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Claas Balers VARIANT 360 - 385 Technical System

Claas Balers VARIANT 360 - 385


Technical System
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**Claas Balers VARIANT 360 - 385 Technical System** Size: 4.52 MB Format:
PDF Language: English Brand: CLAAS Type of Machine: Balers Type of
document: Technical System, Hydraulics & Electrics System Model: Claas
VARIANT 360 - 385 Balers Contents: Claas Balers VARIANT 360 - 385 Electrics
System_0002941252 (12/2006) Claas Balers VARIANT 360 - 385 Hydraulics
System_0002941211 (11/2006)
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VI

De cada vez, tinhamos sempre que trocar um mundo de


pensamentos novos. Recontava-m'o-nos fadigas da espera, tristezas
da auzencia, aspirações da esperança, e o quanto era consolativo
para amantes separados, o pensar incessante um no outro.{17}
Fanny sobre tudo se deixava levar desta união espiritual com toda a
expansão d'uma alma juvenil. Recebia as confidencias da minha
ternura, como efluvios de incenso, que a immergiam n'uma especie
de torpor dulcissimo. Com mudos raptos de gratidão, rosadas as
faces, palpitantes as azas nazaes, sorrindo no olhar embaciado,
maravilhava-se ella da abundancia de minhas palavras, como
imagens graciosas que volitassem dos meus labios. Não a fatigava o
ouvir-me.—Mais, mais, ó meu Roger!—dizia ella. E, encostando o
cotovelo á almofada, inclinada a fronte na mão, requebrado o corpo,
os pés a resvalarem, anediando-me a testa e os cabellos, olhava-me
com tanta fixidez, como se quizesse esmirilhar os mais subtis
lineamentos da minha alma. Entretanto, eu, de joelhos, com as
mãos juntas, sorria de prazer como creança amimada, e cuidava que
assim era o identificarem-se nossas almas n'um apertar vago e dôce,
com estremecimentos voluptuosos.
VII

No instante em que ella ia sahir, era então o irromper minha alma


em explosões de amor e angustia. E ella, pensativa, fitava nos meus,
com ternura, seus olhos azues e lympidos. Tomava-me
affectuosamente{18} as mãos, que eu lhe disputava, voltando-me
arrufado. Fazia-me graciosamente sermões maternaes. Acariciava-
me com bondade, abraçava-me, ia e vinha para abraçar-me ainda.—
Tornarei a vêr-te?—exclamava eu com tristeza.—«Cala-te, Roger,»—
respondia-me, abafando a voz n'um beijo. Por fim, comprimia-a
longo tempo ao coração; e, quantas vezes, ao apartar-m'o-nos
assim, sentiamos calidas lagrimas a cahirem nos labios de ambos!
VIII

A minha vida ia com ella. Melancolicamente encostado ao peitoril


de minha janella, via-a por entre as fisgas das persianas, passar na
rua.

Lá ia vagarosa, simples, tranquilla, bella. As duas fimbrias de seu


véo fluctuavam-lhe docemente sobre os hombros, acarinhando-lhe
de cada lado a face.

A barra do vestido, relevada de folhos de seda, sussurrava com o


movimento. Com ambas as mãos ajustadas sobre a cintura,
comprimia as dobras da cachemira que a involvia desde a nuca até
ao artelho. Nunca se voltava. Encostava-se ao longo das paredes
para evitar o embate dos caminheiros. Emfim, chegando ao angulo
da rua, desapparecia; e{19} eu atirava-me sobre o leito, escondia nas
mãos o rosto, avocando, hallucinado, todas as minhas
remeniscencias esparsas para ainda assim me illudir com possuil-a.
IX

A primeira vez que ella ahi veio, não se espantou, mas examinava
tudo o que a rodeava, e em tudo bulia, com certo acanhamento.
Havia lá espadas de combate dispostas em tropheu. Lembra-me que
ella reparou n'isso.

Tambem se deteve diante de um retrato de minha mãe, que tinha


sido formosissima, e deante da minha escrivaninha, coberta de livros
e de cartas. Mas, com discrição cheia de graça, passou, sorrindo,
sem tocar nas cartas.
X

Eu era feliz! Desprezava quantos não eram eu, porque ella os não
amava! De longe e de cima olhava{20} o mundo. De tudo segregado,
tudo via d'alto, mas com indifferença, tumido de orgulho. Parecia-me
que sobre mim convergiam os perfumes todos da terra e sorrisos do
céo. Nos olhares que se encontravam com os meus, chammejavam
os fulgores da inveja; e o murmurar confuso das turbas agitadas,
rumorejava aos meus ouvidos como acclamações longinquas.

A imagem de Fanny absorvia-me a memoria, e desprendia-se de


meus pensamentos todos. Era, a um tempo, mais irritante que um
sonho, e mais consoladora que a esperança. Nunca eu antevera
seduções tamanhas em humana creatura, tantas delicadezas n'um
coração, tanta graça na reserva, tanto pudôr na renuncia de si!

Mescla de enthusiasmo e arrobamento, de illusões e desalentos,


de melancolia e criancice, fôra o bastante a conquistar-lhe o amor.
Parecia-me, todavia, pouco esmerada em attenções e cuidados. Tão
amada, por certo, tinha sido ella! Bella ainda, mais bella do que
talvez se cria, augmentava cada uma das suas graças com o esforço
timido que punha em evitar a apathia, que presentia de longe, com
a vinda dos novos annos.

Dias tinha ella em que era possivel traduzil-a nos olhos, quando
cerrava os labios n'uma expressão de meditar mais affectuoso,
quando seus cabellos, fluctuando-lhe sobre as fontes emaciadas, em
flacidas spiras, as envolviam com uma especie de suave piedade.
Contemplava-lhe eu então as mãos candidissimas, e figuravam-se-
me duplicadas, para que suas ultimas caricias fossem mais copiosas
e maternas.{21} Escutava ancioso os suspiros que lhe sahiam do
peito opprimido: tinha-os como protesto surdo do coração que
reagia ainda á indifferença, desejando-a acaso como repouso, e
expedia a sua mais bella flamma, antes de retrahir-se em si para
morrer.
XI

Eu era feliz! Mas a desgraça já vinha perto. Até então com a


delicadeza mais de incarecer, Fanny poupara-se sempre a fazer,
diante de mim, a menor allusão a seu marido. Com uma pouca de
bemquerença, conseguira eu phantasial-a livre e minha, sem
partilha. Tão pudicamente se me déra ella! Foi como rainha, sem
nada mercanciar do que não podia ser vendido.

Um dia, porém—como isto foi, não sei!—ressoou suavemente nos


labios d'ella o nome de um filho seu, e, em seguida, não pôde deixar
de fallar-me d'elles.

Adorava-os com tão furioso amor, que me abandonaria se me eu


não comprazesse em ouvil-a repetir-me mil cousas pueris, tocantes a
seus filhos. Por mim fingia-me vivamente interessado n'esses contos,
que ella contava como abundancia extraordinaria de coração; eu,
porém, escutava-lhe mais a musica das palavras que as idéas. Eu
adorava-lhe a{22} voz magica e melodiosa. E, de mais, eu era um
tanto cioso de tudo que ella amava.

Fallava-me, pois, de seus filhos. O mais novo soffrêra d'uma


epidemia passageira, e eu quasi que odiei essas criancinhas pelo
unico delicto de se aconchegarem comigo no ninho de amor do
mesmo coração. O que ella então fez forçou-me a reflectir mui
amargamente sobre a affeição que uma mãe póde dar a um homem.
Esteve sem me vêr seis semanas. Não desamparou esse berço sobre
o qual se estorcia o dôce thesouro vivo, formado do proprio sangue
do seu coração. Escreveu-me quatro linhas apenas, admoestando-
me a soffrer com ella. Homem orgulhoso que pertendes dominar,
unico, sobre o coração d'uma mulher! aos menores vagidos de uma
creança, vê que lição te dá a natureza!

Á força de pensar n'esta creança, entrei a pensar no marido de


Fanny; e, a meu pesar, d'ahi a pouco, já não pensava senão n'elle.
Nunca o tinha visto. A mim que se me dava, n'outro tempo, de vêr o
homem que lhe dava o braço, para entrar no baile, e discretamente
se sumia na multidão logo que um circulo de admiradores a
compelliam a isolar-se d'elle?

A ella amava, a ella sómente eu via, por ella vivia... que me


importava o marido d'ella?

Restabelecido o menino, Fanny, mais affectuosa e linda, ao


primeiro dia que me vio não percebeu que em mim havia um novo
homem; adivinhou, porém, que uma preoccupação secreta me
alvoroçava, emquanto eu, silencioso, lhe corria a mão sobre o braço
nu. De repente, varada por cruelissima suspeita,{23} repulsa-me,
ergue-se, e, voz em grita, jura que eu a atraiçoara.

Sorri com doçura a esta louca arguição; e, tomaado-lhe a mão


como convite a sentar-se, simplesmente lhe disse que hesitava em
pedir-lhe novo favor, com receio de ser indiscreto.

—Que é?—disse ella, affastada ainda, e cravando-me um olhar de


surpreza.

Respondi que as seis semanas de solidão me haviam feito reflectir


tristemente sobre a nossa imprevidencia; que sem suspeitarmos que
incidente algum podésse apartar-nos, nunca nos cohibiramos de nos
aproximarmos. Finalmente, com um embaraço que eu não podia
dominar, balbuciei:

—Por que não sou eu admittido em tua casa? Bem sabia ella que
eu dissimulava a minha idéa, fallando assim: por que, de subito,
resplandeceu de sorrisos, e lançando-me ao pescoço ambos os
braços com vehemencia, confessou, córando, que, desde o primeiro
dia, anciára sempre o vêr-me em sua casa.

—Por que m'o não dizias? repliquei eu, acariciando-a. Respondeu-


me, fazendo gesto pueril de amuada, expediente malicioso das
pessoas que querem ser adivinhadas. E eu, doido com os projectos
da convivencia, communicava-lh'os aos labios por entre beijos...
Vêr... amar os filhos d'ella...

Já Fanny redobrava de elegancia o salão mais intimo em que seus


amigos eram unicamente recebidos. Que ventura poder, quasi todos
os dias, reunir em volta de si, os objectos todos de sua mais viva
affeição! D'ora em diante não seria obrigada{24} a tirar o
pensamento de seus filhos, para ir em busca da minha imagem
atravez do espaço, trazel-a para o meio d'elles, e fazel-a docemente
resplandecer n'esse recinto delicioso, decorado por ella só, a seu
bel-prazer. Eu de mim terei d'ora avante um maior logar—não em
seu coração que não é possivel—mas em sua vida, e tomarei
quinhão immediato em todos os seus jubilos, como em todas as
suas maguas. Era um bonito sonho!
XII

Concordamos em acceitar eu o convite de uma amiga d'ella, que,


todas as semanas convidava a jantar.

—Ahi nunca vae muita gente—disse ella—poderás facilmente ligar-


te comnosco.

Comnosco!... Era a primeira vez, que, n'uma só palavra, ella


associava comsigo innocentemente o marido, sem dar fé da angustia
que esta alliança me causava. Querida Fanny! eu sentia-me
empallidecer sob uma oppressão indefinivel, e ella purpureava-se de
contentamento. Depois d'aquella palavra, terrivel para mim, e sem
valor para ella, ergueu-se. Tinham decorrido as duas horas.
Separamo-nos. Com ella foi a confiança; comigo ficou a esperança
horrivel.{25}
XIII

Sim, esperança horrivel! porque eu não sei exprimir o que


reluctava em mim de duvida, anceio, e azedume meditando que ia
vêl-a emfim sob os olhos de quem lhe governava a vida.

Tudo isto se misturava em meu coração como venenos e contra-


venenos, e d'esta abominavel mistura, fumavam vapores d'um travor
tal, que eu me sentia na cabeça latejar o cerebro, e os joelhos
vergavam sob mim.

Isto nada era, comparado ao que eu devia experimentar n'essa


estreitissima meza, onde á claridade dos globos, nenhum conviva
poderia esconder os pensamentos que lhe franzissem a fronte. Ao
principio, nada vi, e respondi ao acaso ás perguntas que me fizeram.
Comia machinalmente. Esforçava-me por ser attencioso e polido;
mas denotava mais inquietação que o assassino que se vê em risco
de ser descoberto.

Atordoado pelo tinido dos copos, pelo estrepito da baixella, pelo


atrito das porcelanas, pelo reverbero das luzes nas tampas brunidas
das terrinas, pelo vai-vem dos creados pressurosos que serviam,
sem dizer palavra, e se moviam sem rumor d'um passo, como
sombras negras de luva branca; e suffocado pela athmosphera calida
da sala impregnada de evaporações penetrantes, misturadas com o
odor do vinho e o das flôres, eu não olhava Fanny, nem mesmo a
escutava. Tornou-se-me insopportavel a par de mim a presença
d'ella: era como um peso que me abafava.
E tambem o não encarava a elle, elle, que eu viera procurar, de
tão longe, com o desejo e terror{26} de conhecel-o. Inceguecido por
visões funebres, eu não podia vêl-o, com quanto elle estivesse
defronte de mim.

De repente recobrei a minha lucidez sentindo um pé de mulher


rossar o meu, e comprimil-o brandamente. Era ella a prevenir-me da
minha preoccupação visivel de mais. Dirigi-lhe um lanço d'olhos
agradecido; e, encostando-me ao espaldar da minha cadeira,
contemplei detidamente aquelle que mal sabia que possante
interesse ingendrára em mim o estudo da sua pessoa.
XIV

Era uma especie de touro com face humana. De estatura


mediana.

Quando comia, atirava para diante, as espaduas robustas, e a


cadeira gemia sob a gravosa flexão dos seus encontros
quadrangulares. Eu via-lhe do meu logar, na testa, os arcos
carregados das sobrancelhas hirtas de cabellos grossos, e abaixo
fulgurava-lhe um olho pardo e luzidio d'aquelle brilho metalico que
reluz na pupila impassivel dos carnivoros.

Comia, ás mãos juntas, mãos carnudas e curtas, e levantava os


cotovêlos para melhor pezar sobre a faca brilhante, e sobre o cabo
do garfo. Entre{27} cada prato respirava largamente, limpava a boca,
e bebia a longos sorvos grandes copos de vinho estreme.

Não tinha má cara, nem vulgar. O aspecto era de força. Todo elle
denotava pujança extraordinaria de musculos. A superficie das faces
e queixo perfeitamente escanhotado, apparentava regidez
marmorea, e a fronte rasgada, limpida, cercada de cabellos negros
já betados de russas, revelava um espirito de vontade cheio de
rectidão e persistencia.

Era affectuoso o sorrir d'elle, e o olhar desmalicioso, porém claro


como cristal. Incarava-vos de face, nos olhos, de um modo tal, que
vos julgarieis felizes, evitando esse espelho de aço incommodativo á
força de franco. O que elle tinha era dar cascalhadas estridorosas,
repuchando em sacões os peitoraes acima da cintura apertada, e
descompondo para traz a cara vermelhaça. Era grave e sonora a sua
voz; o gesto tranquillo, e um pouco sombrio. Tinha bonitos dentes,
unhas rosadas, brilhantes e bem feitas; em fim, dominava n'aquelle
todo um ar de inteireza e aceio.

Pareceu-me ter quarenta annos.

Primeiro, ao vêl-o, fiquei como humilhado: corri-me de entrar em


rivalidade com natureza tão possante. Involuntariamente me
confrontei com elle, eu, a par d'elle tão franzino, como o seriam
quasi todos os rapazes da minha idade. O que havia em mim de
debilidade nervosa, e fineza de raça, e de elegancia, amesquinhava-
se em comparação d'aquella riqueza de sangue, pujança de fórmas,
e virilidade{28} fria e pacata. Eu era como um sylpho contemplando,
assombrado, a estatua d'um gigante. Ao pé d'elle que homem era
eu? Forte e gentil expressão de homem era sómente elle, eu não.

E, mais cruel ainda para commigo mesmo, passava depois a


comparação de mim para ella. E, vendo-a sentada ao meu lado,
dôce e loura como Eva, candida como uma virgem, com aquella
cintura de fada, e aquelle colo requebrado em languor, e todo
aquelle ar de timidez que lhe impanava a face adoravel como a
sombra d'um vapor... vendo-a assim, e tão delicada no pensar,
perguntava-me, eu, phrenetico, como é que ella poderá amar tal
homem? Violenta associação de duas naturezas que entre si não
tinham um ponto só de contacto! Irmanavam-se com a seda e com
o ferro!

Oh! Desdemona!—me dizia eu—que Othello escolheste! Mas mal


sabia Fanny que furor raivava ao seu lado! Dirigia-me placidamente
a palavra, olhando-me com ar de simples, e affastando com sua mão
alvissima os louros anneis que lhe volteavam como plumas sobre a
fronte. E fallava-lhe a elle, sem turvação nem embaraço... e dizia-
lhe: meu amigo, deante de mim.

E elle, com menos embaraço ainda, lhe respondia, todo attenções


e deferencia, com ar, porém, de grande superioridade.
O Hercules via n'ella um ser perigrino, mas absurdo: e por isso o
que lhe dizia eram bagatellas, com ar amavel e paternal, como os
pais as dizem aos filhinhos curiosos.{29}
XV

Terminado o jantar, e passados os convivas á sala grande, e


sentados em redor das bancas do whist, avisinhei-me lentamente de
Fanny que aquecia os pés ao fogão.

Encostei-me ao rebordo da chaminé; e, com palavras de ternura


que lhe dizia a meia voz, intrometti coisas frivolas ditas em voz alta.
Deste logar via eu as costas dos jogadores inclinados sobre as
bancas em que flammejavam as velas, involtas dos seus quebra-luz,
e incravadas em magnificos castiçaes de prata; ouvia o ruido dos
tentos de madre-perola, e o murmurio dos equivocos que os
parceiros se trocavam. Cuidava eu que estariamos assim a seguro de
reparos, com alguma astucia, até porque a dona da casa fôra para o
fundo da sala dedilhar no teclado do piano. Novo encanto unido a
outros tantos era aquelle dos accordes ondeando o ar, a um tempo
que as secretas melodias do amor, mais melodiosas ainda, cantavam
em nós. Porém, separando-se do grupo dos jogadores junto ao qual
até então estivera de pé, o meu rival dirigiu-se a nós com semblante
gracioso, e o mais natural possivel, e perguntou-nos em que
fallavamos. Com melindrosa urbanidade, que excluia todas as{30}
maneiras familiares e nos distanceava um do outro, mas com serena
voz e ares cortezes, entrou elle a dirigir a conversação e eu não
pude deixar de acompanhal-o.

Por entre as melodias da muzica, e a ternura das vibrações, de


que elle não dava fé, fallou-me de caça, theatros, cavallos, que sei
eu! não deixando mesmo de entrar no amago dos assumptos banaes
que eu imprudentemente escolhêra, mas que o interlocutor me
condemnava a repetir, como se elle os julgasse unicos dignos de
mim.

Dei-lhe duas ou tres respostas bastante arguciosas, e elle


applaudiu-as com os olhos, honrando-me com um gesto de
assentimento.

Assim pois que era eu para elle um instrumento assaz futil com
cujas cordas brincava rossando-as com as pontas dos dedos. Se elle
soubesse que em meu coração havia uma d'aquellas cordas, cujo
som horrivel podia restrugir-lhe nos ouvidos, e insurdecêl-o!

Mais tarde, vi-o assentado ao lado d'ella, na sombra que fluctuava


em redor do clarão dos castiçaes. Sem me vêr a mim, nem a
outrem, nem a ella, apertava-lhe machinalmente a mão, scismando
talvez em não sei que. E eu, contemplava aquillo, como o mais
estranho e monstruoso dos espectaculos. Em quanto a ella, fixando
os olhos nos meus, estava livida como uma estatua de marfim; mas
não ousava balbuciar, nem fallar, e consentia.{31}
XVI

Desde essa noite, uma só preoccupação me dominou—dissipar do


meu cerebro a imagem do que vira. Quiz, á custa de tudo, esquecer
aquillo que me humilhava e esmagava o coração. Como eu me
castigava do que fizera! Absurda cubiça de conhecer o que ella tão
de siso me escondera, e que eu devia ignorar sempre!

—Oh! não—me dizia eu—nunca mais ouvirei fallar deste homem


temivel; nunca mais lhe encontrarei os olhos dominantes; nunca os
nossos halitos hão-de encontrar-se na atmosphera da mesma sala;
nunca mais, deante de mim, ha-de a mão d'elle apertar a tua, ó
mulher serena e docil!

Tres dias depois, quando veio a minha casa, não viu ella em mim
mudança alguma. A colera, a pouco e pouco, enchera-me de suas
fezes a alma; mas dôr era esta que simulava a quietação da paz.

Com apparencias de socegado, sentia-me ferido de morte.


Golpeado no coração, conservava o meu aspecto antigo, como
aquelles fructos escarlates cuja pele fina e tenra cobre carne que
devora um verme invisivel. E assim, de nada suspeitou Fanny.
Todavia, como eu lhe fallava d'ella, de mim, de tudo em summa,
excepto do que mais a preoccupava,{32} Fanny parecia esperar
anciosa. Por ultimo, no extremo da minha contrafeita eloquencia,
propellido pelo anceio de vingar-me d'uma dôr nunca experimentada
e cuja causa innocente ella era, lhe disse com amargura:

—Tu queres saber o que eu penso de teu marido, e talvez que te


dês por venturosa se o juizo que esperas não lhe fôr desfavoravel.
Mas, Fanny, tu nunca has-de saber o sentimento que elle me inspira.

Pareceu-me que, ao ouvir-me estas palavras, todo o sangue do


coração lhe refluiu á face. Pobre mulher conciliadora! tanta alegria
em chamar-me a sua casa, para me vêr mais a miudo, para me unir
a todos os entes doces e queridos que lhe decoravam o coração!...

—D'onde vem essa mudança, Roger?—murmurou ella com penoso


esforço.

«D'onde vem?!» exclamei eu infurecido... mas vi-lhe então o rosto


innundado de lagrimas; e logo, cahindo a seus pés, abraçando-a
pelos joelhos, disse-lhe brandamente:

«É que eu sou horrivelmente desgraçado, Fanny!... É porque me


devoram ciumes...

Ergueu-se de subito, como estupefacta, sem me repellir. Reteve-


me ajoelhado, pesando-me sobre os hombros com as mãos: eu
permanecia de joelhos, sem a comprehender. Fitou-me por largo
espaço, profundamente, explorando os intimos arcanos de minha
alma inquieta. Depois ergueu ligeiramente os hombros; e, baixando-
se para me apertar a face ao seio, exclamou:{33}

«Filho, meu pobre e querido filho!»

E desde ahi, não tornou mais a fallar, por si mesma, neste


assumpto.

Eu, porém, pensava n'elle incessante e dolorosamente, sem poder


abster-me de o recordar. Affagava-me então ella, e reprehendia-me.
«Perdes o tempo»—dizia-me, sorrindo-me, e abraçando-me, se me
eu detinha muito na exposição das minhas tristezas. E seus braços
se me inroscavam no pescoço com ameigadora volupia, com a
fascinação dos olhos me violentava a olhal-a, com graciosa e
morbida ternura collava aos meus seus labios. Mas tudo em vão. Já
se não franziam meus labios para saborear beijos d'amor; agora era
o confrangerem-se soluçando gemidos.

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