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HERMENÊUTICA

Atualizado em 13.12.2019

1. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL............................................................... 2


a) método jurídico ou hermenêutico clássico ................................................................................. 2
b) método tópico-problemático ...................................................................................................... 2
c) método hermenêutico- concretizador ........................................................................................ 3
d) método normativo-estruturante ................................................................................................. 4
e) método científico-espiritual (ou integrativo) ............................................................................... 5
f) método da comparação constitucional ....................................................................................... 5
2. PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ............................................................ 7
a) princípio da unidade da constituição ......................................................................................... 7
b) princípio do efeito integrador ..................................................................................................... 8
c) princípio da concordância prática ou harmonização .................................................................. 8
d) princípio da força normativa ...................................................................................................... 9
e) princípio da máxima efetividade .............................................................................................. 10
f) princípio da correção funcional (conformidade funcional ou justeza) ........................................ 10
g) princípio da interpretação conforme a constituição.................................................................. 10
h) princípio da proporcionalidade ................................................................................................ 11
3. CORRENTES INTERPRETATIVISTA E NÃO INTERPRETATIVISTA ........................................ 14
a) corrente interpretativista .......................................................................................................... 14
b) corrente não interpretativista ................................................................................................... 15
4. REGRAS E PRINCÍPIOS ............................................................................................................ 18
a) critérios distintivos ................................................................................................................... 19
b) teoria dos postulados normativos ............................................................................................ 21
c) derrotabilidade (defeasibility – Herbert Hart) ........................................................................... 21
5. Limites da interpretação constitucional (criação judicial do direito) ............................................. 24
a) decisões interpretativas em sentido estrito .............................................................................. 24
b) decisões manipuladoras (manipulativas ou aditivas) ............................................................... 25
6. MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS .............................................................................................. 27
7. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS ...................................................................................... 29
8. A PLURALIZAÇÃO DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO ................................................. 30
9. INTEGRAÇÃO CONSTITUCIONAL E interpretação construtiva ................................................. 31
10. ESTRUTURA DA CONSTITUIÇÃO .......................................................................................... 33
a) preâmbulo ............................................................................................................................... 33
b) ADCT ...................................................................................................................................... 33
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

1. MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

DICA DE PROFESSOR!
IMPORTANTE PARA PROVA

a) método jurídico ou hermenêutico clássico

Idealizado por Ernst Forsthoff, define que a interpretação da Constituição não se distingue da
dos demais atos normativos primários e, por isso, para se interpretar o sentido da lei constitucional,
devem-se utilizar as regras tradicionais da interpretação (interpretação sistemática, histórica, lógica
e gramatical). Em suma: lei e CF se equivalem do ponto de vista hermenêutico – “Tese da Iden-
tidade”.

Os elementos tradicionais, embora importantes para a interpretação constitucional, são insufi-


cientes para a resolução dos casos de maior complexidade, não podendo ser olvidado que as refle-
2
xões feitas por Savigny tiveram por base institutos jurídicos próprios do direito privado. A Constitui-
ção, em tantos dos seus dispositivos, assume o feitio de um ordenamento-marco, estipulando parâ-
metros e procedimentos para a ação política concretizadora.1

b) método tópico-problemático

Elaborado por Theodor Viehweg2, tem como ponto de partida a compreensão prévia do pro-
blema. A Constituição não abrange todas as situações constantes na realidade social. Assim, esse
método busca conceder à Constituição um caráter aberto de interpretação, buscando adaptar o
texto constitucional ao problema concreto. O compromisso central do intérprete consiste em encon-
trar a melhor solução para o problema apresentado. O intérprete verifica os diversos topoi (pontos
de vista) a respeito daquele problema, analisando-os a fim de obter a solução normativa adequada
ao caso. Não existem respostas corretas ou verdadeiras, mas sim argumentos que se impõem pela
força do convencimento. Assim, o “método da tópica” toma a Constituição como um conjunto aberto
de regras e princípios, dos quais o aplicador deve escolher aquele que seja mais adequado para a
promoção de uma solução justa ao caso concreto que analisa. O foco, para o método, é o problema,

1 Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017.


2 Topik und Jurisprudenz (Tópica e Jurisprudência), de 1953.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

servindo as normas constitucionais de catálogo de múltiplos e variados princípios, em que se busca


argumento para o desate adequado de uma questão prática.

Memorize: parte-se do “problema” para criar a norma aplicável (método indutivo).

Daniel Sarmento3 ressalta que a solução do problema apresentado se torna o objetivo central do
intérprete, cujo compromisso com o sistema jurídico deixa de ser absoluto. “Dentre os topoi podem figurar
elementos heterogêneos como o texto normativo, princípios morais, tradições compartilhadas etc.”

A tópica “pura”4 considera o sistema jurídico como um topos entre os demais a serem ponde-
rados pelo intérprete da norma diante de um problema concreto. Segundo Luiz Roberto Barroso: “A
tópica representa a expressão máxima da tese segundo a qual o raciocínio jurídico deve orientar-se
pela solução do problema, e não pela busca de coerência interna para o sistema”.

Corre-se o risco de o método resultar em casuísmos e insegurança jurídica uma vez que a
coerência do sistema jurídico não é prioridade, sendo, no máximo, um topos a ser (des)considerado,
3
maculando inclusive a força normativa da Constituição. Além disso, alerta-se para a falta de compro-
misso do intérprete com a jurisprudência formada àquele respeito, o que compromete a coerência do
sistema judicial.5

c) método hermenêutico- concretizador

É oposto ao método tópico-problemático. Para Konrad Hesse, o teor da norma jurídica só se


completa (se concretiza) mediante o ato interpretativo, que deve considerar tanto o texto constituci-
onal quanto a realidade em que será aplicada a norma. Para tanto, o intérprete se vale de suas pré-
compreensões sobre o tema (aspecto subjetivo da interpretação) e atua como “mediador” entre a
norma e a situação concreta, para obter o” sentido da norma”.

Interpretação e aplicação integram um processo unitário de concretização da norma.

3 Daniel Sarmento. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Ed Fórum, 2012.
4 Segundo Daniel Sarmento, “é como ‘tópica pura’ que Hesse denomina a metodologia jurídica de Viehweg.
Cf. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 65. Na obra de
Hesse, bem como na de Friedrich Müller, a tópica sofrerá certas correções de ordem normativa; será, portanto,
uma tópica mitigada”.
5 Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Memorize: a interpretação parte (da pré-compreensão) da “norma” (método dedutivo).

O movimento de releitura do mesmo texto, que tem como “pano de fundo” a realidade social
(aspecto objetivo da interpretação) e promove uma relação entre texto e contexto, até que o intérprete
chegue a uma compreensão da norma adequada e possa aplicá-la ao fato concreto, é denominado
“Círculo hermenêutico”.

A hermenêutica concretizadora demanda do intérprete uma compreensão prévia justificada e


consciente. Por isso, não poderá ser considerado um intérprete legítimo da Constituição quem não
conhece a teoria da Constituição. A partir daí o paradigma clássico da interpretação pressupõe que
o círculo de intérpretes das normas constitucionais e legais é fechado (em contraposição com a
teoria da interpretação constitucional aberta, de Peter Häberle, estudada adiante.

d) método normativo-estruturante

Criado por Friedrich Muller, parte-se da ideia de não haver identidade entre a norma jurídica 4
e o texto (“programa normativo”). O fenômeno normativo vai, portanto, além do texto normativo, que
é apenas a “ponta do iceberg” (o exemplo é do próprio autor). A interpretação se inicia no texto
(programa normativo), perpassa a realidade social (chamada pelo autor de “domínio normativo”) e
termina na norma aplicável (todo o “iceberg” existente).

A estrutura de uma norma resulta da conjunção entre o programa normativo, que é texto
positivado (a forma pela qual a norma se expressa), e o domínio normativo, que representa a por-
ção da realidade social sobre a qual a norma incide.

A norma constitucional é conformada não só pela atividade legislativa, mas também pela ju-
risdicional e pela administrativa. O intérprete deve identificar o conteúdo da norma constitucional
mediante a análise de sua concretização normativa em todos os níveis na realidade social.

Servimo-nos, nesse ponto, da lição de Luiz Roberto Barroso7 (grifo nosso): A norma jurídica
resulta da conjugação do programa normativo com o âmbito normativo. O programa normativo
consiste nas possibilidades de sentido do texto, estabelecidas de acordo com os recursos tradi-
cionais da interpretação jurídica. Já o âmbito normativo se identifica com a parcela da realidade social
dentro da qual se coloca o problema a resolver, de onde o intérprete extrairá os componentes fáticos

7 Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2017.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

e axiológicos que irão influenciar sua decisão. Este é o espaço da argumentação tópica, da busca
da melhor solução para o caso concreto, tendo como limite as possibilidades contidas no
programa normativo. Esse modelo metodológico procura harmonizar o pensamento tópico-proble-
mático com o primado da norma.

e) método científico-espiritual (ou integrativo)

Para o sintetizador desse método, Rudolf Smend, a análise do texto constitucional não se
fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes do texto da
Constituição, ou seja, integra o sentido das normas a partir da "captação espiritual" da realidade da
comunidade. Assim, é possível concluir que esse método tem natureza sociológica, haja vista que
analisa a norma a partir dos valores subjacentes da Constituição, a fim de alcançar a integração da
Constituição com a realidade espiritual da comunidade.

A Constituição seria mais do que um diploma jurídico, um instrumento de integração social,


econômica e política da sociedade. Suas normas devem ser interpretadas, portanto, a partir de uma
visão sistêmica, captando a realidade social que define o “espírito da Constituição”.
5
À vista disso, esse processo de integração dar-se-á em consonância com a dinâmica da so-
ciedade, o que concede certa elasticidade e flexibilidade à atividade interpretativa do texto constitu-
cional, em atenção à acentuada carga axiológica das normas constitucionais.

f) método da comparação constitucional

Busca realizar estudo comparado da Constituição atual com diversas outras Constituições,
analisando a evolução das normas e dos institutos jurídicos. Assim, estabelece-se uma comunicação
com constituições de outros momentos e países com o fito de descobrir critérios e significados de
enunciados linguísticos, para a busca da melhor interpretação e solução constitucional aos proble-
mas concretos.

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Método jurídico, A interpretação da Constituição não se distingue da interpretação de uma lei e, por isso,
hermenêutico para se interpretar o sentido da lei constitucional, devem-se utilizar as regras tradicio-
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

clássico, ou de nais da interpretação. De tal modo, lei e CF se equivalem do ponto de vista hermenêu-
Forsthoff tico. Em suma: deve se aplicar às normas constitucionais os métodos clássicos uti-
lizados para interpretação das leis.
1

Método tópico- Parte-se de um problema para norma, já que as normas da CF são abertas, o que
dificultaria tomá-las como ponto de partida.
-problemático
CASO  NORMA
2

Método hermenêu- Parte da norma para o caso. Funda-se em um “círculo hermenêutico” condizente com
tico-concretizador o “movimento de ir e vir” das pré-compreensões do intérprete (pressuposto subjetivo)
e de sua consideração da realidade externa (pressuposto objetivo).
3
NORMA  CASO

6
Método científico- Reputa a norma como fenômeno cultural. A análise da norma não pode ater-se à leitura
fria da lei, mas deverá avançar ao substrato sociopolítico a ela inerente. Relaciona-se
-espiritual
com a realidade social e com o movimento dinâmico de renovação constante dos sen-
tidos normativos, em compasso com as modificações da vida em sociedade.
4

Atenção: Foi considerada CORRETA a assertiva formulada pelo CESPE, segundo a qual
“de acordo com o método de interpretação constitucional denominado científico-es-
piritual, a Constituição é um instrumento de integração, não apenas sob o ponto de vista
jurídico-formal, mas também, e principalmente, em perspectiva política e sociológica,
como instrumento de solução de conflitos, de construção e de preservação da unidade
social”.

Portanto, é bom ter em mente que alguns elementos do PRINCÍPIO do efeito integrador
estão presentes também no MÉTODO científico-espiritual.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Método normativo- Texto é diferente de norma.

-estruturante ou de
Müller
TEXTO  CONTEXTO  NORMA
5

Método da compara- Relaciona-se com o Direito Comparado. A interpretação dos institutos se implementa me-
ção constitucional diante a comparação nas várias Constituições.

2. PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

DICA DE PROFESSOR! 7
PONTO IMPORTANTE PARA A PROVA

Funcionam como diretrizes, balizas e guias do processo interpretativo a serem observadas


na interpretação das normas constitucionais.

a) princípio da unidade da constituição

A Constituição deve ser considerada de um diploma coeso, um todo unitário, despido de con-
tradições. Postula-se, portanto, que não se considere uma norma da Constituição fora do sistema
em que se integra. À vista desse princípio, é possível afirmar que não existem antinomias estabele-
cidas entre os dispositivos constitucionais.

(...) É lugar comum que o ordenamento jurídico e a Constituição, sobretudo, não são aglomerados
caóticos de normas; presumem-se um conjunto harmônico de regras e de princípios. RE 344.882/BA
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Desse princípio, o Supremo Tribunal Federal8 extraiu:

▪ a inexistência de hierarquia entre as normas que compõem o texto constitucional,

▪ a inexistência de normas originarias inconstitucionais.

b) princípio do efeito integrador

Consequência do princípio da unidade da Constituição, o efeito integrador impõe que, ao ar-


quitetar soluções para problemas jurídico-constitucionais, o intérprete deve priorizar critérios que fa-
voreçam a integração política e social e o reforço à unidade política.

A Constituição, como elemento do processo de integração comunitária, tem por escopo a


produção e conservação da unidade política.9

Assim, segundo o princípio do efeito integrador, a CF deve ser entendida como um projeto
normativo global que se destine a assegurar a harmonia entre o social e o jurídico, com vistas à 8
manutenção da ordem constitucional. Devem-se integrar os valores e anseios da Sociedade ao pro-
jeto de CF elaborado pelo Estado (Dirley da Cunha Jr).

c) princípio da concordância prática ou harmonização

Também corolário do princípio da unidade da Constituição, o princípio da harmonização


busca coexistência harmoniosa entre os bens jurídicos tutelados pela Constituição, de forma a evitar
a supressão ou o predomínio em abstrato de qualquer deles em detrimento de outro.

Impõe, assim, o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a har-


monizar e gerar concordância prática entre dispositivos em concorrência.

O princípio da harmonização terá serventia mais frequente em conflitos, por exemplo, entre liberdade
de expressão e direito à privacidade. A concordância prática há de ser encontrada em cada caso con-
creto, segundo os parâmetros oferecidos pelo princípio da proporcionalidade. Será proporcional a so-
lução que melhor atender a tarefa de otimização das normas em conflito, considerando-se que cada
qual apresenta pesos variáveis de importância, conforme o caso concreto que esteja em exame. (Gil-
mar Ferreira Mendes. Curso de Direito Constitucional. 2017)

8 ADI 815, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10-5-1996.


9 Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

À aplicação prática do Princípio da Concordância Prática corresponde a técnica de pondera-


ção, sopesamento ou balanceamento: avaliação entre os valores envolvidos, com vistas a alcançar
uma harmonização entre eles no caso concreto.

Importante: O juízo de ponderação a ser exercido relaciona-se ao princípio da proporcio-


nalidade (mais bem estudado abaixo), que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução
do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja
proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício
que se pretende obter com a solução. Devem-se comprimir no menor grau possível os direitos em
causa, preservando-se a sua essência, o seu núcleo essencial (modos primários típicos de exercício
do direito).10

O juízo de ponderação diz respeito ao último teste do princípio da proporcionalidade (propor-


cionalidade em sentido estrito).

d) princípio da força normativa 9


Segundo esse princípio, concebido por Konrad Hesse, o intérprete deve valorizar as soluções
que possibilitem a atualização normativa, a “eficácia ótima da Lei Fundamental” e a permanência da
Constituição, conferindo-lhe máxima aplicabilidade.

Propõe-se seja conferida prevalência aos pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita
aos condicionamentos históricos do momento, garantindo-lhe interesse atual, e, com isso, obtendo-se
“máxima eficácia, sob as circunstâncias de cada caso”. Esse esforço poderá ser de mais pertinência
nos casos de normas que se valem de conceitos indeterminados, de textura literal mais flexível. (Gilmar
Ferreira Mendes. Curso de Direito Constitucional. 2017)

Com o objetivo de evitar o enfraquecimento da normatividade constitucional, os princípios da


força normativa e da máxima efetividade têm sido invocados para desconstituir, por meio de ação
rescisória, decisões de instâncias inferiores já transitadas em julgado quando baseadas em interpre-
tação divergente da conferida ao dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal:11

“A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF
revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma
constitucional. STF - RE 328,812 ED/AM, Rei. Min. Gilmar Mendes.

10 Gilmar Ferreira Mendes. Curso de Direito Constitucional. 2017.


11 Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

A força normativa da Constituição da República e o monopólio da última palavra, pelo Supremo Tri-
bunal Federal, em matéria de interpretação constitucional [...] A interpretação constitucional derivada
das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de
'guarda da Constituição' 1CF, art. 102, 'caput') - assume papel de essencial importância na organi-
zação institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurí-
dico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio
da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental. ADI
3345/DF, Rei. Min. Celso de Mello.”

e) princípio da máxima efetividade

Embora se trate de um princípio aplicável a toda norma constitucional, tem espaço de maior
realce no campo das normas constitucionais programáticas e no domínio dos direitos fundamentais.
A eficácia da norma deve ser compreendida como a sua aptidão para produzir os efeitos que lhes
são próprios – em caso de dúvida, deve-se preferir a interpretação que lhes reconheça maior eficácia.

O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpreta-
ções alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucio-
10
nal, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não auto-aplicabilidade
da norma ou na ocorrência de omissão do legislador. A nova interpretação constitucional. Luís Roberto
Barroso e Ana Paula de Barcellos. 2003.

f) princípio da correção funcional (conformidade funcional ou justeza)

Segundo esse princípio, não é possível, sob o ensejo interpretativo, a alteração na estrutura
de repartição de poderes e exercício das competências constitucionais estabelecidas pelo poder
constituinte originário, de forma a subverter ou perturbar o esquema organizatório-funcional já esta-
belecido. Segundo Gilmar Mendes12, esse princípio corrige leituras desviantes da distribuição de
competências entre as esferas da Federação ou entre os Poderes constituídos.

g) princípio da interpretação conforme a constituição

Diante uma norma infraconstitucional plurissignificativa ou polissêmica, este princípio vincula


a interpretação ao sentido que mais aproxime a norma de sua constitucionalidade.

Se uma norma infraconstitucional, pelas peculiaridades da sua textura semântica, admite mais de um
significado, sendo um deles coerente com a Constituição e os demais com ela incompatíveis, deve-se
entender que aquele é o sentido próprio da regra em exame – leitura também ordenada pelo princípio

12 Curso de Direito Constitucional. 2017.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

da economia legislativa (ou da conservação das normas). (Gilmar Ferreira Mendes. Curso de Di-
reito Constitucional. 2017)

Dessarte, o princípio da interpretação conforme a Constituição impõe a:

▪ Conservação da norma: Sempre que for possível conceder interpretação de acordo com a Cons-
tituição, esta deve ser aplicada para evitar sua declaração de invalidade.

▪ Prevalência da Constituição: a interpretação da norma deve invariavelmente obedecer a “intenção


da Constituição”.

Observe, entretanto, que alguns limites13 se impõem:

 O intérprete não pode contrariar o texto literal e o sentido da norma interpretada, a fim de obter
concordância da lei com a Constituição;

 A interpretação conforme a Constituição só é admitida quando existe, de fato, um espaço de de-


cisão (espaço de interpretação) em que sejam admissíveis várias propostas interpretativas, estando
pelo menos uma delas em conformidade com a Constituição;
11
 No caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma lei inequivocamente em contradição
com a Constituição, não se pode utilizar a interpretação conforme a Constituição, mas se impõe a
declaração da inconstitucionalidade da norma;

 O intérprete não pode violar o texto literal da norma para buscar interpretação de acordo com a
Constituição;

 Do processo de hermenêutica, não pode ser extraída norma nova, totalmente distinta daquela que
o legislador objetivou, sob pena de ofensa à separação dos poderes.

h) princípio da proporcionalidade

Mais que um princípio, a proporcionalidade, deve ser compreendida como um "postulado" que
prescreve o modo de raciocínio e de argumentação relacionado às normas restritivas de direitos. É
composto da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Assim, na aferi-
ção da constitucionalidade de intervenções estatais ou de particulares, deve-se analisar se esses
três subprincípios foram observados ou não.

13 Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino. Direito Constitucional Descomplicado. 2017.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

▪ Adequação (pertinência ou idoneidade) – O meio adotado deve ser compatível com o fim;

▪ Necessidade (exigibilidade) – A conduta deve ser necessária e somente tomada se não houver
outro meio menos gravoso ou oneroso para a sociedade;

▪ Proporcionalidade em sentido estrito – As vantagens conquistadas com a prática do ato devem


superar as desvantagens.

Não se exige que a medida restritiva de determinado princípio fomente o outro princípio em grau
máximo, mas sim que se busque um "ponto ótimo" entre eles. A otimização em relação aos princípios
colidentes nada mais é que o sopesamento.15

PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Princípio da Refere-se à interpretação sistemática da CF. Obriga o intérprete a considerar a CF em


sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as
Unidade da CF

1
normas constitucionais a concretizar (Canotilho). 12

Princípio do As soluções extraídas pelo intérprete devem ser pluralisticamente integradoras (Ca-
Efeito integrador notilho); unidade política e integração social devem ser os objetivos desse princípio.

2 CUIDADO: “unidade política” é expressão-chave do princípio do efeito integrador


e não do princípio da unidade da CF.

Princípio da Má- Deve-se preferir a interpretação que reconheça maior eficácia às normas constitucio-
xima efetividade nais, especialmente as de DF.

Princípio da Jus- Diz com a adequação ao esquema organizatório-funcional, entendido como o mo-
teza ou confor- delo de Estado concebido pela CF. Ou seja, não pode o intérprete subverter a organi-
midade ou exati- zação do Estado, alterando, por exemplo, as funções constitucionalmente estabeleci-
dão ou das. Protege-se, sobretudo, a Separação de Poderes.

correção
funcional

15 Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Princípio da Con- Equivale à ponderação de interesses constitucionais. Busca-se evitar o sacrifício total
cordância prá- de um princípio em relação a outro que lhe conflite com maior peso. Fundamenta-se na
tica ou harmoni- inexistência de hierarquia entre os princípios.
zação

Como princípio hermenêutico, relaciona-se, sobremaneira, à necessidade de atualiza-


ção das normas constitucionais, para adequá-las à realidade social vivenciada pelo
povo. Confere-se, dessa forma, máxima efetividade às normas constitucionais, já que
Princípio da
afetas ao pensamento constitucional vigente na sociedade.
Força normativa
Já no que concerne à busca da força normativa quando da elaboração de uma CF, tem-
(Konrad Hesse)
se que as normas jurídicas e a realidade devem ser consideradas em condicionamento
6 recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da reali-
dade. Para ser aplicável, a Constituição deve ser conexa à realidade jurídica, social
e política, não sendo apenas determinada pela realidade social, mas determinante em 13
relação a ela (TRF/2009).

A força normativa de uma CF depende da chamada “vontade de Constituição”, en-


tendida como a disposição do povo de orientar sua própria conduta segundo a ordem
constitucional vigente. Essa vontade será tão mais intensa quando a Constituição
espelhar os valores essenciais da comunidade política, captando seu espírito. É
importante ressaltar que, para Hesse, no eventual conflito entre os fatores reais de
poder de Lassalle e a Constituição escrita, esta nem sempre haverá de sucumbir,
pois não se deve desprezar seu valor normativo e sua força para mudar a realidade.

Princípio da In- Diante de normas polissêmicas, deve-se dar a elas o sentido que mais se aproxime da
terpretação con- CF. A interpretação conforme a CF somente pode ser operada quando a norma tenha
forme a CF espaço para várias interpretações (plurissignificativa ou polissêmica), pois o intér-
prete não pode atuar como legislador positivo, mesmo que a pretexto de adequar
7
uma norma inconstitucional ao texto Maior. Nesse caso, a solução deve ser pela
declaração de inconstitucionalidade.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade,
bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso e de insuficiên-
Princípio da Pro-
cia, direito justo e valores afins (Karl Larenz e Inocêncio Coelho). Preenche-se de três
porcionalidade
elementos: 1) necessidade ou exigibilidade: medida restritiva de direito só se legitima
ou razoabilidade
se indispensável; podendo-se substituí-la por outra menos gravosa, deve-se evitá-la; 2)
8
adequação, pertinência ou idoneidade: o meio escolhido deve ser adequado ao fim
buscado; 3) proporcionalidade em sentido estrito: refere-se ao custo-benefício da
medida, que deve ser positivo; busca-se a máxima efetividade com mínima restrição.

3. CORRENTES INTERPRETATIVISTA E NÃO INTERPRETATIVISTA

Trata-se de contribuição da doutrina norte-americana ao estudo da hermenêutica. Não se


relacionam a ferramentas metodológicas a ser adotadas pelo intérprete, como visto até aqui, mas à
postura por ele adotada. Baseiam-se, portanto, em diferentes visões sobre o papel dos juízes e os
limites legítimos de sua atividade interpretativa.
14

a) corrente interpretativista

Na hermenêutica constitucional, a corrente interpretativista nega qualquer possibilidade de


o juiz, na interpretação constitucional, criar o Direito, indo além do que o texto lhe permitir.

Trata-se de visão mais conservadora da interpretação constitucional, a qual deve ser pautada pela
vontade originária dos formuladores da constituição (originalismo17) ou pelos elementos contidos no
texto constitucional (textualismo18). (Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017)

17Sustenta que os magistrados devem seguir o entendimento original dos criadores da Constituição, por ser o
sentido pretendido pela sociedade daquela época.
As principais diretrizes do originalismo, voltadas à restrição da margem de ação dos juízes e à promoção da
democracia, são: I) o respeito absoluto à vontade do constituinte histórico; II) a utilização somente de "princípios
neutros" formulados pelo constituinte; III) a interpretação limitada ao previsto ou contemplado como possível
pelo constituinte histórico, de forma a efetivar sua mensagem, sem acréscimo de direitos não previstos origi-
nariamente no texto; IV) impossibilidade de afastamento da mensagem do constituinte histórico por magistra-
dos, sob pena de invasão das competências constitucionais e de atentado contra a soberania popular. (Marcelo
Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017)
18A interpretação deve utilizar apenas ingredientes contidos na Constituição, sendo o papel dos juízes limitado
à aplicação de seu texto, sem modificá-lo.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

b) corrente não interpretativista

De outra forma, a corrente não interpretativista defende um ativismo judicial na interpre-


tação da Constituição, proclamando a possibilidade e até a necessidade de os juízes invocarem e
aplicarem valores substantivos (Dirley da Cunha Jr).

Os adeptos do não interpretativismo adotam posições mais progressistas. Defendem o direito de cada
geração viver a constituição a seu modo, descabendo ao legislador constituinte do passado impor seus
valores, de modo absoluto, à sociedade atual. Por isso, os magistrados têm a obrigação de desenvolver
e atualizar o texto constitucional para serem atendidas as exigências do presente, cabendo-lhes des-
cobrir os valores consensuais existentes no meio social e projetá-los na interpretação. Tal perspectiva
confere ao Poder Judiciário um papel de protagonismo nas mudanças sociais e na incorporação de
novos direitos à constituição. (Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017)

Filosoficamente, a corrente interpretativista é procedimentalista, ao passo que a não inter-


pretativista é substancialista.

CORRENTE CARACTERÍSTICAS 15
– Ostenta características próprias da Escola Exegética, que viveu seu
auge nos tempos do Código de Napoleão: a atividade judicante é apenas
para reproduzir o que a lei, clara, perfeita e completa, já diz. O juiz inter-
Interpretativista
preta de forma procedimental, não podendo ir além do texto.

– Ostenta características próprias do Neoconstitucionalismo. O juiz deve,


interpretando o Direito, criar normas para o caso concreto. A expressão
Não interpretativista
que bem caracteriza essa corrente é ativismo judicial. O juiz interpreta de
forma substancial.

Podem também ser elencadas19 como contribuições da doutrina norte-americana à ciência


hermenêutica:

19 Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional 2017.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Teoria do "reforço da democracia" (John Hart Ely): cabe aos magistrados a proteção de
direitos indispensáveis (pré-condições) ao bom funcionamento da democracia, bem como de grupos
em situação de risco resultante da insuficiência do processo democrático.

Teoria do Minimalismo e Maximalismo das decisões judiciais: o minimalismo envolve o


“uso construtivo do silêncio”, promovendo a democracia por diminuir a interferência judicial no pro-
cesso político, permitindo a resolução desses temas na esfera democrática. Defende20 decisões des-
providas de formulação de regras gerais e teorias abstratas, voltadas apenas ao estritamente neces-
sário para a resolução de litígios particulares.

O maximalismo, por sua vez, refere-se às decisões formuladoras de regras gerais para jul-
gamentos futuros e voltadas a fornecer justificativas teoricamente ambiciosas para os resultados
(significa decidir, em todos os casos, tudo o que possa ser decidido). Quando proferidas por tribunais
constitucionais, tornam o direito mais previsível e reduzem o risco de decisões equivocadas em ins-
tâncias inferiores.
16
Teoria do pragmatismo jurídico (Richard Posner): a decisão deve visar o resultado mais
razoável, levando em consideração não apenas consequências decorrentes do caso específico, mas
também as sistêmicas em seu sentido mais amplo. A decisão pragmática é baseada em fatos e
consequências, mais do que em conceitualismos, generalidades ou deduções silogísticas.

O pragmatismo rejeita as especulações filosóficas muito abstratas e desvinculadas da reali-


dade concreta, como as da metafísica. Ele tem como características fundamentais o antifundacio-
nalismo, o contextualismo e o consequencialismo. O antifundacionalismo é a rejeição da busca
de qualquer fundamento último para as teorias e os argumentos. O contextualismo enfatiza a impor-
tância do contexto histórico e das experiências humanas de cada sujeito nas investigações científicas
ou discussões teóricas. Nesse sentido, o contextualismo se aproxima do relativismo. Já o conse-
quencialismo preconiza que se priorizem sempre as soluções que produzam melhores resultados

20Justifica-se por motivos diversos, entre eles, os de que os tribunais devem: (I) decidir apenas as questões
estritamente necessárias à resolução da controvérsia; (II) evitar decidir casos que ainda não estejam suficien-
temente "maduros"; (III) evitar emitir opiniões consultivas; (IV) respeitar os precedentes judiciais (holdings),
mas não necessariamente as opiniões pessoais secundárias expressas na decisão ; (V) exercer a "virtude
passiva" de manter o silêncio sobre as grandes questões cotidianas.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

práticos. O pragmatismo é, ademais, experimentalista e voltado para o futuro. A justificação dos juí-
zos morais se baseia, para o pragmatismo, no que é mais produtivo, no que pode oferecer a melhor
contribuição para a construção do futuro. (...)

Para Posner, o principal critério para a correção de uma decisão judicial diz respeito às suas conse-
quências. Boa decisão é a que produzir melhores consequências, e não a que estiver de acordo com
os textos legais vigentes ou com alguma ambiciosa teoria moral. (...)

O pragmatismo jurídico, por outro lado, é empirista. Ele tende a atribuir mais importância aos dados
da realidade do que às construções teóricas. A preocupação com o mundo real e com as consequên-
cias prática das decisões judiciais são contribuições relevantes do pragmatismo. No campo da inter-
pretação constitucional, não há dúvida de que essas dimensões devem ser incorporadas.

Atenção. Não é incomum que considerações pragmáticas penetrem na jurisdição constitucional bra-
sileira. Um claríssimo exemplo, de resultado calcado em razões exclusivamente pragmáticas e con-
sequencialistas, ocorreu em julgamento recente do STF, em que, apesar de reconhecer a existência
de inconstitucionalidade no processo legislativo da medida provisória que instituíra o Instituto Chico
Mendes, o STF absteve-se de invalidar o ato normativo – ADI 402921. O mesmo vício que afetava 17
aquela norma também contaminava cerca de quinhentas outras medidas provisórias.

Chegou-se à conclusão de que era preferível naquele contexto “transigir” com os efeitos da incons-
titucionalidade já praticada, do que se sujeitar aos riscos de invalidação de centenas de outras nor-
mas – dentre as quais algumas importantíssimas, como a que criara o programa social “Bolsa-Famí-
lia”. Ao justificar publicamente o resultado heterodoxo do julgamento da Corte, o Min. Luiz Fux res-
saltou que o STF agira de forma “patriótica”, para evitar uma “crise constitucional”. (Daniel Sar-
mento. Direito Constitucional. 2017)

A leitura moral da Constituição22 (Ronald Dworkin): as disposições abstratas da Consti-


tuição, para serem corretamente interpretadas, devem ser submetidas a uma “leitura moral”, em sin-
tonia com a chamada fase neoconstitucionalista. O intuito primeiro é assegurar igual respeito e con-
sideração para todos os indivíduos tutelados pelo Estado. Assim, a leitura da Constituição deve levar

21 ADI nº 4.029, Rel. Min. Luiz Fux. Julg. 8.3.2012; nova proclamação de resultado em 9.3.2012. O vício con-
sistia na inobservância do disposto no art. 62, § 9º, da Constituição, que determina que uma comissão mista
de deputados e senadores emita parecer sobre a medida provisória, antes da apreciação da mesma no plenário
de cada casa legislativa. Uma resolução do Congresso Nacional até então em vigor permitia que a medida
provisória fosse apreciada sem o referido parecer, acompanhada apenas de manifestação do seu relator.

22 Apesar de se referir especificamente à Constituição dos Estados Unidos, a leitura moral proposta por Dwor-
kin, apresenta um caráter geral e, por isso, tem sido utilizada como parâmetro hermenêutico, também, para a
interpretação de outras Constituições democráticas
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

a uma conformação entre a interpretação e os objetivos primaciais das leis fundamentais. Para se
atingir tal fim, os valores considerados superiores – morais – devem prevalecer.

A leitura moral propõe que nós todos – juízes, advogados, cidadãos – interpretemos e apliquemos
essas normas abstratas segundo o entendimento de que elas invocam princípios morais acerca da
decência política e da justiça. (Sergio Fernando Moro. Jurisdição Constitucional Como Democracia.
2004).

4. REGRAS E PRINCÍPIOS

DICA DE PROFESSOR!
DIFERENÇA IMPORTANTE PARA A PROVA

Até o século XX, o caráter normativo dos princípios não era plenamente reconhecido – eram
considerados proclamações políticas, morais ou filosóficas, sem caráter vinculante para os poderes
públicos.

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo23 abriram caminho para


um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpre- 18
tação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem
a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica
constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade hu-
mana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais
e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reapro-
ximação entre Direito e Ética. A nova interpretação constitucional. Luís Roberto Barroso e Ana Paula
de Barcellos. 2003.

O reconhecimento definitivo da normatividade dos princípios veio das formulações teóricas


de Ronald Dworkin (1977) e Robert Alexy (2008).

A partir de então, as normas constitucionais podem ser compreendidas como gênero, de onde
extraem as espécies: regras e princípios, cada qual com peculiaridades relacionadas a sua interpre-
tação e aplicação.

Tradicionalmente, princípios e regras são diferenciados quanto ao grau de abstratividade (ou


generalidade). Enquanto as regras são aplicadas imediatamente, em mero processo de subsunção,

23 A decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo

na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade
vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumpri-
mento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial,
a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal,
uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

apenas a casos homogêneos, o alto grau de abstração dos princípios, considerados normas "gene-
ralíssimas" por serem aplicáveis a diversos casos heterogêneos, exige ação integradora do órgão
que vai aplicá-lo. Demais disso, o conflito entre regras é analisado sob o enfoque da validade das
normas jurídicas e resolvido pelos tradicionais critérios hierárquico, cronológico e especialidade, e o
conflito entre princípios é estudado sob o prisma da importância (valor ou peso), resolvido pelo critério
da ponderação (harmonização).

a) critérios distintivos24

• Critérios distintivos propostos por Ronald Dworkin

Segundo Dworkin, as regras são aplicáveis à maneira do tudo ou nada – caso ocorram os
fatos estipulados por regras válidas, as respostas dadas devem ser aceitas. Atribui-se a elas, por-
tanto, caráter de definitividade.

Os princípios, por sua vez, indicariam, apenas de forma provisória (caráter prima facie), o
sentido da decisão a ser dada, sendo que seu preterimento em um caso específico não significa
invalidade. 19
• Critérios distintivos propostos por Robert Alexy

Embora a noção de princípio formulada por Ronald Dworkin tenha inspirado a teoria desen-
volvida por Robert Alexy, as duas concepções se diferenciam em aspectos de fundamental impor-
tância25.

Os princípios são definidos por Alexy como mandamentos de otimização, ou seja, "normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas
e fáticas existentes”.

As regras, por sua vez, são definidas como mandamentos definitivos, ou seja, "normas que
são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve-se fazer exatamente aquilo
que ela exige, nem mais, nem menos. Regras contêm determinações no âmbito daquilo que é fática
e juridicamente possível".

24Marcelo Novelino. Curso de Direito Constitucional. 2017.


25Para Alexy, os "princípios podem se referir tanto a direitos individuais quanto a interesses coletivos", en-
quanto Dworkin correlaciona princípios a direitos individuais e diretrizes políticas (policies) a interesses coleti-
vos. No mais, Alexy rejeita a tese da única resposta correta e Dworkin não considera os princípios como man-
damentos de otimização.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Enquanto os princípios admitem diferentes graus de concretização, as regras válidas exigem


o cumprimento na medida exata de suas prescrições.

Além disso, as razões fornecidas pelos princípios, diante da possibilidade de superação por
outras mais fortes, têm sempre caráter provisório, enquanto as fornecidas pelas regras têm caráter
definitivo, desde que não comportem exceções.

• Critérios distintivos propostos por Humberto Ávila

O brasileiro diferencia as duas espécies normativas a partir de critérios distintos.

Quanto ao modo como contribuem para a decisão, categoriza as regras como normas
"preliminarmente decisivas e abarcantes" com pretensão de gerar uma solução específica para
o conflito de razões, e os princípios como normas "primariamente complementares e preliminar-
mente parciais" vocacionadas a fornecer razões contributivas para a decisão.

Quanto à natureza do comportamento prescrito, as regras são normas imediatamente 20


descritivas que estabelecem obrigações, permissões e proibições; os princípios são normas ime-
diatamente finalísticas que estabelecem um estado de coisas a ser atingido.

Quanto à justificação adotada na interpretação e aplicação, a das regras exige uma cons-
trução conceitual dos fatos correspondente à da norma e de sua finalidade; a dos princípios impõe
a correspondência entre o "estado de coisas posto como fim" e os "efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária".

Sintetizando os critérios anteriores e refinando-os, Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcel-
los26 lecionam:

Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um


conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir,
pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-
se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula
a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será
válida e vai prevalecer.

26 A nova interpretação constitucional. Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos. 2003.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a
ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma
ordem democrática, os princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando direções
diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso con-
creto, o intérprete vai aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante
concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível. Sua aplicação,
portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representa-
das por outras normas ou por situações de fato.

• Critério distintivo proposto por Peczenik e Hage

As regras fornecem razões decisivas (decisive reasons) para se chegar a determinadas con-
clusões, ao passo que os princípios fornecem apenas razões contributivas (contributing reasons)
– daí serem qualificados como “unilaterais”, ou seja, argumentos favoráveis ou contrários a certos
resultados, mas incapazes de determinarem, por si mesmos, a conclusão específica.

b) teoria dos postulados normativos 21


A par dessas espécies normativas, Ávila (2012) aponta, ainda, a existência de postulados
normativos, definidos como deveres de segundo grau que, situados no âmbito das metanormas,
estabelecem a estrutura de aplicação e prescrevem modos de raciocínio e argumentação no tocante
a outras normas. É o caso, por exemplo, do postulado da proporcionalidade. Embora tradicional-
mente denominada de princípio, a rigor, a proporcionalidade é condição de possibilidade do raciocí-
nio com princípios.

Segundo Ávila, a interpretação e a aplicação de princípios e regras dar-se-ão com base nos postula-
dos normativos inespecíficos, quais sejam, a ponderação (atribuindo-se pesos), a concordância
prática e a proibição de excesso (garantindo a manutenção de um mínimo de eficácia dos direitos
fundamentais), e específicos, destacando-se o postulado da igualdade, o da razoabilidade e o da
proporcionalidade. (Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado. 2017)

c) derrotabilidade (defeasibility – Herbert Hart)

Nada obstante o estudo das distinções qualitativas entre princípios e regras vistas até aqui, é
certo que, mais recentemente, já se discute tanto a aplicação do esquema tudo ou nada aos princí-
pios27 como a possibilidade de também as regras serem ponderadas.

27Determinados princípios – como o princípio da dignidade da pessoa humana e outros – apresentam um


núcleo de sentido ao qual se atribui natureza de regra, aplicável biunivocamente.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Há situações em que uma regra, perfeitamente válida em abstrato, poderá gerar uma incons-
titucionalidade ao incidir em determinado ambiente ou, ainda, há hipóteses em que a adoção do
comportamento descrito pela regra violará gravemente o próprio fim que ela busca alcançar – são os
denominados hard cases.

Parte-se da ideia de que as normas jurídicas possuem exceções implícitas28, não identificá-
veis de antemão, e, quando essas exceções são configuradas, elas têm o condão de derrotar a
solução normativa extraída prima facie da literalidade da norma. O afastamento da aplicação de
regras válidas diante das circunstâncias específicas do caso concreto é conhecido como derrotabi-
lidade (ou superabilidade). Em tais hipóteses, o intérprete confere ao princípio da justiça e aos prin-
cípios que justificam o afastamento da regra um peso maior do que ao princípio da segurança jurídica
e àqueles subjacentes à regra.

A ponderação, portanto, não é feita entre a regra e o princípio, mas entre princípios que forne-
cem razões favoráveis e contrárias à aplicação da regra naquele caso específico.

Não há nisso qualquer desobediência ao direito, pois a decisão é pautada por normas esta-
22
belecidas pelo próprio ordenamento jurídico.

Não confundir o juízo de inconstitucionalidade com a decisão que, a despeito de considerar


a norma constitucional (em tese), deixa de aplicá-la ao caso concreto em razão de circunstâncias
extraordinárias ou de situações de extrema injustiça29 (derrotabilidade).

Sobre o tema, destacamos alguns exemplos em que a técnica foi utilizada, embora sem a
alcunha:

O STJ30 considerou legítima a interceptação telefônica (por determinação constitucional, restrita aos
fins de investigação criminal) determinada por Juízo da vara de família para investigar o paradeiro

28 Hart percebeu que em razão da impossibilidade de as normas preverem as diversas situações fáticas, ainda

que presentes seus requisitos, elas contêm, de forma implícita, uma cláusula de exceção (tipo: a menos que),
de modo a ensejar, diante do caso concreto, a derrota/superação da norma. (Dirley da Cunha Jr.)
29 Como preceitua Humberto Ávila, as regras possuem eficácia de trincheira, já que somente podem ser supe-

radas “por razões extraordinárias e mediante ônus de fundamentação maior”. (Teoria dos princípios: da defini-
ção à aplicação dos princípios jurídicos. Humberto Ávila. Ed. Malheiros)
30 STJ, HC 203.405/MS. “A possibilidade de quebra do sigilo das comunicações telefônicas fica, em tese, res-

trita às hipóteses de investigação criminal ou instrução processual penal. No entanto, o ato impugnado, embora
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

de criança levada por familiar contra determinação judicial. Diante da ineficácia da expedição de
diversas cartas precatórias para busca e apreensão da criança, entendeu-se que as razões forneci-
das pelos princípios protetivos de direitos fundamentais do menor – direitos à educação, à alimenta-
ção, ao lazer à dignidade e à convivência familiar – seriam suficientemente fortes para afastar a regra
("derrotabilidade da regra") constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XII, CF, por serem as conse-
quências do cumprimento da decisão judicial em questão muito menos graves que as decorrentes
da inércia do Judiciário.

O professor Dirley da Cunha Júnior, por sua vez, cita como exemplo de derrotabilidade o reconheci-
mento pelo STF da possibilidade de interrupção da gravidez em razão da anencefalia, pois, com a
decisão, “o Supremo superou/derrotou uma norma jurídica de Direito Penal proibitiva do aborto (salvo
nos casos de gravidez decorrente de estupro ou para salvar a vida da gestante). Entretanto, o crime
de aborto continua a existir e incidir normalmente nos casos tipificados no Código Penal”.

Requisitos procedimentais da derrotabilidade (Humberto Ávila) – a superação da regra


deve conter:
23

1) Justificativa condizente – Deve ser demonstrado o descompasso entre a hipótese da regra e sua
finalidade e, mais, provar que o afastamento da regra não gerará insegurança jurídica.

2) Fundamentação condizente – Essa decorre da hipótese anterior. O afastamento da regra deve ser
fundamentado. Expor o motivo do afastamento, possibilitando a ampla defesa e o contraditório.

3) Comprovação condizente – A justificativa de afastamento da regra deve ser provada, não sendo
possível mera alegação de que ela não está adequada aos anseios normativos e sociais.

Requisito material da derrotabilidade – A decisão individualizada, ainda que incompatível com a


hipótese da regra geral, não pode prejudicar nem a promoção da finalidade subjacente à regra nem
a segurança jurídica que suporta as regras, em virtude da pouca probabilidade de reaparecimento
frequente de situação similar, por dificuldade de ocorrência ou comprovação.

praticado em processo cível, retrata hipótese excepcional, em que se apuram evidências de subtração de me-
nor, crime tipificado no art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

5. LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL (CRIAÇÃO JUDICIAL DO


DIREITO)

Com o advento das profundas mudanças operadas no constitucionalismo do segundo pós-


guerra, a atividade interpretativa desenvolvida no âmbito do Poder Judiciário assumiu uma importân-
cia ainda maior. Tendo em vista a atuação das Cortes na concretização e realização das constitui-
ções, diz Canotilho, "as decisões dos tribunais constitucionais passaram a considerar-se como um
novo modo de praticar o direito constitucional." Isso porque, segundo Marcelo Novelino31:

a interpretação do direito não se resume à mera descrição de um significado normativo, nem à desco-
berta de uma norma preexistente. Trata-se de uma atividade constitutiva, não simplesmente declara-
tória. O intérprete constrói – ou, segundo Humberto Ávila, reconstrói – o sentido da norma a partir do
texto normativo, ponto de partida e limite para a interpretação.

No sistema constitucional brasileiro, o direito judicial com força de Lei revela-se, sobretudo,
nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constituci-
onalidade (CF, art. 102, §§ 1º e 2º) e na edição de enunciados de súmula com efeito vinculante (CF,
art. 103-A). Em tais hipóteses, é inegável a atribuição de um poder normativo ao Tribunal, ainda que 24
pautado por parâmetros constitucionais. A criação judicial do direito se mostra, ainda mais nítida, nas
decisões judiciais criativas, quando o tribunal constitucional emprega a técnica da interpretação con-
forme ou supre uma omissão de outro poder.

Segundo a doutrina, as decisões judiciais criativas (criação judicial do direito) podem ser:

a) decisões interpretativas em sentido estrito

• Sentença interpretativa de rechaço

Diante de duas possíveis interpretações que determinado ato normativo possa ter, a Corte
adota aquela que se conforma à Constituição, repudiando qualquer outra que contrarie o texto
constitucional.

Corresponde à técnica de decisão da interpretação conforme a Constituição.

• Sentença interpretativa de aceitação

31 Direito Constitucional. 2017.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

A Corte Constitucional anula a interpretação ofensiva à Constituição. Não se anula o disposi-


tivo mal interpretado, mas apenas uma das suas interpretações. O preceito questionado continua
válido, mas a norma extraída da sua interpretação inconstitucional é anulada em caráter definitivo e
com eficácia erga omnes32. O Tribunal exclui ou anula o sentido apresentado pelo texto da lei de
maneira inconstitucional, aceitando, no entanto, outras possibilidades interpretativas.

Corresponde à técnica da declaração de nulidade sem redução de texto.

b) decisões manipuladoras (manipulativas ou aditivas)

A Corte Constitucional não se limita a analisar a constitucionalidade das normas que lhe são
submetidas, mas, agindo como legislador positivo, modifica diretamente o ordenamento jurídico, adi-
cionando-lhe ou substituindo-lhe normas, a pretexto ou com o propósito de adequá-lo à Constituição.

• Sentenças aditivas33

A Corte Constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal pelo que ele omite, alar-
25
gando o texto da lei ou seu âmbito de incidência. A decisão se mostra “aditiva”, pois a Corte, ao
decidir, cria uma norma autônoma. A sentença é declarada inconstitucional na “parte em que não
prevê” e contempla uma exceção ou impõe uma condição a certas situações que deveria prever. Ex.
1: STF34 determinou a aplicação, aos servidores públicos, da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exer-
cício do direito de greve na iniciativa privada, pelo que promoveu extensão aditiva do âmbito de
incidência da norma. Ex. 2: A decisão proferida na Pet 3.388/RR ,quando o Tribunal, enfrentando a
situação de insegurança geral deflagrada pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, logrou
dar margens nítidas à extensão do usufruto dos indígenas sobre as áreas que lhes são constitucio-
nalmente garantidas.

32 Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado. 2017.

33 Como espécies de decisões com alguma eficácia aditiva, Gilmar Mendes (Curso de Direito Constitucional,
2017) afirma: ainda devem ser referidas as decisões demolitórias com efeitos aditivos (quando é suprimida
uma lei inconstitucional constritora de direitos), as aditivas de prestação (que têm impacto orçamentário) e as
aditivas de princípio (onde são fixados princípios que o legislador deve observar ao prover a disciplina que
se tem por indispensável ao exercício de determinado direito constitucional).
34 MI 670, red. para o acórdão Min. Gilmar Mendes, MI 708, rel. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, rel. Min. Eros

Grau, julgados em 25-10-2007. Tenha-se presente, ainda, o MI 543, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 24-5-2002,
e o MI 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-1991, quando restou assentado que “é dado ao Judici-
ário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar
o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo que fixar, de molde a
facultar-lhe, quando possível, a satisfação provisória do seu direito”.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Corresponde à técnica de declaração de inconstitucionalidade com efeito acumulativo ou


aditivo (Canotilho).

• Sentenças substitutivas

O juízo constitucional declara a inconstitucionalidade da parte em que a lei estabelece deter-


minada disciplina em vez de outra, substituindo a disciplina advinda do poder legislativo por outra,
consentânea com o parâmetro constitucional. Assim, a Corte não apenas anula a norma impug-
nada como também substitui por outra, essencialmente diferente, criada pelo próprio Tribu-
nal.

Exemplo: Interpretação dada sobre o art. 15-A do DL 3365/41 quanto aos juros moratórios e
compensatórios. No dia 14/09/2001 fora ajuizada contra a MP 2183-56 a ADI 2332 que, em decisão
liminar, suspendeu os seus efeitos e retornou com a taxa de juros compensatórios de 12% ao ano
(detalhe: em 28/05/2018, ao julgar o mérito, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucio- 26
nalidade da taxa de juros compensatórios em 6% ao ano – decisão final na ADI 2332 e art. 15-A do
DL 3.365/41, Inf. 902).

Corresponde à técnica da declaração de inconstitucionalidade com efeito substitutivo


(Canotilho).
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Interpretação
conforme a CF e
De rechaço
repulsa a qualquer
outra que lhe contrarie
Interpretativas em
sentido estrito
Anulação de
interpretação (e não
De aceitação
da norma)
desconforme a CF
Decisões judiciais
criativas

conforma omissão do
Aditivas
preceito interpretado
Manipuladoras
(manipulativas ou
normativas) anula preceito
incompatível com a CF
Substitutivas
substituindo-o por
outro

27
6. MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS35

DICA DE PROFESSOR!
PONTO IMPORTANTE

A mutação constitucional ocorre por meio de processos informais de modificação do signifi-


cado da Constituição sem alteração de seu texto. Altera-se, pela via interpretativa, o sentido da
norma constitucional sem modificar as palavras que a expressam.

A interpretação judicial como instrumento de mutação informal da Constituição. A questão dos proces-
sos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como
instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação,
mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando impe-
rioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e trans-
formações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múl-
tiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. STF. HC 91.361-SP.

35Também chamada de “vicissitudes constitucionais”, “transições constitucionais” (Jorge Miranda), “mudança


constitucional ou processo de fato”.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

No direito constitucional brasileiro podem ser mencionados como exemplos recentes de mu-
tação constitucional, entre outros, as seguintes mudanças ocorridas na jurisprudência do STF envol-
vendo:

i. Competência dos Tribunais de Justiça estaduais para julgar habeas corpus


contra ato de Turmas Recursais dos Juizados Especiais;36

ii. Vedação em abstrato da progressão no regime de cumprimento da pena;37

iii. Instituto da coisa julgada, garantia fundamental da segurança jurídica, relativi-


zado pelo STF na hipótese de decisão transitada em julgado antes do desen-
volvimento do exame de DNA.38

Contrapõe-se, portanto, ao conceito de Emenda Constitucional, processo formal de al-


teração da Lei Fundamental (CF, art. 60).

A mudança implementada pelo poder constituinte derivado reformador se verifica de modo


formal, palpável, por intermédio das emendas à Constituição. Por sua vez, a modificação produzida
28
pelas mutações constitucionais, de modo informal e espontâneo, instrumentaliza-se pelo Poder
Constituinte Difuso, verdadeiro poder de fato, permanente, e que decorre dos fatores sociais,
políticos e econômicos, encontrando-se em estado de latência.

Limites: a mutação jamais poderá significar ruptura com o sistema plasmado pelo constituinte,
ou desrespeito ao sentido mínimo das cláusulas pétreas e aos princípios estruturantes da CF, sob
pena de violação à ordem constitucional.

36 STF – HC (QO) 86.009/DF: “Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, modificando sua jurisprudên-
cia, assentou a competência dos Tribunais de Justiça estaduais para julgar habeas corpus contra ato de Tur-
mas Recursais dos Juizados Especiais, impõe-se a imediata remessa dos autos à respectiva Corte local para
reinício do julgamento da causa, ficando sem efeito os votos já proferidos. Mesmo tratando-se de alteração de
competência por efeito de mutação constitucional (nova interpretação à Constituição Federal), e não propria-
mente de alteração no texto da Lei Fundamental, o fato é que se tem, na espécie, hipótese de competência
absoluta (em razão do grau de jurisdição), que não se prorroga”.
37 STF – HC 82.959: “Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Consti-

tuição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado.
Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconsti-
tucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990.

38 STF. RE nº 363.889.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Mecanismos (Luís Roberto Barroso):

▪ Interpretação (judicial e administrativa39).

▪ Atuação do legislador: quando, por ato normativo primário, procura alterar o sentido já dado a
alguma norma constitucional.

▪ Via costumes constitucionais: os costumes constitucionais admissíveis são o secundum consti-


tutionem, ou interpretativo, e o praeter constitutionem, ou integrativo. No primeiro caso, adota-se uma
determinada interpretação da Constituição, entre as várias que o texto e o sistema franqueiam, por-
que ela é endossada por costume jurídico cristalizado. No segundo, preenche-se uma lacuna cons-
titucional por meio da invocação de costume. Em ambas as hipóteses, as mudanças fáticas ou axio-
lógicas ocorridas na sociedade podem ensejar tanto o surgimento de novo costume como a sua
alteração ou abandono.

7. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS


29
Trata-se de doutrina concebida pela Suprema Corte norte-americana (implied powers), em
1819 (McCulloch v. Maryland), e acolhida pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro, segundo a qual
a outorga expressa de determinada competência a um órgão estatal importa, implicitamente, em
deferimento a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram
atribuídos.

Em outros termos, a atribuição da competência constitucional expressa implica, necessaria-


mente, atribuição implícita de todos os poderes necessários (observada a proporcionalidade) para
atingir o objetivo insculpido na norma constitucional.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, em importantes julgados, a


aplicabilidade da teoria dos poderes implícitos no Brasil:

i. O Tribunal de Contas da União pode conceder medidas cautelares no desempenho de suas


atribuições estabelecidas expressamente no art. 71 da CR (MS 26.547 MC/DF, rel. Min. Celso
de Mello, DJU, 29.05.2007).

ii. O Ministério Público pode, por autoridade própria, realizar investigação de natureza penal,
desde que respeitados os direitos e as garantias fundamentais, as prerrogativas profissionais,

39Em âmbito administrativo, a Res. 7/CNJ reconheceu novas perspectivas aos princípios da impessoalidade e
da moralidade e ao nepotismo.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

sem prejuízo do controle judicial dos atos praticados pelo parquet (HC 89.837/DF, rel. Min.
Celso de Mello, DJU, 20.11.2009).

8. A PLURALIZAÇÃO DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO

A despeito de a hermenêutica tradicional conceber a interpretação constitucional como tarefa


eminentemente judicial, a atividade interpretativa se processa, em grande parte, por meio de um diá-
logo permanente entre corte constitucional, outros órgãos do Judiciário, parlamento, governo, comuni-
dade de cidadãos, entidades da sociedade civil e doutrinadores (participantes materiais do processo
social) – a interpretação deve ser “aberta” a todos que “vivem” a norma. Há também interpretação
constitucional fora dos processos judiciais, como na atividade desempenhada quotidianamente pelo
Legislativo e nos debates travados por diferentes atores sociais na esfera pública informal – forças
produtivas de interpretação. A interpretação constitucional é, na verdade, obra do que Peter Häberle
denominou sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, mais pluralista e democrática.

A democratização não deve ocorrer apenas no momento em que a Constituição é criada, mas
30
também na sua interpretação.

Da abertura da interpretação constitucional brasileiro, várias inovações positivas vêm se pro-


duzindo nos últimos anos.

A Constituição de 1988 promoveu a significativa ampliação do rol de legitimados para o


ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103)40. As leis nº 9.868/99 e nº 9.882/99
criaram a possibilidade de outros órgãos ou entidades participarem do processo constitucional
na condição de amicus curiae e concederam à Corte a prerrogativa de ouvir peritos ou comissão de
peritos e de convocar audiência pública. Essas normas de processo constitucional servem para
canalizar a apresentação das opiniões que se formam no meio social, para que possam influenciar
as decisões judiciais.

O amplo diálogo nacional, participação formal e informal da sociedade no processo de inter-


pretação resulta maior legitimação da decisão final proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

40Enquanto no sistema constitucional anterior a legitimação era atribuída apenas ao Procurador-Geral da Re-
pública, a Constituição de 1988 a estendeu a inúmeras entidades do Estado e até mesmo da sociedade civil.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

Essa possibilidade de interpretação constitucional fora das cortes – democratização da inter-


pretação constitucional – é vital para a legitimação democrática da empreitada constitucional, ele-
mento de coesão social, com a capacidade de expressar a identidade política do povo.

Ressalta-se a subsistência da jurisdição constitucional. Segundo o próprio STF, é dessa Corte


a “última palavra”41 na interpretação da Constituição.

“O exercício da jurisdição constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da Constitui-
ção, põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional
do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna
prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. (...) A interpretação
constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal — a quem se atribuiu
a função eminente de ‘guarda da Constituição’ (CF, art. 102, caput) — assume papel de fundamental
importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o
modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de
dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei
31
Fundamental. MS nº 26.603/DF, Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 4.10.2007.”

9. INTEGRAÇÃO CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO CONSTRUTIVA

A dificuldade para o intérprete da Constituição pode surgir na circunstância de se deparar


com uma situação não regulada pela Carta, mas que seria de se esperar que o constituinte sobre ela
dispusesse. Trata-se de uma lacuna, definida por Jorge Miranda42, como “situação constitucional-
mente relevante não prevista”.

As lacunas constitucionais não devem ser confundidas com as omissões legislativas – a


Constituição delega ao Poder Legislativo a atribuição de regulamentar as normas constitucionais não
autoaplicáveis, nem com matéria não regulamentada – o legislador constituinte opta, de forma in-
tencional, por não tratar uma certa matéria no texto da Constituição.

41 Nada obstante, constata-se na jurisprudência do STF alguma abertura para a revisão dos seus posiciona-
mentos anteriores, quando postos em xeque por atos legislativos subsequentes.
42 Jorge Miranda, Teoria do Estado e da Constituição. 2015.
Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

A construção constitucional, ou interpretação construtiva da Constituição43, ocorre naquelas


hipóteses em que a hermenêutica constitucional assume uma postura mais ousada, buscando, para
além do texto, novas figuras ou incidências não previstas expressamente.44 No Brasil, um caso de
construção constitucional foi o reconhecimento do direito fundamental universal à não autoincrimina-
ção em qualquer esfera, uma vez que o Texto Magno apenas reconhece expressamente o direito do
preso de permanecer calado (art. 5º, LXIII).

Teoria do pensamento jurídico do possível

Para a teoria do pensamento do possível, a realidade do passado, refletida na norma então promul-
gada e eventualmente insuficiente no agora, pode ser corrigida – por meio de alternativas – diante
das necessidades do presente. Também chamada de “pensamento pluralista de alternativas”, a teo-
ria apoia-se na “abertura procedimental”, instituída no modelo teórico da “sociedade aberta de intér-
pretes da constituição”, formulado por Häberle. O pensamento do possível ou o pensamento plura-
lista de alternativas abre suas perspectivas para “novas” realidades, para o fato de que a realidade
de hoje pode corrigir a de ontem, especialmente a adaptação às necessidades do tempo de uma
32
visão normativa, sem que se considere o novo como o melhor.

Não há que se falar em prejuízo à força normativa da Constituição, que é preservada pela ideia de
que esta não é estática nem está pronta e acabada, mas em processo constante desenvolvimento.
Entre as interpretações cogitáveis, aquela que mais se aproxima de um “pensamento do possível”,
na espécie, é exatamente a perfilhada na decisão pelo STF, que logra realizar os princípios em even-
tual tensão dialética sem comprometer aspectos fundamentais da complexa decisão constitucional.
O pensamento do possível é o pensamento em alternativas. Deve estar aberto para terceiras ou
quartas possibilidades, assim como para compromissos. (Härbele)

A teoria foi utilizada pelo Min. Gilmar Ferreira Mendes no julgamento dos Embargos Infringentes na
ADI 1289-4/DF e na Suspensão de Segurança 3154-6/RS. Igualmente, no RE 147.776-8, que envol-
via a questão da defesa e assistência jurídica dos hipossuficientes pelas Defensorias Públicas Esta-
duais. À época, a maioria das unidades da federação não contava com o órgão da Defensoria im-

43 Luís Roberto Barroso. Curso de direito constitucional contemporâneo, 2. ed., p. 129: Há quem diferencie a

interpretação constitucional da construção, salientando o caráter mais vinculado da primeira em relação à se-
gunda. Para nós, a construção não deixa de ser interpretação constitucional, já que se trata de atividade des-
tinada à atribuição de sentido às normas constitucionais.

44 Daniel Sarmento. Direito Constitucional. 2016.


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

plantado e em funcionamento, o que inviabilizava sobremaneira a efetivação do preceito constituci-


onal. A melhor alternativa entre as “possíveis” foi permitir que os Ministérios Públicos e as Procura-
dorias Estaduais atuassem, temporariamente, na defesa dos necessitados, até que o processo de
implantação das Defensorias Públicas se consolidasse no País.

10. ESTRUTURA DA CONSTITUIÇÃO

DICA DE PROFESSOR!
PONTO IMPORTANTE

a) preâmbulo

O preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do di-
ploma e nele devem constar os antecedentes e o enquadramento histórico da Constituição, bem
como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades. Não faz parte do texto constitucional
propriamente dito e, consequentemente, não contém normas constitucionais de valor jurídico autô-
33
nomo. Dessarte, não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal, tampouco
poderá ser paradigma comparativo para a declaração de inconstitucionalidade, porém, por traçar as
diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas-mestras inter-
pretativas.

Para o Supremo Tribunal Federal45, o preâmbulo não se situa no domínio do Direito, mas da
política ou da história, possuindo apenas um caráter político-ideológico destituído de valor normativo
e força cogente, motivo pelo qual não pode ser invocado como parâmetro para o controle de consti-
tucionalidade – Tese da Irrelevância Jurídica.

b) ADCT

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) estabelece regras de transição


entre o ordenamento jurídico antigo e o novo, de forma a evitar confronto de normas com a mesma
hierarquia. Às vezes, no ADCT são inseridos preceitos, com o intuito de excepcionar alguma regra
geral da parte principal da Constituição. Da mesma forma, tanto o constituinte originário como o de
reforma podem deliberar sobre temas concretos, em regulação por prazo definido, preferindo fazê-lo

STF – ADI 2.076/AC, rel. Min. Carlos Velloso (DJ 08.08.2003); STF – MS (MC) 24.645/DF, rel. Min. Celso de
45

Mello (DJ 15.09.2003).


Direito Constitucional – Hermenêutica constitucional

fora do Texto principal, mas com o mesmo valor jurídico das normas ali contidas. Outras tantas vezes,
o assunto em si mesmo parece de menor estatura ao legislador constitucional, que, mesmo assim,
quer recobri-lo com a proteção de que gozam as normas constitucionais. Abre-se, em todos esses
casos, a opção por incluir essas normas no corpo do ADCT47.

Não há qualquer desnível hierárquico entre as normas provisórias da Constituição (ADCT) e


aquelas contidas na sua parte permanente. Todas compõem formalmente a Constituição, integrando
o seu bloco de constitucionalidade, e revestindo-se de supremacia constitucional.

O ADCT, promulgado em 1988 pelo legislador constituinte, qualifica-se como um estatuto de índole
constitucional. A estrutura normativa que nele se acha consubstanciada ostenta, em consequência, a
rigidez peculiar às regras inscritas no texto básico da Lei Fundamental da República. Disso decorre o
reconhecimento de que inexistem, entre as normas inscritas no ADCT e os preceitos constitucionais
da Carta Política, quaisquer desníveis ou desigualdades quanto à intensidade de sua eficácia ou à
prevalência de sua autoridade. Situam-se, ambos, no mais elevado grau de positividade jurídica, im-
pondo-se, no plano do ordenamento estatal, enquanto categorias normativas subordinantes, à obser-
vância compulsória de todos, especialmente dos órgãos que integram o aparelho do Estado. STF. RE
nº 161.462-5/SP.

Não há nenhuma impossibilidade lógica de alteração superveniente de normas transitórias, e


o suposto limite em discussão, além de não figurar no art. 60, § 4º, da Constituição, não pode ser
34
relacionado com a salvaguarda dos valores mais básicos da ordem constitucional democrática, que
são aqueles protegidos pelas cláusulas pétreas. Já houve inúmeras alterações do ADCT por emen-
das constitucionais, e a jurisprudência48 do STF tem afirmado recorrentemente a constitucionalidade
do fenômeno.

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47 Gilmar Mendes. Curso de Direito Constitucional. 2017


48 O leading case na matéria é a ADI nº 830 (Rel. Min. Moreira Alves), em que se consignou, no voto do Relator:
“(...) a transitoriedade em si mesma não torna incompatível a alteração de norma constitucional dessa natureza.
Com efeito, se é possível alterar-se, por emenda, a regra da parte permanente (...); se é possível criar-se
exceção permanente à regra também permanente; é absolutamente ilógico pretender-se que a exceção tran-
sitória, por causa de sua transitoriedade, seja imutável”

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