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Artigo - Como Leem Os Acadêmicos
Artigo - Como Leem Os Acadêmicos
Universidade Braz Cubas e Universidade de Taubaté, Mogi das Cruzes e Taubaté, SP Brasil
O objetivo deste artigo é o de apresentar o modo pelo qual acadêmicos do curso de Comunicação Social
realizam a leitura de dois gêneros distintos: campanha publicitária e artigo opinativo, tendo em vista
não só a construção composicional, o conteúdo e o estilo de cada um, mas principalmente, a percepção das
relações dialógicas e da finalidade comunicacional dos respectivos gêneros.
The aim of this paper is to present the way the academic course in Social Communication perform the
reading of two distinct genres: advertising articles and opinion pieces, with a view not only the
compositional construction, content and style of each one, but mainly, the perception of dialogical
relations and the purpose of communication of their respective genres.
Introdução
língua portuguesa, tem por objetivo, apresentar o modo pelo qual estudantes universitários
não somente a construção composicional, o conteúdo e o estilo de cada um, elementos que
1
, Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor
titular da Universidade Braz Cubas e professor assistente doutor da Universidade de Taubaté: Ensino e aprendizagem de
língua materna. E-mail: evbrito@uol.com.br.
2 Como leem os acadêmicos? Em foco: artigo opinativo e campanha publicitária nas
aulas de leitura
1953/2000), mas também, e talvez principalmente, como o coro de vozes se concretiza nos
respectivos gêneros.
Para a consecução deste objetivo, adotamos como aporte teórico as concepções bakhtinianas
Schneuwly e Dolz (2004) para quem os gêneros, transpostos da cultura social para o
indivíduos tais como narrar, relatar, argumentar, expor, descrever, entre outras.
Considerações Teóricas
Já faz parte do senso comum a afirmação de que toda atividade comunicativa verbal só pode
ser realizada por intermédio de um gênero; da mesma forma, é consenso que toda situação
de interação só se concretiza com a presença de um texto, seja ele verbal, não verbal, ou
2002).
estrutural. Nesse sentido, deixa de ser vista como um espelho da realidade ou como um
terem sido adotadas principalmente em contextos escolares durante muito tempo, não dão
gêneros textuais: ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,
aulas de leitura
seus tipos relativamente estáveis de enunciados” que são denominados gêneros do discurso.
Por que “relativamente” e estáveis e não apenas estáveis? Ao afirmar acerca da relativa
estabilidade dos gêneros, Bakhtin deu relevância “de um lado à historicidade dos gêneros e,
127). Marcuschi (2006) considera que a relatividade se sobrepõe aos aspectos estritamente
palavras, isso significa que não existe uma rigidez estrutural para os gêneros visto que são
discursiva. Como bem ressalta o referido autor (2006, p. 34): “não é prioritária a análise da
forma como tal nem da estrutura e sim da organização e das ações sociais desenvolvidas,
Embora a análise da forma não seja prioritária, é importante salientar que os gêneros do
tratar; trata-se, pois, de um conteúdo ideologicamente afetado que se torna dizível por meio
preferências gramaticais, etc. Ainda que esses elementos possam ser percebidos
individualmente, eles não funcionam de forma autônoma, pois são interdependentes, num
processo dialógico-discursivo.
Bakhtin postula ainda que os gêneros organizam e dão significado à interação humana,
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aulas de leitura
determinado gênero significa ser capaz de prever sua estrutura de composição ou suas regras
linguagem.
perspectiva sócio-histórica dos gêneros discursivos que culmina, a nosso ver, em outros
conceitos relativos aos gêneros. Podemos citar, como exemplo, Bazerman (2005, p.31) para
Bronckart (2007), por sua vez, considera que os gêneros são entidades tão poderosas
que, ao produzirmos um texto, eles nos condicionam a escolhas lexicais, temáticas e formais
que não são nem livres nem aleatórias, ou seja, os gêneros limitam nossa ação nas situações
aulas de leitura
estabeleceu uma distinção entre gêneros primários e secundários. Enquanto estes ocorrem
referir aos gêneros primários e secundários do discurso, considera que tal distinção está
É importante ressaltar que essas duas esferas são interdependentes, pois os sistemas
socioculturais encontram, mais tarde, sua expressão nos gêneros secundários (produções
ideológicas mais elaboradas) que, ato contínuo, acabam por exercer uma influência sobre os
Existe, pois, um diálogo (em sentido amplo) incessante entre os gêneros primários e
secundários, o que nos impele a uma reflexão acerca do conceito de dialogismo, que
funciona como célula geradora dos diversos aspectos que singularizam e mantêm vivas as
discurso, pois decorre da interação verbal que se estabelece entre o eu e o outro. Logo,
6 Como leem os acadêmicos? Em foco: artigo opinativo e campanha publicitária nas
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pode-se afirmar que o discurso é proveniente de outros e se dirige a outrem, o que faz
Bakhtin considerar, categoricamente, que nenhuma palavra é nossa, pois traz em seu interior
Para que as relações dialógicas ocorram, é necessário que a palavra (ou qualquer outra
enunciado e desta forma, tenha fixado a posição de um sujeito social. Somente dessa
maneira “é possível fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à
Embora as palavras não pertençam a ninguém e não comportem juízos de valor (BAKHTIN,
1953/2000), elas estão a serviço de qualquer locutor e de qualquer juízo de valor, em razão
Os aspectos teóricos acima delineados nos fazem repensar acerca das características
linguístico-discursivas dos gêneros que selecionamos para este trabalho: anúncio publicitário
e artigo opinativo. Até que ponto esses gêneros se aproximam e/ou se distanciam quanto
uma tarefa que envolvesse gêneros que serão objeto de trabalho dos acadêmicos em sua
aulas de leitura
Moura Castro, (Veja, 12 de janeiro de 2011), foi selecionado pelo fato de o autor
tece críticas contundentes em relação ao descaso com que a educação tem sido
pelo qual a tarefa foi desenvolvida em sala de aula. Primeiramente distribuímos uma cópia
menção ao gênero. Alguns preferiram realizar a tarefa em dupla, outros optaram pela leitura
textos.
acadêmicos. Para preservarmos a identidade dos sujeitos desta pesquisa, adotamos a sigla
S-1, S-2 e assim sucessivamente, correspondentes aos excertos apresentados neste trabalho:
S-1: Discurso opinativo – texto publicitário: o autor expressa sua opinião sobre
quebrar paradigmas referentes às hierarquias dentro de uma organização (...)
Quantas vezes não escutamos: “eles não vão escutar um funcionário de chão de
fábrica!” Thomás Oliveira mostra justamente a importância de novas ideias,
independente de título ou cargo. Ao mesmo tempo, o texto não deixa de ser um
informe publicitário, seja para clientes internos ou externos, divulgando então uma
empresa que valoriza os membros da empresa pelo que eles pensam e não pela
posição ocupada.
Nesse excerto, observa-se uma leitura relativamente ingênua, pois o sujeito, embora
caracterize o texto como publicitário, não consegue perceber a intenção comunicativa, ou,
Cabe-nos salientar que, no excerto S-3, o sujeito fez menção ao artigo opinativo e à
mas desconsidera o fato de que é a empresa (no caso, a AMBEV) que, por intermédio do
S-4: O texto pertence ao gênero publicitário porque o autor usou o seu exemplo
para divulgar a sua empresa.
S-5: Trata-se de um depoimento publicitário, pois ele conta sua história, com a
intenção de fazer propaganda da empresa em que trabalha.
Os excertos acima revelam-nos uma leitura na qual não se vislumbra uma distinção e/ou
literária, podemos perceber que tais conceitos também podem ser aplicados ao discurso
publicitário. Senão vejamos: as leituras até aqui apresentadas não denunciam uma diferença
Thomás). Desconsideram que o gênero foi elaborado por uma empresa publicitária (que
aulas de leitura
excertos abaixo:
Castro, a maioria dos sujeitos não só identificaram o gênero como também a finalidade
S-3: O economista Claudio de Moura Castro faz sua análise sobre a improvisação
com sua própria opinião. O discurso é jornalístico e o gênero é artigo opinativo.
S-4: Pertence ao gênero opinativo, porque o autor expõe sua opinião sobre o tema
abordado. A ideia do texto nos mostra que a educação de hoje não tem mais o
significado de aprendizagem, mas sim uma decoreba.
S-5: É um artigo opinativo, pois o autor defende sua opinião, embasado em fatos
e citando exemplos de pessoas conhecidas, para reforçar suas ideias.
S-6: É um artigo opinativo que apresenta argumentos fundamentados por
pesquisas. O autor defende a ideia de que improvisar é uma arte falha, segundo os
índices apresentados no texto.
Cabe-nos, neste momento, ressaltar que enquanto S-3 e S-4 atribuem ao autor a total
responsabilidade pela opinião apresentada no texto, S-5 e S-6 já demonstram que o autor
defende suas ideias por intermédio de fatos, exemplos e pesquisas. Trata-se, a nosso ver, de
uma percepção, ainda que intuitiva, acerca dos aspectos dialógicos da linguagem.
No excerto de S-1, que designou o gênero como um “texto crítico”, podemos considerar
que, de certa forma, houve a percepção da estrutura composicional do artigo, mas não
finalidade comunicativa dos textos, apresentadas por alguns sujeitos de nossa pesquisa se
perspectivas de ensino, que vão além da análise linguística, passando a observar novas
discursiva. Os gêneros discursivos são formas comunicativas que não são adquiridas em
manuais, mas sim nos processos interativos, pois, conforme salienta Bakhtin
Considerações finais
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Tantas leituras e opiniões divergentes nos fazem considerar a sala de aula como um evento
social, em que se encontram jornalistas e publicitários em formação, ou seja, como um lugar
onde ocorre (e precisa ocorrer) a efervescência de ideias, de emoções diversas, de opiniões
opostas. Nesse sentido, segundo Maffesoli (2007), não podemos ignorar a existência de
variedades e diferenças de vida social e nem reduzi-las, pois a ligação desses elementos
estabelece uma relação de complementaridade que constitui o que o autor chama de
“socialidade”.
Claro está que a simples utilização de diferentes gêneros discursivos na sala de aula,
principalmente aqueles privilegiados pela mídia impressa, não é o bastante para um trabalho
pedagógico produtivo. Faz-se necessário considerar o contexto de produção bem como os
possíveis interlocutores daqueles textos, a fim de que o acadêmico, em processo de
formação, possa construir o(s) sentido(s) do texto, conforme preconiza Koch (2002, p.53):
O contato com os textos da vida cotidiana, como anúncios, avisos de toda a ordem,
artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias turísticos,
literatura de apoio à manipulação de máquinas, etc., exercita a nossa capacidade
metatextual para a construção e intelecção de textos.
Tais considerações nos fazem retomar as ideias de Rojo (2002) ao afirmar que, em
nosso país, com seu acentuado problema de iletrismo, é necessário que os alunos tenham
acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos, jornalísticos, informativos,
publicitários etc.) e possam fazer uma leitura crítica e cidadã desses textos.
Referências Bibliográficas
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BAZERMAN, C. Atos de fala, gêneros textuais e sistemas de atividades: como os textos organizam atividades
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SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J.Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.
Anexo 1
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A arte da improvisação (Claudio de Moura Castro), Veja, Edição 2199, 12 jan. 2011
Os cômicos e os repentistas improvisam sobre linhas que já praticaram. Como disse sua
filha, para Fernanda Montenegro, "memorizar uma obra é um ato de loucura, uma luta
bestial... é no cansaço e na repetição... que se atinge a tão cobiçada mestria". Marx levou dez
anos burilando a forma literária de O Capital. Durante a guerra, De Gaulle falava pelo rádio
para o povo francês. Poderia ler o discurso, quem iria saber? Mas não, era todo decorado,
para parecer mais espontâneo. Há uma escola de pintura chinesa em que os quadros são
pintados em poucos minutos. Mas, para isso, é preciso praticar por décadas a fio.
Na educação, é a mesma coisa. Richard Feynman, prêmio Nobel de Física, foi um dos
homens mais versáteis e brilhantes do século XX. Em suas memórias, descreve o trabalho
exaustivo requerido para preparar suas aulas e encontrar bons exemplos e exercícios. Para
seu livro (Aula Nota 10), Doug Lemov observou metodicamente como agem os professores
americanos mais eficazes do ensino básico. Concluiu que os mestres geniais preparam
minuciosamente as suas aulas. Relatos de bons professores brasileiros mostram o mesmo.
Esses exemplos contradizem uma seita pedagógica que prega um ensino cujas aulas são
"criadas" pelos professores e vocifera contra os livros-texto, passo a passo, que
escravizariam o mestre a um script pré-empacotado. O pior dos crimes são cursos que
ensinam a usar os livros. Os inimigos prediletos dessa seita são os chamados "sistemas de
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ensino", operados pelos sinistros "apostiladores". Não obstante, pesquisas recentes indicam
claramente que, nos municípios em que foram adotados tais sistemas, os alunos estão meio
ano à frente dos que não os adotaram.
Pensemos bem, os comandantes de aviões Boeing fazem cursos para pilotar o Airbus
(ou vice-versa) empregando os detalhadíssimos manuais da fábrica. Se pilotos experientes
precisam aprender a manejar os novos equipamentos, por que os professores não teriam de
aprender a usar os novos livros? Na verdade, sólida pesquisa mostra que os alunos aprendem
mais quando os professores foram instruídos nas artes de utilizar os livros adotados. De duas
uma, ou a improvisação é a crença em uma teoria pedagógica totalmente equivocada, ou é a
desculpa esfarrapada dos malandros. Sabemos com segurança: quanto mais planejada a aula,
mais os alunos aprendem. E, para bem planejar, nada como usar as melhores práticas,
acumuladas ao longo dos anos. Pouquíssimos têm ou vocação ou tempo para inventar boas
aulas.