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RESUMO
O presente artigo visa estabelecer algumas relações existentes entre a dramaturgia da América
Latina e a violência como tema constitutivo da história do continente – ditaduras, violação de direitos
humanos, extermínio de povos indígenas e comunidades inteiras, entre outros. A partir de dois
textos específicos, Magnólia Perdida en Sueños (2008) de Ana María Vallejo (1965-) e Antígona
Furiosa (1985-1986) de Griselda Gambaro (1928-). Pretende-se destacar esses aspectos
marcantes na dramaturgia das autoras em relação à história de seus países, Colômbia e Argentina,
respectivamente, levando em consideração os elementos estruturais e temáticos da dramaturgia.
Palavras-Chave: Dramaturgia feita por Mulheres, Dramaturgia Latino-Americana, Violência na
Dramaturgia.
ABSTRACT
This article aims to establish some existing relationships between Latin American dramaturgy and
violence as a constitutive theme of the continent's history – dictatorships, violation of human rights,
extermination of indigenous peoples and entire communities, among others. From two specific texts,
Magnólia Perdida en Sueños (2008) by Ana María Vallejo (1965-) and Antígona Furiosa (1985-1986)
by Griselda Gambaro (1928-), it is intended to highlight these remarkable aspects in the dramaturgy
of the authors in relation to the history of their countries, Colombia and Argentina, respectively, taking
into account the structural and thematic elements of the dramaturgy.
Keywords: Colombian Playwrite, Latin American Playwrite, Playwrite and Violence.
1
Atriz, dramaturga, doutoranda em Artes da Cena- UNICAMP. Bolsista CAPES.
2
A comissão da verdade foi formada após a assinatura dos acordos de paz entre o governo colombiano e
os guerrilheiros das FARC em 2016. “No âmbito do Acordo Final para o término do conflito e a construção
de uma paz estável e duradoura, assinado entre os Governo da Colômbia e as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia - Exército Popular FARC -EP, por meio da Lei Legislativa 01 de 2017 e do
Decreto 588 de 2017, da Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Coexistência e a Não Repetição,
a título temporário e extrajudicial mecanismo do Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não
Repetição, para conhecer a verdade do ocorrido no âmbito do conflito armado e contribuir para o
esclarecimento das violações e infrações cometidas durante o mesmo e oferecer uma ampla explicação de
sua complexidade para toda a sociedade”. Disponível em: <https://comisiondelaverdad.co/la-comision/que-
es-la-comision-de-la-verdad#:~:text=%E2%80%9CSomos%20una%20Entidad%20de%20Estado,las%20b
ases%20para%20la%20no>. Acessado em: 13 de julho de 2022 às 10:15.
3 Corifeo: (…) Lembrar de mortes é como agitar água em um pilão (…) Tradução nossa.
Antígona - Que las leyes, ¡Qué leyes!, me arrastran a una cueva que será mi tumba.
Nadie escuchará mi llanto, nadie percibirá mi sufrimiento. Vivirán a la luz como si no
pasara nada. ¿Con quién compartiré mi casa? No estaré con los humanos ni con
los que murieron, no se me contará entre los muertos ni entre los vivos.
Desapareceré del mundo, en vida (GAMBARO, 2016, p. 324)4.
4
Antígona - Que leis, que leis! me arrastam para uma caverna que será minha tumba. Ninguém vai ouvir
meu choro, ninguém vai perceber meu sofrimento. Eles viverão na luz como se nada tivesse acontecido.
Com quem vou compartilhar minha casa? Não estarei com humanos ou com aqueles que morreram, não
serei contada entre os mortos ou entre os vivos. Vou desaparecer do mundo, ainda viva. (Tradução nossa)
5
Antígona - A piada nunca vai acabar? Irmão, não suporto essas paredes que não posso ver, esse ar que
oprime como uma pedra. A sede. (Ela apalpa a tigela, levanta e leva aos lábios. Se imobiliza). Beberei e
continuarei com sede, meus lábios se quebrarão e minha língua se tornará um animal mudo. Não. Eu rejeito
esta tigela de misericórdia, que serve como um disfarce para a crueldade. (Ele vira lentamente a tigela) com
a boca molhada de minha própria saliva irei para a morte. Com orgulho, Hemon, irei para a minha morte. E
você virá correndo e enfiará sua espada. Eu não o soube. Nasci para compartilhar amor e não ódio (longa
pausa) Mas o ódio manda (Furiosa) O resto é silêncio (Se mata. Com fúria) (Tradução nossa).
6
Voz da mãe: Então é verdade que o meu irmão Antonio cortaram-lê a cabeça. Mas como é possível que
cortaram a cabeça do meu irmão Antonio? Quem nos mata os irmãos? Não falem pra minha mãe que
alguém cortou a cabeça do filho dela, essas coisas não se falam pra mãe, não. Berenice não! Não ponha
terno escuro em meu irmão, porque em Barrancabermeja o pano não gosta nem para os mortos, por que
não consigo ver direito? Se nem estou chorando (Tradução nossa).
Um elemento adicional da obra são as imagens oníricas que Magnólia possui, que
contêm memórias nostálgicas atravessadas pelo medo e pela constante ameaça do
contexto que põe em risco a vida dos seus seres queridos, as narrações dela contam a
morte de familiares, vizinhos e amigos, apelando para aquela ideia de que a morte violenta
sempre circulou na vida dela.
Juan: Aquí estoy madre, cansado, muy, muy cansado, casi me da envidia su
prolongado sueño, quisiera acostarme a su lado, como cuando estaba chiquito y
dormir profundamente hasta que todo esto haya pasado, despertar en otra vida, eso
quisiera. A los 28 años soy un viejo combatiente, a los 14 fui joven militante, nunca
me dijeron niño en esa época, a los veinte era ya un mutilado de guerra, de todos
modos me hicieron comandante, su hijo es un héroe anónimo en esta eterna guerra.
He ido y he vuelto unas cuantas veces del horror y estoy cansado, ya no peleo por
convicción y mucho menos por pasión madre, salgo al ruedo como un torero
enfermo a intentar despistar al toro. Pero no puedo hacer otra cosa mamá, ya no
puedo pedirle que me piense ni que rece por mí, sólo suéñeme. 9 (VALLEJO,
2008,P.33).
7 Até agora no ano de 2021 o Indepaz registra 91 massacres, uma média de 381 vítimas e o ataque a 66
municípios do país. Disponível em: <http://www.indepaz.org.co/informe-demasacresencolombiadurante- el-
2020-2021/>. Acessado em: 15 de julho de 2022 às 10:20.
Além do anterior, o Centro Nacional de Memória Histórica informa que na Colômbia, entre os anos de 1958
e 2012, o conflito armado causou a morte de 218.094 pessoas, 81% das quais são civis. Disponível em:
https://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/estadisticas.html Acessado em
15/7/2022 às 9:20.
8 Juan: Não é minha guerra, é de todos, mais cedo ou mais tarde bate à porta, te fere gravemente, olha os
vizinhos, eles vivem num estupor mentiroso, seus filhos se matam entre eles, a vizinhança sangra e eles se
levantam cedo para trabalhar como se a situação fosse com outra pessoa.
Mariana: Não me peça para entender a sua vida. Um acerto só traz outro acerto e você bate na escuridão.
Você será atingido por um inimigo sem rosto em qualquer noite e nada terá mudado. Nada. Silêncio
(Tradução nossa).
9 Juan: Aqui estou mãe, cansado, muito, muito cansado, quase invejo seu longo sono, gostaria de deitar ao
lado de você, como quando era pequeno e dormir profundamente até que tudo isso passasse, acordar em
outra vida, é isso que eu gostaria. Aos 28 eu sou um velho combatente, aos 14 eu era um jovem militante,
eles nunca me chamaram de criança naquela época, aos vinte eu já era um mutilado de guerra, de qualquer
maneira me fizeram um comandante, seu filho é um herói anônimo neste guerra eterna. Fui e voltei algumas
vezes do horror e estou cansado, não luto mais por convicção e muito menos por paixão mãe, vou para a
arena como um toureiro doente tentando enganar o touro. Mas não posso fazer mais nada, mãe, não posso
pedir que pense em mim ou ore por mim, apenas que sonhe comigo (Tradução nossa).
Referências
DIEGUEZ, ILEANA. Cuerpos sin duelo. México: Universidad Autónoma de Nuevo León,
2016.
GMH. ¡BASTA YA! Colombia: Memorias de guerra y dignidad. Informe General Grupo
de Memoria Histórica. Colombia: Imprenta Nacional, 2013.
GMH. MEDELLÍN: Memorias de una guerra urbana. Colombia: Imprenta Nacional, 2017.
LAMUS, MARINA. Boletín Cultural y Bibliográfico, Vol. 36, núm. 50-51. Colombia:
Biblioteca Luis Ángel Arango. 1999
SARRAZAC, JEAN PIERRE. Poética do drama moderno. São Paulo: Perspectiva. 2017.
VALLEJO, ANA MARÍA. Entrevista concedida a Yenny Paola Agudelo. Bogotá, 20 mar.
2019.
VALLEJO, ANA MARÍA. Ana María Vallejo de la Ossa. Disponivel em: <https://anamaria
vallejo.hotglue.me/>. Acesso em: 03 de julho de 2021.
RESUMO
Este artigo trata da criação artística como um espaço para tecer reflexões acerca da natureza
criminosa das violências de gênero, partindo da pergunta problematizadora: como a arte reage à
questão de violência contra a mulher? A violência contra a mulher é produto de uma construção
histórica e, nesse sentido, o teatro produz um efeito real em apresentar os contextos, ações e
situações que resultaram e resultam dessa construção. A produção/criação da obra cênica A
Vagabunda – Revista de uma mulher só, como pesquisa empírica, é analisada a partir dos seus
elementos discursivos dentro de uma proposta de rompimentos e de enfrentamentos de práticas de
violência originadas pela dominação masculina. Colocando-se à frente da escrita, as mulheres,
autoras dessa obra teatral, expõem suas perspectivas, experiências e posições políticas na trama
da encenação.
Palavras-Chave: Violência; Mulher; Artista; Artes Cênicas.
ABSTRACT
This article focuses on the artistic creation process and sees it as a place where we can connect
some thoughts about the criminal nature of gender-based violence, starting from a leading question:
How does art react to violence against women? Violence against women is a product historically
constructed, and therefore the performing arts produce an actual effect on presenting the contexts,
actions, and situations that resulted and still result from that construction. The staging-creation of
the play "The Vagabond, a One-Woman Music-Hall Show", being an empirical research, it’s
analyzed from its discursive elements perspective within a proposal that involves rupture and
confrontation of the violent practices originated by the male domination. Putting themselves at the
head of the writing process, the women authors of the play expose their perspectives, experiences,
and political positioning in the plot of the staging.
Keywords: Violence; Women; Artist; Performing Arts.
1 Pós-doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro /PPGAC/UNIRIO. Participou
da Bolsa FAPEMA, sob supervisão de José da Costa. Em 2016, pela Universidade de São Paulo /ECA,
formou-se doutora em Artes Cênicas. É professora adjunta da Universidade Federal do Maranhão – PPGAC
e artista pesquisadora do Grupo Xama Teatro.
2
Nicolle Machado tem mestrado em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Uberlândia / PPGAC/UFU.
É integrante do grupo Poli companhia e do Xama Teatro (MA).
3
Nadia Ethel Basanta Bracco tem mestrado em Artes Cénicas pela Universidade Federal do Maranhão/
PPGAC/UFMA. É Licenciada em Teatro pela Faculdade de Artes e Graduada do Programa de Treinamento
e exibição de vídeos das práticas em ateliê, improvisação, execução de programas, promoção e registro de
diálogos virtuais, transcrição de reuniões, exercícios de dramaturgias e inventários de experimentos.
A posição periférica da mulher no teatro ainda vigora como uma violência estrutural
e simbólica, o que reflete na importância de se garantir espaço igualitário para todos os
gêneros no âmbito cultural. A ocupação da mulher em várias funções da produção cênica,
de forma a contribuir para a composição de uma ficha técnica formada, majoritariamente,
por mulheres, pode ser considerada como uma estratégia de superação, diante do cenário
que coloca as mulheres em posição de subalternidade no campo das artes.
Em um processo de montagem de uma obra teatral, duas figuras que ocupam
lugares de decisão na produção cênica, a figura da diretora e a figura da dramaturga, nos
orientam para o reconhecimento das realidades no cenário nacional das artes cênicas.
Considerando a identificação do nome artístico descrito na ficha técnica do espetáculo,
apresentaremos os resultados da pesquisa Circulação Teatral: práticas e saberes7.
Colocamos ênfase nessas duas funções do processo de criação da obra cênica,
por reconhecer no papel da diretora/encenadora uma atitude de tomada de decisões em
7 Projeto financiado pela FAPEMA (edital Universal/2017) e desenvolvido pela autora. Analisa a participação
de grupos e companhias através de importantes projetos nacionais de difusão de saberes e práticas, a
exemplo dos Projetos SESC Palco Giratório, SESC Amazônia das Artes.
8 Projeto de difusão e intercâmbio das Artes Cênicas, desenvolvido pelo SESC Nacional com reconhecida
importância no cenário cultural brasileiro. O grupo Xama Teatro participou da edição de 2016, circulando
com um de seus espetáculos, A carroça é nossa, por 19 estados do Brasil e 34 cidades.
10
Grupo maranhense, com sede em Paço do Lumiar, sob coordenação cênica da diretora e encenadora de
A Vagabunda, Nicolle Machado, desenvolve trabalhos de pesquisa cênica com foco nas dissidências
teatrais envolvendo questões de gênero e questões étnico-raciais.
11
Além da produção musical, mencionada no texto, o espetáculo conta com a seguinte ficha técnica:
Concepção e Atuação: Gisele Vasconcelos; Encenação: Nicolle Machado; Dramaturgia: Nicolle Machado,
Gisele Vasconcelos, Nádia Ethel; Dramaturgista: Igor Nascimento; Produção: Nádia Ethel, Júlia Martins,
Nicolle Machado e Gisele Vasconcelos; Figurino: Cláudio Vasconcelos; Maquiagem: Eudeanny Monte e
Adara Vasconcelos; Figurino Múmia: Zeferina/ Demodê; Figurino Estrela: Rodrigo Raposo; Designer de
Iluminação: Renato Guterres; Videomapping: Nayra Albuquerque ; Cenário: criação coletiva; Assistente de
Cenografia: Adara Vasconcelos; Coreografia Vedete: Hélio Martins; Assistente de Produção e Bruxaria:
Renata Figueiredo; Macumbaria Cênica: Tieta Macau; Apoio espiritual: Mãe Jô (Terreiro de São Jorge
Tumajamace); Foto e Arte Colagem: Silvana Mendes; Filmagem e Registro Fotográfico: Nicolle Machado;
Publicidade e Marketing: Malvina/ Décimo Quarto Andar; Costureira: Shirley Maklainy; Coordenação da
Pesquisa: Gisele Vasconcelos; Pesquisadora de Iniciação Científica: Júlia Martins e Ronald Matheus.
A VAGABUNDA. Revista de uma Mulher só” é a revista impossível da Gigi, que volta
100 anos para enfrentar o que vier. Ao sobreviver a um incêndio, ela vai fazer o que
for preciso para se manter de pé. Se antes era outra, era apenas uma mulher, agora
ela desenterra as loucas, as bruxas, deusas, monstras, filhas dos tempos... uma
vedete que luta para permanecer viva. Furando os enquadros, ela se põe em revista
e é (des)vista. Uma mulher como qualquer outra: estrela que não cabe em uma mala
(PROGRAMA DO ESPETÁCULO. Sinopse, 2021, s/p).
A Malandra é trazida nas cenas finais da obra teatral A Vagabunda, para prestar
socorro à personagem Gigi, que “perde as forças e diz já não valer a lida” (Figura 2). A
articulação entre a feminilidade e o sofrimento é recorrente no desenvolvimento de toda a
trama que envolve a luta da personagem Gigi pelo seu direito de ser mulher, artista,
“vagabunda e livre”. A cena que explora o tema do suicídio, apresenta Gigi se lançando no
vazio para escapar do sofrimento, como última saída possível.
Abordar o tema da tentativa de suicídio na peça é também uma forma de provocar
reflexões no âmbito das violências contra a mulher, reconhecendo falas-sintomas,
discursos do corpo, gritos da última agonia. Para a composição da cena da tentativa do
suicídio, as autoras da peça trazem referências da história de vida de algumas vedetes do
teatro de Revista, entre elas, Carmem Miranda, artista que iniciou sua carreira na cena
revisteira e ficou conhecida internacionalmente pelos seus trabalhos em shows e no cinema
na Broadway. Na sua vida profissional e pessoal, Carmem Miranda sofreu todo tipo de
pressão da indústria cultural, com exaustivas jornadas de trabalho, e também foi vítima de
violência psicológica e econômica por parte do marido. A mistura de álcool, barbitúricos e
cigarros levou a artista a óbito, aos quarenta e seis anos.
Ele, que bate, amarra e prende a protagonista, pode ser sua família, seu marido ou
a própria sociedade, que a julga e que mobiliza ações para que ela desista de seu sonho
de libertação e de independência. É o Carrasco disfarçado de amor quem ordena:
Mantendo o desejo de insistir, Gigi vai se livrando como pode das prisões que lhe
são impostas. Ao sobreviver a um incêndio, ela é transportada para o passado e
experimenta na pele as maiores torturas, em um painel cruel de nossa história que ressoa
nos tempos recentes. Voltando cem anos para enfrentar o que vier, no tempo em que
restavam às mulheres “[...] as tarefas estratégicas de reprodução e da conservação da
família e do lar, de ser-para-os-outros” (CUNHA, 1989, p. 126), Gigi abdica, assim como
fez a escultora Camille Claudel - uma de nossas referências para a escrita da peça -, “[...]
do casamento, da maternidade, do conforto burguês e do recato feminino para viver
intensamente um papel diferente do que estava destinado” (CUNHA, 1989, p. 123). Esse
comportamento, sabemos, levou a artista Claudel ao hospício, fugas, isolamento crescente
e autodestruição de suas obras.
A historiadora Maria Clementina Cunha (1989) analisa o que há em comum entre a
brilhante artista de Paris, Camille Claudel e uma professora primária paulistana, Eunice.
Além da dor, da loucura e da proximidade das datas de internamento - entre 1910 e 1913 -
identifica qualidades que as levaram à internação, qualidades estas que nos homens são
tomadas como positivas, à exceção do celibato, diz a historiadora, e que nas mulheres eram
sintomas da loucura. Ela resume: “[...] independência em suas escolhas pessoais, excesso
de trabalho ou dedicação imoderada às suas carreiras profissionais, postas à frente das
‘inclinações naturais’ das mulheres, a ‘hiperexcitação intelectual’, ‘o orgulho’, o celibato.”
(CUNHA, 1989, p.125)
Gigi: Essa aqui você não leva e quem impede são elas!
(A VAGABUNDA, 2021).
Produzida, escrita e encenada em São Luís sob o ponto de vista das mulheres, A
Vagabunda - Revista de uma mulher só traz, por meio da expressão artística e pelo
pensamento sensível, a capacidade das autoras, atrizes, compositoras de perceber e tornar
consciente certos aspectos da realidade em que vivem e devolvê-los para possíveis
modificações. “O Pensamento Sensível é necessário e insubstituível tanto para
entendermos as guerras mundiais como o sorriso de uma criança.” (Boal, 2009, p. 19), nos
diz Augusto Boal (2009). A forma estética de conhecer escolhida por nós, para a produção
desse Pensamento Sensível, foi o Teatro. Foi pela experiência do pensar-fazer-teatro que
reconhecemos práticas de violência contra a mulher sob a ótica da vida e arte de mulheres
artistas do início do séc. XX, juntamente com as percepções de nossas possibilidades
criativas e afetivas.
Porém, o teatro como acontecimento necessita de plateia. Assim, a experiência do
público no convívio com uma obra é também um processo criativo, como afirma Rancière
acerca do espectador(a) emancipado (a):
Ele [ela] observa, seleciona, compara, interpreta. Relaciona o que vê com muitas
outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares. Compõe seu
próprio poema com os elementos do poema que tem dentro de si. Participa da
performance refazendo-a à sua maneira, furtando-se, por exemplo, à energia vital que
supostamente deve transmitir para transformá-la em pura imagem e associar essa
pura imagem a uma história que leu ou sonhou, viveu ou inventou. Assim, são ao
mesmo tempo espectadores distantes e intérpretes ativos do espetáculo que lhes é
proposto (RANCIÈRE, 2012, p. 17).
ADICHIE, CHIMAMANDA NGOZI. O perigo de uma única história. Trad. Julia Romeu.
Companhia das Letras: São Paulo, 2019.
BASANTA, NADIA E. (nadiaethel). Comentários de A Vagabunda-Revista de uma mulher
só" Temporadas 2020/21. Padlet: usuário Padlet. Disponível em: <https://padlet.com/nadia
ethelbasanta/b3qz4fszq30m8ex2>. Acesso em: 12 de outubro de 2022.
BRASIL. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Palácio do Planalto,
Presidência da República.