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APITULO 6 Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento LAERCIA ABREU VASCONCELOS ANa RITA COUTINHO XAVIER NAV RAQUEL Ramos AVILA Otermo desenvolvimentoéutilizado com diferentes conota. Ges por pesquisadores de diversas areas do conhecimento Cientifico (por exemplo, Silva, 2000) e pelo publico leigo Um dos grandes desafios na Psicologia, portanto, € promo- ver distingées claras entre as linguagens técnica e cotidiana tanto ao se referir ao seu objeto de estudo ~ as interacoes organismo-ambiente (Todorov, 1989) ~ como ao se referir atermos. conceitos diversos relacionados a ele (por exem plo, Andronis, 2004; Matos, 1997; Roche e Barnes, 1997). O. objetivo central deste capitulo é discutir a relevancia da incluso do processo de desenvolvimento humano em inves- tigagdes conceituais, empiricas e aplicadas sob 0 enfoque da anélise do comportamento, ciéncia proposta por B. E Skinner (1904-1990). A primeira secao deste capitulo sera dedicada a explicitar como 0 conceito de desenvolvimento édefinido por analistas do comportamento, o que nao requer a formulagao de uma teoria do desenvolvimento especifica (Bijou, 1995; Bijou e Baer, 1978; Bijou e Ribes, 1996; Schlinger, 1995). Na segunda se¢ao, identificaremos sucintamente outras interpretagoes ou definicoes dadas ao conceito, particularmente na Medicina e na Educagao, e as possiveis 126 Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento grbllcades destas definicoes para a pratica de profissionais que atuam nessas Nasecdoseguintapontaremos diregdes em comum enfatizadas em estudos 10. Tals ditecoes ent Andlisedo Comportamentoena Cienciado Desenvolvimen- hos sisters att Set de dificil identificagao em razdo da escassez de tamental og ennticos acerca do desenvolvimento sob enfoque analitico-compor- yes eae mesmo a falta de integragao entre estudos voltados para esse tema Finalizarenan® Creenspan, 2000/2002; Lisboa, 2003, 2006; Rossetti-Ferreira,2006). metodologian 6 S@Pitulo sinalizando possiveis contribuigdes conceituais ¢ iment pBicas da Andlise do Comportamento para estudos acerca do desenvol- vimento humano, Conceito de Desenvolvimento na Anilise do Comportamento Otermo desenvolvimentoé utilizado neste capitulo de formaase restringir priori- {ariamenteaocampodaPsicologiae, ortanto, para fazerreferénciaaodesenvolvimento humana, psicolégico ou comportamental, os quais serdo tratados como termos equivaler ‘Mes. Especificamente sob a perspectiva analitico-comportamental, 0 desenvolvimento é xplicado a partir de mudancas em interagdes dinamicas entre ‘um individuo ativo e o ambiente, sendo este ultimo constituido por diferentes Condigdes de estimulacao que adquirem uma funcdo para 0 comportamento (Bijou, 1989, 1995; Bijou e Baer, 1978; Bijou e Ribes, 1996; Baer e Rosales-Ruiz, 2003; Rosales-Ruiz e Baer, 1997; Schlinger, 1995). Estas interagdes so interdependentes © continuas, resultando em influéncias bidirecionais entre o comportamento do individuo e o ambiente, fisico ou social. Assim como, em determinado contexto, @ acio do organismo altera aspectos do ambiente, estes, por sua vez, retroagem Sobre as ages do organismo (Skinner, 1957/1978) Desenvolvimento ¢ entao um processo de individualizacéo, em que mudancas has interacOes organismo-ambiente poclem ser progressivas ou regressivas, 0 que ‘nao resulta em uma tinica diregao que levard necessariamente ao aprimoramento ouauma maior complexidade do repertério comportamental (Rosales-Ruiz e Baer, 1996). O produto final, relacionado diretamente a historia ambiental, é 0 desenvol- vimento tinico, idiossincrético de um individuo particular, o que poderd, Consequentemente,influenciara evolugao dacultura na qualle estéinserido (Bighan et al, 1997; Bijou, 1995; Demetriou e Raftopoulos, 2000"; Novak, 1996). Assim, o analista do comportamento enfoca tanto os “principios e Processos responsdveis pelas mudangas observadas no comportamento, como também as diferentes dire- Ges, velocidades e arranjos de contingéncias” (Gewirtz e Pelaez-Nogueras, 1996, p. 19) produzidos pelas interagdes organismo-ambiente. Desta forma, para uma maior compreensao do desenvolvimento € necessario considerar: ‘ocomportamento * Revisio dolivro Rethinking innatenes:aconnectionist perspective on development Patsie Pluncket, 1996) 27 ‘Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento el ‘humano como multideterminado, sob a ado de trés niveis de variagao € — ‘Como mostra Skinner em 1981: filogenético (caracteristicas genéticas De ES uma determinada espécie, transmitidas de uma geracdo a outra), ontogen 7 {historia de aprendizagem de um individuo particular) e cultural (transmissao de Praticas culturais ao longo de diferentes geracoes). Na explicacao da aqu — me ‘mesmo da manutengao, de determinados comportamentos no repert6rio* do indivi- ‘duo ao longo de seu desenvolvimento, torna-se uma tarefa dificil o estabelecimento de uma fronteira precisa entre o que ¢ inato e o que ¢ somente produto de aprendi- zagem ~ 0 nature e nurture (por exemplo, Cohn, 2005). Esforgos em diregao a atribuigao inequivoca de pesos explicativos, maiores ou menores, a cada urna des- sas duas fontes de controle tém sido abandonados diante da complexidade indubitavel do comportamento humano (por exemplo, Shanahan, Sulloway e Hofer, 2000; Pereira, 2001). A preparagio filogenética (relacionada a historia da espécie) nao ¢ rigida, uma vez que resulta em variados padroes de comportamento intra € interindividuos, nao havendo assim, uma tinica topografia comportamental pre~ determinada (Bijou, 1995; Carvalho Neto e Tourinho, 1999). A base biol6gica do comportamento pode ser definida como uma base “aberta” na medida em que, 20 mesmo tempo em que produz sensibilidades tipicas da espécie humana (por exem~ plo, suscetibilidade do comportamento a estimulos reforcadores), também se torna ‘ocasiao para que a aprendizagem ocorra e assim possibilita variabilidade compor: tamental (Carvalho Neto e Tourinho, 1999; Tourinho e Carvalho Neto, 2004). Por exemplo, 0 comportamento de sugar o seio da mae possui base biologica, mas a interaco mae-bebé durante a amamentacdo pode promover variabilidade nas fungdes e topografias deste comportamento. Aanalise do comportamento é um sistema explicativo suficientemente abrangen- tee refinado para abarcar a multideterminacao e complexidade do comportamento e, desta forma, nao defende explicagdes puramente ambientais ou puramente ge- néticas (Ades, 1986; Tourinho e Carvalho Neto, 2004). Entretanto, adota um recorte analitico proprio, assim como ocorre em qualquer campo do conhecimento, sem necessariamente descartaras possiveis contribuigdes advindas de areas que enfocam aspectos diferentes do comportamento humano. Determinadas areas de estudo que enfatizam 0 funcionamento de partes especificas do organismo (por exemplo, cé- tebro) podem privilegiar a andlise de aspectos anatomo-fisiologicos, 0 que nao significa que neguem a influéncia de fatores contextuais sobre os mesmos (Landei- ra-Fernandez e Cruz, 1998; Pereira, 2001). Jina analise do comportamento, destaque 6 dado as contingéncias comportamentais, embora considere também as bases biolégicas do comportamento. As explicag6es biologicas, portanto, complementam, mas nao substituem as explicagdes comportamentais (Cavalcante, 1999; Tourinho, Teixeira e Maciel, 2000; Roche e Barnes, 1997) Aidiossincrasia do desenvolvimento humano ¢ representada pela integragao de aspectos biol6gicos e comportamentais, sendo o primeiro referente a anatomia € fisiologia do organismo, enquanto o segundo refere-se a suas interages com * O termo repertorio (comportamental) refere-se a comportamentos que um organismo pode emitir, pois existe em uma frequéncia diferente de zero (Catania, 1998/1999; Teixeira jiinior e Souza, 2006) Pessoas, objetos e eventos Portamento se dedi (Bijou, 1995). Porém, mesmo que o analista do com- é que a compreender determinados processos neuroquimicos, ‘tebe a eS Fecupere a historia ambiental ou de aprendizagem do individuo. exemplo, tra pencestos ou quaisquer variaveis internas ao organismo (por como vari eee Personalidade, processamento cognitive) nao sao tratados Portamentose sao lependentes (as quais controlam diferentes padrdes de com- docomportamens e's de manipulacao ou modificacao direta) na explicagao O objetivo de nen numaNe, estes processos podem ser considerados apenas com ak indicarem possiveis variéveis relevantes. : meee analise do analista do comportamento, portanto, envolve a exposicao Quimicos, sen: n8encias®, na tentativa de explicar também processos neuro- Ciencia ttilira rece eam" adotar estratégias reducionistas, nas quais uma caracterietinn on’ 4¢ outta para compreender seu objeto de estudo. Uma das “terlsticas importantes do recorte analitico-comportamental consiste em Considerar a pluralidade de possibilidades de andlises funcionais, envolvendo um te tunto de variaveis independentes, dependentes e de controle — aquelas man- tidas constantes ao se buscar as interacdes entre determinados fatores ambientais conan bottamentais (por exemplo, Cavalcante, 1999; Kantawitz, Roedigere Elmes, 2006; Sturmey, 1996; Watson e Gresham, 1998). (..) Cada agao psicoldgica desempenhada por uma pessoa € a0 mesmo tempo, uma agao biolégica. Assim, alcangar, agarrar e colocar na boca um chocatho é para um bebé uma acao psicolégica que pode ser analisada em termos dos contatos passados com chocalhos, 0u com objetos similares, e a presente situagdo que ele se encontra. Esta simples interacao com o chocatho 6 ao mesmo tempo uma agao biologica que pode ser analisada em termos dos movimentos dos miisculos estriados do braco e do funcionamento dos olhos e do sistema nervoso. (Bijou, 1995, p. 29, traduzido pelas autoras) Vale ressaltar que, além da filogenia, a cultura, como o terceiro nivel de varia 40 e selecdo, também contribui de forma significativa para uma explicacao mais completa do desenvolvimento. A evolucao de praticas culturais, envolvendo dife- Tentes agentes sociais, acrescentard importantes informacdes na explicacao de uuma agao psicologica que pode ser sempre considerada uma acao biolégica (por exemplo, Ariés, 1973/1981; Laraia, 1986/2007; Postman, 1982/ 1999; Todorov, Mar- tone e Moreira, 2005). **Matriz de contingéncias” refere-se a interacSo de varias contingéncias triplices. O comportamento de interesse € 0 resultado dessa interacdo, a partir de uma analise de custo-beneficio entre elas. Cada con. tingéncia da matriz exercera um controle maior ou menor do comportamento, em razao das alternati. vas disponiveis (entende-se como alterativas aquelas contingéncias capazes de prover consequéncias ‘riticas para oindividuo). Cada uma das contingencias deve ser analisada considerando as varidveis-saté lite envolvidas no seu estabelecimento e manutenio, tais como operacoes estabelecedoras,esquuemas de reforgo, controle abstracional ou instrucional, histéria, entre outras (ver Goldiamond, em Andronis, 2004; Gimenes, Layng e Andronis, 2003; Gimenes, Andronis ¢ Layng, 2005) Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento # 129 Implicacdes da Perspectiva Analitico-comportamental acerca do Desenvolvimento Oconceito de deseny Profissionais), seja qu: selecdo de métodos de pesquisas basicas a definigao de desem implicagoes relevant Em primeiro lu a forma como os c ‘olvimento adotado pelo psicdlogo (e por quaisquer outros al for o referencial te6rico-filos6fico, influencia diretamente € medidas a serem utilizados por ele, seja na programagao © aplicadas, seja na implementacao de tecnologias. Assim, wolvimento adotada pelos analistas do comportamento tem ies para a atuagdo dos mesmos, nos mais diversos contextos. gar, tal conceito de desenvolvimento influencia diretamente omportamentos serao definidos e mensurados (por exemplo, {omPortamentos sao prioritariamente definidos a partir de sua fungao e nao topografia), nao sendo possivel afirmar que um método especifico é 0 mais ade- quad para a coleta de informagées acerca do desenvolvimento do individuo, Pols isto depende dos objetivos da investigacao ou intervengao planejada. Ha, portanto, uma variedade considerdvel de métodos quantitativos e qualitativos disponiveis ao psicdlogo, tais como observagao livre (por exemplo, Danna e Ma- tos, 1996; Dessen e Murta, 1997), entrevistas de diferentes tipos (por exemplo, estruturada, semiestruturada, livre), questionarios (por exemplo, Questionario Construcional — Gimenes, Andronis e Layng, 2005), escalas e testes padroniza- dos (por exemplo, Sistema Multimidia de Habilidades Sociais para Criangas ~ Del Prete e Del Prete, 2005). Vale ressaltar que 0 analista do comportamen- to poderd produzir conhecimento ao utilizar andlises e revisdes conceituais € observacoes sistematicas do comportamento, além da pesquisa experimental com destaque para as andlises de dados individuais por meio de inspecao visual e andlise estatistica descritiva. Cada sujeito ¢ tinico de acordo com sua historia de refor¢o, sua fisiologia e a cultura no qual esta inserido. Assim, a andlise do comportamento propde o estudo dos efeitos de cada variével ambien- tal sobre 0 comportamento de cada individuo particular (Skinner, 1953/1981). Utiliza-se, portanto, o delineamento experimental do sujeito como seu proprio controle no estudo das relagdes funcionais (Baron e Perone, 1998; Matos, 1990; ‘Todorov, 1982). Em segundo lugar, o conceito de desenvolvimento que orientou a avaliacao inicial dos comportamentos do individuo determina os tipos de andlises ou interpretagdes a serem propostas pelo profissional. Em terceiro lugar, © conceito de desenvolvimento também orienta as praticas adotadas pelo pro- fissional, de modo queas interpretagGes feitas por ele acerca do desenvolvimento tém significativo impacto em diferentes reas da ciéncia como, por exemplo, as areas médicas e educacionais. ‘Ao enfatizar especificamente determinantes biolégicos do comportamento, as abordagens médicas do desenvolvimento humano mostram uma estreita rela- ‘go com a varidvel etaria. Com a finalidade de conferir clareza e objetividade ao conceito (Silva, 2000), o desenvolvimento ¢ relacionado a diferentes idades e cri- térios de crescimento fisico, como altura e peso. Dessa maneira, os termos desenvolvimento e crescimento tém sido amplamente utilizados como sindnimos nessas abordagens. B08 Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento, Desenvolvimento fisico, ou crescimento, 60 componente (do processo de desenvolvimento do ser humano] que corresponde ao aumento do tamanho dos érgdos e, consequentemente, do organismo como um todo, que resulta no fendtipo do individuo adulto. Decorrente da multiplicagao thiperplasia) e do aumento de tamanho (hipertrofia) das células, 0 desenvolvimento fisico é um processo finito, pois, embora essas modificagoes celulares persistam mesmo apés os 20 anos, Seu papel apds esta idade é a reparacao ou a reposiao do desgaste natural que os Orgdos sofrem, sem que isto resulte no efetivo aumento das dimensoes corporeas. (Leone, 1994, p. 33) Entretanto, o desenvolvimento fisico pode ser continuo no transcorrerdo perio- do de vida do individuo s e considerar as adaptagdes organicas dirigidas a reparacao Caabosicao do desgaste natural dos orgios. Pascual-Leone, Amedi, Fregni e Merabet (2005) destacam também o papel fundamental da plasticidade neural do sistema dete ne tanscorrer da vida do individuo produzindo uma reorganizacao do sistema que se reflete nos niveis anatomico, fisiologico e comportamental ‘Apesar da idade do individuo ser tratada como um ponto de partida em inter- Petes halitico-comportamentais sao as continuas exigéncias estabelecidas Pelo ambiente fisico e social que proporcionam diferentes interagoes envolvendo 6 individuo, o que pode produzir desenvolvimento comportamental (Bijou, 1995). Vale ressaltar que, neste sentido, o desenvolvimento nao pode ser classifivadis ebenas do ponto de vista quantitativo, isto ¢, em termas da aquisicao de novos podeattamentos, pois também envolve mudancas qualitativas. Novos arranjos Poderdo ser observados entre comportamentos ja adquiridos, a partir de um se Pertorio comportamental pré-existente (Bijou e Ribes, 1996). Assim, uma crianga Poderd, por exemplo, desenvolver novas anélises funcionais diante de um antigo problema, envolvendo adquiridos, porém recon- stimulos poder emitir um M outras condigées de estimulos, para além do 2003; Gadelha e Vasconcelos, 2005). contexto de treino (ver Gadelha, Na drea de satide mental, um vorecer t rio aplicar a teoria psicol6gica ou do desenvolvimento por ele adotada, de mod ; lo a realizar adequada co- eta e analise de dados, assim como planejar pesquisas e intervencdes © planejamento de intervengées efetivas, quidtrico, mas um complemento do diagn siva fragmentagao dos quadros clinicos, Reabilitacdo Infantil e Pediatria do Desen Podem contribuir para um manual para diagnéstico psi- esto a exces- (S. M. Burnett, especialista em Pessoal em 21 de julho de 2008), Wstico, Entre as limitacd além de suas sobreposicdes ( wolvimento ~ comunicacéo Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento # 131 Aadogao, muitas vezes indiscriminada, do DSM-IV-TR para condugao de ava- liagSes psiquidtricas de individuos com “comportamentos atipicos’, associada a im conceito de desenvolvimento pautado em padroes de normalidade e patologia, Pode resultar em diagnosticos com repercussoes negativas para a vida do individu. Tais repercussées, principalmente voltadas para o sistema familiar, poderiam ser evitadas ou minimizadas caso o profissional desenvolvesse uma avalia¢ao mais ampla, que fosse além da classificagao sindromica de padroes comportamentais. Em uma analise da semiologia sindromica ¢ necessario considerar que“o sintoma Pode se tornar nao somente produto de algo sentido, mas também de algo pen- Sado e, as vezes, até produto de discussao com outrem." (Martins, 2003, p. 22). Especialmente a partir dos anos 1990, “criancas e adolescentes tém sido tratados Por transtornos psiquidtricos, quando, na verdade, tem um problema psicolégico ~ounem isso” (Segatto, Padilla e Frutuoso, 2006, p. 111). Ademais, muitas avaliagoes Psiquidtricas ou mesmo psicologicas tém sido questionados pelos profissionais da satide e da educacao devido as altas taxas de comorbidade no sistema diagnés- tico que desafiam a credibilidade na nosologia (por exemplo, Hayes, Nelson e Jarrett, 1987; Segatto, Padilla e Frutuoso, 2006; Vasconcelos, Avila e Leite, subme- tido). Entre os potenciais riscos para as criancas e jovens diagnosticados esta o uso prolongado de psicofarmacos, cujos efeitos adversos e cumulativos, em médio e longo prazo, nao sio completamente conhecidos. Além disso, predicbes equivo- cadas e simplistas acerca dos comportamentos desses individuos controlam as analises feitas por familiares e educadores sobre as “potencialidades de aprendi- zagem’, frequentemente subestimando-as. Varias expectativas, crencas e teorias psicologicas tém, por isso, um forte poder auto-realizador, ajudando a construir competéncias e deficiéncias. ‘Nao se fala com quem se julga surdo, nao se ensina a quem nao se juiga capaz de aprender, recolhe-se em casa, isolada, a crianga com paralisia cerebral que se julga incapaz de ir @ escola. Concretizam-se assim, progndsticos feitos anteriormente. (Rossetti-Ferreira, 2006, p. 27) Ao considerar que o DSM-IV-TR™ (APA, 2000/2003) é um instrumento ampla- mente utilizado na drea de satide mental, é necessério que os analistas do comportamento o conhecam, o que nao implica em sua utilizagao como eixo central na condugao de investigacées e intervengoes analitico-comportamentais, Vale res- saltara possibilidade de claras discordancias ou a formulagao de novas explicacoes distintas daquelas formuladas a partir do manual. As interpretacoes analitico- comportamentais nao sao dirigidas pelos diagndsticos e sim por uma abordagem funcional” que nao destaca os principios norteadores de uma abordagem médica, mas os principios da ciéncia da andlise do comportamento. Diferente do modelo médico, a andlise do comportamento investigard prioritariamente a historia de 978-85-7241-865- * Nas abordagens funcionais, 0s comportamentos sto analisados na sua relagao com os eventos am- bientais que 0s causam, controlam ou mantém, utlizando-se de abordagens ideograficas, ou sela, medidas repetidas do comportamento de individuos singulares (Sturmey, 1996) 132 ® Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento ©xposicao do individuo a uma ampla matriz de contingéncias responsavel também Pelo seu funcionamento orginico, sem fazer uso de uma classificagao nosologica 04 sintomatoldgica, O sistema de classificacdo diagndstico nao deve delimitar as Pesquisas ou as intervengdes analitico-comportamentais, pois seria inconsistente com a filosofia do behaviorismo radical e os principios da ciéncia da andlise do com~ Portamento (ver Carrara, 1988/2005). Porém, a abordagem funcional médica poderd spe Varidveis a serem investigadas nos trabalhos analitico-comporta~ mentais. E possivel que o analista do comportamento discorde do sistema de Classificagdo médica, mas, a partir dele, crie novas investigagdes para a explicacao de um fendmeno comportamental. Isto resultard na produgao de novas explicagoes funcionais que mostrarao diferentes possibilidades de interagao das variaveis bio- ogicas na historia de aprendizagem do individuo, em seu meio cultural Uma indiscriminada utilizagao do DSM-IV-TR™ (APA, 2000/2003) no contexto educacional, principalmente no inicio do século XX1, mostra que a adocao de alguns conceitos ou mesmo teorias de desenvolvimento pode levar a restrigdes desneces- sarias na programagao de atividades de criangas ou jovens (Brazelton e Greenspan, 2000/2002; Collares e Moysés, 1996; Habner e Marinotti, 2004; Rossetti-Ferreir 2006), na medida em que sugerem que o fracasso escolar se deve a varidveis estru- turais intrinsecas ~ como se houvesse uma deficiéncia inerente ao individuo ~ ou a varidveis sociais ~como 0 baixo nivel socioecondmico da familia. Ademais, contribui Para que a diversidade de grupos culturais que compdemn uma populagao nao seja frequentemente representada ou efetivamente considerada no contexto educacio- nal. Isto resulta na criagao de outras deficiéncias na “crianga diferente” (Pereira, Marinotti e Luna, 2004; Souza, Souza, Machado, Freller e Souza, 1994), sem que contingéncias de ensino sejam alteradas de acordo com as demandas especificas apresentadas pelas mesmas. A atuacao do professor se baseia geralmente em uma avaliagao estrutural da crianga e em uma abordagem normativa do desempenho académico que pouco enfatiza os repertorios individuais eo ritmo de aprendizagem Unico de cada um dos alunos. Pode ocorrer a maximizacao dos erros diante das tarefas académicas e a manutengao de relagoes verticais, caracterizadas por ordens frequentes emitidas pelos educadores (Pereira, Marinotti e Luna, 2004). Assim, as oportunidades de aprendizagem oferecidas para o individuo poderao ser ampliadas 0u restringidas. Essas oportunidades se referem a contingéncias de reforco positivo que ocasionam, por exemplo, um aumento na produgao académica da crianga ou do jovem. Na escola, tais oportunidades envolvem nao apenas a apresentacao de um estimulo, como um livro, mas uma matriz de contingéncias, cuja unidade de andlise minima é a contingéncia triplice — a emissao de uma resposta, a qual é antecedida e seguida por estimulos especificos que controlam diferentes classes de respostas, E importante ressaltar que os termos comportamento e resposta~classe de respos. tas - so utilizados neste texto como sinonimos e analisados a partir de suas interagdes com o ambiente (Andronis, 2004; Matos, 1997; Tourinho, 1999). Assim, uma oportunidade de aprendizagem poderia ser: ‘i * Na presenca de colegas ou professores. * Acrianga ler um livro em voz alta, fazer comentarios sobre ele. + E.com isso receber atencao e elogios da audiéncia (ver Skinner, 1998). Abordagem Analitico-comportamental do Desenvolvimento # 133 a uu 4s tecnologias de intervengaio usadas nos campos da educacao e satt Renee 1am situagdes ilustrativas sobre como amplos conjuntos de acoes podem Mare ortunidades de aprendizagem disponibilizadas aos individuos (ver Habner Mtinotti, 2004; Vasconcelos, 2002, 2006/2008; Vasconcelos et al., submetido). eee ‘Os efeitos adversos da utilizagao indiscriminada do DSM-IV-TR™, riba 2 mt special para o sistema educacional, onde encontramos um grande mero de crian¢as com diferentes diagnésticos. Entretanto, nao se pode descon- siderar 4 mtilidade deste instrumento em avaliagdes e intervengoes, pois pode ‘Avorecer o amplo desenvolvimento e adaptacao dos individuos, minimizando ou jmesmo eliminando sofrimento diante de dificuldades controladas por desequilf- brios neuroquimicos (ver Caballo e Simén, 2005a, 2005b; Nunes, Appolinario, Galvao € Coutinho, 2006; Silvares, 2000a, 2000b; Tobin, 2000/2004; Zamignani, 2007). Muitos estudos experimentais do Transtorno Obsessivo-compulsivo tém contribuido para o aperfeigoamento de métodos de pesquisa e das técnicas de intervencao, como apresentado no Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry em 2004 (ver Bellack, 1986; Dar, 2004; Mancini e Gangemi, 2004; More- no, 2003; Parker, McNally, Nakayama, e Wilhelm, 2004; Purdon, 2004; Rachman, 2004; Radomsky e Rachman, 2004; Shafran e Rachman, 2004; Silva, 2003, 2004; Zamignani e Labate, 2002). Ao considerar as potenciais influéncias de uma visio de desenvolvimento sobre as dreas de Satide Mental e Educacao, observa-se no ocidente um destaque para a doenga (Brazelton, 1992/2002; Brazelton e Greenspan, 2000/2002; Lisboa, 2003, 2006; Ministério da Satide, 2006; Postman, 1995/2002). Estas praticas cultu rais tém sido analisadas, visando a promocao de intervengoes preventivas na satide ptiblica (Ministério da Satide, 2006). Por fim, 0 analista do comportamento Se volta para a programagao ou alteracao de contingéncias com a finalidade de fortalecer e ampliar padroes comportamentais alternativos j4 adquiridos pelo individuo, os quais podem ser concorrer com comportamentos perturbadores, enfraquecendo-os sem “a abordagem de eliminacao” de comportamentos (ou mesmo de classificagao de comportamentos como patologicos), mas com a abor- dagem construcional de enriquecimento do repertorio comportamental do individuo. O analista do comportamento trabalha, desse modo, com contingéncias comportamentais que envolvem o comportar-se em diferentes contextos. Possiveis Didlogos com a Ciéncia do Desenvolvimento Aterminologia e os conceitos utilizados na psicologia do desenvolvimento mos- tram uma busca constante em direcao ao refinamento te6rico-metodoldgico {por exemplo, Demetriou e Raftopoulos, 2000; ye e Schuster, 2000; Lerner, Fis- cher e Weinberg, 2000; Schaie, 2000). Na medida em que se retoma a construcao dessa subérea da psicologia, observam-se pelo menos trés modificagées relacio- nadas ao proprio termo usado para defini-la: Psicologia da Crianga, Psicologia do Desenvolvimento e Ciéncia do Desenvolvimento (por exemplo, Dessen e Costa Jr, 2005; Harzem, 1996). Este ultimo termo ¢ atualmente usado para se referir a um conjunto de estudos interdisciplinares acerca de fendmenos relacionados 134 & Abor day 'gem Analitico-comportamental do Desenvolvimento a0 desenvolvi Pees humano que resulta de convergencias entre a psicologia, no volume 24 in (Aspesi, Dessen e Chagas, 2005; ver as revises apresentadas Brasil, por Col oe Journal of Behavioral Development, 2000, e no do por Brontentann, Leite € Dell'Aglio, 2006). 0 modelo bioecoldgico elabora- podem sercitedse net 2 Petspectiva do curso de vida proposta por Elder Cosinjey 2008 componentes desse conjunto de estudos (ver Dessen e Em uma avali 7 G40 historica da psicologia, Rossetti-Ferreira (2006) mostra que, tra que, Separate desenvolvimento foi estudado a partir deuma abordagem nor cresen nge considerava em termos de mudangas progressvas advindas com 0 aegis dade do individuo. Diferentes manuais de Psicologia do Desen- dabercse wineries, ram uma visio linear, fragmentada 8, descontextualizada do dRaervolvimento, que era definido de acordo com estagios, tapas ou fases.Ade- caaciteg Subaividido em diferentes éeas. ais como o desenvolvimento motor, SOkmitiva, afetivo, social e moral, Ocontexto de scializagao como alvo de andlise ag cen le mae-crianca, com 0 foco em uma visdo unidirecional acerca pees wentos isolados de cada um dos participantes como apresentado Por Dessen e Braz (2005). Por volta da década de 1950, observou-se que a énfase No que acontecia desde a infancia até a idade adulta modificou-se para um perio- do mais longo, que se estendida no transcorrer de toda a vida do individuo. Até entdo havia sido negada a velhice ou terceira idade a “possibilidade” de desenvolvi- mento (Gusmao, 2003). Nas décadas de 1970 e 1980, uma nova revisao significativa ocorreu na subarea da Psicologia do Desenvolvimento, a medida que pesquisado- res enfatizaram uma perspectiva processual, a partir de influencias biol6gicas, ambientais e sociais. Finalmente, nas tiltimas décadas, a Ciéncia do Desenvolvimen- totem mostrado analises que nao se restringema fragmentacao do desenvolvimento, pois o consideram como um processo continuo e dinamico de mudancas estru- turais que se desdobra ao longo da vida do individuo, em constante interacao com seu meio cultural (por exemplo, Collinvaux, Leite e Dell’ Aglio, 2006; Dessen e Costa Jr., 2005; Seid! de Moura, 2004). Elementos fisicos, sociais, historicos e ideolégicos sao considerados para uma andlise do desenvolvimento de acordo com as trocas reciprocas entre 0 individuo e tais elementos (Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva, 1999). Atualmente, portanto, observa-se a emergéncia de um novo paradigma relativista e contextual, para o qual contribuem areas de estudo tao variadas quanto a ecologia social, biologia, sociologia, dentre outros (ver Dessen e Costa Jr., 2005). ‘A partir deste novo paradigma, ¢ possivel destacar algumas contribuicdes relevantes do mesmo para o estudo do processo de desenvolvimento a partir da analise do comportamento. Uma destas contribuigdes ¢ 0 estudo do desenvolvi- mento humano considerando os contextos sociais e culturais nos quais 0 individuo esté inserido, ampliando-se, assim, a andlise de variéveis que podem controlar o comportamento. Outra contribuicao é considerar o desenvolvimento 4 partir de um enfoque interdisciplinar, buscando maior articulagao com éreas do conhecimento que consideram o desenvolvimento humano como objeto de fstudo, tais como antropologia, sociologia, educagao e medicina. Para tanto, é necesedrio uma abordagem multimetodolégica para 0 estudo do desenvolvi-

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