
da sua queixa. Já 22 famílias disseram precisam sentir que aquele é um
que a escola não fez nada. Doze (12) espaço-tempo ao qual elas/es
famílias relataram que a escola fez pertencem e no qual são respeitadas,
uma intervenção pedagógica e, de acolhidas, valorizadas e, portanto,
acordo com 10 famílias, a escola importantes. Esse posicionamento
promoveu um diálogo com as famílias ético-político da escola pode favorecer
das/os/es outras/os/es estudantes. o estabelecimento de relações e
Para 14 famílias, o encaminhamento vínculos afetivos que contribuem
da escola surtiu o efeito desejado, para uma aprendizagem efetiva e
pois não tiveram mais nenhum caso afetiva de toda a comunidade escolar,
de transfobia. Quinze (15) famílias na qual a diferença e a pluralidade
disseram que as ações da escola sejam elementos que enriquecem o
amenizaram a situação, mas ainda cotidiano escolar. (GALLO, 2007)
existem alguns episódios violentos.
Para 8 famílias, as ações da escola não Indicativos da importância dessa
surtiram efeito, pois a/o/e estudante tomada de posição ético-política pela
ainda é vítima de violações de escola apareceram nas pesquisas
direitos. Três (3) famílias transferiram acadêmicas aqui debatidas quando
a/o/e estudante de escola e 3 não se analisamos a relação estabelecida
sentiram aptos a responder pois a pelas pessoas trans adultas com as/os/
ocorrência é recente. Cinquenta e duas es profissionais da educação durante
120

seus processos de escolarização. Tais após a transição.


relações foram narradas e qualificadas,
Gráfico 71 - O rendimento escolar e a
na maioria das vezes, como mecânicas.
socialização da sua criança/adolescente
São narradas experiências nas quais mudaram depois da transição?
se atendia ao que era solicitado Total, melhorou o
para alcançar o êxito escolar, mas rendimento escolar
e melhorou a socialização
40
sem proximidade, acolhimento ou Não, continua com
afetividade (BRUNETTO, 2010). o mesmo rendimento 34
escolar e socialização

Total, piorou o

Na tese de doutorado, apenas


rendimento escolar e 15
piorou a socialização

uma narrativa se referiu a relações Parcial, melhorou o


rendimento escolar 10
acolhedoras com profissionais da e piorou a socialização

educação, evidenciando a importância Parcial, piorou o


rendimento escolar e 7
dessas relações para o processo de melhorou a socialização

escolarização formal de pessoas trans. Não é possível analisar


por conta da pandemia 14
(BRUNETTO, 2017) e das aulas online

Assim, é possível compreender que na A partir dessas informações, é possível


maioria das narrativas produzidas no entender que na percepção de uma
âmbito dessas pesquisas as relações parcela significativa das famílias, a
com as/os profissionais da educação se transição social durante o processo de
evidenciaram como hostis, violentas e escolarização pode melhorar tanto o
excludentes. Para poderem legitimar rendimento quanto a socialização.
a sua presença na escola, muitas
das entrevistadas se viram obrigadas Em uma pesquisa intitulada
a negociar com a instituição suas Preconceito e Discriminação no
presenças, por meio de estratégias de Ambiente Escolar20, realizada em 2009,
submissão e de subserviência, como, pelo Ministério da Educação – MEC,
por exemplo, a de colocar o nome pelo Instituto Nacional de Estudos e
de colegas no trabalho, para que Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
parassem de ser perseguidas, ainda – INEP e pela Fundação Instituto de
que momentaneamente. (BRUNETTO, Pesquisas Econômicas – FIPE com
2017, p. 339-364) a participação de 501 escolas de 26
Estados e do Distrito Federal, sendo
No que se refere à relação entre o toda a comunidade escolar envolvida,
rendimento escolar, a socialização das/ com representatividade de mães,
os/es estudantes trans e a transição pais e/ou responsáveis, professoras/es,
social de gênero, para 40 famílias o diretoras/es, demais profissionais da
rendimento escolar e a socialização educação, integrantes dos Conselhos
melhoraram consideravelmente Escolares ou das Associações de
depois da transição social de gênero. Pais e Mestres – APM, se observou,
Para 34 famílias não houve alteração dentre outros resultados importantes,
no rendimento nem na socialização uma questão interessante sobre

20
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diversidade_apresentacao.pdf> Acesso
em: 31 ago. 2021.
121

o rendimento escolar. De acordo também em alguma medida com a


com esta pesquisa, nas escolas realização do processo de aproximação
nas quais existem alto índice de do gênero identificado. Ainda que
preconceito, discriminação e desejo esses relatos não sejam suficientes
de distanciamento social em relação para afirmar cientificamente que
a grupos dissidentes das normas, a frequência é decorrente de uma
o desempenho escolar de toda a autossatisfação com a fabricação
instituição é menor. (BRASIL, 2009) no gênero identificado, tais relatos
fornecem elementos para a hipótese
Este dado não deve ser analisado de que, quando a pessoa se sente
como uma relação simplista de causa bem em relação à própria produção
e efeito, mas demonstra que na escola, de gênero, pode sentir maior prazer
quando se tem um ambiente hostil, em frequentar determinados lugares
preconceituoso e discriminatório, e realizar interações sociais. Tal
toda a instituição perde em termos suposição evidencia a possibilidade
de rendimento. Esta consiste em de que estudos futuros sejam
mais uma razão para que a gestão das realizados nesse campo para uma
políticas públicas educacionais atente melhor compreensão dessa questão.
para uma formação permanente que
desconstrua essa teia de violências Gráfico 72 - Após a transição social, você
nas escolas. Além disso, evidencia percebeu:

também a fundamental importância Manutenção da


56
do acolhimento na escola, pois em frequência anterior

um ambiente no qual é valorizada Melhora na


30
ou valorizado, a criança ou frequência anterior

adolescente trans pode se concentrar Piora na


frequência anterior 13
na aprendizagem dos conteúdos
escolares da mesma forma que outras Não quer voltar
ao presencial 3
crianças e adolescentes, isto é, sem
precisar pensar, além dos conteúdos, Não é possível analisar
por conta da pandemia 18
em traçar estratégias de sobrevivência e das aulas online

à transfobia escolar.
No tocante às reações da comunidade
Outra questão diretamente escolar à presença das/os/es
relacionada ao rendimento escolar e estudantes trans e de suas respectivas
à socialização consiste na frequência famílias na escola, 86 núcleos
escolar. A esse respeito, de acordo familiares relatam que já sofreram
com 86 relatos das famílias, depois algum tipo de retaliação ou rejeição
da transição houve manutenção ou por parte da comunidade escolar,
melhora na frequência anterior, sendo sendo que em 29 narrativas aparecem
que a manutenção é observada em 56 como responsáveis por essas atitudes
relatos. É possível depreender disso as famílias de outras/os/es estudantes.
que a frequência escolar se relaciona Já em 21 desses casos, a direção da
122

escola é destacada como responsável. acolhedor, saudável e afetivo para


Gráfico 73 - Você, como responsável, já todas/os/es, o que se demonstra é
sofreu algum tipo de retaliação/rejeição/ oposto, ou seja, o que se tem é um
bullying pela comunidade escolar? espaço que viola direitos, exclui as
diferenças, produz medo, insegurança
Sim 86 e desconfiança. A partir disso, é
possível compreender que ainda se faz
urgente e necessária uma intervenção
Não 34 pedagógica ampla e permanente
com vistas à construção da escola
Gráfico 74 - Quem cometeu a retaliação? como um espaço seguro para toda
Se necessário, assinale mais de uma a comunidade escolar, inclusive para
opção.
54 respostas entre 120 entrevistados estas crianças e adolescentes, bem
como para suas famílias.
Família de
outro(a/e) aluno(a/e) 29
Ainda que 24 famílias percebam que
Direção 21 suas crianças e adolescentes trans são
Coordenação 14 aceitas, acolhidas e respeitadas na
escola em que estudam, 17 famílias
Professor(a/e)
12 relatam que as crianças e adolescentes
Psicólogo(a/e)
trans são apenas toleradas e, em 43
escolar 8 relatos das famílias, observa-se que
tais crianças e adolescentes não
Aluno(a/e) 7
recebem o acolhimento adequado.
Secretaria 3
Gráfico 75 - Como sua criança/adolescente
Uma parcela muito expressiva da é tratada na escola?
amostra escutada nesta pesquisa, Não recebe

(117 famílias) consideram o ambiente


acolhimento 43
adequado
educacional brasileiro inseguro Diversas
para suas crianças e adolescentes problemáticas 36
trans. Essas afirmações suscitam um
Respeita/
sentimento coletivo de tristeza e de acolhe 24
indignação frente às permanências
das estratégias de transfobia na Tolerada
17
escola e colocam o ambiente escolar
brasileiro sob suspeita como um Diante desses relatos, problematiza-se
espaço de violação de direitos e de que, mesmo que seja compreensível
produção e reprodução de violências. que as relações familiares busquem
(Guacira Lopes LOURO, 1997; 2000) a aceitação desses corpos e
Isto evidencia que a função social da subjetividades fabricados no gênero
escola está descaracterizada, pois ao identificado nas escolas, isso é pouco
invés de se ter um ambiente seguro, quando comparado ao que as crianças
123

e adolescentes trans, bem como suas forma como a escola acolhe, reconhece
famílias merecem. e valoriza as experiências, a cultura e
a prática, ou seja, a forma como as/
A aceitação produz, não raras vezes, os/es outras/os/es sujeitas/os/es se
a tolerância que apesar de ser um colocam no mundo e dialogam com
conceito amplamente utilizado as normas de gênero tanto quanto
inclusive na legislação educacional, as formas normativas de se colocar
como na Lei de Diretrizes e Bases no mundo em relação ao gênero.
da Educação Nacional – LDBEN n° (Hannah ARENDT, 1987) Isto significa
9394/96, além de não ser capaz de entender e considerar legítimas todas
fazer o enfrentamento à transfobia as formas de se colocar no mundo,
escolar, ainda produz uma relação nesse contexto. Assim, as experiências
de hierarquia nas práticas sociais. Isto trans passariam a ser tão valorizadas
se materializa quando presenciamos quanto as cis.
apenas pessoas cisgêneras, entendidas
aqui como aquelas que fabricam seus É interessante notarmos que mesmo
corpos e subjetividades na direção do as escolas que acolhem as famílias e
gênero designado compulsoriamente suas crianças ou adolescentes trans
ao nascimento (Jaqueline JESUS, não conseguem se movimentar
2012), tolerando pessoas trans; pessoas pela alteridade. Talvez isso se deva
heterossexuais tolerando lésbicas; às dificuldades que a instituição
pessoas brancas tolerando pessoas escolar tem de se distanciar das
negras ou indígenas. (SILVA, 2007) normatizações, regulações, controles
Portanto, a aceitação e a tolerância são e vigilâncias das diferenças. Um
conceitos dos quais precisamos nos movimento pela alteridade precisa
distanciar quando o que precisamos deste deslocamento para se efetivar.
é que a escola acolha, reconheça, Ou seja, precisa se distanciar da
valorize as pluralidades e fomente normatividade e da atuação exclusiva
as potencialidades, promovendo os para a valorização do padrão em
direitos dessas/es estudantes e de suas termos de gênero.
famílias de se sentirem pertencentes
à comunidade escolar. Podemos nos No que tange ao trabalho com gênero
distanciar da aceitação, da tolerância e educação afetiva nas escolas,
e nos movimentar pela alteridade. A 91 famílias afirmam que a escola
alteridade, em linhas gerais, se refere à nunca trabalhou essas questões. Em

21
Transfobia se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas trans; lesbofobia se refere ao
preconceito e à discriminação de lésbicas; homofobia se refere ao preconceito e à discriminação de
gays; bifobia se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas bissexuais; racismo se refere ao
preconceito e à discriminação de pessoas negras e indígenas em detrimento das pessoas brancas;
machismo se refere ao preconceito e à discriminação das mulheres e de outras representações
de feminilidades; xenofobia se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas migrantes e
refugiadas; capacitismo se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas com deficiência;
preconceito geracional se refere ao preconceito e à discriminação de pessoas por sua idade e a
intolerância religiosa se refere ao preconceito e à discriminação devido a uma crença diferente da
cristã, como acontece, por exemplo, com as religiões de matriz africana.
124

18 escolas essa temática já consta haja nenhuma pessoa com tais


da grade curricular, já 4 famílias pertencimentos. Isso significa preparar
afirmaram que essa temática passou e instrumentalizar todas as escolas
a ser trabalhada após a matrícula para trabalhar pedagogicamente, por
de sua criança/adolescente trans e, meio do acolhimento e da ética, com
de acordo com 12 relatos, a escola as potencialidades das diferenças.
trabalhou depois da transição da
criança ou adolescente. Já no que Em ocasiões especiais como
se refere à forma como a instituição teatro, festas juninas ou feiras, 86
escolar trabalhou essas temáticas, 28 famílias relatam que as crianças ou
famílias relatam que essas escolas adolescentes trans são respeitadas/
trabalharam tais temáticas em toda os/es, participando dessas atividades
a instituição, e em 9 escolas, apenas de acordo com a sua identidade de
na turma da criança ou adolescente gênero. Já 19 famílias relatam que
trans. Na sua maioria, as escolas as crianças ou adolescentes são
trabalham com esses temas por toleradas/os/es, pois precisam insistir
iniciativa de professoras/es em para participarem de acordo com
trabalhos específicos e esporádicos. a sua identidade de gênero. Ainda
nesse sentido, 66 famílias relatam
A partir da análise dessas narrativas que as/os/es estudantes participam
das famílias, é possível compreender de aulas extracurriculares, como
que existe uma mudança em curso, música, natação, inglês, judô, dentre
considerando que em 28 escolas, outras, sendo que 12 famílias relatam
as temáticas foram trabalhadas o desrespeito à identidade de gênero.
em toda a instituição. Ainda que Essas narrativas suscitam suspeitas
precisássemos de mais informações de que ainda há trabalho pedagógico
para perceber exatamente como esse a ser feito até que as crianças e
trabalho foi desenvolvido, trabalhar adolescentes trans sejam vistas como
com toda a escola é uma alternativa quaisquer outras/os/es estudantes,
interessante, pois o enfrentamento da com todos os direitos de acesso,
transfobia não consiste numa questão permanência e condições equitativas
restrita às pessoas trans e suas de aprendizagem.
famílias. A transfobia, assim como a
lesbofobia, a homofobia, a bifobia, o Em relação aos aplicativos para aulas
racismo, o machismo, a xenofobia, o online, utilizados por muitas escolas
capacitismo, o preconceito geracional desde a reorganização do trabalho
e a intolerância religiosa21, dentre pedagógico em face da pandemia
outras questões sociais, consistem da covid-19, 74 famílias dizem que a
em problemas coletivos e devem ser identidade de gênero de suas crianças
enfrentados na coletividade da escola, e adolescentes trans foi respeitada. Já
por meio de estratégias pedagógicas 19 famílias relatam que foi necessário
que envolvam toda a comunidade solicitar a alteração do nome social
escolar, mesmo que na escola não na utilização no aplicativo. Apenas
125

15 famílias observam que existe trans de suas crianças e adolescentes,


um receio ao se referir à criança a apoiar e a lutar por políticas públicas
ou adolescente trans nas aulas específicas, defendendo os direitos de
online. Esta questão precisa de uma suas crianças e adolescentes, dentre
investigação mais aprofundada para os quais a educação, as questões
que se possa compreender melhor entre as experiências trans e a escola
ao que as famílias se referem quando apresentam rupturas, permanências
expressam a falta de cuidado em e deslocamentos. O cenário não
relação às crianças e adolescentes é mais o mesmo. E isto é possível
trans no espaço-tempo virtual. compreender, a partir de um olhar
interessado para as experiências
Por fim, 59 famílias afirmam que trans e a educação e, especialmente,
sentem que não são respeitadas a partir desta pesquisa e exercício de
ou queridas na escola e 52 núcleos diálogo. Entretanto, outros estudos
familiares se sentem muito e pesquisas sobre as condições de
confortáveis e felizes com o ambiente possibilidades históricas (FOUCAULT,
escolar, conforme Gráfico 76, que 2005) que contribuíram para que
segue: se pudesse produzir uma questão
de pesquisa do presente sobre as
Gráfico 76 - Sua criança/adolescente sente infâncias e adolescências trans ainda
ou já sentiu vontade de não frequentar o precisam ser feitas.
ambiente escolar por questões ligadas a
sua identidade de gênero?
3. E a educação, o que tem a ver
Sim, sentiu ou sente
que não é respeitado(a/e), 59 com tudo isso?
querido(a/e)
A educação está imbricada em todos
Não, se sente muito
feliz e confortável com 52 esses processos. Tanto no que se
o ambiente escolar
refere à acolhida dessas crianças e
adolescentes quanto de suas famílias
Parcial 5
nos espaços educativos. A amplitude
Não é possível analisar
do compromisso ético-político da
por conta da pandemia
e das aulas online
4 educação com esta acolhida vai desde
se importar com todas e cada uma das
crianças e adolescentes trans e suas
Assim, é possível compreender a famílias até o planejamento de ações
partir dessas informações fornecidas formativas contínuas para todas/os/es
pelas famílias que seja pela própria as/os/es profissionais da educação das
difusão do assunto, protagonizada redes públicas e particulares.
por pessoas trans adultas nos
diferentes espaços como a militância,
as redes sociais e a academia, ou Em relação ao compromisso ético-
ainda pelo protagonismo das próprias político inerente às/aos profissionais
famílias que passaram a acolher, a da educação que se desenvolve
compreender melhor as experiências quando se trabalha com educação
126

por meio da responsabilidade afetiva memorável. Ou seja, uma pessoa e


e da ética do cuidado (BRUNETTO; uma/um profissional a ser lembrada/
RIBAS, Léo; 2021), se observa que o/e pela acolhida, pelo afeto, pela
tanto a docência quanto qualquer compreensão e pela competência no
outra função exercida na escola são diálogo em relação aos conteúdos,
extremamente responsáveis por habilmente relacionados com as
tornar a trajetória escolar de pessoas vidas das pessoas. É preciso que
trans acolhedora, segura, saudável, se trabalhe com esta perspectiva
agradável e por contribuir para que se epistemológica em educação todos
produzam experiências escolares que os dias, evitando-se assim carregar
representem memórias de afetividade nos currículos profissionais o peso da
no futuro. Além disso, essas trajetórias omissão, do descaso, das violências e
favorecem tanto a aprendizagem a responsabilidade de ter contribuído
como a socialização das pessoas para o sofrimento, para o adoecimento
trans, pois produzem um ambiente ou para o suicídio de alguém.
seguro no qual podem se concentrar
prioritariamente nos conteúdos que Assim, se é que se pode sugerir uma
estão sendo ensinados. Isto, quando reflexão para a classe profissional da
os preconceitos e discriminações, educação, diante de todo o exposto,
como a transfobia, por exemplo, estão se pede que reflita sobre como a
em plena atividade na escola não interação com as/os/es estudantes que
acontece, uma vez que a vítima de passam por suas vidas profissionais
preconceito e discriminação além de pode se desdobrar e afetar as
se concentrar nos conteúdos escolares, existências dessas pessoas de formas
precisa se preocupar também, e ao impactantes e que se pense também
mesmo tempo, com as próximas a respeito de quais tipos de memórias
violências direcionadas a ela. gostariam de contribuir para que suas/
seus estudantes elaborassem sobre as
Diante disso, e considerando também trajetórias escolares delas/es a partir
que as violências transfóbicas das interações com cada profissional?
produzem sofrimentos nas crianças, Memórias do trauma ou memórias
adolescentes e nos núcleos familiares, de acolhimento, afetividade,
e que podem inclusive se desdobrar reconhecimento, valorização e defesa
em adoecimentos mentais e dos direitos? Essas reflexões precisam
psíquicos, cabe às/aos profissionais da estar presentes em todos os espaços e
educação se comprometerem ética funções desempenhadas nas escolas,
e politicamente com os processos quando pensamos, planejamos e
de escolarização dessas/es sujeitas/ atuamos nas nossas funções sociais,
os/es. Cabe às/aos profissionais da desempenhando nossas atribuições.
educação representarem na vida Todas/os/es as/os/es profissionais
das crianças, adolescentes e pessoas da educação e cada uma/um são
adultas sob sua responsabilidade importantes nesses processos.
uma pessoa e uma/um profissional
127

No campo das políticas públicas e execução dessas políticas públicas


em educação, sugere-se que as educacionais. Também é possível
Secretarias de Educação precisam realizar pesquisas acadêmicas em
também desenvolver e firmar um parceria com as universidades públicas
compromisso ético-político com a e projetos de extensão universitária
transformação do espaço-tempo da tanto para a formação quanto para a
escola em um espaço-tempo seguro, elaboração e organização de espaços
saudável, acolhedor e que garanta a de diálogo permanente.
todas/os/es a possibilidade do acesso a
um processo de escolarização no qual É possível ainda produzir materiais
as únicas questões que demandem de apoio pedagógico, em diversos
um exercício de concentração e de formatos, tais como cadernos,
preparação sejam a respeito das filmes, audiovisuais, podcasts,
aprendizagens de conteúdo. Que folders, curadoria de filmes,
a diversidade, as pluralidades e as curtas e animações, dentre outras
diferenças não sejam um problema, possibilidades. Além disso, é possível
mas sim uma potencialidade construir fluxos de encaminhamentos
e mais uma oportunidade de de ações afirmativas para públicos
reconhecimento, de valorização e de específicos, como crianças e
aprendizagem. adolescentes trans nas escolas.

Nesta perspectiva, é possível que O importante nessas iniciativas é


a partir desse compromisso ético- produzir uma escuta ativa das famílias
político, as políticas públicas de das crianças e adolescentes trans,
educação atuem em pelo menos com o intuito de que as políticas
três frentes de trabalho. Na formação públicas sejam efetivas e assertivas no
em ação das/os/es profissionais da enfrentamento da transfobia escolar
educação que já atuam nas redes e na construção da escola como um
de educação públicas e privadas, espaço-tempo acolhedor, seguro,
trazendo as discussões conceituais saudável, agradável e produtor
importantes para que se percebam de experiências escolares que no
as potencialidades dessas presenças futuro representem memórias de
trans nas escolas. Por meio da afetividade, para todas as crianças
articulação de parcerias com as e adolescentes, inclusive as trans, e
universidades públicas e promoção de para suas famílias, como pudemos
ações formativas para as licenciaturas observar nesta pesquisa.
que formarão as/os/es futuras/os/
es profissionais de educação que Referências
atuarão nas escolas. Além disso, ARENDT, Hannah. A Condição
nessas formações é fundamental que Humana. Rio de Janeiro: Forense
os movimentos sociais organizados Universitária, 1987.
sejam acionados como parceiros em
todos os processos de planejamento ARFUCH, Leonor. La entrevista, una
128

invención dialógica. Barcelona: escolar e outras tramas. 210 f.


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130

Recomendações e considerações
CONSIDERANDO que a legislação gênero são congruentes com os valores
nacional ampara o entendimento universais da contemporaneidade
de que estudantes menores de democrática, e que o Brasil é
18 (dezoito) anos são portadores signatário desses valores em razão do
de direitos, e que a evasão escolar compromisso nacional e da assinatura
constitui grave atentado contra o em diversos acordos internacionais de
direito à educação; direitos humanos;

CONSIDERANDO que o ECA (Estatuto CONSIDERANDO que a discriminação


da Criança e do Adolescente) aos estudantes transgêneres nas
fundamenta ser dever da família, da escolas brasileiras em função de suas
sociedade e do Estado, assegurar à identidades de gênero é uma cruel
criança, ao adolescente e ao jovem, com realidade;
absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, CONSIDERANDO a responsabilidade
ao lazer e à convivência familiar e das instituições educacionais
comunitária, além de colocá-los a na educação e na formação dos
salvo de toda forma de negligência, estudantes, com respeito aos valores
discriminação, exploração, violência, humanos que acenem para uma
crueldade e opressão (Art. 227); sociedade fraterna e harmoniosa;

CONSIDERANDO que na vivência das CONSIDERANDO que a discriminação


crianças e adolescentes brasileiros, e a LGBTIfobia são fatores que afastam
nossa cultura, costumes e sociedade as pessoas LGBTI+ do ambiente escolar
interferem diretamente na prática e contribuem para a marginalização
de agressões (físicas, emocionais e destes grupos, práticas que contrariam
mentais) a crianças e adolescentes os princípios de inclusão através da
transgêneres; educação;

CONSIDERANDO que os princípios CONSIDERANDO que é preciso


que norteiam a legislação educacional oferecer contextos mais seguros
no país asseguram o respeito à e favoráveis ao desenvolvimento
diversidade, à proteção de crianças e integral de crianças e adolescentes,
adolescentes e ao inalienável respeito livres de qualquer forma de violência
à dignidade humana; ou violação a seus direitos;

CONSIDERANDO que a diversidade CONSIDERANDO que negar direitos


sexual e o respeito à identidade de a pessoas LGBTI+ de acordo com a
131

sua orientação sexual e identidade de 18 anos, basta autorização


de gênero caracteriza-se como uma formal de um de seus responsáveis
violação de direitos; legais, excluindo a obrigatoriedade
de apresentação de documentos
RECOMENDA-SE: comprobatórios de qualquer natureza.
1. Proporcionar a difusão das
informações sobre o respeito à 3. Visando à prevenção da prática
população LGBTI+ no ambiente de todos os tipos de violências que
educacional, formação dos(as/es) sobressaem aos estudantes LGBTI+
educadores(as) com relação ao tema (importunação, assédio, violência,
Diversidade, mediante campanhas de agressão, perseguição) manifestadas
respeito, materiais de consulta, eventos de forma diversa (verbal, emocional,
de formação e conscientização, psicológica, mental e física), somado
reuniões, entre outras; aos alertas feitos na nota informativa
Bullying e Violência nas Escolas
2. Que se criem mecanismos para (UNESCO) e recomenda-se:
publicizar a todo e qualquer indivíduo
que trabalhe, estude e/ou conviva em  A publicidade de que o bullying
ambiente educacional, de qualquer é uma prática que não deve ser
natureza, os termos que tangem a naturalizada dentro do ambiente
Resolução nº 1/2018 do Conselho educacional, pois trata-se de violação
Nacional de Educação/Conselho dos direitos fundamentais das
Pleno (MEC), sendo em principal: crianças e adolescentes transgêneres;

 Obrigatoriedade no respeito ao  Criar medidas para a prevenção da


nome social de pessoas trans de prática de qualquer tipo de bullying
acordo com sua identidade de gênero, e outras violências (emocional,
em todas as formas de comunicação psicológica, verbal e física) motivadas
e ambientes educacionais (virtuais ou pela transfobia contra alunos
presenciais); transgêneres e suas famílias dentro
dos ambientes educacionais ou em
 Inclusão de campo para o nome qualquer ambiente promovido pela
social em destaque nos registros instituição educacional (viagens,
oficiais da escola e uso exclusivo passeios...);
do nome social em todas as
comunicações internas, chamada,  Crie-se um plano de medidas
matrícula, avaliações, atividades, educacionais, para ação efetiva,
logins e demais documentos; quando for constatada a prática de
bullying transfóbico de qualquer
 Amplo entendimento que, para a natureza dentro do sistema
inclusão de nome social em menores educacional, independentemente de
quem for o agente responsável pela
132

ação (alunos, professores, profissionais, instituição de ensino respeitar a


famílias e comunidade); escolha do(a/e) estudante e de sua
família sobre o compartilhamento de
 Promover a culpabilização e informações acerca da identidade de
responsabilização dos agentes que gênero;
praticarem bullying transfóbicos
dentro do sistema educacional;  Garantir aos estudantes trans o
direito ao uso dos banheiros, vestiários
 Oferta de suporte aos alunos(as/es) e demais espaços segregados por
que foram vítimas de bullying e suas gênero conforme a sua identidade
famílias, através de encaminhamento de gênero, promovendo-se
a outros órgãos responsáveis que ambiente seguro, livre de violências
devam ser envolvidos no caso. e constrangimentos, para o bem-
(Secretaria da Educação, Conselho estar, integridade física e mental e
Tutelar, Atendimento Básico no SUS, permanência do(a/e) estudante;
Delegacia, entre outros);
 Garantir aos estudantes
 Oferecer a professores formação transgêneros o direito ao uso de
completa, treinamento e apoio sobre uniforme, onde houver, ou vestimentas
como lidar com bullying e violência pessoais, onde não houver uniforme,
contra estudantes LGBTI+; de acordo com a sua expressão e
identidade de gênero;
 Estabelecer parcerias mais
amplas com organizações locais  Garantir o acesso a esportes
da sociedade civil e a comunidade escolares e interescolares, respeitando
escolar para mobilizar ações ou a identidade de gênero do(a/e)
marcar dias específicos de combate à aluno(a/e) e que não sejam feitas
discriminação contra pessoas LGBTI+ exigências de comprovação de níveis
e intersexo. hormonais, visto que o mesmo não
é exigido em relação aos demais
alunos(as/es) para esse tipo de prática
4. Desenvolvimento e implementação esportiva;
de normas que regulamentem,
em todo e qualquer ambiente  Garantir tratamento igualitário
educacional, o respeito à identidade e respeitoso a relacionamentos
de gênero, com a promoção de afetivos e manifestações de afeto por
ambiente digno e livre de violência estudantes LGBTI+ nas instituições de
contra pessoas LGBTI+ e liberdade ensino, conferindo a estes o mesmo
para manifestação, a fim de: tratamento dispensado a outros;

 Garantir a intimidade e privacidade  Garantir tratamento igualitário e


de estudantes LGBTI+, devendo a respeitoso a mães, pais ou responsáveis
legais dos alunos(as/es) transgêneres
133

em todos os ambientes e eventos


promovidos pelas instituições de
ensino, fomentando o mesmo acesso
e oportunidades a estas famílias;

 Garantir tratamento igualitário


e respeitoso aos alunos LGBTI+, no
que diz respeito às normativas do
regimento escolar, se houver;

 Garantir a efetiva inclusão e


acolhimento e garantir a participação
de estudantes LGBTI+ nas atividades
culturais e artísticas como teatro,
dança, festividades e celebrações,
com respeito à orientação sexual e
de expressão e identidade de gênero,
livre de julgamentos;

 Proporcionar oportunidades de
emprego a profissionais LGBTI+ nas
instituições de ensino, com respeito à
livre manifestação de sua orientação
sexual e identidade de gênero, sem
constrangimentos e discriminações,
garantia de uso de nome social e
banheiro de acordo;

 Desenvolver, juntamente das


instituições de ensino técnico e
formação superior, um currículo
obrigatório sobre gênero, sexualidade
e violências.
134

Apresentação
Os Direitos Humanos são inerentes - somada à condição de gênero
a todos pela sua condição de trans -, vivenciam um alto teor de
humanidade e estão presentes em vulnerabilidade.
diversos instrumentos internacionais.
Entretanto, alguns grupos que são Dentre as maiores dificuldades para
mais vulneráveis recebem proteção uma proteção efetiva das crianças
especial em normas específicas. Este e adolescentes trans, está a falta de
é o caso das crianças e adolescentes. dados quanto as suas existências e o
entendimento efetivo de como seus
O Estatuto da Criança e do Adolescente direitos são violados. A invisibilidade
(ECA) traz como um de seus princípios das crianças e adolescentes trans
fundamentais a aplicação do melhor acarreta na exclusão desse tema em
interesse da criança e do adolescente debates nos campos normativos e
garantindo a estes sua sobrevivência políticos, resultando na não existência
e desenvolvimento na sociedade, de políticas públicas que visem a sua
livre de qualquer discriminação. proteção e, infelizmente, o ambiente
Ainda reconhece que cabe à família, educacional brasileiro não está
sociedade e ao Estado garantir às isento desta lacuna que fomenta a
crianças e adolescentes que seus violação dos direitos das crianças e
direitos não sejam violados e que adolescentes trans.
tenham seu desenvolvimento integral.
Diante desse contexto - de não
Assumindo que as crianças e reconhecimento da existência das
adolescentes são indivíduos de crianças e adolescentes trans -
direitos e que necessitam de proteção quando os profissionais da educação
e acolhimento, voltemos o nosso olhar se deparam com a presença desta
para um recorte dessa população, as comunidade dentro do sistema
crianças e adolescentes transgêneres. educacional brasileiro, a ausência de
conhecimento prévio e normativas
Se inegáveis são as dificuldades reguladoras dificulta para que
encontradas por pessoas adultas trans a estrutura educacional e seus
para o livre exercício de seus direitos, profissionais protejam o melhor
ainda maiores são as dificuldades interesse das crianças e adolescentes
enfrentadas pelas crianças e transgêneres, contribuindo, assim,
adolescentes transgêneres, que, por para que situações de exclusão,
conta da fase em que se encontram assédios, bullying sejam uma triste
135

realidade desse recorte populacional, para o combate à discriminação,


dentro do sistema educacional atendimento à comunidade LGBTI+ e
brasileiro. fomento de políticas públicas através
da estrutura de advocacy.
Segundo estudo feito pela OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil), Ao entender os cenários de abandono
82% da população trans evade a e invizibilização que assombram
escola. Faz-se urgente e necessário o as crianças e adolescentes trans e
desenvolvimento de novas políticas suas famílias, o Grupo Dignidade
públicas educacionais para a não se manteve plácido. Novamente
diminuição deste alto índice de evasão se movimentou para promover
escolar e obtenção de capacitação mudanças que se fazem urgentes.
adequada para o mercado de trabalho Em agosto de 2020, foi constituída
formal. uma área exclusiva para cuidado e
atenção das demandas que dizem
É importante também ressaltar respeito não somente às crianças
que uma vivência saudável dentro e adolescentes trans, mas todas as
da comunidade escolar promove a crianças e adolescentes LGBTI+ e suas
diminuição dos índices de depressão, famílias.
ideação suicida, automutilação não
suicida, mutilação genital e outras A Coordenação da Área de Proteção e
patologias que são muito frequentes Acolhimento a Crianças, Adolescentes
dentre as crianças e adolescentes e Famílias LGBTI+ tem como seu pilar
transgêneres que sofrem agressões de sustentação promover acolhimento
neste contexto. familiar e políticas públicas-sociais-
educacionais direcionadas às crianças
Os direitos das crianças e adolescentes e adolescentes LGBTI+, em especial
trans e a perspectiva de promover trans. Tem como coordenadora titular
mudança nas expectativas que Thamirys Nunes, comunicóloga, mãe
tangem essa população e as novas de uma criança trans de 6 anos de
gerações de indivíduos trans que estão idade, autora do livro “Minha Criança
por vir, são como combustíveis, que Trans?” e militante dos direitos trans
inflamam e nos mobilizam, enquanto infantojuvenis; e as adjuntas Fernanda
sociedade, pessoas e movimentos Bonato, psicóloga, sexóloga (USP),
sociais. mestre em Psicologia e doutoranda
em Psicologia (UFPR) e Thais Ferreira
O Grupo Dignidade foi fundado Assis Assunção, mãe de uma criança
em 14 de março de 1992 e, ao trans de 8 anos e estudiosa da
longo dessa trajetória, tem buscado temática trans.
de forma incansável promover
mudanças e equidade político-social Hoje, a Coordenação Nacional da Área
a toda a comunidade LGBTI+, com de Proteção e Acolhimento a Crianças,
grande representatividade em ações Adolescentes e Famílias LGBTI+ atua
136

em frentes distintas: de 30 profissionais de todo o Brasil.

1. Acolhimento de famílias que 4. Formação: A coordenação


tenham crianças e adolescentes desenvolve um trabalho de formação
trans entre 3 e 17 anos: o objetivo sobre o conteúdo trans infantojuvenil,
principal é fornecer estrutura tendo como público principal
emocional, psicológica para que os faculdades de Psicologia, Medicina,
responsáveis legais possam acolher Pedagogia e Direito além das escolas
a natureza de seus filhos, além de os de Ensino Fundamental e Médio.
orientar sobre seus direitos e como Em pouco menos de 1 ano, foram
lidar com as adversidades que podem ministradas 45 formações, em formato
surgir. Atualmente acolhe 203 famílias de aulas temáticas, palestras, rodas
de todas as regiões brasileiras, sendo de conversa e cursos de extensão.
que nem todas optam por participar
do grupo terapêutico, ficando 5. Aulas temáticas direcionadas
assim apenas com o acolhimento aos responsáveis das crianças e
individualizado. adolescentes trans: Visando a que
todos tenham conhecimento para
2. Participação em políticas lidar com as diversidades sobre os
públicas: Thamirys Nunes representa encontros entre famílias e profissionais
a Coordenação como membro que cuidam da saúde e bem-estar
integrante do Comitê LGBT do Estado da população trans, são promovidos
do Paraná e da Assessoria de Políticas encontros temáticos, feitos em
em Diversidade Sexual do município plataforma online, possibilitando uma
de Curitiba, além de articular com maior interação entre os participantes
outras OSC sobre propostas e projetos e os profissionais que participam do
que visem garantir os direitos das grupo. No primeiro semestre de 2021,
crianças e adolescentes LGBTI+. foram oportunizadas aulas temáticas
com endocrinologista, sexólogo e
3. Orientação e formação de ginecologista.
profissionais de psicologia: mediante
os crescentes relatos de despreparo e 6. Atendimentos por psicológos
falta de conhecimento dos profissionais voluntários: pensando em relação
de psicologia ao receber crianças e àquelas famílias que não possuem
adolescentes trans em consultório, condições econômicas e cujas crianças
Fernanda Bonato iniciou um grupo de e/ou adolescentes necessitem de
estudo, troca de informações e diálogo atendimento ou acompanhamento
entre profissionais da psicologia psicológico, a Coordenação possui
que tenham em seus consultórios alguns profissionais que atendem sem
crianças ou adolescentes trans e/ou custo ou com valor social. Atualmente
que almejem preparo técnico para 30 famílias são beneficiadas.
eventuais pacientes. Atualmente o
grupo de apoio e estudos possui cerca
137

7. Mediação de conflito com Coordenação e que só foi possível


escolas: muitas famílias vivenciam através viabilização da UNESCO.
dificuldades na relação com as
instituições educacionais de seus “Sonho que se sonha só
filhos LGBTI+. Quando solicitado é só um sonho que se sonha só,
auxílio, a Coordenação realiza a mas sonho que se sonha junto é
mediação de conflitos e orientação realidade”
na escola, visando à devida acolhida (Raul Seixas)
e ao manejo adequado das diversas
situações que refletem no bem-estar
dos estudantes LGBTI+. Para o desenvolvimento deste
projeto, a Coordenação da Área de
A UNESCO foi estabelecida no Brasil Proteção e Acolhimento a Crianças,
em 1964 e desde então tem sido fiel Adolescentes e Famílias LGBTI+
à promoção da defesa da educação contou a com contribuições de vários
igualitária e de qualidade para todos, profissionais, apoio e participação
além de desenvolver, fomentar e direta das famílias de crianças e
contribuir em diversas ações de adolescentes trans e da comunidade
promoção do desenvolvimento LGBTI+. Todos os envolvidos buscaram
humano e social. fazer deste documento argumento
para mudanças. Portanto, além
Há pouco mais de duas décadas, de conter números e gráficos, este
o Grupo Dignidade e a UNESCO documento conta com capítulos que
realizaram sua primeira parceria trazem conceitos fundamentais sobre
em prol da comunidade LGBTI+. gênero, sexualidade e terminologias,
Desde então, muitos outros além de explorar os princípios
projetos foram viabilizados, jurídicos e de direito que amparam
políticas socioeducacionais foram a transgeneridade infantojuvenil,
desenvolvidas e vidas foram trazer análises feitas por profissionais
transformadas. sobre os dados brutos coletados e
recomendações que elucidam pilares
As vidas trans x educação é uma necessários de mudança.
temática urgente, necessária e muito
carente de atenção. Visando ao
fomento de mudanças, novamente a
UNESCO e o Grupo Dignidade, através
da Coordenação da Área de Proteção e
Acolhimento a Crianças, Adolescentes
e Famílias LGBTI+, estabelecem uma
parceria.

Esta pesquisa é resultado de um


projeto sonhado e desenvolvido pela
138

Equipe do Projeto
A composição da equipe do projeto foi construída em três eixos, sendo a Equipe
de Fundamento, Equipe Multidisciplinar e Convidados.

Equipe de Fundamento Equipe de Fundamento Equipe de Fundamento


Coordenadora/Mediadora Consultor de Projeto Assistente de Projeto
Thamirys Nunes Sergio Rogério Azevedo Junqueira Thais F. Assis Assunção

Equipe Multidisciplinar Equipe Multidisciplinar Equipe Multidisciplinar


Psicóloga Psiquiatra Pediatra
Fernanda Rafaela Bonato Nathália Ajudarte Lopes Nicolle Amboni Schio
CRP 08/10.734 CRM 191864 / RQE 92294 CRM 33813 / RQE 24963

Equipe Multidisciplinar Convidado Convidada


Profissional da educação Advogado Assistente: Bel. em Direito
Dayana Brunetto Carlos Nicodemos Tainá Juliano
139

Equipe de Fundamento: onde visa dialogar com a sociedade


sobre as questões trans infantojuvenis.
Os profissionais desta equipe foram
responsáveis pelo acompanhamento
de todo o projeto (início ao fim),
• Consultor: assumiu a tarefa de
pela unificação de todos os materiais
orientar a formulação metodológica
desenvolvidos a fim de construir este
das etapas previstas, bem como
documento único.
observações e considerações sobre
Foi composta por: o material desenvolvido pela equipe
multidisciplinar.
• Coordenadora / Mediadora de
Projeto: assumiu a responsabilidade Sérgio Rogério Azevedo Junqueira:
pela execução do projeto, coordenação Livre-docente em Ciência da Religião;
das ações da equipe multidisciplinar e pós-doutor em Educação; em Ciência
mediação com as famílias envolvidas, da Religião e Geografia da Religião;
bem como desenvolvimento de doutor e mestre em Ciência da
conteúdo para o documento final. Educação; licenciado em Pedagogia.

Thamirys Nunes:
Mãe de uma criança trans de 6 anos • Assistente: ofereceu suporte para
de idade, autora do livro: “Minha toda a equipe, bem como interagiu
Criança Trans? - Relato de uma mãe com as famílias participantes.
ao descobrir que o amor não tem
gênero.” Cursou Comunicação Social Thais Ferreira de Assis:
- ênfase em Relações Públicas e é Mãe de uma criança trans de 8 anos
estudiosa das questões de que regem de idade, odontóloga, estudiosa
o entendimento da diversidade, em da temática de diversidade sexual.
especial a questão trans infantojuvenil. Em 2020 cursou “Diversidade
Através de seu ativismo, busca a Sexual e de Gênero: Abordagem
visibilidade, políticas públicas e os Sociopsicodramática” no Instituto
direitos das crianças e adolescentes Sedes Sapientiae; “VII Curso de
LGBTI+. É Coordenadora Nacional Atualização em Sexualidade,
da Área de Proteção e Acolhimento Identidade de Gênero e Orientação
a Crianças, Adolescentes e Famílias Sexual”, do Instituto de Psiquiatria
LGBTI+, na Aliança Nacional LGBTI+, do HC/SP, participou do Grupo de
onde realiza o acolhimento e orientação Estudos sobre Infâncias Trans, do
de famílias de crianças e adolescentes NUPSEX/UFRS e do 1°Congresso on-
trans de todo o Brasil. Eleita Vice- line de corpes e Subjetividade Trans,
Presidente da Associação Brasileira da Fundação Cultural Monsenhor
de Famílias Homotransafetivas Chaves. Atualmente realiza o 1° Curso
(ABRAFH), com mais de 2 mil famílias Saúde LGBTQIA+ - Práticas de cuidado
vinculadas. Responsável pela página transdisciplinar do Instituto Saúde e
@minhacriancatrans no Instagram, Diversidade.
140

Equipe Multidisciplinar: Nathália Ajudarte Lopes:


Médica pela Universidade Estadual
Composta por profissionais das
de Campinas - Unicamp (2012-2017),
seguintes especialidades: Pediatria,
entrando em contato com questões
Psicologia, Psiquiatria e Pedagogia.
de militância LGBTI+ e de feminismo
Esta equipe foi responsável por refletir interseccional desde a graduação.
a partir de sua formação sobre os
dados coletados junto às famílias das Realizou residência médica de
crianças e adolescentes transgêneres. Psiquiatria Geral pela Unicamp (2018-
2021). Atualmente está realizando
Fernanda Rafaela Cabral Bonato: mestrado em Saúde da Criança e do
Psicóloga formada pela Pontifícia Adolescente na mesma instituição,
Universidade Católica do Paraná com enfoque nas estudantes
(2005) e em Direito pela Universidade universitárias pertencentes a minorias
Positivo (2008). Com especialização sexuais e de gênero. Também atua
em Psicopedagogia (PUCPR - 2010) e como supervisora voluntária dos
em Sexualidade Humana (Faculdade residentes de Psiquiatria Geral
de Medicina da USP - 2014). Mestre e de Psiquiatria da Infância e da
em Psicologia (UFPR - 2019), está Adolescência no Ambulatório de
cursando o doutorado em Psicologia Gênero (AmbGen) do Hospital de
(UFPR), sendo as principais áreas de Clínicas da Unicamp. Identifica-se
atuação a clínica e a escolar. como mulher cisgênero e bissexual.

Está afiliada à Internacional Society for


Sexual Medicine (ISSM), à Sociedad Nicolle Amboni Schio:
Latinoamericana de Medicina Sexual Médica pediatra formada pela
(SLAMS), à World Association for Pontifícia Universidade Católica do
Sexual Health, à Associação Brasileira Paraná e Hospital Pequeno Príncipe
dos Estudos em Medicina e Saúde de Curitiba. Pós-graduada em
Sexual (ABEMSS) e à Sociedade Psicologia Corporal pelo Instituto
Brasileira de Estudos de Sexualidade Reichiano de Curitiba. Atua como
Humana (SBRASH), sendo atualmente médica da assistência ao parto
delegada do Paraná da SBRASH. hospitalar e domiciliar, consultas de
puericultura e hebiatria com foco
Idealizadora da Jornada Paranaense de em parentalidade e desenvolvimento
Sexualidade, junto com Dra. Grazielle infantil neurocompatível. Também
Tagliamento e Sandra Fergutz. Em exerce a pediatria junto a crianças
2020 passou a integrar a Coordenação e adolescentes em internamento
de Proteção e Acolhimento a Crianças, domiciliar continuado, é instrutora
Adolescentes e Famílias, vinculada à de simulação baseada em realidade
Aliança Nacional LGBTI+. no Centro de Simulação do Hospital
Pequeno Príncipe, pediatra no
Centro de Excelência em Gênero
141

e Sexualidade de Curitiba (CEGES) Convidados:


com foco em questões de gênero
na infância e adolescência. Ativista Carlos Nicodemos
LGBTIQ+ e e autodidata em estudos Advogado, preside o Conselho
de gênero e sexualidade, participante Nacional dos Direitos da Criança e do
dos movimentos sociais e sociedade Adolescente - CONANDA (2015/2016).
civil no estado do Paraná. Presidente do Conselho Estadual da
Criança e do Adolescente do Rio de
Janeiro (2009/2010).
Dayana Brunetto Carlin dos Santos:
Pós-doutora, doutora e mestre em Membro da Comissão Nacional
Educação pela UFPR, especialista de Direitos Humanos do CFOAB
em Ciências – Biologia, graduada e MNDH-Movimento Nacional de
em Ciências – Habilitação Plena em Direitos Humanos e Grupo Arco-Íris
Biologia e em Pedagogia. de Cidadania LGBTQIA+.

Professora do Setor de Educação e


do Programa de Pós-graduação em Tainá Juliano
Educação (UFPR). Coordena o Núcleo Assistente, bacharel em Direito pela
de Gênero e Diversidade Sexual – NGDS, Universidade Federal Fluminense
da Superintendência de Inclusão, (2016-2021). Estagiária de Direito
Políticas Afirmativas e Diversidade – do Grupo Arco-Íris de Cidadania
SIPAD/UFPR. Pesquisadora integrante LGBTQIA+.
dos grupos de pesquisa Laboratório
de Investigação em Corpo, Gênero e
Subjetividades na Educação – LABIN
e do Núcleo de Estudos de Gênero –
NEG, onde conduz pesquisas com as
pessoas trans e a educação.

Ativista da Liga Brasileira de Lésbicas


– LBL, ativista e pesquisadora da Rede
Nacional de Ativistas e Pesquisadoras
Lésbicas e Bissexuais – Rede LésBi
Brasil. Atuou como docente e técnica
pedagógica da Rede Pública Estadual
de Educação Básica do Paraná.
Em cooperação Realização Apoio

Coordenação Nacional da Área de


Proteção e Acolhimento a Crianças,
Adolescentes e Famílias LGBTI+

Esta pesquisa é baseada em um processo inédito de


diálogo e escuta com familiares de crianças e adolescentes
transgêneres de todas as regiões do Brasil sobre as vivências
e experiências no sistema educacional brasileiro, focando
nas relações sociais que se estabelecem neste ambiente.

A partir dos descobrimentos e reflexões desta pesquisa,


é possível estabelecer um horizonte para a promoção de
novas políticas públicas que tornem o ambiente escolar
mais saudável e seguro para crianças e adolescentes trans,
permitindo seu pleno desenvolvimento enquanto cidadãos
detentores de direitos.

ISBN: 978-65-991261-6-1

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