You are on page 1of 6
343, oF RY¥sY 34 REDC REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO CIVIL EDITORA PADMA Obrigagao: débito e responsabilidade, nas perspectivas de Betti e Carnelutti LEONARDO MATTIETTO Resenha do livea: “ARNELUTTI, Francesco. Diritto sostanziale ¢ processo. juffré, 2006. 318p. Sumario: 1. As obras reeditadas — 2. Débito e responsabilidade — 3. Quem tinha razao? — 4. A izacdo dos estudos de “direito © proceso” 1, AS OBRAS REEDITADAS Merece aplausos a reedicao cuidadosa, cuja iniciativa coube ao professor Andrea Proto Pisani, das obras de Emilio Betti, / concetto dell'obbligazione costruito da! punto i vista dell'azione, de 1920, e de Francesco Carnelutti, Diritto e processe nella tearia delle obbliga~ Doni, de 1927. ‘As duas obras foram reunidas em um dnico volume, Diritto sostanziale e proceso, publicado pela prestigiada editora Giuffré, na colegao da Universita di Firenze — Fondazione Piero Calamandrei 0 livro 6 enriquecido com 0 valioso ensaia introdutério do professor Natalino Irti, Un dialogo tra Betti e Carnelutti (intorno alla teoria dell’obbligaziane)' 2. DEBITO E RESPONSABILIDADE Avisdo dualista, bem difundida tanto na doutrina italiana como na brasileira, comporta ‘identificagso do débito e da responsabilidade como elementos da obrigacdo”. 1 © prefdcio de Irti foi publicada também na Rivista Trimestrale af Diritto e Pracedura Civile, Nilano, | Anno LMI, n. 1, mar. 2007, p. 1-14, ganhando assim ampla divulgagao. 2. ‘Le grand apport de la théorie dualiste de 'obligation a la doctrine juridique contemporaine a été de RTDC + VOL. 34 + ABR/JUN 2008 Be origem germanica, atribulda a Brinz’, a distingao entre o débito (Schuh eae sabilidade (Haftung) se tornou uma importante chave da hermenéutica obrigaci r Mmitindo compreender indmeros institutes como, dentre outros, a obrigagao natural, a dariedade, a prescrigao, a fianca ¢ a compensacao. Para Betti, a respansabilidade nasce junto com o débito, deste sendo insépa Carelutti, a responsabilidade surge apenas com o inadimplemento, Normalmente aceita pelos civlistas, a proposigao “obrigacio = débito + respons de" @ negada por Carnelutti, que a considera “uma receita de alquimia, ndo uma {6 de quimica*. Acredita que isso ndo quer dizer que a responsabilidade nao sejad débito, “mas para encontra-la, preciso procurar fora da obrigacdo, nao dentro d Aparece ai a divergéncia fundamental: Betti acreditava que a fesponsabilidade a0 lado do débito, a relacdo juridica de direito material. Carnelutti, ao invés, § enquanto o débito se traduz efetivamente na relagdo entre credor © devedor, a re lidade se d8 de maneira bem diferente, pois integra a relacdo juridica processua, figura 0 Estado-juiz, j Insiste Betti que a obrigagao resulta da sintese de débito & responsabilidade. origina junto com aquele, como uma garantia latente de direito substancial, que-néo| do processo, mas que pode vir a ser posta em Prdtica pelos instrumentos do proce Segunda Carelutti, o devedor deve ao credor, mas estd sujeito ao Estado, Hi Separar a primeira relacdo, de débito e crédito, estruturada pelo direite civil, queca démontrer que l'obligation n'est pas un rapport simple et unitaire, mais qu'elle se Gléments: la relation de créance et de dette (Schule, que nous appelerons devair, et la contrainte et de responsabilité (Haftung), que nous appelerons: engagement". COME Konder. Essai d‘analyse dualiste ce Nabliqation en deait privé. Paris: Dalloz, 1964, p. 19, 3 Ainda que haja antecedentes ne direito romano e na direito germanico, Brinz € cond expaente da teoria dualista da obrigacao, Séo trabathos de maiordestaque: BRINZ, Alois von, B Obligatio. Zeitschrift for das privat und éffentliche Recht der Gegenwart, Wien, v.\, 1874.0. Alois von, Obligation und Haftung, Archiv flr de chilistiche Prats, Tubingen, vol. 70, 1886, 4 Nao se pode negar que a distingao influi no préprio concelto de obrigagao, como fod nd quase sessenta anos, Alcino Pinto Faleda, rticando a doutrina brasileira elaborada ad ent SF uma ou outta alussa, vaga € pouco elucidativa, nossos livros de direito civil no interessada num assunto que apaixonou a civilistice modema, alema e italiana principal do. conceito unitério ou bindrio da obrigacéo". FALCAO, Alcino Pinto, Condi a a Forense, Rio de Janeiro, v. 128, mar, 1950, p. 23, RTDC + VOL, 34 + ABRIJUN 2008 edior 6 dircito subjetivo a prestacdo, da segunda relagéo, de direito processual, que admite poder do credor de alcangar 0s bens do devedar, 0 qual se coloca em pasicao de sujeicao inte do aparato estatal®. A obrigago vincula o devedor ao credor, a0 passo que a onsabilidade ¢ uma sujeigao ao Estado, acionavel mediante o exercicio de um poder do 3, QUEM TINHA RAZAO? Quem tinha razao, Betti ou Camelutti? N50 haverd resposta consensual 8 pergunta Jancada no titulo deste topico. Seria pretensioso fechar a questao, dada a riqueza da contro- vérsia. O resenhista tem inescondivel preferéncia e, sem desmerecer a tese de Carmelutti, ndo leria deixar de cultivar aspiracées civilistas pata estar com Betti, Débito e responsabilidade elementos préprios da obrigacao civil, independentemente de qualquer relacdo processual. também reconhecer que a responsabilidade nem sempre atua pelas maos do juiz®, Criticando diretamente a concepgdo de Bettie alinhando-se a Camelutti: "Ainda esta concepcao esta, nto, em contradigso com a reatidade, pois que 0 creder nda tem o poder de invadir com seus préprios meios a esfera juridica do devedor, ele tem apenas o direito de pedir que outrem (0 6¢g80 ludicidrio)o faga, direlto que no Sutra coisa que a acdo. Entreo crédito, entendide estritamente como jreito a conseguir a prestagda do devedor, e a agdo, que ¢ 0 diteito de pedir a intervengao do orga0 Jiblica no case do inadimplemento, no ¢ possivel configurar terceiro elemento intermedidrio, que ivamente ndo existe. Quem pée as maos sabre os bens do devedor ¢ o Estado, por intermédio de ‘érgao competente: ele s6 ele tem os poderes para taro”. LIEBMAN, Entice Tullio, Processo de mecucao. 3, ed, $40 Paulo: Saraiva, 1968, p. 31 ‘Se 0 devedor cumpre espontaneamente a obrigagdo, nem por isso deixa de ter havido o elemento, r sabilidade, que, como sustentou Betti, é anterior ao inadimplemento e concomitante ao proprio bito. Lé-se na doutrina brasileira: “Observando que vastas vezes a obrigacdo se executa espontanea- te, atiram alguns contra a teoria dualista o argumento de que, nesse caso, ndo haveria o segundo 0. Da explicagao de Betti vem, muito sensivel, a réplica, pois ensina ele que a responsabilidade estado potencial, continente de dupla funcdo: a primeira, preventiva, cria uma situacdo de coerco Qu procede psicolagicamente, e atua sabre a vontade do devedor, induzindo-o ao implementa; a s da, no caso de a primeira falhar, é a garantia, que assegura efetivamente a satisfagdo do credor”. RA, Caio Mario da Silva. instituic6es de Direita Civil, 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v, Il, p. ATOC + VOL. 34 + ABR/JUN 2008 Nao se deve deixar de dar aten¢ao, todavia, aos argumentos de Camelutti, O desempenha um papel de mediacao entree direito do credor e 0 patrimonio do E evidente que Carnelutti est certo quando identifica que © credor tem 0 pe acionar o Estado para sujeitar o devedor ao cumprimento da obrigacdo. Essa &, @ atuacdo dos meios processuais, que a ordem juridica oferece como instr satisfagéo do direito subjetivo. A responsabilidade, ndo obstante, é anterior funciona mesmo como um desestimulo ao inadimplemento: o credor & munide, € constituigdo da obrigagso, de ura sancdo cominada contra o devedor 4. A REVITALIZAGAO DOS ESTUDOS DE “DIREITO E PROCESSO" Jase disse, com franca sabedoria, que “ oprocessualista nda se pode daro h 0 direito materiat"®. Com o civilsta, nao ha de ser diferente, 1 Um civilista — especialmente 0 que se dedique 8 teoria da obrigacao —, dar 0 luxa de ignorar o proceso civil. A guisa de exemplo, © problema da p muito me|hor compreendido no direito brasileirose o institute fosse pensado algumas regras de Cédigo de Processo Civil, como as de art, 269, IV, edo art. 21 com a substantiva alteracdo promavida pela Lei n° 11.280/2006. O valor do livro ultrapassa as fronteiras do direita italiano. Os estudos sob propria interesse —., il rapporto fra diritto e processo si collaca al centro dellindaging. responsabilita sospinge verso il processo: fra il creditore insodistatto e | beni del debite ineludibile mediazione del processa”. 8 O processualista ndo se pode dar © luxo de ignarar o direito material. As vezes, of direito material pensam que podem ignorar 0 processo, mas.a reciproca nunca pode ss nem por hipétese, 0 processualista tem de olhar para o que 0s outros estéo faz Permanentemente”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos, Entrevista. Revista Trimestral de Di de Janeiro, v. 17, jan/mar, 2004, p, 309. 9 No direito brasileiro, j se chamou atengo para isso: “Na verdade, todos os inst do direito processual recebem reflexos significativas da relagao juridica material (i RTDE + VOL. 34 6 ABR/JUN 2008 juridica justa, na mesma medida em que a tutela jurisdicional, notadamente dos direitos fundamentais, é indispensavel para a realizacao do Estado de Direito, E preciso reforcar o carater instrumental do direito processual’®. O processo nao pode serum fim em si mesmo, muito menos umesquema ou estratagema para postergar a atuagdo do direito civil. E saudavel analisar a obrigagdo sob o ponte de vista da acdo, como fez Betti, ebusear a compreensao do processo na teoria da obrigacao, como conseguiu Carnelutti. ‘0s dois geniais juristas italianos nde puderam concordar quanto a teoria da obrigacao, ‘mas deixaram formidaveis contribuigées para a teoria do direito, tanto no campo do direito material quanto no do processo. LEONARDO MATTIETTO Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, proceso}. O mesma se diga das condicées da acdo, das nulidades processuais (especialmente quanto principio da instrumentalidade das formas), coisa julgada, prova. Isso revela © nitido cardter instru mental do direito processual ¢ reforca a necessidade de relativizar 0 bindmio direito-processo”. BEDA- , José Roberto. Direita e Pracessa: influéncia do direito material sobre 0 pracesso. Sao Paulo; eiros, 1995, p. 28. *Como vem sendo dito, é relativizar 0 binémio substance-pracedure, Nao se trata de renunciar 3 ia do direito pracessual ¢ muito menos aos principios solidamente instalados em sua ciéncia € anivel de garantias constitucionais. E que a autonomia do.processo do implica seu isolamento € 0 seu come se fasse um valor em si mesmo”. DINAMARCO, Candido. A instrumentalidade do pracesso, ‘td. $0 Paulo; Malheiros, 1994, p. 267, nota 1.

You might also like