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A ERA DOS OPOSTOS

PRÓLOGO - NO BODY, NO CRIME


— Ele encontrou uma das cartas — disse um dos homens sentados em uma mesa
de bar, com um copo em uma das mãos e um pano velho na outra. O senhor à sua
frente tomou-lhe o copo e deu um gole na bebida amarelada, franzindo a
sobrancelha conforme o líquido descia pela sua garganta.
— Alguém encontraria. Confesso, não achei que o Soberano conseguiria, quero
dizer, ele está velho, teve sorte de ter pego pelo menos uma carta antes de virar pó.
— Virar pó? — indagou.
— Não é isso que aconteceu com A Criadora? — O outro coçou a cabeça. — Você
sabe, a Deusa Liliya.
Uma garota do outro lado do bar se espantou ao ouvir o nome.
— Ela não virou pó. O Soberano a matou depois que o caos se instalou — ele
disse, se aproximando do parceiro e tomando o seu copo de volta. — E ele não irá
morrer tão cedo. Ou quer que ele morra?
— Eu não ousaria, amigo. Esse homem tem ouvidos por todos os lugares, se
soubesse que eu o queria morto, já teria me tirado do caminho.
Um objeto metálico refletiu no pano velho de um dos senhores, tão brilhante que
espelhava até mesmo a luz fraca do bar vazio.
Em um piscar de olhos, a lâmina prateada perfurou o pescoço do outro rapaz e um
grito curto retumbou. Uma abertura de orelha a orelha. Pisando no braço do cadáver
no chão, o assassino foi até a garota encapuzada procurando o melhor momento
para fugir do bar, assim como as outras pessoas que presenciaram a cena.
— Quando eu sair, chame a Corte. Se contar a alguém sobre qualquer coisa que
ouviu ou viu aqui, farei o mesmo com você.
Suas mãos tremiam, apoiadas no azulejo empoeirado.
Sem hesitar, ela puxou a capa que cobria seu corpo, facilitando sua fuga. Não
pensou em mais nada antes de pular no chão, e se arrastou até a porta com os
cotovelos. O homem puxou seus pés, trazendo seu corpo de volta e agarrando seu
cabelo, fazendo seus olhos encontrarem o teto luminoso. Com apenas um dos
braços livres, ela tocou a superfície.
Um copo de vidro.
Ela apalpou o piso e agarrou o objeto. Colocando o máximo de força, a menina
quebrou o copo no soalho onde estava deitada, fazendo com que os cacos de vidro
voassem por toda parte. Não demorou para pegar o mais próximo de seu corpo,
afiado com os dentes de um lobo.
A garota cravou o pedaço de vidro em uma das mãos do homem. Outro grito, dessa
vez, mais alto e agudo, ecoou pelo bar. Aproveitando sua distração para o
ferimento, a menina fez o último corte. Na garganta.
O segundo cadáver caiu no chão, o sangue que escorria de suas mãos e garganta
ainda estava quente.
Um terceiro corpo se juntou aos demais, vivo. Um ou dois arranhões na mão que
segurava o caco de vidro, ofegante, cabelos castanhos como as paredes de
madeira do bar, uma fita de cetim branca amarrada em seu pescoço, e os olhos
fixos na carta de Tarô ensanguentada.

CAP 1 - SISTER, JUST KILLED A MAN

Após alguns minutos paralisada pelo choque, a menina agarrou a arma e guardou-a
no bolso dentro de sua capa.
O ar fora do bar chegava a ser congelante, e sua respiração acelerada e quente se
tornava visível. Seu peito subia e descia à medida que seus passos se apertavam
em direção à enorme muralha que antecipava as Torres Divinas. As pessoas que a
encaravam no caminho viraram apenas vultos enquanto seus olhos se enchiam de
lágrimas, e suas mãos tremiam devido ao frio e à ansiedade.
Quando a garota finalmente chegou na muralha e fitou as torres tão grandes que
pareciam sumir no céu escuro, se sentiu aliviada. Ela foi até a pequena brecha do
outro lado do muro e correu pelo campo verde até alcançar uma das cinco
fortalezas, tomando cuidado para não ser percebida pelos muitos guardas.
Ao se deparar com a torre, ela sobe as escadas até a grandiosa porta de entrada e,
com um pouco de dificuldade, a abre.
O interior do palácio é aconchegante e repleto de riquezas, inteiramente adornado
com detalhes dourados e símbolos do Sol. As luzes eram tão intensas que os olhos
chegavam a doer, acostumados com a escuridão do lado de fora. A moça andou em
direção às escadas luxuosas que a levariam ao segundo andar, sujando o chão
limpo e reluzente como um espelho.
O corredor que dava passagem para os quartos era tão exuberante quanto a sala
de entrada, e as portas eram tantas que se perder ali era mais fácil do que encontrar
a porta certa. Porém, uma delas se diferenciava das demais, maior e com mais
detalhes. A garota percorreu o caminho, andando sobre um longo tapete vermelho,
até a mesma, e adentrou o quarto ao tocar na maçaneta gélida. O cômodo estava
escuro, com apenas uma grande cama sendo iluminada pela luz externa. Ela se
aconchegou nos colchões e fechou seus olhos, respirando profundamente antes de
afofar sua capa em busca da carta.
Assim que a encontrou, vislumbrou o objeto por um tempo, deslizando
cuidadosamente seus dedos no metal frio manchado de sangue já seco. O metal
estava moldado para formar uma legenda na parte inferior que dizia “O Sol”, e o
astro era representado em alto-relevo em seu centro, enquanto, na parte superior do
desenho, estava gravado o número 19 em algarismos romanos.
Antes que a menina pudesse tirar qualquer conclusão sobre a peça, um movimento
no quarto tirou sua atenção. Ela se sentou rapidamente, se colocando em estado de
alerta. Uma silhueta se formou em meio à escuridão, e, conforme se aproximava, se
tornava identificável.
一 Aurora 一 disse, e, imediatamente, foi descoberta pela garota. 一 O que diabos
você está fazendo?
Aurora, num pulo, escondeu a arma em meio aos lençóis e se pôs de pé.
一 Você tem noção do quanto me preocupou?
一 Eu estava, hum… 一 tentou encontrar uma desculpa, mas seu breve silêncio
entregou que estaria mentindo ao tentar qualquer tipo de escapatória.
一 Onde você foi?
一 Num bar, mas…
一 Num bar? Se qualquer um te viu, estamos ferradas, Aurora! Estarmos aqui já foi
sorte o bastante, qualquer coisa poderia nos tirar em um piscar de olhos e nos
deixar apodrecendo naquele lugar de novo. Você tem noção disso?
A outra engoliu em seco.
一 Diana, me escute 一 ela disse, vagando os olhos por todos os lugares em
desespero, já sentindo o calor tomar conta de seu corpo e suas mãos suarem. 一
No bar, eu escutei uma coisa… estranha. Não sei. Foi tudo tão rápido. Tinham dois
homens e de repente só um. Sei lá. O que eu quero dizer é que um homem matou o
outro.
Houve um curto silêncio entre as duas. A face desconfiada e preocupada de Diana
deixou o seu rosto, e um suspiro saiu de seus lábios, deixando-os entreabertos.
一 Eu não conseguia pensar. Ele me disse alguma coisa e veio para cima de mim
quando tentei escapar. Eu não sabia o que fazer. Vi um copo e o quebrei. Eu matei
ele, Di. 一 uma lágrima rolou em sua bochecha e seus olhos vazios encaravam suas
próprias mãos.
A outra garota emitiu um suspiro mais profundo desta vez, e se pôs de pé logo em
seguida.
一 Você deixou alguma evidência de que foi você? Algum pertence, alguma marca
ou qualquer coisa que envolva esse homem?
Aurora fitou os lençóis atrás de si. Sabia que já tinha feito merda o suficiente. Sua
irmã estava ali, encobrindo um crime seu, apenas para protegê-la. Ela sabia que, se
contasse da carta, teriam que lidar com outro segredo a ser escondido. Estaria
guardando um dos objetos mais poderosos de Caelum, e estaria mentindo para
Diana. Mas faria tudo isso.
一 Não 一 sibilou um pouco insegura. 一 Não, não deixei. Trouxe todas as minhas
coisas de volta, e, na luta, só toquei nas roupas dele. Joguei o caco de vidro que o
matou fora. Ninguém nos viu.
Diana assentiu com a cabeça e sentou na cama ao lado da irmã, levando suas
mãos à cabeça e entrelaçando os dedos em seus cabelos escuros.
一 Me desculpa, por favor, me desculpa 一 Aurora disse enquanto a puxava para
perto, logo em seguida sendo afastada pela mesma, que se levantou e andou até a
grande porta do quarto.
一 Conversamos amanhã.
Uma brecha de luz invadiu o quarto, cessando no momento em que Diana fechou a
porta e deixou Aurora em meio à escuridão.

CAP 2
Aurora soube desde o primeiro segundo dentro das Torres Divinas que sempre

sentiria o que sentiu da primeira vez: a sensação reconfortante da simplicidade

mesmo em um terreno tão grande como aquele. Desde que adentrou o espaço,

avistou o gramado e as enormes construções, se arrependeu de todo o tempo em

que não esteve lá.


O que não tinha não lhe fazia falta, já que após anos conturbados longe do luxo e

da segurança, tudo o que precisava era sua irmã e a certeza de que estariam a

salvo cercadas pelos muros. Caelum não era um lugar perigoso, mas a liberdade

concedida aos cidadãos lá fora dava espaço à violência. Aurora conhecia a

violência, porém, volta e meia se pegava se perguntando como aprendeu a

subestimar a crueldade que corria pelo mundo em apenas dois anos na elite.

A elite não era sua casa, e o sangue divino que corria por suas veias ainda parecia

incômodo e errado. Quase todo o processo parecia errado. Os tratamentos, como

se ela fosse uma espécie de animal raro e delicado que até então estava enjaulado,

mesmo se sentindo mais presa que nunca somente agora. Agora que as

possibilidades são maiores e o medo já se desvanece, as regras são rígidas e a

necessidade de segurança falava mais alto.

Aurora sentia falta dos amigos. Sua irmã e algumas servas eram sua única

companhia na maioria dos dias, por mais que já tivesse visto as outras rainhas, uma

ou duas vezes. Ela se recordava da primeira vez, quando as cinco estavam numa

grande sala, esperando pelo ritual de sangue. A sala era tão adornada com detalhes

em dourado que seus olhos acostumados com a escuridão doíam, mas o que

realmente lhe chamava a atenção era a enorme fonte posicionada no meio do

espaço. Mesmo a entrada do templo estar repleta de guardas altamente armados e

a população estar ciente da sagração dos Deuses, a fonte era guardada por um

vidro fino, revestindo-a como outro cômodo. O teto da sala era aberto, e o Sol

refletia o sangue que jorrava. O sangue era o inexplicável da coisa. A cor era

indescritível, como se mudasse a todo instante, mas podia ser classificada como um

dourado. Espesso e perolado, a explicação pela perfeição e a beleza dos Deuses

estava diante de seus olhos. Sempre foi o sangue.

Três batidas ecoaram pelo quarto e Aurora voltou sua atenção à porta. Hory, uma de

suas empregadas, adentrou com um sorriso curto no rosto e reverenciou a garota. O

silêncio recaiu pelo cômodo por alguns instantes.


— Onde você estava ontem à noite? — a moça perguntou, parada enquanto assistia

à rainha encarar o lado de fora pela janela. O Sol iluminava seu corpo inteiro, mas

sua pele e ele batalhavam pela luz, já que nenhuma sequer sombra a alcançava.

Aurora permaneceu calada, mas uma longa respiração cortou sua quietude.

— Porque todos continuam me fazendo essa pergunta? — disse, mas Hory

interpretou como uma pergunta retórica. — Eu estou bem, ok? Não houve nada, é

isso que importa.

A empregada deu de ombros e se aproximou.

— O Soberano requer sua presença. Terá uma reunião, acho. As outras rainhas

também vão.

Hory era a única pessoa que tinha a idade de Aurora, e, por isso, ela chegava a

considerá-la sua amiga. Cabelo escuro e liso, por mais que o penteado que fazia

tenha diariamente moldado-o para ficar mais ondulado, seus olhos tinham um

formato incomum para a rainha, já que eram puxados e arredondados como os de

um coelho, assim como seu rosto circular. Quando se conheceram, disseram que

ela veio das redondezas de Venetus, mas, mais tarde, a garota revelaria que

morava em um reino vizinho. Aurora era fascinada pelas histórias contadas por sua

amiga sobre as tradições e festivais de onde vinha, assim como era deslumbrada

pela sua aparência angelical. Angelical era a palavra perfeita para descrevê-la, já

que grande parte de seu encantamento vinha das asas fabulosas em suas costas,

como as das estátuas de grifo no jardim.

— Não vejo elas há um tempão. O que aconteceu para chamarem as cinco de uma

vez?

— Faço a mínima ideia, mas ouvi que está relacionado às cartas. — Seu sotaque

era forte, e isso tirava um sorriso de Aurora toda vez que conversava com ela.

Sorriso esse que sumiu ao ouvir a última parte da mensagem.

— Hum, as cartas? Não entendo a fissura por essas armas.


— Não seja tola. O reino é rico, mas as guerras estão cada vez mais presentes. As

sereias andam atacando as nereidas, e, com a conquista de outros territórios, o

nosso reino é um alvo recorrente. As pessoas de Venetus estão sofrendo com as

perdas, e duvidando de vocês cinco.

— Por que duvidam de nós? Afinal, não fizemos nada.

— É esse o problema, pessoas morrem e vocês não estão fazendo nada.

Hory penteava seus fios castanhos, e um vestido azul-claro afeitado com símbolos

prateados estava exposto na cama.

Ao terminar de decorar a rainha feito um bolo de aniversário, as duas foram a

caminho da sala onde a reunião aconteceria, atravessando o gramado e chegando

até o castelo onde O Soberano residia.

O lugar se assemelhava à torre de Aurora, se diferenciando apenas no tamanho,

que era quase três vezes maior, mesmo abrigando somente O Soberano e A Corte

Divina. Bem, disso ela não podia contestar, já que sua casa só abrigava a si mesma,

Diana e algumas damas de companhia, como Hory.

Quando entraram na sala e deram de cara com as outras quatro rainhas, depois de

uma longa caminhada pelo interior do castelo, a imagem que surgiu na mente de

Aurora foi a do dia do Ritual. Ali percebeu que todas elas continuavam as mesmas.

A mesa onde todos se sentavam era gigantesca, pois acomodava as cinco rainhas,

O Soberano, a Corte Divina inteirinha, Diana e Oryn.

— Bem-vinda, querida, sente-se ao lado de Cerys — disse O Soberano, e apontou

para o lugar vazio ao lado da Rainha Vênus, como se estivesse lembrando-a de

quem era Cerys. Por fim, se levantou: — Vocês todos devem estar cientes dos

ataques de reinos vizinhos e de territórios em Caelum, como a Ilha da Sereia —

enfatizou o “Sereia” de forma ríspida —, ocorridos ultimamente. Graças aos Deuses,

uma guerra ainda não foi travada, mas os bombardeios em Venetus e na Floresta

de Faias, onde temos a maior parte de nossos recursos, me preocupam.


“Precisamos estar preparados e assegurar ao nosso povo de que as coisas irão…

se consertar. Sabemos muito bem das acusações contra nosso governo,

principalmente a respeito das Rainhas das Torres Divinas, portanto, montamos um

discurso que será recitado por vocês, garotas, para fazermos com que esses

comentários cessem.”

Servos adentraram o espaço com as cabeças abaixadas enquanto distribuíam

pergaminhos com cada fala e quando cada uma deveria falar.

— E enquanto às Ilhas Neondias? — questionou Cerys, ao lado de Aurora, que

tomou um leve susto com a voz da garota. O som saiu hesitante e baixo no começo,

mas logo se estruturou com um pigarro.

O Soberano mudou seu semblante confiante, e a rainha começou a notar o quão

seu sangue divino fez com que sua aparência fosse preservada, afinal, rumores

diziam que ele tinha mais de mil anos.

— Não se preocupe, Rainha Venus, nossos soldados já estão cuidando das sereias,

e as nereidas estão recebendo tratamentos dos curandeiros.

Cerys assentiu com a cabeça e as outras governantes começaram a ler o discurso.

As palavras circulavam como vento na cabeça de Aurora, em um mix de

“segurança”, “não tenham medo”, “tudo ficará bem” ali e cá. Ela tinha que concordar,

o discurso era uma mistura de pura mentira.

Um dos membros da Corte interrompeu a leitura silenciosa com uma pergunta que

assustou a rainha:

— O que faremos se uma guerra for travada, sua majestade? As cartas seriam a

única arma eficiente para a nossa ajuda?

Estava claro: era só Aurora roubar uma arma sagrada e matar um homem que todos

tocaram no assunto.

— Chegamos ao ponto principal de todas as nossas reuniões: as Sete Cartas de

Liliya. O motivo de todas as nossas buscas incessantes há milhares de anos.

Nossas maiores preciosidades que, ainda, não estão em nossas mãos. — Ela faz
uma breve pausa e suas expressões sérias e até um tanto empolgadas com a

discussão dão lugar a um semblante melancólico. — Todos aqui, assim como todos

neste reino, devem saber da história de nossa maior Deusa e minha filha, Liliya. A

tragédia nos deixou um legado, uma ajuda para nós feita mesmo antes deste solo

ser formado. Esse legado está construído como algo que será e já é nossa maior

aquisição, e não é só o que impulsionará Caelum, mas também irá aquecer minha

alma e coração ao ter uma das únicas coisas que Liliya deixou para trás. Digo uma

das únicas coisas porque quero que sempre estamos conscientes que este reino e

seus ancestrais — Ele apontou com a palma das mãos para os para os presentes.

— foram esculpidos pela Deusa.

Aurora encarou cuidadosamente as pessoas no salão, e atentou-se de que, por


mais que todos estivessem nervosos na presença Do Soberano e tentando
mostrar-se o mais ativo possível, seus olhos pesavam e pareciam sempre estar
tentando, e falhando, manter-se acordados com o discurso “motivador” entediante.
Observá-los mantinha a garota ativa, o que a fazia imaginar que o homem, ou
melhor, Deus, à sua frente fazia anotações mentais de que ela era um exemplo
dentre os outros na sala, o que não era verdade.
— Vamos fazer uma pausa, os negócios de verdade ainda só estão por vir — ele
disse, mas as pessoas só se mexeram quando efetivamente levantou-se e se retirou
da sala, como se estivessem pedindo permissão para até mesmo respirarem.
A rainha permitiu-se a olhar para as outras garotas à sua frente, tentando encontrar
algum vestígio de emoção ou até mesmo buscar a lembrança do primeiro dia em
que se deparou com as meninas para procurar semelhanças e diferenças em cada
uma, Para sua sorte, uma análise um tanto interessante pôde ser feita.
Cerys, a Rainha Vênus, sentada ao seu lado, tinha a mesma cara de sempre, até
mesmo a cara que fazia em fotos de jornais que Aurora chegava a ver. Seus olhos
amendoados pareciam caídos, numa mistura de aborrecimento e tédio, e a cor de
sua pupila, que a garota se lembrava ser um tom de castanho mais claro, estava tão
escura que a tonalização de seu cabelo bem modelado, que fez a rainha se lembrar
de que já viu Cerys com bobes no cabelo da janela de sua torre, que era ao lado da
de Aurora, uma duas ou três vezes.
Ao seu lado estava Ayo, a mais nova das rainhas, com seus cabelos esvoaçantes
que se enrolavam em espirais bem apertadinhas e pequenas, contrastando o loiro
claríssimo do cabelo com sua pele escura. Ela parecia ser a mais simpática entre
elas, com sua face sempre iluminada, suas roupas elaboradas e sempre adornadas
com dourados e o cheiro dos diferentes chás que ela tomava impregnado em sua
pele da cabeça aos pés e se esvaindo pelo ambiente por onde ela passava.
Ao contrário de Ayo, a garota ruiva à sua direita nunca parecia de bom-humor, e na
maioria das vezes estava com o rosto tão vermelho quanto os seus cabelos,
principalmente quando estava junto à Rainha Júpiter, Olívia, ou seja, todo o tempo.
As duas eram uma dupla em tanto, e os tons quentes de Magnólia correlacionavam
com os tons frios de Olívia, que, diferente da Rainha Marte e seus cabelos de fogo,
tinha fios quase platinados de tão claros e disputavam a claridade com sua pele
branca como o céu num dia chuvoso. Seus olhos eram o destaque de seu rosto, tão
azuis que abriam o céu emburrado e o transformava em um dia ensolarado, onde
Magnólia era o seu Sol. Aurora sentia como se as garotas vivessem em sua própria
bolha, e às vezes, mesmo com suas diferenças, podiam ser a mesma pessoa,
mesmo que alguém com a cara fechada e que era tão calado que podia fazer você
se perguntar se saber falar.
O raciocínio divertido da rainha foi interrompido por uma voz inesperada atrás de si:
— Esse discurso é ridículo! — sussurrou Diana, num volume tão alto quanto os
pensamentos da irmã. Ela se abaixou ao lado da rainha, esbarrando os braços em
Cerys no processo, que apenas a encarou com um olhar de julgamento. Em uma de
suas mãos estava uma cópia do discurso das cinco rainhas.

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