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Ar, dentro. de. si: OS preconceitos que nos habitam CETIO SNUG ESC CRI) Digalizedo.com CamScanner nTRODUGAO sabemos qué 0S Seres humanos nao nascem preconceituosos; que os preconceitos sao construidos na aprendizagem da cultura e alimentam as relagdes sociais de poder. Isso acontece em todos Os lugares espalhados pelo planeta e ndo diz respeito apenas a uma sociedade especifica. Este artigo discute alguns preconceitos que carregamos de forma inconsciente @ prop6e um olhar para dentro de si, de modo a permitir uma reflexdo so- bre as atitudes de estranhamento e intolerancia diante do que difere de nossos valores e experiéncias vividas. Os aportes tedricos estado ancorados em seis volumes da Colegéo Preconceitos (Albuquerque Junior, 2007; Azerédo, 2007; Galvao & Di Pierro, 2007; Ribas, 2007; Guimaraes, 2008; Prado & Machado, 2008) e em autores como Todorov (2003), Bagno (2004), Manguel (2008) e Vergani (2009). Propor um olhar para dentro de sie refletir sobre alguns preconceitos que nos habitam certamente ndo se constitui em tarefas simples. Isso porque, na maioria das vezes, nao temos consciéncia de que somos portadores de percepgdes distorcidas que se expressam nas situa- es do dia a dia e que pensamos que estamos preparados para lidar com elas. Nao temos a pretensdo de esgotar o tema, posto que a discussao envolve elementos objetivos, subjetivos e valorativos que escapam ao controle dos individuos. 0 que proponho é uma reflexdo que tem como aportes tedricos os seis volumes da Colegdo Preconceitos e algumas leituras relaciona- das ao tema em questao. Os temas discutidos na referida colegao sao do interesse de todos os professores, pois transversalizam os niveis de ensino — educagao infantil, fundamental, médio e superior ~ ¢ as dreas de especialidades. Eles refletem sobre algumas visOes distorcidas que temos sobre o nosso semelhante, comumente chamado 0 outro, visto que, do ponto de vista da psicanalise, 0 outro est presente na vida psiquica do individuo, seja como modelo, objeto, amigo ou inimigo. NOSSOS DUPLOS A nogao do que seja 0 outro como, ao mesmo tempo, uma armadilha terrivel e dis- Criminatéria vem de longe. Mesmo sabendo que € a alteridade que torna possivel a nossa 15 Digtalizado.com CamScanner existéncia, projetamos para as outras pessoas aquilo que nao podemos suportar em ngs Mesmos, ou seja, transferimos 0 que esta supostamente fora de nds, parte das nossas frus. tragdes. Com isso, nio nos damos conta de que somos constituidos por varios outros. qj, teratura universal é recheada de personagens monstruosos, que representam 0 nosso duplo, nossa face plural. Mesmo fora da ficgdo literaria, ha relatos circunstanciados que atribuem , Povos reais certas caracteristicas fantasticas. Segundo Alberto Manguel (2008), 0 naturalista Plinio partiu de crnicas muito antigas € escreveu, no século | 4.C., que hd povos que certamente parecerdo fantasticos a muitos leitores, e faz uma lista desses povos. “Entre os povos mais estranhos da lista de Plinio estig 0s cinocéfalos ou homens-cdes, que tém a cabeca de cachorro € 0 corpo coberto de pelos, Latem em vez de falar e vivem de cacar animais e aves com suas garras"™. A figura desses homens-caes, e muitos outros povos da lista de Plinio, figuram numa cronica posterior das aventuras de Alexandre, o Grande, na India, um best-seller medieval conhecido como o Romance de Alexandre, de autoria atribuida a Calistenes, um sobrinho de Arist6teles que acompanhou Alexandre em suas campanhas®'. As primeiras verses desse livro datam de antes do século IV 4.C., mas foram sucedidas por tradugGes revis's ¢ am- pliadas em latim, arménio, arabe, pahlevi, siriaco e etiope. Segundo Manguel, o estudioso norte-americano David Gordon White ob: com a adicao de materiais novos, “os nomes dos inimigos monstruosos de Alex:. ire eram alterados ao sabor dos acontecimentos recentes”, de modo que o ‘outro monstruc so’ fossé atualizado a cada versdo. Assim, os homens-caes do Romance de Alexandre foraiii identifi: vou que, cados como citas, partas, hunos, alanos, arabes, turcos, mongdis e muitas outras estirpes reais ou imaginarias®. A imagem dos homens-cdes ¢ mencionada em historias de diferentes tradigdes cul turais como a judaico-crista, a muculmana e a hindu. Nesta tiltima, 0 cio é considerado @ iltima encarnagao sub-humana. Na tradi¢ao chinesa, 0 reino dos homens-caes fica além 42s © tanguel, 2008, p43, © Idem, ibidem © Idern, ibidem, p. 43-44 116 op et Digalizado.com CamScanner fronteiras do império chinés, e 6 fruto da hibridagdo entre das tarefas desses homens-cies. Chineses consiste em aj seu caminho de volta ao lar ea Protegé-los das feras ¢ ‘e homens e cdes ou lobos. Umas ludar viajantes perdidos a encontrar dos salteadores. A figura de seres e POvos exdticos parece existir desde ‘sempre. vem do grego exotikos, que designa o que esta fora, isto 6, 0 que nao ralhas da cidade “O termo exético esta entre as mu- “*. © mesmo acontece Com a palavra barbaro. Para os gregos, barbaros eram os homens que nao habitavam as Cidades gregas; que nao partilhavam da cultura grega, da forma de governo, ou da Organizagao politica, da lingua, formas de vestir e de se comunicar, dos rituais e da crenga nos mesmos deuses. Embora fossem diferentes entre sie até rivais, como ficou patente com a Guerra do Peloponeso, os gregos se viam como iguais e pertencentes ao mesmo povo Quando se contrapunham aos barbaros. Resumi- damente, podemos afirmar que 0 povo Grego atribula ao barbaro tudo aquilo que em sua cultura era considerado negativo ou atrasado, embora nao fosse explicita uma ideclogia racista. Um estudo sobre a identidade do cidadao em Atenas permitiu a Nicole Loraux afirmar “que mais valia ser meteco em Atenas do que imigrado na Franga em 1989", uma vez que “a democracia ateniense tinha necessidade dos metecos para os multiplos servicos que prestavam a coletividade dos cidadaos, e nao se contentava absolutamente em tolerar Sua presenga”. Para a autora, “a polis dos cidados gregos nio existia sem a Presenca dos estrangeiros”*, EXOTICOS E SELVAGENS E desse modo que, aos olhos dos europeus, os habitantes do Novo Mundo, quando da chegada de Crist6vdo Colombo a América, em 1492, foram Considerados exdticos e sel- vagens, uma vez que nao partilhavam de sua cultura. Essa ideia do selvagem 6 tao marcante Que, cinco séculos apés a chegada dos europeus a esse continente, ha, ainda, um imaginario fortemente discriminatrio sobre os seus habitantes primeiros e descendentes. Todorov, nr “Idem, ibidem, p. 47 “ Loraux, 1989, p. 15-16. li7 Digalizado.com CamScanner sentimento de estranheza @ hostilidade oy pre o . em A conquista da América (2003), fala sol 0 encontro entre culturas distintas levou g jistados. espanhdis em relagdo aos povos conquistad wo ai um genocidio recorde, pois houve uma diminuigé . e de seres humanos. Nenhum dos grandes massacr hecatombe®, oe Podemos perguntar: quais seriam 0S motivos imediatos que levaram os espanhdis g essa atitude? Um desses motivos ¢ 0 desejo de enriquecimento répido, © que implica trata, com negligéncia o bem-estar e até a vida dos outros. Usavam a tortura oe arrancar 9 segredo sobre os esconderijos dos tesouros & exploravam para obter benefiies, Conforms Todorov (2003). Sem esses motivos, aliados 4 ideia que faziam dos ai segundo aqua, eles eram inferiores e estavam a meio caminho entre os homens € Os animais, a destruigéy da populagao estimada em 70 mihjy, do século XX pode comparar-se q a no teria ocorrido®. Asubjugagdo de um grupo humano por outro grupo encontra sempre justificativas de varias ordens, sejam elas de identidade, de religido, disputa de poder politico e econdmico, entre outras. 0 mecanismo do esteredtipo - concepcao valorativa negativa — 6 uma arma para justificar 0 que nao tem justificativa objetiva. O esteredtipo é uma espécie de esboco ré- pido e negative do que é 0 outro. Uma fala reducionista, em que diferencas e multiplicidades ‘so apagadas em nome da fabricagdo de uma unidade artificial, superficial, uma semelhanga sem profundidade. Segundo Albuquerque Jtnior (2007), “o esteredtipo faz uma leitura do outro sempre de uma Unica maneira, de uma forma simplificadora e acritica, levando a uma ini>gem e uma verdade do outro que ndo é passivel de discussao ou Problematizagao””, O ns > aduncoé uma forma de dizer 0 que é todo judeu, da mesma Maneira que dizemos que o ‘:abitante da regiao Nordeste do Brasil tem a Cabega-chata, generalizando um dado formato de cranio, que 6 encontrado em algumas populagées que vivem na regido, Para todo e qualquer habitante desse espago. Esses so dois exemplos de esteredtipos, Todorov, 2003, p. 191-192, Idem, ibidem, p, 211 © Albuquerque Junior, 2007, p, 13. 118 Digtalizado.com CamScanner Toda sociedade sempre escolheu grupos a sorem perseguidos. Sempre havera 0 outro a ser perseguido, espécie de bode expiatério, conforme René Girard (2004). Ele repre- senta 0 outro que eu nego, que considero uma espécie de dejeto da sociedade, uma vez que nao olhamos para ele como humano, mesmo que as leis falem da unidade da espécie huma- na. Foi dessa maneira que muitos grupos foram perseguidos na historia da humanidade. Os ciganos so emblematicos quando falamos dessa persegui¢ao milenar. CIGANOS: HOMENS DE MIL OF{CIOS E MIL DORES A partir de um estudo realizado por Teresa Vergani (2009) sobre 0 povo cigano, podemos afirmar que “datam de 950 a.C. os primeiros registros histéricos sobre a origem indiana da etnia cigana. Terao transitado doze mil pessoas da India para a Pérsia, onde foram especificamente designadas por ‘luti’ (embora fosse ‘Zotti’ 0 termo persa que geralmente se aplicava aos oriundos da India). Foi af que comegou a sua discriminagao a sua ininterrupta busca de aceitagdo, numa itinerancia que os levou da Pérsia a Siria, 4 Arménia, a Turquia, ao Egito, a Europa”®*. Ao vé-los sempre de cabega levantada, com uma dignidade tao vital quanto a sua incansavel tenacidade, Vergani (2009) afirma que “nao custa aderir a tese histérica que os considera descendentes de tribos guerreiras de Jat e Rajput”®. Mesmo que sejam olhados como arrogantes, indisciplinados, refratarios a toda tentativa de assimilagao, é possivel que a sua fuga a uma submissao humilhante seja 0 preco a pagar pela preservagao dos valores de uma tradigdo que justifica e permite a sua estratégia de sobrevivéncia. Numa longa citagdo, a seguir, a autora expde um pouco da histéria dos ciganos que continuam sendo perseguidos, talvez por gozarem de uma liberdade némade. Pelo mundo afora transformaram-se em homens de mil oficios ¢ mil dores. Um @xodo que esta longe de ter chegado ao fim: por razdes de violéncia, guerra e fome, No inicio; por razGes de implacdvel exclusao, depois. Na Idade Média, por exemplo, ee “ Vergani, 2009, p. 198 “Idem, ibidem, p. 199. 119 Digalizado.com CamScanner Ges (fechadas, g na qual as corporat cn -se com uma sociedade (ea ent 1s e comércio. Como OS agricultores da época nao contrataian mao oa ten ihes restava - como meio de subsisténcia ia, apenas 5 mao de obra temporaria, apet casionais, modestas vendas OU atividades 4, i equenos servicos 0 brestacfo Oe tomo ‘as suas mulheres eram cartomantes que liam 0 esting ¢ ideradas bruxas ou hereges e responsabili sabiam rogar pragas, foram Cn queimadas a mando da ae por flagelos @ epidemias (muta jouco mais clementes quang do). Os ciganos apenas suscitavam olhares um pi 4 quando se manifestavam coletivamente como peregrinos ou enone crite Nessa condigdes, obtiveram pelo menos um privilégio: @ autorizagao } le mendigar! Pri. Vilégio ainda assim condicionado ao seguinte quesito: s6 0S velhos € os doentes podiam recorrer a esmola como meio de subsisténcia. Nos finais do século IV, as leis fiscais no leste da Europa permitiram nao sj ‘© confisco dos bens dos ciganos, como a sua redugdo 4 escravatura: tempos houve em que um cigano sem amo era considerado propriedade do Estado. Em 1499, os reis Fernando e Isabel de Espanha os decretaram como individuos “fora da lei” simplesmente pelo fato de “serem ciganos” (essa lei 86 viria a ser revoga- da no ano de 1929). Ainda na Espanha, no século XVII, chegaram a ser cacados com armas como se fossem animais. Mas nao apenas a influéncia tradicional da Igreja Catdlica incentivava a ferocidade dessas persequigdes. Também a Suit, por exemplo, publicou em 1723 um decreto de interdigdo dos ciganos, cuo nao cumprimento implicava “o corte de uma orelha aos homens e as mulheres ciganas com mais de quinze anos”; em caso de reincidéncia, aplicava-se “a pena de morte”. Em 1525, as cortes decretaram: “no entrem ciganos no reino e s:im os que nele estiverem”. Curiosamente, a princesa Margarida enfatizaria, em: vortaria da- tada de 1639, que “a qualidade de cigano nao é de natureza, mas «r+ seu modo de vida". Modo de vida este que nao deixou de ser brutalmente re: mido. Os Ciganos foram proibidos de falar a “geringonga” (0 romand), de wu: 08 seus trajes tradicionais, de tocarem ou dancarem (em nome da lascivio ‘2 desses Costumes). Nao s6 eram chicoteadas em praca piiblica, como Ihes vr: negado0 direito de permaneceram numa povoagao mais do que 48 horas. Em consequéncia do decreto de 1526, os homens foram condenados ‘is gals ® distribuidos pelas colbnias da Attica, da As i : |, da Asia e da . iam mio de obra bem-vinda ¢ muito apreciada (..), ELST iS Quase no final do artigo, Teresa Vergani afirma que em Portugal poucos conhecem & barbaridades que foram infligidas a esse povo nog Uiltimos quinhentos anos de historia us Vergani, 2009, p. 199-201 120 Digalizado.com CamScanner e pergunta: “Como poderd um pals saldar eficazmente uma tal dlvida hist6rica? Que tipo de asoriminacio positiva sabera, nao s6 pedir perdao, mas eriar as justas condigdes de acei- tacdo de Um povo que SO permanece ‘erante’ porque nao o deixamos sedentarizar-se2"”. Talvez seja preciso mais quinhentos anos de historia para que a tal divida com os ciganos seja saldada, uma vez que a discriminagao sofrida Por esse povo se espalhou por to- dos os continentes do planeta e nao apenas em Portugal. Em julho de 2009, viajei a Espanha e fui conhecer a regido de Andaluzia. La pude observar in loco os olhares de desprezo que sto langados as ciganas que exercem o seu oficio nas ruas de Sevilha. Isso significa dizer que 0 tempo passou, mas 0 Comportamento intolerante de uma parte das Geragdes que vi- vem no século XXI ainda permanece o mesmo, ou seja, nao houve mudanga comportamental na aceita¢ao da cultura € no modo de viver dessa etnia, ACEITAGAO DO OUTRO, ACEITAGAO DE SI E importante repensar e problematizar os nossos preconceitos em relacao aos outros para que eles “possam ser substituidos por conceitos que nascam, por sua vez, do estudo tistérico, da analise, do conhecimento sobre 0 percurso que os homens descreveram no tempo e das hostilidades, conflitos, lutas, interesses, diferengas que os separaram nessa trajetoria, que levaram a emergéncia dos epitetos negativos com que somos nomeados”” ou com os quais nomeamos os outros povos que sdo culturalmente distintos de nds. Albuquerque Junior (2007) alerta que é necessario aceitar as diferengas que nos se- param, entendendo-as como produto de percursos distintos que os grupos humanos fizeram 1a histéria e que, “quando o historiador vai ao passado, é para entender 0 nosso proprio tempo”, ou seja, “produzimos historia para entender o presente € nao apenas o passado”, uma vez que “o passado ndo esta la atrés, fechado em si mesmo, acabado”. O passado, fara esse autor, “continua convivendo com o presente, pois muito do que somos, fazemos, ce " Idem, ibidem, p. 201 o Albuquerque Jinior, 2007, p. 18. 121 Digalizado.com CamScanner "73 Ja por mei ppensamos, gostamos, odiamas nas vem do passado"”, nos ched por elO as geragy, que nos antecederam. Assim, “todo e qualquer aspe Passado que o produziu, que se explica pt produzido pelos préprios homens, em algum m ses e em meio a determinadas disputas, lutas, contlitos’ € um conceito prévio, um conceito sobre algo ou alguém qualquer relagdo de conhecimento ou de andlise se estabeleca. E um conceito apressago, uma opiniao, uma descrigdo, uma explicagdo, uma caracterizacao, que vern antes de qua}. quer esforgo verdadeiro no sentido de se entender 0 outro, 0 diferente, 0 estrangeiro, 9 cto da nossa sociedade e de nossa Cultura tery tn or um processo que 0 antecedeu, ou 88, f jomento, e segundo determinados interes, . Por outro lado, “o preconceit, que se estabelece antes Wu: estranho, em sua diferenga e alteridade"’. Preconceito linguistico; étnico-racial; contra a origem geografica e de lugar; contra as pessoas com deficiéncia; contra o analfabeto; contra homossexualidades; contra a mu- Iher; contra a crianga; contra populagdes rurais, etc. sd alguns dos preconceitos que estio ia das sociedades, e, por conseguinte, nas escolas. As escolas nao sio presentes no dia- ilhas, e entre alunos e professores estdo presentes as mesmas relacdes de conflito de uma sociedade que estimula o individualismo e vé a solidariedade como se fosse um favor®. Todos esses preconceitos mencionados podem e devem ser combatidos, sobretu- do, dentro da escola, espago privilegiado de circulagéo do saber e palco das diversidades étnicas e culturais, desde que os professores estejam fundamentados teoricamente so- bre quais sao os principais preconceitos disseminados dentro da sociedade para efetivar tal combate. Para além da fundamentagao, é necessario o exercicio da competéncia, 43 compreensao e do didlogo, ¢ um esforco intenso e direcionado para debater o tema com frequéncia dentro da sala de aula. O professor deve ter o cuidado para nao assumir atitudes € posturas que reforcem 0 conjunto de opinides aceito de modo aeritico como verdades pelos alunos. Idem, ibidem, p. 18. Idem, ibidem, p. 19. ™ Idem, ibidem, p. 10-11 % Cf, Menezes, 2008, 122 Digtalizado.com CamScanner Por trds dos preconceitos referidos anteriormente, ha quase sempre o preconceito de classe que, NO Brasil, sombreia os demais preconceitos, uma vez que a classe menos abasta- dasofre discriminacao de forma explicita. 0 preconceito nao 6 s6 coisa de grupos sectdrios, como skinheads, por exemplo. Surge da tola pretensdo de valorizar a si mesmo ao depreciar diferentes escolhas religiosas, estéticas, desportivas, musicals, literdrias, etc. Se manifesta istargado de humor, ou se expressa pela humilhago - ou bullying” - como no caso da segregacdo de um estudante, simplesmente porque ele reside em um bairro periférico ou, zinda, pela forma como ele se veste, fala e se comporta, por exemplo”. Muitas formas de intolerancia resultam de visdes e superstigdes presentes nas rela- goes familiares e afetivas ¢ de valores disseminados na sociedade. Em oposigao a isso, a escola deve estimular criancas e jovens a identifica-las em piadas, noticias, torcidas esporti- vas, filmes e novelas e discutir suas origens sociais ¢ hist6ricas. Essa atividade 6 adequada a diferentes disciplinas”. Os julgamentos preconceituosos, no entanto, nem sempre sao definitivos, assim como as teorias cientificas, que sao refutadas e mudam com o passar do tempo. Valorizar a multiplicidade de culturas, 0 questionamento dos saberes @ a necessidade do que é contra- ditdrio é 0 que devemos fazer sem propagar 0 mito da neutralidade absoluta. A escola é um espago das diversidades de valores. Um lugar privilegiado para aprender a resolver conflitos saborear a beleza do convivio com a diferenga™ Todos temos preconceitos, em maior ou menor grau. Alguns de nds deixam esse sentimento transbordar para as atitudes, discriminando abertamente ou de forma camutlada. ‘Alguns poucos conseguem lidar bem com esse sentimento, aceitando e respeitando ao ma- ximo as diferengas dos seres humanos. Ao generalizar experiéncias pessoats, jé prejulgamos. Mais complicado ainda é reconhecer como desfiguramos tragos de carater e sentimentos ” Expresséo em inglés derivada do adjetivo bul, que significa valentio. A palavra reine em seu conceito 0 habito dese valer da superoridadefsca para intmidar,amegrontr ou hair utra pessoa, segundo Campos (2010, 30), “Ct. Menezes, 2008, Idem, ibidem, Idem, ibidem, 123 Digalizado.com ComScanner screver quem estranhamos. Ao nos referirmos a jovens da escola Drivada ssoais a0 des i pess lando nossa insensibilidag, como “patricinhas”, por exemplo, estamos discriminando e revel pelo simples uso desse termo. Assim, 0 combate aos nossos prdprios preconceitos ¢ uma batalha constante, que precisamos travar a cada contato, a cada nova amizade, a cada conversa, a Cada decisao, ¢ necessério um olhar para dentro de si e se colocar no lugar do outro que sofre qualquer tipo de discriminagao. Leis e medidas judiciais podem servir para defender as vitimas do precon. ceito, mas nao resolvem o problema na raiz. Muitas vezes, atitudes que “podem parecer uma simples brincadeira, sdo na verdade consideradas um crime”, alerta a socidloga Elizabeth Fernandes de Souza, no livro Racismo e antirracismo na educagao"'. Os adolescentes de classe média de Brasflia, quando atearam fogo no indigena na rua da capital federal, exemplificam bem essas atitudes mal disfarcadas de brincadeira. Seja um indigena ou um mendigo - conforme falaram os adolescentes — se trata da mesma atitude que expressa a intolerancia diante do diferente que est4 no coracdo de todo racismo. Quem presencia um ato de discriminagao na escola, na rua ou na televisdo, e nao tem espaco em casa para debaté-lo e entendé-lo, pode até adotar 0 comportamento preconcei- tuoso como certo. Dai a importancia de se abordar o assunto com naturalidade em casa Mas, muitas vezes, a maioria dos pais nao esté e nem foi preparada para conversar sobre um tema to multiplo que envolve conhecimentos objetivos e subjetivos. Nesse caso, cabe 4 escola e aos professores dialogar sobre a desconstrugdo de alguns preconceitos, pois as Criangas ¢ os adolescentes, muitas vezes, nado contam com um profissional que possa escla- recer suas duvidas e ajuda-los. Um dos preconceitos mais habituais na sociedade brasileira ¢ 0 preconceito linguist co, discutido por Marcos Bagno (2004). Ora, nao é de estranhar que da mesma forma que @ ee se modifica com o passar do tempo, a lingua acompanhe as modificagdes e ve rie de acordo com os diversos contatos entre os seres pertencentes & comunidade universal. Logo, a lingua 6 considerada um objeto hist6rico, sujeita a transformagdes, que se modifica n0 tempo e se diversitica no espago. Uma visita ao Museu da Lingua Portuguesa, localizado ——___ " Sowza, 2001, p. 58, 124 Digalizado.com CamScanner na Estagao da Luz, em Si0 Paulo, ilustra muito bem as mudangas que esse idioma sofreu go longo dos séculos. Para Bagno (2004), existem quatro modatidades que explicam as variantes linguis- ticas: 1. variagdo historica (palavras e expressies que cairam em desuso com o passar do tempo); 2. variagao geografica (diferengas de Vocabulario, prontincia de sons e construgdes sintaticas em regides falantes do mesmo idioma); 3. variagao social (a capacidade linguistica ¢o falante provém do meio em que vive, sua classe social, faixa etaria, sexo e grau de esco- laridade); 4. variagao estilistica (cada individuo possui uma forma e estilo proprio para falar, adequando-o de acordo com a situacao em que se encontra). Entretanto, Mesmo que as variantes descritas expliquem as variacées linguisticas, 0 falante que ndo domina a lingua considerada padrao por sua comunidade linguistica, sofre preconceitos e é algumas vezes excluido do convivio daqueles que tiveram acesso a educa- co formal, os quais consideram-se “melhores” que os demais. De acordo com Bagno (2004), preconceito lingu(stico é a atitude que consiste em discriminar uma pessoa devido ao seu modo de falar. Por tras desse preconceito ha um outro preconceito: 0 social, visto que nao é a maneira de falar que sofre preconceito, mas a identidade social e individual do falante, uma vez que o aluno, ao ingressar na escola, possui um repertério cultural j4 formado pelo seu meio e, se Ihe for dito que tudo o que conhecia — No caso, sua linguagem — é errado, perder parte de sua identidade original. E importante que os professores promovam os instrumentos necessarios para que os alunos possam ser capazes de compreender as linguagens formais e informais e adequa-las as diversas situagdes. HA também a necessidade de fazé-los refletir sobre 0 que é certo & errado, levando em consideragao as diversas variagGes hist6ricas, estilisticas, geograficas e Sociais que a linguagem possui. APRENDER A ACEITAR AS DIFERENCAS Para minimizar os preconceitos em qualquer sociedade, sejam eles de ordem linguis- tica; étnico-racial; de origem geografica e de lugar; de pessoas portadoras de necessidades, Speciais, com deficiéncia ou mobilidade reduzida; de homens e mulheres ndo-alfabetizados; 125 Digalizado.com CamScanner de escolhas sexuais; de género; ou quaisquer outros, 6 necessdrio aprender a aCeitar as Giferencas e assegurar a igualdade dos direitos para todos. Para que haja tal aprendizagem ¢ Necessario também uma democratizagdo dos saberes e da educagao na sociedade brasileira pois “a educacdo é um remédio que, se administrado de forma desigual, torna-se um veneng que da origem a uma doenca social: um fosso entre os bem formados e os sem nada" E preciso, ainda, reconhecer, conviver e valorizar a diversidade, de modo a minimizar 3 exclusdo e promover aos homens e mulheres oportunidades de participagao em diferentes esferas sociais. Como sabemos, a palavra preconceito significa um “pré” conceito sobre alguma coi- $a que ainda ndo conhecemos em profundidade. Somente a partir do momento em que sz estuda sobre determinado tema ou assunto, que se aprende sobre ele, 6 que a nebulosa representacao da ignorancia comecar a se dissipar. E importante que na formacao escolar das criangas brasileiras esteja presente a pro- blematizacao de nossos preconceitos, que estes sejam substituidos por conceitos, que nas- am, por sua vez, do estudo, da andlise, do conhecimento sobre o percurso que os homens, descreveram no tempo e das hostilidades, conflitos, lutas, interesses, diferengas que 0s se pararam nessa trajetoria, que levaram 4 emergéncia dos esteredtipos negativos com os quais ‘somos nomeados ou nomeamos nossos semelhantes. E necessario compreender e aceitar as diferengas. No sao elas que nos separam, elas sao valores da diversidade cultural. As dife- fengas $40 produtos de percursos distintos que as sociedades humanas fizeram na histdra. Que nesse caminhar pelas diversidades culturais humanas as palavras de Boaventuré de Sousa Santos (2000) fagam sentido para nds: “Temos direito a ser iguais quando a dilé- renga nos inferioriza, e a ser diferentes quando a igualdade nos descaracterizé REFERENCIAS ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Preconceito contra a origem geografica e de ugar a fronteiras da discOrdia. Sd0 Paulo: Cortez, 2007. (Colecdo Preconceitos, v. 3). © Pasenal, 1997, 9.29 126 Digalizado.com CamScanner reconceito contea a "mulher": -eato0, Sandra. Preconcel ‘muther": diteren i oaT. (colegio Preconcetos, v. 1), '¢aS, Poemas e corpos. Sao Paulo: pf reno _quas, afel Punidos pelo nad, In: Revista da Citra, Sto Paulo, ab, 2010, Marcos. Preconceito linguistico: 0 que 6, como se faz. 33. ed, S40 Paulo: Loyola, 2004. ji Nazaré Baia; SILVA, Carlos Ald i jeu, Wilma de 5 lemir Farias da. Entrevista: A questai fl. 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