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PPP n49 Sudepe
PPP n49 Sudepe
The aim of this paper is to analyze the trajectory of institutionalization of fishing activities in Brazil
from 1962, with the creation of the Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe),
until 2002, when it announced the creation of the Ministério da Pesca e Aquicultura. The question
that guides this article is to understand how this economic and social activity, fishing also depends
on public policies. The theoretical framework of this article is based on critical-social approaches
with entries in political economy and longue durée. Public policies, the presence or absence,
assume a centrality in this article. The main sources used were institutional documents, legislation,
authorities report and statistical yearbooks.
Keywords: fishing; public policy; planning; economy.
1. Pesquisa financiada com recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação (MCTI) e Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2. Doutor em economia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do CNPq. Professor no Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc).
E-mail:<agf@unesc.net>.
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y Pesca de la Presidencia de la República (Seap/PR). La cuestión que orienta este artículo es entender
cuánto esta actividad económica y social, la pesca, tiene una estrecha relación con las políticas
públicas. El referencial teórico de este artículo se funda en enfoques crítico-sociales con entradas
en la economía política y en la larga duración. Las políticas públicas, por la presencia o ausencia,
asumen una centralidad en este artículo. Las principales fuentes utilizadas fueron documentos
institucionales, legislación, informe de autarquías y anuarios estadísticos.
Palabras clave: pesca; políticas públicas; planificación; economía.
L’objectif de cet article est d’analyser la trajectoire de la politisation et de la dépolitisation des activités
de pêche au Brésil entre 1962, avec la fondation de la Superintendance du Développement des Pêches
(Sudepe) et 2002, date à laquelle il a été annoncé la création du Secrétariat Spécial de l’Aquaculture et
Pêches de la Présidence de la République (Seap/PR). La question qui guide cet article est de comprendre
comment cette activité économique et sociale, la pêche, entretient une relation étroite avec les politiques
publiques. La référence théorique de cet article est basée sur des approches critiques-sociales avec
des entrées dans l’économie politique et la longue durée. Les politiques publiques, en présence ou
en absence, assument une place centrale dans cet article. Les principales sources utilisées ont été les
documents institutionnels, la législation, les rapports des municipalités et les annuaires statistiques.
Mots-clés: pêche; politiques publiques; planification; économie.
JEL: N46; O21; H11.
A Inspetoria da Pesca teve vida curta, tendo sido dissolvida dois anos após sua
criação. No entanto, com o fortalecimento e a centralização do comando estatal no
governo Vargas, o Ministério da Agricultura encampou uma série de ações antes
dispersas em vários órgãos ou não contempladas com políticas públicas. Em uma
reforma institucional ocorrida em 1934 no ministério, foi criado o Departamento
Nacional de Produção Animal (DNPA), constituído de sete órgãos, entre eles o Serviço
da Caça e Pesca (SCP). Em 1938, duas importantes medidas foram tomadas em prol
das atividades pesqueiras: a aprovação do Código da Pesca e a criação da Caixa de
Crédito da Pesca. Nas décadas de 1940 e 1950, no embalo do crescimento acelerado
da economia brasileira, as atividades pesqueiras desfrutam dos avanços institucionais e
regulatórios que organizaram o setor, capacitando-o para dar saltos produtivos.
Dentro dessa trajetória secular de regulamentação das atividades pesqueiras
no Brasil, também se deve destacar a constante preocupação das autoridades
públicas em coibir a prática ilegal da pesca predatória. Desde o Decreto no 2.756,
de 27 de fevereiro de 1861, que regulamentava a construção de “currais de peixes”
nas proximidades dos portos, passando pelo Decreto no 8.338, de 17 de dezembro
de 1881, que proibia o uso de “drogas ou substâncias venenosas” que embria-
gassem os peixes, sob multa de 50 a 200 mil réis e prisão de um a três meses.
Nas décadas seguintes, os mecanismos proibitivos aprovados em leis, decretos
e regulamentos foram cada vez mais rígidos e amplos, com multas maiores e
punições mais severas. Nos relatórios do Ministério da Agricultura dos anos de
1940, era muito comum alertas de técnicos do SCP, apontando para a possível
extinção de espécies aquáticas caso fosse mantido o mesmo ritmo acelerado de
captura e utilizados os mesmos instrumentos de pesca.
Ocorre nesse longo período (do século XIX até o final dos anos de 1950)
um lento e contínuo movimento de institucionalização e regulamentação das
atividades pesqueiras no Brasil. Com o crescimento da pesca, o Estado também
passou a atuar em duas novas frentes: na assistência social aos pescadores e seus
familiares e nas pesquisas oceanográficas e biológicas.
Foi durante o desenvolvimentismo dos anos de 1950 que se abriram novas
oportunidades para o setor pesqueiro ampliar sua participação na esfera estatal.
O Plano de Metas (1956-1960) de Juscelino Kubitschek, que havia acumulado
conhecimento com as experiências de planejamento nos governos de Getúlio Vargas,
abriu um leque de opções para a economia e a sociedade brasileiras, centrado no
crescimento acelerado da produção industrial. O Estado planejador consagrou-se
como o timoneiro do desenvolvimento, e, no bojo do plano, foram criadas novas
instituições públicas e abertas novas linhas de crédito, bem como dado amparo legal
para a consolidação de diversos setores estratégicos para a economia brasileira.
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4. O Conselho Deliberativo era composto pelos seguintes órgãos e entidades: Ministério da Agricultura, Ministério da Fazenda,
Ministério da Indústria e do Comércio, Ministério da Marinha, Ministério das Relações Exteriores, Ministério de Viação e Obras
Públicas, Banco do Brasil S.A., Banco Nacional de Crédito Cooperativo, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico,
Superintendência da Moeda e do Crédito, Superintendência Nacional do Abastecimento, Superintendência do Desen-
volvimento do Nordeste e Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia.
5. O Conselho Consultivo era formado por representantes de órgãos de classe dos pescadores, armadores, industriais
e comerciantes, além de outras instituições definidas pelo ministro da Agricultura.
Da Sudepe à Criação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca:
as políticas públicas voltadas às atividades pesqueiras no Brasil 393
Numa análise crítica desde a sua criação, em 1962, até 1971, a Sudepe não concre-
tizou nenhum resultado de ação administrativa que consubstanciasse os dispositivos
da Lei Delegada no 10, demonstrando sua atuação nesse período, que a autarquia
estava despreparada para o exato cumprimento das suas atribuições legais decor-
rendo esse despreparo de uma série de equívocos e fatos (Sudepe, 1975, p. 20).
Sem a qualificação profissional da Sudepe, não bastava apenas criar
mecanismos fiscais e financeiros para fomentar a pesca industrial. A melhoria de
seu quadro funcional tornou-se uma condição sine qua non para o bom desem-
penho das políticas públicas destinadas à pesca. Essa era uma das grandes tarefas
do Ministério da Agricultura para a década seguinte.
políticas públicas para a pesca: como pode o mesmo órgão fiscalizar e fomentar?
A Sudepe fomentava mais do que fiscalizava, o Ibama nasceu para fiscalizar e
punia mais do que fomentava. A Sudepe tornou-se um estorvo para o Estado,
e sua ausência um problema para a pesca brasileira. O Ibama consolidou-se como
uma conquista para a sociedade civil.
Segundo Dias Neto (2003, p. 138), “a pesca passou a ser gerida por um
órgão que considerava os recursos pesqueiros como parte dos recursos ambientais
e cuja atuação estava dominantemente informada pelo interesse público”.
As atividades relacionadas à pesca foram distribuídas no Ibama em diversas
diretorias, sem unidade das ações, até a criação, em 1990, do Depaq, setor vinculado
ao Ibama. Atuando como órgão fiscalizador, o Ibama, durante quase toda a década
de 1990, optou por realizar atividades de recuperação dos recursos pesqueiros,
dada a sua situação de sobrepesca, inclusive com espécies ameaçadas de extinção.
O conflito de interesses entre o setor privado pesqueiro, que almejava ver seus
lucros aumentados, e os agentes do Ibama, que tinham como objetivo proteger
os recursos naturais, foi amenizado com a publicação da Lei no 9.649, de 27 de
maio de 1998, que criou, no Mapa, o DPA, semelhante ao que já existia no Ibama,
porém com o objetivo de fomentar a pesca e manter o diálogo com os empresários.
Por meio do Decreto no 1.697, de 13 de novembro de 1995, foi criado o
Grupo Executivo do Setor Pesqueiro (Gespe), subordinado à Câmara de Políticas
dos Recursos Naturais, com o objetivo de:
a) propor à Câmara de Políticas dos Recursos Naturais a Política Nacional
de Pesca e Agricultura e coordenar, em nível nacional, a implantação de
suas ações;
b) propor a atualização da legislação do setor de pesca e da aquicultura;
c) implementar as diretrizes estabelecidas pela Câmara de Políticas dos
Recursos Naturais relacionadas com o setor pesqueiro.
Segundo Dias Neto (2003), com a criação do DPA, instalou-se uma
“anarquia oficializada” para o setor da pesca. Não houve uma adequação das
estruturas e das funções entre Mapa e Ibama, deixando o DPA ser gerenciado
por grupos de interesses vinculados ao capital pesqueiro. Não era por menos,
pois o setor pesqueiro viu sua produção cair a cada ano: de 971,5 mil toneladas,
em 1985, a produção caiu para 638,5 mil, em 1990 (próximo da produção
capturada no início dos anos de 1970), e para 606,7 mil toneladas, em 1995
(anexo A), ou seja, o setor estava em uma trajetória descendente. Na tentativa
de retomar a produção, a Medida Provisória no 1.517, de 30 de agosto de 1996,
concedeu subvenção econômica ao preço do óleo diesel utilizado por barcos
pesqueiros de empresas nacionais.
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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando a trajetória das políticas públicas destinadas às atividades pesqueiras
no Brasil, percebe-se que há quatro momentos distintos: i) uma primeira apro-
ximação da politização (pré-1962); ii) a trajetória da politização (1962-1989),
com a criação da Sudepe, dos planos nacionais de desenvolvimento da pesca e
dos programas de incentivos fiscais e subsídios; iii) a trajetória da despolitização
(1989-1998), com a extinção da Sudepe e o fim dos programas de fomento
financeiro; e iv) a criação do DPA (1998-2002), e, especialmente, da Seap/PR
(pós-2003),retorna a política de incentivos, subsídios e fomento.
Do ponto de vista ambiental, temos um paradoxo nesses dois momentos.
Quanto maiores eram os incentivos ao desenvolvimento da pesca industrial,
maior era a produção, levando à sobre-exploração dos recursos marinhos.
O desmonte parcial das políticas de fomento gerou uma queda na produção,
abrindo possibilidades de recomposição do cardume na costa brasileira.
Pós-1990, muitas embarcações reduziram suas atividades produtivas, pois não
era mais rentável manter a pesca sem os incentivos e subsídios (Dias Neto, 2003).
O problema da sobre-exploração não pode ser associado apenas aos resul-
tados das políticas públicas comandadas pela Sudepe, mas sim à lógica capitalista
da busca pela acumulação incessante. Sem mecanismos regulatórios e proibi-
tivos que limitem as iniciativas dos empresários ligados às atividades pesqueiras,
suas ações sempre serão pautadas na maior produção possível. A extinção da Sudepe –
que tinha a função de fomentar – e a criação do Ibama – que por natureza é um órgão
fiscalizador – geraram um impasse no setor. O problema foi reposto a partir de 2003,
com a criação da Seap/PR.
Sudepe e Ibama, duas importantes instituições, trazem uma trajetória de
aprendizado para ser aplicado nas atividades pesqueiras no Brasil: o fomento
regulado. A grande lacuna deixada pela Sudepe foi o pouco incentivo destinado à
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REFERÊNCIAS
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1998. Tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,
Piracicaba, 1998.
BRASIL. Mensagem ao Congresso Nacional enviada pelo presidente da
República Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: CRL, 1956.
Disponível em: <https://goo.gl/z59rWW>. Acesso em: 10 nov. 2013.
______. Relatório do Ministério da Agricultura. Rio de Janeiro: Serviço de
Informação Agrícola, 1961. Disponível em: <https://goo.gl/HmMzgr>. Acesso
em: 10 nov. 2013.
CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último
quarto do século XX. São Paulo; Campinas: Editora da Unesp; IE/Unicamp, 2002.
CARVALHO, E. M. T.; SANTOS, E. S. Análise conjuntural dos dezoito anos
da Sudepe. Brasília: Sudepe, 1980.
DIAS NETO, J. Gestão do uso dos recursos pesqueiros marinhos no Brasil.
Brasília: Ibama, 2003.
______. Pesca no Brasil e seus aspectos institucionais: um registro para o futuro.
Revista Cepsul: Biodiversidade e Conservação Marinha, Brasília, v. 1, n. 1,
p. 66-80, 2010.
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as políticas públicas voltadas às atividades pesqueiras no Brasil 409
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRASIL. ______. Ministério da Agricultura. Relatório do Projeto Programa de
Desenvolvimento Pesqueiro. Brasília: Ministério da Agricultura, 1979.
SICON – SISTEMA DE INFORMAÇÕES DO CONGRESSO. Sicon – Pesquisa
Básica. Senado Federal, Brasília, [s.d.]. Disponível em: <https://goo.gl/GLZEX1>.
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as políticas públicas voltadas às atividades pesqueiras no Brasil 411
ANEXO A
TABELA A.1
Produção total de pescado de águas continentais e marítimas no Brasil (1960-2002)
Águas continentais Águas marítimas Total
Ano Órgão gestor
(t mil) (%) (t mil) (%) (t mil)
1960 54,0 19,0 220,0 81,0 274,0
DCP/Ministério da Agricultura
1961 60,0 18,6 263,0 81,4 323,0
1962 66,0 16,4 337,0 83,6 403,0
1963 78,0 18,7 339,0 81,3 417,0
1964 95,0 25,2 282,0 74,8 377,0
1965 94,5 24,2 294,8 75,8 388,8
1966 87,3 22,2 305,8 77,8 393,1
1967 91,8 21,9 327,9 78,1 419,7
1968 106,9 21,6 388,2 78,4 495,1
1969 112,2 22,8 380,0 77,2 492,2
1970 103,5 20,0 413,7 80,0 517,2
1971 97,4 16,8 483,3 83,2 580,7
1972 116,4 19,1 492,5 80,9 608,9
1973 84,1 12,0 614,6 88,0 698,7
1974 168,1 23,2 557,8 76,8 725,9
1975 173,5 22,8 586,2 77,2 759,7
Sudepe
1976 144,8 22,0 514,0 78,0 658,8
1977 168,4 22,4 584,2 77,6 752,6
1978 160,1 19,9 646,2 80,1 806,3
1979 126,7 14,8 731,5 85,2 858,2
1980 186,7 22,7 636,0 77,3 822,7
1981 197,3 23,7 635,8 76,3 833,1
1982 206,4 24,8 627,5 75,2 833,9
1983 205,4 23,3 675,3 76,7 880,7
1984 211,5 22,1 747,4 77,9 958,9
1985 221,1 21,7 760,4 78,3 971,5
1986 207,2 22,0 734,5 78,0 941,7
1987 230,2 24,6 704,2 75,4 934,4
1988 205,2 24,7 624,9 75,3 830,1
1989 219,5 27,5 579,1 72,5 798,6
1990 203,1 31,8 435,4 68,2 638,5
1991 202,0 30,2 467,7 69,8 669,7
1992 198,1 29,7 469,8 70,3 667,9
1993 201,6 29,9 472,3 70,1 673,9
Depaq/Ibama
1994 217,7 31,2 479,7 68,8 697,4
1995 187,6 30,9 419,1 69,1 606,7
1996 201,8 31,9 430,7 68,1 632,5
1997 168,7 26,2 475,9 73,8 644,6
1998 158,6 26,2 447,9 73,8 606,5
1999 158,9 26,3 445,0 73,7 603,9
2000 160,9 24,1 506,0 75,9 666,9 DPA/Mapa
2001 167,6 22,9 562,7 77,1 730,3
2002 168,3 22,3 587,3 77,7 755,6
Fonte: Sudepe, IBGE e Ibama.
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