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TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Atualizado em 26.12.2019

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 2
2. CONCEITO E ABRANGÊNCIA ..................................................................................................... 2
Direitos fundamentais X Garantias fundamentais .......................................................................... 7
Direitos fundamentais x Direitos humanos .................................................................................... 8
3. TITULARIDADE ............................................................................................................................ 8
4. CARACTERÍSTICAS .................................................................................................................. 10
5. GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................... 14
6. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................ 18
7. APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................ 19
Proibição de proteção insuficiente (proibição de proteção deficiente,
proibição de insuficiência ou proibição por defeito) ..................................................................... 20
Princípio da reserva do possível x Mínimo existencial ................................................................. 21
Princípio da vedação do retrocesso (efeito cliquet) ..................................................................... 24
8. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................ 26
Dimensões .................................................................................................................................. 26
Teoria dos quatro status de Jellinek ............................................................................................ 28
Eficácia dos direitos fundamentais em sentido estrito ................................................................. 30
Teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais.................................................................. 31
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais no Brasil ............................................................ 34
9. CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS JUSTIFICADORAS................................................................... 39
10. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................... 40
11. LIMITAÇÕES E RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .......................................... 45
12. TEORIA DOS DEVERES FUNDAMENTAIS ............................................................................. 51
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTÁ ENTRE OS TRÊS PONTOS MAIS COBRADOS EM


PROVAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL PARA A MAGFED E MPF! TODOS OS TÓPICOS SÃO
MUITO IMPORTANTES!

Legislação
Arts. 5º a 17; 60, §4º; 150, III, “b”; 170; 196; 205; 207; 225; 227, todos da CFRB

Jurisprudência
O tema possui diversos julgados importantes. Como forma de facilitar a busca, sugere-se pesquisa
no Buscador Dizer o Direito através da categoria – Direito Constitucional, subcategoria – Direitos e
garantias fundamentais.

1. INTRODUÇÃO

Direitos fundamentais, ao lado de controle de constitucionalidade, é, sem dúvida, um dos


temas mais importantes da grade de Direito Constitucional.
2
Neste material, abordaram-se várias nuances da teoria geral dos direitos fundamentais, a fim
de que o aluno tenha contato com as principais teses e possa, com isso, além de acertar as questões
objetivas, desenvolver uma boa dissertação em provas discursivas, caso o tema seja cobrado.

2. CONCEITO E ABRANGÊNCIA

Pode-se conceituar os direitos fundamentais como aqueles essenciais e indispensáveis à


existência digna, livre e igual da pessoa humana.

IMPORTANTE

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o
respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabeleci-
mento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definido
como direitos fundamentais.1

Constituem-se, pois, de “limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos
do Estado Federal, sendo um desdobramento do Estado Democrático de Direito”.2

1 Constituição Federal Comentada. Alexandre de Moraes e Outros. 2018.


2 Direito Constitucional. Rodrigo Padilha. 2018.
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Obs. O termo "direitos fundamentais" apareceu inicialmente na França do século XVIII, no


curso do movimento político-cultural que levou à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
em 1789.

A expressão está positivada no Título II, da CF/88 e abrange cinco Capítulos:

a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.º);

b) direitos sociais (arts. 6.º a 11);

c) direitos à nacionalidade (arts. 12 e 13);

d) direitos políticos (arts. 14 a 16);

e) partidos políticos (art. 17).

Embora constem de positivação específica na CF/88, os direitos fundamentais não se restrin-


gem estreitamente a ela, podendo ser também identificados ao longo do texto constitucional. A leitura 3
constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais abrange direitos ambientais (art. 225), di-
reitos econômicos (art. 170 e incisos), direitos relacionados à educação (art. 205), direitos relaciona-
dos à saúde (art. 196), entre outros. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 939-7/DF,
expressamente reconheceu a anterioridade tributária (art. 150, III, “b”) como um direito individual do
contribuinte.

O art. 170, inciso VI, da Constituição de 1988, inclui entre os princípios da ordem econômica
da República Federativa do Brasil a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento dife-
renciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração
e prestação. Esta afirmação foi assertiva de questão na prova de Juiz Federal da 2ª Região, no
ano de 2018. Aqui há uma preocupação no desenvolvimento econômico, mormente representado
pelo segundo e terceiro setor, desde que haja consonância com a preservação ambiental.

Como foi cobrado em prova

TRF – 2ª Região – Juiz Federal

Assinale a opção que, corretamente, lista princípios que a Constituição assenta para a ordem eco-
nômica:
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a) Soberania nacional, propriedade privada, livre iniciativa e tratamento favorecido a empresas bra-
sileiras de sócios nacionais.

b) Livre iniciativa, tratamento favorecido a pequenas empresas com sócios nacionais, defesa do meio
ambiente, defesa do consumidor e redução das desigualdades sociais.

c) Soberania nacional, livre concorrência, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades re-
gionais e livre iniciativa.

d) Defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, defesa da atuação do estado como agente
regulador e produtor na economia, defesa da concorrência, propriedade privada e função social da
propriedade.

e) Soberania nacional, propriedade privada, livre iniciativa e tratamento favorecido a empresas bra-
sileiras de sócios nacionais.

Gabarito: C. A resposta está na CF/88, art. 170, caput e incisos.


4
O rol de direitos fundamentais elencado na Constituição deve ser considerado apenas como
exemplificativo (numerus apertus), não com um rol exaustivo (numerus clausus).

IMPORTANTE

A “dupla fundamentalidade dos direitos fundamentais”

Conforme especifica a doutrina especializada3, os direitos fundamentais podem ser compreendidos


em sentido formal e material, como objetos de especial dignidade e proteção.

Em sentido formal, são direitos fundamentais aqueles direitos localizados em um plano normativo
especial: a Constituição. Por sua vez, são direitos materialmente fundamentais a base axiológica, a
estrutura de valores vigentes em uma sociedade.

De modo geral, os direitos fundamentais em sentido formal podem, acompanhando Konrad


Hesse, ser definidos como aquelas posições jurídicas da pessoa (na sua dimensão individual
ou coletiva) que, por decisão expressa do Legislador-Constituinte foram consagradas no catá-
logo dos direitos fundamentais. Por outro lado, direitos fundamentais em sentido material são

3 Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet; Luiz Guilherme Marinoni; Daniel Mitidiero. 2016.
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aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo, por seu conteúdo e por sua importân-
cia, podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente) fundamentais.

A fundamentalidade de tais direitos implica um regime jurídico definido a partir da própria


constituição, seja de forma expressa, seja de forma implícita, e composto, em especial, pelos seguin-
tes elementos:

(a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos situam-se no ápice de todo o
ordenamento jurídico, gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais;

(b) na qualidade de normas constitucionais encontram-se submetidos aos limites formais (pro-
cedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF);

(c) as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma ime-
diata o Estado e, mediante as necessárias ressalvas e ajustes (conforme estudaremos adiante), tam-
bém os atores privados (art. 5º, § 1º, da CF).

Como foi cobrado em prova 5

MPE/PR: A caracterização de um direito como fundamental não é determinada apenas pela relevân-
cia do bem jurídico tutelado por seus predicados intrínsecos, mas também pela relevância que é
dada a esse bem jurídico pelo constituinte, mediante atribuição da hierarquia correspondente (ex-
pressa ou implicitamente) e do regime jurídico-constitucional assegurado às normas de direitos fun-
damentais.

CERTO

Outrossim, nos termos do § 2º, art. 5º da CF/88:

Art. 5º. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte.

Como foi cobrado em prova

FCC DPE/BA: A cláusula de abertura material do catálogo de direitos fundamentais expressa no §


2º do art. 5º da Constituição Federal não autoriza que direitos consagrados fora do Título II do texto
constitucional sejam incorporados ao referido rol.

ERRADO
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Para além de corroborar a natureza exemplificativa do rol de direitos fundamentais, o texto


constitucional atesta a existência de direitos fundamentais implícitos, posto que “decorrentes do
regime e dos princípios” constitucionalmente adotados.

É com fundamento nesse dispositivo que o STF assegurou, por exemplo, a proteção familiar
a pessoas do mesmo sexo.

A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo
de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo
interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do
direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos.
Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da CF, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente
listados na Constituição, emergem "do regime e dos princípios por ela adotados" (...).4

Adiante, a CF/88, alterada pela EC 45/04, eleva ao status de direitos constitucionais, os direi-
tos previstos em tratados e convenções sobre direitos humanos, aprovados sob o rito específico
equiparado ao necessário à aprovação de uma emenda constitucional.

Art. 5º. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos mem- 6
bros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Nessa esteira, incorporou-se ao ordenamento constitucional a Convenção Internacional sobre


os Direitos das Pessoas com Deficiência, primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo
previsto no art. 5º, § 3º, da CF, o qual foi internalizado por meio do Decreto presidencial 6.949/2009.

Obs. 1: O STF posiciona-se no sentido que os tratados e convenções internacionais de direitos


humanos aprovados pelo procedimento ordinário (art. 47, CF5) teriam, por sua vez, uma hierarquia
supralegal, isto é, estariam situados abaixo da Constituição, mas acima da legislação ordinária.

À vista disso, foi editada a Súmula Vinculante 25:

Súmula Vinculante 25 – É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a moda-
lidade do depósito.

Segundo o STF:

4STF. ADI 4.277 e ADPF 132, rel. min. Ayres Britto, j. 5-5-2011, P, DJE de 14-10-2011.
5Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões
serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
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(...) desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José
da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do
depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos huma-
nos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição,
porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais
de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infra-
constitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocor-
reu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o DL 911/1969, assim como em relação
ao art. 652 do novo Código Civil (Lei 10.406/2002).6

Obs. 2: Ainda, consoante o STF7, a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de


Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26-6-1991 revela-se,
igualmente como norma supralegal, de hierarquia intermediária.
7
MUITO IMPORTANTE

Sintetizando:

 Tratados e convenções internacionais de direitos humanos, aprovados em cada Casa do Con-


gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros: natureza
constitucional – equivalentes às emendas constitucionais.

 Tratados e convenções internacionais de direitos humanos, aprovados pelo procedimento ordinário:


status supralegal, situando-se entre as leis e a Constituição.

 Tratados e convenções internacionais que não versem sobre direitos humanos: incorporam o or-
denamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária.

Direitos fundamentais X Garantias fundamentais

Fundamentalmente, conforme visto acima, define-se os direitos fundamentais como as prer-


rogativas essenciais de proteção à dignidade dos particulares, em face do Estado – disposições
declaratórias.

6 RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, j. 3-12-2008, P, DJE de 5-6-2009.
7 HC 97.256, rel. min. Ayres Britto, j. 1º-9-2010, P, DJE de 16-12-2010.
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Por sua vez, as chamadas garantias fundamentais – disposições assecuratórias – são instru-
mentos constitucionais idealizados para assegurar efetividade e proteção aos direitos fundamentais,
veiculando um “meio” em defesa de um direito substancial.

Direitos fundamentais x Direitos humanos

Embora seja possível encontrar doutrina que utilize as expressões como sinônimas, a expres-
são “direitos humanos” é mais comumente associada a “direitos do homem” e aos direitos naturais,
acompanhada, portanto, de uma pretensão normativa de universalidade, abrangendo, desse modo,
qualquer pessoa numa perspectiva extraestatal (internacional)9.

A leitura mais recorrente e atual sobre o tema, é aquela que afirma que os "direitos fundamentais" e os
"direitos humanos" se separariam apenas pelo plano de sua positivação, sendo, portanto, normas
jurídicas exigíveis, os primeiros no plano interno do Estado, e os segundos no plano do Direito In-
ternacional, e, por isso, positivados nos instrumentos de normatividade internacionais (como os Tra-
tados e Convenções Internacionais, por exemplo)10.

IMPORTANTE!
8
Em síntese, uma diferenciação precisa dos termos estabeleceria o seguinte:

 Direitos fundamentais: direitos positivados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada
Estado.

 Direitos humanos: reconhecidos e positivados na esfera do direito internacional.

 Direitos do homem: no sentido de direitos naturais, não positivados ou ainda não positivados.

3. TITULARIDADE

Atendendo à literalidade do texto constitucional, os direitos fundamentais seriam titularizados


pelos brasileiros e estrangeiros residentes no País. No entanto, tal interpretação revela-se incom-
patível com a dignidade da pessoa humana11 (fundamento da República Federativa do Brasil), de
forma que se impõe uma interpretação sistemática, no sentido de abarcar todas as pessoas que se
encontrem no território brasileiro, incluindo, portanto, os estrangeiros ainda que não residentes. Esta
afirmação foi assertiva de prova para Juiz Federal da 3ª Região, no ano de 2016.

9 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


10 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.
11 CF, art. 1°, III.
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Nesse sentido, noticia o STF:

Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os
direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas
inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante
o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.12

Com efeito, o entendimento do STF é no sentido que a condição humana da pessoa estran-
geira é protegida constitucionalmente e no âmbito dos direitos humanos.

O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas bási-
cas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e a observância, pelo Poder Público, da
cláusula constitucional do due process.13

Sob esse raciocino, o Supremo já entendeu pela legitimidade do estrangeiro para impetração
de Habeas corpus14, pela possibilidade de concessão do benefício da substituição da pena privativa
de liberdade por restritiva de direitos15, bem como pela viabilidade de progressão de regime pelo
estrangeiro que cumpre pena no País16.

9
Obs.: Há direitos fundamentais, inclusive, cuja titularidade é reservada aos estrangeiros, por
exemplo, o direito ao asilo político.

Ademais, tem-se por inegável, atualmente, que pessoas jurídicas são titulares de direitos
e garantias fundamentais – direito à indenização por danos morais, direito à imagem, direito de
propriedade, direito de igualdade, de propriedade, de sigilo de correspondência, etc. Podem ser
identificados, inclusive, direitos específicos de pessoas jurídicas, como o de não interferência
estatal no funcionamento das associações (art. 5º, XVIII) e o de não serem elas dissolvidas com-
pulsoriamente (art. 5º, XIX).

12 HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 16.9.2008, 2ª T, DJ de 27.2.2009. No mesmo sentido: HC

94.404, Re. Min. Celso de Mello, julg. em 18.11.2008, 2ª T.


13 HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 16.9.2008, 2ª T, DJ de 27.2.2009.
14 HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 16.9.2008, 2ª T, DJ de 27.2.2009.
15 “O Princípio da Isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o conde-

nado não nacional pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja privado da concessão do benefício da
substituição da pena privativa por restritiva de direitos quando atende aos requisitos objetivos e subjetivos do
art. 44 do Código Penal”. HC 94.477/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julg. em 06.09.2011.
16 É possível inclusive que seja deferida a progressão de regime ao apenado que aguarda o cumprimento da

ordem de extradição. Mas isso só poderá ser concretizado pelo juízo das execuções depois que o STF con-
cordar. ExT 893/QO. 2ª T. Julg. em 10.03.2015. Rel. Min Gilmar Mendes.
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Outrossim, não estão afastadas do elenco de titulares, as pessoas jurídicas de direito pú-
blico, sobretudo, dos direitos fundamentais de natureza procedimental17.

É possível identificar algumas hipóteses atribuindo a titularidade de direitos fundamentais às pes-


soas jurídicas de direito público, o que se verifica especialmente na esfera de direitos de cunho
processual (como o de ser ouvido em Juízo, o direito à igualdade de armas – este já consagrado
no STF – e o direito à ampla defesa), mas também alcança certos direitos de cunho material, como
é o caso das Universidades (v. a autonomia universitária assegurada no art. 207 da CF), órgãos
de comunicação social (televisão, rádio etc.), corporações profissionais, autarquias e até mesmo
fundações, que podem, a depender das circunstâncias, serem titulares do direito de propriedade,
de posições defensivas em relação a intervenções indevidas na sua esfera de autonomia, liberda-
des comunicativas, entre outros.18

O entendimento encontra guarida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

Não se deve negar aos Municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a even-
tual possibilidade de impetração das ações constitucionais cabíveis para sua proteção. Se considerar-
mos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito público podem,
sim, ser titulares de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à tutela judicial efetiva,
parece bastante razoável vislumbrar a hipótese em que o Município, diante de omissão legislativa do
exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção. A titularidade de direitos
fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor ações constitucionais des-
tinadas à proteção efetiva desses direitos.19 10

Como foi cobrado em prova

MPE/PR: As pessoas jurídicas de direito público são titulares de direitos fundamentais apenas de
cunho processual (por exemplo, o contraditório e a ampla defesa), sendo incompatíveis com sua
natureza direitos de natureza estritamente material.

ERRADO

4. CARACTERÍSTICAS

MUITO IMPORTANTE!

A doutrina, naturalmente, não é unânime na catalogação das características dos direitos fun-
damentais. Todavia, para fins de concurso público, é importante sejam conhecidas algumas, notada-
mente por serem cobradas pelas bancas com certa frequência. São elas:

17 STF. AC 2.395 MC/PB. STF – AC (QO) 2.032/SP.


18 Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet; Luiz Guilherme Marinoni; Daniel Mitidiero. 2016.
19 STF, MI 725/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/5/2007.
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1. Universalidade: significa que os direitos fundamentais se destinam, de modo indiscrimi-


nado, a todos os seres humanos. Nesse sentido, é corrente na doutrina a afirmação de
que para ser titular de direitos fundamentais a condição humana é suficiente. Tal afirma-
ção é correta, porém incompleta. A uma porque pessoas jurídicas também podem titula-
rizar direitos dessa estirpe. A duas porque alguns direitos fundamentais são afetos a de-
terminado grupo de indivíduos, como, por exemplo, aos trabalhadores.

2. Inviolabilidade: os direitos fundamentais são de observância obrigatória, pelo Poder Pú-


blico e nas relações particulares, sob pena de nulidade.

3. Limitabilidade ou relatividade: conforme será adiante melhor explanado, os direitos


fundamentais não são absolutos, podendo sofrer restrições quando contrapostos a ou-
tros valores constitucionais no caso concreto. Obviamente, tais restrições não podem
ser tamanhas a esvaziar o próprio direito fundamental, o que também será detalhado à
frente. Nada obstante, é importante pontuar que alguns autores (por todos, Norberto
Bobbio) têm se esforçado em enumerar alguns direitos fundamentais absolutos, como,
por exemplo, o direito de não ser escravizado, o direito de não ser torturado, o direito à 11
democracia, dentre outros.

4. Historicidade: apenas fazem sentido em determinado contexto histórico, exatamente por


não serem absolutos ou naturais. Cada direito é resultado de um processo histórico (pro-
cesso de construção) que conduz à sua afirmação e consolidação. Isso permite o reco-
nhecimento da índole evolutiva dos direitos fundamentais, que podem surgir, modificar-
se, desaparecer e reaparecer, conforme a sucessão dos tempos.

5. Irrenunciabilidade: significa que os direitos fundamentais não podem ser renunciados,


embora, não raro, seja o seu não exercício. O fundamento da impossibilidade jurídica de
renúncia encontra-se justamente na dignidade da pessoa humana.

Segundo a doutrina, entretanto, “é admissível, sob certas condições, a autolimitação vo-


luntária ao EXERCÍCIO dos direitos fundamentais num caso concreto (ou seja, a renúncia
não seria ao direito, mas sim ao exercício do direito). Embora isso deva estar sempre su-
jeito à constante (a todo o tempo) reserva de revogação”20.

20 Curso de Direito Constitucional. Dirley da Cunha Jr. 2017.


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6. Inalienabilidade/indisponibilidade: por não terem conteúdo econômico-patrimonial não


podem ser alienados (José Afonso da Silva). O fundamento da impossibilidade jurídica da
alienação/disposição é igualmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Alguns autores (ex.: Gilmar Mendes e Canotilho) admitem restrições a direitos fundamen-
tais diante de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional21. São exem-
plos apontados pelos autores o da liberdade de expressão e manifestação, que pode ceder
face a um contrato de trabalho no qual fique estabelecido cláusula de confidencialidade,
ou ainda, quando da participação voluntária do indivíduo em um reality show22.

7. Imprescritibilidade: também decorrente da ausência de natureza patrimonial, a pretensão


ao exercício de direitos fundamentais não se sujeita a prazos prescricionais (José Afonso
da Silva). Não podem, portanto, desaparecer pelo decurso do tempo, sendo permanente-
mente dotados de exigibilidade.

Obs.: Nessa esteira, os direitos fundamentais devem apresentar um processo de agregação 12


que avança sempre no sentido a aumentar o seu núcleo, incorporando novos direitos ou aumentando
o âmbito de incidência nas relações humanas, mas nunca recuando ou eliminando-se direitos já
conquistados23. Trata-se de aplicação da intitulada “proibição do retrocesso”24 (estudada adiante).

As características seguintes são de citação menos comum, mas é bom que o aluno conheça
sua menção:

8. Interdependência: o efetivo sentido e tutela dos direitos fundamentais só podem ser obti-
dos a partir da análise conjugada de um direito com os demais, em verdadeiro esforço de
conjugação de todos em um só sistema. Assim é que não há como falar de um direito à
igualdade independente do direito à educação, saúde ou liberdade, por exemplo.

9. Complementaridade: essa caraterística relaciona-se com a anterior, e destaca que uma


interpretação constitucional adequada de um direito fundamental busca contornos, limites,
definições e conteúdo em outros, de modo que os permaneçam coerentemente integrados.

21 Curso de Direito Constitucional. Gilmar Mendes. 2015.


22 Ex. “Big Brother Brasil”.
23 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.
24 Para alguns doutrinadores, esse princípio de forma autônoma (em relação às outras características)

também seria uma das características dos direitos fundamentais. Curso de Direito Constitucional. Dirley
da Cunha Jr. 2017.
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Nesse sentido o direito à liberdade de locomoção, por exemplo, conecta-se à garantia do


habeas corpus, assim como ao devido processo legal.

10. Indivisibilidade: igualmente decorrente dos caracteres precedentes, diz-se que os direitos
fundamentais formam um conjunto uno e indivisível, não sendo possível conceber direitos
civis e políticos dissociados dos direitos sociais econômicos e culturais, por exemplo.

11. Inexauribilidade: O rol de direitos fundamentais não é exaustivo e não se exaure em de-
finitivo. Os direitos constantes na CF/88 são meramente exemplificativos, admitindo-se ou-
tros que decorram do regime, dos princípios adotados por ela ou dos tratados em que a
República federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º). Ademais, em razão da historicidade,
remanesce a expectativa de novos direitos fundamentais, decorrentes da inesgotável e cres-
cente dinâmica social. É o caso, por exemplo, do direito à moradia, que por força da Emenda
Constitucional 26/2000, passou a ser considerado formalmente direito fundamental.

12. Inerência: os direitos fundamentais são inerentes a cada pessoa, pelo simples de existir,
dispensando condições à titularidade (Kildare Gonçalves Carvalho25). 13
13. Continuidade/Identidade: O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais
são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando,
por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º)
(Gilmar Ferreira Mendes26).

Direitos e garantias fundamentais devem ter eficácia imediata (cf. art. 5º, § 1º); a vinculação direta dos
órgãos estatais a esses direitos deve obrigar o Estado a guardar-lhes estrita observância. Direitos fun-
damentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição (art. 60, § 4º)27.

14. Positividade: segundo essa característica os direitos fundamentais encontram-se positi-


vados na Constituição Federal, ainda que implicitamente. Admite-se, contudo, direitos fun-
damentais fora da Constituição. Daí poder-se falar, respectivamente, em direitos funda-
mentais formalmente constitucionais e direitos fundamentais materialmente constitucionais
– dupla fundamentalidade (estudada anteriormente).

25 Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho. 2017.


26 Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Gilmar Ferreira Mendes. 2003.
27 STF. Ext 986, rel. min. Eros Grau, julgamento em 15-8-2007, Plenário, DJ de 5-10-2007.
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5. GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Não é difícil imaginar que todos os candidatos saibam dissertar algo sobre as três primeiras
gerações de direitos fundamentais, que se espelham no lema da revolução francesa: liberdade, igual-
dade e fraternidade. Todavia, a doutrina mais atual tem reconhecido outras gerações de direitos
fundamentais, que podem ainda ser estranhos à boa parte dos estudantes. Seguem todas elas:

• Primeira geração: são os direitos ligados às liberdades individuais e ao consequente


dever de abstenção do Estado em interferir na vida privada. Nesse sentido, também são
conhecidos como liberdades negativas. Aqui também se encontram os direitos políticos,
que, em última análise, traduzem a liberdade do homem de se posicionar na vida pública.

Marco temporal: inauguração do constitucionalismo do Ocidente – final do século XVIII e


início do século XIX.

• Segunda geração: são os direitos fundamentais prestacionais, ou seja, que exigem do


Estado uma atuação positiva no sentido de sua implementação. São teorizados sobre o
14
prisma da igualdade material e da justiça social. Nessa seção situam-se os direitos soci-
ais, econômicos e culturais.

Marco temporal: desenvolvimento do Estado Social, no curso do século XX, como resposta
aos movimentos e ideias liberais.

• Terceira geração: relacionam-se com o terceiro pilar da revolução francesa, qual seja, a
fraternidade ou solidariedade. Correspondem, portanto, aos direitos dos indivíduos en-
quanto membros da coletividade, ou seja, possuem natureza transindividual. Aqui situam-
se, por exemplo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito dos
consumidores. Outros autores apontam, ainda, o direito à paz, ao desenvolvimento e à
comunicação.

Marco temporal: resgate do teor humanístico oriundo da tomada de consciência de um


mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas28, no final do século XX.

• Quarta geração: como dito, a tradicional teorização das gerações dos direitos fundamen-
tais tem sido incrementada por novas revoluções tecnológicas e informacionais na socie-

28 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

dade moderna. Fala-se, assim, na quarta geração de direitos fundamentais, que alicerça-
riam o futuro da cidadania e da liberdade dos povos, em tempos de globalização político-
econômica.

Para fins de concurso público, é importante saber que existem dois autores relevantes que
cuidam do tema, porém com abordagens distintas:

a) Norberto Bobbio: entende que a quarta geração deriva dos avanços concernentes à
biotecnologia e engenharia genética, que deve observar limites e condicionantes, sob pena
de colocar em risco a própria existência humana. O autor elenca como exemplos o direito
contra manipulações genéticas e o direito à mudança de sexo.

b) Paulo Bonavides: afirma que a quarta geração está relacionada à globalização política,
destacando-se os direitos à democracia, à informação, ao pluralismo.

Marco temporal: avanço da globalização, início do século XXI. Exigência normativa de uni-
versalização dos direitos fundamentais para além do campo estatal, conectando-os a ele-
mentos essenciais para a formação de uma sociedade aberta do futuro.
15

• Quinta geração: por fim, a título de completude acerca do tema, Paulo Bonavides registra
que o direito à paz deve ser tratado à parte, distanciando-o da terceira geração, alcan-
çando assim um patamar superior e específico de fundamentalidade, no século XXI29.

É importante conhecer a posição do autor pela sua envergadura na doutrina brasileira,


todavia, cumpre consignar que sua posição se encontra isolada.

29 “Vamos, por conseguinte, retirar o direito à paz da invisibilidade em que o colocou o edificador da categoria
dos direitos da terceira geração.(...) Devemos assinalar, doravante, que a defesa da paz se tornou princípio
constitucional, insculpido no art. 4°, VI, da CR. Desde 1988 avulta entre os princípios que o legislador consti-
tuinte estatuiu para regerem o país no âmbito de suas relações internacionais. E, como todo princípio na Cons-
tituição, tem ele a mesma força, a mesma virtude, a mesma expressão normativa dos direitos fundamentais.
Só falta universalizá-lo a cânone de todas as Constituições. Vamos requerer, pois, o direito à paz como se
requerem a igualdade, a moralidade administrativa, a ética na relação política, a democracia no exercício do
poder (...)
A ética social da contemporaneidade cultiva a pedagogia da paz. Impulsionada do mais alto sentimento de
humanismo, ela manda abençoar os pacificadores. Elevou-se, assim, a paz ao grau de direito fundamental da
quinta geração ou dimensão (as gerações antecedentes compreendem direitos individuais, direitos sociais,
direitos ao desenvolvimento, direito à democracia). (...)Subimos, agora, o derradeiro degrau na ascensão ao
patamar onde, desde já, é possível proclamar também, em regiões teóricas, o direito à paz por direito de quinta
geração, tirando-o da obscuridade a que dantes ficara confinado, enquanto direito esquecido da terceira di-
mensão.” Curso de Direito Constitucional. Paulo Bonavides. 2008.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

MUITO IMPORTANTE

Direitos fundamentais

Liberdades individuais e públicas. Dever de abstenção do Estado. Direitos ci-


1ª geração
vis e políticos.

Direitos prestacionais. Dever de implementação do Estado. Igualdade mate-


2ª geração
rial. Justiça Social. Direitos sociais, culturais e econômicos.

Direitos transindividuais. Solidariedade e fraternidade. Direito ao meio ambi-


3ª geração
ente equilibrado. Direito do consumidor.

Bobbio: direitos resultantes da evolução na engenharia genética.

4ª geração Bonavides: direitos relacionados à globalização política (democracia, plura-


lismo e informação).
16
5ª geração Bonavides: direito à paz.

Obs. Conquanto, tradicionalmente, a jurisprudência do STF tenha reconhecido a existência de


apenas três gerações de direitos fundamentais, já é possível identificar remissões à existência de
uma quarta geração. Ex. ADI 3510.30

A tempo, cumpre mencionar a crítica de parte da doutrina à expressão “geração” de direitos,


tendo em vista que as posteriores não haveriam por eliminar, suplantar ou mesmo substituir as an-
teriores. Por essa razão, preferem tais doutrinadores valer-se da expressão “dimensões” dos direitos
fundamentais, validando, assim, a noção de coexistência.

Aprofundando: A melhor doutrina de direito constitucional assevera que deve ser exercida
uma leitura paradigmática das gerações/dimensões de direitos fundamentais, afastando-se do con-
ceito de que cada nova categoria representaria mero acréscimo de direitos em seu catálogo. Advoga-
se haver verdadeira redefinição e reconfiguração no sentido e dos conteúdos anteriormente fixados.

30Atualmente, assentei eu, já se cogita de direitos de quarta geração decorrentes de novas carências enfren-
tadas pelos seres humanos, especialmente em razão do avanço da tecnologia da informação e da bioenge-
nharia. Assim é que, hoje, busca-se proteção contra as manipulações genéticas (...) Min. Ricardo Lewandowski.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Ao falar em uma segunda geração de direitos, é inevitável que voltemos os olhares para
os direitos de primeira geração e busquemos desenvolver uma leitura compatibilizada e
harmonizada desses dois níveis. Assim, não há como imaginar que, por exemplo, a inclu-
são dos direitos sociais no texto constitucional não levou a uma rediscussão sobre os
direitos de liberdade ou de propriedade. Um exemplo interessante, pode ser explicitado
com o direito de propriedade (da primeira geração). Com o advento do Estado Social e
com os intitulados direitos de segunda geração, temos não só um alargamento da tábua
de direitos fundamentais, mas também uma redefinição dos direitos de primeira geração
à luz do paradigma do constitucionalismo social. Nesses termos, a propriedade perde sua
perspectiva absoluta (ilimitada) e passa a ser trabalhada a partir da sua função social
(função social da propriedade). O mesmo ocorre com a igualdade ou com a liberdade que
ganham novas atribuições de sentido.31

Já que mencionamos na “função social da propriedade”, pergunta-se: Qual das Constituições brasi-
leiras foi a primeira a dispor desta expressão em seu texto? Antes da CF/88 a função social da pro-
priedade já existia. A exemplo, na Carta Magna de 1934, no seu art. 113, item 17 e na Constituição
de 1891, no seu art. 72, §17 (incluído por uma emenda do ano de 1926), ou seja, o que ambos têm 17
em comum é a proteção da propriedade, mas passível de supressão em razão necessidade ou inte-
resse público. Ambas, foram influenciadas pelas Constituições sociais do México (1917) e a alemã
de Weimar (1919). Com base nessas informações, vejamos a seguinte questão:

Como foi cobrado em prova

IBFC Órgão: TRF – 2ª Região Prova: Juiz Federal (Adaptado)

Quanto aos princípios gerais da atividade econômica previstos na Constituição brasileira, jul-
gue o item:

A Constituição Federal foi a primeira a prever a função social da propriedade como princípio da ordem
econômica

Gabarito: ERRADO. Como visto, a CF/88 não foi a primeira a prever tal instituto. Aliás, a expressão
“função social da propriedade” já tinha sido alcunhada expressamente no texto constitucional de 1967
(art. 157, III), desta feita, não no título dos direitos e garantias fundamentais, mas, alocada dentro da
ordem econômica e social.

31 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Alguns autores (ex.: Norberto Bobbio) identificam o fenômeno como dimensão (ou eficácia) histó-
rica dos direitos fundamentais. A terminologia identifica justamente a necessidade de releitura da
geração de direitos fundamentais anteriores à luz das novas.

6. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Já analisamos anteriormente a classificação que a própria CF/88 dispensou aos direitos fun-
damentais, elencando-os topograficamente em 5 capítulos32, bem como a identificação que, a partir
de um perfil histórico, divide-os em “gerações”.

Em âmbito doutrinário, destaca-se ainda como de grande relevância a categorização dos di-
reitos fundamentais quanto a sua função primordial, baseada na Teoria dos status de Jellinek (estu-
dada à frente). Nessa esteira, é amplamente adotada a classificação trialista dos direitos funda-
mentais, segundo a qual, estes se distinguem, a partir de um conteúdo nuclear típico, em:

a) Direitos de defesa: são os típicos direitos de resistência (ou negativos), que impõe ao Es-
tado um dever de abstenção, limitando o poder estatal face à autonomia dos indivíduos. 18
Correspondem, regra geral, aos direitos individuais e coletivos, previstos no art. 5º, CF.

b) Direitos a prestações: demandam uma atuação positiva do Estado no sentido de pro-


teger, promover ou garantir a fruição de determinados direitos. As prestações estatais
podem ser materiais (oferecimento de bens e serviços) ou normativas (provimento de
normas regulamentadores de direitos individuais). Condizem, em regra, com os ditos
direitos sociais.

c) Direitos de participação: visam a garantir a participação do indivíduo como cidadão ativo


na formação da vontade política do Estado. Equivalem à classe dos direitos políticos. Ob-
serve que os direitos de participação são “dotados de caráter negativo e positivo por exi-
girem dos poderes públicos, simultaneamente, um dever de abstenção – no sentido de
não interferir na liberdade de escolha do povo – e um dever de atuação – como a realiza-
ção de eleições periódicas, plebiscitos e referendos”33.

32 a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.º); b) direitos sociais (arts. 6.º a 11); c) direitos à naciona-
lidade (arts. 12 e 13); d) direitos políticos (arts. 14 a 16); e) partidos políticos (art. 17).
33 Curso de Direito Constitucional. Marcelo Novelino. 2016.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Obs.: Parte da doutrina (v.g. Canotilho e Alexy) não cogita os direitos de participação como
uma terceira classe de direitos fundamentais, exatamente por possuírem características mistas de
direitos de defesa e direitos prestacionais. Fala-se aqui, portanto, em classificação dualista dos
direitos fundamentais – direitos de defesa (incluídos os direitos políticos) e direito a prestações.

7. APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O texto constitucional trouxe disposição expressa, no art. 5º, a respeito da aplicabilidade dos
direitos fundamentais:

Art. 5º § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

IMPORTANTE!

Não há, entretanto, unanimidade na doutrina quanto à correta interpretação do dispositivo,


podendo ser identificadas 3 correntes principais acerca do tema: 19
a) O §1º do art. 5º da CF não é destinado a todos os direitos fundamentais, mas somente
àqueles cujas normas definidoras estejam completas na sua hipótese e dispositivo. É a
posição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Minoritária.

b) Os direitos fundamentais são dotados de aplicação imediata, mesmo se a norma que o


prescreve é de cunho programático. Dessa forma, tais direitos devem ser objeto de con-
substanciação, mesmo não havendo interposição legislativa. É defendida por Eros Grau,
Luís Roberto Barroso, Flávia Piovesan e Dirley da Cunha.

c) Consoante essa posição mais intermediária e bastante prestigiada, a norma do § 1º do


art. 5º da CF veicularia um mandado de otimização, no sentido que o Estado deve con-
ferir a maior eficácia possível aos direitos fundamentais, que deteriam uma “presun-
ção de aplicabilidade imediata”. É a posição de lngo Sarlet, Celso Bastos, José Afonso,
Gilmar Mendes. Majoritária.

Essas circunstâncias levam a doutrina a entrever no art. 5º § 1º, da Constituição


Federal, uma norma-princípio, estabelecendo uma ordem de otimização, uma de-
terminação para que se confira a maior eficácia possível aos direitos fundamentais.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

O princípio em tela valeria como indicador de aplicabilidade imediata de uma norma


constitucional, devendo-se presumir a sua perfeição, quando possível34.

Proibição de proteção insuficiente (proibição de proteção deficiente, proibição de in-


suficiência ou proibição por defeito)

IMPORTANTE!

O princípio da proibição da insuficiência é a face oposta do princípio da proibição do excesso,


ambos decorrentes do postulado da proporcionalidade. No contexto objeto de estudo, a proibição
de proteção insuficiente, impõe aos poderes públicos a adoção de medidas adequadas e suficientes
para garantir a proteção e promoção dos direitos fundamentais.

Tendo em vista a necessidade de conferir máxima eficácia possível aos direitos fundamentais,
o imperativo se estende tanto à necessidade de proteção de direitos já consagrados, quanto à pro-
moção daqueles que dependem de prestações materiais ou jurídicas – e.g., criminalização de con-
20
dutas gravemente ofensivas ou edição de leis regulamentadoras dos direitos fundamentais veicula-
dos em normas constitucionais de eficácia limitada.

Como foi cobrado em prova

VUNESP Proc/Câmara de Campo Limpo Paulista – SP: O princípio da proibição da proteção insu-
ficiente tem por objetivo impedir que as intervenções a direitos fundamentais sejam realizadas de
forma excessiva, infringindo o seu núcleo essencial.

ERRADO35

34 Curso de Direito Constitucional. Gilmar Mendes. 2015.


35 Proibição do excesso (Übermassverbot): é a vedação da atividade legislativa limitadora, que avança ilegi-
timamente sobre os direitos fundamentais, afetando-os além do necessário. Proibição de proteção deficiente
(Untermassverbot): ao revés, como visto, cuida das situações em que o Estado não regulamenta/legisla/pro-
move determinado direito fundamental, desprotegendo-o. A proibição da proteção deficiente implica em não se
permitir uma insipiente prestação legislativa, de modo a desproteger bens jurídicos fundamentais.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

CESPE DPE/RN: A proibição do excesso e da proteção insuficiente são institutos jurídicos ligados
ao princípio da proporcionalidade utilizados pelo STF como instrumentos jurídicos controladores da
atividade legislativa.

CERTO

MPF/25º Concurso/Dissertação: Disserte sobre o princípio da proporcionalidade na sua vertente


de proibição de proteção insuficiente.

Princípio da reserva do possível x Mínimo existencial

MUITO IMPORTANTE PARA QUESTÕES EM DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITU-


CIONAL

Em um contexto de ativismo judicial e da consequente realização de políticas públicas pelo


Judiciário, a atuação deste Poder deve tomar em consideração as limitações orçamentário-financei-
ras a que se sujeita o Estado para efetivar as ditas políticas públicas. Desta feita, as teses fazendá-
21
rias, em geral, compõem-se de argumentos tangentes à insuficiência de recursos para concretização
dos direitos sociais postulados em juízo. Em outras palavras, não se nega a força normativa da
Constituição, tampouco a sujeição do Estado em prestá-los, mas sim que, no caso concreto, é pos-
sível que o Estado não possua, comprovadamente, os recursos financeiros necessários à materiali-
zação da faculdade exigida em juízo.

Na esteira de Ana Paula de Barcellos, “a limitação de recursos existe e é uma contingência


que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser
exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado”. Cons-
truiu-se, a partir dessa ideia, a tese da reserva do possível, inicialmente abordada na década de
70, por ocasião do julgamento do caso “numerus clausus” pela Corte Constitucional Alemã, que dis-
cutiu a limitação do número de vagas nas universidades públicas daquele país.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem erguido como óbice à aplicabilidade da cláusula
da reserva do possível o respeito ao mínimo existencial, entendido como o conjunto de elementos
fundamentais à dignidade da pessoa humana. É dizer que a tese fazendária não tem sido acolhida,
quando não demonstrada a satisfação do referido mínimo existencial.

Atendido o mínimo existencial, Ingo Sarlet anota que a tese da reserva do possível deve ser
acolhida, quando restarem comprovadas:
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

1) a impossibilidade fática de o Estado satisfazer materialmente o direito prestacional exi-


gido: inexistência de recursos financeiros para atender a demanda;

2) a impossibilidade jurídica: inexistência de dotação orçamentária;

3) a desproporcionalidade da demanda: sendo possível ao Estado prestar o direito por


outros meios, não há motivos para que o faça pelo mais gravoso.

No mesmo sentido, assentou o Ministro Celso de Mello na ADPF 45:

O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é


capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. Vê-se, pois, que os condicionamen-
tos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de
segunda geração – de implantação sempre onerosa –, traduzem-se em um binômio que compre-
ende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do
Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tor-
nar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado
o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais,
que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibi-
lidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa
ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade
estatal de realização prática de tais direitos. 22

Como foi cobrado em prova

MPF/24º Concurso/Questão discursiva: Como a teoria da reserva do possível pode ser utilizada como
argumento pelo administrador público e como deve ser ela apreciada pelo Judiciário?

A cláusula da “reserva do possível” é endossada pela “teoria dos custos do direito” e pela tese
das “escolhas trágicas”, todas elas relacionadas a argumentos de ordem orçamentário-financeira.

A “teoria dos custos dos direitos”, pensada pelos autores Stephen Holmes e Cass Sustein
na obra “The cost of rigths” (“O custo dos direitos”), propõe uma análise econômica do Direito. Se-
gundo os autores, o direito nasce a partir de sua previsão orçamentária: antes disso, não há direito
a ser vindicado, pois o Estado não pode proteger direitos sem recursos.

Assim, a jurisdição constitucional restaria limitada aos parâmetros orçamentários definidos


pelos poderes majoritários. Ou seja, fora das balizas referenciadas, não poderia o Poder Judiciário
agir, a pretexto de satisfazer direitos, pois, inexistindo recursos orçamentários para tanto, não seria
possível vincular a norma garantidora ao titular da faculdade reclamada.

No ARE 745.745 AgR/MG, o Ministro Celso de Mello registrou:


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se
pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapá-
vel vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, com-
provada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal,
desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a
imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Por outro lado, a tese das “escolhas trágicas”, apresentada pelos autores Guido Calabresi
e Philip Bobbit na obra “Tragic Choices” (ou “Escolhas Trágicas”) exprime “o estado de tensão
dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde
em favor das pessoas, de um lado; e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de
recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro” (Min. Celso de Mello, ARE
745.745 AgR/MG). Em outras palavras, a tese mencionada revela ao intérprete o problema da
escassez de recursos, em face das múltiplas demandas sociais. Nesse sentido, cotidianamente o
Judiciário é chamado a decidir se, por exemplo, concede tratamento médico de R$ 100.000,00
(cem mil reais) a um único paciente, ou preserva os referidos recursos para resguardar o trata-
mento de outras cem pessoas. Eis o contexto das “escolhas trágicas”: alguém deverá sucumbir,
bastando ao poder público escolher quem.
23
Nesse ponto, retoma-se a ideia de ilegitimidade das decisões judiciais que não levam em
conta as suas consequências no mundo real. Demais disso, a Fazenda Pública deve defender que,
em um contexto de “escolhas trágicas”, a atuação judicial não pode, a pretexto de realizar a justiça
do caso concreto (microjustiça), influir negativamente na distribuição de justiça social por meio de
políticas públicas coletivas (macrojustiça), definida, ordinariamente, pelos Poderes majoritários.

O STF possui vários julgados sobre o dilema examinado, mencionando-se, por oportuno, tre-
cho do julgado prolatado na STA 748 MC/AL:

O caso sob comento, o relatório médico de fls. 10 é bastante claro ao aduzir que o demandado procurou
o médico subscritor do referido relatório para “submeter-se a tratamento com estimulação magnética
transcraniana, técnica inovadora e revolucionária”. Em momento algum afirma a necessidade insofis-
mável da utilização deste tratamento específico e a inexistência de outro tratamento apto a preservar
a saúde do demandante. Nesta senda, seria por demais injusto com os demais cidadãos necessi-
tados relativizar o princípio da reserva do possível para conceder um tratamento alternativo de
R$ 68.000,00 (sessenta e oito) mil reais, notadamente porque este valor causaria abalos injusti-
ficáveis às finanças municipais, o que certamente refletiria no fornecimento de tratamentos es-
pecíficos a outros administrados mais necessitados.

Portanto, as teses da Fazenda Pública, destinadas a limitar a jurisdição constitucional em


tema de efetivação de políticas públicas, podem ser assim esquematizadas:
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Tese Autor/Origem Conteúdo

Caso “numerus clausus”, jul-


Respeitado o mínimo existencial, a efetiva-
gado pela Corte Constitucio-
ção de direitos fundamentais positivos de-
nal Alemã na década de
pende da: 1) possibilidade fática: existência
Reserva do possível: 1970, em que se discutiu a li-
de recursos financeiros; 2) possibilidade ju-
mitação do número de vagas
rídica: existência de previsão orçamentária;
nas universidades públicas
3) razoabilidade da pretensão reclamada.
da Alemanha.

Análise econômica do Direito: os direitos


condicionam-se à previsão orçamentária de
Stephen Holmes e Cass
seus custos. Em outras palavras, apenas há
Sustein, na obra “The cost of
Teoria dos custos dos di- direito, se houver orçamento. Propõe a ade-
Rights” ou “O custo dos direi-
reitos: quação da atividade jurisdicional aos parâ-
tos”.
metros orçamentários: fora deles, não pode
o Judiciário atuar na implementação de po-
24
líticas públicas.

Apresenta o estado de escassez de recur-


sos, para satisfação de todas as demandas
Guido Calabresi e Philip
sociais. Nesse contexto, analisa quem deve
Bobbit, na obra “Tragic Choi-
decidir sobre macrojustiça, devendo-se
Escolhas trágicas: ces” ou “Escolhas trágicas”.
apontar, para tanto, os Poderes Executivo e
Legislativo, pois o Poder Judiciário é vocaci-
onado para resolver casos concretos (micro-
justiça).

Dica: Recomenda-se ao candidato mencionar, se possível, as obras e autores que sustentam as teses ora
estudadas. Isso demonstrará conhecimento ao examinador, que tenderá a pontuar o espelho com generosi-
dade.

Princípio da vedação do retrocesso (efeito cliquet)

MUITO IMPORTANTE
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Também denominado “proibição de retrocesso", "vedação de retrocesso social", "efeito cli-


quet", "proibição de contrarrevolução social", "proibição de evolução reacionária", "eficácia veda-
tiva/impeditiva de retrocesso" e "não retorno da concretização", o princípio em tela proíbe a redução
injustificada do grau de concretização alcançado por um direito fundamental, constituindo-se em ver-
dadeiro limite à extinção ou redução injustificada de medidas legislativas ou de políticas públicas
adotadas para conferir efetividade às normas jusfundamentais.

Exige-se, portanto, uma estabilidade nas posições ou situações resultantes da implementa-


ção dos direitos fundamentais, que devem ser concretizados em nível adequado e suficiente. O fun-
damento para tanto está nos princípios da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput e inciso XXXVI),
isonomia (CF, art. 5º, caput), máxima efetividade (CF, art. 5º, § 1º), dignidade da pessoa humana
(CF, art. 1º, III) e do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).

Essa proteção dos direitos subjetivamente adquiridos constitui um poderoso limite jurídico da liberdade
de conformação do legislador e, simultaneamente, uma obrigação de realização de uma política con-
sentânea com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas, de sorte que o nú-
cleo essencial dos direitos fundamentais, já realizado e efetivado através de medidas legislativas ou
políticas públicas, “deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quais-
quer medidas que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na
25
prática numa 'anulação', 'revogação', ou 'aniquilação' pura e simples desse núcleo essencial.36

Obs.: No julgamento da ADI 4543/DF, o princípio da vedação ao retrocesso foi tratado, pelo
STF, aplicado ao âmbito político:

Com maior frequência adotado no âmbito dos direitos sociais pode-se ter como também
aplicável aos direitos políticos, como é o direito de ter o cidadão invulnerado o segredo do
seu voto, que ficaria comprometido pela norma questionada.

Esse princípio da proibição de retrocesso político há de ser aplicado tal como se dá quanto
aos direitos sociais, vale dizer, nas palavras de Canotilho “uma vez obtido um determinado
grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um
direito subjetivo. ...o princípio em análise limite a reversibilidade dos direitos adquiridos em
clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito
econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito
pela dignidade da pessoa humana” (CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 3ª. Ed., p. 326).

36 Curso de Direito Constitucional. Dirley da Cunha Júnior. 2016.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Tenho por aplicável esse princípio também aos direitos políticos e ao caso presente, porque
o cidadão tem o direito a não aceitar o retrocesso constitucional de conquistas históricas
que lhe acrescentam o cabedal de direitos da cidadania.

Dessa feita, a correta leitura do princípio da proibição do retrocesso abrange e impõe-se sobre as
diversas esferas dos direitos fundamentais.

8. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dimensões

Pontue-se, de início, a necessária distinção entre dimensões (abordadas aqui no campo da


natureza e eficácia das normas) e gerações de direitos fundamentais (estudadas acima). Com
efeito, não se olvida a proposta de alguns autores (por todos, Ingo Sarlet), no sentido de que as
gerações de direitos fundamentais devem, na verdade, ser reconhecidas como dimensões, uma
vez que a ideia de gerações pressupõe a superação das mais remotas pelas mais próximas. To-
davia, como a doutrina lança mão da expressão também nesse sentido, estudaremos propositada- 26
mente, ambas as abordagens.

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, compreendidos como direitos subjetivos e ele-


mentos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Nesse sentido, reconhece-se sua dimensão
subjetiva e objetiva.

IMPORTANTE
A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais revela a prerrogativa de impor direitos pessoais –
positivos ou negativos – ao Poder Público.

Para a doutrina de Paulo Gonet Branco e Gilmar Mendes, a dimensão subjetiva dos direitos
fundamentais “corresponde à característica desses direitos de, em maior ou menor escala, enseja-
rem uma pretensão a que se adote um dado comportamento”37.

Nessa perspectiva, “os direitos fundamentais correspondem à exigência de uma ação nega-
tiva (em especial, de respeito ao espaço de liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem”. Em
outras palavras, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais os revela como posições jurídicas
em face do Estado (eficácia vertical) ou de outros particulares (eficácia horizontal), fazendo exsurgir

37 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

uma relação de traço intersubjetivo, que ordena uma ação ou contenção desses sujeitos.

Em contrapartida, a dimensão objetiva38 leva em conta que a Constituição de um Estado


consubstancia, na positivação de direitos essenciais, um sistema de valores que irá influenciar todo
o ordenamento jurídico, na forma de diretrizes para interpretação e aplicação das normas, susten-
tando a atuação de todos os poderes estatais.

IMPORTANTE
A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da
ordem constitucional.39

Trata-se do que Ingo Sarlet denominou “eficácia irradiante” dos direitos fundamentais.

Nesses termos, os direitos fundamentais seriam vistos não só como direitos de defesa (garantias ne-
gativas), ligados a um dever de omissão, (um não fazer ou não interferir do Estado no universo privado
dos cidadãos), e direitos de prestações (garantias positivas) para o exercício das liberdades (e aqui,
entendidos como obrigações de fazer ou de realizar) por parte do Estado, mas, além disso, nos termos
objetivos, eles, como a base do ordenamento, seriam um "vetor" a ser seguido (pelos Poderes Públicos 27
e particulares) para interpretação e aplicação de todas as normas constitucionais e infraconstitucionais.
Daí que, a dimensão objetiva (indo além das funções de cunho subjetivo tradicionalmente consagradas
aos direitos fundamentais e não sendo apenas um "reverso da medalha" da dimensão subjetiva) se
apresentaria como um verdadeiro "reforço de juridicidade" das normas de direitos fundamentais, bem
como da "sistemática" de concretização e densificação dessas normas.40

Por essa acepção, os direitos fundamentais transcendem a perspectiva da garantia de posi-


ções individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade
política, expandindo-os para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurí-
dico de um Estado democrático.41

38 A expressão foi pela primeira utilizada no caso LÜTH julgado pela Corte Constitucional Alemã.
39 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015.
40 A eficácia dos direitos fundamentais. Ingo Sarlet. 2010.
41 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015.
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MUITO IMPORTANTE

Direitos Fundamentais

Dimensão subjetiva Dimensão objetiva

Posição jurídica do indivíduo em face do Estado ou DF como princípios ordenadores do Estado e do sis-
de outros particulares. Impõe a estes agentes o de- tema jurídico. Diz com a eficácia irradiante dos DF,
ver de agir ou se conter para respeitá-los. Revela o que influi na edição de novas leis e no comporta-
cunho obrigacional ou intersubjetivo dos DF. mento, em geral, dos atores estatais.

Teoria dos quatro status de Jellinek

Classificação muito utilizada. Vale memorizar!

Com o foco na influência, aplicação e eficácia dos direitos fundamentais sobre a vida do indi-
28
víduo, o jurista alemão George Jellinek, desenvolveu a teoria que indica quatro posições ou situações
jurídicas de um sujeito de direitos e deveres perante o Estado – o direito fundamental completo é um
feixe de posições de diferentes conteúdos e diferentes estruturas42.

a) Status passivo (subjectionis): O indivíduo, como detentor de deveres diante do Estado,


encontra-se em posição de sujeição ou subordinação perante este, que pode imputar-
lhe mandamentos e proibições – o Estado vincula juridicamente os indivíduos43.

42Teoria dos Direitos Fundamentais. Robert Alexy. 2006.


43“O status passivo de uma pessoa é composto pela totalidade ou pela classe dos deveres e proibições que o
Estado lhe impõe ou da totalidade ou da classe dos deveres e proibições para cuja imposição o Estado tem
competência”. Teoria dos Direitos Fundamentais. Robert Alexy. 2006.
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b) Status negativo (libertatis): Relaciona-se à esfera de autonomia e liberdade44 do indiví-


duo imune de interferência estatal. O sujeito de direitos pode exigir do Estado uma abs-
tenção. “O indivíduo desfruta de um poder jurídico circunscrito (delimitado) em que o Es-
tado não pode interferir, exceto, obviamente, se for para garantir o próprio direito de auto-
nomia privada do indivíduo. Portanto, são direitos de cunho negativo, abstencionistas
do indivíduo (no que tange a suas liberdades) frente ao Estado”.45

c) Status positivo (civitatis): É assegurado ao indivíduo direitos de cunho positivo, diante


dos quais pode-se exigir do Estado o cumprimento de prestações. O Estado confere ao
indivíduo o "status cívico" quando (1) lhe garante "pretensões à sua atividade" e (2) "cria
meios jurídicos para a realização desse fim46".47 O cerne do status positivo revela-se
como o direito do cidadão, em face do Estado, a ações estatais.

d) Status ativo (activus): Ao indivíduo é dado participar da formação da vontade política


estatal, na condição de cidadão ativo. Corresponde ao exercício dos direitos políticos pelo
sujeito – direitos de participação, por exemplo, pelo exercício do direito ao voto.
29

Como foi cobrado em prova

A FCC (Câmara Legislativa do Distrito Federal – Procurador Legislativo) trouxe interessante assertiva
(correta) acerca do direito de participação dos cidadãos na formação da vontade política estatal:

O direito de participação dos cidadãos nas decisões estatais contemporaneamente não se resume
aos processos eleitorais, de sorte que a democracia participativa, tal como a brasileira, contempla a
ação popular, o direito à informação e a iniciativa popular das leis, entre outros.

44 "Ao membro do Estado é concedido um status, no âmbito do qual ele é o senhor, uma esfera livre do Estado,

que nega o seu imperium. Essa é a esfera individual de liberdade, do status negativo, do status libertatis, na
qual os fins estritamente individuais encontram a sua satisfação por meio da livre ação do indivíduo". Georg
Jellinek, System der subjektiven Offentlichen Rechie, p. 87.
45 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.
46 O fato de o indivíduo ter esse tipo de pretensão em face do Estado significa, em primeiro lugar, que ele

tem direitos a algo em face do Estado e, em segundo lugar, que tem uma competência em relação ao seu
cumprimento.
47 Teoria dos Direitos Fundamentais. Robert Alexy. 2006.
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Eficácia dos direitos fundamentais em sentido estrito

Idealizou-se, a priori, que a incidência dos direitos fundamentais circunscrever-se-ia às rela-


ções entre os particulares e o Estado. Incialmente tais direitos foram nesse sentido concebidos –
com o fim de impor obrigações (positivas ou negativas) ao Estado. Cuida-se da consagrada eficácia
vertical dos direitos fundamentais.

Entretanto, o constitucionalismo moderno e o entendimento doutrinário predominante são no


sentido de que os direitos fundamentais se aplicam, também, as relações privadas. É dizer: não
podem os particulares, ainda que com esteio no princípio da autonomia vontade, afastar os direitos
fundamentais. Nesse sentido, fala-se em eficácia horizontal dos direitos fundamentais (ou eficá-
cia externa, privada, em relação a terceiros ou particular).

Na formulação clássica dos direitos fundamentais, de matriz eminentemente liberal, os direitos funda-
mentais representavam limites ao exercício do poder do Estado, de modo a barrar a ação usurpadora
deste nas suas relações com os particulares. Com o aumento de complexidade percebido pelo direito
e o desenvolvimento de novos paradigmas jurídicos, uma nova possibilidade de incidência dos direitos
fundamentais foi teorizada para além da dicotomia Estado-Particular. Sem dúvida, essa nova possibi-
lidade de aplicação dos direitos fundamentais irá ter íntima relação com a ruptura paradigmática com 30
o Estado Liberal (constitucionalismo clássico de cunho negativo abstencionista), adstrito a uma pers-
pectiva subjetiva dos direitos fundamentais, e o advento do Estado Social (constitucionalismo social de
cunho positivo intervencionista), que, para além da dimensão subjetiva, desenvolveu uma dimensão
objetiva dos direitos e garantias fundamentais.

Ademais, ainda no campo das relações privadas, quando a relação dos particulares for ca-
racterizada por acentuada desigualdade entre as partes, verificar-se-á a eficácia diagonal dos di-
reitos fundamentais. A hipossuficiência de determinados sujeitos de direito reclama uma maior pro-
teção em seus ajustes ainda que privados. É o que se observa, precipuamente, nas relações traba-
lhistas e consumeristas. Os princípios de proteção do trabalhador e do consumidor, nesses casos,
nada mais são do que evidências da eficácia diagonal dos direitos fundamentais.

IMPORTANTE

Eficácia dos Direitos Fundamentais

Vertical Relação entre particulares e Estado.

Horizontal Relação entre particulares com patrimônio jurídico equivalente.


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Diagonal Relação entre particulares com patrimônio jurídico desigual, em que uma das
partes é vulnerável em relação à outra.

IMPORTANTE

Aprofundando: Mais recentemente, a doutrina48 tem apontado a figura da eficácia vertical


com repercussão lateral dos direitos fundamentais. Pode ser identificada nos casos em que o indiví-
duo se vale do Judiciário para garantir a observância de um direito fundamental. O direito à tutela
jurisdicional efetiva, embora se dirija contra o Estado – eficácia vertical – repercute sobre a esfera
jurídica das partes, e assim pode ser pensado como um direito de eficácia vertical, mas com eficácia
lateral sobre relações privadas.

A decisão jurisdicional substitui a omissa atuação correta das partes e do legislador e, embora de-
corra de relação verticalizada do Estado-juiz x jurisdicionado, seus efeitos espalham-se sobre os
particulares.
31
Teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais

Desde a década de 1950, não mais se discute a aplicação dos direitos fundamentais às relações
privadas. Entrementes, teoriza-se, a partir de então, sobre a forma com que essa incidência se dará. Em
suma, são as seguintes as teorias sobre a observância dos direitos fundamentais às relações privadas:

I) Teoria da Ineficácia Horizontal

Essa teoria não é atualmente adotada em quase nenhum país do mundo. Entretanto rema-
nesce relevante, pois é observada nos EUA. Entende-se que todos os direitos fundamentais se vin-
culam e se voltam tão somente ao Estado. A única exceção consta da 13ª Emenda que prevê a
proibição da escravidão.

O fundamento da chamada Doutrina da “State Action” (doutrina da ação estatal) está no Li-
beralismo, na autonomia da vontade e na preservação da autonomia dos Estados-membros para
legislar sobre direitos privados, vedando tal matéria ao espaço de competências da União. Sendo
assim, proíbe-se que as cortes federais, mesmo que a pretexto de estarem aplicando a Constituição,

48O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Luiz Guilherme
Marinoni, 2014.
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intervenham na disciplina das relações entre particulares49.

Mais recentemente alguns temperamentos vêm sendo feitos, mormente pela adoção da “pu-
blic function theory”, segundo a qual haverá aplicabilidade dos direitos fundamentais quando o
particular exercer atividades de natureza tipicamente estatal (atos equiparados ao do poder público).
Confira os exemplos50.

II) Teoria da Eficácia Horizontal Indireta (ou mediata)

Foi desenvolvida pelo autor alemão Günter Dürig, e prevalece atualmente sendo aplicada na
Alemanha. No Brasil, já foi aplicada, algumas vezes, por Gilmar Mendes.

A teoria da eficácia horizontal indireta tem como ponto de partida a existência de um direito
geral de liberdade e visa proteger o núcleo de autonomia privada dos indivíduos. De acordo com ela,
os direitos fundamentais não ingressam no cenário privado imediatamente como direitos subjetivos
por haver uma necessária intermediação do legislador – a proteção aos direitos fundamentais em
relações privadas somente pode se dar a partir da consagração de leis infraconstitucionais voltadas
32
para tais relações.

Os defensores desta teoria entendem pela necessidade dessa intermediação por três razões
(verdadeiras críticas à eficácia horizontal direta):

1ª) A aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas causaria uma desfigu-
ração do direito privado, que deixariam de ser regidas livremente pela autonomia da vontade, e uma
perda de sua clareza conceitual;

2ª) Aniquilação da autonomia da vontade (liberdade contratual) – um dos princípios basilares


do direito privado.

49 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


50 Ex. 1 (Prof. Bernardo Gonçalves). Caso “Smith v. Allwright” – a teoria foi aplicada aos partidos políticos
quando decidiram excluir ou não filiar pessoas negras, impedindo-as, portanto, de participação nas intituladas
eleições primárias (internas). As primárias integram a engenharia eleitoral e as mesmas vedações que limitam
a discriminação nas eleições devem ser aplicadas às primárias.
Ex. 2 (Prof. Daniel Sarmento). Caso “March v. Alabama”. Discutiu-se se uma empresa privada, que possuía
terras no interior das quais se localizavam ruas, residências, estabelecimentos comerciais etc., podia ou não
proibir Testemunhas de Jeová de pregarem no interior da sua propriedade. A Suprema Corte declarou inválida
tal proibição, pois ao manter uma 'cidade privada' (private owned town), a empresa se equiparava ao Estado e
se sujeitava à 1ª Emenda da Constituição norte-americana, que assegura liberdade de culto.
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3ª) Violação dos princípios da segurança jurídica, da separação dos poderes e o princípio
democrático. Os direitos fundamentais são deveras amplos e indeterminados, de modo que, a pos-
sibilidade de sua aplicação direta, concederia ao juiz uma margem demasiada de decisão, inclusive
com possibilidade de atuação em áreas reservadas ao legislador, o que geraria, por fim, insegu-
rança jurídica.

Ilustrando, o art. 57 do Código Civil prescreve que a exclusão do associado só é admissível


havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de re-
curso, nos termos previsto no estatuto. Na Alemanha, em não havendo dispositivo similar positivado
expressamente, entender-se-ia prescindível observar a ampla defesa para exclusão do associado.
Isso porque, ante a inexistência de intermediação legislativa, não se poderia aplicar diretamente o
direito fundamental protetivo.

III) Teoria da Eficácia Horizontal Direta

Essa teoria, apesar de não mais ser praticada na Alemanha, surgiu nesse país, na década de
50, desenvolvida por Nipperdey. Ao tempo, após a 2ª guerra mundial, várias transformações ocorre- 33
ram no constitucionalismo, sendo uma delas a aplicação direta dos direitos fundamentais nas rela-
ções privadas. Atualmente, adotam esse entendimento a Itália, Espanha, Portugal e Brasil.

Consoante esse raciocínio, os direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às re-
lações entre particulares, independentemente de arranjos interpretativos. Seus defensores afirmam
que os direitos fundamentais, tal como previstos no texto constitucional, já trazem condições de plena
aplicabilidade nas relações entre particulares, dispensando a mediação infraconstitucional, não ne-
cessitando, portanto, da atuação (sindicabilidade) do legislador e nem mesmo da interpretação da
legislação infraconstitucional à luz da Constituição. Nesse sentido, com base na perspectiva da má-
xima efetividade a Constituição (com seu rol de direitos fundamentais) deveria ser aplicada direta-
mente nas relações entre particulares51.

51 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


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IV) Teoria Integradora dos Direitos Fundamentais

Por essa teoria, defendida por Robert Alexy e Ernst Wolfgang Böckenförde, a aplicação dos
direitos fundamentais às relações entre particulares deve ocorrer por meio de lei (eficácia indireta).
No entanto, se esta não existir, é possível que ocorra a aplicação direta (eficácia direta). Daí a ca-
racterística que identifica esta teoria – “integradora”, pois trabalha a complementaridade das teses
da eficácia horizontal direta e indireta.

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais no Brasil

Conforme adiantamos, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias vem reconhecendo a


vinculação de particulares aos direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, manifestou-se pela eficácia ho-
rizontal direta, firmando seu entendimento nesse sentido.

Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. As violações a direitos fundamentais
não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações
travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegu- 34
rados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados
também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

(...)

A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em
detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados
em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua
incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria
Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas
relações privadas, em terna ele liberdades fundamentais.52

De igual forma, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é pacífica nesse


seguimento:

A partir da segunda metade do século XX, consolidou-se a percepção de que também os denominados
– poderes privados – podem vulnerar os direitos fundamentais das pessoas com as quais mantêm
relações jurídicas, principalmente naquelas de natureza assimétrica, em que um dos polos está em
estado de sujeição ou é hipossuficiente do ponto de vista jurídico, econômico ou social. Daí a consa-
gração da denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou a sua eficácia na esfera do
Direito Privado ou entre particulares, instrumento mediante o qual o Poder judiciário atua para limitar o
exercício arbitrário ou abusivo do poder por particulares que atinja os direitos fundamentais daqueles
com os quais estes se relacionam. Também não cabe, hoje, nenhuma dúvida quanto à aplicabilidade
direta e imediata dos direitos fundamentais em geral no âmbito das relações trabalhistas. Afinal, a
doutrina contemporânea reconhece e proclama que os direitos fundamentais não são como os chapéus

52 STF. RE n° 201.819/RJ. Rel. do Acórdão Min. Gilmar Ferreira Mendes. 2ª T. DJ 26.10.2006.


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que se deixam na entrada do local de trabalho, eis que tais direitos, assim como as cabeças, não
podem ser separados da pessoa humana em nenhum lugar, sob nenhuma circunstância.53

Ilustrando:

a) O STF considerou a expulsão de associados de uma cooperativa sem a observância do


direito adequado de defesa como violações aos direitos fundamentais do contraditório e
devido processo legal54. Em momento posterior, o entendimento foi ainda mais didático,
dessa vez relacionado a uma associação civil55.

35
53 RR n° 122600-60.2009.5.04.0005. Redator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento:
11/06/2014, 2ª T, Data de Publicação: DEJT 08/08/2014.
54 Constitucional – Defesa – Devido Processo Legal – Inciso Lv Do Rol Das Garantias Constitucionais – Exame

– Legislação Comum. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal dire-
ciona ao exame da legislação comum. (...). Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios
básicos em um Estado Democrático de Direito – o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da
ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. (...) Na hipótese de ex-
clusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido pro-
cesso legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembleia geral, no que
toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio
estatuto da cooperativa. RE n° 158.215/RS. Rel. Min. Marco Aurélio de Mello. 2ª T DJ 07.06.1996.
55 Sociedade civil sem fins lucrativos. Entidade que integra espaço público, ainda que não-estatal atividade de

caráter público. Exclusão de sócio sem garantia do devido processo legal. Aplicação direta dos direitos funda-
mentais à ampla defesa e ao contraditório. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer as-
sociação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que
têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às
liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações
não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais
de seus associados. (...) As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito
econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram
o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC,
sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para
determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro
social da UBC sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional,
onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à exe-
cução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a
própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a
dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a
aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa (art. 5º, LIV e LV, CR/88). (...) RE n° 201.819/RJ. Rel. do Acórdão Min. Gilmar Ferreira Mendes. 2ª T DJ
26.10.2006.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

b) Ainda segundo o STF, o princípio da igualdade (isonomia), previsto na Constituição como


um direito fundamental, deve ser observado igualmente nas relações entre particulares,
não se admitindo que um trabalhador brasileiro seja discriminado por empresa ainda que
estrangeira56.

c) O TST manifestou-se pela arbitrariedade de dispensa, direcionada a empregados que


mantinham um relacionamento afetivo, realizada por empregador que, no exercício do po-
der diretivo (considerado abusivo in casu), proibia o namoro entre empregados, dentro e
fora do local de trabalho. A Ementa desse julgado (rodapé) veicula autêntica lição acerca
da natureza e incidência dos direitos fundamentais57.

56 Constitucional. Trabalho. Princípio da igualdade. Trabalhador brasileiro empregado de empresa estrangeira:


estatutos do pessoal desta. Aplicabilidade ao trabalhador estrangeiro e ao trabalhador brasileiro. 1 – Ao recor-
rente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Esta-
tuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao
empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: (...) CF/1988, art. 5º, caput. 2 – A
discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo,
a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR,
Célio Borja, RTJ 119/465. 3 – Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. (...) RE n° 36
161.243/DF. Rel. Min. Carlos Mario Velloso DJ 19.12.1997.
57 Recurso de revista. Dano moral. Norma regulamentar que proíbe o relacionamento amoroso entre empregados.

Abuso do poder diretivo da reclamada. Inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à
liberdade. Violação dos artigos 5°, inciso x, da constituição federal e 927 do código civil caracterizada. (...) Discute-
se, no caso, a configuração do dano moral decorrente de demissão fundamentada em norma interna da recla-
mada que proíbe o relacionamento amoroso entre empregados dentro e fora da empresa. (...) A dispensa dos
dois empregados, na mesma data, decorreu do simples fato de estarem morando juntos, tendo um relaciona-
mento, e da companheira do reclamante exercer suas atividades exatamente no setor de Divisão de Loss Pre-
vention ou de prevenção de perdas, presumindo-se que ela poderia não agir corretamente no exercício de suas
funções na área de segurança do supermercado. Na hipótese dos autos, não houve nenhuma alegação ou re-
gistro de que eles agiram mal, de que entraram em choque ou de que houve algum incidente, envolvendo esse
casal, no âmbito da empresa. Esses fatos configuram, sim, invasão injustificável ao patrimônio moral de cada
empregado e da liberdade de cada pessoa que, por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser
proibida de se relacionar amorosamente com seus colegas de trabalho. Ao contrário: isso é inerente à natureza
humana. Diante desse contexto fático, não cabe a menor dúvida de que preceitos constitucionais fundamentais
estão sendo atingidos, como a dignidade da pessoa humana e a liberdade, tendo em vista que a vida pessoal
desse empregado, sem nenhuma justificativa razoável e sem real necessidade, está sendo desproporcionalmente
limitada pelo empregador fora do ambiente de trabalho. Com efeito, em razão da condição hierárquica da relação
existente entre empregado – subordinado – e empregador, tem-se que esse último detém o poder diretivo, o qual,
no entanto, deve observar os limites estabelecidos na Constituição Federal e nas leis, devendo os atos empresa-
riais, sejam eles tácitos, sejam escritos (regulamentos internos e demais normas internas), ser razoáveis, sendo
vedado seu uso abusivo e contrário à função social que deve presidir e, ao mesmo tempo, servir de limite daque-
les próprios atos empresariais. Destaque-se, aqui, a necessidade de respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana, preconizado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, o qual se concretiza pelo reconhecimento e
pela positivação dos direitos e das garantias fundamentais, sendo o valor unificador de todos os direitos funda-
mentais, e à liberdade, que constitui um dos pilares principais de efetivação da dignidade humana. Vale ressaltar,
por oportuno, que uma das principais características dos direitos fundamentais é sua inalienabilidade ou indispo-
nibilidade, que resulta da fundamentação do direito no valor da dignidade humana: da mesma forma que o homem
não pode deixar de ser homem, ele não pode ser livre para ter ou não dignidade, o Direito não pode permitir que
o homem se prive de sua dignidade. Nesse contexto, serão indisponíveis exatamente os direitos fundamentais
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Proteção dos Direitos Fundamentais

É sabido que os direitos fundamentais constituem cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV), de modo
que não podem ser objeto de emenda constitucional tendente a aboli-los. Questiona-se, todavia, se
essa proteção também alcança os direitos fundamentais nascidos por meio de reforma constitucional.

Para Gilmar Mendes58, as cláusulas pétreas se fundamentam na superioridade do poder consti-


tuinte originário sobre o de reforma. “Por isso, aquele pode limitar o conteúdo das deliberações deste.
Não faz sentido, porém, que o poder constituinte de reforma limite-se a si próprio”. Arremata o autor:

Se o poder constituinte de reforma não pode criar cláusulas pétreas, o novo direito fundamental que
venha a estabelecer – diverso daqueles que o constituinte originário quis eternizar – não poderá ser
tido como um direito perpétuo, livre de abolição por uma emenda subsequente.

É dizer: direito fundamental criado posteriormente pelo poder constituinte reformar não
é cláusula pétrea, sendo por isso passível de exclusão posterior do ordenamento constitucional.
Essa posição já foi cobrada, por diversas vezes, pelo CESPE, por isso, cuidado!
37

que visam resguardar diretamente a potencialidade do homem de viver com dignidade e de se autodeterminar,
como o direito à proteção da personalidade e da vida privada do trabalhador, que se destina a salvaguardar a
liberdade do trabalhador de tomar decisões sem coerções externas, mormente quando envolver questões ine-
rentes à própria natureza humana, como é, sem dúvida, o direito de estabelecer relacionamentos amorosos com
pessoas com quem um determinado empregado ou empregada houver convivido no ambiente de trabalho, situ-
ação ora em análise. Ademais, a norma regulamentar que proíbe aos empregados da reclamada que, de forma
absoluta e até mesmo fora de seu local de trabalho, mantenham qualquer forma de relacionamento afetivo ou
amoroso com alguns de seus colegas de trabalho também fere direta e frontalmente o artigo 5º, II, da Constituição
Federal, ao tentar tornar ilícito, no âmbito da empresa, um comportamento que a Constituição e as leis absoluta-
mente não proíbem e até estimulam por meio do artigo 226 da mesma Norma Fundamental, que assegura a
especial proteção do Estado à família e à união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar. Por
fim, tal conduta empresarial também ignora por completo o disposto no artigo 21 do Código Civil brasileiro, que
estabelece incisivamente que a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interes-
sado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma (destacou-
se). Diante disso, é forçoso concluir que está configurado, no caso, o abuso do poder diretivo da empresa, a qual,
fundamentando-se exclusivamente em norma interna que proíbe o relacionamento amoroso entre empregados,
dispensou sem causa justificada o reclamante, violando direta e indiscutivelmente seu patrimônio moral, lesão
que deve ser reparada, nos termos dos artigos 5°, inciso X, da Constituição Federal e 927, caput, do Código Civil.
Recurso de revista conhecido e provido. (...) RR n° 122600-60.2009.5.04.0005. Redator Ministro: José Roberto
Freire Pimenta, Data de Julgamento: 11/06/2014, 2ª T, Data de Publicação: DEJT 08/08/2014.
58 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Em outra concepção, é possível que emenda à Constituição acrescente dispositivo ao rol de di-
reitos fundamentais sem que, em verdade, esteja criando direitos novos. É o que ocorre quando a
emenda objetiva explicitar ou especificar direitos já concebidos. Ilustrando, tal situação se verifica, em se
tratando do direito à duração razoável do processo. Esse direito já existia antes da Emenda Constitucional
nº 45/2004, decorrendo do direito de acesso à justiça e do princípio do devido processo legal.

IMPORTANTE!! Com efeito, os novos direitos fundamentais contemplados em emendas


constitucionais não são cláusulas pétreas, por ser impossível ao poder constituinte de reforma limitar-
se a si próprio. Ressalta-se, contudo, que esse raciocínio não se aplica quando a emenda apenas
especifica ou explicita direito fundamental já consagrado pelo poder constituinte originário. Nesses
casos, a conclusão é que, à semelhança do exemplo acima (duração razoável do processo que de-
corre do próprio direito ao devido processo legal), seria inconstitucional sua exclusão do ordena-
mento constitucional, por afronta à clausula pétrea objeto de estudo.

Aprofundando: A natureza democrática e antidemocrática dos direitos fundamentais 38


Para Robert Alexy59, a existência de proteção aos direitos fundamentais é uma experiência profun-
damente democrática e, ao mesmo tempo, profundamente antidemocrática.

“Democrática porque asseguram o desenvolvimento da democracia e de suas condições de


deliberação e, antidemocrática, porque desconfia do processo democrático ao retirar, do
plano deliberativo das maiorias, a possibilidade de algumas decisões ou ações”.

Em outras palavras, os direitos fundamentais, ao passo em que asseguram as condições de partici-


pação dos indivíduos na vida pública (sendo, por isso, democráticos), amputam da vontade da mai-
oria algumas deliberações (sendo, por isso, antidemocráticos), pois tais direitos são protegidos por
cláusula pétrea.

Há, nesse contexto, uma redefinição do conceito de democracia, que não pode ser vista apenas sob
o prisma da vontade da maioria. De se ver que a democracia atualmente desejada, portanto, é uma
democracia constitucional, pluralista e tolerante em que, por meio dos direitos fundamentais decla-
rados para todos os indivíduos e organizações que compõem a sociedade, assegura-se uma “demo-
cracia de direitos”.

59 ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales em El estado constitucional. In: CARBONELL, Miguel. Neo-

constitucionalismo(s). Torino: Editorial Trotta, 2003.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

A colisão do monopólio do poder de conformar o direito através da função legislativa com os direitos
fundamentais normatizados pela Constituição mostra-se, então, apenas aparentemente antidemo-
crática, eis que a função antimajoritária dos direitos fundamentais é justamente preservar o pacto
democrático plural e tolerante estipulado constitucionalmente.

IMPORTANTE

Direitos Fundamentais

Democráticos (aparentemente) Antidemocráticos

Asseguram as condições de uma democra- Constituem limitações à deliberação da vontade da maioria,


cia constitucional ou de direitos, bem como por serem cláusulas pétreas. Assim, mesmo contra a von-
as condições de deliberação. tade da maioria, há que se respeitá-los.

Obs.: Superando-se a ideia simplória de democracia como exercício da vontade majoritá-


ria, para se chegar ao paradigma de democracia constitucional, os direitos fundamentais não se-
39
riam antidemocráticos, mas, bem ao revés, democráticos. Por isso o autor utiliza-se do advérbio
“aparentemente”.

9. CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS JUSTIFICADORAS

Sem embargo da existência de variadas correntes filosófico-jurídicas, para fins de concurso


público, é suficiente que o aluno entenda que sobre o tema contrapõem-se basicamente as concep-
ções jusnaturalista e juspositivista.

Paulo Gonet Branco60, registrando estudo de Jorge Miranda, pontua que para os jusnatura-
listas, os direitos fundamentais são imperativos do direito natural, anteriores e superiores à vontade
do Estado.

Já para os positivistas, tais direitos são faculdades outorgadas pela lei e reguladas por ela.
São por isso mesmo posteriores e dependentes da vontade do Estado. O caráter cultural e histórico
dos direitos fundamentais encontra amparo nesta última concepção.

60 Curso de Direito Constitucional, 9ª Ed., São Paulo: Editora Saraiva, p. 138-139.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Concepções filosóficas justificadoras dos DF

Jusnaturalistas DFs são anteriores à vontade do Estado, sendo, a bem da verdade, conformado-
res desta. São imanentes à condição humana. Evidencia o caráter absoluto dos
DFs.

Juspositivistas DFs são posteriores e dependentes da vontade do Estado. Apenas são DFs os
que forem positivados pelo Estado como tal. Evidencia culturalismo, relativismo
e historicismo dos DFs.

10. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Robert Alexy, na obra Teoria dos Direitos Fundamentais, traçou os parâmetros jurídicos
basilares para o entendimento do tema. A partir da concepção do autor, é possível se entender
a possibilidade de colisão de direitos fundamentais e da superação de tal enfrentamento.

Com efeito, um dos pontos mais importantes da teoria de Alexy é a distinção entre prin-
40
cípios e regras, utilizada para analisar a estrutura das normas de direitos fundamentais. Essa
distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito desses direitos e a chave para a solu-
ção de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela, não pode haver
nem uma teoria adequada sobre as restrições e as colisões entre esses direitos, nem uma teoria
suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico. Por isso, Alexy afirma que
essa diferenciação é uma das “colunas-mestras” do edifício da teoria dos direitos fundamentais.

O autor faz, portanto, uma discriminação precisa entre regras e princípios e uma utilização
sistemática das diferenças em sua teoria. O método adotado não se relaciona com o grau de
generalidade ou abstração das normas, como usualmente descrito pela doutrina tradicional.
Trata-se de uma distinção qualitativa.

Seguindo a concepção de Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou seja,


normas que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, de acordo com as possibili-
dades fáticas e jurídicas do caso concreto.

Por outro lado, regras são mandamentos definitivos, ou seja, normas que só podem ser
cumpridas ou não, sendo realizadas por meio da lógica “tudo ou nada”. Isso implica formas di-
versas de solucionar conflitos entre regras e colisões entre princípios – enquanto o primeiro deve
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

ser solucionado por meio de subsunção, a colisão deve ser resolvida por meio do sopesamento
ou ponderação.

IMPORTANTE

Norma-princípio Norma-regra

Mandados de otimização: são realizá- Mandados definitivos: são realizáveis à


veis na maior medida possível, conside- base do “tudo ou nada”, isto é, ou são apli-
Natureza
rando-se as peculiaridades do caso con- cados ou não são, inexistindo meio-
creto. termo.

Método de aplicação Ponderação ou sopesamento. Subsunção.

A partir dessa distinção estabelece-se uma das teses centrais do autor: os direitos funda- 41
mentais possuem natureza de PRINCÍPIOS, sendo, por isso, mandamentos de otimização, a
serem realizados na maior medida possível, sob a máxima da proporcionalidade, com suas três ver-
tentes – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

No que tange à ponderação, cumpre enfatizar ser ela uma técnica hermenêutica, destinada
a solucionar conflitos de direitos fundamentais, que, como ressaltado anteriormente, são normas-
princípio. Tais colisões compõem o que os autores chamam de hard cases ou “casos difíceis”, exa-
tamente porque a solução não é encontrada aprioristicamente na norma legal, mas sim nas peculia-
ridades do caso concreto.

Pela ponderação, o intérprete contrapõe os princípios de direito fundamental, sopesando-os


no caso concreto, para que nenhum deles sucumba totalmente, mas apenas ceda, em maior ou
menor grau, em favor do outro.

Obs.: Vale destacar a inexistência de hierarquia entre direitos fundamentais em abstrato.


Esta característica decorre do estudo da própria hermenêutica constitucional, para a qual, não há
que se falar em hierarquia entre quaisquer normas constitucionais. Com efeito, a posição topográfica
dos dispositivos veiculadores dos direitos fundamentais é apenas um elemento circunstancial, sem
qualquer relação com superioridade entre eles.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

O exercício da ponderação realiza-se em três planos. No primeiro há de se definir a intensi-


dade de intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores
da intervenção. No terceiro, então, realiza-se a ponderação em sentido específico e estrito.

Planos da Ponderação (Alexy)

Plano 1 Definir a intensidade da intervenção nos DFs em conflito

Plano 2 Aquilatar a importância dos fundamentos para a intervenção nos DFs em con-
flito

Plano 3 Ponderar em sentido estrito e solucionar o conflito

Em sentido estrito, a ponderação é realizada pelo instrumental da proporcionalidade e


suas três sub-regras – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, de 42
modo que o aplicador do direito, diante de um caso concreto, seja capaz de atingir uma justifica-
ção racional quanto à aplicação de um direito fundamental em precedência a outro também pre-
visto constitucionalmente.

a) Adequação – a medida ou meio adotado devem ser aptos para alcançar o resultado pre-
tendido, isto é, o fim visado.

b) Necessidade – imposição para que adote sempre a medida menos gravosa possível (de
menor ingerência) para atingimento de determinado objetivo.

Aqui, um ato que limita um direito fundamental só será considerado necessário se


para realizar seu objetivo pretendido não houver outra medida ou ato que limite
em menor intensidade (menos gravidade), o direito fundamental a ser atingido.61

c) Proporcionalidade em sentido estrito – sopesamento (balanceamento) que se dá


entre a intensidade da restrição sobre um direito fundamental e a importância da rea-
lização do outro que lhe é colidente e que, por isso, parece fundamentar a adoção da
medida restritiva. Daniel Sarmento62 utiliza a expressão “custo-benefício” no sentido

61 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


62 A ponderação de interesses na Constituição federal. Daniel Sarmento. 2003.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

que “o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício (bônus) que pretende
gerar. A constatação negativa deve ser tomada, portanto, como um juízo pela despro-
porcionalidade do ato”.

Nesse sentido, o postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado


como uma “lei de ponderação” segundo a qual “quanto mais intensa se revelar a inter-
venção de um dado direito fundamental, mais significativos ou relevantes hão de ser os
fundamentos justificadores dessa intervenção”.

Obs. 1: Proporcionalidade x Razoabilidade

Conquanto sejam tratadas como equivalentes por parte da doutrina e jurisprudência pátrias, propor-
cionalidade e razoabilidade diferenciam-se por sua origem, estrutura e forma de aplicação.

O princípio da proporcionalidade é nascido na Alemanha (inspirado na limitação ao poder de polícia


do Direito Administrativo francês), enquanto o princípio da razoabilidade foi gerado nos Estados Uni-
dos da América. 43
Ademais, como vimos acima, a proporcionalidade decompõe-se em 3 subprincípios – relação de
causalidade entre meio e fim, exigindo-se dos poderes públicos a escolha de medidas adequadas,
necessárias e proporcionais para a realização de suas finalidades.

A razoabilidade, por sua vez, é apontada como exigível em virtude do caráter substantivo atribuído
à cláusula do devido processo legal. Aplica-se, geralmente, a situações nas quais se manifeste um
conflito entre o geral e o individual, determinando que as circunstâncias de fato sejam consideradas
na aplicabilidade da regra geral – impõe a harmonização das normas com suas condições externas
de aplicação. Foi sob esse raciocínio que o STF declarou inconstitucional a instituição por lei de
adicional de férias para servidores inativos:

A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de férias correspondente a um


terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua,
enquanto projeção concretizadora da cláusula do “substantive due process of law” como
insuperável limitação ao poder normativo do Estado. Incide o legislador comum em des-
vio ético-jurídico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniária
cuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa63.

63 STF – ADI 1.158 MC/AM, Rel. Min. Celso de Mello.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Decorre igualmente da razoabilidade uma correspondência entre critério adotado e medida tomada
– a medida adotada deve ser equivalente ao critério que a dimensiona. Ilustrando, na fixação de uma
pena, por exemplo, a punição deve ser equivalente ao ato delituoso.

Obs. 2: Concorrência x Colisão de direitos fundamentais

A possibilidade de colisão de direitos fundamentais objeto em estudo não se confunde com a concor-
rência entre direitos desta espécie. A concorrência de direitos fundamentais ocorre quando um com-
portamento do mesmo titular se enquadra no âmbito de proteção de mais de um direito, liberdade ou
garantia – aglomeração de dois ou mais direitos na mesma pessoa. Nesses casos, eventuais diver-
gências acerca dos limites de cada direito deverão ser dissipadas pelo critério da especialidade.

Como foi cobrado em prova

CESPE DPE/RN: Como tentativa de evitar a ocorrência de conflito, a legislação brasileira tem im-
44
posto regras que impedem o exercício cumulado de diferentes direitos fundamentais.

ERRADO. A colisão, recorde-se, ocorre quando dois ou mais direitos abstratamente válidos entram
em conflito diante de um caso concreto.

Ela pode ser de duas espécies: colisão em sentido impróprio: o exercício de um determinado
direito fundamental entra em colisão com outros bens constitucionalmente protegidos; colisão au-
têntica: o exercício por parte de um titular colide com o de outro titular.

Em qualquer dos casos, a ponderação se impõe.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Como foi cobrado em prova

MPE/PR: Quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o operador
do direito deve interpretá-los de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em dissenso,
evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do
âmbito de alcance de cada qual, de forma a conseguir uma aplicação harmônica do texto constitu-
cional.

CERTO

11. LIMITAÇÕES E RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Primeiramente, recorde-se de que os direitos fundamentais detêm a característica de serem


relativos, ou seja, não podem ser tomados como elementos absolutos em juízo apriorístico. Disso
decorre sua limitação:
45
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasi-
leiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante
interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda
que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogati-
vas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.
O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão su-
jeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de
ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a
assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exer-
cido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.64

A própria Constituição afirma a possibilidade de limitação aos direitos e garantias fundamen-


tais, v.g., a prever no art. 5º, XII (restrição ao sigilo telefônico), XIII (restrição ao exercício do trabalho,
ofício ou profissão), XV (restrição ao direito de locomoção no território nacional), dentre outros dis-
positivos, por si mesmos, restritivos. São as restrições diretamente constitucionais.

O constitucionalismo moderno entende que a lei infraconstitucional também pode ser utilizada
para promover limitações aos direitos fundamentais, quando retirarem seu fundamento de validade
diretamente da Carta Magna ou para preservar um outro direito constitucionalmente assegurado.
Cuida-se das restrições indiretamente constitucionais. Podemos citar como exemplo a Lei de
Interceptação Telefônica (Lei 9296/1996) no qual regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da

64 STF. MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1999, Plenário, DJ de 12-5-2000.) Vide: HC

103.236, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-6-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Constituição Federal. Na oportunidade, devemos distinguir a interceptação telefônica da quebra de


dados bancários (ex.: extratos das operações financeiras). Neste último caso, entende o STF pela
constitucionalidade da medida.

Como foi cobrado em prova

IBFC Órgão: TRF – 2ª Região Prova: Juiz Federal

A respeito dos direitos fundamentais e garantias individuais, julgue o item:

Viola o direito fundamental à intimidade o fornecimento, pelas instituições financeiras, de informações


bancárias dos contribuintes à administração tributária, sem a intermediação do Poder Judiciário.

ERRADO. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Fede-
ral e dos Municípios podem requisitar diretamente das instituições financeiras informações sobre as
movimentações bancárias dos contribuintes. Esta possibilidade encontra-se prevista no art. 6º da
LC 105/2001, que foi considerada constitucional pelo STF. [STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI
2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 e RE 46
601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 – INFO 815.

Nesse sentido, a limitação deve surgir para desenvolver o direito fundamental ou outros direi-
tos fundamentais previstos constitucionalmente em casos de colisão.

A restrição (limitação) não pode ser tal que, ao invés de desenvolver (dar mais efetividade), prejudique
o direito fundamental (ou os direitos fundamentais em questão), amesquinhando-o(s) de tal forma (de
tal monta) que torne o ato (do legislador ou do administrador) inconstitucional.65

Seguindo esse raciocínio, a teoria dos limites dos limites (ou teoria das restrições das
restrições), de origem alemã, estabelece limites (contornos e parâmetros) para o exercício de res-
trição aos direitos fundamentais. Dito de outra forma, os direitos fundamentais podem ser limitados,
tanto por determinação expressa da Constituição, quanto por lei ordinária com fundamento imediato
naquela, porém tais restrições são limitadas e condicionadas.

Os critérios estabelecidos são de duas ordens: formais e materiais.

Como requisito formal, tem-se que os direitos fundamentais só podem ser restringidos por
normas elaboradas por órgãos dotados de atribuição legiferante conferida pela Constituição –
princípio da reserva legal. Por conseguinte, a eventual restrição estaria expressa ou implicitamente

65 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

autorizada nos ditames constitucionais.

Obs.:66 A reserva de lei impede a adoção de medidas restritivas aos direitos fundamentais pela
Administração Pública, sem que exista um fundamento constitucional ou legal. Isso não significa, porém,
que esta esteja impossibilitada de aplicá-los diretamente, tampouco de protegê-los e promovê-los.

No tocante aos limites materiais, devem ser observados os seguintes:

a) Observância do núcleo essencial: Informa a teoria dos limites dos limites que a restrição
à intervenção do direito fundamental somente é válida se respeitar um núcleo mínimo,
inarredável, previsto expressa ou implicitamente na Carta Magna.

De acordo com as lições do Ministro Gilmar Mendes67, ao citar Konrad Hesse,

“(...) a proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito funda-
mental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.”

O núcleo essencial apresenta-se como o conteúdo mínimo e intangível do direito fundamental, 47


que deve sempre ser protegido em quaisquer circunstâncias, sob pena de criar grave situação in-
constitucional – as limitações aos direitos fundamentais encontram sua constitucionalidade na pre-
servação do núcleo essencial.

IMPORTANTE

Obs. 1: Acerca da proteção do núcleo essencial, a doutrina aponta duas correntes relativas a
seu objeto:

1) Teoria Absoluta: caracteriza esse núcleo mínimo como fixo, separando os direitos insusce-
tíveis de limitação daqueles que podem ser restringidos. Nessa acepção, o conteúdo do di-
reito não se altera com as peculiaridades da situação concreta;

2) Teoria Relativa: (prevalente no Brasil) entende que o núcleo deve ser aferido no caso con-
creto, inserido em um contexto específico.

66 Curso de Direito Constitucional. Marcelo Novelino. 2016.


67 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Adotando-se uma ou outra teoria, pode-se afirmar que o núcleo essencial implica uma limitação que
o legislador não pode ultrapassar, cercando um espaço que a lei não pode adentrar, sob pena de
ser declarada inconstitucional. Nesse sentido, atente-se, o controle de constitucionalidade também
serve de instrumento de proteção aos direitos fundamentais.

Obs. 2: O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, expressamente lançou


mão da tese da observância do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Ilustrando:

a) Garantia de proteção ao direito fundamental da individualização da pena:

A imposição de um regime único e inflexível para o cumprimento da pena privativa de liber-


dade (...) com a vedação da progressividade em sua execução, atinge o próprio núcleo do
princípio individualizador, assim, indevidamente retirando-lhe eficácia, assim indevidamente
diminuindo a razão de ser da norma constitucional que, assentada no inciso XLVI do art. 5º
da Carta de 1988, o preconiza e garante68.

b) Mais recentemente (2019) acerca da garantia da proibição do retrocesso socioambiental: 48

As alterações promovidas pela Lei n. 12.678/2012 importaram diminuição da proteção dos


ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela atingidas, acarretando
ofensa ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental, pois atingiram o núcleo es-
sencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no
art. 225 da Constituição da República.69

b) Restrição genérica e abstrata: A teoria dos limites dos limites impõe, ainda, que a restri-
ção deve ser e genérica e abstrata. Nestes termos, a lei que venha a limitar o direito
fundamental não pode ser casuística, discriminatória, sob pena de ofensa aos princípios
da igualdade material e da segurança jurídica. Do mesmo modo, a interpretação das
normas que venham dispor de restrições a esse direito deve ser feita de forma a evitar
contradições com a Constituição.

68STF. HC 82959/ SP. Rel. Min. Marco Aurélio. 23/02/2006.


STF. ADI 4717, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/2018, PROCESSO ELE-
69

TRÔNICO DJe-031 DIVULG 14-02-2019 PUBLIC 15-02-2019.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

A ingerência no âmbito dos direitos fundamentais a pessoas determinadas, atingindo-as


individual e concretamente afronta os postulados básicos do Estado Democrático de Di-
reito, que veda o tratamento desigual e arbitrário no sentido de prejudicar ou beneficiar
tais pessoas.

“(...) as leis individuais e concretas não contêm uma normatização dos pressupostos da limitação, ex-
pressa de forma previsível e calculável e, por isso, não garantem aos cidadãos nem a proteção da
confiança nem alternativas de ação e racionalidade de atuação.”70

c) Limitações claras e precisas: demanda que as restrições sejam veiculadas em normas


explícitas, afastando-se, por conseguinte, a possibilidade de restrições sub-reptícias, em
atendimento ao princípio da segurança jurídica.

d) Observância do princípio da não retroatividade: novamente em atenção ao princípio


da segurança jurídica, a nova norma que estabelece restrições a direitos fundamentais
deve respeitar a incolumidade de situações definitivamente consolidadas – não alcançará
fatos consumados.
49
e) Submissão ao princípio da Proporcionalidade: O princípio da proporcionalidade, tam-
bém se apresenta como parâmetro para a restrição aos direitos e garantias fundamentais.
Exige-se que toda intervenção na esfera de tais direitos seja feita de forma a observar: a)
Adequação: a restrição é possível se for suficiente para alcançar o pretendido; b) Neces-
sidade: consubstancia-se na ultima ratio, isto é, na inexistência de meio menos gravoso,
sendo imprescindível a limitação ao direito fundamental; c) Proporcionalidade em sen-
tido estrito: revela a ponderação na relação custo-benefício, verificando se a limitação é
capaz de produzir algum bônus ou incremento substancial.

70 Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. José Joaquim Gomes Canotilho. 2003.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Obs.: O STF, ao decidir pela constitucionalidade do protesto da CDA71, entendeu que o pro-
cedimento constituiria mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcio-
nal quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção po-
lítica. A leitura do julgado é recomendada, pois versa sobre todos os critérios acima expendidos,
acerca dos requisitos da teoria do limite dos limites.

71 Ementa: Direito tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.492/1997, art. 1º, parágrafo único.
Inclusão das certidões de dívida ativa no rol de títulos sujeitos a protesto. Constitucionalidade(...) 3. Tampouco
há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode
ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a medida coercitiva
do recolhimento do crédito tributário que restrinja direitos fundamentais dos contribuintes devedores
de forma desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de CDAs. 3.1. Em primeiro
lugar, não há efetiva restrição a direitos fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido
processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o instrumento típico para a cobrança judicial da
50
Dívida Ativa não exclui mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não impede o
devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. De outro lado, a publicidade que é
conferida ao débito tributário pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade profissional,
pois não compromete diretamente a organização e a condução das atividades societárias (diferentemente das
hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc.). Eventual restrição à linha de
crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência indireta do instrumento, que, porém, não
pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício. 3.2. Em segundo lugar, o disposi-
tivo legal impugnado não viola o princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior
publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial
de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A medida é
necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso para o contribuinte (já que não
envolve penhora, custas, honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao execu-
tivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o
congestionamento do Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, uma vez que os even-
tuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios,
a saber: (i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre
concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tri-
butos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo. 4.
Nada obstante considere o protesto das certidões de dívida constitucional em abstrato, a Administração Tribu-
tária deverá se cercar de algumas cautelas para evitar desvios e abusos no manejo do instrumento. Primeiro,
para garantir o respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia, é recomendável a edição de ato
infralegal que estabeleça parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição para identificar
os créditos que serão protestados. Segundo, deverá promover a revisão de eventuais atos de protesto que, à
luz do caso concreto, gerem situações de inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja invalidade tenha
sido assentada em julgados de Cortes Superiores por meio das sistemáticas da repercussão geral e de recur-
sos repetitivos) ou de ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em duplicidade).
5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: “O protesto das Certi-
dões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional
quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.” ADI
5135, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2016, Processo Eletrônico DJe-022
DIVULG 06-02-2018 PUBLIC 07-02-2018.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

IMPORTANTE

Teoria dos Limites dos Limites

a. Observância do núcleo – Teoria absoluta: núcleo mínimo fixo; não leva em considera-
essencial: ção o caso concreto;

– Teoria relativa: núcleo mínimo definido no caso concreto.

b. Restrição genérica – Princípio da igualdade material;


e abstrata:

c. Restrição clara e precisa: – Princípio da segurança jurídica.

d. Submissão ao princípio da propor- – Adequação; 51


cionalidade
– Necessidade;

– Proporcionalidade em sentido estrito.

12. TEORIA DOS DEVERES FUNDAMENTAIS

Recorde-se que a Constituição da República de 1988, em seu Capítulo I do Título II, faz men-
ção expressa aos “direitos e deveres individuais e coletivos”. Embora bem menos abordados, difun-
didos e estudados, os deveres fundamentais detêm fundamental relevância na efetiva tutela dos
interesses da comunidade, objetivada pelo Estado Democrático de Direito.

O reconhecimento de deveres fundamentais diz respeito à participação ativa dos cidadãos na vida
pública e implica em um empenho solidário (de responsabilidade social) de todos na transformação
das estruturas sociais.72

72 A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Ingo Sarlet. 2011.


Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

A CF/88 contempla hipóteses de deveres de natureza política, social, econômica, cultural,


ambiental, dentre outros, direcionados ao Estado, aos particulares, à coletividade (art. 22573), à fa-
mília (art. 22774) etc.

A doutrina identifica a existência de deveres fundamentais expressos e implícitos. São


exemplos de deveres expressos a assistência jurídica gratuita, a indenização por erro do judiciário,
os mandamentos de criminalização (direcionados ao legislador), o alistamento eleitoral e o voto. Ao
revés, seriam deveres implícitos aqueles que, embora não positivados, correspondem diretamente
aos direitos explicitamente declarados. Nesse sentido, haveria sempre pelo menos tantos deveres
fundamentais quanto direitos, sem prejuízo da existência de deveres autônomos75.

Outra classificação sugere que os deveres fundamentais podem ser conexos/correlatos ou


autônomos. Os deveres fundamentais conexos ou correlatos surgem necessariamente a partir
de um direito fundamental correspondente ou afim – ex. direito ao meio ambiente equilibrado e dever
de proteção do meio ambiente (art. 225). Já os deveres fundamentais autônomos não veiculam
tal correspondência à existência de um direito anterior e podem ser exemplificados nos deveres de
pagar impostos, prestar serviço militar, de colaborar na administração eleitoral, de votar, etc. 52
Por fim, não é demais mencionar que, à semelhança dos direitos fundamentais, os deveres
substanciais também podem ter natureza defensiva (ex. proteção do meio ambiente) ou prestacio-
nal (ex. promoção da educação).

Não obstante, a despeito da clareza dos comandos constitucionais, ainda é laboriosa a exi-
gência de cumprimento efetivo de alguns deveres fundamentais. Segundo a melhor doutrina, a razão
seria sua baixa densidade normativa.

Para que os deveres fundamentais possuam exigibilidade coercitiva é necessário que estejam regula-
mentados por normas infraconstitucionais, ou seja, é imperativa a atuação do legislador (o primeiro
destinatário de tais deveres) para que se possam fazer valer em um caso concreto.76

73 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
74 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com

absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à


cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
75 A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Ingo Sarlet. 2011.
76 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017.
Direito Constitucional - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Nesse sentido, prevalece que não se aplica aos deveres fundamentais a norma do §1º, do
art. 5º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Por
conseguinte, os deveres fundamentais careceriam, em regra, de aplicação direta.

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