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Revista Diálogos Interdisciplinares

2013, vol. 2, n°.1, ISSN 2317-3793

Como leem os acadêmicos? Em foco: artigo opinativo e


campanha publicitária nas aulas de leitura
Eliana Vianna Brito Kozma 1

Universidade Braz Cubas e Universidade de Taubaté, Mogi das Cruzes e Taubaté, SP Brasil

O objetivo deste artigo é o de apresentar o modo pelo qual acadêmicos do curso de Comunicação Social
realizam a leitura de dois gêneros distintos: campanha publicitária e artigo opinativo, tendo em vista
não só a construção composicional, o conteúdo e o estilo de cada um, mas principalmente, a percepção das
relações dialógicas e da finalidade comunicacional dos respectivos gêneros.

Palavras-chave: gênero discursivo, dialogismo, leitura

The aim of this paper is to present the way the academic course in Social Communication perform the
reading of two distinct genres: advertising articles and opinion pieces, with a view not only the
compositional construction, content and style of each one, but mainly, the perception of dialogical
relations and the purpose of communication of their respective genres.

Keywords: discursive genre, dialogism, reading

Introdução 

Este trabalho parte de um projeto de pesquisa sobre a linguagem da mídia e o ensino de

língua portuguesa, tem por objetivo, apresentar o modo pelo qual estudantes universitários

do curso de Publicidade e Propaganda, de Jornalismo e Marketing – 1 º ano, de uma

universidade particular situada na Grande São Paulo, identificam as características

discursivas de dois gêneros: campanha publicitária e artigo opinativo, de modo a perceber

não somente a construção composicional, o conteúdo e o estilo de cada um, elementos que

1
, Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor
titular da Universidade Braz Cubas e professor assistente doutor da Universidade de Taubaté: Ensino e aprendizagem de
língua materna. E-mail: evbrito@uol.com.br.
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aulas de leitura

caracterizam os gêneros enquanto tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN,

1953/2000), mas também, e talvez principalmente, como o coro de vozes se concretiza nos

respectivos gêneros.

Para a consecução deste objetivo, adotamos como aporte teórico as concepções bakhtinianas

acerca dos gêneros do discurso e dos aspectos dialógicos constitutivos da linguagem. Em se

tratando da utilização dos gêneros discursivos no contexto escolar, apoiamo-nos em

Schneuwly e Dolz (2004) para quem os gêneros, transpostos da cultura social para o

currículo escolar, progressivamente, com objetivos didáticos, são verdadeiros objetos de

ensino em que são levadas em conta as capacidades de linguagem dominantes dos

indivíduos tais como narrar, relatar, argumentar, expor, descrever, entre outras.

Considerações Teóricas

Já faz parte do senso comum a afirmação de que toda atividade comunicativa verbal só pode

ser realizada por intermédio de um gênero; da mesma forma, é consenso que toda situação

de interação só se concretiza com a presença de um texto, seja ele verbal, não verbal, ou

verbo-visual. Assim, a comunicação só é possível por algum gênero textual (MARCUSCHI,

2002).

Em se tratando da linguagem verbal, entendemos por língua a atividade social, histórica

e cognitiva, cuja natureza é de ordem funcional e interativa, e não simplesmente formal e

estrutural. Nesse sentido, deixa de ser vista como um espelho da realidade ou como um

instrumento de representação dos fatos (MARCUSCHI, 2002), concepções que, apesar de

terem sido adotadas principalmente em contextos escolares durante muito tempo, não dão

conta do caráter sócio-interativo da língua, no interior do qual se insere o conceito de

gêneros textuais: ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,

constituindo-o de algum modo.

Para Bakhtin, (1953/2000, p. 279-280), “...cada esfera de utilização da língua elabora


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seus tipos relativamente estáveis de enunciados” que são denominados gêneros do discurso.

Por que “relativamente” e estáveis e não apenas estáveis? Ao afirmar acerca da relativa

estabilidade dos gêneros, Bakhtin deu relevância “de um lado à historicidade dos gêneros e,

de outro à necessária imprecisão de suas características e fronteiras” (FARACO, 2009, p.

127). Marcuschi (2006) considera que a relatividade se sobrepõe aos aspectos estritamente

formais e capta melhor a historicidade e as fronteiras fluidas dos gêneros. Em outras

palavras, isso significa que não existe uma rigidez estrutural para os gêneros visto que são

dependentes do contexto sócio-histórico em que são produzidos. Logo, não há razão de a

escola privilegiar somente os elementos linguísticos de um determinado gênero, em

detrimento dos aspectos sócio-históricos que, efetivamente, determinam sua configuração

discursiva. Como bem ressalta o referido autor (2006, p. 34): “não é prioritária a análise da

forma como tal nem da estrutura e sim da organização e das ações sociais desenvolvidas,

bem como dos atos retóricos praticados”.

Embora a análise da forma não seja prioritária, é importante salientar que os gêneros do

discurso apresentam três dimensões “que se fundem indissoluvelmente no todo do enunciado:

o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional; estes elementos são “marcados

pela especificidade de uma esfera de comunicação” (BAKHTIN, 1953/2000, p.279).

O conteúdo temático corresponde ao assunto, ao objeto sobre o qual o enunciado vai

tratar; trata-se, pois, de um conteúdo ideologicamente afetado que se torna dizível por meio

do gênero. Já a construção composicional se refere aos elementos das estruturas textuais/

discursivas/semióticas que compõem um texto pertencente a um gênero. Por fim, o estilo

remete a questões individuais e genéricas de seleção: vocabulário, estruturas frasais,

preferências gramaticais, etc. Ainda que esses elementos possam ser percebidos

individualmente, eles não funcionam de forma autônoma, pois são interdependentes, num

processo dialógico-discursivo.

Bakhtin postula ainda que os gêneros organizam e dão significado à interação humana,
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constituindo-se como parâmetros sociais para a construção de seus enunciados, definindo

como se processará a interação:


Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro,
sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero [...] Se
não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de
criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um
de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. (BAKHTIN,
1953/2000, p. 302)

Qual a importância de termos o domínio de um gênero? Ora, ao reconhecermos um

gênero do discurso, conseguimos estabelecer sentidos e comportamentos nas diferentes

situações de comunicação com as quais nos deparamos; em outras palavras, conhecer

determinado gênero significa ser capaz de prever sua estrutura de composição ou suas regras

de conduta, observação de sua adequação ou não adequação àquela determinada prática de

linguagem.

Inegavelmente, os aspectos interacionais da/na linguagem são fenômenos complexos

que envolvem inúmeros fatores, entre os quais o contexto situacional, ou extralinguístico

que envolve a produção e recepção dos enunciados. Há também que se considerar a

perspectiva sócio-histórica dos gêneros discursivos que culmina, a nosso ver, em outros

conceitos relativos aos gêneros. Podemos citar, como exemplo, Bazerman (2005, p.31) para

quem os gêneros são


fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de
atividades socialmente organizadas (...) emergem nos processos sociais em que
pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem para coordenar
atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos. (p.31)

Bronckart (2007), por sua vez, considera que os gêneros são entidades tão poderosas

que, ao produzirmos um texto, eles nos condicionam a escolhas lexicais, temáticas e formais

que não são nem livres nem aleatórias, ou seja, os gêneros limitam nossa ação nas situações

de interação, sejam elas relacionadas à leitura, à escrita ou conversação face a face.

Cabe-nos lembrar de que, em virtude da heterogeneidade dos gêneros do discurso e da


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consequente dificuldade na definição do caráter genérico do enunciado, Bakhtin (1953/2000)

estabeleceu uma distinção entre gêneros primários e secundários. Enquanto estes ocorrem

em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa, relacionada aos aspectos

artísticos, científicos e sociopolíticos, aqueles dizem respeito a situações de interação verbal

mais simples, ligadas ao dia a dia.

Faraco (2009), retomando as considerações de Bakhtin/Voloshinov (1929/1988), ao se

referir aos gêneros primários e secundários do discurso, considera que tal distinção está

intimamente relacionada a duas esferas de criação ideológica: a ideologia do cotidiano e os

sistemas ideológicos constituídos.


A primeira esfera compreende a totalidade das atividades socioideológicas
centradas na vida cotidiana, desde os mais fortuitos eventos até aqueles que se
associam diretamente com os sistemas ideológicos constituídos. A segunda esfera
compreende a totalidade das práticas socioideológicas culturalmente mais
elaboradas, como as artes, as ciências, o direito, a filosofia, a religião etc.
(FARACO, 2009, p. 63)

É importante ressaltar que essas duas esferas são interdependentes, pois os sistemas

ideológicos constituídos se consolidam a partir das práticas da ideologia do cotidiano e,

concomitantemente, se renovam, em razão das mudanças socioculturais (FARACO, 2009).

Assim, temos um percurso que continuamente é trilhado, visto que as mudanças

socioculturais encontram, mais tarde, sua expressão nos gêneros secundários (produções

ideológicas mais elaboradas) que, ato contínuo, acabam por exercer uma influência sobre os

gêneros primários (práticas do cotidiano).

Existe, pois, um diálogo (em sentido amplo) incessante entre os gêneros primários e

secundários, o que nos impele a uma reflexão acerca do conceito de dialogismo, que

funciona como célula geradora dos diversos aspectos que singularizam e mantêm vivas as

ideias bakhtinianas (BRAIT, 2003).

O dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem, é a condição do sentido do

discurso, pois decorre da interação verbal que se estabelece entre o eu e o outro. Logo,
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pode-se afirmar que o discurso é proveniente de outros e se dirige a outrem, o que faz

Bakhtin considerar, categoricamente, que nenhuma palavra é nossa, pois traz em seu interior

a perspectiva de outra voz.

Para que as relações dialógicas ocorram, é necessário que a palavra (ou qualquer outra

materialidade semiótica) esteja na esfera do discurso, isto é, tenha se transformado em um

enunciado e desta forma, tenha fixado a posição de um sujeito social. Somente dessa

maneira “é possível fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à

palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la”

(FARACO, 2009, p. 66). O caráter dialógico da linguagem estabelece, então, relações de

sentido que geram significação responsiva a partir do encontro de posições avaliativas.

Embora as palavras não pertençam a ninguém e não comportem juízos de valor (BAKHTIN,

1953/2000), elas estão a serviço de qualquer locutor e de qualquer juízo de valor, em razão

do caráter dialógico da linguagem.

Anúncio publicitário e artigo opinativo: as leituras dos acadêmicos

Os aspectos teóricos acima delineados nos fazem repensar acerca das características

linguístico-discursivas dos gêneros que selecionamos para este trabalho: anúncio publicitário

e artigo opinativo. Até que ponto esses gêneros se aproximam e/ou se distanciam quanto

aos aspectos temáticos, discursivos e estilísticos? De que modo acadêmicos do curso de

Comunicação Social atribuem sentido aos referidos gêneros?

É importante mencionar, neste momento, o critério que norteou a escolha de tais

gêneros. Em primeiro lugar, por se tratar do curso de Comunicação Social, com as

habilitações Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Marketing, consideramos ser produtiva

uma tarefa que envolvesse gêneros que serão objeto de trabalho dos acadêmicos em sua

futura atuação profissional. Em segundo lugar, o anúncio publicitário, referente à campanha

da AMBEV, (Veja, 28 de julho de 2010) chamou-nos a atenção em razão de sua estrutura


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pouco convencional, tanto em relação à construção composicional quanto ao conteúdo

temático (Vide Anexo 1) . Já o artigo opinativo – A arte da improvisação –, de Cláudio de

Moura Castro, (Veja, 12 de janeiro de 2011), foi selecionado pelo fato de o autor

frequentemente tratar de temas relativos ao contexto educacional em nosso país e, ao fazê-lo,

tece críticas contundentes em relação ao descaso com que a educação tem sido

frequentemente tratada pelas autoridades brasileiras (Ver Anexo 2).

Para respondermos aos questionamentos propostos, faz-se necessário explicitar o modo

pelo qual a tarefa foi desenvolvida em sala de aula. Primeiramente distribuímos uma cópia

do anúncio publicitário e do artigo opinativo para os 45 alunos, sem fazermos qualquer

menção ao gênero. Alguns preferiram realizar a tarefa em dupla, outros optaram pela leitura

individual. No total, obtivemos 25 textos em que procuraram identificar a situação

discursiva, as características linguísticas e a finalidade comunicacional de cada um dos

textos.

Quanto ao anúncio da AMBEV, transcrevemos algumas das observações feitas pelos

acadêmicos. Para preservarmos a identidade dos sujeitos desta pesquisa, adotamos a sigla

S-1, S-2 e assim sucessivamente, correspondentes aos excertos apresentados neste trabalho:
S-1: Discurso opinativo – texto publicitário: o autor expressa sua opinião sobre
quebrar paradigmas referentes às hierarquias dentro de uma organização (...)
Quantas vezes não escutamos: “eles não vão escutar um funcionário de chão de
fábrica!” Thomás Oliveira mostra justamente a importância de novas ideias,
independente de título ou cargo. Ao mesmo tempo, o texto não deixa de ser um
informe publicitário, seja para clientes internos ou externos, divulgando então uma
empresa que valoriza os membros da empresa pelo que eles pensam e não pela
posição ocupada.

Nesse excerto, observa-se uma leitura relativamente ingênua, pois o sujeito, embora

caracterize o texto como publicitário, não consegue perceber a intenção comunicativa, ou,

no dizer de Bakhtin, a finalidade discursiva do gênero em questão. Tem-se a impressão de

que a construção composicional – que se assemelha a um depoimento pessoal e, que, de

certa forma, subverteu o padrão prototípico de anúncio publicitário – interferiu no processo


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de compreensão, conforme podemos observar nos excertos S-2 e S-3:


S-2: Discurso jornalístico opinativo e editorial, no qual o autor do texto se
classifica como um publicitário e expõe suas ideias em prol do seu crescimento
pessoal, organizacional e profissional.

S-3: Trata de um discurso jornalístico do gênero artigo opinativo, pois Thomás


Oliveira relata uma experiência própria para explicar a estratégia da empresa em
que atua e, assim, promovê-la. O que não deixa de ser uma reportagem.

Cabe-nos salientar que, no excerto S-3, o sujeito fez menção ao artigo opinativo e à

reportagem, não levando em consideração o fato de esses gêneros terem finalidades

comunicativas bem diferentes em relação às de um anúncio publicitário.

Já no excerto abaixo, apesar de sucinto, o sujeito se refere ao autor do “depoimento”,

mas desconsidera o fato de que é a empresa (no caso, a AMBEV) que, por intermédio do

gênero em questão, divulga valores ideológicos para serem compartilhados pelo

público-alvo. O mesmo ocorre em S-5:

S-4: O texto pertence ao gênero publicitário porque o autor usou o seu exemplo
para divulgar a sua empresa.
S-5: Trata-se de um depoimento publicitário, pois ele conta sua história, com a
intenção de fazer propaganda da empresa em que trabalha.

Os excertos acima revelam-nos uma leitura na qual não se vislumbra uma distinção e/ou

identificação da(s) voz(es) que permeiam o gênero em questão. Embora as idéias

bakhtinianas relativas à noção de autor e autoria estejam relacionadas à atividade estética

literária, podemos perceber que tais conceitos também podem ser aplicados ao discurso

publicitário. Senão vejamos: as leituras até aqui apresentadas não denunciam uma diferença

entre autor-pessoa (o publicitário, a agência) e autor-criador do texto (isto é, o personagem

Thomás). Desconsideram que o gênero foi elaborado por uma empresa publicitária (que

corresponderia ao autor-pessoa) e que o personagem Thomás Oliveira equivaleria ao autor

criador, cuja função estético-formal é a de engendrar o anúncio, sustentando a unidade da


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campanha como um todo.

Por outro lado, alguns sujeitos consideraram se tratar de um slogan publicitário,

evidenciando, de certa forma, a finalidade comunicativa do anúncio, conforme ilustram os

excertos abaixo:

S-6: É um slogan publicitário, porque sintetiza em uma frase a qualidade da


empresa, visto que não anuncia um produto, mas nos remete a uma frase que
classifica toda a ideia: a ideia de uma empresa que tem por trás dos seus produtos
colaboradores geniais.
S-7: Trata de um discurso publicitário de gênero slogan. A frase em destaque não é
o slogan da empresa (o slogan está abaixo do texto), mas eu posso tirar as minhas
conclusões a respeito da empresa lendo a frase em destaque. Logo, sei que é um
discurso publicitário.

Quanto à leitura do artigo opinativo “A arte da improvisação”, de Cláudio de Moura

Castro, a maioria dos sujeitos não só identificaram o gênero como também a finalidade

discursiva do referido texto, conforme podemos observar nos excertos abaixo:

S-3: O economista Claudio de Moura Castro faz sua análise sobre a improvisação
com sua própria opinião. O discurso é jornalístico e o gênero é artigo opinativo.
S-4: Pertence ao gênero opinativo, porque o autor expõe sua opinião sobre o tema
abordado. A ideia do texto nos mostra que a educação de hoje não tem mais o
significado de aprendizagem, mas sim uma decoreba.
S-5: É um artigo opinativo, pois o autor defende sua opinião, embasado em fatos
e citando exemplos de pessoas conhecidas, para reforçar suas ideias.
S-6: É um artigo opinativo que apresenta argumentos fundamentados por
pesquisas. O autor defende a ideia de que improvisar é uma arte falha, segundo os
índices apresentados no texto.

Cabe-nos, neste momento, ressaltar que enquanto S-3 e S-4 atribuem ao autor a total

responsabilidade pela opinião apresentada no texto, S-5 e S-6 já demonstram que o autor

defende suas ideias por intermédio de fatos, exemplos e pesquisas. Trata-se, a nosso ver, de

uma percepção, ainda que intuitiva, acerca dos aspectos dialógicos da linguagem.

Em contrapartida, em alguns excertos, observamos que os sujeitos não conseguiram


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identificar o gênero e nem a finalidade comunicativa do texto em questão:

S-1: É um texto crítico do discurso jornalístico. Improvisar seria um risco (...)


Amyr Klink, por exemplo, se prepara durante anos antes de uma expedição.
S-2: É um gênero do discurso jornalístico em seção carta do leitor, na qual ele se
baseia em ideia para o planejamento educacional e não no improviso.

No excerto de S-1, que designou o gênero como um “texto crítico”, podemos considerar

que, de certa forma, houve a percepção da estrutura composicional do artigo, mas não

ocorreu uma explicitação acerca do conteúdo temático e da finalidade comunicativa.

Já no excerto de S-2, a construção composicional, o conteúdo temático e o estilo não

foram suficientes para o sujeito identificar o gênero e sua finalidade comunicativa.

Parece-nos que as dificuldades de leitura, ou mais precisamente, de identificação da

finalidade comunicativa dos textos, apresentadas por alguns sujeitos de nossa pesquisa se

devem principalmente a não familiaridade com gêneros do discurso pertencentes ao contexto

jornalístico e/ou publicitário. Egressos do Ensino Médio em escolas públicas, os acadêmicos

revelaram, em entrevista retrospectiva, que raramente liam textos jornalísticos e/ou

publicitários sob o enfoque discursivo, pois o enfoque trabalhado, naquele nível de

escolaridade, era mais gramatical.

De acordo com Machado (2008), os estudos de Bakhtin possibilitaram novas

perspectivas de ensino, que vão além da análise linguística, passando a observar novas

formas de comunicação humana e considerando a natureza dos enunciados na cadeia

discursiva. Os gêneros discursivos são formas comunicativas que não são adquiridas em

manuais, mas sim nos processos interativos, pois, conforme salienta Bakhtin

A língua materna – a composição de seu léxico e sua estrutura gramatical -, não a


aprendemos nos dicionários ou manuais de gramática, nós a adquirimos mediante
enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal
viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. (1953/2000, p. 301)

Considerações finais
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Tantas leituras e opiniões divergentes nos fazem considerar a sala de aula como um evento
social, em que se encontram jornalistas e publicitários em formação, ou seja, como um lugar
onde ocorre (e precisa ocorrer) a efervescência de ideias, de emoções diversas, de opiniões
opostas. Nesse sentido, segundo Maffesoli (2007), não podemos ignorar a existência de
variedades e diferenças de vida social e nem reduzi-las, pois a ligação desses elementos
estabelece uma relação de complementaridade que constitui o que o autor chama de
“socialidade”.

Claro está que a simples utilização de diferentes gêneros discursivos na sala de aula,
principalmente aqueles privilegiados pela mídia impressa, não é o bastante para um trabalho
pedagógico produtivo. Faz-se necessário considerar o contexto de produção bem como os
possíveis interlocutores daqueles textos, a fim de que o acadêmico, em processo de
formação, possa construir o(s) sentido(s) do texto, conforme preconiza Koch (2002, p.53):

O contato com os textos da vida cotidiana, como anúncios, avisos de toda a ordem,
artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias turísticos,
literatura de apoio à manipulação de máquinas, etc., exercita a nossa capacidade
metatextual para a construção e intelecção de textos.

Tais considerações nos fazem retomar as ideias de Rojo (2002) ao afirmar que, em
nosso país, com seu acentuado problema de iletrismo, é necessário que os alunos tenham
acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos, jornalísticos, informativos,
publicitários etc.) e possam fazer uma leitura crítica e cidadã desses textos.

Consequentemente, ao aprender a olhar de maneira reflexiva, ao escutar o discurso que


está sendo dito, ao ler e perceber as relações dialógicas presentes nas linhas e entrelinhas do
texto, o acadêmico do curso de Comunicação Social tornar-se-á capaz de desenvolver uma
nova consciência que lhe possibilitará enxergar o explícito e o implícito nos gêneros
multifacetados dos discursos jornalístico e publicitário.

Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1953/2000,
p. 279-326.
BAKHTIN, M.; VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec,
1929/1988.
BAZERMAN, C. Atos de fala, gêneros textuais e sistemas de atividades: como os textos organizam atividades
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aulas de leitura
e pessoas. In: DIONÍSIO, A.P. e HOFFNAGEL, J. C. (Orgs.). Gêneros Textuais, Tipificação e Interação.
São Paulo: Cortez, 2005, p.19-46.
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sóciodiscursivo.
São Paulo: EDUC, 2007.
FARACO, C. A. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola,
2009.
KOCH, I.G.V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto,
2008, p. 151-166.
MAFFESOLI, M. O conhecimento comum. São Paulo: Sulina, 2007.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e textualidade. In: DIONÍSIO, A.P., MACHADO, A.R. &
BEZERRA, M.A. (orgs.). Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p.19-36.
_____. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA
& BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros Textuais: reflexão e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006, p.23-36.
ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. 2002. Disponível em
http://www.fae.ufmg.br/ceale/generosdiscurso.pdf. Acesso em 29 set 2004
SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J.Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

Anexo 1

Fonte: Revista Veja, 28 jul. 2010

Anexo 1
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aulas de leitura
A arte da improvisação (Claudio de Moura Castro), Veja, Edição 2199, 12 jan. 2011

Quem não admira um ator cujas improvisações fluem com espontaneidade? Ou um


conferencista com ideias que borbulham ao sabor do momento e de sua inspiração? Assisti a
uma conferência do Amyr Klink. No princípio, ele nem sabia bem o que iria dizer, mas, ao
cabo de alguns minutos, as ideias magicamente se juntaram, compondo uma apresentação
brilhante. Nossa cultura valoriza as artes da improvisação, seja no palco, seja nos repentistas
do Nordeste, seja nas salas de aula. Genial é aquilo que brota da mente criativa, sem as peias
do ensaio e da preparação exaustiva. Só que não é bem assim. A arte da improvisação é uma
farsa. Os mais notáveis improvisadores são os que mais se preparam. Amyr Klink planeja
detalhadamente as suas expedições e ensina isso a executivos. Será que a aparência de
improvisação não seria parte da preparação e do charme?

Os cômicos e os repentistas improvisam sobre linhas que já praticaram. Como disse sua
filha, para Fernanda Montenegro, "memorizar uma obra é um ato de loucura, uma luta
bestial... é no cansaço e na repetição... que se atinge a tão cobiçada mestria". Marx levou dez
anos burilando a forma literária de O Capital. Durante a guerra, De Gaulle falava pelo rádio
para o povo francês. Poderia ler o discurso, quem iria saber? Mas não, era todo decorado,
para parecer mais espontâneo. Há uma escola de pintura chinesa em que os quadros são
pintados em poucos minutos. Mas, para isso, é preciso praticar por décadas a fio.

Na educação, é a mesma coisa. Richard Feynman, prêmio Nobel de Física, foi um dos
homens mais versáteis e brilhantes do século XX. Em suas memórias, descreve o trabalho
exaustivo requerido para preparar suas aulas e encontrar bons exemplos e exercícios. Para
seu livro (Aula Nota 10), Doug Lemov observou metodicamente como agem os professores
americanos mais eficazes do ensino básico. Concluiu que os mestres geniais preparam
minuciosamente as suas aulas. Relatos de bons professores brasileiros mostram o mesmo.
Esses exemplos contradizem uma seita pedagógica que prega um ensino cujas aulas são
"criadas" pelos professores e vocifera contra os livros-texto, passo a passo, que
escravizariam o mestre a um script pré-empacotado. O pior dos crimes são cursos que
ensinam a usar os livros. Os inimigos prediletos dessa seita são os chamados "sistemas de
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ensino", operados pelos sinistros "apostiladores". Não obstante, pesquisas recentes indicam
claramente que, nos municípios em que foram adotados tais sistemas, os alunos estão meio
ano à frente dos que não os adotaram.

Pensemos bem, os comandantes de aviões Boeing fazem cursos para pilotar o Airbus
(ou vice-versa) empregando os detalhadíssimos manuais da fábrica. Se pilotos experientes
precisam aprender a manejar os novos equipamentos, por que os professores não teriam de
aprender a usar os novos livros? Na verdade, sólida pesquisa mostra que os alunos aprendem
mais quando os professores foram instruídos nas artes de utilizar os livros adotados. De duas
uma, ou a improvisação é a crença em uma teoria pedagógica totalmente equivocada, ou é a
desculpa esfarrapada dos malandros. Sabemos com segurança: quanto mais planejada a aula,
mais os alunos aprendem. E, para bem planejar, nada como usar as melhores práticas,
acumuladas ao longo dos anos. Pouquíssimos têm ou vocação ou tempo para inventar boas
aulas.

Vendo a questão de outro ângulo, a partir da Revolução Industrial, todo o processo


produtivo se baseia na divisão de trabalho, para que cada etapa seja feita por quem melhor
dominou as suas artes. No caso da educação, alguns são melhores para buscar as maneiras
mais eficazes de ensinar, seja regra de três, concordância ou circuitos elétricos. Alguém
saberá fazer as melhores ilustrações ou PowerPoints. Sendo difícil preparar provas que
puxem pelo intelecto, e não pela decoreba, esse é trabalho para profissionais de testes. Ao
contrário do que se pensa, tudo isso pode ser feito por outrem, sem engessar o ensino. Nesse
caso, o que mediocriza o ensino são as perguntas improvisadas, que acabam por requerer
apenas dotes de memória. Perguntas e exercícios bem concebidos, pelo contrário, podem dar
asas à imaginação.

Em suma, quanto melhores e mais detalhados os materiais disponíveis, mais o professor


pode se preparar para o momento da aula, ajudando a afastar o Brasil de um ensino
catastrófico. E, no fundo, a aula é o elo mais nobre e crítico do processo de ensino.

Claudio de Moura Castro é economista.

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