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© Dawn Hartman

Mark Wolynn é o fundador e diretor do Instituto de Constelações Familiares,


em São Francisco, e especialista mundial na área do trauma. Deu aulas na
Universidade de Pittsburgh, no Western Psychiatric Institute, no Kripalu, no
Omega Institute, no New York Open Center, no Instituto de Estudos Integrais
da Califórnia, em muitos centros de treino, clínicas e hospitais. Os seus artigos
surgiram em publicações como a Psychology Today, Mind Body Green,
MariaShriver.com, Elephant Journal e Psych Central, e a sua poesia foi publicada
na The New Yorker. Vive na região da Baía de São Francisco.
Esta obra está publicada em mais de 25 línguas.
markwolynn.com
markwolynn
@markwolynn
Essa dor não é tua
Mark Wolynn

Publicado em Portugal por:


Albatroz®
Divisão Editorial Literária – Porto

Título original:
It didn’t start with you
© 2016 by Mark Wolynn
Publicado por acordo com a Penguin Life, uma chancela da Penguin Publishing
Group,
uma divisão da Penguin Random House LLC.

Tradução: Carla Ribeiro

Design da capa: Matt Vee. Adaptação por Nor267.

1.ª edição em papel: maio de 2023

Rua da Restauração, 365


4099-023 Porto
Portugal

www.portoeditora.pt

ISBN 978-989-739-221-4
Para os meus pais,
Marvin Wolynn e Sandra Lazier Wolynn Miller.
Estou tão grato por tudo o que me deram.
Quem olha para o exterior, sonha; quem olha para o
interior, desperta.
– Carl Jung, Letters, Vol. 1
Introdução:
A linguagem secreta do medo
Em tempos sombrios, o olhar começa a ver…
– Theodore Roethke, In a Dark Time

Este livro é fruto de uma missão que me levou por todo o


mundo, de volta às minhas raízes e a uma carreira profissional que
jamais poderia ter imaginado quando esta viagem começou.
Durante mais de vinte anos, trabalhei com indivíduos que se
debatiam com depressão, ansiedade, doenças crónicas, fobias,
pensamentos obsessivos, stress pós-traumático e outras condições
debilitantes. Muitos chegavam a mim desalentados e
desanimados, depois de anos de psicoterapia, medicação e outras
intervenções terem sido incapazes de descobrir a fonte dos
sintomas e aliviar o sofrimento.
O que aprendi com a minha própria experiência, formação e
prática clínica foi que a resposta pode não estar na nossa própria
história, mas antes nas histórias dos nossos pais, avós e até
bisavós. Os mais recentes estudos científicos, que hoje fazem
manchetes, dizem-nos também que os efeitos do trauma podem
passar de uma geração para a seguinte. Este “legado” é aquilo
que conhecemos como trauma familiar herdado, e provas
emergentes sugerem que é um fenómeno bem real. A dor nem
sempre se dissolve sozinha ou diminui com o tempo. Mesmo que a
pessoa que sofreu o trauma original tenha morrido, mesmo que a
sua história esteja submersa em anos de silêncio, fragmentos da
experiência de vida, da memória e da sensação corporal podem
persistir, como se saíssem do passado para encontrar resolução
nas mentes e nos corpos dos que vivem no presente.
O que irá ler nas páginas que se seguem é uma síntese das
observações empíricas da minha prática enquanto diretor do
Instituto de Constelações Familiares, em São Francisco, e das mais
recentes descobertas da neurociência, da epigenética e da ciência
da linguagem. Reflete também a minha formação profissional com
Bert Hellinger, o prestigiado psicoterapeuta alemão, cuja
abordagem à terapia familiar demonstra os efeitos psicológicos e
físicos do trauma familiar herdado em múltiplas gerações.
Grande parte deste livro foca-se em identificar padrões
familiares herdados – os medos, sentimentos e comportamentos
que, inadvertidamente, adotámos e que mantêm o ciclo de
sofrimento vivo de geração em geração – e também em como pôr
termo a este ciclo, que é o núcleo do meu trabalho. Poderá
aprender, como eu, que muitos destes padrões não nos
pertencem; foram apenas emprestados por outros na nossa
história familiar. Porquê? Acredito firmemente que é para que uma
história que precisa de ser contada possa finalmente ser revelada.
Deixe-me partilhar a minha.
Nunca tive intenções de criar um método para superar o medo
e a ansiedade. Tudo começou no dia em que perdi a visão. Estava
na agonia da minha primeira enxaqueca ocular. Nenhuma dor
física propriamente dita – apenas um ciclone de terror negro,
dentro do qual a minha visão estava obscurecida. Tinha 34 anos e
andava a tropeçar pelo meu gabinete na escuridão, tateando o
telefone fixo em busca dos números do 112. Uma ambulância não
tardaria a pôr-se a caminho.
Uma enxaqueca ocular não é, geralmente, algo grave. A nossa
visão fica desfocada, mas habitualmente volta ao normal em cerca
de uma hora. Só que nem sempre sabemos disso enquanto está a
acontecer. Mas, para mim, a enxaqueca ocular foi apenas o início.
Em poucas semanas, a visão do meu olho esquerdo começou a
desaparecer. Rostos e sinais de trânsito não tardaram a tornar-se
uma mancha cinzenta.
Os médicos informaram-me de que tinha retinopatia serosa
central, uma condição sem cura, de causa desconhecida.
Acumula-se fluido sob a retina e depois vaza, causando cicatrizes
e manchas no campo visual. Algumas pessoas, os 5% com a
forma crónica em que a minha condição se transformara, tornam-
se legalmente cegas. Da maneira como as coisas estavam a
evoluir, disseram-me para esperar que ambos os olhos fossem
afetados. Era apenas uma questão de tempo.
Os médicos não conseguiam dizer-me o que estava a causar a
minha perda de visão e o que a curaria. Tudo o que
experimentava sozinho – vitaminas, jejuns de sumo, cura por
imposição de mãos – parecia agravar as coisas. Estava
desconcertado. O meu maior medo desenrolava-se à minha frente
e eu sentia-me impotente para fazer o que quer que fosse em
relação a isso. Cego, incapaz de tomar conta de mim mesmo e
sozinho, desmoronaria. A minha vida ficaria devastada. Perderia a
vontade de viver.
Repetia o cenário uma e outra vez na minha cabeça. Quanto
mais pensava nisso, mais profundamente os sentimentos de
desespero se cravavam no meu corpo. Estava a afundar-me em
lodo. Sempre que tentava arrancar-me de lá, os meus
pensamentos regressavam a imagens de estar sozinho, indefeso e
devastado. O que não sabia então era que as próprias palavras
sozinho, indefeso e devastado faziam parte da minha linguagem
pessoal de medo. Refletiam traumas ocorridos na minha história
familiar antes de eu ter nascido. Incontidas e desenfreadas, estas
palavras rodopiavam na minha cabeça e sacudiam-me o corpo.
Perguntava-me porque dava eu tal poder aos meus
pensamentos. Outras pessoas tinham adversidades bem piores do
que a minha e não viviam assim nas profundezas. O que tinha eu
que se mantinha tão profundamente entrincheirado no medo?
Passariam anos até conseguir responder a essa pergunta.
Na altura, não pude fazer mais nada a não ser partir. Deixei a
minha relação, a minha família, a minha empresa, a minha cidade
– tudo o que conhecia. Queria respostas que não podiam ser
encontradas no mundo em que vivia – um mundo em que muitas
pessoas pareciam confusas e infelizes. Tinha apenas perguntas, e
pouca vontade de continuar com a vida tal como a conhecia.
Entreguei o meu negócio (uma bem-sucedida empresa de
eventos) a alguém que acabara literalmente de conhecer, e lá fui
eu para leste – o mais para leste possível –, até chegar ao
Sudeste Asiático. Queria ser curado. Simplesmente, não fazia ideia
de qual o aspeto que isso poderia ter.
Li livros e estudei com os mestres que os tinham escrito.
Sempre que ouvia dizer que poderia haver alguém capaz de me
ajudar – uma velha numa cabana, um homem risonho de túnica –,
aparecia. Juntei-me a programas de treino e entoei cânticos com
gurus. Um desses gurus disse aos que se tinham reunido para o
ouvir falar que queria rodear-se apenas de “achadores”. Os
buscadores, disse ele, permaneciam exatamente assim – num
constante estado de busca.
Queria ser um achador. Meditava diariamente durante horas.
Jejuava durante dias consecutivos. Preparava infusões de ervas e
combatia as toxinas ferozes que, imaginava eu, tinham invadido os
meus tecidos. E, entretanto, a minha visão continuava a piorar e a
minha depressão aprofundava-se.
O que não consegui perceber na altura foi que, quando
tentamos resistir a sentir algo doloroso, estamos muitas vezes a
prolongar a dor que tentamos evitar. Fazê-lo é uma receita para a
continuidade do sofrimento. E há também algo na ação de
procurar que nos separa do que procuramos. A constante busca
no nosso exterior pode impedir-nos de saber quando atingimos o
alvo. Algo valioso pode estar a acontecer dentro de nós, mas se
não estivermos em sintonia, pode escapar-nos.
“O que não está disposto a ver?”, sondavam os curandeiros,
incitando-me a olhar mais fundo. Como podia eu saber? Estava às
escuras.
Um guru na Indonésia tornou as coisas um pouco mais claras
para mim ao perguntar: “Quem pensa que é para não ter
problemas de visão?” E prosseguiu: “Talvez os ouvidos do Johan
não funcionem tão bem como os do Gerhard, e talvez os pulmões
da Eliza não sejam tão fortes como os da Gerta. E o Dietrich não
ande tão bem como o Sebastian.” (Eram todos neerlandeses ou
alemães nesse programa de treino específico, e todos pareciam
debater-se com algum tipo de condição crónica.) Algo passou. Ele
tinha razão. Quem era eu para não ter problemas de visão? Era
arrogante da minha parte discutir com a realidade. Gostasse ou
não, a minha retina estava lacerada e a minha visão desfocada,
mas eu – o “eu” subjacente a tudo isso – começava a sentir
calma. Independentemente do que estivesse a fazer, o meu olho
já não tinha de ser o fator decisivo em como me sentia.
Para aprofundar a aprendizagem, este guru fez-nos passar
setenta e duas horas – três dias e três noites – vendados e de
ouvidos tapados, a meditar numa pequena almofada. Em cada
dia, era-nos dada uma pequena taça de arroz para comer e
apenas água para beber. Sem dormir, sem nos levantarmos,
deitarmos ou comunicarmos. Ir à casa de banho implicava pôr a
mão no ar e ser conduzido a um buraco no solo às escuras.
O objetivo desta loucura era exatamente esse – conhecer
intimamente a loucura da mente, observando-a. Descobri como a
minha mente me provocava constantemente com pensamentos de
pior cenário e a mentira de que, se me preocupasse o suficiente,
podia isolar-me do que mais temia.
Depois desta experiência e de outras similares, a minha visão
interior começou a clarear um pouco. O meu olho, porém,
mantinha-se na mesma; os derrames e lacerações continuavam.
Em muitos aspetos, ter um problema de visão é uma excelente
metáfora. Acabei por aprender que era menos uma questão do
que podia ou não ver e mais sobre a forma como via as coisas.
Mas não foi então que dei a volta.
Foi durante o terceiro ano daquilo a que agora chamo a minha
“busca pela visão” que encontrei finalmente o que procurava. Por
essa altura, praticava muita meditação. A depressão tinha
essencialmente ficado para trás. Podia passar inúmeras horas em
silêncio, apenas com a minha respiração ou sensações corporais.
Essa era a parte fácil.
Um dia, estava à espera na fila para ter um satsang – um
encontro com um mestre espiritual. Há horas que esperava, com a
túnica branca que todos envergavam na fila do templo. Era agora
a minha vez. Esperava que o mestre reconhecesse a minha
dedicação. Em vez disso, olhou diretamente para mim e viu o que
eu não podia. “Vá para casa”, disse ele. “Vá para casa e ligue aos
seus pais.”
O quê? Estava furioso. O meu corpo tremia de raiva. Era
evidente que me interpretara mal. Eu já não precisava dos meus
pais. Tinha-os superado. Há muito que desistira deles, trocando-os
por outros melhores, pais divinos, pais espirituais – todos os
mestres, gurus e homens e mulheres sábios que me tinham vindo
a guiar rumo ao próximo nível de despertar. E mais, com vários
anos de terapia errada às costas, de bater em almofadas e rasgar
efígies em cartão dos meus pais em pedacinhos, acreditava que já
tinha “curado” a minha relação com eles. Decidi ignorar aquele
conselho.
E, no entanto, algo ressoava dentro de mim. Não conseguia
esquecer por completo o que ele dissera. Começava finalmente a
entender que nenhuma experiência é desperdiçada. Tudo o que
nos acontece tem mérito, reconheçamos ou não a sua importância
à superfície. Tudo nas nossas vidas acaba por nos levar a algum
lado.
Ainda assim, estava decidido a manter intacta a ilusão de
quem eu era. Ser um consumado praticante da meditação era
tudo o que eu tinha para me agarrar. Assim, procurei um encontro
com outro mestre espiritual – um que, estava certo, iria esclarecer
as coisas. Esse homem impregnava centenas de pessoas por dia
com o seu amor celestial. Ver-me-ia certamente como a pessoa
profundamente espiritual que eu imaginava ser. Mais uma vez,
esperei um dia inteiro até chegar a minha vez. Estava agora na
frente da fila. E então aconteceu. De novo. As mesmas palavras.
“Ligue aos seus pais. Vá para casa e faça as pazes com eles.”
Desta vez, ouvi o que me estavam a dizer.
Os grandes mestres sabem. Os verdadeiramente grandes não
querem saber se acredita ou não nos seus ensinamentos.
Apresentam uma verdade e depois deixam-no consigo para
descobrir a sua própria verdade. Adam Gopnik escreve sobre a
diferença entre gurus e mestres no seu livro Through the
Children’s Gate: “Um guru dá-nos a sua pessoa e depois o seu
sistema; um mestre dá-nos a sua disciplina e depois a nossa
pessoa.”
Os grandes mestres entendem que de onde vimos afeta para
onde vamos, e que o que jaz por resolver no nosso passado
influencia o nosso presente. Sabem que os nossos pais são
importantes, independentemente de serem ou não bons
progenitores. Não há volta a dar: a história familiar é a nossa
história. Gostemos ou não, vive dentro de nós.
Independentemente da nossa história relativamente a eles, os
nossos pais não podem ser expurgados ou expelidos de nós. Estão
em nós e somos parte deles – mesmo que nunca os tenhamos
conhecido. Rejeitá-los só nos distancia mais de nós mesmos e cria
mais sofrimento. Aqueles dois mestres conseguiam ver isso. Eu
não. A minha cegueira era tanto literal como metafórica. Agora,
começava a despertar, sobretudo para o facto de ter deixado uma
enorme confusão em casa.
Durante anos, julgara os meus pais com dureza. Imaginava-me
mais capaz, muito mais sensível e humano, do que eles. Culpava-
os por tudo o que acreditava estar errado na minha vida. Agora,
tinha de regressar a eles para restaurar o que faltava em mim – a
minha vulnerabilidade. Começava a perceber que a minha
capacidade de receber amor dos outros estava ligada à minha
capacidade de receber o amor da minha mãe.
Ainda assim, não ia ser fácil receber o seu amor. Tinha uma
quebra tão profunda na ligação à minha mãe que ser abraçado
por ela era como ser apertado numa armadilha para ursos. O meu
corpo contraía-se sobre si mesmo, como que para criar uma
concha que ela não pudesse penetrar. Esta ferida afetava todos os
aspetos da minha vida – sobretudo a minha capacidade de me
manter aberto num relacionamento.
A minha mãe e eu podíamos passar meses sem falar. Quando o
fazíamos, eu arranjava maneira, através das minhas palavras ou
da minha linguagem corporal blindada, de desvalorizar os
sentimentos de afeto que ela demonstrava para comigo. Parecia
frio e distante. Por outro lado, acusava-a de ser incapaz de me ver
ou ouvir. Era um impasse emocional.
Decidido a curar a nossa relação quebrada, apanhei um voo de
regresso a Pittsburgh. Há vários meses que não via a minha mãe.
À medida que subia o caminho de acesso, podia sentir o meu
peito a apertar-se. Não estava certo de que a nossa relação
pudesse ser reparada; tinha tantos sentimentos em ferida no meu
interior. Preparei-me para o pior, projetando o cenário na minha
mente: abraçar-me-ia e eu, querendo apenas amolecer nos braços
dela, faria exatamente o oposto. Transformar-me-ia em aço.
E foi basicamente isso que aconteceu. Envolto num abraço que
mal podia suportar, quase não conseguia respirar. Ainda assim,
pedi-lhe que continuasse a abraçar-me. Queria aprender, de
dentro para fora, a resistência do meu corpo, onde me contraía,
que sensações despertavam, como desligava. Não era informação
nova. Vira este padrão refletido nos meus relacionamentos. Só
que, desta vez, não estava a afastar-me. O meu plano era curar
esta ferida na fonte.
Quanto mais ela me abraçava, mais eu sentia que ia rebentar.
Era fisicamente doloroso. A dor fundia-se em dormência e a
dormência em dor. Então, ao fim de longos minutos, algo cedeu. O
meu peito e a minha barriga começaram a tremer. Comecei a
amolecer e, ao longo das semanas seguintes, continuei a fazê-lo.
Foi numa das nossas muitas conversas durante esse período
que ela partilhou – de forma quase espontânea – um
acontecimento que teve lugar quando eu era pequeno. A minha
mãe teve de ser internada durante três semanas para uma
operação à vesícula. Com essa perceção, comecei a encaixar o
que se passava dentro de mim. Algures, antes de eu fazer 2 anos
– foi então que a minha mãe e eu fomos separados –, uma
retração inconsciente criara raízes dentro do meu corpo. Quando
ela regressou a casa, eu deixara de confiar nos seus cuidados. Já
não lhe era vulnerável. Em vez disso, afastei-a, e continuaria a
fazê-lo durante os trinta anos seguintes.
Outro acontecimento precoce pode ter também contribuído
para o medo que eu carregava de a minha vida ser subitamente
devastada. A minha mãe disse-me que teve um parto difícil ao
dar-me à luz – tendo o médico usado fórceps. Em resultado, nasci
com extensos hematomas e um crânio parcialmente colapsado, o
que não é invulgar num parto com fórceps. A minha mãe revelou
com remorso que o meu aspeto levou a que, de início, tivesse
dificuldade sequer em pegar-me. A sua história repercutiu-se em
mim, ajudando a explicar a sensação de devastação que eu
conhecia no meu íntimo. Nomeadamente, memórias traumáticas
do meu nascimento que se tinham embrenhado no meu corpo
emergiam sempre que eu “dava à luz” um novo projeto ou
apresentava um novo trabalho em público. O mero facto de ter
este entendimento trouxe-me paz. E, de forma inesperada,
também nos tornou mais próximos.
Enquanto reparava o vínculo entre mim e a minha mãe,
comecei também a reconstruir a minha relação com o meu pai. A
viver sozinho num pequeno e decrépito apartamento – o mesmo
em que residia desde o divórcio dos meus pais, quando eu tinha
13 anos –, o meu pai, um antigo sargento dos fuzileiros e
trabalhador da construção civil, nunca se dera ao trabalho de
remodelar a casa. Ferramentas velhas, pernos, parafusos, pregos
e rolos de fio elétrico e fita adesiva espalhavam-se pelos quartos e
corredores – como sempre. Enquanto estávamos juntos no meio
de um mar de ferro e aço ferrugentos, disse-lhe o quanto sentia a
sua falta. As palavras pareceram evaporar-se em espaço vazio. Ele
não sabia o que fazer com elas.
Sempre ansiara por uma relação próxima com o meu pai, mas
nem ele nem eu sabíamos como o fazer acontecer. Desta vez,
porém, continuámos a falar. Disse-lhe que o amava e que era um
bom pai. Partilhei as memórias que guardava de coisas que tinha
feito por mim quando eu era pequeno. Podia senti-lo a ouvir o que
eu dizia, ainda que as suas ações – encolher os ombros, mudar de
assunto – indicassem que não o estava a fazer. Foram precisas
muitas semanas de conversas e partilha de memórias. Durante um
dos nossos almoços juntos, ele olhou-me diretamente nos olhos e
disse: “Nunca pensei que me amasses.” Mal conseguia respirar.
Era óbvio que havia uma grande dor acumulada em ambos. Nesse
momento, algo se abriu. Eram os nossos corações. Às vezes, o
coração tem de quebrar para se abrir. Finalmente, começámos a
expressar o nosso amor um pelo outro. Via agora os efeitos de
confiar nas palavras dos mestres e regressar a casa para sarar
com os meus pais.
Pela primeira vez desde que me lembrava, podia permitir-me
receber o amor e o cuidado dos meus pais – não da forma como
antes esperara, mas da forma como eles podiam dar. Algo se abriu
dentro de mim. Não importava como podiam ou não amar-me. O
importante era como podia eu receber o que tinham para dar.
Eram os mesmos pais que sempre haviam sido. A diferença estava
em mim. Estava a apaixonar-me novamente por eles, tal como me
devia ter acontecido em bebé, antes de a quebra na ligação com a
minha mãe ter ocorrido.
A separação precoce da minha mãe, juntamente com traumas
similares herdados da minha história familiar – nomeadamente o
facto de três dos meus avós terem perdido as respetivas mães em
jovens, tendo o quarto perdido o pai em criança (e grande parte
da atenção da mãe no meio do luto) –, ajudaram a forjar a
linguagem secreta do meu medo. As palavras sozinho, indefeso e
devastado, e os sentimentos que antes as tinham acompanhado,
começavam finalmente a perder o poder de me transviar. Estava a
ser-me concedida uma nova vida, e a minha renovada relação
com os meus pais era grande parte dela.
Ao longo dos meses seguintes, restabeleci uma ligação terna
com a minha mãe. O seu amor, que antes me parecia invasivo e
irritante, parecia agora calmante e reparador. Tive também a sorte
de ter dezasseis anos de proximidade com o meu pai antes de ele
morrer. Na demência que dominou os seus últimos quatro anos de
vida, o meu pai ensinou-me, talvez, a mais profunda lição sobre
vulnerabilidade e amor que alguma vez aprendi. Juntos,
encontrámo-nos naquele lugar para lá do pensamento, para lá da
mente, onde só o mais profundo amor habita.
Durante as minhas viagens, tive muitos grandes mestres. Em
retrospetiva, porém, foi o meu olho – o meu stressado, ameaçado
e apavorante olho – que me levou a percorrer meio mundo, a
voltar para os meus pais, a atravessar o pântano dos traumas
familiares e a regressar finalmente ao meu coração. O meu olho
foi, de longe, o maior de todos os mestres.
Algures pelo caminho deixara até de pensar no meu olho e de
me preocupar com a sua melhoria ou agravamento. Já não
esperava poder voltar a ver com clareza. De algum modo, isso
deixara de ser importante. Pouco depois, a minha visão regressou.
Não esperava que o fizesse. Nem sequer precisava que assim
fosse. Tinha aprendido a estar bem, independentemente do que o
meu olho andasse a fazer.
Hoje, a minha visão é perfeita, ainda que o meu oftalmologista
jure que, com a quantidade de cicatrizes que continuo a ter na
retina, não devia ser capaz de ver. Limita-se a abanar a cabeça e a
sugerir que os sinais luminosos devem, de alguma forma, ressaltar
e contornar a fóvea, a área central da retina. Tal como em muitas
histórias de cura e transformação, o que inicialmente parecia uma
adversidade acabou por se revelar uma graça disfarçada.
Ironicamente, depois de vasculhar os cantos mais longínquos do
planeta em busca de respostas, descobri que os maiores recursos
para a cura estavam já dentro de mim, só à espera de serem
desenterrados.
Em última instância, a cura é um trabalho interno. Felizmente,
os meus mestres guiaram-me de volta aos meus pais, a casa e a
mim mesmo. Pelo caminho, descobri as histórias do meu contexto
familiar que acabaram por me trazer a paz. Por gratidão e por um
novo sentido de liberdade, tornou-se minha missão ajudar os
outros a descobrir também essa libertação.

Foi através da linguagem que entrei no mundo da psicologia.


Tanto como estudante como, posteriormente, enquanto clínico,
tinha pouco interesse em testes, teorias e modelos de
comportamento. Em vez disso, ouvia linguagem. Desenvolvi
técnicas de escuta e ensinei-me a ouvir o que as pessoas diziam
por detrás das suas queixas, sob as suas velhas histórias. Aprendi
a ajudá-las a identificar as palavras específicas que levavam à
origem da sua dor. E ainda que alguns teóricos sugiram que a
linguagem desaparece durante o trauma, vi em primeira mão,
uma e outra vez, como essa linguagem nunca se perde. Vagueia
pelos reinos do inconsciente, à espera de ser redescoberta.
Não é por acaso que, para mim, a linguagem é um poderoso
instrumento de cura. Desde que me lembro, tem sido a minha
mestra, a minha forma de organizar e entender o mundo. Escrevo
poesia desde a adolescência, e sou capaz de deixar tudo (bem,
quase tudo) quando uma vaga de linguagem urgente insiste em
nascer. Sei que do outro lado dessa entrega estão perceções que,
de outro modo, me seriam inacessíveis. No meu próprio processo,
localizar as palavras sozinho, indefeso e devastado foi essencial.
Em muitos aspetos, recuperar de um trauma é semelhante a
escrever um poema. Ambos exigem o momento certo, as palavras
certas e a imagem certa. Quando estes elementos se alinham,
entra em marcha algo de significativo que pode ser sentido no
corpo. Para sarar, o nosso ritmo tem de estar em sintonia. Se
chegarmos demasiado rápido a uma imagem, esta pode não se
enraizar. Se as palavras que nos confortam chegarem demasiado
cedo, podemos não estar prontos para as assimilar. Se as palavras
não forem precisas, podemos não as ouvir ou não nos
identificarmos totalmente com elas.
No decorrer da minha prática enquanto professor e
coordenador de seminários, combinei as perceções e métodos
adquiridos na minha formação em trauma familiar herdado com o
meu conhecimento do papel crucial da linguagem. Dou a isto o
nome de abordagem da linguagem nuclear. Utilizando perguntas
específicas, ajudo as pessoas a descobrirem a causa primordial
subjacente aos sintomas físicos e emocionais que as mantêm
atoladas. Desvendar a linguagem certa não só expõe o trauma,
como desvenda também as ferramentas e imagens necessárias
para a cura. Ao utilizar este método, vi padrões profundamente
enraizados de depressão, ansiedade e vazio transformados num
rasgo de perceção.
O veículo para esta viagem é a linguagem, a linguagem
subterrânea das nossas preocupações e medos. É provável que
tenha vivido dentro de nós durante toda a nossa vida. Pode ter
tido origem nos nossos pais, ou mesmo gerações antes, nos
nossos bisavós. A nossa linguagem nuclear insiste em ser ouvida.
Quando seguimos para onde ela nos leva e ouvimos a sua história,
tem o poder de desarmar os nossos medos mais profundos.
Pelo caminho, é provável que encontremos familiares, tanto
conhecidos como desconhecidos. Alguns estarão mortos há anos.
Outros nem sequer são parentes, mas o seu sofrimento ou
crueldade podem ter alterado o curso do destino da nossa família.
Podemos até desvendar um ou dois segredos escondidos em
histórias há muito sepultadas. Mas, independentemente de onde
esta exploração nos leve, a minha experiência sugere que
chegaremos a um novo ponto das nossas vidas com uma maior
sensação de liberdade nos nossos corpos e uma maior capacidade
de estarmos em paz connosco.
Ao longo deste livro, baseei-me nas histórias das pessoas com
quem trabalhei nos meus seminários e nas minhas formações e
sessões individuais. Os pormenores dos casos são reais, mas, para
proteger a sua privacidade, mudei os nomes e outras
características identificáveis. Estou-lhes profundamente grato por
me deixarem partilhar a linguagem secreta dos seus medos, pela
sua confiança em mim e por me permitirem ouvir o essencial sob
as suas palavras.
Capítulo 1
Traumas perdidos e achados

O passado nunca morre. Nem sequer é passado.


– William Faulkner, Requiem por uma Freira

Uma bem documentada característica do trauma, e conhecida


de muitos, é a nossa incapacidade de articular o que nos
acontece. Não só ficamos sem palavras, como algo acontece
também à nossa memória. Durante um incidente traumático, os
nossos processos mentais podem ficar de tal modo dispersos e
desorganizados que já não reconhecemos as memórias como
pertencentes ao acontecimento original. Em vez disso, fragmentos
de memória, distribuídos como imagens, sensações físicas e
palavras, são armazenados no nosso inconsciente, podendo
posteriormente ser ativados por tudo o que evoque, ainda que
remotamente, a experiência original. Uma vez acionados, é como
se um botão de recuar invisível tivesse sido premido, levando-nos
a reviver aspetos do trauma original nas nossas vidas quotidianas.
Inconscientemente, podemos dar por nós a reagir a certas
pessoas, eventos ou situações de formas antigas e familiares que
refletem o passado.
Sigmund Freud identificou este padrão há mais de cem anos. A
reencenação traumática, ou “repetição compulsiva”, como Freud
lhe chamava, é uma tentativa do inconsciente de repetir o que
não está resolvido para que o possamos “corrigir”. Este impulso
inconsciente de reviver acontecimentos passados pode ser um dos
mecanismos em ação quando as famílias repetem traumas não
resolvidos nas gerações futuras.
Carl Jung, contemporâneo de Freud, também acreditava que o
que permanece inconsciente não se dissolve, ressurgindo antes
nas nossas vidas como destino ou sorte. O que não é consciente,
disse ele, será experienciado como destino. Por outras palavras, é
provável que continuemos a repetir os nossos padrões
inconscientes até os trazermos para a luz da consciência. Tanto
Jung como Freud observaram que o que é demasiado difícil de
processar não desaparece por si só, ficando antes armazenado no
nosso inconsciente.
Tanto Freud como Jung observaram como fragmentos de
experiências de vida anteriormente bloqueadas, recalcadas ou
reprimidas apareciam em palavras, gestos e comportamentos dos
seus pacientes. Nas décadas seguintes, os terapeutas veriam
essas pistas – lapsos linguísticos, padrões acidentais ou imagens
oníricas – como mensageiros a apontar uma luz às regiões
indizíveis e impensáveis da vida dos clientes.
Avanços recentes na tecnologia imagiológica permitiram aos
investigadores desvendar as funções cerebrais e corporais que
“falham” ou colapsam durante episódios avassaladores. Bessel van
der Kolk é um psiquiatra holandês conhecido pelos estudos sobre
stress pós-traumático. Explica que, durante um trauma, o centro
da fala desliga-se, bem como o córtex pré-frontal medial, a parte
do cérebro responsável por viver o presente. Descreve o terror
mudo do trauma como a experiência de ficar sem palavras, um
acontecimento comum quando as vias cerebrais da memória estão
comprometidas durante períodos de ameaça ou perigo. “Quando
as pessoas revivem experiências traumáticas”, diz, “os lobos
frontais ficam afetados e, em resultado, têm dificuldade em
pensar e em falar. Deixam de ser capazes de comunicar a si
mesmas ou aos outros o que está exatamente a acontecer”.1
Ainda assim, nem tudo é silêncio: palavras, imagens e impulsos
fragmentados na sequência de um episódio traumático
reemergem para formar uma linguagem secreta do nosso
sofrimento, que transportamos connosco. Nada se perde. As peças
foram apenas redirecionadas.
Tendências emergentes na psicoterapia começam agora a
apontar para lá dos traumas do indivíduo, de modo a incluir
acontecimentos traumáticos na família e no histórico social como
parte do quadro global. Tragédias de diferentes tipos e
intensidades – como abandono, suicídio e guerra ou morte
prematura de um filho, de um pai ou de um irmão – podem enviar
ondas de choque de perturbação de uma geração para a seguinte.
Desenvolvimentos recentes nos ramos da biologia celular, da
neurociência, da epigenética e da psicologia comportamental
salientam a importância de explorar pelo menos três gerações da
história familiar de forma a entender o mecanismo subjacente aos
padrões de trauma e sofrimento que se repetem.
A história que se segue proporciona um exemplo claro. Quando
o conheci, há mais de um ano que Jesse não dormia uma noite
completa. A insónia era evidente nas sombras negras em redor
dos olhos, mas o vazio no olhar sugeria uma história mais
profunda. Apesar de ter apenas 20 anos, Jesse parecia pelo
menos dez anos mais velho. Afundou-se no meu sofá como se as
pernas já não conseguissem suportar o seu peso.
Jesse explicou-me que costumava ser um atleta brilhante e um
excelente aluno, mas que a sua insónia persistente iniciara uma
espiral descendente de depressão e desespero. Em resultado,
desistiu da universidade e teve de renunciar à bolsa de basebol
que tanto se esforçara por conseguir. Procurava
desesperadamente ajuda para voltar a pôr a vida nos eixos. No
último ano, visitara três médicos, dois psicólogos, uma clínica de
sono e um naturopata. Nenhum deles, referiu num tom
monocórdico, fora capaz de lhe proporcionar qualquer verdadeiro
conhecimento ou auxílio. Olhando sobretudo para o chão
enquanto partilhava a sua história, Jesse disse-me que estava no
fim das suas forças.
Quando lhe perguntei se tinha alguma ideia do que podia ter
desencadeado a insónia, ele abanou a cabeça. O sono sempre lhe
surgira facilmente. Então, uma noite, logo a seguir ao seu décimo
nono aniversário, acordou subitamente às três e meia da manhã.
Estava gelado, a tremer, incapaz de aquecer por mais que
tentasse. Três horas e vários cobertores depois, Jesse continuava
bem acordado. Estava não só cansado e com frio, mas também
dominado por um estranho medo que nunca antes sentira, o
medo de que algo horrível pudesse acontecer caso se permitisse
voltar a dormir. Se adormecer, nunca mais volto a acordar. Sempre
que se sentia a pegar no sono, o medo fazia-o despertar em
sobressalto. O padrão repetiu-se na noite seguinte, e na noite
posterior a essa. Rapidamente a insónia tornou-se uma provação
noturna. Jesse sabia que aquele medo era irracional, mas sentia-
se impotente para lhe pôr termo.
Ouvi atentamente enquanto Jesse falava. O que sobressaiu,
para mim, foi um pormenor invulgar – sentira um frio extremo,
estava “gelado”, disse ele, mesmo antes do primeiro episódio.
Comecei a explorar isto com Jesse, e perguntei-lhe se alguém de
algum dos lados da família sofrera um trauma envolvendo ter frio
ou adormecer ou ter 19 anos.
Jesse revelou-me que a mãe só recentemente lhe falara na
morte trágica do irmão mais velho do pai – um tio que nunca
soubera que tinha. O tio Colin tinha apenas 19 anos quando
morreu de frio a verificar linhas elétricas durante uma tempestade
mesmo a norte de Yellowknife, nos Territórios do Noroeste do
Canadá. Rastos na neve revelaram que tentara aguentar-se.
Acabou por ser encontrado de bruços no meio de uma nevasca,
tendo perdido os sentidos devido à hipotermia. Aquela morte foi
uma perda tão trágica que a família nunca mais voltou a referir o
seu nome.
Agora, três décadas depois, Jesse estava inconscientemente a
reviver aspetos da morte de Colin – nomeadamente o terror de se
deixar cair na inconsciência. Para Colin, deixar-se ir significara a
morte. Para Jesse, adormecer deve ter sido semelhante.
Fazer a ligação foi um ponto de viragem para Jesse. Ao
perceber que a insónia tinha origem num acontecimento ocorrido
trinta anos antes, obtinha finalmente uma explicação para o seu
medo de adormecer. O processo de cura podia agora começar.
Com ferramentas que aprendeu no nosso trabalho em conjunto, e
que serão descritas numa fase posterior deste livro, Jesse
conseguiu desenredar-se do trauma sofrido por um tio que nunca
conhecera, mas cujo terror assumira inconscientemente como seu.
Além de se sentir livre do denso nevoeiro da insónia, Jesse
adquiriu uma ligação mais profunda à sua família, presente e
passada.
Numa tentativa de explicar histórias como as de Jesse, os
cientistas conseguem agora identificar marcadores biológicos –
evidências de que os traumas podem realmente ser transmitidos
de uma geração para a seguinte. Rachel Yehuda, professora de
Psiquiatria e Neurociência na Faculdade de Medicina Mount Sinai,
em Nova Iorque, é uma das principais especialistas do mundo em
stress pós-traumático (SPT), uma verdadeira pioneira neste ramo.
Em múltiplos estudos, Yehuda examinou a neurobiologia do SPT
em sobreviventes do Holocausto e respetivos filhos. O estudo
específico sobre o cortisol (a hormona do stress que ajuda o nosso
corpo a regressar ao normal depois de experienciarmos um
trauma) e os seus efeitos na função cerebral revolucionou o
entendimento e o tratamento do SPT em todo o mundo. (As
pessoas com SPT revivem sentimentos e sensações associadas a
um trauma, apesar de o trauma ter ocorrido no passado. Os
sintomas incluem depressão, ansiedade, dormência, insónia,
pesadelos, pensamentos assustadores e facilidade em ficar
sobressaltado ou “nervoso”.)
Yehuda e a sua equipa descobriram que os filhos de
sobreviventes do Holocausto que tinham SPT nasciam com baixos
níveis de cortisol, semelhantes aos dos pais, predispondo-os a
reviver os sintomas de SPT da geração anterior. A descoberta de
baixos níveis de cortisol em pessoas que sofrem um evento
traumático agudo foi controversa, indo contra a velha noção de
que o stress está associado a altos níveis de cortisol.
Nomeadamente, em casos de SPT crónico, a produção de cortisol
pode ser suprimida, contribuindo para os baixos níveis medidos
tanto em sobreviventes como nos seus filhos.
Yehuda descobriu níveis igualmente baixos de cortisol em
veteranos de guerra, bem como em grávidas que desenvolveram
SPT após os ataques ao World Trade Center, e nos respetivos
filhos. Não só descobriu que os sobreviventes no seu estudo
produziam menos cortisol, característica essa que pode ser
transmitida aos filhos, como observa que vários distúrbios
psiquiátricos relacionados com o stress, incluindo SPT, síndrome
de dor crónica e síndrome de fadiga crónica, estão associados a
baixos níveis de cortisol no sangue.2 Curiosamente, entre 50-70%
dos pacientes com SPT cumprem também os critérios de
diagnóstico para a depressão grave ou outro transtorno de
ansiedade ou do humor.3
O estudo de Yehuda demonstra que é três vezes mais provável
termos sintomas de SPT se um dos nossos pais o tiver, e, em
resultado disso, é provável sofrermos de depressão ou
ansiedade.4 Acredita que este tipo de SPT geracional é herdado,
não ocorrendo em resultado da nossa exposição às histórias das
provações dos nossos pais.5 Yehuda esteve entre os primeiros
investigadores a demonstrar como os descendentes dos
sobreviventes de trauma carregam os sintomas físicos e
emocionais de traumas que não experienciaram diretamente.
Era o caso de Gretchen. Após anos a tomar antidepressivos, a
frequentar sessões de terapia individual e de grupo, e a
experimentar várias abordagens cognitivas para mitigar os efeitos
do stress, os seus sintomas de depressão e ansiedade mantinham-
se inalterados.
Gretchen disse-me que já não queria viver. Desde que se
lembrava, debatia-se com emoções tão intensas que mal
conseguia conter os picos no interior do corpo. Fora internada
várias vezes num hospital psiquiátrico, tendo sido diagnosticada
como bipolar com um grave distúrbio de ansiedade. A medicação
proporcionava-lhe um ligeiro alívio, nunca tocando, porém, os
poderosos impulsos suicidas que viviam no seu interior. Em
adolescente, costumava automutilar-se, queimando-se com a
ponta de um cigarro aceso. Agora, aos 39 anos, Gretchen estava
farta. A depressão e ansiedade, disse, tinham-na impedido de
casar e ter filhos. Num tom surpreendentemente prático,
anunciou-me que planeava cometer suicídio antes do seu próximo
aniversário.
Ao ouvir Gretchen, tive a forte sensação de que devia haver
traumas significativos na sua história familiar. Nesses casos,
entendo que é essencial prestar muita atenção às palavras ditas,
em busca de pistas para o acontecimento traumático subjacente
aos sintomas de um cliente.
Quando lhe perguntei como tencionava matar-se, Gretchen
respondeu que ia “vaporizar-se”. Por mais incompreensível que
isto possa soar à maioria das pessoas, o plano era literalmente
saltar para uma cuba de aço fundido na fábrica onde o irmão
trabalhava. “O meu corpo será incinerado em segundos”, disse ela,
olhando-me diretamente nos olhos, “mesmo antes de chegar ao
fundo”.
Fiquei impressionado com a sua falta de emoção ao falar.
Qualquer sentimento subjacente parecia ter sido enclausurado nas
profundezas. Ao mesmo tempo, as palavras vaporizar e incinerar
agitavam-se dentro de mim. Tendo trabalhado com muitos filhos e
netos cujas famílias foram afetadas pelo Holocausto, aprendi a
deixar que as suas palavras me guiassem. Queria que Gretchen
me dissesse mais.
Perguntei-lhe se alguém na sua família era judeu ou tinha
estado envolvido no Holocausto. Gretchen começou por dizer que
não, mas depois interrompeu-se e recordou-se de uma história
sobre a avó. Nascera numa família judaica na Polónia, mas
convertera-se ao catolicismo ao viajar para os Estados Unidos, em
1946, e casar com o avô de Gretchen. Dois anos antes, toda a
família da avó perecera nos fornos de Auschwitz. Tinham
literalmente sido gaseados – engolidos por vapores venenosos – e
incinerados. Ninguém na família direta de Gretchen alguma vez
falou com a avó sobre a guerra ou sobre o destino dos seus
irmãos e dos seus pais. Em vez disso, como tantas vezes acontece
com traumas tão extremos, evitaram por completo o assunto.
Gretchen conhecia os factos básicos da sua história familiar,
mas nunca os associara à sua própria ansiedade e depressão. Para
mim, ficou claro que as palavras que utilizava e os sentimentos
que descrevia não tinham origem nela, tendo antes nascido da
avó e dos familiares que tinham perdido a vida.
Enquanto eu explicava a ligação, Gretchen ouviu atentamente.
Os olhos arregalaram-se e a cor subiu-lhe às faces. Percebi que
aquilo que eu dizia estava a ter impacto. Pela primeira vez,
Gretchen tinha uma explicação para o sofrimento que, para ela,
fazia sentido.
Para a ajudar a aprofundar este novo entendimento, convidei-a
a imaginar-se no lugar da avó, representado por um par de
pegadas em espuma de borracha que pus no tapete ao centro do
meu gabinete. Pedi-lhe que se imaginasse a sentir o que a avó
poderia ter sentido depois de perder todos os entes queridos. Indo
ainda um passo mais longe, perguntei-lhe se podia literalmente
erguer-se sobre as pegadas como a sua avó, sentindo as emoções
desta no seu próprio corpo. Gretchen descreveu sensações de
uma perda e uma dor avassaladoras, de solidão e isolamento.
Experienciou também o profundo sentimento de culpa de muitos
sobreviventes, a perceção de continuar vivo depois de entes
queridos terem sido mortos.
Para processar o trauma, é muitas vezes útil aos clientes ter
uma experiência direta dos sentimentos e sensações que foram
infundidos no corpo. Ao conseguir aceder a estas sensações,
Gretchen percebeu que o seu desejo de se aniquilar estava
profundamente ligado aos seus familiares perdidos. Entendeu
também que assumira algum aspeto do desejo de morrer da avó.
Ao absorver este entendimento, vendo a história familiar a uma
nova luz, o corpo de Gretchen começou a abrandar, como se algo
no seu interior que há muito estava contraído pudesse agora
relaxar.
Tal como com Jesse, o reconhecimento de Gretchen de que o
seu trauma jazia enterrado na história silenciada da sua família foi
apenas o primeiro passo no processo de cura. Um entendimento
intelectual raramente é suficiente, por si só, para suscitar uma
mudança duradora. Muitas vezes, a consciência precisa de ser
acompanhada por uma experiência visceral profundamente
sentida. Exploraremos mais a fundo as formas como a cura se
torna totalmente integrada para que as feridas das gerações
anteriores possam finalmente ser libertadas.

Uma inesperada herança familiar

Um rapaz pode ter as longas pernas do avô e uma rapariga o


nariz da mãe, mas Jesse herdara do tio o medo de nunca mais
acordar, e Gretchen carregava na depressão a história da sua
família no Holocausto. Dormentes no interior de cada um estavam
fragmentos de traumas demasiado grandes para serem resolvidos
numa geração.
Quando os nossos familiares viveram traumas insuportáveis ou
sofreram com uma culpa ou dor imensas, os sentimentos podem
ser avassaladores e escalar para lá do que são capazes de gerir ou
resolver. É a natureza humana: quando a dor é demasiado grande,
as pessoas tendem a evitá-la. Ao bloquearmos os sentimentos,
porém, atrofiamos inadvertidamente o necessário processo de
cura que nos pode levar a uma libertação natural.
Às vezes, a dor submerge até conseguir encontrar um caminho
para a expressão ou a resolução. Essa expressão encontra-se
frequentemente nas gerações seguintes e pode ressurgir na forma
de sintomas que são difíceis de explicar. Para Jesse, o frio e os
tremores incessantes só apareceram ao atingir a idade que o seu
tio Colin tinha quando morreu de frio. A Gretchen, o desespero
ansioso e os impulsos suicidas da avó acompanhavam-na desde
que se recordava. Esses sentimentos tornaram-se de tal modo
parte da sua vida que nunca ninguém pensou em considerar que
não tinham origem nela.
Atualmente, a nossa sociedade não oferece muitas opções para
ajudar pessoas como Jesse e Gretchen, que carregam resquícios
de traumas familiares herdados. Geralmente, poderão consultar
um médico, um psicólogo ou um psiquiatra e receber medicação,
terapia ou alguma combinação de ambas. Mas ainda que estas
vias possam trazer algum alívio, geralmente não proporcionam
uma solução completa.
Nem todos temos traumas tão dramáticos com os de Gretchen
ou Jesse na nossa história familiar. No entanto, acontecimentos
como a morte de um progenitor ou filho, uma criança
abandonada, a perda de um lar ou mesmo a retirada da atenção
de uma mãe podem ter o efeito de fazer desabar os muros de
apoio e restringir o fluxo de amor na nossa família. Com a origem
destes traumas em mente, pode finalmente pôr-se termo a
padrões familiares duradouros. Importa notar que nem todos os
efeitos do trauma são negativos. No próximo capítulo, leremos
sobre mudanças epigenéticas – as modificações químicas que
ocorrem nas nossas células em resultado de um acontecimento
traumático.
Segundo Rachel Yehuda, o objetivo de uma mudança
epigenética é expandir o nosso leque de respostas a situações de
stress, o que, refere ela, é algo positivo. “Com quem preferiria
estar numa zona de guerra?”, pergunta. “Com alguém que viveu
adversidades anteriores [e] sabe como se defender? Ou com
alguém que nunca teve de lutar por nada?”6 Quando
entendermos o que as mudanças biológicas resultantes do stress e
do trauma devem fazer, sublinha ela, “poderemos desenvolver
uma melhor forma de explicar a nós mesmos quais são as nossas
verdadeiras capacidades e os nossos verdadeiros potenciais”.7
Vistos desta forma, os traumas que herdamos ou
experienciamos em primeira mão podem não só criar um legado
de perturbação, mas também forjar um legado de força e
resiliência que se poderá fazer sentir durante gerações.
Capítulo 2
Três gerações de história familiar partilhada:
o corpo familiar
Tenho a firme convicção de que estou sob a
influência de coisas ou questões que foram deixadas
incompletas ou sem resposta pelos meus pais, avós e
antepassados mais distantes. Muitas vezes, é como se
houvesse um karma impessoal no seio de uma família,
que é passado de pais para filhos. Sempre me pareceu
que tinha de… completar, ou talvez continuar, as
coisas que eras anteriores deixaram inacabadas.
– Carl Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões

A história que partilha com a sua família começa antes mesmo


de ter sido concebido. Na sua primeira forma biológica, de óvulo
não fertilizado, partilhava já um ambiente celular com a sua mãe e
a sua avó. Quando a sua avó estava grávida de cinco meses da
sua mãe, a célula precursora do óvulo a partir do qual se
desenvolveu estava já presente nos ovários da sua progenitora.
Quer isto dizer que, antes mesmo de a sua mãe nascer, já a
sua mãe, a sua avó e os primeiros vestígios de si estavam todos
no mesmo corpo – três gerações a partilhar o mesmo ambiente
biológico.1 Não é uma ideia nova: há mais de um século que os
manuais de embriologia nos dizem isso. A sua origem pode ser
seguida de forma similar na sua linha paterna. As células
precursoras do espermatozoide a partir do qual se desenvolveu
estavam já presentes no seu pai quando ele era um feto no ventre
da mãe.2
Com o que estamos agora a aprender, a partir dos estudos de
Yehuda e de outros, sobre o modo como o stress pode ser
herdado, podemos começar a mapear de que forma os resíduos
biológicos de traumas sofridos pela sua avó podem ser
transmitidos, com consequências abrangentes.
Há, no entanto, uma diferença biológica significativa na
evolução do óvulo e do espermatozoide. Os espermatozoides do
seu pai continuaram a multiplicar-se ao chegar à puberdade,
enquanto a sua mãe nasceu com uma reserva de óvulos para toda
a vida. Uma vez formados os óvulos no ventre da sua avó, essa
linha celular parou de se dividir.3 Assim, entre doze e quarenta e
tal anos depois, um desses óvulos, fertilizado pelo espermatozoide
do seu pai, acabou por se transformar em quem é hoje. Em
qualquer dos casos, tanto as células precursoras do óvulo como as
do espermatozoide, diz-nos agora a ciência, podem ser marcadas
por acontecimentos com o potencial de afetar as gerações
posteriores. Uma vez que o esperma do seu pai continua a
desenvolver-se durante toda a adolescência e idade adulta, esse
esperma continua a ser suscetível a marcas traumáticas quase até
ao momento da sua conceção.4 As implicações disto são
surpreendentemente vastas, como vemos ao olhar para os
estudos emergentes.

Biologia celular

Originalmente, os cientistas acreditavam que os genes dos


nossos pais forjavam a planta a partir da qual éramos criados, e
que, com as quantidades certas de orientação e nutrição, nos
desenvolveríamos homogeneamente segundo o plano. Sabemos
agora que a nossa planta genética é meramente o ponto de
partida, uma vez que as influências ambientais, logo desde a
conceção, começam a moldar-nos aos níveis emocional,
psicológico e biológico, e que essa modelação continua ao longo
de toda a nossa vida.
O pioneiro biólogo celular Bruce Lipton demonstra que o nosso
ADN pode ser afetado por pensamentos, crenças e emoções,
tanto positivos como negativos. O Dr. Lipton passou décadas,
enquanto professor universitário de Medicina e investigador
científico, a estudar os mecanismos através dos quais as células
recebem e processam a informação. Enquanto académico e
investigador de Stanford, entre 1987 e 1992, demonstrou que os
sinais do ambiente podiam atuar através da membrana celular,
controlando o comportamento e a fisiologia da célula, o que, por
sua vez, podia ativar ou silenciar um gene. As suas ideias e
descobertas, outrora consideradas controversas, foram,
entretanto, corroboradas por muitos investigadores. Em resultado
do seu trabalho com células animais e humanas, temos agora uma
janela de entendimento para a forma como a memória celular é
transferida no útero de uma mãe para o filho por nascer.
Segundo Lipton: “As emoções da mãe, como medo, raiva,
amor, esperança, entre outras, podem alterar bioquimicamente a
expressão genética da sua progénie.”5 Durante a gravidez, os
nutrientes no sangue da mãe alimentam o feto através da parede
da placenta. Com os nutrientes, liberta também uma série de
hormonas e sinais de informação gerados pelas emoções que
sente. Estes sinais químicos ativam proteínas recetoras específicas
nas células, desencadeando uma cascata de mudanças
fisiológicas, metabólicas e comportamentais no corpo da mãe e
também no feto.
Emoções crónicas ou repetitivas, como raiva e medo, podem
gravar-se no seu filho, essencialmente preparando, ou “pré-
programando”, a forma como a criança se irá adaptar ao seu
ambiente.6 Lipton explica: “Quando as hormonas de stress
atravessam a placenta [humana]… fazem com que os vasos
sanguíneos fetais fiquem mais contraídos nas vísceras, enviando
mais sangue para a periferia, preparando o feto para uma
resposta comportamental do tipo luta ou fuga.”7 Nesse sentido,
uma criança que tenha tido um ambiente intrauterino stressante
pode tornar-se reativa numa situação igualmente stressante.
Existem agora numerosos estudos a documentar de que forma
o stress de uma mãe grávida pode afetar o filho, logo desde o
primeiro trimestre. Um desses estudos, publicado em 2010 na
revista Biological Psychiatry, examinou a relação entre o stress
pré-natal e os seus efeitos no desenvolvimento neurológico dos
bebés. Os investigadores mediram os níveis de cortisol, a hormona
reguladora do stress, no fluido amniótico de 125 mães grávidas
para determinar os níveis de stress. Os resultados demonstraram
que os bebés expostos a níveis elevados de cortisol no interior do
útero, logo a partir das dezassete semanas após a conceção,
exibiam um desenvolvimento cognitivo deficiente ao serem
avaliados aos dezassete meses de idade.8
No livro Nurturing the Unborn Child: A Nine-Month Program for
Soothing, Stimulating, and Communicating with Your Baby, o
psiquiatra Thomas Verny diz-nos o seguinte: “Se uma mãe grávida
experienciar stress agudo ou crónico, o seu corpo irá produzir
hormonas de stress (incluindo adrenalina e noradrenalina) que
viajam pela corrente sanguínea até ao útero, induzindo o mesmo
estado de stress na criança por nascer.”9 Verny diz ainda: “Os
nossos estudos demonstram que as mães sob stress extremo e
constante têm uma maior probabilidade ter bebés prematuros,
com um peso abaixo da média, hiperativos, irritáveis e com
cólicas. Em casos extremos, estes bebés podem nascer com os
polegares em carne viva ou mesmo com úlceras de sucção.”10
Lipton salienta a importância daquilo a que designa por
parentalidade consciente – parentalidade com a consciência de
que, desde antes da conceção e durante todo o desenvolvimento
pós-natal, o desenvolvimento e a saúde de uma criança podem
ser profundamente influenciados por pensamentos, atitudes e
comportamentos do progenitor.11 “Pais que não desejavam ter um
filho, pais que estão constantemente preocupados com as suas
próprias hipóteses de sobrevivência e, consequentemente, com as
da sua progénie, mulheres que sofrem abusos físicos e emocionais
durante a gravidez, tudo isto são situações em que sinais
ambientais adversos envolvendo o nascimento do filho podem ser
transmitidos à descendência.”12
Com o conhecimento de que as emoções podem ser
biologicamente comunicadas e o facto de três gerações
partilharem o mesmo ambiente biológico do útero, imagine este
cenário: um mês antes de a sua mãe nascer, a sua avó recebe a
devastadora notícia de que o marido morreu num acidente. Com
um novo bebé para o qual se deve preparar, e pouco espaço para
chorar a perda, a sua avó, provavelmente, submergiria as
emoções no corpo que agora partilha com a filha e o neto. Você e
a sua mãe saberiam algo sobre essa dor a partir de um profundo
lugar interior, um lugar partilhado pelos três.
É neste ambiente partilhado que o stress pode causar
mudanças no nosso ADN. Na secção seguinte, veremos como os
nossos genes são afetados pelos traumas da nossa história
familiar.

Epigenética

A obra de Bruce Lipton sobre memória celular precede e apoia


o ramo emergente da epigenética – o estudo das mudanças
hereditárias na função genética que ocorrem sem alteração na
sequência do ADN.13 Originalmente, pensava-se que a nossa
herança genética era transmitida apenas através do ADN
cromossómico recebido dos nossos pais. Agora, com um maior
entendimento do genoma humano, os cientistas descobriram que
o ADN cromossómico – o ADN responsável por transmitir
características físicas, como a cor dos nossos olhos, cabelo e pele
– constitui, surpreendentemente, menos de 2% do nosso ADN
total.14 Os outros 98% consistem no chamado ADN não
codificante (ncADN), sendo responsáveis por muitos dos traços
emocionais, comportamentais e de personalidade que
herdamos.15
Os cientistas costumavam chamar-lhe “ADN lixo”, julgando que
era basicamente inútil, mas começaram recentemente a
reconhecer a sua importância. Curiosamente, a percentagem de
ADN não codificante aumenta com a complexidade do organismo,
com os seres humanos a terem a percentagem mais elevada.16
É sabido que o ADN não codificante é afetado por fatores de
perturbação ambientais, como toxinas ou uma alimentação
17 18
inadequada, bem como por emoções stressantes. , O ADN
afetado transmite informação que nos ajuda a preparar para a
vida fora do útero, garantindo que temos as características
específicas de que iremos precisar para nos adaptarmos ao nosso
ambiente.19 Segundo Rachel Yehuda, as mudanças epigenéticas
preparam-nos biologicamente para lidar com os traumas que os
nossos pais sofreram.20 Em preparação para fatores de
perturbação semelhantes, nascemos com um conjunto específico
de ferramentas que nos vão ajudar a sobreviver.
Por um lado, isto é bom. Nascemos com um conjunto de
competências intrínseco – uma “resiliência ambiental”, como
Yehuda lhe chama – que nos permite adaptar a situações
stressantes.21 Por outro lado, estas adaptações herdadas podem
também ser prejudiciais. Por exemplo, o filho de um pai que, nos
primórdios da vida, viveu numa zona de guerra pode herdar o
impulso de se retrair em resposta a súbitos ruídos fortes. E,
apesar de esse instinto poder ser protetor, na eventualidade de
uma ameaça de bomba, uma reação de alarme tão acentuada
pode manter alguém num estado altamente reativo mesmo
quando não há qualquer perigo presente. Nesse caso, haveria
uma incongruência entre a preparação epigenética da criança e o
ambiente efetivo. Tal disparidade poderia predispor alguém a
transtornos de stress e doenças numa fase posterior da vida.22,23
Estas mudanças adaptativas são causadas por sinais químicos
nas células, conhecidos como marcadores epigenéticos, que se
ligam ao ADN e dizem à célula para ativar ou silenciar um gene
específico. “Há algo no ambiente externo que afeta o ambiente
interno, e antes de nos darmos conta, já o gene está a funcionar
de forma diferente”, diz Yehuda.24 A sequência do ADN
propriamente dito não se altera, mas, graças a estes marcadores
epigenéticos, a sua expressão, sim. Estudos demonstraram que os
marcadores epigenéticos podem explicar as diferenças na forma
como regulamos o stress em fases posteriores da vida.25
Os cientistas costumavam acreditar que os efeitos do stress
eram apagados nas células percursoras do espermatozoide e do
óvulo (pouco após a fertilização) antes que qualquer informação
epigenética pudesse afetar a geração seguinte – como dados a
serem apagados do disco rígido de um computador. No entanto,
foi agora cientificamente demonstrado que certos marcadores
epigenéticos escapam a este processo de reprogramação e são
efetivamente transmitidos às células percursoras do óvulo e do
espermatozoide que um dia nos darão origem.26
O marcador epigenético mais comum é a metilação de ADN,
um processo que impede que as proteínas se liguem a um gene,
suprimindo a sua expressão.27 A metilação de ADN pode afetar a
nossa saúde de forma favorável ou adversa, bloqueando genes
“benéficos” ou “prejudiciais” na posição de “desligado”. Quando
um trauma ou fator de perturbação se manifesta, os
investigadores observaram irregularidades na metilação de ADN
que podem ser transmitidas, juntamente com uma predisposição
para problemas de saúde física ou emocional, às gerações
seguintes.28,29
Outro mecanismo epigenético que desempenha um papel
importante na regulação dos genes é a pequena molécula de ARN
não codificante chamada microARN. Tal como acontece com a
metilação de ADN, as irregularidades induzidas pelo stress nos
níveis de microARN podem afetar a forma de expressão dos genes
em múltiplas gerações.30
Entre os numerosos genes afetados pelo stress contam-se os
genes CRHR1 (recetor da hormona libertadora de corticotrofina) e
CRHR2. Verificaram-se níveis elevados destes genes em pessoas
com depressão e ansiedade.31 Os genes CRHR1 e CRHR2 podem
ser herdados de mães stressadas com valores igualmente
elevados.32 Os cientistas documentaram inúmeros outros genes
que podem também ser afetados por traumas sofridos em fases
precoces da vida.333,34
“A nossa investigação demonstra [que] os genes… retêm
alguma memória das suas experiências passadas”, diz o Dr. Jamie
Hackett, da Universidade de Cambridge.35
O histórico estudo realizado por Yehuda, em 2005, trouxe
considerável atenção à ideia de que os padrões de stress se
transferem, de facto, das mulheres grávidas para os seus filhos.
As mulheres grávidas (no segundo ou terceiro trimestre) que
estavam no World Trade Center, ou nas suas proximidades,
durante os ataques do 11 de Setembro, e que posteriormente
desenvolveram SPT, deram à luz filhos com baixos níveis de
cortisol.36 Estas crianças também exibiam uma maior perturbação
em resposta a novos estímulos. Quando os níveis de cortisol são
afetados, o mesmo acontece à nossa capacidade de regular
emoções e gerir o stress. Esses bebés eram ainda mais pequenos
do que o normal para a sua idade gestacional.37 Yehuda e a sua
equipa sugerem que os resultados do estudo sobre o 11 de
Setembro se devem, muito provavelmente, a mecanismos
epigenéticos; encontraram dezasseis genes que se expressavam
de forma diferente naqueles que desenvolveram SPT após o 11 de
Setembro, comparativamente àqueles em que tal não ocorreu.38
Num estudo de agosto de 2015, publicado na Biological
Psychiatry, Yehuda e a sua equipa no Hospital Mount Sinai, em
Nova Iorque, demonstraram que as mudanças genéticas podiam
ser transmitidas de pais para filhos. Analisando uma região
específica do gene FKBP5, que está associado à regulação do
stress, Yehuda e a sua equipa descobriram que os judeus que
tinham sofrido traumas durante o Holocausto e os seus filhos
partilhavam um padrão genético similar. Nomeadamente,
encontraram marcadores epigenéticos na mesma exata parte do
gene, tanto nos pais como nos filhos. Compararam os resultados
com famílias judaicas que estavam a viver fora da Europa durante
a guerra e determinaram que as mudanças genéticas nos filhos só
podiam ser atribuídas ao trauma experienciado pelos pais.39
Existe hoje um número significativo de estudos que
demonstram como as experiências traumáticas dos pais podem
influenciar a expressão genética e os padrões de stress dos filhos.
Num artigo intitulado “Mecanismos Epigenéticos da Depressão”,
publicado na JAMA Psychiatry em fevereiro de 2014, o Dr. Eric
Nestler escreve o seguinte: “Com efeito, demonstrou-se que os
acontecimentos stressantes da vida alteram a suscetibilidade ao
stress das gerações seguintes.”40 As mães grávidas que
desenvolveram SPT após o 11 de Setembro deram à luz filhos que
não só tinham níveis comprometidos de cortisol, como eram
também mais facilmente perturbados por ruídos fortes e gente
desconhecida. Um estudo em Inglaterra descobriu que os
problemas emocionais e comportamentais das crianças duplicavam
quando as mães estavam ansiosas durante a gravidez.41
“O trauma tem o poder de se erguer do passado e fazer novas
vítimas”, escreve o psiquiatra de adição Dr. David Sack, na
Psychology Today. “Os filhos de um progenitor em luta com o SPT
podem muitas vezes desenvolver o seu próprio SPT, chamado de
secundário.” Relata que cerca de 30% das crianças com um
progenitor que serviu no Iraque ou no Afeganistão e desenvolveu
SPT se debatem com sintomas similares. “O trauma do
progenitor”, diz ele, “torna-se o da própria criança, e os problemas
comportamentais e emocionais [da criança] podem refletir os do
progenitor”.42 Crianças cujos pais ficaram traumatizados durante
o genocídio do Camboja, por exemplo, tendem a sofrer de
depressão e ansiedade. De igual modo, os filhos dos veteranos
australianos da guerra no Vietname têm taxas de suicídio mais
elevadas do que a população geral.43
Os jovens nativo-americanos das reservas têm a taxa de
suicídio mais elevada do hemisfério ocidental. Em algumas partes
do país, a taxa é dez a dezanove vezes superior à de qualquer
outro jovem americano.44 Albert Bender, historiador Cherokee e
advogado especialista em direito nativo-americano, sugere que “o
trauma intergeracional sentido por todos os povos nativos, mas
particularmente pelos jovens índios, resulta da histórica política de
genocídio exemplificada pelos inúmeros massacres, remoções
forçadas e campanhas militares que continuaram até ao final do
século XIX, culminando no Massacre de Wounded Knee”. Acredita
que é o sofrimento geracional que alimenta estes suicídios. “Todas
essas memórias”, diz ele, “ecoam nas mentes dos nossos jovens,
de uma maneira ou de outra”. Relata que há jovens a enforcar-se
a um ritmo tão elevado que “uma semana sem um suicídio é
agora considerada uma bênção em muitas reservas”.45
LeManuel “Lee” Bitsoi, doutorado Navajo e investigador
associado na área da genética na Universidade de Harvard,
corrobora a afirmação de Bender de que os jovens estão a reviver
o passado nos seus sintomas. Acredita que os estudos
epigenéticos começam finalmente a fornecer provas substanciais
de que o trauma intergeracional é um fenómeno real.46
Os jovens nativo-americanos, tal como os filhos dos veteranos
de guerra, os filhos dos sobreviventes do Holocausto, os filhos dos
sobreviventes do genocídio no Camboja e os filhos dos
sobreviventes dos ataques ao World Trade Center, contam-se
entre as mais recentes vítimas do trauma transgeracional no
mundo moderno. De forma preocupante, a lista continua a
crescer. Violência, guerra e opressão continuam a espalhar as
sementes da repetição geracional, à medida que os sobreviventes
transmitem inadvertidamente o que vivenciaram às gerações
seguintes.
Veja-se um exemplo: muitos jovens nascidos no Ruanda depois
de 1994, demasiado jovens para terem assistido ao massacre sem
sentido de aproximadamente oitocentas mil pessoas, têm os
mesmos sintomas de SPT daqueles que assistiram e sobreviveram
à brutalidade. Os jovens ruandeses descrevem sentimentos de
intensa ansiedade e visões obsessivas similares aos horrores que
ocorreram antes de eles terem sequer nascido.
“É um fenómeno expectável… tudo o que não é dito é
transmitido”, diz o psiquiatra Naasson Munyandamutsa. Até as
crianças cujas famílias não foram tocadas pela violência são
igualmente afetadas por aquilo a que o psiquiatra Rutakayile
Bizoza se refere como um “contágio no subconsciente coletivo”.47
Yehuda alega que os filhos de mães atormentadas por SPT têm
três vezes mais probabilidades de serem diagnosticados com SPT
do que as crianças nos grupos de controlo. Considera também que
os filhos de sobreviventes têm uma probabilidade três ou quatro
vezes maior de sofrer de depressão ou ansiedade, ou de incorrer
mais no abuso de substâncias, se algum dos progenitores tiver
sofrido de SPT.48 Yehuda e a sua equipa conseguiram ainda
distinguir diferenças nos sintomas de um filho com base em se foi
a mãe ou o pai a transmitir o SPT.49 O SPT paterno, descobriram,
aumenta a probabilidade de o filho se sentir “dissociado das suas
memórias”, enquanto o SPT materno aumenta a probabilidade de
o filho ter dificuldade em “acalmar”.50
Especificamente, Yehuda descreve que os filhos de pais com
SPT são “provavelmente mais propensos à depressão ou a
respostas de stress crónico”. Parece verificar-se o oposto nos filhos
de mães com SPT.51 Yehuda salienta que as mães que
sobreviveram ao Holocausto temiam ser separadas dos filhos, e
que os descendentes do Holocausto se queixavam frequentemente
de as mães serem demasiado apegadas a eles.52
Yehuda acredita que as modificações epigenéticas provocadas
pelo stress que herdamos dos nossos pais ocorrem antes da
conceção, sendo transmitidas pelos espermatozoides. Acredita
também que, nas nossas mães, estas mudanças podem ocorrer
antes da conceção ou durante a gestação.53 Yehuda observa
ainda que a idade da mãe quando o trauma acontece é
significativa para o que transmite aos filhos. Os filhos de
sobreviventes do Holocausto, por exemplo, herdaram variações na
enzima que converte o cortisol ativo em cortisol inativo com base
na idade mais jovem ou mais adulta da mãe durante o
Holocausto.54
O SPT experienciado por um avô pode também afetar as
gerações seguintes. Como vimos com Gretchen, os traumas
relacionados com a guerra podem continuar a escalar, afetando os
netos daqueles que sofreram o trauma original.
Os traumas, não só de guerra, mas de qualquer acontecimento
suficientemente significativo para quebrar o equilíbrio emocional
da nossa família – um crime, um suicídio, uma morte prematura,
uma perda repentina ou inesperada –, podem levar-nos a reviver
sintomas de traumas do passado. Como escreve Sack: “O trauma
viaja através da sociedade, bem como através das gerações.”55

Herança epigenética

Só recentemente os cientistas começaram a entender os


processos biológicos que ocorrem quando o trauma é herdado.
Para saber mais, os investigadores voltaram-se para os estudos
com animais. Tendo em conta que os seres humanos e os ratos
partilham um mapa genético surpreendentemente similar – 99%
dos genes dos seres humanos têm equivalente nos ratos –, estes
estudos proporcionam-nos uma lente através da qual podemos ver
os efeitos do stress herdado nas nossas próprias vidas. Este
estudo é valioso por outra razão: uma vez que uma geração de
ratos dura aproximadamente doze semanas, os estudos
multigeracionais podem produzir resultados em relativamente
pouco tempo. Um estudo similar realizado com humanos poderia
demorar até sessenta anos.
As alterações químicas no sangue, no cérebro, nos óvulos e
nos espermatozoides dos ratos começam agora a ser associadas a
padrões comportamentais, como ansiedade e depressão, em
gerações posteriores. Estudos realizados na descendência, por
exemplo, demonstraram que traumas como o stress da separação
materna causavam modificações na expressão dos genes passíveis
de ser acompanhadas durante três gerações.
Num desses estudos, os investigadores impediram as fêmeas
de alimentar as crias durante até três horas por dia nas primeiras
duas semanas de vida. Posteriormente, os descendentes exibiram
comportamentos similares ao que nos seres humanos designamos
por depressão. Os sintomas pareciam agravar-se à medida que os
ratos envelheciam. Surpreendentemente, alguns dos machos não
exibiam eles mesmos os comportamentos, parecendo, porém,
transmitir epigeneticamente as alterações comportamentais às
fêmeas da sua descendência. Os investigadores observaram
também alterações na metilação e mudanças na expressão
genética dos ratos stressados. Entre os genes envolvidos contava-
se o CRHR2, que regula a ansiedade tanto nos ratos como nos
seres humanos. Os investigadores descobriram ainda que as
células germinais – precursoras do óvulo e do espermatozoide –,
assim como os cérebros dos descendentes, eram afetados pelo
stress de estarem separados das mães.56 Numa outra experiência
com ratos, verificou-se que os descendentes que recebiam baixos
níveis de cuidado materno eram mais ansiosos e reativos ao stress
na idade adulta do que os ratos que recebiam altos níveis de
cuidado materno. Este padrão de stress foi observado em
múltiplas gerações.57
É do conhecimento geral que as crianças que foram separadas
das mães podem enfrentar desafios em resultado disso. Em
estudos que envolviam ratos machos, as crias que tinham sido
separadas das mães exibiram aumentos duradouros na
suscetibilidade ao stress e geraram descendentes com padrões de
stress similares ao longo de várias gerações.58,59 Num desses
estudos, realizado no Instituto de Pesquisa Cerebral da
Universidade de Zurique, em 2014, os investigadores sujeitaram
ratos machos a repetidos e prolongados períodos de stress
intenso, separando-os das mães. Posteriormente, os ratos
traumatizados exibiram uma série de sintomas depressivos. Os
investigadores fizeram então os ratos reproduzir-se, e descobriram
que as crias da segunda e terceira gerações exibiam os mesmos
sintomas de trauma, apesar de nunca o terem experienciado.60
Os investigadores descobriram ainda valores anormalmente
elevados de microARN – um material genético que regula a
expressão dos genes – no esperma, no sangue e no hipocampo
dos ratos traumatizados. (O hipocampo é uma das regiões
cerebrais envolvidas na resposta ao stress.) Níveis anormais de
microARN foram também encontrados no sangue e no hipocampo
dos ratos da segunda geração. Apesar de expressarem os mesmos
sintomas de trauma dos pais e avós, não foram detetados valores
elevados de microARN nos ratos da terceira geração, levando os
investigadores a especular que os efeitos comportamentais de um
acontecimento traumático se podem expressar ao longo de três
gerações, mas talvez não mais do que isso.61
“Com o desequilíbrio do microARN no esperma, descobrimos
um fator crucial através do qual o trauma pode ser transmitido”,
explica Isabelle Mansuy, coautora do estudo.62 Ela e a sua equipa
encontram-se atualmente a estudar o papel do microARN na
herança do trauma em humanos.
Num estudo posterior, publicado em 2016, Mansuy e os seus
colegas conseguiram demonstrar que os sintomas de trauma
podiam ser revertidos nos ratos depois de estes viverem num
ambiente positivo e de baixo stress em adultos. Não só o
comportamento dos ratos melhorou, como sofreram também
mudanças na metilação de ADN, o que impediu que os sintomas
fossem transmitidos à geração seguinte.63 As implicações deste
estudo são particularmente significativas. Em capítulos
posteriores, aprenderemos a criar imagens positivas e a
enriquecer experiências capazes de ajudar a reverter os padrões
de stress que podem ter afetado a nossa família durante múltiplas
gerações.
O que torna o estudo com ratos tão intrigante é o facto de a
ciência poder agora fundamentar de que forma os desafios
experienciados numa geração se podem tornar o legado
transmitido à seguinte. Num estudo que envolveu a descendência
de ratos machos stressados, realizado na Faculdade de Medicina
da Universidade Emory, em 2013, os investigadores descobriram
que as memórias traumáticas podiam ser transmitidas às gerações
seguintes através de mudanças epigenéticas ocorridas no ADN.
Uma geração de ratos foi treinada para temer uma fragrância
semelhante à da flor de cerejeira, chamada acetofenona. Sempre
que eram expostos ao cheiro, recebiam simultaneamente um
choque elétrico. Ao fim de algum tempo, os ratos sujeitos a
choques tinham uma maior quantidade de recetores olfativos
associados a esse aroma específico, o que lhes permitia detetá-lo
em concentrações mais baixas. Tinham também áreas cerebrais
mais amplas dedicadas a esses recetores. Os investigadores
conseguiram ainda identificar alterações no esperma dos ratos.
O aspeto mais intrigante do estudo está no que ocorreu nas
duas gerações seguintes. Tanto os filhos como os netos, ao serem
expostos ao odor da flor, ficaram agitados e procuraram evitá-lo,
apesar de nunca o terem sentido antes. Exibiam também as
mesmas alterações cerebrais. Os ratos pareciam ter herdado não
só a sensibilidade ao aroma, mas também a reação de medo a ele
associada.64
Brian Dias, um dos investigadores do estudo, sugere que “há
algo no esperma que transmite ou permite que essa informação
seja herdada”.65 Ele e a sua equipa observaram uma metilação de
ADN anormalmente baixa tanto no esperma do pai rato como no
da sua descendência.66 Ainda que o mecanismo exato de como a
experiência traumática de um progenitor é armazenada no ADN
esteja ainda sob investigação, Dias diz que “compete aos
antepassados informar os seus descendentes de que um ambiente
específico é negativo para eles”.67
Este estudo específico fornece provas convincentes daquilo que
os investigadores designam por “herança epigenética
transgeracional”, a ideia de que os comportamentos podem passar
de uma geração para outra. Quando trabalho com famílias no meu
consultório, vejo frequentemente padrões recorrentes de doença,
depressão, ansiedade, problemas de relacionamento e dificuldades
financeiras, e sinto-me sempre impelido a procurar mais fundo.
Que acontecimento inexplorado numa geração anterior move o
comportamento do homem que perde todo o dinheiro nas
corridas, ou da mulher que opta por ter relações íntimas apenas
com homens casados? De que forma foram as suas heranças
genéticas influenciadas?
Dias e o seu grupo esperam realizar trabalhos adicionais para
determinar se efeitos similares podem ser observados nos genes
humanos. Até que os dados sejam examinados em estudos com
seres humanos abrangendo várias gerações, a pesquisa atual com
animais pede-nos certamente que paremos para contemplar como
nascemos a partilhar do stress dos nossos pais e avós.
Num estudo de 2013 que envolveu ratas, publicado na
Biological Psychiatry, os investigadores Hiba Zaidan, Micah Leshem
e Inna Gaisler-Salomon, da Universidade de Haifa, descobriram
que até mesmo um stress relativamente ligeiro antes da conceção
e gravidez era suficientemente significativo para afetar a
descendência. Várias ratas foram expostas a situações de menor
stress, como mudanças de temperatura, em idades tão precoces
como os quarenta e cinco dias após o nascimento, o que equivale
à adolescência nos seres humanos. Surpreendentemente,
verificaram-se efeitos mensuráveis na geração seguinte.68
Focando-se no gene CRHR1, que codifica uma molécula
envolvida na resposta do corpo ao stress, os investigadores
detetaram quantidades mais elevadas do produto molecular deste
gene nos cérebros das fêmeas stressadas. Descobriram ainda
concentrações significativamente mais elevadas desse mesmo
produto molecular nos óvulos das fêmeas stressadas e também
nos cérebros da sua descendência, demonstrando que a
informação sobre a experiência de stress estava a ser transferida
através dos óvulos. Os investigadores insistem em que o
comportamento alterado dos ratos recém-nascidos não tem
qualquer relação com o tipo de cuidado parental fornecido às crias
pelas mães.69 Este estudo específico sugere que, ainda que os
seres humanos recebam apoio parental durante a infância,
continuam a ser os recetores do stress vivido pelos pais antes da
sua conceção. No próximo capítulo, exploraremos a forma como
irmãos nascidos dos mesmos pais podem herdar diferentes
traumas e levar vidas contrastantes, apesar de partilharem uma
educação similar.
Num estudo de 2014 com ratos, realizado na Universidade de
Lethbridge, no Canadá, investigadores analisaram os efeitos do
stress em mães grávidas e a sua influência sobre os partos
prematuros. Os achados revelaram que mães stressadas davam à
luz filhos prematuros e geravam filhas que tinham também
gravidezes mais curtas. As netas tinham gravidezes ainda mais
curtas do que as mães. O que mais surpreendeu os investigadores
ocorreu na terceira geração. As netas de avós stressadas tinham
gravidezes mais curtas, mesmo quando as mães não tinham
sofrido qualquer tipo de stress.70 Gerlinde Metz, autora principal
do artigo, diz o seguinte: “Uma descoberta surpreendente foi o
facto de o stress ligeiro a moderado durante a gravidez ter um
efeito agravante através das gerações. Assim, os efeitos do stress
tornavam-se maiores a cada geração.”71 Metz acredita que as
mudanças epigenéticas se devem a moléculas de microARN não
codificante.72 Estas descobertas podem ter implicações para os
seres humanos em risco de complicações na gravidez ou no parto
devido ao stress.
Dado que uma geração de seres humanos corresponde a
aproximadamente vinte anos, os resultados dos estudos com
humanos abrangendo múltiplas gerações estão ainda pendentes.
No entanto, com os estudos a demonstrar que o stress pode ser
transmitido através de pelo menos três gerações de ratos, os
investigadores depreendem que é provável que os filhos nascidos
de pais humanos que passaram por um acontecimento traumático
ou stressante também transmitam o padrão não só aos filhos, mas
também aos netos. Estranhamente, a Bíblia, em Números 14:18,
parece corroborar as alegações da ciência moderna – ou vice-
versa – de que os pecados, iniquidades ou consequências
(dependendo da tradução que ler) dos pais podem afetar os filhos
até à terceira e quarta gerações. Nomeadamente, a Nova
Tradução Viva diz o seguinte: “O SENHOR é lento na cólera e
cheio de amor indefetível, perdoando todos os tipos de pecado e
rebelião. Mas não absolve os culpados. Lança os pecados dos pais
sobre os seus filhos; toda a família é afetada – até os filhos da
terceira e quarta gerações.”
À medida que novas descobertas forem sendo reveladas no
ramo da epigenética, novas informações sobre como mitigar os
efeitos transgeracionais do trauma poderão tornar-se prática
corrente. Os investigadores começam agora a descobrir que os
nossos pensamentos, imagens interiores e práticas diárias, como a
visualização e a meditação, podem alterar a forma como os nossos
genes se expressam, ideia que analisaremos com maior pormenor
no próximo capítulo.
Capítulo 3
A mente familiar
Os pais comem uvas amargas e os dentes dos
filhos embotam.
– Ezequiel 18:2 (Nova Versão Internacional)

Em termos simples, recebemos aspetos do cuidado maternal


da nossa avó através da nossa própria mãe. Os traumas que a
nossa avó sofreu, as dores e tristezas, as dificuldades na infância
ou com o nosso avô, as perdas daqueles que amava e morreram
cedo – tudo isto passa, até certo ponto, para os cuidados
maternais que ela deu à nossa mãe. Se recuarmos outra geração,
o mesmo se aplicará, provavelmente, aos cuidados maternais que
a nossa avó recebeu.
As particularidades dos acontecimentos que moldaram as suas
vidas podem estar ocultas à nossa visão, ainda assim o impacto
desses pormenores pode ser profundamente sentido. Além do que
herdamos dos nossos pais, também o modo como eles foram
educados influencia a forma como nos relacionamos com um
parceiro, como nos relacionamos connosco e como cuidamos dos
nossos filhos. Para o bem ou para o mal, os pais tendem a
transmitir os cuidados parentais que eles próprios receberam.
Estes padrões parecem estar programados no cérebro e
começam a formar-se antes mesmo de termos nascido. O vínculo
que a nossa mãe cria connosco no ventre é fundamental para o
desenvolvimento dos nossos circuitos neurais. Como diz Thomas
Verny: “Desde o momento da conceção, a experiência no útero
molda o cérebro e lança as bases da personalidade, do
temperamento emocional e da capacidade de pensamento
superior.”1 Como uma planta, estes padrões são mais transmitidos
do que aprendidos.
Os primeiros nove meses fora do útero funcionam como uma
continuação do desenvolvimento neural que ocorre no interior.
Quais os circuitos neurais que se mantêm, quais são descartados
e de que forma os restantes circuitos vão ser organizados
depende de como o bebé experiencia e interage com a mãe ou o
cuidador. É através destas primeiras interações que a criança
continua a construir uma planta para gerir emoções, pensamentos
e comportamentos.
Quando uma mãe carrega traumas herdados, ou sofreu uma
quebra na ligação à sua própria mãe, isso pode afetar o laço terno
que está a formar com o seu bebé, e é mais provável que esse
laço seja interrompido. O impacto de uma quebra prematura na
ligação mãe-filho – uma longa estadia no hospital, umas férias mal
planeadas, uma separação de longo prazo – pode ser devastador
para a criança. A profunda familiaridade incorporada do cheiro, da
sensação, do toque, do som e do gosto da mãe – tudo aquilo que
a criança conhece e em que confia – desaparece de repente.
“Mãe e bebé vivem num estado biológico que tem muito em
comum com a adição”, diz a escritora de ciências comportamentais
Winifred Gallagher. “Quando se separam, o bebé não sente
apenas a falta da mãe. Sente uma privação física e psicológica…
não muito diferente do suplício de um viciado em heroína que a
abandona bruscamente.”2 Esta analogia ajuda a explicar o porquê
de todos os mamíferos recém-nascidos, incluindo os seres
humanos, protestarem com tanto vigor ao serem separados das
mães. Da perspetiva de um bebé, a separação da mãe pode ser
percecionada como “potencialmente fatal”, diz a Dra. Raylene
Phillips, neonatologista no Hospital Pediátrico Universitário Loma
Linda. “Se a separação se mantiver durante um período
prolongado”, diz ela, “a… resposta é desespero… O bebé desiste”.3
A Dra. Phillips partilha este entendimento com o Dr. Nils Bergman
e outros especialistas na neurociência da ligação mãe-filho.

Nos meus primeiros anos de vida, conheci essa sensação de


desistir. Vinha da minha família. O que a minha mãe não recebera
da sua progenitora afetava o que nos podia dar, a mim e aos meus
irmãos. Embora pudesse sempre sentir o seu amor transparecer,
grande parte do cuidado maternal estava imbuído dos traumas da
nossa história familiar – nomeadamente o facto de a mãe dela,
Ida, ter perdido ambos os pais quando tinha 2 anos.
A história familiar reza assim: quando a minha bisavó Sora
morreu de pneumonia, em 1904, os pais dela culparam o marido,
Andrew, a quem descreviam como um inútil e um jogador.
Segundo a história, Sora contraiu pneumonia por se debruçar da
janela em pleno inverno, a implorar ao marido que voltasse para
casa. À minha avó, Ida, foi dito que o pai “apostara o dinheiro da
renda”, expressão que ecoou na nossa família durante gerações.
Após a morte de Sora, o meu bisavô Andrew foi banido da família
e nunca mais se soube nada dele. Mesmo em pequeno, eu sentia
a amargura da minha avó ao contar a história – o que fazia
repetidamente –, e sentia-me triste por ela nunca ter podido
conhecer o pai.
Órfã aos 2 anos, a minha avó foi criada pelos seus velhos avós,
que ganhavam a vida a vender farrapos com um carrinho de mão
no Hill District de Pittsburgh. A minha avó adorava-os, e muitas
vezes o rosto iluminava-se ao partilhar memórias de como eles a
amavam. Mas isso era apenas parte da história – a parte que
conseguia recordar de forma consciente. Uma história mais
profunda jazia fora do seu alcance.
Antes de se tornar criança, talvez até mesmo no ventre, Ida
teria absorvido as sensações de perturbação da mãe, causadas
pelas constantes discussões, lágrimas e deceções. Tudo isto teria
tido um profundo efeito no desenvolvimento neurológico que
estava a ocorrer no seu cérebro. Depois, perder a mãe aos 2 anos
deixá-la-ia emocionalmente devastada.
Não é só o facto de a minha mãe ter sido criada por uma órfã
que não lhe podia dar os cuidados que nunca recebeu da sua
própria progenitora; a minha mãe herdou também o trauma
visceral da separação de Ida da sua mãe numa idade precoce.
Apesar de estar fisicamente presente na sua vida, Ida era incapaz
de expressar a profundidade de emoção que sustentaria o
desenvolvimento da minha mãe. Esse elo emocional em falta
tornou-se também parte da sua herança.
O pai da minha mãe tinha uma história igualmente complicada.
A mãe dele, Rachel, morreu ao dar à luz quando o meu avô Harry
tinha apenas 5 anos. O pai de Harry, Samuel, acreditando ser o
responsável pela sua morte ao tê-la engravidado, carregava um
pesado fardo de culpa. Samuel rapidamente voltou a casar, com
uma mulher que, segundo reza a história, se importava mais com
o seu filho biológico do que com Harry, a quem tratava com uma
indiferença que roçava a crueldade. O meu avô raramente falava
sobre a sua infância. O que dela sei veio da minha mãe, que
contava histórias sobre como Harry quase morreu de fome quando
era novo. Apanhava restos do lixo e comia folhas de dente-de-leão
para sobreviver. Em pequeno, costumava imaginar o meu avô
também criança, sentado sozinho numa berma, a morder um
pedaço de pão velho ou a arrancar carne estragada de um osso de
frango.
Tendo ambos perdido as respetivas mães em pequenos, os
meus avós transmitiram inadvertidamente o legado do trauma. Na
nossa família, a ligação mãe-filho fora cortada durante pelo menos
três gerações. Se estas disrupções não tivessem ocorrido antes do
nascimento da minha mãe, os meus irmãos e eu poderíamos ter
recebido outro tipo de cuidado materno. Mas, nestas
circunstâncias, a necessidade da minha mãe do amor que os pais
não lhe proporcionaram fazia com que se sentisse frequentemente
ansiosa e assoberbada.
Para acabar com o ciclo do trauma herdado na minha família e,
em última análise, para minha própria cura, dei-me conta de que
precisava de sanar a minha relação com a minha mãe. Sabia que
não podia alterar o que acontecera no passado, mas podia
certamente mudar a nossa relação presente.
A minha mãe herdara os padrões de stress da sua, e eu
também. Era comum agarrar-se ao peito e queixar-se de
sentimentos de agitação no corpo. Compreendo agora que estava
a reviver inconscientemente o medo e a solidão que atravessavam
a nossa família, o terror de ser separada daquela de quem mais
necessitava – a sua mãe. Lembro-me de, em pequeno, teria talvez
5 ou 6 anos, me sentir tão aterrorizado quando a minha mãe saía
de casa que entrava no quarto dela, abria a gaveta dos lenços e
das camisas de noite e enterrava o rosto neles para poder inalar o
seu cheiro. Lembro-me perfeitamente da sensação – de que nunca
mais a voltaria a ver, de que o seu cheiro seria tudo o que me
restaria. Em adulto, partilhei essas memórias com a minha mãe,
só para descobrir que ela fizera o mesmo – enterrar o rosto nas
roupas da mãe sempre que ela saía de casa.
Tal como é demonstrado pela minha história, as interrupções
precoces no vínculo entre mãe e filho podem ter origem muito
antes da nossa conceção. Os efeitos podem permanecer no nosso
inconsciente e viver no nosso corpo como memórias somáticas,
que podem ser despertadas por acontecimentos evocativos de
rejeição ou abandono.
Quando isto acontece, podemos sentir-nos totalmente
dessincronizados de nós mesmos. Os nossos pensamentos podem
tornar-se avassaladores, e podemos sentir-nos assoberbados – ou
mesmo assustados – com as sensações que nos inundam o corpo.
Por ser tão precoce, o trauma mantém-se muitas vezes escondido
para lá da nossa consciência. Sabemos que há um problema, mas
não conseguimos identificar ao certo a parte “do que aconteceu”.
Em vez disso, supomos ser nós o problema, que algo no nosso
interior está “errado”. No medo e na ansiedade, tentamos
frequentemente controlar o nosso ambiente para nos sentirmos
seguros. Isso acontece porque tínhamos tão pouco controlo
quando éramos pequenos, e provavelmente não havia um lugar
seguro para as intensas emoções que sentíamos. Se não
alterarmos conscientemente o padrão, as feridas de ligação
podem ecoar durante gerações.

A consciência familiar
A ideia de que herdamos e “revivemos” aspetos do trauma
familiar serviu de tema a muitos dos livros do prestigiado
psicoterapeuta alemão Bert Hellinger. Tendo estudado famílias
durante mais de cinquenta anos, primeiro como sacerdote católico
e mais tarde como terapeuta familiar e filósofo, Hellinger ensina
que partilhamos uma consciência familiar com os membros da
nossa família biológica que nos precedem. Observou que
acontecimentos traumáticos, como a morte prematura de um pai,
irmão ou filho, ou um abandono, crime ou suicídio, podem exercer
sobre nós uma poderosa influência, deixando uma marca em todo
o nosso sistema familiar durante gerações. Essas marcas tornam-
se então o mapa da família, à medida que os seus membros
repetem inconscientemente os sofrimentos do passado.
A repetição de um trauma nem sempre é uma réplica exata do
evento original. Numa família em que alguém cometeu um crime,
por exemplo, alguém nascido numa geração posterior pode expiar
esse crime sem se aperceber de que o está a fazer. Um homem
chamado John veio ver-me, certo dia, pouco depois de ter sido
libertado da prisão. Tinha cumprido três anos por fraude – um
crime que alegava não ter cometido. No julgamento, John
declarou-se inocente, mas devido ao peso das provas contra si –
uma falsa acusação feita pelo seu antigo sócio – foi aconselhado
pelo seu advogado a aceitar um acordo. No momento em que
entrou no meu gabinete, John pareceu-me agitado. Tinha os
maxilares cerrados e atirou o casaco contra as costas da cadeira.
Revelou-me que tinha sido incriminado, e estava agora obcecado
por pensamentos de vingança. Ao discutirmos a sua situação
familiar, veio a lume que, uma geração antes, nos anos 60 do
século xx, o seu pai tinha sido acusado de assassinar o sócio, mas
fora absolvido em tribunal devido a um pormenor técnico. Todos
na família sabiam que o pai era culpado, mas nunca falavam sobre
isso. Dada a minha experiência com traumas familiares herdados,
não fiquei surpreendido ao saber que John tinha a mesma idade
com que o pai fora a julgamento. Fazia-se finalmente justiça, mas
com a pessoa errada a pagar o preço.
Hellinger acredita que o mecanismo subjacente a estas
repetições é a lealdade inconsciente, e vê essa lealdade como a
causa de muito sofrimento nas famílias. Incapazes de identificar a
fonte dos seus sintomas como pertencente a uma geração
anterior, as pessoas presumem frequentemente que a fonte do
problema é a sua própria experiência de vida, o que as deixa
impotentes para encontrar uma solução. Hellinger ensina que
todos têm o mesmo direito de pertencer a um sistema familiar, e
que ninguém pode ser excluído, seja por que razão for. Isto inclui
o avô alcoólico que deixou a nossa avó na miséria, o irmão nado-
morto cuja morte partiu o coração da nossa mãe e até o filho do
vizinho que o nosso pai matou por acidente ao fazer marcha-atrás
no caminho de acesso. O tio criminoso, a meia-irmã mais velha da
nossa mãe, o bebé que abortámos – todos eles pertencem à
nossa família. E a lista continua.
Até mesmo pessoas que normalmente não incluiríamos no
nosso sistema familiar têm de ser incluídas. Se alguém lesou,
assassinou ou se aproveitou de um membro da nossa família, essa
pessoa tem de ser incluída. De igual modo, se alguém da nossa
família lesou, assassinou ou se aproveitou de alguém, também
essa vítima terá de ser incluída no nosso sistema familiar.
Também os parceiros anteriores dos nossos pais e avós têm
lugar. Ao morrerem, partirem ou serem deixados, cria-se uma
abertura que permite ao nosso pai, à nossa mãe, à nossa avó ou
ao nosso avô entrar no sistema, acabando, em última instância,
por permitir o nosso nascimento.
Hellinger observou que, quando alguém é rejeitado ou deixado
de fora do sistema familiar, essa pessoa pode ser representada por
um membro posterior do sistema. O indivíduo posterior pode
partilhar ou repetir o destino do indivíduo anterior ao comportar-
se de modo semelhante ou repetir algum aspeto do sofrimento do
excluído. Se, por exemplo, o seu avô for rejeitado pela família
devido à bebida, ao jogo e às mulheres, é possível que um ou
mais desses comportamentos venham a ser adotados por um dos
seus descendentes. Desta forma, o sofrimento familiar prolonga-
se para as gerações seguintes.
Na família de John, o homem assassinado pelo seu pai fazia
agora parte do seu sistema familiar. Ao ser incriminado pelo sócio,
cumprir uma pena de prisão e alimentar pensamentos
sanguinários de vingança, John estava, inconscientemente, a
reviver aspetos da experiência do seu pai, ocorrida quarenta anos
antes. Ao estabelecer a ligação entre a experiência do pai e a sua,
John pôde finalmente libertar os pensamentos obsessivos e seguir
em frente. Dois destinos tinham sido intrincadamente ligados,
como se ambos os homens partilhassem um só. Enquanto esta
ligação permaneceu oculta, a liberdade emocional de John
manteve-se limitada.
Hellinger salienta que cada um de nós tem de carregar o seu
próprio destino, independentemente da severidade. Ninguém pode
tentar assumir o destino de um pai, avô, irmão, tio ou tia sem que
daí resulte algum tipo de sofrimento. Hellinger utiliza o termo
“enredamento” para descrever este tipo de sofrimento. Quando
enredados, carregamos de forma inconsciente os sentimentos, os
sintomas, os comportamentos ou as dificuldades de um membro
anterior do nosso sistema familiar como se nos pertencessem.
Até filhos nascidos dos mesmos pais, no mesmo lar, com uma
educação idêntica, podem herdar traumas diferentes e viver
destinos diversos. É provável, por exemplo, que o primogénito
herde os assuntos por resolver do pai, e que a primogénita herde
os assuntos por resolver da mãe, ainda que nem sempre seja
assim. Também o inverso se pode verificar. Os filhos mais novos
da família tendem a carregar diferentes aspetos dos traumas dos
pais ou elementos dos traumas dos avós.
A primeira filha, por exemplo, pode casar com um homem
emocionalmente indisponível e controlador – semelhante à
perceção que tem do pai –, e, ao fazê-lo, partilhar essa dinâmica
com a mãe. Ao casar com um homem desligado e controlador,
repete as experiências da mãe e junta-se a ela no seu
descontentamento. A segunda filha poderá herdar a raiva
silenciosa da mãe. Deste modo, é afetada pelo mesmo trauma,
mas carrega um aspeto diferente dele. Pode rejeitar o pai,
enquanto a primeira filha não o faz.
Os filhos mais novos da família podem muitas vezes herdar os
traumas não resolvidos dos avós. Na mesma família, a terceira ou
quarta filha pode nunca casar, temendo ser controlada por um
homem que não ama.
Em tempos, trabalhei com uma família libanesa que partilhava
uma dinâmica similar. Ao recuarmos uma geração, descobrimos
que as avós libanesas tinham ambas sido dadas pelos pais como
noivas-criança – uma aos 9 anos e a outra aos 12. Ligadas à
experiência das avós de terem sido obrigadas a casar ainda
crianças, duas das irmãs libanesas repetiram aspetos deste
destino nas respetivas relações. Tal como as avós, uma delas
casou com um homem muito mais velho. A outra nunca casou,
queixando-se de que os homens eram nojentos e controladores –
muito à semelhança do que a infeliz avó paterna deve ter sentido
ao estar presa num casamento sem amor.
Com uma quebra no vínculo mãe-filho entre irmãos, cada filho
pode expressar de forma diferente a sua desconexão com a mãe.
Um pode tentar agradar a todos, temendo perder a ligação às
pessoas se não for bom ou se levantar ondas. Outra, acreditando
que a ligação nunca lhe pertenceu em primeiro lugar, poderá
tornar-se contestatária e gerar conflitos para afastar as pessoas
que lhe são próximas. Outro ainda poderá isolar-se e ter pouco
contacto com as pessoas.
Verifiquei que, se vários irmãos tiverem quebras na ligação
mãe-filho, será frequente expressarem raiva ou ciúme, ou
sentirem-se desligados uns dos outros. Por exemplo, um filho mais
velho poderá guardar rancor ao que nasceu depois, entendendo
que o filho mais novo recebeu o amor que ele não recebeu. Uma
vez que o hipocampo – a parte do cérebro envolvida na criação de
memórias – só fica totalmente operacional a partir dos 2 anos, o
filho mais velho pode não se recordar conscientemente de ter sido
abraçado, alimentado ou acarinhado pela mãe, mas lembra-se de
o irmão mais novo ter recebido o amor desta. Em resposta, o filho
mais velho, sentindo-se desprezado, pode, de forma inconsciente,
culpar o irmão mais novo por ter aquilo que ele não recebeu.
E depois, claro, há alguns filhos que parecem não carregar
qualquer trauma familiar. Para esses, é bem possível que se tenha
estabelecido um vínculo bem-sucedido com a mãe e/ou o pai, o
qual ajudou a imunizar a criança contra os enredamentos do
passado. Talvez se tenha aberto uma janela temporal em que a
mãe pôde dar mais a um filho específico e não aos outros. Talvez
a relação dos pais tenha melhorado. Talvez a mãe tenha sentido
uma ligação especial a um dos filhos, não conseguindo, porém,
ligar-se profundamente aos outros. Os filhos mais novos parecem
muitas vezes, ainda que não sempre, sair-se um pouco melhor do
que os primeiros filhos ou filhos únicos, que parecem carregar
uma parte maior dos assuntos inacabados da história familiar.
Relativamente aos irmãos e ao trauma familiar herdado, não
existem regras rigorosas a reger a forma como cada filho é
afetado. Muitas variáveis, além da ordem de nascimento e do
género, podem influenciar as escolhas que os irmãos fazem e as
vidas que levam. Ainda que, de fora, possa parecer que um dos
irmãos não foi atingido pelo trauma, enquanto outro está
sobrecarregado, a minha experiência clínica dá-me uma perspetiva
diferente: a maioria das pessoas carrega pelo menos algum
resíduo da sua história familiar. No entanto, muitos intangíveis
entram também na equação e podem influenciar até que ponto os
traumas familiares se mantêm profundamente entrincheirados.
Estes intangíveis incluem a autoconsciência, a capacidade de
autoapaziguamento e a vivência de uma poderosa experiência
curativa interior.

Imagens curativas e o nosso cérebro


A ideia de que revivemos traumas familiares pode muito bem
estar no âmago daquilo a que o psiquiatra Norman Doidge se
refere no seu revolucionário livro The Brain That Changes Itself,
ao escrever o seguinte: “A psicoterapia é muitas vezes uma
questão de transformar os nossos fantasmas em antepassados.”
Ao identificarmos a fonte dos nossos traumas geracionais, o Dr.
Doidge sugere que os nossos fantasmas podem “deixar de nos
assombrar e passar a ser simplesmente parte da nossa história”.4
Uma forma crucial de fazer isto é permitirmo-nos comover por
uma experiência ou imagem suficientemente fortes para eclipsar
as velhas emoções e sensações de trauma que vivem no nosso
interior. A nossa mente tem uma vasta capacidade para a cura
através de imagens. Quer imaginemos uma cena de perdão, de
conforto ou de desprendimento, ou simplesmente visualizemos um
ente querido, as imagens podem instalar-se profundamente no
nosso corpo e afundar-se na nossa mente. No meu trabalho,
descobri que ajudar as pessoas a desvendar a imagem com que
mais se identificam é a pedra angular da cura.
A ideia do poder curativo das imagens já era válida muito antes
de os exames ao cérebro a poderem provar. Há mais de cem anos,
o poeta William Butler Yeats escreveu que “a sabedoria fala
primeiro por imagens”, e que, se nos permitirmos ser guiados pela
imagem que vive dentro de nós, as nossas almas tornar-se-ão
“simples como uma chama” e os nossos corpos “tranquilos como
uma lâmpada de ágata”. Em 1913, Carl Jung cunhou o termo
imaginação ativa, uma técnica que utiliza imagens (muitas vezes
de um sonho) para entrar em diálogo com a mente inconsciente,
trazendo para a luz o que estava envolto nas trevas.
Recentemente, a ideia de visualização para a cura ganhou tração
generalizada, com o acesso fácil a programas de imagens guiadas
para diminuir o stress e a ansiedade, estimular o desempenho
atlético e ajudar com medos e fobias específicos.
A ciência apoia esta ideia. Doidge revolucionou o nosso
entendimento de como o cérebro humano funciona ao identificar
uma mudança de paradigma, passando de ver o cérebro como
algo fixo e imutável para o ver como algo flexível e capaz de
mudar. A sua obra demonstra como novas experiências podem
criar novas vias neurais. Estas novas vias neurais fortalecem-se
através da repetição e aprofundam-se através da atenção
concentrada. Basicamente, quanto mais praticamos algo, mais
treinamos o nosso cérebro para mudar.
Este princípio fundamental está refletido numa frase que
resume a obra que o neuropsicólogo canadiano Donald Hebb
apresentou em 1949: “Os neurónios que disparam juntos ligam-se
entre si.” Essencialmente, quando as células cerebrais se ativam
em conjunto, a ligação entre elas fortalece-se. Dito de forma
simples, sempre que repetimos uma experiência específica, esta
torna-se mais enraizada em nós. Se a repetirmos o suficiente,
pode tornar-se automática.
Aplicando o princípio de Hebb, obtemos mais benefícios
quando praticamos uma experiência nova que entendemos como
positiva, gratificante ou significativa – que ativa os nossos sentidos
de curiosidade e deslumbramento. Pode ser uma experiência de
receber conforto ou apoio, ou de sentir compaixão ou gratidão – o
que quer que, em última análise, nos permita sentir força ou paz
interior.
Quando revisitarmos repetidamente os sentimentos e as
sensações que estão associados a esta nova experiência, não só
as estruturas no nosso cérebro podem começar a ligar-se, como
podemos também estimular a libertação de neurotransmissores de
bem-estar, como a serotonina e a dopamina, ou hormonas de
bem-estar, como a ocitocina. Até a forma como os nossos genes
se expressam pode ser afetada; os próprios genes envolvidos na
resposta do corpo ao stress podem começar a funcionar de forma
melhorada.
A nível neurofisiológico, sempre que praticamos a experiência
benéfica, estamos a tirar envolvimento ao centro de resposta ao
trauma do nosso cérebro e a levá-lo a outras áreas do cérebro,
nomeadamente ao nosso córtex pré-frontal, onde podemos
integrar a nova experiência e podem ocorrer mudanças
neuroplásticas.
Segundo Doidge, o neurocientista Michael Merzenich, líder na
área da neuroplasticidade, diz que “praticar uma nova
competência, nas condições certas, pode mudar centenas e
possivelmente milhares de milhões de ligações entre as células
nervosas dos nossos mapas cerebrais”.5 Uma vez estabelecido um
novo mapa cerebral, novos pensamentos, sentimentos e
comportamentos podem emergir de forma orgânica, expandindo o
nosso repertório quando os velhos medos surgirem.
Sempre que estabelecemos uma ligação ao que está por detrás
dos nossos medos e sintomas, estamos já a abrir novas
possibilidades de resolução. Por vezes, basta o novo entendimento
para mudar as velhas e dolorosas imagens que mantemos, e
iniciar uma libertação visceral que pode ser sentida no âmago do
nosso corpo. Noutros casos, estabelecer a ligação apenas
aumenta o entendimento, mas é necessário mais para integrar
plenamente o que aprendemos. Precisaremos de frases, rituais,
práticas ou exercícios para nos ajudar a forjar uma nova imagem
interior. A nova imagem pode preencher-nos com um reservatório
de calma, tornando-se uma referência interna e um ponto de paz
a que podemos regressar uma e outra vez. Com novos
pensamentos, novos sentimentos, novas sensações e um novo
mapa cerebral enraizado, começamos a instaurar uma experiência
interior de bem-estar que vai passar a competir com as nossas
antigas reações de trauma e o seu poder de nos desviar.
Quanto mais viajamos pelas vias neurais e viscerais do nosso
novo mapa cerebral, mais nos identificamos com os bons
sentimentos que acompanham esse mapa. Com o tempo, os bons
sentimentos vão-se tornando familiares e começamos a confiar na
nossa capacidade de regressar a terra firme mesmo quando os
nossos alicerces foram temporariamente abalados.
Doidge diz-nos que podemos transformar os nossos cérebros
através da mera imaginação. Ao simplesmente fecharmos os olhos
e visualizarmos uma atividade, o nosso córtex visual primário
ilumina-se, como se estivéssemos efetivamente a realizar a ação.
Exames ao cérebro demonstram que muitos dos mesmos
neurónios e regiões cerebrais se ativam quer estejamos a imaginar
um evento, quer estejamos realmente a vivê-lo.6 Doidge descreve
a visualização como um processo que utiliza tanto a imaginação
como a memória. Diz que “visualizar, recordar ou imaginar
experiências agradáveis ativa muitos dos mesmos circuitos
sensoriais, motores, emocionais e cognitivos disparados durante a
«verdadeira» experiência agradável”.7
“A imaginação é o início da criação”, escreveu o dramaturgo
George Bernard Shaw, em 1921. Muito antes de a
neuroplasticidade ser sequer considerada uma possibilidade, Shaw
expôs o princípio: tornamos possível aquilo que imaginamos.

Imagens curativas e os nossos genes

“A mudança plástica, causada pela nossa experiência”, diz


Doidge, “viaja até às profundezas do cérebro e até dos nossos
genes, moldando-os também”.8 No seu bem-sucedido livro The
Genie in Your Genes, que analisa os estudos que associam
emoções e expressão genética, o Dr. Dawson Church descreve de
que forma a visualização, a meditação e a concentração em
emoções, orações e pensamentos positivos – aquilo que designa
por intervenções epigenéticas internas – podem ativar genes e
afetar positivamente a nossa saúde. “Encher as nossas mentes de
imagens positivas de bem-estar”, refere ele, “pode gerar um
ambiente epigenético que reforça o processo de cura”.9
Foram numerosos os estudos dedicados a demonstrar de que
modo a meditação afeta positivamente a expressão dos genes.
Um estudo realizado na Universidade de Wisconsin-Madison,
publicado, em 2013, no jornal Psychoneuroendocrinology, revelou
que, ao fim de apenas oito horas de prática, os praticantes de
meditação experienciavam claras alterações genéticas e
moleculares, incluindo níveis reduzidos de genes pró-inflamatórios,
o que lhes permitia recuperar fisicamente de situações de stress
de forma mais rápida.10 Church diz que, ao meditar, estamos a
“aumentar as partes do nosso cérebro que produzem
felicidade”.11
Ao longo das nossas vidas, geramos continuamente novas
células cerebrais. Grande parte desse novo crescimento dá-se no
hipocampo. “Ao aprendermos, mudamos quais os genes que são
expressos nos nossos neurónios”, diz Doidge. “Quando um gene é
ativado, cria uma nova proteína que altera a estrutura e a função
da célula.” Este processo, explica Doidge, é influenciado pelo que
fazemos e pensamos. “Podemos moldar os nossos genes, o que,
por sua vez, molda a anatomia microscópica do nosso cérebro.”12
“Não pode mudar o seu ADN”, refere Rachel Yehuda, “mas, se
conseguir mudar a forma como seu ADN funciona, vai
basicamente dar ao mesmo”.13
Uma vida completamente desprovida de traumas, como
estamos a aprender, é algo altamente improvável. Os traumas não
dormem, nem mesmo na morte, continuando antes a procurar o
terreno fértil da resolução nos filhos das gerações seguintes.
Felizmente, os seres humanos são resilientes e capazes de curar a
maioria dos tipos de trauma. Isto pode acontecer em qualquer
momento das nossas vidas. Precisamos apenas das perceções e
das ferramentas certas. Mais adiante, partilharei as práticas que
foram fundamentais no meu trabalho com os clientes, para que
tenha uma experiência em primeira mão de como curar os
traumas que possam fazer parte da sua herança familiar.
Capítulo 4
A abordagem da linguagem nuclear
O inconsciente insiste, repete e praticamente
arromba a porta para se fazer ouvir.
– Annie Rogers, The Unsayable

Quando fragmentos de traumas passados se reproduzem


dentro de nós, deixam pistas na forma de palavras e frases
emocionalmente carregadas que muitas vezes nos levam de volta
a traumas por resolver. Como vimos, esses traumas podem nem
sequer nos pertencer. Dou às expressões verbais desses traumas o
nome de linguagem nuclear. A linguagem nuclear pode também
ser expressa de formas não verbais. Estas podem incluir
sensações físicas, comportamentos, emoções, impulsos e até os
sintomas de uma doença. A linguagem nuclear de Jesse incluía
acordar em sobressalto às três e meia da manhã, tremer sem
saber porquê e ter pavor de voltar a adormecer. A linguagem
nuclear de Gretchen incluía depressão, desespero, ansiedade e o
desejo de se “vaporizar”. Tanto Gretchen como Jesse carregavam
com eles peças do quebra-cabeças que os ligava a algo não
resolvido na sua história familiar.
Todos conhecemos a história de Hansel e Gretel, que são
atraídos para a floresta escura. Temendo nunca encontrar a saída,
Hansel deixa um rasto de migalhas nos bosques para garantir o
regresso de ambos a casa em segurança. É uma analogia
adequada: quer estejamos nas profundezas da floresta dos nossos
medos, quer estejamos apenas ligeiramente abalados por nos
termos desviado do trilho, também nós deixamos um rasto de
migalhas que nos pode ajudar a encontrar o caminho. Mas, em
vez de migalhas de pão, deixamos um rasto de palavras – que têm
o poder de nos levar de volta ao rumo certo. Estas palavras
podem parecer aleatórias, mas não são. Na realidade, são pistas
do nosso inconsciente. Quando soubermos como as reunir e ligar,
formarão um rasto que podemos seguir para nos ajudar a
entender mais sobre nós mesmos.
Tal como as crianças do conto de fadas, também nos podemos
embrenhar de tal forma na floresta dos nossos medos que nem
sequer conseguimos recordar onde fica a nossa casa. Em vez de
seguir o rasto das palavras, podemos dar por nós a recorrer a
medicamentos, a procurar conforto na comida, no tabaco, no sexo
ou no álcool, ou a distrairmo-nos com atividades estupidificantes.
Como sabemos por experiência própria, esses caminhos são
sempre um beco sem saída. Nunca nos levam onde precisamos de
ir.
Não nos apercebemos de que as migalhas da nossa linguagem
nuclear estão a toda a nossa volta. Vivem nas palavras que
dizemos em voz alta e nas que proferimos em silêncio. Vivem nas
palavras que se repetem constantemente nas nossas cabeças
como o despertador de um relógio. Mas, em vez de as seguirmos
para ver onde levam, podemos ficar paralisados pelo êxtase que
essas palavras criam no nosso interior.

Memória inconsciente
Entender a forma como as memórias traumáticas são
armazenadas pode lançar alguma luz sobre o que acontece às
nossas palavras quando estamos assoberbados. A memória de
longo prazo é frequentemente dividida em duas categorias
principais: declarativa e não declarativa. A memória declarativa,
também designada por memória explícita ou narrativa, é a
capacidade de recordar factos ou eventos de forma consciente.
Este tipo de memória depende da linguagem para organizar,
classificar e armazenar informações e experiências que mais tarde
se tornarão memórias recuperáveis. É como um livro que
podemos tirar da estante quando precisamos de consultar uma
história do passado. Ao conseguirmos pôr os acontecimentos em
palavras, podemos recordá-los como parte da nossa história.
A memória não declarativa, também designada por memória
implícita, sensório-motora ou processual, atua sem evocação
consciente. Permite-nos recuperar de forma automática o que já
aprendemos sem termos de reaprender os passos. Ao andarmos
de bicicleta, por exemplo, não pensamos na série de
acontecimentos necessários para a fazer avançar. A memória de
andar de bicicleta está de tal modo enraizada em nós que nos
limitamos a montar e a pedalar sem dividir o processo em passos.
As memórias deste tipo nem sempre são fáceis de descrever em
palavras.
As experiências traumáticas são muitas vezes armazenadas
como memória não declarativa. Quando um acontecimento se
torna tão avassalador que nos deixa sem palavras, não podemos
registar ou “declarar” de forma precisa a memória em forma de
história, o que exige linguagem. É como se uma súbita inundação
irrompesse ao mesmo tempo por todas as nossas portas e janelas.
Ante o perigo, não paramos durante tempo suficiente para pôr a
nossa experiência em palavras. Limitamo-nos a sair de casa.
Sem palavras, deixamos de ter pleno acesso à nossa memória
do acontecimento. Fragmentos da experiência ficam sem nome e
submergem, longe da vista. Perdidos e não declarados, tornam-se
parte do nosso inconsciente.
O vasto reservatório do nosso inconsciente parece conter não
só as nossas memórias traumáticas, mas também as experiências
traumáticas por resolver dos nossos antepassados. Neste
inconsciente partilhado, parecemos reviver fragmentos da
memória de um antepassado e declará-los nossos.
Apesar de os estudos com ratos, anteriormente descritos,
fornecerem algumas provas de como os traumas são transmitidos
de uma geração à seguinte, o mecanismo exato de como essa
transferência acontece nos seres humanos não é ainda totalmente
entendido. Não obstante, embora não saibamos ao certo de que
forma os assuntos inacabados de um antepassado criam raízes
dentro de nós, parece trazer alívio quando essa ligação é tornada
consciente.

Linguagem não declarada: quando as palavras


desaparecem

Existem dois momentos importantes em que somos incapazes


de utilizar palavras para descrever a nossa experiência. O primeiro
é antes dos 2 ou 3 anos, quando os centros de linguagem do
nosso cérebro não atingiram ainda a plena maturidade. O segundo
dá-se durante um episódio traumático, quando as funções da
nossa memória são suprimidas e não conseguimos processar
corretamente a informação.
Quando a função da memória é inibida, informações
emocionalmente relevantes contornam os lobos frontais e não
podem ser identificadas nem organizadas através de palavras ou
linguagem, tal como é descrito por Bessel van der Kolk. Sem
linguagem, as nossas experiências ficam muitas vezes “por
declarar”, sendo mais provável que sejam armazenadas como
fragmentos de memória, sensações físicas, imagens e emoções. A
linguagem permite-nos dispor as nossas experiências em forma de
história. Assim que temos a história, somos mais capazes de
revisitar uma experiência – e até mesmo um trauma – sem reviver
todo o tumulto que lhe está associado.
Ainda que a linguagem possa ser uma das primeiras coisas a
desaparecer quando estamos assoberbados, essa linguagem
nunca se perde. Recua para o nosso inconsciente e emerge
inesperadamente, recusando-se a ser ignorada. Como diz a
psicóloga Annie Rogers: “O inconsciente insiste, repete e
praticamente arromba a porta para se fazer ouvir. A única forma
de o ouvir, de o convidar a entrar na sala, é parar de lhe impor
algo – sobretudo na forma das nossas próprias ideias – e ouvir
antes o indizível, que está em toda a parte, no discurso, nas
representações, nos sonhos e no corpo.”1

Linguagem nuclear e recuperação da memória


As experiências não expressas que vivem no nosso
inconsciente estão em tudo o que nos rodeia. Surgem na nossa
linguagem singular. Expressam-se nos nossos sintomas crónicos e
comportamentos inexplicáveis. Reemergem nas lutas repetitivas
que enfrentamos na vida quotidiana. Essas experiências não
expressas formam a base da nossa linguagem nuclear. Quando o
nosso inconsciente arromba a nossa porta para se fazer ouvir, é a
linguagem nuclear que escutamos.
As palavras emocionalmente carregadas da nossa linguagem
nuclear são chaves para as memórias não declarativas que vivem
no nosso corpo e no “corpo” do nosso sistema familiar. São como
joias no nosso inconsciente à espera de serem desenterradas. Se
não as reconhecermos como mensageiras, desperdiçamos pistas
importantes que nos podem ajudar a desvendar o mistério por
detrás das nossas dificuldades. Assim que as desenterramos,
damos um passo essencial rumo à cura do trauma.
A linguagem nuclear ajuda-nos a “declarar” as memórias que
estavam “não declaradas”, permitindo-nos reconstituir os eventos
e as experiências que não podiam ser integrados ou sequer
recordados. Uma vez reunido um número suficiente destas peças
na nossa consciência, começamos a formar uma história que
aprofunda o nosso entendimento do que nos pode ter acontecido
ou aos nossos familiares. Começamos a dar sentido a memórias,
emoções e sensações que nos podem ter assombrado durante
toda a nossa vida. Uma vez localizada a sua origem no passado,
no nosso trauma ou num trauma familiar, podemos parar de as
viver como se pertencessem ao presente. E ainda que nem todos
os medos, ansiedades ou pensamentos repetitivos possam ser
explicados por um acontecimento traumático na família, certas
experiências podem ser entendidas de forma mais plena quando
deciframos a nossa linguagem nuclear.

Como reconhecer a sua linguagem nuclear

As palavras intensas ou urgentes que utilizamos para descrever


os nossos medos mais profundos – é essa a nossa linguagem
nuclear. Ouvimo-la também nas queixas que temos sobre as
nossas relações, a nossa saúde, o nosso trabalho e outras
situações da vida. A linguagem nuclear revela-se até na forma
como nos desligamos dos nossos corpos e do âmago do nosso ser.
Essencialmente, é a consequência de um trauma que ocorreu no
início da nossa infância ou na nossa história familiar.
A linguagem é invulgar na medida em que pode parecer
descontextualizada do que sabemos ou experienciámos. A
linguagem nuclear pode ter o atributo de vir de fora de nós,
apesar de ser experienciada no nosso interior. Gretchen, que
entendia agora o que estava por detrás das palavras vaporizar e
incinerar, fez a seguinte observação: “Esses sentimentos viviam
em mim, mas não eram meus.” Uma vez exposta esta linguagem
idiossincrática, a sua intensidade e influência sobre nós começam
a perder a sua carga.

O mapa da linguagem nuclear


Nos capítulos que se seguem, apresento ferramentas que
ajudam a ligar os pontos entre emoções anteriormente
inexplicadas e acontecimentos do passado. Cada ferramenta
contém uma série de questões concebidas para extrair um
sentimento ou experiência interior que, provavelmente, nunca foi
identificado ou tornado plenamente consciente. Uma vez
recuperada informação suficiente, começa a surgir um mapa – um
mapa do inconsciente. Chama-se mapa da linguagem nuclear e
pode efetivamente ser traçado em papel. As palavras que
escrevermos vão determinar a direção em que viajaremos. Todos
temos um mapa da linguagem nuclear e cada mapa é único.
O nosso mapa da linguagem nuclear já existia, provavelmente,
muito antes de termos nascido. Pode ter pertencido ao nosso pai
ou à nossa avó, e nós limitamo-nos carregar por eles. Talvez
também eles tenham sido apenas os portadores desse mapa para
um familiar que os precedeu. Alguns mapas são formados durante
o período sem palavras da infância. Seja qual for a forma como o
recebemos, temos agora a oportunidade de rastrear a sua origem.
Os traumas não resolvidos da nossa história familiar
extravasam para as gerações seguintes, misturando-se com as
nossas emoções, reações e escolhas de formas que nunca
pensamos em questionar. Presumimos que essas experiências têm
origem em nós. Com a sua verdadeira fonte longe da vista, somos
frequentemente incapazes de distinguir o que é nosso do que não
é.
Seguir o nosso mapa da linguagem nuclear pode confrontar-
nos com familiares que vivem como fantasmas, invisíveis e
ignorados. Alguns estão enterrados há muito. Outros foram
rejeitados ou esquecidos. Outros ainda passaram por provações
tão traumáticas que é demasiado doloroso pensar no que devem
ter sofrido. Ao encontrá-los, libertamo-los e libertamo-nos.
A nossa história está à espera de ser descoberta. As palavras,
a linguagem, o mapa – tudo aquilo de que precisamos para fazer
a viagem está dentro de nós neste exato momento.
No Capítulo 3, apresentei os mais recentes estudos científicos
que demonstram de que forma ferramentas como a visualização
podem criar novas vias neurais no cérebro e até ter um efeito
positivo nos nossos genes. Agora, vamos aplicar o que
aprendemos.
Nos capítulos que se seguem, encontrará exercícios concebidos
para o levar para lá das restrições do pensamento convencional.
Destinam-se a agitar as águas para que as correntes mais
profundas do inconsciente possam subir à superfície.
Cada exercício tem como base aquele que o precedeu. Alguns
pedir-lhe-ão que feche os olhos e visualize familiares; outros que
entre em sintonia com as sensações do seu corpo. Vários
exercícios pedir-lhe-ão que escreva as respostas a questões
concebidas para o ajudar a desvendar as pistas relevantes na sua
linguagem nuclear. É útil ter caneta e papel por perto; um caderno
resulta bem, de forma a poder rever facilmente as respostas à
medida que for avançando.
Segundo a minha experiência, ao fazer os exercícios,
aprofundará a sua própria experiência e descobrirá mais sobre si.
Não tem de se preocupar com respostas certas ou erradas. Deixe
que a curiosidade seja o seu guia enquanto o conduzo através de
um processo que, na minha prática, se revelou curativo para
muitos.
Capítulo 5
Os quatro temas inconscientes
Os laços mais fortes são aqueles que temos com as
pessoas que nos deram à luz… dificilmente parece
importar quantos anos passaram, quantas traições
pode ter havido, quanta infelicidade na família:
permanecemos ligados, mesmo contra a nossa
vontade.
– Anthony Brandt, Bloodlines

Quer herdemos as emoções dos nossos pais no ventre, quer as


recebamos na nossa relação precoce com a nossa mãe, quer as
partilhemos através da lealdade inconsciente ou de mudanças
epigenéticas, uma coisa é evidente: a vida manda-nos para a
frente com algo por resolver do passado.
Iludimo-nos ao acreditar que podemos fazer com que as
nossas vidas corram exatamente como planeamos. Demasiadas
vezes, as nossas intenções contradizem as nossas ações. Podemos
desejar saúde, mas ingerir demasiada comida de plástico ou
arranjar desculpas para não fazer exercício. Podemos ansiar por
uma relação romântica, mas distanciarmo-nos assim que um
potencial companheiro se aproxima. Podemos querer uma carreira
significativa, mas não dar os passos necessários para a alcançar. A
pior parte é que aquilo que nos retém é frequentemente invisível
para nós, o que nos mantém frustrados e confusos.
Procuramos respostas nos sítios habituais. Concentramo-nos
nas deficiências da nossa educação. Cismamos nos
acontecimentos perturbadores da nossa infância que nos fizeram
sentir impotentes. Culpamos os nossos pais pelos infortúnios que
nos aconteceram. Visitamos os mesmos pensamentos uma e outra
vez. Mas este tipo de recordação raramente faz com que as coisas
melhorem. Sem a origem do nosso problema à vista, as nossas
queixas limitam-se a perpetuar o nosso descontentamento
persistente.
Neste capítulo, vamos aprender sobre os quatro temas
inconscientes que interrompem a progressão da vida, quatro
formas que podem comprometer as nossas relações, o nosso
sucesso e a nossa saúde. Mas, antes de lá irmos, vejamos como
chegámos aqui.

O fluxo da vida

Foi um caminho simples. Chegámos aqui através dos nossos


pais. Enquanto filhos dos nossos pais, estamos ligados a algo
vasto que se estende para trás no tempo, literalmente até ao
início da própria humanidade. Através dos nossos pais, estamos
ligados à corrente da própria vida, apesar de não sermos a fonte
dessa corrente. A centelha foi-nos meramente enviada –
biologicamente transmitida, juntamente com a nossa história
familiar. É também possível sentir como vive dentro de nós.
Essa centelha é a nossa força vital. Talvez a possa sentir a
pulsar no seu interior agora mesmo, enquanto lê isto. Se alguma
vez esteve com alguém ao morrer, terá sentido a diminuição dessa
força. É até possível sentir o exato instante de separação, quando
essa força deixa o corpo. De igual modo, se alguma vez assistiu a
um parto, terá podido sentir a força vital a encher a sala.
Essa força vital não para com o nascimento. Continua a fluir
dos seus pais para si, ainda que se sinta desligado deles. Pude
constatar, tanto na minha prática clínica como na minha própria
vida, que quando a ligação que temos aos nossos pais flui
livremente, sentimo-nos mais abertos a receber o que a vida nos
envia. Quando essa ligação aos nossos pais está, de algum modo,
comprometida, a força vital à nossa disposição pode parecer
limitada. Podemos sentir-nos bloqueados e restringidos, ou que
estamos fora do fluxo da vida, como se estivéssemos a nadar
contra a corrente. Em última instância, acabamos por sofrer e não
sabemos porquê. Mas temos dentro de nós os recursos para sarar.
Comecemos por avaliar a ligação que sentimos aos nossos pais
neste exato momento, independentemente de ainda estarem vivos
ou não.

Sentir o fluxo

Reserve uns minutos para sentir a ligação ou desconexão que


tem com os seus pais. Independentemente da história que tem
com eles, sinta a relação e como afeta fisicamente o seu corpo.
Visualize os seus pais biológicos à sua frente. Se nunca os
conheceu ou não os consegue visualizar, sinta simplesmente a
presença deles. Sustenha a imagem e pergunte-se o seguinte:

Dou-lhes as boas-vindas ou excluo-os?


Sinto que me recebem de bom grado?
Sinto-os diferentes um do outro?
O meu corpo está relaxado ou tenso ao visualizá-los?
Se uma força vivificante estivesse a fluir deles para mim,
quanta dessa força estaria a passar: 5%? 25%? 50%? 75%?
Ou uns perfeitos 100%?

A força vital que flui dos nossos pais para nós fá-lo livremente.
Não temos de fazer o que quer que seja. A nossa única missão é
recebê-la.
Visualize a força vital como o fio principal que fornece
eletricidade à sua casa. Todos os outros fios que se ramificam
para as várias divisões dependem do fio principal para ter energia.
Por mais eficazes que sejam as ligações em nossa casa, se a
nossa ligação ao fio principal estiver comprometida, o fluxo será
condicionado.
Vejamos agora como este “fio principal” pode ser afetado pelos
quatro temas inconscientes.

Quatro temas inconscientes que interrompem o


fluxo da vida

Estes temas são comuns a todos nós, mas os seus efeitos são
inconscientes:

1. Fundimo-nos com um dos nossos pais.


2. Rejeitámos um dos nossos pais.
3. Experienciámos uma quebra na ligação inicial à nossa
mãe.
4. Identificámo-nos com um membro do nosso sistema
familiar que não os nossos pais.

Qualquer destes temas pode prejudicar a nossa capacidade de


prosperar e atingir os objetivos que definimos. Podem limitar a
nossa vitalidade, a nossa saúde e o nosso sucesso. Manifestam-se
no nosso comportamento e nas nossas relações. Aparecem nas
nossas palavras.
Os quatro temas são relacionais, na medida em que descrevem
aspetos de como nos relacionamos com os nossos pais e com
outros membros do nosso sistema familiar. Se entendermos os
temas e soubermos como os procurar, podemos identificar os que
estão a agir em nós e a impedir-nos de ter a plenitude das nossas
experiências de vida.
Subjacente a três dos quatro temas inconscientes está uma
desconexão da nossa mãe ou do nosso pai, e é esse o primeiro
lugar a ter em conta quando estamos em dificuldades.
Há outras interrupções na força vital que nos podem impedir
de viver plenamente, mas essas nem sempre são inconscientes, e
não envolvem necessariamente um dos pais ou outro membro do
nosso sistema familiar. Uma dessas interrupções surge quando
sofremos um trauma pessoal. Mesmo quando estamos cientes dos
efeitos do trauma sobre nós, podemos ainda assim ser incapazes
de o solucionar.
Outro tipo de interrupção ocorre quando nos sentimos
culpados por um ato que realizámos ou por um crime que
cometemos. Talvez tenhamos tomado uma decisão que magoou
alguém, deixado uma relação de forma cruel, tomado algo que
não nos pertencia ou tirado uma vida, de forma acidental ou
deliberada. A culpa pode paralisar a nossa força vital através de
uma miríade de formas. E se não for assumida ou resolvida, pode
estender-se aos nossos filhos e até aos filhos destes. Lerá mais
sobre isto nos capítulos seguintes. Mas, primeiro, olhemos para as
quatro interrupções que estão diretamente relacionadas com os
nossos pais ou com outro membro do sistema familiar.

1. Fundiu-se com os sentimentos, comportamentos ou experiências de


um dos seus pais?

Pense bem. Algum dos seus pais passou por dificuldades


emocionais, físicas ou psicológicas? Custou-lhe vê-lo sofrer? Quis
livrá-lo da dor? Tentou? Alguma vez tomou partido pelos
sentimentos de um dos pais contra o outro? Teve medo de
demonstrar o seu amor por um dos pais por receio de magoar o
outro? Na sua vida atual, debate-se de forma similar à dos seus
pais? Reconhece a dor dos seus pais em si?
Muitos de nós assumem inconscientemente a dor dos pais. Na
infância, desenvolvemos gradualmente o nosso autoconceito.
Nessa época, não tínhamos ainda aprendido a estar separados dos
nossos pais e simultaneamente ligados a eles. Nesse lugar
inocente, talvez imaginássemos ser capazes de aliviar a sua
infelicidade, corrigindo-a ou partilhando-a. Se também nós a
carregássemos, não teriam de o fazer sozinhos. Mas este é um
pensamento fantasioso e só leva a mais infelicidade. Os padrões
partilhados de infelicidade estão a toda a nossa volta. Mãe triste,
filha triste… pai desrespeitado, filho desrespeitado… as
dificuldades relacionais dos pais refletidas nos filhos. As
combinações são infinitas.
Quando nos fundimos com um dos pais, partilhamos
inconscientemente um aspeto, muitas vezes negativo, da
experiência de vida desse progenitor. Repetimos ou revivemos
certas situações ou circunstâncias sem fazer a exata ligação que
nos poderia libertar.

A história de Gavin

A história que se segue demonstra como esta dinâmica, muitas


vezes velada, pode alimentar uma luta que nos sentimos
impotentes para resolver.
Quando tinha 34 anos, Gavin tomou uma série de decisões
financeiras imprudentes que lhe custaram, a ele e à respetiva
família, todo o dinheiro que tinham poupado. Fora recentemente
despedido do seu emprego como gestor de projetos por falhar no
cumprimento dos prazos. Com a esposa e dois filhos pequenos em
casa, Gavin estava desesperado. Debatendo-se para pagar as
contas e com um casamento agora tenso, caiu numa depressão
profunda.
Quando era pequeno, o seu pai, também em meados dos 30,
perdera todas as poupanças da família nas pistas de corridas,
julgando ter informações privilegiadas sobre um cavalo específico.
Na altura, a mãe de Gavin pegou nos filhos e voltou para casa dos
pais. Depois disso, Gavin raras vezes viu o pai, a quem a mãe se
referia como um homem egoísta, um jogador compulsivo e um
perdedor.
Agora, aos 34 anos, apesar de não ter estabelecido
conscientemente a ligação, Gavin estava a repetir a experiência de
“perdedor” do pai. Também ele perdera as poupanças da família e
enfrentava agora a possibilidade de perder a mulher e os filhos.
Só na nossa sessão juntos é que Gavin se apercebeu de que
estivera a reviver o passado.
Estando tão distante do pai, Gavin não conseguia entender
como podiam as suas vidas refletir um padrão tão semelhante. Ao
não partilhar uma ligação consciente com o pai, Gavin forjara uma
inconsciente – repetindo inadvertidamente os fracassos do
progenitor. Compreendendo isto, Gavin dispôs-se a reparar a
relação quebrada entre ambos.
Passara quase uma década desde que tinham falado. Ciente da
sua própria resistência, e de que conhecia o pai sobretudo através
das histórias da mãe, Gavin agiu com cautela, mas de mente
aberta. Numa carta manuscrita, disse-lhe que era avô de duas
meninas e que lamentava não ter mantido o contacto. Esperou
seis semanas, mas não obteve resposta. Gavin temia que o pai
tivesse morrido – ou pior, no seu pensamento, que o tivesse
rejeitado.
Confiando num instinto subjacente ao medo, Gavin pegou no
telefone e ligou para o número do pai. Ainda bem que o fez;
surpreendentemente, o pai não recebera a carta. Durante a
chamada, atrapalharam-se os dois desajeitadamente por entre
palavras e emoções enquanto tentavam forjar uma ligação. Ao fim
de alguns telefonemas tensos, sentimentos genuínos começaram
a emergir. Gavin pôde dizer ao pai que sentia profundamente a
sua falta. O pai ouviu-o, contendo as lágrimas. Disse a Gavin
como fora incrivelmente doloroso perder a família e que não
passara um só dia sem sentir o aguilhão da dor e da tristeza.
Sugeriu que se encontrassem pessoalmente. Gavin aceitou. Em
poucas semanas, a depressão que o engolira começou a levantar.
Com o pai de volta à sua vida, Gavin começou a estabilizar as
coisas em casa, recuperando a confiança que perdera junto da
mulher e fortalecendo a ligação às filhas. Foi como se uma chave
que nunca soubera estar perdida tivesse sido encontrada. Gavin
podia agora abrir o cofre que continha os valores mais essenciais
da sua vida – a ligação à família.
A última coisa que uns pais desejariam ver é o filho a sofrer
em seu nome. É arrogante e presunçoso pensar que nós,
enquanto filhos, estamos mais preparados para lidar com o
sofrimento dos nossos pais do que eles. Está também em
dissonância com a ordem da vida. Os nossos pais já existiam
antes de nós. Providenciaram para que pudéssemos sobreviver.
Não fomos nós, enquanto crianças, a fazê-lo por eles.
Quando um filho assume o fardo de um dos pais – consciente
ou inconscientemente –, perde a experiência de receber, e pode
ter dificuldade em fazê-lo nos relacionamentos posteriores da
vida. Um filho que cuida de um pai forja muitas vezes um padrão
duradouro de sobrecarga e cria um modelo para se sentir
habitualmente assoberbado. Ao tentarmos partilhar ou carregar o
fardo dos nossos pais, damos continuidade ao sofrimento da
família e bloqueamos o fluxo de força vital que se encontra
disponível para nós e para as gerações seguintes.
Mesmo ao cuidar de pais doentes ou idosos, providenciando o
que eles não podem fazer por si próprios, é importante preservar
e respeitar a integridade da relação pai-filho, em vez de diminuir a
dignidade dos nossos pais.

2. Julgou, culpou, rejeitou ou isolou-se de um dos seus pais?


Se queremos realmente abraçar a vida e sentir alegria, se
queremos realmente ter relações profundas e gratificantes e uma
saúde vibrante e resiliente, se queremos realmente estar à altura
de todo o nosso potencial, sem a sensação de estarmos
quebrados por dentro, temos primeiro de reparar as nossas
relações despedaçadas com os nossos pais. Além de nos terem
dado a vida e de serem uma parte inexorável de quem somos, os
nossos pais são o portal para as forças secretas e poderes
criativos, bem como para os desafios, que também fazem parte do
nosso legado ancestral. Quer estejam vivos ou mortos, quer
estejamos afastados deles ou tenhamos uma relação amigável, os
nossos pais – e os traumas que sofreram ou herdaram – guardam
uma das chaves para a nossa cura.
Ainda que tenha a sensação de que preferia mastigar um
punhado de tachas a afeiçoar-se aos seus pais, este passo não
pode ser evitado, por mais tempo que demore. (Foram precisos
trinta e seis almoços semanais com o meu pai sargento dos
fuzileiros para ele finalmente me dizer que nunca acreditara que
eu o amasse.) As relações desfeitas resultam muitas vezes de
acontecimentos dolorosos na história familiar e podem repetir-se
durante gerações, até invocarmos a coragem para deixar ir as
nossas mentes julgadoras, abrir os nossos corações contraídos e
ver os nossos pais e outros familiares à luz da compaixão. Só
fazendo isto podemos solucionar a dor que nos impede de abraçar
plenamente as nossas vidas.
Ainda que, de início, possamos fazer o movimento apenas a
nível interno, é importante encontrar um lugar dentro de nós onde
nos possamos amenizar quando pensamos nos nossos pais, em
vez de nos eriçarmos.
Esta abordagem pode ir contra o que lhe foi ensinado. Muita
da psicoterapia convencional foca-se em culpar os pais por serem
a raiz do nosso sofrimento. Como ratos a percorrer infinitamente o
mesmo labirinto, muitas pessoas passam décadas a repetir velhas
histórias de como os pais lhes falharam e tornaram as suas vidas
miseráveis. Ainda que as nossas velhas histórias nos possam
capturar, assim que desvendarmos as histórias mais profundas que
lhes estão subjacentes, estas terão o poder de nos libertar. A fonte
dessa liberdade está dentro de nós, simplesmente à espera de ser
explorada.
Pergunte-se: Rejeita, culpa ou julga algum dos seus pais por
algo que sente que ele ou ela lhe fez? Desrespeita um ou ambos
os seus pais? Isolou-se de algum deles?
Digamos que culpa ou rejeita a sua mãe. Digamos que a culpa
por não lhe ter dado o suficiente do que sente que devia ter
recebido. Se isto é verdade para si, já se interrogou também sobre
o que lhe aconteceu? Que acontecimento teve o poder de
interromper o fluxo de amor na vossa relação? Ocorreu algo que
vos separou, ou que a separou dos pais dela?
Talvez a sua mãe carregasse uma ferida da própria mãe e
fosse incapaz de lhe dar o que não recebeu. As suas capacidades
parentais estariam limitadas pelo que não recebeu dos pais.
Se rejeita a sua mãe, é provável que haja um acontecimento
traumático entre si e ela. Talvez a sua mãe tenha perdido um filho
antes do seu nascimento, ou dado uma criança para adoção, ou
perdido o seu primeiro amor num acidente de viação – o homem
com quem planeava casar. Talvez tenha perdido o pai quando era
nova ou o seu amado irmão tenha sido morto ao sair do autocarro
da escola. As ondas de choque de um tal acontecimento afetá-lo-
iam, mas o acontecimento efetivo nada teria diretamente que ver
consigo. Em vez disso, o trauma ocuparia o foco e a atenção da
sua mãe, por maior que fosse o amor dela por si.
Em criança, poderia vê-la como indisponível, egocêntrica ou
retraída. Poderia então rejeitá-la, levando a peito o seu
depauperado fluxo de amor, como se, de alguma forma, ela
tivesse tomado a decisão de lho negar. A verdade maior seria que
o amor por que ansiava não estava presente para a sua mãe lho
poder dar. Qualquer criança nascida em circunstâncias similares
receberia provavelmente o mesmo tipo de cuidado maternal.
Caso se tenha isolado da sua mãe, será possível que a culpe
por não ter respondido a todo o amor que lhe deu quando era
pequeno. Talvez estivesse deprimida e chorasse muito, levando-o,
talvez, a tentar fazê-la feliz com o seu amor. Talvez tenha cuidado
dela e tentado aliviar-lhe a dor. Talvez um dia se tenha apercebido
de que todos os seus esforços tinham fracassado, de que o seu
amor não podia fazer a sua mãe sentir-se melhor. E então
distanciou-se dela e culpou-a por não lhe dar o que precisava,
quando, na realidade, se sentia invisível por todo o amor que
dava, ou desanimado por o seu amor não poder ser correspondido
da mesma forma. Isolar-se pode ter sido a única opção que
conhecia. O isolamento pode fazer-nos inicialmente sentir livres,
mas é a falsa liberdade de uma defesa infantil. Em última
instância, acabará por limitar a nossa experiência de vida.
Talvez culpe ou julgue um dos seus pais por estar em guerra
com o outro, e por se ter sentido obrigado a tomar partido. Muitas
vezes, um filho será abertamente leal a um dos pais, mas
secretamente leal ao outro. O filho pode formar uma ligação
secreta ao progenitor rejeitado ou denegrido, adotando ou
imitando o que é entendido como negativo nesse progenitor.
Olhemos novamente para isso. As emoções, características e
comportamentos que rejeitamos nos nossos pais continuarão
provavelmente connosco. É a nossa forma inconsciente de os
amar, um modo de os trazer de volta às nossas vidas. Vimos como
esse padrão se desenrolou de forma inconsciente na vida de
Gavin.
Quando rejeitamos os nossos pais, não conseguimos ver os
aspetos em que somos semelhantes. Os comportamentos tornam-
se renegados em nós e são frequentemente projetados para as
pessoas que nos rodeiam. Por outro lado, podemos atrair amigos,
companheiros românticos ou parceiros comerciais que exibem os
mesmos exatos comportamentos que rejeitamos, proporcionando-
nos uma miríade de oportunidades para reconhecer e curar a
dinâmica.
A nível físico, a rejeição dos nossos pais pode ser sentida como
uma dor, uma tensão ou uma dormência no corpo. O nosso corpo
sentirá algum nível de inquietude até que sintamos o nosso
progenitor rejeitado de forma afetuosa.
Nem sequer precisamos de conhecer a história familiar exata
para entender o que desencadeou a rejeição. Nitidamente, algo
aconteceu que impediu que se tornassem próximos. Talvez a sua
mãe se sentisse desligada da sua própria mãe quando era nova,
ou talvez tenha perdido um irmão, ou sido deixada pelo grande
amor da sua vida. Pode não lhe revelar a sua história e pode
nunca a vir a saber. Ainda assim, curar a sua relação com ela
ajudá-lo-á a sentir-se mais pleno no seu interior. É óbvio que algo
aconteceu. É só isso que precisa de saber. E esse algo bloqueou o
seu coração ou o dela, ou ambos. A sua missão é religar-se ao
amor que sentia naturalmente por ela quando era pequeno. Deste
modo, poderá deixar ir o que talvez ande a carregar e que, na
realidade, é dela.
Curar a nossa relação com os nossos pais começa muitas vezes
com uma imagem interior. Às vezes, para podermos dar um passo
no mundo exterior, temos primeiro de dar um passo no mundo
interior. O que se segue é uma forma de pôr o processo em
marcha. Embora o exercício se foque na relação com a mãe, o
mesmo pode também ser feito visualizando o pai.

Visualizar a sua mãe e a sua história

Imagine que tem a sua mãe diante de si, a poucos passos de


distância. Verifique o seu interior. De que sensações se
apercebe? Agora, imagine que ela dá três grandes passos e
para muito perto de si, a centímetros do seu corpo. O que
acontece fisicamente no seu interior? O seu corpo abre-se,
contrai-se ou quer afastar-se? Se a sua resposta é que o seu
corpo se contrai ou quer afastar-se, é importante que perceba
que o trabalho de se abrir é agora responsabilidade sua, não da
sua mãe.
Agora, alargue a lente e pense novamente na sua mãe a vários
passos de distância. Desta vez, visualize-a rodeada por todos os
acontecimentos traumáticos que sofreu. Ainda que não saiba
exatamente o que lhe aconteceu, tem uma ideia da sua história
familiar e de que dificuldades poderá ter passado na vida. Tire
um momento para sentir realmente como deverá ter sido para
ela.

Feche os olhos.
Lembre-se de todas as histórias da sua mãe e deixe que
todas as tragédias de que tem conhecimento lhe acorram ao
pensamento.
Visualize a sua mãe enquanto jovem, criança ou até mesmo
bebé a contrair-se contra as vagas da perda, tentando
proteger-se das investidas da dor.
O que sente o seu corpo ao percecionar o que ela deve ter
sentido? Quais são as sensações e de onde brotam no seu
corpo?
Consegue sentir ou imaginar como deverá ter sido para ela?
Isso comove-o? Consegue sentir compaixão por ela?
No seu coração, diga-lhe: “Mãe, eu compreendo.”
Mesmo que não compreenda plenamente, repita as palavras.
“Mãe, eu compreendo.” Pondere juntar-lhe estas palavras:
“Mãe, tentarei aceitar o teu amor tal como ele é, sem o julgar
nem esperar que seja diferente.”
Qual é a sensação de o dizer?
O que acontece no seu corpo ao dizer-lhe isto?
Há alguma parte do seu corpo que se solta, abre ou lhe
parece mais branda?

Ter uma relação próxima com os nossos pais não só aumenta o


conforto e o apoio que sentimos na vida, como está também
correlacionado com uma boa saúde, tal como foi demonstrado. Os
resultados de um estudo longitudinal de trinta e cinco anos,
realizado na Universidade de Harvard, encontraram provas
convincentes de que a qualidade da relação com os nossos pais
pode afetar a nossa saúde em fases posteriores da vida.
Especificamente, foi pedido aos participantes que
descrevessem a sua relação com cada um dos pais utilizando a
seguinte escala: “muito próxima”, “cordial e amistosa”, “tolerante”
ou “tensa e fria”. Noventa por cento dos participantes que
afirmaram ter uma relação tolerante ou tensa com as mães foram
diagnosticados com um problema de saúde significativo (como
cancro, doença coronária, hipertensão, etc. ) durante a meia-
idade, comparativamente a 45% dos participantes – menos de
metade – que declararam ter uma relação cordial ou próxima com
as mães. Números similares foram reportados para os
participantes que descreveram a sua relação com os pais. Oitenta
e dois por cento dos participantes que declararam ter relações
tolerantes ou tensas com os pais tiveram problemas de saúde
significativos durante a meia-idade, comparativamente a 50% dos
que tinham relações cordiais ou próximas com eles. Se os
participantes tivessem uma relação tensa com ambos os pais, os
resultados eram alarmantes: 100% tinham problemas de saúde
significativos, em contraste com 47% que descreviam as suas
relações com os pais como cordiais e próximas.1
Outro estudo, realizado na Universidade Johns Hopkins, seguiu
mil e cem estudantes de Medicina do sexo masculino durante
cinquenta anos e descobriu que as taxas de cancro estavam
intimamente correlacionadas com o grau de distância que o
participante sentia em relação a um dos progenitores.2
Além de uma relação difícil com os nossos pais poder afetar a
nossa saúde física, a nossa relação inicial com a nossa mãe em
particular pode servir de modelo a partir do qual as nossas
relações posteriores são forjadas. A história que se segue mostra
como sentimentos não resolvidos em relação à nossa mãe podem
ser projetados para os nossos companheiros.

A história de Tricia
Todas as relações de Tricia eram de curta duração. Nenhuma
durava mais de um ou dois anos. Agora, estava prestes a deixar o
seu parceiro atual. “É frio e insensível”, queixava-se ela. “Nunca
está lá quando preciso.” Inconscientemente, Tricia descrevia a
mãe de forma similar. “É distante e emocionalmente inacessível.
Nunca pude recorrer a ela em busca de apoio. Nunca me amou
como eu precisava de ser amada.”
O facto de Tricia rejeitar a mãe estava por detrás dos seus
fracassos relacionais. O que tinha por resolver com a mãe
ressurgia inconscientemente com os parceiros, erodindo a ligação
que partilhavam e a intimidade que desejavam.
Tricia não conseguia identificar qualquer acontecimento
específico que explicasse o porquê de ter rejeitado a mãe. Não
obstante, no nosso trabalho em conjunto, revelou que a mãe
descrevia muitas vezes a sua própria mãe – a avó de Tricia –
como egoísta e emocionalmente inacessível. A história era assim:
em criança, a avó fora mandada viver com a tia após a morte da
mãe. Muitas vezes, sentia-se como uma intrusa na nova família,
tendo guardado o ressentimento durante a maior parte da vida.
Tricia entendia finalmente a fonte da falta de calor da mãe. Via
também pela primeira vez que também ela estivera apenas a
repetir um padrão familiar de filhas que não recebiam aquilo de
que precisavam das mães. Esse padrão repercutia-se na história
familiar desde há pelo menos três gerações.
Com um entendimento mais profundo dos acontecimentos
subjacentes à distância que sentia da mãe, Tricia afirmou sentir
compaixão por ela pela primeira vez. Reestabeleceu a relação
entre ambas e pôde sentir de imediato os efeitos dessa
reconciliação com o seu parceiro. Deu por si menos à defesa e
descobriu que podia manter-se aberta e presente – mesmo
durante os períodos difíceis que, no passado, a teriam feito sentir-
se ameaçada, recuar e retirar-se para dentro de si mesma.
Projeções que tinham estado veladas eram agora claramente
visíveis.
Se a relação com os seus pais é tensa, não se preocupe.
Ofereço-lhe ferramentas que o podem ajudar a reparar a ligação.
Será importante não esperar que os seus pais sejam diferentes de
quem são – a mudança ocorrerá em si. A dinâmica da relação
pode permanecer igual, mas a sua perspetiva será diferente. Não
se trata de se atirar imprudentemente para a frente de um
comboio em movimento; é mais uma questão de escolher o
melhor caminho para fazer a viagem.

3. Experienciou uma interrupção na ligação inicial à sua mãe?

Se rejeita a sua mãe, é possível que tenha experienciado uma


interrupção durante o vosso processo inicial de ligação. Nem todos
os que sofrem uma quebra no vínculo inicial rejeitam as mães. O
mais provável com uma interrupção durante esse período é que
sinta algum nível de ansiedade ao tentar ligar-se a um parceiro
numa relação íntima. Essa ansiedade pode traduzir-se em
dificuldades na manutenção de uma relação ou mesmo em não
querer de todo um relacionamento. Pode também traduzir-se na
decisão de não ter filhos. À superfície, poderá queixar-se de que
criar um filho exige demasiado tempo e energia. A um nível mais
profundo, poderá sentir-se mal preparado para proporcionar a
uma criança o que a si lhe faltou.
Uma interrupção no vínculo mãe-filho em gerações anteriores
pode também afetar a sua ligação à sua mãe. A sua mãe ou avó
sofreram alguma quebra no vínculo com as respetivas mães? Os
resíduos desses traumas precoces podem ser sentidos nas
gerações posteriores. Além disso, seria difícil para a sua mãe dar-
lhe o que não pôde receber da sua própria progenitora.
Se está de relações cortadas com os seus pais, ou se eles já
faleceram, pode nunca vir a saber a resposta a estas perguntas,
sobretudo se era muito novo quando a quebra ocorreu. As
interrupções precoces podem, geralmente, ser difíceis de
identificar, pois o cérebro não está preparado para recuperar as
nossas experiências desses primeiros anos de vida. O hipocampo,
a parte do cérebro associada à formação, organização e
armazenamento de memórias, só desenvolve plenamente as suas
ligações ao córtex pré-frontal (a parte do cérebro que nos ajuda a
interpretar as nossas experiências) algures a partir dos 2 anos de
idade. Em resultado, o trauma de uma separação precoce seria
armazenado como fragmentos de sensações físicas, imagens e
emoções, não como memórias claras passíveis de ser encaixadas
numa história. Sem a história, as emoções e as sensações podem
ser difíceis de compreender.

Algumas questões a colocar ao procurar um vínculo


interrompido

Aconteceu algo de traumático enquanto a sua mãe estava


grávida de si? Estava altamente ansiosa, deprimida ou
stressada?
Os seus pais estavam com dificuldades no relacionamento
durante a gravidez?
Teve um parto difícil? Nasceu prematuro?
A sua mãe sofreu de depressão pós-parto?
Foi separado da sua mãe pouco depois de nascer?
Foi adotado?
Sofreu um trauma ou uma separação da sua mãe durante os
primeiros três anos de vida?
Alguma vez foram hospitalizados e obrigados a estar
separados? (Talvez tenha passado algum tempo numa
incubadora, sido operado às amígdalas ou realizado algum
outro procedimento médico, ou a sua mãe tenha feito uma
cirurgia ou sofrido alguma complicação da gravidez, etc. )
A sua mãe sofreu algum trauma ou convulsão emocional
durante os seus primeiros três anos de vida?
A sua mãe perdeu algum filho ou alguma gravidez antes do
seu nascimento?
A atenção da sua mãe foi desviada para algum trauma
envolvendo um dos seus irmãos (um aborto tardio, um nado-
morto, uma morte, uma emergência médica, etc.)?

Por vezes, a quebra na ligação não é física. Às vezes, o que


experienciamos é mais uma quebra energética por parte da nossa
mãe. Pode estar fisicamente presente, mas emocionalmente
distante ou inconsistente. A presença e a constância que uma mãe
estabelece durante os primeiros anos de vida são fundamentais
para o bem-estar psicológico e emocional da criança. O
psicanalista Heinz Kohut descreve como “o brilho nos olhos da
mãe” ao olhar para o seu bebé é o veículo através do qual a
criança se sente validada e afirmada, podendo começar a
desenvolver-se de forma saudável.
Se experienciarmos uma quebra precoce na ligação à nossa
mãe, podemos ter de encaixar certas pistas decorrentes da sua
história, bem como da nossa própria. Teremos de olhar para trás e
perguntar: Terá algo de traumático acontecido à nossa mãe que
afetou a sua capacidade de ser gentil? Estava presente ou
preocupada? Havia uma desconexão na forma como nos tocava,
no modo como olhava para nós, no tom da voz quando nos
falava? Sinto dificuldade em criar laços numa relação? Isolo-me,
afasto-me ou evito a proximidade?
Suzanne, uma mulher de 30 anos, mãe de dois filhos, retraía-
se ante a ideia de ter uma relação fisicamente próxima com a
mãe. Desde que se lembrava, nunca gostara de ser abraçada por
ela. Suzanne revelou também que ela e o marido não eram
fisicamente afetuosos. “Os abraços tiram-nos a energia”, dizia.
Quando tinha nove meses, Suzanne passou duas semanas sozinha
no hospital com pneumonia, enquanto a mãe ficava em casa a
cuidar dos outros irmãos. Nessa altura, começou
inconscientemente a retrair-se. Ao rejeitar o afeto da mãe,
Suzanne estava apenas a proteger-se de ser novamente magoada
e abandonada. O mero facto de conseguir identificar a raiz da sua
repulsa relativamente à mãe foi crucial. A partir daí, Suzanne
conseguiu restaurar o vínculo que se quebrara entre ambas.
Após experienciar uma interrupção no vínculo, uma criança
pode mostrar-se hesitante ao chegar a altura de reestabelecer a
ligação com a mãe. A forma como esta ligação é restaurada pode
criar um modelo para a ligação e separação em relações futuras.
Se mãe e filho não reestabelecerem plenamente a ligação, o filho
pode manter-se hesitante ao tentar ligar-se a um parceiro numa
fase posterior da vida. A falha em reestabelecer o vínculo pode
gerar “uma inexplicável falta de proximidade [que] lança uma
sombra sobre as relações quotidianas”, refere o psicólogo David
Chamberlain. “A intimidade e a genuína amizade parecem
inalcançáveis.”3
Em pequenos, vemos a nossa mãe como o nosso mundo. Uma
separação dela é sentida como uma separação da vida.
Experiências de vazio e desconexão, sentimentos de impotência e
desespero, a crença de que há algo terrivelmente errado em nós
ou na própria vida – tudo isto pode ser gerado por uma separação
precoce. Demasiado novos para processar o trauma,
experienciamos emoções, crenças e sensações físicas que vivem
dentro de nós sem a história que as liga ao passado. São essas
experiências que infundem as muitas mágoas, perdas, desilusões
e desconexões com que nos deparamos ao longo da nossa vida.

As memórias negativas da infância

Muitos não conseguem ver para lá das imagens dolorosas da


infância, e são incapazes de recordar as coisas positivas que lhes
aconteceram. Na infância, vivemos tanto tempos inquietantes
como reconfortantes. No entanto, as memórias reconfortantes –
memórias de estar nos braços da nossa mãe enquanto ela nos
alimentava, limpava ou embalava até adormecermos – são muitas
vezes impedidas de emergir. Em vez disso, parecemos recordar
apenas as memórias dolorosas de não obter o que queríamos, de
não receber amor suficiente.
Há motivos para isso. Quando, em pequenos, sentíamos a
nossa segurança ou proteção ameaçadas, os nossos corpos
reagiam erguendo defesas. Essas defesas inconscientes tornam-se
então o nosso padrão, orientando a nossa atenção para o que é
difícil ou perturbador, em vez de registar o reconfortante. É como
se as memórias positivas vivessem do outro lado de um muro,
fora do nosso alcance. Capazes de residir apenas de um dos lados
do muro, acreditamos verdadeiramente que nunca nada de bom
nos aconteceu.
É como se tivéssemos reescrito a história, guardando apenas
as memórias que sustentam a nossa estrutura defensiva primitiva,
defesas que estão connosco há tanto tempo que se tornaram
parte de nós. Sob a barricada inconsciente que erigimos, jaz um
profundo desejo de sermos amados pelos nossos pais. No
entanto, muitos de nós já não conseguem aceder a esses
sentimentos. Pois, se recordássemos os momentos afetuosos e
ternos que partilhámos com os nossos pais, sentir-nos-íamos
vulneráveis e correríamos o risco de sermos novamente
magoados. Daí que as exatas memórias que nos poderiam trazer a
cura sejam as que inconscientemente bloqueamos.
Os biólogos evolutivos apoiam esta premissa. Descrevem como
a nossa amígdala utiliza cerca de dois terços dos seus neurónios a
procurar ameaças. Em resultado, os acontecimentos dolorosos e
assustadores são mais facilmente armazenados na memória de
longo prazo do que os acontecimentos agradáveis. Os cientistas
dão a este mecanismo padrão o nome de “viés da negatividade”, e
faz todo o sentido. A nossa própria sobrevivência depende de
sermos capazes de evitar possíveis ataques. “A mente é como
velcro para as experiências negativas”, diz o neuropsicólogo Rick
Hanson, “e como teflon para as positivas”.4

4. Identifica-se inconscientemente com um membro do seu sistema


familiar que não os seus pais?
Por vezes, a nossa relação com os pais é forte e afetuosa,
ainda assim vemo-nos incapazes de explicar os sentimentos
difíceis que carregamos. Muitas vezes, supomos que o problema
tem origem dentro de nós e que, se escavarmos suficientemente
fundo, descobriremos a sua fonte. Enquanto não desvendarmos o
verdadeiro evento gerador na nossa história familiar, podemos
reviver medos e sentimentos que não nos pertencem –
fragmentos inconscientes de um trauma –, e pensaremos que são
nossos.

A história de Todd

Todd tinha 9 anos quando começou a esfaquear o sofá com


uma caneta. Nesse ano, atacou um rapaz da vizinhança com um
pau, resultando num corte que exigiu quarenta pontos. Todd
passou os anos seguintes a receber medicação e tratamento
psicológico, mas os comportamentos agressivos continuaram. Só
quando o pai de Todd, Earl, me falou no seu próprio pai – um
homem que dizia abominar – é que a peça em falta no quebra-
cabeças se tornou visível.
O avô de Todd era um homem violento. Não só batia nos
filhos, como esfaqueou também mortalmente um homem numa
rixa de bar. Nunca foi apresentada qualquer acusação, tendo o avô
ficado livre para viver a vida como muito bem entendesse. Mas
não os seus descendentes; Todd, o seu neto, tornara-se o
inocente recetáculo de sentimentos que não eram seus. Partilhava
uma ligação inconsciente com o avô, ligação essa que teria
permanecido escondida se o pai de Todd não tivesse sondado o
passado da família.
Na nossa sessão conjunta, Earl revelou que também o pai do
seu pai assassinara um homem. E na geração anterior, o seu
bisavô fora assassinado, juntamente com vários membros da sua
família, por um latifundiário da cidade vizinha e os seus capangas.
O padrão começava agora a fazer sentido. Earl começou a ver que
o seu pai era apenas uma roda na engrenagem da violência
familiar.
Com a lente ampliada, Earl sentiu, talvez pela primeira vez na
vida, compaixão pelo pai. Disse-me que desejava que o pai ainda
estivesse vivo, para poder falar com ele sobre a história da família.
Earl foi para casa e partilhou o que sabia com Todd, que o ouviu
atentamente. Ambos sabiam intuitivamente que algo no contar e
receber levaria finalmente ao repouso. Essa perceção revelou-se
verdadeira. Cinco meses depois, Earl ligou-me a dizer que Todd
deixara a medicação e já não tinha comportamentos violentos.
Caso se identifique com alguém no seu sistema familiar,
provavelmente não tem consciência disso. As identificações são
inconscientes, pelo que é improvável que faça a ligação sozinho.
Jesse e Gretchen, que conheceu nas páginas iniciais deste livro,
também carregavam identificações com membros dos seus
sistemas familiares. Tal como Megan.

A história de Megan

Megan casou com Dean aos 19 anos e achava que essa relação
ia durar para sempre. Até que, um dia, quando tinha 25 anos,
olhou para ele do outro lado da mesa da cozinha e sentiu-se
entorpecer. Os sentimentos por Dean tinham desaparecido. No
espaço de semanas, Megan pediu o divórcio. Apercebendo-se de
que o súbito desaparecimento do seu amor por Dean parecia
aberrante, procurou ajuda.
Suspeitei que uma história de família estaria fora do seu
alcance e comecei a sondar. Ainda bem que assim foi. A ligação
que Megan não estabelecera era fácil de ver. A avó de Megan
tinha apenas 25 anos quando o marido, o amor da sua vida, se
afogou enquanto pescava no mar. Criou a mãe de Megan sozinha
e nunca voltou a casar. A súbita morte do marido era a grande
tragédia da família.
A história era tão familiar que Megan nem sequer considerara
os seus efeitos sobre ela. Assim que se apercebeu de que estava a
reviver a história da avó, a súbita solidão, a profunda perda e a
dormência, Megan começou a pestanejar e a franzir o rosto. Dei-
lhe todo o tempo de que precisava para assimilar a perceção. Ao
fim de longos segundos, surgiu uma série de respirações
aceleradas. Alguns minutos depois, a respiração começou a
alongar-se. Estava a juntar as peças. “Sinto-me estranhamente
esperançosa”, disse ela. “Tenho de dizer ao Dean.” Dias depois,
ligou-me a dizer que algo estava a mudar no seu interior; os
sentimentos por Dean estavam a regressar.
É importante reafirmar: nem todos os comportamentos que
expressamos têm realmente origem em nós. Podem facilmente
pertencer a familiares que nos precederam. Podemos estar apenas
a carregar os sentimentos por eles ou a partilhá-los. Chamamos a
isto “sentimentos de identificação”.
Identifica-se com um membro do seu sistema familiar?

Será possível que esteja a viver sentimentos,


comportamentos, sofrimentos, expiações e tristezas de
alguém que o precedeu?
Tem sintomas, sentimentos ou comportamentos difíceis de
explicar no contexto da sua experiência de vida?
A culpa ou a dor impediram algum familiar seu de amar
alguém ou de fazer o luto pela sua perda?
Alguém fez alguma coisa que tenha levado à sua rejeição por
parte da família?
Houve algum trauma na família (a morte prematura de um
pai, filho ou irmão, ou um abandono, homicídio, crime ou
suicídio, etc.), um evento demasiado terrível, doloroso ou
vergonhoso para ser discutido?
Poderá estar ligado a esse acontecimento, a viver uma vida
similar à da pessoa de que ninguém fala?
Poderá estar a reviver o trauma desse familiar como se fosse
seu?

Como os quatro temas são postos em marcha

Consideremos um cenário hipotético: primeiro, acontece uma


tragédia. O irmão mais velho de uma criança de 2 anos morre
subitamente, deixando para trás uns pais enlutados e uma criança
demasiado nova para entender o que aconteceu. É algo doloroso
de imaginar, mas, para o filho sobrevivente, este acontecimento
pode ativar um ou mais dos quatro temas. Por exemplo:
O filho pode rejeitar um dos pais. Na sua tristeza, qualquer
dos pais pode perder a vontade de viver. Talvez o pai ou a mãe
comecem a beber para entorpecer a dor ou comecem a passar
mais tempo longe de casa. Talvez estarem juntos só intensifique a
dor que não podem tolerar. Talvez se culpem por algo que
acreditam ter contribuído para a morte do filho. Ou se culpem
secretamente um ao outro. Acusações como “não chamaste o
médico certo” ou “devias tê-lo vigiado com mais atenção” podem
fermentar sob a superfície, mas provavelmente sem ser
proferidas. Em todo o caso, o filho sobrevivente sentirá a espiral
de emoções dos pais. As fúrias, as autorrecriminações, os
bloqueios – poder-lhe-á parecer que o mundo desabou ou
desapareceu subitamente. Em resposta, a criança pode afastar-se
ou blindar o corpo contra os sentimentos avassaladores numa
tentativa de se proteger. Com 2 anos, não entenderia a dimensão
da tragédia. A perda da atenção dos pais parecer-lhe-ia confusa –
talvez até potencialmente fatal. Mais tarde, poderá culpá-los pela
mágoa ou distância que sentiu, sem levar em conta o que
aconteceu e como deve ter sido para eles.

O filho pode sofrer uma interrupção no vínculo com a


mãe. O choque da morte do irmão mais velho provavelmente
partiria o coração da mãe. Desamparada e em desespero, poderia
desaparecer durante semanas ou meses no seu luto,
fragmentando o delicado vínculo energético partilhado com o filho
de 2 anos. Um acontecimento assim perturbaria a ligação
experienciada pela criança até esse momento e interromperia o
crucial desenvolvimento neurológico a ter lugar no seu corpo e no
seu cérebro de 2 anos. Nessa idade, não compreenderia a
enormidade da tragédia por detrás do desvio da atenção da mãe.
Sentiria apenas que a luz da mãe lhe estava apontada num
momento e apagada no seguinte. Químicos destinados a pô-lo em
alerta disparariam no seu corpo, mantendo-o em guarda. Poderia
então passar a desconfiar dela, temendo a sua inconsistência,
receoso da possibilidade de ela voltar a “desaparecer” a qualquer
momento.

O filho pode fundir-se com a dor da mãe ou do pai. Com


o filho mais velho morto, o filho vivo pode sentir o peso da dor da
mãe ou do pai como se fosse seu. Os efeitos de cascata do luto
podem endurecer toda a família. Numa tentativa cega de aliviar a
dor dos pais, o filho poderá tentar carregar a depressão da mãe
ou a tristeza do pai como se tivesse algum tipo de poder mágico
para as eliminar. Será quase como se estivesse a dizer: “Mãe, pai,
se eu carregar a dor convosco, ou se a carregar por vós, isso far-
vos-á sentir melhor.” Esta tentativa, claro, não será bem-sucedida.
Só prolongará a dor para a geração seguinte.
Os filhos que partilham da dor dos pais fazem-no geralmente
de forma inconsciente. Atuam a partir da fantasia cega de que
podem salvar os progenitores. Instintivamente leais, os filhos
repetem muitas vezes as tristezas dos pais e revivem os seus
infortúnios. Estes laços de lealdade, como Hellinger lhes chama,
podem então ser transportados através de várias gerações,
transformando o legado familiar numa herança de infelicidade.

O filho pode identificar-se com o irmão morto. Quando


uma criança morre, um manto de tristeza envolve a família. As
intoleráveis vagas de dor bloqueiam as expressões de vida e
felicidade. O filho vivo pode até começar a andar em bicos de pés
em torno dos pais enlutados para não os perturbar ainda mais.
Numa tentativa de evitar a dor e a falta de sentido da morte, os
familiares podem tentar não pensar na criança morta e até resistir
a proferir o seu nome. Deste modo, o filho morto é excluído,
criando terreno fértil para que uma identificação enraíze.
Hellinger ensina que um filho mais tardio no sistema (ou até
um da geração seguinte) pode expressar o que uma família
suprimiu. Isso significa que o filho vivo pode dar por si a sentir-se
deprimido ou sem vida, separado da sua essência como se não
existisse, à semelhança da forma como a família encara o irmão
morto. O filho vivo pode sentir-se ignorado ou invisível na família,
ou que não tem importância ou não interessa. Pode até começar a
assumir características do irmão morto, expressando facetas do
seu género, personalidade, doença ou trauma. Inconscientemente
identificado com ele, pode ver o seu entusiasmo diminuído, a
quantidade de força vital que assimila limitada. Pode parecer que,
unido ao seu irmão morto numa solidariedade silenciosa, o filho
vivo diz: “Já que não pudeste viver, não viverei plenamente.”
Em tempos, trabalhei com uma mulher que nascera menos de
um ano após o seu irmão mais velho ter nascido morto. À criança
morta não foi dado um nome nem um lugar na família. A família
reivindicava apenas dois filhos – a minha cliente e a sua irmã mais
nova. A minha cliente dizia ter apenas uma irmã. Ainda assim,
sofria com sentimentos de falta de pertença. “Sinto-me uma
intrusa nesta família”, dizia. “É como se não tivesse lugar.” Apesar
de não haver forma de provar que tal era verdade, parecia
carregar a experiência do irmão mais velho de ser excluído da
família. Após trabalharmos juntos, disse que o sentimento de não
pertencer se dissolvera.
Identificações como estas podem alterar significativamente o
rumo das nossas vidas. Incautos e inconscientes, revivemos
aspetos dos nossos traumas familiares com consequências
alarmantes. Estas experiências não são invulgares. Muitos de nós
vivem em inadvertida solidariedade com familiares que sofreram
traumas difíceis. Quando o sofrimento nos confunde, temos de
perguntar a nós mesmos: De quem são realmente os sentimentos
que estou a viver?

As quatro ferramentas do mapa da linguagem


nuclear

Um dos maiores entraves à resolução de traumas é que a fonte


se mantém muitas vezes longe da vista. Sem um contexto para
entendermos os nossos sentimentos, não sabemos muitas vezes
quais os próximos passos a dar. A linguagem nuclear pode tornar
visível a origem de um trauma para que nos possamos desenredar
das formas como talvez tenhamos vindo a reviver o passado.
Nas páginas que se seguem, começará a construir o seu mapa
da linguagem nuclear. Seguirá um processo passo a passo que
utiliza a sua linguagem, as palavras que profere, para o ajudar a
atingir a fonte de sentimentos que talvez lhe tenham parecido
difíceis de explicar.
Existem quatro passos para a construção do seu mapa da
linguagem nuclear. Em cada passo ser-lhe-á dada uma nova
ferramenta. Cada uma tem como objetivo extrair novas
informações. As ferramentas são as seguintes:

1. A queixa nuclear
2. Os descritores nucleares
3. A frase nuclear
4. O trauma nuclear

No próximo capítulo, aprenderá a procurar pistas nas palavras


da sua queixa nuclear. Aprenderá a analisar e a decifrar o que lhe
pertence e o que provém da sua história familiar. Ao fazê-lo,
começará a quebrar o êxtase dos traumas do passado e a
aprender a situar os sentimentos e os sintomas a eles associados
no seu devido contexto histórico.
Capítulo 6
A queixa nuclear
Quando uma situação interior não é tornada
consciente, acontece no exterior como destino.
– Carl Jung, Aion: Researches into the Phenomenology of the Self

As palavras que utilizamos para descrever as nossas


preocupações e lutas podem dizer mais do que pensamos. Mas
poucos de nós se lembram de olhar para lá. Neste capítulo,
começará a construir o seu mapa da linguagem nuclear. Aprenderá
a seguir as suas palavras à medida que estas formam um rasto de
pistas capaz de o guiar até à origem dos seus medos. Ao longo
deste caminho verbal, a queixa nuclear será a primeira paragem.
Pode ser uma arca do tesouro de riquezas inexploradas. A sua
queixa nuclear pode até conter as sementes da resolução que
procura. Só tem de olhar para o interior.
Para ouvir a queixa nuclear na nossa linguagem quotidiana,
procuramos o mais profundo fio de emoção no tecido das palavras
que dizemos. Atentamos às palavras cuja repercussão emocional é
mais forte. Às vezes, há um medo debilitante que nos mantém
prisioneiros. Outras vezes, há uma natureza urgente em algo que
é pedido ou solicitado. Outras ainda, há apenas uma grande dor.
Sempre que Bob, um engenheiro de estruturas de 52 anos, se
sente ansioso e sozinho, queixa-se assim: “Porque será que todos
me deixam sempre? Porque é que não sou suficientemente bom?”
Por vezes, ouvimos palavras ou frases que parecem ter vida
própria. Na sua queixa, Joanne disse que a mãe a referia sempre
como a “abjeta desilusão” da família. A sua principal queixa era de
que ela e a mãe não eram próximas e a distância e as palavras
duras entre ambas tinham sido fonte de grande dor e vazio para
ela.
Ao descascar as camadas de dor geracional, entendeu que era
a sua avó – e não ela – quem se sentia como a “abjeta desilusão”
da família.
A história era esta: a avó era uma rapariga de 15 anos
apaixonada por um homem casado na sua pequena aldeia
irlandesa. Engravidou e o homem recusou-se a assumir a
responsabilidade. Expulsa de casa, a avó viveu o resto da vida em
vergonha, a limpar casas e a criar a única filha como mãe solteira.
Nunca casou e nunca superou a sensação de que, ao ter uma filha
ilegítima, causara vergonha à família.
Apesar de as palavras “abjeta desilusão” nunca terem sido
proferidas pela avó, repercutiram-se para as três mulheres. A avô
viveu estas palavras ao ser banida da família. A filha viveu-as ao
sentir que destruíra a vida da mãe ao nascer fora do casamento.
Duas gerações depois, a neta partilhava as emoções, sentindo que
era uma desilusão para a mãe.
Ao serem exploradas, as palavras “abjeta desilusão” na queixa
nuclear da neta trouxeram-lhe tranquilidade e compreensão.
Começou a entender que a invetiva da mãe nunca se destinara
pessoalmente a ela, apesar de as palavras lhe terem sido
dirigidas. Agora, ao ouvi-las, as palavras evocavam sentimentos de
amor e compaixão pela mãe e pela avó, e pelo que devia ter sido
uma vida difícil para elas na Irlanda.
Ao analisar a queixa nuclear, não olhamos apenas para a nossa
linguagem oral, observamos também a nossa linguagem somática
ou do nosso corpo físico. Prestamos ainda particular atenção aos
sintomas e comportamentos que temos e que se destacam como
idiossincráticos ou invulgares. No exemplo que se segue, Carson,
um bombeiro de 26 anos, expressava o seu medo tanto física
como verbalmente.
Carson tinha 24 anos quando o seu carro bateu numa barreira
de proteção e quase caiu por uma falésia. Num instante,
recuperou o controlo do veículo e seguiu caminho em segurança
até ao destino, mas a sensação de ter qualquer controlo sobre a
sua vida desapareceu. A partir desse dia, Carson começou a sofrer
de ataques de pânico diários. Associada a sensações de tremura e
vertigem estava uma clara sensação de que, se morresse, a sua
vida não teria servido de nada. As palavras da sua queixa nuclear
eram estas: “Se eu morrer, não deixarei qualquer legado. Ninguém
se lembrará de mim. Desaparecerei por completo, como se nunca
tivesse existido. Não serei recordado de forma positiva.” O que os
pesares de Carson tinham de estranho era pertencerem a um
homem de 26 anos. A vida de Carson ainda mal começara, mas ali
estava ele, já a lamentar uma vida de arrependimento. Algo
estava claramente desajustado.
Ao examinarmos as palavras de uma queixa nuclear, confiamos
implicitamente nelas. Nem sempre, porém, confiamos no
contexto. As palavras em si são geralmente verdadeiras para
alguém – mas não necessariamente para nós. Descobrir quem é
esse alguém exige espreitar para trás da cortina da nossa história
familiar.
Para Carson, esse alguém em falta era o pai. Após um
tumultuoso divórcio da mãe, foi pedido ao pai de Carson que
renunciasse aos direitos parentais sobre o filho, então com 4 anos.
Após uma longa e infrutífera batalha pelo direito de guarda, o pai
acabou por ceder. Carson nunca mais voltaria a ver o pai. Não só
a mãe falava de forma depreciativa dele, como Carson foi também
adotado pelo novo marido, recebendo o nome do novo homem da
sua mãe.
Olhemos novamente para a linguagem nuclear da queixa
nuclear de Carson: “Não deixarei qualquer legado. Ninguém se
lembrará de mim. Desaparecerei por completo, como se nunca
tivesse existido. Não serei recordado de forma positiva.”
A história de Carson assume agora uma nova luz. Fundido com
a realidade do pai de ter perdido o “legado” vivo – o seu filho –,
Carson encontrara uma forma secreta de se unir ao pai ausente.
Partilhava os sentimentos da experiência dolorosa do pai, temendo
desaparecer também subitamente e ser esquecido.
Após descobrir a raiz da queixa nuclear, Carson tomou a
decisão de localizar e reestabelecer contacto com o pai. O pai
saíra do estado e tinha três filhos com uma segunda mulher, mas
ficou extasiado ao ter notícias de Carson. O vazio de perder o seu
primeiro filho vinte anos antes permanecera com ele, “abrindo um
buraco”, como descreveu a Carson, no seu coração. Algo tangível,
ainda que profundamente submerso, também permanecera no
interior de Carson. Era o seu amor pelo pai.
Como diz o ditado, a história é escrita pelos vencedores,
redigida pelos que ficam para a contar. Por mais enviesada ou
parcial que seja a história, muitos de nós raramente pensam em
questionar como seria essa história se fosse contada pelo outro
lado. No caso de Carson, foi a mãe a vencedora, e o pai o vencido,
a julgar pelo facto de não ter estado lá para criar o filho. Ambos
os pais tinham lutado pela guarda da criança, mas, por razões
desconhecidas, o pai perdeu.
Carson deu-se conta de que anos de histórias negativas que a
mãe lhe contava sobre o pai tinham encoberto as primeiras
memórias dele. Ao longo dos meses seguintes, Carson e o pai
criaram novas memórias, fazendo várias viagens que envolviam
campismo e pesca nas montanhas que frequentavam quando
Carson era pequeno. Durante esse tempo, os ataques de pânico
de Carson desapareceram por completo. Pai e filho começaram a
forjar um novo e substancial legado juntos.
Agora, eis o seu primeiro exercício de escrita. Agarre numa
caneta e em papel ou num caderno e vamos começar.

Exercício de escrita n.º 1:


Investigar a sua queixa nuclear

1. Concentre-se num problema que neste momento seja de


grande urgência na sua vida. Pode ser um problema de
saúde, com o seu emprego, com a sua relação – qualquer
situação que perturbe a sua sensação de segurança, paz,
proteção ou bem-estar.
2. Qual é o aspeto mais profundo que quer curar? Talvez seja
um problema que lhe parece avassalador. Talvez um sintoma
ou sentimento que teve durante toda a vida.
3. O que quer ver mudar?
4. Não se edite.
5. Escreva o que lhe parecer importante.
6. Escreva-o à medida que lhe surgir. Pode, por exemplo,
carregar o medo de que algo terrível lhe vá acontecer no
futuro. Não importa o que lhe sai; continue simplesmente a
escrever.
7. Se não lhe ocorrer nada, responda a esta pergunta: se o
sentimento, sintoma ou condição que tem nunca
desaparecesse, o que temeria que lhe pudesse acontecer?
8. Não continue a ler até ter escrito a sua preocupação mais
premente.

Agora, olhe para o que escreveu. Ao lê-lo, não o faça com


tanto cuidado que acabe por se deixar dominar. Não se deixe
enredar pelas palavras ou pelos sentimentos. Observe tudo com
leveza, sem sentir as emoções. Procura palavras ou frases que se
destaquem como invulgares ou peculiares. Por exemplo, que
palavras ou frases diz sempre, ou talvez nunca tenha dito antes
deste exercício de escrita? Que linguagem se parece destacar?
Que linguagem pede para ser notada?
Agora, leia novamente. Mas, desta vez, leia em voz alta para si
mesmo. Tente ouvir com um novo ouvido que escuta sem sentir
emoções. Chamo a este tipo de escuta “ouvir com o nosso
metaouvido” ou “ouvir com o nosso terceiro ouvido”. Que palavras
ou frases têm uma qualidade urgente? Que palavras têm uma
forte repercussão emocional ou uma sensação dramática? Que
palavras têm uma sensação de estranheza ou peculiaridade? Que
palavras podem não encaixar totalmente no contexto da sua
experiência de vida?
Veja se consegue ouvir o que escreveu como se estivesse a
ouvir outra pessoa. Talvez as palavras pertençam realmente a
outrem e tenha estado apenas a dar-lhes voz. Talvez as palavras
pertençam a alguém da sua família que estava traumatizado e não
as podia dizer em voz alta. Talvez, através das suas queixas,
esteja a contar a história dessa pessoa, tal como Carson partilhava
a angústia do pai.
Escute o mais profundamente possível para que algo na escrita
o agarre. Neste tipo de escuta, está a ouvir abaixo da linha da
história para que o essencial apareça. Caso se perca nos
elementos emocionais da história, poderá não ouvir a queixa
nuclear.
Eis como Bert Hellinger descreve este tipo de escuta:

Vou descrever o que acontece quando


estou a trabalhar com alguém. Ter-me-á dito
algo sobre si mesmo e eu terei ouvido apenas
metade. Não quero ouvir exatamente o que
está a dizer ou saber exatamente o que está a
dizer. Portanto, não ouço cuidadosamente ao
ponto de ter de me concentrar, mas apenas o
suficiente para poder, ao mesmo tempo,
manter-me de olho no quadro mais vasto.
Então, de repente, ele diz uma palavra e isso
alerta-me… De repente, sob tudo o que ele me
disse está uma palavra que me fala. Essa
palavra tem energia. E sem saber ao certo o
que vou fazer, sei que é esse o lugar onde
posso fazer algo. Se permitir que essa palavra
exerça o seu efeito sobre mim, obterei uma
ideia das pessoas que são necessárias para a
[resolução].1

Sandy: “Vou morrer”


Acompanhe-me agora, enquanto dissecamos a queixa nuclear
de uma mulher a quem chamarei Sandy. Tal como Gretchen,
também Sandy fora uma criança com uma história radicada no
Holocausto. Enquanto filha de um sobrevivente do Holocausto,
Sandy queria ajuda para entender o seu avassalador medo da
morte, pelo que explorámos alguma da sua linguagem nuclear.
Descrevia o seu medo como “não da morte em si, mas de
saber que vou morrer e não posso fazer nada para o impedir. Está
totalmente fora do meu controlo”.
Sandy queria também ajuda em relação ao seu medo
debilitante de espaços fechados, que a impedia de viajar de avião
e usar o elevador. Sempre que a porta de um elevador se fechava
ou o avião se enchia de pessoas, sempre que havia “uma multidão
entre mim e a saída”, instalava-se um pânico profundo. A sua
queixa nuclear dizia tudo: “Não consigo respirar. Não consigo sair.
Vou morrer.”
Sandy tinha 19 anos quando a claustrofobia e a sensação de
não conseguir respirar começaram. O pai tinha também 19 anos
quando ambos os pais e a irmã mais nova foram asfixiados na
câmara de gás, em Auschwitz. Os sintomas de Sandy pioraram
após a morte do pai, dez anos antes. Apesar de me parecer óbvio
que havia uma ligação – dado que trabalhei com muitos
descendentes de vítimas e sobreviventes do Holocausto –, Sandy
nunca tinha feito essa associação. Carregava o terror e o pânico
dos avós e da tia. Talvez carregasse até a culpa do pai por ter sido
o único membro da família a sobreviver.
Olhe novamente para a linguagem nuclear de Sandy: “Sei que
vou morrer e não posso fazer nada para o impedir. Está
totalmente fora do meu controlo.”
Nitidamente, os avós e a tia ter-se-iam sentido assim ao viver
no campo de extermínio ou ao serem conduzidos à câmara de
gás.
Uma vez no interior da câmara de gás, qualquer um deles
poderia ter sentido “uma multidão entre mim e a saída”. Depois,
naturalmente, ter-se-ia instalado um pânico incomensurável. A
linguagem nuclear de Sandy revelava o trágico desfecho: “Não
consigo respirar. Não consigo sair. Vou morrer.” A ligação era agora
óbvia para Sandy. O pânico dos seus antepassados vinha a
expressar-se no seu interior. Apesar de saber dos acontecimentos
trágicos na família, nunca fizera a ligação de que podia ser a
portadora de sofrimento que não lhe pertencia. Agora era claro.
Na nossa sessão juntos, pedi a Sandy que visualizasse a tia e
os avós à sua frente. Pedi-lhe que tivesse uma conversa com eles.
Seguindo as minhas sugestões, Sandy disse-lhes: “Tenho estado
aterrorizada, tal como vocês. E vejo que este terror nem sequer
me pertence. Entendo que não vos ajuda quando o carrego, e
certamente não me ajuda. Sei que não é isto que querem para
mim. E sei que vos pesa verem-me assim ansiosa. Em vez disso,
deixarei estes sentimentos de ansiedade convosco, avô, avó e tia
Sarah.” Surgiram-lhe lágrimas nos cantos dos olhos ao imaginar os
três a sorrirem-lhe e a darem-lhe a sua bênção para ser feliz.
Sandy imaginou o seu corpo a encher-se do amor que eles lhe
enviavam. Finalmente capaz de identificar a origem da
claustrofobia e do medo da morte, Sandy pôde sentir o peso dos
seus medos dissipar-se.

Lorena: “Vou enlouquecer”


Muitos carregam o medo de que algo horrível lhes aconteça no
futuro. Esse medo revela-se muitas vezes na queixa nuclear.
Lorena tinha 19 anos e sofria de ansiedade e ataques de
pânico em situações sociais. Descrevia sensações de estar
“encurralada” e ser incapaz de “fugir” sempre que estava com
amigos. A primeira vez que se tinha dado conta da ansiedade fora
três anos antes, numa altura em que se debatia com uma teimosa
infeção urinária. Lembrava-se de ter andado de médico em
médico; nenhum dos medicamentos que lhe receitavam parecia
ajudar com os sintomas.
Lorena descreveu-me a parte mais terrível de ter a infeção
urinária. O maior medo era que nada nem ninguém a pudesse
ajudar e que a infeção nunca desaparecesse. A infeção urinária
acabou por desaparecer, mas a ansiedade continuou a aumentar.
Eis como a nossa conversa se desenrolou:

MARK: E se a infeção urinária nunca


desaparecesse?
LORENA: Sentiria dores. Ficaria deprimida.
Estaria constantemente a ir a médicos. Ficaria
restringida. Não seria feliz. Não seria bem-
sucedida. Estaria constantemente ansiosa.
Seria uma falhada.

Ao ouvir a linguagem nuclear de Lorena, há alguma palavra


que sobressaia para si? Que tal as palavras “restringida” e
“falhada”? Veja como essas palavras nos querem levar numa nova
direção, para lá da infeção urinária. Vamos, por um momento,
suspender quaisquer ideias que possamos ter sobre Lorena e a
sua infeção urinária, e deixar que a energia das suas palavras nos
guie.
Lorena estava a aproximar-se da sua linguagem nuclear, mas
ainda não estava totalmente lá. Para a ajudar a ir mais fundo,
pedi-lhe que descrevesse a pior coisa que podia acontecer a outra
pessoa. Quando chegamos a um impasse na tentativa de articular
o nosso maior medo, é muitas vezes útil dar alguns passos atrás e
imaginar o pior que poderia acontecer a outra pessoa que não
nós. Veja o que emergiu para Lorena.

MARK: Qual é o pior que poderia acontecer


a alguém – a outra pessoa, não a si?
LORENA: Não ser bem-sucedido. Não ser
feliz. Não ser capaz de fazer aquilo que quer.
Enlouquecer. Tornar-se um eremita. Acabar
numa instituição psiquiátrica e eventualmente
cometer suicídio.

E que tal o sumo destas palavras? “Enlouquecer”, “acabar


numa instituição psiquiátrica”, “cometer suicídio”.
Agora, juntemos tudo e vejamos o que obtemos. Temos uma
“falhada” que está “restringida”, que “enlouquece” e que “acaba
numa instituição psiquiátrica”, onde “eventualmente comete
suicídio”. Talvez se interrogue sobre de onde vem toda esta
informação. Vamos descobrir.
Ao descascar as camadas por detrás da queixa nuclear, Lorena
desvendou o seu medo mais profundo e entrou diretamente na
sua frase nuclear. Aprenderá mais sobre a frase nuclear no
Capítulo 8.
Frases nucleares de Lorena: “Serei uma falhada. Vou
enlouquecer, acabar numa instituição psiquiátrica e eventualmente
cometer suicídio.”
No processo de seguir o seu mapa da linguagem nuclear,
Lorena descobriu ainda um trauma crucial na sua história familiar.
Vamos abrir o álbum de família de Lorena e deixar que as
palavras do seu maior medo nos guiem. As palavras do maior
medo podem transformar-se numa questão da história familiar
que nos leva à próxima paragem no nosso mapa da linguagem
nuclear. Dou a esse tipo de questão o nome de pergunta de
ligação.
Pergunta de ligação de Lorena: “Havia alguém na sua
família que fosse visto como um falhado que acabou numa
instituição psiquiátrica e cometeu suicídio?”
Bingo! O avô de Lorena, pai da sua mãe, era desrespeitado e
visto como o falhado da família. Passava a vida a entrar e sair de
instituições psiquiátricas. Acabou por se suicidar enquanto estava
institucionalizado. Na geração seguinte, também a tia de Lorena,
irmã mais velha da mãe, fora rejeitada pela família como “a
falhada louca”. Também ela estava constantemente a entrar e sair
de instituições psiquiátricas. A família, envergonhada com o
comportamento desta tia, raramente a mencionava. Sem o admitir,
esperavam que cometesse suicídio, tal como o pai.
Quando membros da família levam vidas infelizes ou sofrem
um destino extremamente difícil, é muitas vezes mais fácil rejeitá-
los do que sentir a dor de os amar. A raiva é frequentemente uma
emoção mais fácil de sentir do que a tristeza. Parece ter sido esse
o caso no que toca à forma colérica como a família tratou esta
irmã. Era mais fácil rejeitá-la do que amá-la.
Tal como aprendemos no Capítulo 3, os destinos dos familiares
rejeitados são frequentemente repetidos. Foi o que aconteceu com
o rejeitado avô “falhado” e, na geração seguinte, com a rejeitada
tia “falhada”. Agora, Lorena estava em linha para formar um trio
de “falhados” e prolongar a dor para uma terceira geração.
Um suicídio na família pode ser algo extremamente difícil de
chorar. Os familiares sentem-se muitas vezes zangados com a
pessoa que tirou a própria vida por ter partido de forma tão
trágica. Além disso, as consequências do suicídio – vergonha,
embaraço, imagens horríveis, assuntos por resolver, dívidas
financeiras, incertezas religiosas – são deixadas para a família
enfrentar.
O destino de Lorena estava à porta, mas não estava ainda
escrito na pedra. Assim que entendeu que os medos que
carregava não tinham origem nela, pôde deixá-los com os
legítimos donos. Pedi-lhe que visualizasse o avô e a tia à sua
frente. De forma espontânea, Lorena expressou sentimentos
genuínos de amor por ambos. Imaginou que a estavam a apoiar
para que ficasse bem, e que podia simplesmente expelir a
ansiedade do corpo e enviá-la de volta para eles. Respirou durante
vários minutos, dizendo que o seu corpo lhe parecia mais leve e
em paz. Pediu a ambos as suas bênçãos para que pudesse ter
uma vida feliz, apesar de eles não a terem tido. Viu que não servia
de nada carregar a ansiedade por eles e que fazê-lo apenas
causava mais dor à família. Prometeu a ambos que deixaria de o
fazer, e imaginou uma futura situação angustiante em que poderia
exalar qualquer ansiedade residual de volta para eles. Após uma
sessão, Lorena estava livre do pânico que a vinha a consumir.
Quando me perguntam de que forma se relacionam os estudos
emergentes sobre neuroplasticidade com a minha própria
experiência clínica, penso muitas vezes em Lorena. A capacidade
que demonstrou de passar de um estado predominantemente
ansioso para um mais tranquilo e equilibrado ilustra bem o modo
elegante como a história familiar pessoal e a consciência atual
podem convergir. Uma vez estabelecidas as ligações essenciais, e
depois de praticarmos a concentração nas nossas imagens e
experiências curativas, lançamos as bases para novas vias neurais.
A cura pode então ser surpreendentemente eficaz.

A linguagem nuclear como bússola

Por vezes, a linguagem nuclear da nossa queixa nuclear é tão


imperiosa que nos obriga a escavar os cemitérios familiares em
busca de respostas. Frequentemente, porém, a história familiar
que procuramos não está facilmente acessível. Mascarada pela
vergonha, repelida pela dor ou protegida na forma de um segredo
de família, essa informação não será provavelmente discutida à
mesa de jantar. Às vezes, conhecemos a história traumática por
detrás do nosso problema. Simplesmente, nem sempre fazemos a
ligação às nossas experiências presentes.
A linguagem nuclear da nossa queixa nuclear pode guiar-nos
como uma bússola através de gerações de angústia familiar
inexplicada. Aí, um acontecimento traumático pode estar à espera
de ser recordado e explorado, para que finalmente lhe possa ser
dado repouso.
O que se segue é uma lista de perguntas que o podem ajudar
a desvendar parte da linguagem nuclear da sua queixa nuclear.
Responda a cada pergunta com o maior pormenor possível.
Mantenha uma mente aberta. Não edite as respostas. As
respostas a estas perguntas podem iluminar uma ligação entre um
problema atual e um trauma na sua história familiar.

Exercício de escrita n.º 2:


Dez perguntas que geram linguagem nuclear

1. O que estava a acontecer na sua vida quando o seu sintoma


ou problema surgiu pela primeira vez?
2. O que se passava mesmo antes de começar?
3. Que idade tinha quando o sintoma ou problema surgiu pela
primeira vez?
4. Aconteceu algo traumático a alguém da sua família numa
idade similar?
5. O que acontece ao certo no problema?
6. Qual é a sensação durante os seus piores momentos?
7. O que acontece mesmo antes de se sentir assim ou de ter
esse sintoma?
8. O que o faz melhorar ou piorar?
9. O que o impede o problema ou sintoma de fazer? O que o
obriga a fazer?
10. Se o sentimento ou sintoma nunca desaparecesse, qual seria
o pior que lhe poderia acontecer?

Agora, leia o que escreveu. Eis alguns temas que verifiquei que
se repetem nas famílias. Reconhece algum dos seguintes temas
na sua?
• Linguagem que se repete:
Existe alguma linguagem que não pareça
enquadrar-se no contexto da sua experiência
de vida? Se sim, poderá essa linguagem
pertencer a alguém da sua família?

• Idades que se repetem:


Há alguma ligação entre a idade que tinha
quando o seu sintoma ou problema surgiu pela
primeira vez e a idade com que um membro
da sua família passou dificuldades ou sofreu?
Se, por exemplo, um dos seus pais tiver
morrido jovem, pode desenvolver um
problema ou sintoma que limita, de algum
modo, a sua vida ao atingir a mesma idade do
seu falecido progenitor. Inconscientemente,
pode ser difícil para si ser feliz ou viver
plenamente para lá da idade com que essa
pessoa morreu. O seu problema ou sintoma
pode até ocorrer quando o seu filho atingir a
idade que tinha quando o seu progenitor
faleceu.

• Eventos que se repetem:


Às vezes, um medo, ansiedade ou outro
sintoma surge inesperadamente quando
atingimos um determinado marco nas nossas
vidas. Casamos ou temos um filho. Somos
rejeitados pelo nosso parceiro ou saímos de
casa dos nossos pais. Então, de repente, como
se um despertador ancestral começasse a
tocar dentro de nós, um sintoma começa a
aparecer. Quando isto acontece, temos de nos
perguntar: Terá alguém da nossa família
sofrido ou passado por dificuldades similares
ao viver um evento parecido?

• Emoções, comportamentos e sintomas que se


repetem:
Pense bem. O que pôs o seu problema ou
sintoma em marcha? O que se passava em
pano de fundo? Alguém o deixou? Sentiu-se
desprezado, rejeitado ou abandonado?
Aconteceu-lhe algo que o fez ter vontade de
se render ou desistir? O seu problema ou
sintoma imita ou recria determinada
experiência ou situação dos primórdios da sua
infância? É de algum modo similar a algum
acontecimento na sua história familiar?
Assemelha-se a algo que tenha acontecido à
sua mãe, ao seu pai, à sua avó ou ao seu avô?

As respostas a estas perguntas podem revelar pistas


significativas para desvendar uma ligação familiar.

Queixas e sintomas como pistas para a resolução


Que qualidade específica ou mensagem essencial está a queixa
ou o sintoma a tentar expressar? Vista de fora da caixa, a sua
queixa ou o seu sintoma podem ser uma expressão criativa que o
leva a completar algo, curar algo, integrar algo ou separar-se de
algo – talvez de um sentimento que assumiu e que nunca lhe
pertenceu em primeiro lugar.
Talvez o seu sintoma ou problema o obrigue a dar um passo
que não deu, um passo que já não pode ignorar. Talvez lhe esteja
a ser pedido que complete uma etapa do seu desenvolvimento
que foi interrompida quando era pequeno. Talvez o seu sintoma
ou problema recrie um estado de impotência que age no sentido
de o aproximar dos seus pais. Ou, em sentido inverso, talvez o
seu sintoma ou problema force o crescimento e a independência
em relação a eles.
Talvez lhe esteja a ser mostrado que precisa de terminar uma
tarefa ou de seguir um caminho que abandonou. Talvez tenha
ignorado uma jovem ou fragmentada parte de si que se expressa
em sintomas. Talvez tenha descurado uma fronteira pessoal que
não pode continuar a ser negligenciada.
Os nossos sintomas e queixas também nos podem levar a
reparar uma relação quebrada ou ajudar a curar um trauma
pessoal ao obrigar-nos a enfrentar sentimentos que reprimimos há
muito. Não só nos podem dar perceções sobre um trauma familiar
que nunca foi totalmente resolvido, como podem também dar-nos
perceções de uma culpa pessoal que carregamos, iluminando até,
talvez, o caminho para a reconciliação.
As nossas queixas, sintomas e problemas podem funcionar
como sinais que nos apontam na direção de algo que ainda está
por resolver. Podem ajudar a trazer para a luz algo que não
conseguimos ver ou ligar-nos a algo ou alguém que nós, ou a
nossa família, rejeitámos. Quando paramos para os explorar, o que
está por resolver pode vir à superfície, somando uma nova
dimensão ao nosso processo de cura. Podemos emergir a sentir-
nos mais inteiros e completos.
Capítulo 7
Descritores nucleares
… as palavras, tal como a Natureza,
revelam e escondem a Alma interior.
– Alfred, Lorde Tennyson, In Memoriam A. H. H

Os sentimentos que temos pelos nossos pais são um portal


para nós mesmos. São também um portal para os quatro temas
inconscientes apresentados no Capítulo 5, ajudando-nos a
identificar aqueles que estão em ação nas nossas vidas. Neste
capítulo, ser-lhe-á pedido que descreva os seus pais biológicos. Ao
fazê-lo, permita-se ser livre nas respostas. À medida que for
avançando pelos exercícios que se seguem, é provável que
descubra mais sobre si do que sobre os seus pais. Se nunca
conheceu os seus progenitores biológicos, avance para o próximo
capítulo.

Descreva a sua mãe

Tire um momento para descrever a sua mãe no tempo em que


era pequeno. Como era ela? Que adjetivos ou frases lhe vêm
imediatamente ao pensamento? Era calorosa? Afetuosa? Fria?
Distante? Feliz? Triste? Abraçava-o muito ou raramente o fazia?
Pegue no seu caderno e escreva os primeiros pensamentos, as
primeiras palavras que lhe vierem à mente.
Exercício de escrita n.º 3:
Descrever a mãe
A minha mãe era…
Escreva também aquilo por que a culpa.
Culpo a minha mãe por…

Escreva tudo. Não faça isto na sua cabeça. É essencial que


escreva as palavras à medida que lhe forem ocorrendo.

Descreva o seu pai

Agora, faça o mesmo para o seu pai. Como o descreveria? Era


atencioso? Descontraído? Duro? Crítico? Estava envolvido ou
ausente? Escreva tudo. Resista ao impulso de editar.

Exercício de escrita n.º 4:


Descrever o pai

O meu pai era…


Escreva também aquilo por que o culpa.
Culpo o meu pai por…

Enquanto está no ritmo, poderá até querer descrever o seu


parceiro romântico, se o tiver, um amigo próximo ou mesmo o seu
chefe.
Exercício de escrita n.º 5:
Descrever o parceiro, amigo próximo ou chefe

O meu parceiro, amigo próximo ou chefe é…


Culpo-o por…

Vejamos agora o que acaba de ser revelado na sua escrita.


Dou a estes adjetivos e frases espontâneos e improvisados o
nome de descritores nucleares. São um portal para os nossos
sentimentos inconscientes. Podem revelar sentimentos pelos
nossos pais que talvez nem nos apercebamos de que temos.
Escrever uma lista improvisada de adjetivos e frases dá-nos a
oportunidade de contornar a versão adulta, racionalizada e
refinada da história da nossa infância. Nesta escrita, as nossas
verdadeiras atitudes podem emergir desprovidas dos habituais
filtros e censuras. Esta lista pode pôr-nos em contacto com
lealdades e alianças inconscientes que partilhamos com os nossos
pais. E mais, pode revelar como rejeitámos um ou ambos dos
nossos pais, ou como adotámos os exatos comportamentos que
consideramos negativos neles. Estes descritores não mentem, pois
vêm de uma imagem interior que carregamos, uma imagem que
formámos há muito tempo, talvez para nos proteger de nos
sentirmos magoados.
Quando éramos pequenos, os nossos corpos funcionavam
como gravadores, registando a informação que assimilávamos e
armazenando-a como estados emocionais. Os adjetivos levam-nos
de volta a esses estados emocionais e às imagens que os
acompanham. Os adjetivos são significativos, pois realçam velhas
imagens que nos impedem de seguir em frente.
Muitos de nós guardam imagens dolorosas, imagens de os
nossos pais não nos terem dado o suficiente, imagens de não
obtermos o que precisávamos. Descontroladas, essas imagens
interiores podem comandar o rumo das nossas vidas, formando
uma planta para o modo como a nossa vida irá continuar. Essas
imagens estão também incompletas. Falta uma verdade essencial.
Que acontecimentos traumáticos se escondem por detrás delas,
suficientemente poderosos para terem feito descarrilar o fluxo de
amor na nossa família?
Olhe agora para as palavras que escreveu. Ainda guarda
ressentimentos em relação aos seus pais? Ou acusações? Se sim,
poderá já ter sentido que as queixas que tem contra os seus pais
são exatamente as mesmas que tem contra o seu parceiro ou
contra um amigo próximo. Muitas vezes, o nosso
descontentamento em relação aos nossos pais é projetado para o
nosso parceiro ou aparece nas nossas amizades mais próximas. O
que fica por resolver com os nossos pais não desaparece
automaticamente. Serve como um modelo que forja os nossos
relacionamentos posteriores.
Se tivermos tido uma relação difícil com os nossos pais, os
nossos descritores nucleares vão expor os ressentimentos que
ainda albergamos. Quando somos rancorosos, isso corrói a nossa
paz interior. Aqueles de nós que sentem não ter recebido o
suficiente dos pais, e sobretudo das mães, sentem
frequentemente que não recebem o suficiente da vida.
Quando tivemos uma relação próxima com os nossos pais, os
nossos descritores nucleares revelam o calor e a compaixão que
sentimos para com eles. Quando temos sentimentos positivos para
com os nossos pais, temos a tendência de nos sentirmos bem em
relação à vida, e a confiar que coisas boas continuarão a surgir no
nosso caminho.
Às vezes, os nossos descritores nucleares revelam sentimentos
ambíguos. Na maioria dos casos, as pessoas têm sentimentos
discrepantes relativamente aos pais, mas um tema ou fio essencial
da linguagem nuclear destaca-se frequentemente como não
resolvido. E é isso que procuramos. Para alguns de nós, as ações
dos nossos pais continuam a ser sentidas como ataques ou
rejeições pessoais.
Veja a forma como estas duas irmãs, cada uma com
experiências de infância diferentes, descrevem a sua mãe:

PRIMEIRA IRMÃ: “Solitária, triste,


frustrada, severa, violenta; com mau feitio.”
SEGUNDA IRMÃ: “Cruel, vingativa e
emocionalmente abusiva.”

Nas palavras da primeira irmã, a descrição da mãe é


meramente afirmada como uma verdade. Na descrição da
segunda irmã, a sua dor não foi resolvida e continua a ser
carregada na forma de culpa e julgamentos em relação à mãe.
Para esta irmã, as ações da mãe são sentidas como
intencionalmente dirigidas contra ela. Sente-se visada, enquanto a
primeira irmã está a afirmar factos. Uma mãe pode ser violenta e
ter mau feitio, sem que deixemos, ainda assim, de poder estar em
paz com ela. A segunda irmã, que vê a mãe como
intencionalmente cruel, não está nitidamente em paz com a mãe.
Só podemos imaginar o quanto as duas irmãs encaravam a
vida de forma diferente. Apesar de partilharem a mesma mãe,
cada irmã portava uma versão pessoal dessa mãe no seu interior.
A segunda irmã encarava a sua vida como cruel e abusiva. Sentia-
se emocionalmente exausta e desamparada, e passava grande
parte do tempo sozinha.
Às vezes, conseguimos sentir amor por um dos pais e não pelo
outro. Kim, que preferia o pai à mãe, queixava-se de que a mãe
era “infantil, como uma menina. Nunca podia contar com ela para
nada”. Em contraste, os seus descritores nucleares sobre o pai
eram brilhantes: “O meu pai era maravilhoso. Fazíamos tudo
juntos. Podia sempre voltar-me para ele em busca de conforto e
cuidado. Devia ter deixado a minha mãe há muito tempo. Nunca
recebeu dela o amor de que precisava.”
Sob a superfície do ressentimento de Kim pela mãe erguia-se
um mar de dor. Junte-se a isso o sentimento de traição por
desejar que a mãe fosse abandonada pelo pai. O vazio e a
desconexão de Kim impregnavam a sua linguagem nuclear.
Quando voltamos um dos nossos pais contra o outro, vamos
contra a fonte da nossa própria existência e, inconscientemente,
criamos um fosso no nosso interior. Esquecemos que metade de
nós vem da nossa mãe e a outra metade do nosso pai. O
ressentimento de Kim servia apenas para alimentar a sua
autoaversão e o seu desassossego interior. Era uma prisão da qual
a única fuga era o autoconhecimento.
Muitos de nós tornámo-nos obcecados por algo que
acreditamos que os nossos pais nos fizeram e que estragou as
nossas vidas. Permitimos que essas memórias, exatas ou
distorcidas, se sobrepusessem às coisas boas que os nossos pais
nos deram. Os pais, no exercício dessa função, causam
inadvertidamente dor aos filhos. É inevitável. O problema não é o
que os nossos pais nos fizeram; é como continuamos agarrados a
isso. Geralmente, quando os nossos pais nos causaram dano, foi
de forma involuntária. A maioria de nós sente que há coisas que
não obtivemos dos nossos pais. Mas estar em paz com os pais
significa estar em paz com o que recebemos e também com o que
não recebemos. Quando seguramos o que foi dado sob esta luz,
podemos obter força dos nossos pais, que, apesar de nem sempre
o poderem demonstrar, queriam apenas o melhor para nós.

Descritores nucleares comuns de uma quebra


precoce na ligação

Ainda assim, há muitos que sofreram uma separação precoce


ou uma quebra na ligação à mãe e têm dificuldade em encontrar a
paz, esse sentimento de terra firme sob os pés. Seguem-se alguns
descritores nucleares comuns de pessoas que sofreram uma
desconexão precoce das mães.

“A minha mãe era fria e distante. Nunca me abraçava. Não


confiava de todo nela.”
“A minha mãe estava demasiado ocupada. Nunca tinha
tempo para mim.”
“A minha mãe e eu somos muito próximos. É como a irmã
mais nova de quem eu tomo conta.”
“A minha mãe era fraca e frágil. Eu era muito mais forte
do que ela.”
“Não quero ser um fardo para a minha mãe.”
“A minha mãe era distante, emocionalmente indisponível e
crítica.”
“Estava sempre a afastar-me. Não quer realmente saber
de mim.”
“Não temos realmente uma relação.”
“Sentia-me muito mais próximo da minha avó. Era ela que
cuidava de mim.”
“A minha mãe é completamente egocêntrica. Tudo gira à
sua volta. Nunca me mostrou qualquer amor.”
“Pode ser muito calculista e manipuladora. Não me sentia
seguro na sua presença.”
“Tinha medo dela. Nunca sabia o que ia acontecer a
seguir.”
“Não somos chegados. Não é maternal – não parece uma
mãe.”
“Nunca quis ter filhos. Nunca tive esse sentimento
maternal dentro de mim.”

Consegue ouvir a dor nestes descritores nucleares? No Capítulo


11, exploraremos ao pormenor a linguagem nuclear da separação
e como reconstruir a nossa relação com a nossa mãe.
Importa realçar que nem todos os que sofreram uma quebra
no vínculo inicial guardam ressentimentos em relação às mães.
Muitas vezes, a mãe é profundamente amada e tida em grande
confiança. Por vezes, depois de uma quebra deste tipo, a criança
fecha-se inadvertidamente a receber o carinho da mãe, tentando,
em vez disso, tomar conta dela como forma de criar laços com a
progenitora.
Por vezes, a quebra ocorreu numa fase tão inicial da vida que
não há qualquer memória cognitiva da experiência. Memórias
físicas da separação podem, porém, ser desencadeadas ao
experienciar ligações ou afastamentos numa relação. Sem nunca
entendermos porquê, podemos ser dominados por sentimentos de
terror, dissociação, dormência, desconexão, derrota e aniquilação.

A carga emocional dos descritores nucleares

A carga emocional contida nos seus descritores nucleares pode


funcionar como um barómetro para medir a cura que precisa
ainda de ter lugar. Geralmente, quanto mais forte for a carga
negativa, mais clara é a direção da cura. Procura palavras que
contenham uma carga emocional significativa.
Sinta a carga emocional destas palavras, proferidas por um
homem de 27 anos para descrever o pai alcoólico:
“O meu pai é um bêbedo. É totalmente inútil. É um idiota, um
verdadeiro falhado. Nunca estava lá para a minha mãe ou para os
filhos. Era abusivo e violento com ela. Não tenho respeito
absolutamente nenhum por ele.”
Sob palavras como “bêbedo” e “inútil”, como “idiota” e
“falhado”, dá para sentir a dor do filho. A raiva e o entorpecimento
do rapaz são apenas as camadas superiores. A raiva e o torpor
são muito mais fáceis de sentir do que a tristeza e a dor. No seu
âmago, o filho sente-se provavelmente devastado sempre que vê
o pai a beber.
É também possível intuir os sentimentos da mãe em relação ao
pai nas seguintes palavras: “Nunca estava lá para a minha mãe ou
para os filhos.” As expressões “inútil” e “nunca estava lá” eram
provavelmente palavras da mãe. O facto de ela se ter isolado do
marido tornava quase impossível ao filho abrir-se a ele. À
superfície, o filho parecia ser leal à mãe, mas, na realidade,
partilhava das tribulações do pai. Tal como ele, bebia e enfurecia-
se com a namorada, até que ela o pôs fora, tal como a mãe fizera
com o pai. Deste modo, o filho tecia inadvertidamente um fio
subterrâneo que o ligava ao pai. Certificava-se de que não teria
mais na vida do que o pai tivera. Até a relação entre ambos sarar,
continuou a repetir o sofrimento do pai. Com o pai de volta à sua
vida, ficou mais livre para fazer escolhas mais saudáveis.
Quando um progenitor é rejeitado ou desrespeitado, um dos
filhos representará frequentemente esse progenitor ao partilhar
dos comportamentos rejeitados. Desta forma, o filho torna-se
igual ao pai ao sofrer de modo similar. É como se o filho estivesse
a dizer: “Vou também passar por isso para que não tenhas de o
fazer sozinho.” Com esta lealdade, a criança perpetua o sofrimento
para a geração seguinte. E muitas vezes não fica por aí.
É essencial fazermos as pazes com os nossos pais. Além de nos
trazer paz interior, permite também que a harmonia se propague
às gerações seguintes. Ao tornarmo-nos mais brandos para com
os nossos pais e deixarmos cair a história que se interpõe no
caminho, é mais provável que travemos a repetição absurda do
sofrimento geracional. Ainda que, inicialmente, possa parecer
desafiador (ou até mesmo impossível), testemunhei vezes sem
conta as inesperadas recompensas de curar a nossa ligação aos
nossos pais, incluindo resultados positivos na nossa saúde, nas
nossas relações e na nossa produtividade.

Mudar a imagem interior que tem dos seus pais

1. Leia novamente os seus descritores nucleares. Desta vez,


leia-os em voz alta.
2. Ouça com novos ouvidos. Ouve algo de novo?
3. As palavras emocionalmente carregadas indicam-lhe que
ainda tem sentimentos por resolver em relação aos seus
pais?
4. Sinta o corpo enquanto lê os descritores. Contrai ou relaxa? E
quanto à respiração? Flui ou está presa?
5. Veja se há algo dentro de si que quer mudar.

Os seus descritores nucleares são um passo valioso para


reconstruir a relação com os seus pais. Não importa se estão vivos
ou se já morreram; assim que decifrar os seus descritores
nucleares, os sentimentos, atitudes e julgamentos negativos que
mantém em relação aos pais poderão finalmente mudar. Lembre-
se: quanto maior for a carga emocional nas palavras, mais
profunda é a dor. Muitas vezes, há tristeza a hibernar sob as
palavras zangadas. A tristeza não o matará. A raiva pode
realmente fazê-lo.
A imagem que tem dos seus pais pode afetar a sua qualidade
de vida. A boa notícia é que, uma vez revelada, essa imagem
interior pode mudar. Não pode mudar os pais, mas pode mudar a
forma como os guarda dentro de si.
Capítulo 8
A frase nuclear
A própria gruta em que receias entrar acaba por
ser a fonte do que procuras.
– Joseph Campbell, Reflections on the Art of Living

Caso se debata com um medo ou fobia, com ataques de pânico


ou pensamentos obsessivos, conhece demasiado bem a sensação
de ser mantido em cativeiro na prisão da sua vida interior. A dura
pena que cumpre dentro de si – a preocupação constante, as
emoções avassaladoras, as sensações físicas enervantes – pode
parecer uma sentença perpétua, sem que, no entanto, tenha
havido qualquer julgamento ou condenação. O medo e a
ansiedade encolhem o seu mundo e drenam a sua vitalidade,
restringindo o dia que tem pela frente e limitando a vida que o
espera. Pode ser extenuante viver dessa forma.
Encontrar uma saída é mais simples do que julga. Só tem de
“cumprir pena” com um tipo diferente de “sentença perpétua” – a
frase criada pelo seu maior medo. Esta frase acompanha-o
provavelmente desde pequeno. Seja proferida em voz alta ou dita
em silêncio, esta frase aprofunda o seu desespero. Mas, ao
mesmo tempo, pode guiá-lo para lá dos portões da sua prisão,
para um novo mundo de entendimento e resolução. Esta frase é a
sua frase nuclear. Se o mapa da linguagem nuclear é uma
ferramenta para localizar tesouros escondidos, a frase nuclear é o
diamante que encontra ao lá chegar.
Encontrar a sua frase nuclear

Antes de irmos mais longe, responda a esta pergunta e escreva


a resposta: Qual é o seu maior medo, a pior coisa que lhe poderia
acontecer? É provavelmente um medo ou sentimento que teve
durante toda a vida. Poderá até sentir que nasceu com ele. Eis de
novo a questão, colocada de forma ligeiramente diferente: Se a
sua vida desmoronasse, se as coisas corressem terrivelmente mal,
qual seria o seu maior medo? Qual é a pior coisa que lhe poderia
acontecer? Escreva a resposta.

Exercício de escrita n.º 6:


Identificar a frase nuclear

O meu maior medo, a pior coisa que me poderia acontecer, é…

O que acaba de escrever é a sua frase nuclear. Não leia mais


nada até a ter escrito.
Talvez a sua frase nuclear comece com a palavra “Eu”:
“Eu perderia tudo.”
Talvez comece com a palavra “Eles”:
“Eles destruir-me-iam.”
Talvez a sua frase nuclear comece com a expressão “Os meus”:
“Os meus filhos/familiares/esposa/marido deixar-me-iam.”
Uma frase nuclear pode ainda começar com uma série de
outras palavras.
Agora, embrenhemo-nos mais a fundo e respondamos
novamente à mesma pergunta. Desta vez, não edite. Continue a
escrever até ter ido tão longe quanto possível. A resposta a esta
pergunta inicia um processo de autodescoberta que continuará a
aprofundar-se nas páginas que se seguem.

Exercício de escrita n.º 7:


Ajustar a frase nuclear

A pior coisa que me poderia acontecer é…


“Eu…”
“Eles…”
“Poderia…”
“Os meus filhos/familiares/cônjuge poderiam…”

Veja agora o que escreveu. Se acha que chegou ao fundo,


coloque-se outra questão: E se isso acontecesse, o que teria? Qual
seria a pior parte?
Por exemplo, se escreveu a frase “Poderia morrer”, leve-a um
pouco mais longe. Se isso acontecesse, qual seria a pior parte?
“A minha família ficaria sem mim.”
Desça mais um nível. E qual seria a pior parte disso?
“Esquecer-se-ão de mim.”
Consegue sentir como a frase “Esquecer-se-ão de mim” tem
um pouco mais de sumo do que as duas anteriores?
Tire mais um momento para refinar e aprofundar a ressonância
emocional da sua frase nuclear.

Exercício de escrita n.º 8:


Aprofundar a frase nuclear
O meu mais absoluto medo é…

Agora, olhemos novamente para as palavras que escreveu. A


sua frase nuclear contém, provavelmente, três, quatro, talvez
cinco ou seis palavras. Como referimos antes, é muitas vezes uma
frase começada por “Eu” ou “Eles”, mas pode também começar
com outras palavras. Muitas vezes, é uma frase dita no presente
ou no futuro, como se estivesse a acontecer neste momento ou
prestes a acontecer. As palavras parecem vivas no seu interior.
Ecoam-lhe no corpo quando proferidas em voz alta. Quando a
frase nuclear é certeira, soa mais como um tinido em cristal do
que como um baque em madeira. As frases nucleares soam assim:

“Estou sozinho.”
“Eles vão rejeitar-me.”
“Vão deixar-me.”
“Desiludi-os.”
“Perderei tudo.”
“Desmoronarei.”
“É tudo culpa minha.”
“Abandonam-me.”
“Traem-me.”
“Humilham-me.”
“Vou enlouquecer.”
“Vou fazer mal ao meu filho.”
“Vou perder a minha família.”
“Perderei o controlo.”
“Farei algo terrível.”
“Vou fazer mal a alguém.”
“Não mereço viver.”
“Serei odiado.”
“Vou matar-me.”
“Vão prender-me.”
“Vão encarcerar-me.”
“Nunca acabará.”

Afinar a frase nuclear

Há mais um passo. Se escreveu uma frase do tipo “Estou


sozinho”, mova o sintonizador em ambas as direções para se
certificar de que a sua frase nuclear soa à mais alta frequência
possível.
Por exemplo, será a sua frase “Estou sozinho” ou será mais algo
do tipo “Eles deixam-me”? Será “Eles deixam-me” ou é mais
“Rejeitam-me” ou “Abandonam-me”?
Tal como um optometrista verifica e volta a verificar a sua visão
para lhe passar a receita, também você faz verificações para se
certificar de que as palavras estão exatamente em linha com o
sentimento no seu interior. Continue a testar. Será a sua frase
nuclear mais do tipo “Abandonam-me” ou mais “Estou
abandonado”? O seu corpo saberá quais são as melhores
palavras pela vibração criada no seu interior. As palavras da
frase nuclear criam uma reação física – muitas vezes uma
sensação de ansiedade ou de desânimo – quando as palavras
certas são proferidas.

Outros caminhos para encontrar a sua frase


nuclear
Se tentou escrever a sua frase nuclear e nada lhe ocorreu,
responda a esta pergunta: Qual é a pior coisa que poderia
acontecer a alguém? A outra pessoa. Não a si. Talvez se lembre de
uma notícia sobre algo terrível que aconteceu a alguém que não
conhecia. Ou talvez algo horrível tenha acontecido a alguém que
conhecia. O que lhes aconteceu? Escreva-o. O que recorda é
importante. Pode até dizer algo sobre si.
Muitas vezes, a tragédia de outrem reflete uma faceta dos
nossos próprios maiores medos. Da miríade de imagens dolorosas
que nos rodeiam, as que tocam um ponto conhecido, ou mais
precisamente um ponto familiar, tendem a repercutir-se em nós.
Chamemos-lhe uma porta dos fundos para a psique familiar. De
todas as coisas terríveis que acontecem às pessoas, a que se nos
afigura como a mais terrível estará provavelmente ligada a um
acontecimento traumático no nosso sistema familiar. Pode também
recordar-nos um trauma que sofremos pessoalmente. Quando a
tragédia de outrem se repercute em nós, há geralmente algo
nessa tragédia que nos pertence a algum nível.
Há ainda uma outra forma de chegar à sua frase nuclear. Pense
numa cena de um livro, filme ou peça de teatro que o afetou
profundamente. Que parte dessa cena mais o afeta? Se, por
exemplo, uma história de crianças que estão sozinhas sem a mãe
ressoa no seu interior, que parte dessa história suscita mais
emoção em si? Será o facto de uma mãe ter deixado os filhos? Ou
o facto de os filhos serem deixados sozinhos e não terem ninguém
para cuidar deles?
Esta história familiar pode repercutir-se em duas pessoas, mas
uma delas pode ser mais afetada pela ideia de a mãe deixar os
filhos, enquanto a outra pode ser mais afetada pela imagem de
crianças sem ninguém para tomar conta delas. Se olhássemos
para o sistema familiar da primeira pessoa, a que não suporta a
ideia de uma mãe deixar os filhos, poderíamos encontrar um
membro da sua própria família, talvez a mãe ou a avó, ou talvez
até ela mesma, que deixou os filhos ou deu uma criança para
adoção. Uma culpa não reconhecida pode ecoar no sistema
familiar da primeira pessoa, enquanto a profunda dor de uma
criança abandonada pode infundir o sistema familiar da segunda.
Imagens de livros, filmes e peças que têm uma carga emocional
para nós podem ser como tempestades a sacudir o delicado fruto
escondido nos recessos da nossa árvore genealógica.

Quando uma notícia se torna a nossa história


familiar

Desde que se lembrava que Pam tinha o receio de que


estranhos invadissem a sua casa e a agredissem violentamente.
Até há pouco tempo, esse medo pairava em pano de fundo, como
o zumbido de uma máquina distante. Então, leu uma notícia no
jornal sobre um jovem rapaz somali que fora espancado até à
morte por um bando de rapazes na sua cidade. O medo, que até
então vibrava a baixa intensidade, subiu para o máximo,
desencadeando uma torrente de pânico no interior. Pam sentia-se
como se estivesse a desabar, e descreveu uma sensação de estar
a flutuar fora do corpo.
“Era apenas uma criança”, disse ela. “Era inocente. Estava
simplesmente no sítio errado à hora errada. Tiraram-lhe a vida, a
dignidade. Fizeram-no sofrer.”
Sem saber, Pam referia-se também ao irmão mais velho da
mãe, Walter, que morreu aos 11 anos. Pam só ouvira a história
uma vez, quando era pequena. A família raramente falava no
assunto. Apesar de nunca ter sido provado, a família suspeitava de
mão criminosa. Convencido a sair de casa pelos rapazes da
vizinhança que muitas vezes o provocavam, Walter foi encontrado
morto no fundo do poço abandonado de uma mina. Ou caiu, ou
foi empurrado e deixado para morrer. Passaram dias até que o
corpo fosse recuperado. Os rapazes devem ter entrado em pânico
e fugido. Walter estava “no sítio errado à hora errada”.

Linguagem nuclear nascida da guerra

Quando os nossos familiares sofreram, pereceram ou


perpetraram violência numa guerra, podemos herdar praticamente
um campo minado de traumas. Não estabelecendo
conscientemente a ligação de que estamos a reviver experiências
traumáticas de há décadas, podemos tornar-nos herdeiros de
medos (de sermos raptados, expulsos das nossas casas,
assassinados, etc. ) como se os sentimentos nos pertencessem.
Prak, um indisciplinado rapaz de 8 anos do Camboja, nunca
conheceu o avô, assassinado pelos Khmers Vermelhos. Acusado
de ser um espião da CIA, o avô fora massacrado com uma foice,
uma ferramenta semelhante a uma catana utilizada na agricultura.
Prak sofria de ferimentos repetidos na cabeça, e os pais, Rith e
Sita – sobreviventes de primeira geração dos Campos da Morte –,
procuraram ajuda para ele. Educados e brandos, Rith e Sita
pareciam sobrecarregados, como que vergados pelo fardo que os
unia. Num inglês imperfeito, explicaram que tinham deixado o
Camboja em adolescentes, quase uma década após o fim da
carnificina, e se tinham mudado para Los Angeles, onde deram à
luz o filho – o único filho. Agora, aos 8 anos, Prak sofrera
numerosos traumatismos cranianos. O pai, Rith, explicou que Prak
corria de cabeça, e aparentemente de forma deliberada, contra
paredes ou postes de metal. Prak “brincava” também diariamente
com um cabide, brandindo-o contra o chão ou o sofá e gritando:
“Mata! Mata!” Os comportamentos do rapaz refletiam de forma
inquietante o homicídio do avô paterno. A linguagem nuclear de
Prak não surgia apenas de forma verbal nas palavras “Mata!
Mata!”; expressava-se também fisicamente de duas formas
perturbadoras. Ao brandir o cabide, Prak reproduzia sinistramente
os golpes mortais desferidos pelo assassino. Ao ferir a própria
cabeça, representava o ferimento similar sofrido pelo avô.
Em muitas famílias que viveram acontecimentos trágicos ou
dolorosos, o passado tende a permanecer enterrado. Julgando que
é melhor não expor os filhos a sofrimentos desnecessários, os pais
mantêm muitas vezes os lábios – porta para o passado –
firmemente cerrados. Quanto menos um filho souber, pensam
eles, mais protegido, mais isolado, esse filho permanecerá. Prak
nada sabia sobre os Campos da Morte, sobre o homicídio e – pior
de tudo – sobre o avô paterno. Na verdade, foi-lhe dito que o
segundo marido da avó era o seu verdadeiro avô.
Infelizmente, guardar silêncio sobre o passado pouco faz para
imunizar a geração seguinte. O que está escondido da vista e da
mente raramente desaparece. Pelo contrário, ressurge
frequentemente nos comportamentos e sintomas dos nossos
filhos.
Explicar estes conceitos a Rith e Sita não foi fácil. Era como se
um véu cultural, um sudário de negação, proibisse qualquer
discussão do genocídio. “Só olhamos para a frente – não para o
passado”, disse Sita. “Temos a sorte de ter sobrevivido e de
estarmos na América”, disse Rith. Só quando lhes expliquei de que
forma o passado, aparentemente, ganhara vida no sofrimento de
Prak é que Rith e Sita se mostraram dispostos a dar os passos
seguintes.
“Vá para casa e fale ao Prak do seu pai”, aconselhei eu a Rith.
“Diga-lhe o quanto o amava e o quanto ainda lhe sente a falta.
Ponha-lhe uma fotografia do seu pai – o verdadeiro avô do seu
filho – sobre a cama e diga-lhe que ele o protege e abençoa a sua
cabeça à noite enquanto dorme. Dê-lhe a imagem de que, com a
bênção do seu pai, a sua cabeça não tem de voltar a ser ferida.”
O último passo foi o mais difícil de transmitir. Parecia-me que
Prak se identificara não só com o avô, mas também com o
assassino que desferira o golpe fatal. Expliquei a Sita e Rith que
aqueles que magoaram os nossos familiares pertencem ao nosso
sistema familiar, e que nos podemos identificar com eles quando
são expurgados da nossa consciência. Expliquei-lhes como os
filhos de perpetradores e vítimas sofrem de forma similar, e que
devemos ter sentimentos de boa vontade para com todos os
envolvidos. Indo um passo mais longe, ajuda os nossos filhos e os
deles se pudermos rezar igualmente por aqueles que lesaram os
nossos familiares e por aqueles a quem os nossos familiares
lesaram. Sita e Rith entenderam. Enquanto budistas praticantes,
disseram que iam levar Prak ao pagode – o templo cambojano – e
acender incenso pelo pai de Rith, bem como pelo seu assassino,
para que os descendentes de ambas as famílias pudessem ser
livres. Três semanas após a visita ao pagode, e com a fotografia
do avô a protegê-lo durante a noite, Prak entregou o cabide a
Sita. “Mamã, já não preciso mais de brincar com isto.”

Dor familiar, silêncio familiar

Gretchen, com quem já antes se cruzou neste livro, carregava


os sentimentos de ansiedade da avó, única sobrevivente de uma
família que pereceu em Auschwitz. Incapaz de aceitar plenamente
o dom de ter sobrevivido ao Holocausto, a avó de Gretchen vivia a
vida como um fantasma, enquanto os filhos e netos andavam com
mil cuidados em seu redor para não a perturbar ainda mais.
Falar sobre a sua família morta não era algo que fosse possível
fazer com ela. Os seus olhos ficavam vidrados e a cor das faces
desvanecia-se. Era melhor deixar as memórias trancadas. Talvez a
avó sentisse um desejo inconsciente de morrer como acontecera
com o resto da família. Duas gerações depois, Gretchen herdaria
esses sentimentos e carregava uma imagem de querer ser
incinerada como a família da avó.
Linguagem nuclear de Gretchen: “Vou vaporizar-me. O
meu corpo será incinerado em segundos.”
Assim que reconheceu que tinha estado enredada no trauma
da avó, Gretchen obteve finalmente um contexto para entender os
sentimentos que carregava. Convidei-a a fechar os olhos e a
visualizar-se a ser embalada pela avó e por todos os familiares
judeus que nunca conhecera. Na experiência dessa imagem
reconfortante, Gretchen declarou sentir-se tranquila – um
sentimento que dizia ser-lhe desconhecido. Deu-se conta de que o
desejo de se incinerar estava ligado aos familiares que tinham
literalmente sido incinerados. Nesse momento, o impulso de se
matar dissipou-se; já não sentia a necessidade de morrer.
Embora se tenha identificado com a avó, Gretchen também
pode ter-se identificado com os assassinos que mataram a família
desta. Ao suicidar-se, Gretchen estaria inconscientemente a
reproduzir a agressão dos assassinos. Essas identificações com
perpetradores não são invulgares e têm de ser tidas em
consideração quando se observam comportamentos violentos em
familiares de gerações posteriores.

Prisões de medo

Steve debatia-se com ataques de pânico sempre que visitava


um lugar novo. Não importava se estava a entrar num novo
edifício, a experimentar um novo restaurante ou a viajar para uma
nova cidade; sempre que dava por si em ambientes
desconhecidos, Steve entrava em dissociação. Descrevia
sensações de “desmaio”, um sentimento de vertigem que o fazia
“enegrecer por dentro” e a sensação de que o “céu se estava a
fechar sobre si”. Juntamente com estas sensações, vinham o
coração acelerado e os intensos suores que experienciava uma e
outra vez. Não conseguia lembrar-se de nada na infância que
pudesse ter criado medos assim tão extremos. Numa tentativa de
o fazer sentir-se seguro, a mulher e os filhos mantinham-se
aprisionados com ele na constância do território familiar. Não
havia férias, não havia restaurantes novos, não havia surpresas.
Linguagem nuclear de Steve: “Vou desaparecer. Serei
erradicado.”
Um olhar à história familiar de Steve revelou a origem da falta
de segurança. Setenta e quatro membros da sua família
pereceram no Holocausto. Foram literalmente levados do ambiente
familiar das suas casas na aldeia, onde tinham vivido a vida
inteira, e transferidos para “um lugar novo” – um campo de
concentração –, onde foram sistematicamente assassinados. Uma
vez compreendida a ligação que partilhava com os seus familiares,
Steve encontrou o contexto para os ataques de pânico que lhe
limitavam a vida. Ao fim de uma sessão, o medo levantou. Ao
abraçar uma nova imagem interior dos seus familiares em paz e a
dar-lhe a sua bênção para que se libertasse, Steve abriu os
portões de arame farpado da sua antiga vida e entrou numa nova,
cheia de exploração e aventura.
À semelhança de Steve, também Linda tinha ataques de pânico
que a impediam de se sentir segura. Mantinha-se encarcerada
numa prisão de medos. “O mundo não é um lugar seguro”, dizia
ela. “Temos de esconder quem somos. Se as pessoas descobrirem
demasiado sobre nós, podem fazer-nos mal.” Desde que se
lembrava que tinha pesadelos com ser raptada por estranhos. Em
pequena, lembrava-se de nunca querer dormir em casa das
amigas. Mesmo aos 40 anos, Linda raramente ia a algum lado. Tal
como Steve, vivia numa prisão fechada por medos que não
conseguia associar a qualquer evento da infância.
Quando lhe perguntei pela história familiar, Linda lembrou-se
de algo que ouvira em pequena sobre a irmã da sua avó, que
tinha sido morta durante o Holocausto. Ao investigar o sucedido,
Linda descobriu que a sua tia-avó vivia escondida em casa de um
vizinho, até que alguém exterior à casa descobriu que ela era
judia. A irmã foi então “raptada por estranhos” – soldados nazis –
e abatida a tiro numa vala.
Linguagem nuclear de Linda: “O mundo não é um lugar
seguro. Temos de esconder quem somos. As pessoas podem
fazer-nos mal.”
Ao comparar a sua própria linguagem nuclear com a tragédia
da tia-avó, Linda tinha agora um contexto para os sentimentos de
ansiedade. Imaginou-se a ter uma conversa com a tia em que
esta se oferecia para a proteger e a ajudar a sentir-se segura.
Nesta nova imagem, Linda sentiu que podia deixar os sentimentos
de ansiedade com a tia, de onde eram originários.
Ainda que muitos de nós não tenham familiares que morreram
ou participaram no Holocausto – ou no genocídio arménio, nos
Campos da Morte do Camboja, na fome ucraniana imposta por
Estaline, nos massacres da China, do Ruanda, da Nigéria, de El
Salvador, da antiga Jugoslávia, da Síria, do Iraque (e assim
sucessivamente) –, os resíduos da guerra, da violência, do
homicídio, da violação, da opressão, da escravatura, do exílio, da
deslocação forçada e de outros traumas similares sofridos pelos
nossos antepassados podem infundir os muitos medos e
ansiedades que acreditamos ter origem em nós. A nossa frase
nuclear pode ser a ligação que nos permite distinguir o passado
do presente.
Desenterrar a origem da sua frase nuclear

Uma frase nuclear evoca frequentemente sentimentos e


sensações de medo. Só de proferir as suas palavras, podemos
observar uma forte reação física no nosso corpo. Muitas pessoas
descrevem vagas de sensações a reverberar no seu interior à
medida que a frase é proferida. Isso acontece porque a frase
nuclear emerge de uma tragédia não resolvida. E se não é nossa,
então impõe-se a pergunta: É de quem?
Podemos ser nós a proferir a frase nuclear e a carregar os seus
medos, mas o medo original pode ter origem num acontecimento
trágico que ocorreu muito antes de termos sequer nascido. A
questão que colocamos é esta: A quem pertence o medo inicial?
Diga para si a sua frase nuclear. Sinta a sua vibração no
interior. Escute internamente. Imagine por um momento que as
palavras pertencem a outrem. Poderá até querer escrever de novo
a frase nuclear para ver as palavras à sua frente. Ouça a frase de
alguém que sofreu um grande trauma ou carregava uma tristeza
ou culpa profundas, ou morreu de forma violenta ou arrependido,
ou teve uma vida vazia ou de desespero silencioso. Esta frase
pode ser da sua mãe ou do seu pai. Pode pertencer à sua avó ou
ao seu avô, ou até ao seu irmão mais velho ou a um tio ou tia. E
agora continua a viver dentro de si.
As frases nucleares são como que itinerantes, como um
caixeiro-viajante que bate porta após porta até que alguém o
deixa entrar. Mas as portas para as quais se dirigem são as
psiques daqueles que se seguem num sistema familiar. E o convite
para entrar é sem permissão consciente.
Aparentemente, partilhamos uma obrigação inconsciente de
resolver as tragédias do passado das nossas famílias. Numa
tentativa inconsciente de curar a dor familiar, pode partilhar da
tristeza não resolvida da sua avó relativamente à morte da mãe,
do marido ou de um filho. O seu sentimento de “perdi tudo” pode
viver dentro de si como um receio de vir a perder tudo também.
Estas frases afetam a forma como se conhece. Afetam as
escolhas que faz. Afetam o modo como mente e corpo reagem ao
mundo em seu redor. Imagine o efeito de uma frase como “ele vai
deixar-me” a soar no fundo da sua consciência enquanto o
homem dos seus sonhos a pede em casamento. Ou considere o
impacto de uma frase como “vou fazer mal ao meu filho” no
complexo estado biológico e emocional de uma jovem futura mãe.
Ouça novamente as palavras da sua frase nuclear. Diga-as em
voz alta. Tem a certeza de que são suas? Quem na sua família
poderia ter tido razões para se sentir da mesma forma?
Pense nos seus pais e avós. Viveram algum acontecimento tão
doloroso que raramente falavam nele? Perderam um recém-
nascido ou sofreram um aborto na fase final de uma gravidez?
Foram abandonados por um grande amor ou perderam um dos
pais ou um irmão quando eram novos? Sentiam-se culpados por
ter feito mal a alguém? Culpavam-se por algo?
Se nada lhe ocorrer, pode até recuar outra geração, até aos
seus bisavós, ou a um tio ou uma tia.
Zach teve de recuar duas gerações para encontrar a paz. Tinha
sorte em estar vivo. Após várias tentativas de suicídio, decidiu
finalmente abrir a porta do passado da sua família.
A frase nuclear de Zach estava com ele desde que se
recordava. Desde rapazinho que sentia que precisava de morrer.
Tinha nascido para esta vida para morrer, dizia ele.
Frase nuclear de Zach: “Preciso de morrer.”
E assim, quando atingiu a idade suficiente para o fazer, Zach
alistou-se para lutar e morrer no Iraque. Nada poderia ser mais
simples. Enquanto soldado de infantaria, seria abatido na frente
de combate e morreria, realizando, assim, o propósito da sua vida.
Treinou diligentemente. Seria um herói. Correria riscos enormes.
Morreria com honra pelo seu país.
Mas o plano de Zach deu para o torto. A sua unidade não foi
destacada. Manteve-se em solo americano. Zach estava incrédulo.
Ausentou-se imediatamente da base e pôs em ação um segundo
plano para morrer. Lançou-se pela autoestrada a toda a
velocidade, certo de que um polícia o mandaria parar. Tinha tudo
cuidadosamente planeado. Saltaria do carro e tentaria agarrar na
arma do polícia. Num instante, tudo estaria terminado. O agente
ver-se-ia obrigado a alvejá-lo e Zach poderia morrer. Tal como
planeara, acelerou pela autoestrada. Mais uma vez, o destino
interveio. Nada aconteceu. Não houve qualquer polícia. Nem tiros.
Nem morte.
Irredutível, Zach foi direto a Washington, D. C. O terceiro plano
não podia certamente falhar. Saltaria a vedação da Casa Branca e,
com uma arma de brincar na mão, correria em direção ao
gabinete do Presidente. Seria certamente abatido por agentes dos
Serviços Secretos enquanto corria. Mas, mais uma vez, o destino
tinha outros planos para Zach. Ao chegar a Pennsylvania Avenue,
a vedação estava tão bem protegida por agentes de segurança
que teve de parar a vários metros.
Zach tinha um último plano de suicídio em mente. Este nunca
se materializou. Iria a um comício político onde o governador
estivesse a discursar. Aí, Zach empunharia uma arma de brincar e
apontá-la-ia ao governador. Os agentes de segurança teriam
certamente de o abater. Ocorreu-lhe então uma ideia que lhe deu
que pensar. No meio da multidão, podia ser apenas imobilizado no
solo e passar o resto da vida na prisão. Desesperado, procurou
ajuda.
No caso de Zach, consegue ouvir uma linha comum em cada
um dos planos para morrer?
Cada tentativa de suicídio, se bem-sucedida, teria resultado em
ser mortalmente alvejado por alguém a defender o seu país.
Todavia, nos seus vinte e quatro anos de vida, Zach nada fizera
que justificasse tal castigo. Nunca fizera mal a alguém. Não
carregava qualquer culpa pessoal. Não se culpava pelo sofrimento
de qualquer pessoa.
Por quem tinha Zach de morrer, então? Ou, dito de forma mais
precisa, quem, no seu sistema familiar, precisava de ser abatido
por algo que tinha feito?
Para isto, tivemos de recuar à história familiar de Zach. A sua
frase nuclear iluminava o caminho. Dada a queixa nuclear de
Zach, havia três perguntas de ligação possíveis.

Perguntas de ligação de Zach

Quem na sua família cometeu um crime e nunca foi


castigado por isso?
Quem sentia que precisava de ser abatido por algo que
fez?
Quem foi alvejado na sua família sem que esta o pudesse
chorar?
Qualquer das duas primeiras perguntas teria acertado em
cheio. No caso de Zach, a primeira pergunta despertou a memória
de uma conversa que ouvira em pequeno. O avô de Zach, pai da
sua mãe, era um alto oficial do governo de Mussolini que fora
responsável por decisões que levaram à morte de muitas pessoas.
Quando a guerra em Itália estava a acabar, conseguiu forjar
documentos falsos, mudar de identidade e fugir para os Estados
Unidos. Os membros do governo que ficaram foram detidos e
abatidos por um pelotão de fuzilamento. O avô de Zach conseguiu
fugir ao destino. Teve sorte – ou assim pensava. Sem que ele o
soubesse, o seu destino passaria para o primogénito varão da
família – para o neto.
Como aprendemos no Capítulo 3, Bert Hellinger ensina que
cada um de nós é o único responsável pelo seu destino, e que
cada um de nós deve arcar sozinho com as consequências desse
destino. Se evitarmos, rejeitarmos ou contornarmos esse destino,
outro membro do nosso sistema pode tentar pagar o preço –
muitas vezes com a vida.
Zach estava a tentar pagar pelos crimes do avô. Era uma
herança custosa e não tinha qualquer perceção consciente de que
a estava a assumir. Pensava que a ânsia de ser mortalmente
alvejado tinha origem nele. Pensava que nascera defeituoso e que
era simplesmente assim que as coisas eram. Nunca lhe ocorrera
que pudesse ser tão profundamente afetado pela história familiar.
Nunca fizera a ligação.
“Quer dizer que não sou eu quem precisa de morrer?” Zach
estava estupefacto. “Quer dizer que não tenho de morrer?”
Ao evitar a morte por pelotão de fuzilamento, o avô nunca
compensara as mortes causadas. Duas gerações depois, Zach
tentaria acertar contas, expiando-as com a sua própria vida. Não
era justo, mas estava a acontecer. E Zach quase conseguiu.
Em vez disso, Zach foi capaz de deixar os sentimentos de
precisar de morrer com o avô. Só ter um lugar onde os pôr já era
enorme para ele. Pela primeira vez, podia separar os sentimentos
que não eram seus dos que eram. O que antes estava
internalizado podia agora ficar na periferia.
Quando os velhos sentimentos surgiam, Zach tinha agora um
plano consciente. Visualizava mentalmente o avô e curvava
respeitosamente a cabeça. Ouvia o avô dizer-lhe que a
necessidade de morrer era sua e que seria ele a lidar com ela,
podendo Zach limitar-se a inspirar e expirar, e a estar em paz.
Zach imaginava o avô no além a fazer reparações junto das
pessoas que lesara. Na imagem interior de Zach, toda a paisagem
começou a adquirir uma natureza pacífica de reconciliação.
Tal como Zach, provavelmente nunca pensou em associar o
seu problema atual a um acontecimento traumático na sua história
familiar. Agora, com a frase nuclear, tem uma forma de o fazer.
Diga uma vez mais a sua frase nuclear e coloque-se estas duas
questões: Tem a certeza de que esse medo tem origem em si? Há
alguém no seu sistema familiar que tivesse razões para sentir o
mesmo?
Mesmo que não tenha qualquer informação sobre o passado
da sua família, o caminho para a cura continua a ser simples. Já
fez a parte difícil: isolou o seu medo mais profundo. Ainda que
possa carregar os sentimentos desse medo, o medo em si tem
provavelmente origem num acontecimento traumático que ocorreu
antes mesmo de ter nascido, um acontecimento que está por
detrás do sofrimento de um dos seus pais. Mesmo que não saiba
qual é, consegue perceber que está lá. Sente-o.
April, uma criadora de colchas afro-americana, tinha 40 e
poucos anos quando viu uma fotografia tirada em 1911 de uma
negra e do seu filho enforcados de uma ponte. Vários homens,
mulheres e crianças brancos alinhavam-se no passadiço por cima.
Nesse momento, a vida de April mudou. Sentiu-se esmagada pela
ideia e pela imagem do linchamento. “Não conseguia parar de
chorar”, revelou ela. “Podíamos ter sido eu e o meu filho.” A partir
do dia em que viu essa fotografia, a ansiedade de April aumentou.
“Era como se cada árvore que via tivesse um corpo pendurado.”
Perguntei-lhe se sabia de alguém na família que tivesse sido
linchado. Era difícil dizer. Em finais do século XIX, o avô, filho de
um homem negro e de uma mulher branca, foi deixado,
juntamente com a irmã, na berma da estrada. A família acolheu o
avô, mas não a irmã. Desconhece-se o que aconteceu à irmã do
avô ou ao seu pai.
Como sabemos pela História, os negros eram frequentemente
castigados por ter relações sexuais com mulheres brancas. No
entanto, os brancos proprietários de escravos tinham
regularmente filhos com as mulheres que mantinham cativas. Um
estudo publicado em maio de 2016 encontrou provas genéticas
desta história enterradas no ADN de afro-americanos atualmente
vivos. O ADN exibia vestígios de ascendência europeia que podiam
ser situados durante o período da escravatura, o que permitiu aos
investigadores validar o que há muito era do conhecimento geral.1
Ainda que April não pudesse precisar com certeza se o pai ou a
irmã do avô, ou qualquer outra pessoa na sua família, tinham sido
enforcados, suspeitava que alguém fora. No mínimo, carregava os
vestígios de um trauma coletivo, e partilhava-o com outros afro-
americanos que sentiam um medo similar.
April sentiu-se impelida a investigar todos os casos
documentados de homens, mulheres e crianças afro-americanos
que tinham sido linchados na América entre 1865 e 1965.
Descobriu os nomes de mais de cinco mil pessoas e bordou cada
um deles a fio de seda dourado numa colcha negra. A cada nome
que adicionava, April tinha a sensação de que outra alma podia
finalmente descansar. Ao fim de três anos, o tempo que demorou
a terminar a colcha, que pesava agora mais de cinco quilos, April
sentiu-se finalmente livre.

Reconhecer o(s) familiar(es) por detrás da frase nuclear

1. Se tem uma ideia clara do proprietário original do medo


expresso na sua frase nuclear, visualize agora essa pessoa.
2. Se não sabe bem quem é, feche os olhos. Imagine alguém da
sua família que possa ter sentido emoções similares. Essa
pessoa pode ser o tio, a avó ou até o meio-irmão mais velho
que nunca conheceu. Não tem de saber quem é. Essa pessoa
pode nem sequer ser um membro da sua família de sangue,
podendo antes ter prejudicado alguém, ou ter sido
prejudicada por alguém, da sua família.
3. Visualize a pessoa ou as pessoas ligadas ao acontecimento
traumático por detrás da sua frase nuclear. Nem sequer tem
de saber que acontecimento é esse.
4. Agora, baixe a cabeça e respire profundamente com a boca
aberta.
5. Diga a essa pessoa, ou pessoas, que as respeita e a tudo o
que lhes aconteceu. Diga-lhes que não serão esquecidas e
que serão lembradas com amor.
6. Visualize-as em paz.
7. Sinta-as a dar-lhe a sua bênção para ter uma vida plena.
Sinta os seus votos de felicidade a ter um efeito físico no seu
corpo enquanto inspira. Ao expirar, sinta as emoções da sua
frase nuclear a abandonar o corpo. Sinta o medo a dissipar-se
como se o botão da intensidade tivesse sido rodado para o
zero.
8. Faça isto durante vários minutos, até o seu corpo se aquietar.

A sua frase nuclear: o caminho para transformar o


medo

De todas as ferramentas da linguagem nuclear que vai


aprender neste livro, a frase que descreve o seu maior medo, a
sua frase nuclear, é o caminho mais direto para desvendar
traumas familiares não resolvidos. A frase nuclear não só o conduz
à fonte do medo, como o liga também aos sentimentos de
traumas familiares não resolvidos que possam ainda residir no
corpo. Com a fonte à vista, o medo pode começar a levantar. Eis
os dez atributos fundamentais da frase nuclear:

A frase nuclear: dez atributos fundamentais

1. Está muitas vezes ligada a um acontecimento traumático na


sua história familiar ou infância.
2. Começa frequentemente pela expressão “Eu” ou “Eles”.
3. Tem muito poucas palavras, mas é dramática.
4. Contém a linguagem emocionalmente carregada do seu
maior medo.
5. Causa uma reação física, quando proferida.
6. Pode recuperar a “linguagem perdida” de um trauma e
localizar onde teve origem essa linguagem na sua história
familiar.
7. Pode recuperar memórias traumáticas que não puderam ser
integradas.
8. Pode proporcionar-lhe um contexto para entender as
emoções, sensações e sintomas que tem vindo a experienciar.
9. Visa a causa, não os sintomas.
10. Tem o poder, quando proferida, de o libertar do passado.

No próximo capítulo, aprenderá a construir a sua árvore


genealógica de modo a encontrar o trauma nuclear associado à
sua frase nuclear. Antes de lá irmos, tracemos mais uma vez o seu
mapa da linguagem nuclear.

Exercício de escrita n.º 9:


Construir o mapa da linguagem nuclear

1. Escreva a sua queixa nuclear. Eis um exemplo de uma


queixa nuclear de Mary, cujo irmão mais velho nasceu morto
e nunca era referido ou nomeado:
• “Não me enquadro. Sinto que não pertenço. Sinto-me
como se fosse invisível. Ninguém me vê. Sinto-me como
se estivesse a observar a vida, mas sem fazer parte
dela.”

2. Escreva os seus descritores nucleares sobre a sua mãe e o


seu pai. Eis os descritores nucleares de Mary:
• “A minha mãe era bondosa, frágil, terna, deprimida,
preocupada e ausente. Cu lpo-a por não estar lá para
mim. Sentia que tinha de tomar conta dela.”
• “O meu pai era divertido, solitário, distante, estava muito
tempo fora e trabalhava muito. Culpo-o por não estar por
perto.”

3. Escreva a frase nuclear – o seu maior medo. Eis o maior


medo de Mary:
• “Sentir-me-ei sempre sozinha e excluída.”

Reuniu agora toda a linguagem nuclear de que precisa para o


levar ao quarto e último passo – como desvendar o trauma
nuclear na sua família.
Capítulo 9
O trauma nuclear
As atrocidades… recusam-se a ser enterradas… A
sabedoria popular está cheia de fantasmas que se
recusam a repousar nos túmulos até as suas histórias
serem contadas.
– Judith Herman, Trauma and Recovery

Juntemos todas as peças do mapa da linguagem nuclear. Até


aqui, aprendemos a extrair as pérolas de linguagem nuclear
contidas na queixa nuclear. Aprendemos também a analisar os
descritores nucleares, como os adjetivos que usamos para
descrever os pais dizem muitas vezes mais sobre nós do que
sobre eles. Aprendemos ainda que a frase que expressa o nosso
maior medo, a nossa frase nuclear, nos pode levar de volta a um
trauma no sistema familiar. A última coisa que precisamos de
aprender é a construir uma ponte para chegar ao trauma nuclear,
o trauma não resolvido na infância ou na história familiar.
Sequencialmente, as quatro ferramentas do mapa da
linguagem nuclear são a queixa nuclear, os descritores nucleares,
a frase nuclear e o trauma nuclear. Existem duas formas de
desvendar o trauma nuclear. Uma é através de um genograma,
um diagrama de uma árvore genealógica. A outra é através de
uma pergunta de ligação.

A pergunta de ligação
Como aprendemos com Zach no capítulo anterior, uma forma
de chegar ao trauma subjacente é fazer uma pergunta de ligação.
Esta pode invocar o familiar de quem herdámos a nossa frase
nuclear. Uma vez que a nossa frase nuclear pode ter origem numa
geração anterior, localizar o seu legítimo proprietário pode trazer
paz e compreensão, não só para nós, mas também para os nossos
filhos.
No caso de Zach, a pergunta de ligação – ”Quem na sua
família cometeu um crime e nunca foi castigado por isso?” –
levou-nos ao avô, que, enquanto poderoso oficial do governo de
Mussolini, lesou muitas pessoas. Como pode imaginar, os
familiares de Zach raramente, ou nunca, falavam sobre o que o
avô tinha feito durante a guerra.
Em termos simples, uma pergunta de ligação é uma pergunta
que liga o presente ao passado. Desenterrar os sentimentos do
seu maior medo pode levá-lo à pessoa que, no seu sistema
familiar, tinha razões para se sentir da mesma forma.
Se o seu maior medo for, por exemplo, a possibilidade de
“magoar uma criança”, transforme esse medo numa pergunta.
Pense em todas as combinações relevantes que se poderiam
expressar num medo transportado por um descendente da família.

O Medo: “Posso magoar uma criança”

Possíveis perguntas de ligação

Quem, no seu sistema familiar, poderá ter-se culpado por


magoar uma criança ou não a manter segura?
Quem poderá ter-se considerado responsável pela morte
de uma criança?
Quem poderá ter-se sentido culpado por ações ou
decisões que magoaram uma criança?
Que criança no seu sistema familiar foi magoada,
negligenciada, abandonada ou maltratada?

Uma ou mais destas perguntas levá-lo-ão provavelmente à


fonte do seu medo. No entanto, a fonte pode nem sempre estar
facilmente acessível. Muitos pais e avós mantêm o passado da
família firmemente selado, e assim informações valiosas podem
perder-se para sempre.
Quando em profundo sofrimento, as pessoas tentam muitas
vezes distanciar-se da dor emocional, evitando-a. Deste modo,
julgam estar a proteger-se e a proteger os seus filhos. Na
verdade, ignorar a dor aprofunda-a. O que está escondido da vista
aumenta muitas vezes de intensidade. Guardar silêncio sobre a
dor familiar raramente é uma estratégia eficaz para a curar. O
sofrimento voltará a emergir mais tarde, expressando-se muitas
vezes nos medos e sintomas de uma geração posterior.
Mesmo que não consiga descobrir o que aconteceu na sua
família, pode ainda assim completar o seu mapa da linguagem
nuclear. A sua frase nuclear fornecer-lhe-á as pistas necessárias
para lhe apontar a direção de um trauma familiar. A pergunta de
ligação unirá pontos suficientes, mesmo que os pormenores
específicos sejam vagos ou estejam ausentes.

A história de Lisa
Lisa descrevia-se como uma mãe superprotetora. Tinha pavor
de que algo terrível acontecesse a um dos filhos, pelo que jamais
os perdia de vista. Apesar de nunca ter acontecido algo de
significativo a qualquer um dos três filhos, Lisa era assombrada
pela sua frase nuclear: “O meu filho vai morrer.” Lisa sabia muito
pouco sobre a sua história familiar, mas ao seguir o medo da sua
frase nuclear, colocou as seguintes perguntas de ligação:

Quem na família teve um filho que morreu?


Quem na família não conseguiu manter o filho a salvo?

A única informação de que Lisa dispunha era que os avós


tinham viajado para a América a partir da região ucraniana dos
Montes Cárpatos. Fugidos à carestia e à fome, os avós nunca
falavam sobre as dificuldades sofridas. Os filhos sabiam que não
deviam perguntar.
A mãe de Lisa era a mais nova dos filhos e a única a ter
nascido na América. Embora não soubesse ao certo os
pormenores, suspeitava que algumas das crianças não tinham
sobrevivido à viagem. O mero facto de trazer esta informação à
superfície aumentou o entendimento de Lisa sobre o medo que
carregava. Reconheceu que a frase “o meu filho vai morrer”
pertencia, muito provavelmente, aos avós. Fazer esta ligação
reduziu de imediato a intensidade do seu medo. Lisa foi capaz de
se preocupar menos e desfrutar mais dos filhos.
Ao fazer as perguntas de ligação, pode defrontar-se com um
acontecimento traumático na sua família que nunca foi totalmente
resolvido. Pode dar por si frente a frente com familiares que
sofreram terrivelmente. Pode estar a arcar com as suas
consequências.

Exercício de escrita n.º 10:


Identificar perguntas de ligação a partir da sua frase
nuclear

A minha frase nuclear:


As minhas perguntas de ligação:

Uma pergunta de ligação é uma das formas de descobrir o


trauma por resolver na sua família. Outra é mapear a sua árvore
genealógica e construir um genograma em papel.

O genograma

Um genograma é uma representação visual a duas dimensões


de uma árvore genealógica. Eis os passos para criar o seu:

1. Recuando três ou quatro gerações na família, construa um


diagrama que inclua os seus pais, avós, bisavós, irmãos,
tios e tias. Não tem de recuar além dos bisavós. Utilizando
quadrados para representar os homens e círculos para
representar as mulheres, crie a sua árvore genealógica.
(Ver diagrama da página 152.) Pode utilizar linhas para
representar os ramos da árvore genealógica, mostrando
quem pertence a que geração. Inclua os filhos dos seus
pais, avós e bisavós. Não precisa de incluir os filhos de
tias, tios ou irmãos. Como quer que trace isto estará bem.

2. Ao lado de cada membro da família (representado por um


quadrado ou um círculo), escreva os traumas significativos
e destinos difíceis que essa pessoa experienciou. Se os
seus pais ainda estiverem vivos, pode perguntar-lhes o
que sabem. Não se preocupe se houver respostas que não
consegue obter. O que souber deve bastar. Entre os
acontecimentos traumáticos, contam-se estes: Quem
morreu cedo? Quem partiu? Quem foi abandonado,
isolado ou excluído da família? Quem foi adotado ou deu
um filho para adoção? Quem morreu no parto? Quem deu
à luz um nado-morto ou sofreu um aborto? Quem
cometeu suicídio? Quem cometeu um crime? Quem sofreu
um trauma significativo ou viveu um acontecimento
catastrófico? Quem perdeu a sua casa ou os seus bens e
teve dificuldade em recuperar? Quem foi esquecido ou
sofreu na guerra? Quem morreu ou participou no
Holocausto ou em algum outro genocídio? Quem foi
assassinado? Quem assassinou alguém? Quem se sentia
responsável pela morte ou infortúnio de alguém?
Estas perguntas são importantes. Se um familiar seu lesou
ou assassinou alguém, inclua a pessoa lesada ou
assassinada na sua árvore genealógica. As vítimas
afetadas por pessoas da sua família têm de ser incluídas,
pois são agora membros do seu sistema familiar com os
quais se pode identificar. De igual modo, inclua qualquer
pessoa que tenha lesado ou assassinado um membro da
sua família, pois pode também identificar-se de forma
inconsciente com esse indivíduo.
Continue. Quem magoou, traiu ou tirou partido de
alguém? Quem beneficiou com a perda de outrem? Quem
foi injustamente acusado de algo? Quem foi preso ou
institucionalizado? Quem tinha uma deficiência física,
emocional ou mental? Que pai ou avô tinha um
relacionamento significativo antes de se casar, e o que
aconteceu? Inclua quaisquer antigos parceiros dos seus
pais e avós. Inclua qualquer outra pessoa de que se
consiga lembrar que foi profundamente magoada por
alguém ou magoou profundamente outrem.

3. No topo do genograma, escreva a sua frase nuclear.


Agora, olhe para todos os que pertencem ao seu sistema
familiar. Quem poderia ter tido razões para se sentir da
mesma forma que você se sente? Essa pessoa pode ser a
sua mãe ou o seu pai, sobretudo se um deles teve um
destino difícil ou era desrespeitado pelo outro. Pode
também ser a irmã da sua avó, que foi institucionalizada,
ou o irmão mais velho que a sua mãe abortou antes de o
ter. Muitas vezes, é alguém de quem não se fala muito na
sua família.

Veja o exemplo seguinte. Este genograma conta a história de


uma mulher chamada Ellie, que se debatia com o medo de
enlouquecer. Até construir a linha materna do seu genograma,
Ellie acreditava que era a fonte desse medo.
No genograma, é fácil ver que a sensação de enlouquecer não
teve origem na geração atual com Ellie. A tia-avó de Ellie foi
institucionalizada aos 18 anos e morreu sozinha e esquecida.
Ninguém na família dizia o seu nome ou contava a sua história.
Ellie nem sequer sabia que a avó tinha irmãos e só descobriu a
informação através de repetidas indagações.
Curiosamente, a tia-avó foi internada num hospital público aos
18 anos – a mesma idade que a bisavó tinha quando começou um
incêndio que lhe matou o filho recém-nascido. Com três gerações
em vista, foi possível um novo entendimento para Ellie. De quem
eram os sentimentos de insanidade que a tia-avó tinha estado a
reviver? E, mais importante, que história tentava Ellie trazer de
novo para primeiro plano ao partilhar o mesmo medo? Com o
genograma traçado, a nebulosa memória da família de Ellie
começava agora a tornar-se clara.
Para Ellie, o medo de enlouquecer surgiu assim que fez 18
anos e terminou o secundário. O mesmo medo que tinha vindo a
exaurir a sua força vital conduzia-a agora à autodescoberta.
Quanto mais estudava o genograma, mais ligações começava a
fazer.
Ellie lembrava-se de a sua mãe lhe dizer que sofrera de
depressão pós-parto no seu primeiro ano de vida. No seu
sofrimento, a mãe de Ellie era também um recetáculo para o
trauma da bisavó. A mãe de Ellie admitiu que, mal Ellie nasceu,
começou a ficar obcecada com a possibilidade de algo correr
terrivelmente mal. Nomeadamente, tinha pavor de fazer algo
inadvertidamente e, como consequência, Ellie morresse.
Sentimentos insuportáveis de terror surgiram durante a gravidez e
intensificaram-se depois de Ellie ter nascido. A mãe de Ellie nunca
associou a depressão ao que acontecera na sua família. O que não
era conscientemente discutido na família expressava-se de forma
inconsciente através de medos, sentimentos e comportamentos
dos seus membros.

Exercício de escrita n.º 11:


Criar o genograma

Utilizando quadrados para os homens e círculos para as


mulheres, posicione os membros da sua família, juntamente
com os traumas significativos e destinos difíceis que sofreram.
Use uma folha inteira em branco para este exercício. Escreva a
sua frase nuclear no topo da página.
Agora, descontraia e olhe para o seu genograma. Sem se
concentrar demasiado, deixe que os olhos assimilem o quadro
global. Absorva a energia de ambos os lados da família. Sinta a
qualidade do peso, a leveza ou a carga das emoções, com que
nasceu. Compare a linha paterna com a linha materna. Qual dos
lados parece mais pesado? Que lado tem uma sensação mais
penosa? Veja os acontecimentos traumáticos. Quem sofreu o
destino mais difícil? Quem teve a vida mais difícil? Como se
sentiam os outros membros da família em relação a essa pessoa?
Quem ou o quê raramente era discutido na sua família? Não se
preocupe se a informação que tem for incompleta. Deixe que os
pensamentos, os sentimentos e as sensações físicas sejam o seu
guia.
Agora, diga a sua frase nuclear em voz alta. Quem na família
teria partilhado um sentimento similar? Quem se teria debatido
com emoções parecidas? Provavelmente, a sua frase nuclear já
existia muito antes de ter sequer nascido.
Vamos conhecer Carole, cuja frase nuclear tinha origem na
avó. Desde os 11 anos que Carole tinha excesso de peso. Em
adulta, o peso andava constantemente acima dos cento e trinta
quilos. Aos 38 anos, estava no topo da sua faixa de peso. Carole
tinha muito poucos relacionamentos e nunca casara.
Carole dizia sentir-se “asfixiada e sufocada” pelo seu peso e
que estava a ser “traída pelo corpo”. Imediatamente, ouvimos a
sua linguagem nuclear a pedir para ser decifrada, como se algo na
sua família procurasse resolução. Sabendo o que já sabemos
sobre linguagem nuclear, poderíamos colocar as seguintes
perguntas de ligação: Quem na família se sentia traído pelo corpo?
Quem foi asfixiado? Quem foi sufocado?
Carole passou a explicar. “Desenvolvi-me cedo, muito antes das
outras raparigas. Tive o período aos 11 anos e comecei a odiar o
meu corpo logo aí. Sentia que o meu corpo me tinha traído ao
desenvolver-se tão cedo. Foi então que comecei a ganhar peso.”
Mais uma vez, essa ideia interessante de se sentir traída pelo
próprio corpo. E agora, uma nova pista: Carole sentira-se traída
pelo corpo depois de este se tornar um corpo de mulher, um
corpo capaz de gerar vida no seu ventre.
Juntando esta informação à mistura, surgem na mente mais
perguntas de ligação: Que mulher na família de Carole se sentia
traída pelo seu ventre? Que coisa terrível podia acontecer a Carole
caso se tornasse mulher ou engravidasse?
Todas as perguntas até agora acertaram em cheio – só ainda
não o sabemos.
Junte-se à mistura o maior medo de Carole: “Ficarei sozinha e
sem ninguém.”
Com mais de cento e trinta quilos e isolada dos outros, Carole
estava bem encaminhada para fazer do seu maior medo realidade.
Agora, juntemos todas as peças e investiguemos o mapa da
linguagem nuclear de Carole. Lembre-se, a angústia de Carole
começou depois de o seu útero se tornar fértil. Eis as palavras que
utilizou, as palavras que formam o seu mapa da linguagem
nuclear.

Mapa da linguagem nuclear de Carole


Queixa nuclear de Carole: “Sinto-me asfixiada e sufocada
por todo este peso. Sinto-me traída pelo meu corpo.”
Frase nuclear de Carole: “Ficarei sozinha e sem ninguém.”
Perguntas de ligação de Carole: Eis as perguntas de
ligação que ajudaram Carole a fazer a associação entre um
acontecimento traumático na família e o aumento excessivo de
peso:

Quem na família se sentia traído pelo corpo?


Quem foi asfixiado?
Quem foi sufocado?
Que mulher na família se sentia traída pelo seu ventre?
Que coisa terrível acontecia a uma mulher que
engravidasse?
Quem se sentia sozinho e sem ninguém?

Trauma nuclear de Carole: Visitemos agora o trauma


nuclear, o acontecimento traumático, a tragédia por resolver na
família de Carole. A avó tinha três filhos: um rapaz, a mãe de
Carole e outro rapaz. Ambos os rapazes sofreram de asfixia no
canal de parto da avó durante o nascimento e, em resultado da
grave privação de oxigénio, desenvolveram deficiências mentais.
Viveram na cave da casa rural da avó, no Kentucky, durante quase
cinquenta anos. A avó passou o resto da vida vazia e de coração
partido.
Apesar de, provavelmente, nunca ter sido dita em voz alta, a
frase “o meu corpo traiu-me” pertencia claramente à avó de
Carole. O seu corpo tinha “sufocado” os bebés. Vivia “sozinha”,
envolta em dor e culpa. Os dois rapazes, que tinham sido
“asfixiados pelo peso” que os apertava, viviam também
completamente sozinhos na cave, isolados do mundo exterior.
Também a mãe de Carole se sentiu sozinha durante toda a
infância, descrevendo a mãe como “fisicamente presente, mas não
a nível emocional”. A linguagem nuclear de Carole e o seu corpo
tinham vindo, inadvertidamente, a contar a história toda.
Revisitemo-la uma vez mais. Quando atingiu a idade suficiente
para conceber um filho, Carole ganhou peso e isolou-se dos que a
rodeavam. Manter-se isolada garantia que jamais engravidaria e
sofreria como a avó sofrera. Tinha uma vida solitária, sentindo-se
sozinha no seu mundo, como a avó na sua desolação, como os
tios na cave e como a mãe, cuja vida estava eivada de tristeza.
Carole utilizava as palavras “asfixiada e sufocada” para
descrever a sensação de opressão causada pelo seu peso. Mas
estas palavras tinham um significado mais profundo naquele
contexto familiar. Eram as palavras não pronunciadas do trauma
da sua família. Provavelmente, eram palavras que ninguém se
atrevia a dizer diante da avó. No entanto, estas palavras seriam
importantes para a capacidade de esta família sarar após um
acontecimento tão horrivelmente trágico. Se a avó tivesse
conseguido aceitar a magnitude da tragédia, se tivesse
conseguido chorar as perdas sem se culpar e sentir traída pelo
corpo, esta família poderia ter tido oportunidade de seguir um
caminho diferente. Carole poderia não ter tido de carregar o
sofrimento da família como peso no seu corpo.
Acontecimentos trágicos como este podem estilhaçar a
resiliência de uma família e fazer desabar os muros de suporte.
Podem desgastar o fluxo de amor de pais para filhos e lançar os
nossos filhos à deriva num mar de tristeza.
Tal como a maioria de nós, Carole nunca fizera a ligação de
que estava a carregar o sofrimento da sua história familiar.
Pensava que o sofrimento tinha origem algures no seu interior.
Pensava que devia haver algo de errado em quem era. Assim que
entendeu que o sentimento de ser traída pelo corpo era da avó, e
não seu, Carole entrou num caminho para a liberdade.
Assim que reconheceu que estivera a absorver o sofrimento da
família pela avó, pelos tios e pela mãe, todo o seu corpo começou
a tremer. Um peso emocional começava a levantar, permitindo-lhe
habitar os lugares no seu interior que há muito estavam fechados.
Não tardaria a que Carole ganhasse uma consciência física do seu
corpo que lhe permitiria fazer escolhas diferentes quanto ao seu
estilo de vida.
A linguagem nuclear de Carole foi o veículo que pôs em
marcha a cura desta família. Foi a oportunidade de a família curar
o que ainda não curara. Visto de outra forma, o sofrimento de
Carole foi apenas o mensageiro, trazendo cura à difícil tragédia da
sua família. Foi como se a dor familiar tivesse estado a apelar à
cura e à resolução, e as palavras e o corpo de Carole fornecessem
o mapa.
Tal como o de Carole, também o seu mapa da linguagem
nuclear o pode levar numa viagem curativa. Com a ligação à sua
história familiar em vista, o único passo que falta é levar tudo o
que descobriu de volta a si. O que tem estado silenciado ou
invisível na sua história familiar tem, provavelmente, estado
escondido nas sombras do seu próprio autoconhecimento. Assim
que fizer a ligação, o que antes era invisível pode tornar-se uma
oportunidade de cura. Às vezes, as novas imagens que surgem
exigem o nosso cuidado e atenção para serem plenamente
integradas. No capítulo que se segue, será guiado através de
exercícios e receberá práticas e frases que fortalecerão essas
imagens, levando-o a uma maior plenitude e liberdade.
Capítulo 10
Da perceção à integração
O ser humano é uma parte do todo… [ainda que]
se percecione, e aos seus pensamentos e
sentimentos, como algo separado do resto – uma
espécie de ilusão de ótica da sua consciência.
– Albert Einstein para Robert S. Marcus, 12 de fevereiro de 1950

A ilusão de ótica a que Einstein se refere é a ideia de que


estamos separados dos que nos rodeiam, bem como daqueles que
nos precederam. No entanto, como vimos uma e outra vez,
estamos ligados às pessoas da nossa história familiar cujos
traumas não resolvidos se tornaram a nossa herança. Quando a
ligação permanece inconsciente, podemos viver aprisionados em
sentimentos e sensações que pertencem ao passado. Com a nossa
história familiar em vista, porém, os caminhos que nos libertarão
iluminam-se.
Por vezes, o simples ato de ligarmos a nossa experiência a um
trauma não resolvido na família é suficiente. Como vimos com
Carole, no capítulo anterior, assim que ligou os sentimentos da
linguagem nuclear ao trauma da família, o seu corpo começou
imediatamente a tremer, como se estivesse a sacudir o que
pertencia ao passado. Para Carole, a mera consciência foi
suficientemente profunda para iniciar uma reação visceral que
conseguiu sentir no seu âmago.
Para alguns de nós, a consciência do que aconteceu nas nossas
famílias tem de ser acompanhada por um exercício ou experiência
que suscite uma libertação ou crie uma maior tranquilidade nos
nossos corpos.

A casa do mapa

Por esta altura do livro, provavelmente já reuniu as peças


essenciais do seu mapa da linguagem nuclear. Provavelmente,
descobriu palavras ou frases que julgava serem suas, mas que
podem, na realidade, ter pertencido a outros. Provavelmente,
estabeleceu também ligações na sua história familiar,
desvendando acontecimentos traumáticos ou lealdades implícitas
que semearam essa linguagem. Agora é tempo de juntar todas as
peças e dar o próximo passo. Eis uma lista do que vai precisar:

A sua queixa nuclear – a linguagem nuclear que descreve


a sua mais profunda preocupação, dificuldade ou queixa;
Os seus descritores nucleares – a linguagem nuclear que
descreve os seus pais;
A sua frase nuclear – a linguagem nuclear que descreve o
seu maior medo;
O seu trauma nuclear – o acontecimento ou
acontecimentos na sua família que estão por detrás da sua
linguagem nuclear.

Exercício de escrita n.º 12:


Fazer as pazes com a história familiar
1. Escreva a linguagem nuclear que tem mais carga emocional
ou que mais emoção evoca em si ao proferi-la em voz alta.
2. Registe também o acontecimento ou acontecimentos
traumáticos associados a essa linguagem nuclear.
3. Faça uma lista de todas as pessoas cujas vidas foram tocadas
por esse acontecimento. Quem foi mais afetado? A sua mãe?
O seu pai? Um avô? Um tio? Uma tia? Quem não é
reconhecido ou mencionado? Há algum irmão que tenha sido
dado para adoção ou que não sobreviveu? Algum dos avós ou
bisavós deixou a família, morreu jovem ou sofreu de alguma
forma terrível? Algum dos pais ou avós teve um noivado ou
casamento anterior? Essa pessoa é reconhecida na família?
Há alguém exterior à sua família que tenha sido julgado,
rejeitado ou culpado por lesar um dos seus membros?
4. Descreva o que aconteceu. Que imagens lhe surgem na
mente ao escrever isto? Reserve um minuto e visualize o que
poderão ter sentido ou passado. O que acontece no seu
corpo ao pensar nisto?
5. Há algum membro da família para o qual se sinta
particularmente atraído? Sente-se emocionalmente puxado?
Repercute-se no seu corpo? Em que parte do seu corpo sente
isto? É um local com que está familiarizado? Sente
sensibilidade ou sintomas nessa mesma área?
6. Coloque a mão nessa parte do corpo e deixe que a respiração
encha essa área.
7. Visualize o membro ou membros da família envolvidos nesse
acontecimento. Diga-lhes: “São importantes. Farei algo de
significativo para vos honrar. Farei com que algo de bom
resulte desta tragédia. Viverei a minha vida o mais
plenamente possível, sabendo que é isso que querem para
mim.”
8. Construa uma linguagem pessoal que reconheça a ligação
única que partilha com essa ou essas pessoas.
Criar frases de cura pessoal

A repetição inconsciente pode prolongar-se durante gerações.


Assim que reconhecermos que temos vindo a carregar
pensamentos, emoções, sentimentos, comportamentos ou
sintomas que não tiveram origem em nós, podemos quebrar o
ciclo. Começamos por empreender uma ação consciente que
reconhece o acontecimento trágico e as pessoas envolvidas.
Muitas vezes, isto parte de uma conversa que temos internamente
ou com um familiar – pessoalmente ou através da visualização. As
palavras certas podem libertar-nos dos laços e lealdades familiares
inconscientes, e pôr termo ao ciclo do trauma herdado.
Para Jesse, o jovem com insónias que, aos 19 anos, começou a
reproduzir aspetos da morte do tio numa tempestade de neve, a
conversa teve lugar no meu gabinete. Pedi-lhe que visualizasse o
tio à sua frente e falasse diretamente com ele, silenciosamente no
seu interior, se assim o desejasse. Ajudei Jesse a construir as
palavras e sugeri-lhe que dissesse isto ao tio: “Todas as noites
tremo, e desde o meu décimo nono aniversário que tenho
dificuldade em deixar-me adormecer.” A respiração de Jesse
aprofundou-se. Ouvi uma aspereza na sua expiração. As pálpebras
começaram a tremular, libertando uma lágrima do canto do olho.
“A partir de agora, tio Colin, viverá no meu coração – não na
minha insónia.” Ao dizer as palavras, mais lágrimas começaram a
cair. “Ouça o seu tio”, disse-lhe eu nesse momento, “dizer-lhe para
exalar e lhe devolver o seu medo. Essa insónia não lhe pertence.
Nunca pertenceu”.
Só de ter esta conversa com o tio – o tio que nunca soubera
que tinha –, Jesse começou a acalmar. Enquanto expirava, os
maxilares relaxaram e os ombros descaíram. A cor começou a
regressar-lhe às faces. Os olhos pareceram recuperar a vida. Algo
nas profundezas do seu íntimo estava a deixar ir.
Apesar de estar apenas a imaginar esta conversa com o tio,
estudos cerebrais demonstram que Jesse estava efetivamente a
ativar os mesmos neurónios e regiões do cérebro que seriam
ativados se estivesse realmente a ter esta experiência curativa
com o tio em pessoa. Após a nossa sessão, Jesse disse ter
conseguido dormir a noite inteira sem interrupções.

Exemplos de frases curativas

Um homem com quem trabalhei reconheceu que tinha vindo a


partilhar inconscientemente da solidão e do isolamento do avô
rejeitado. Proferiu estas palavras:
“Tenho estado isolado e só, tal como tu. Vejo que isto nem
sequer me pertence. Sei que não é o que queres para mim. E sei
que te pesa ver-me sofrer desta maneira. De hoje em diante,
viverei a minha vida ligado às pessoas que me rodeiam. Deste
modo, honrar-te-ei.”
Outra cliente entendeu que tinha vindo a partilhar
inconscientemente dos fracassos relacionais e da infelicidade da
mãe e da avó. Disse estas frases:
“Mãe, por favor, dá-me a tua bênção para ser feliz com o meu
marido, apesar de não teres podido ser feliz com o pai. Para vos
honrar, a ti e ao pai, desfrutarei do meu amor com o meu marido,
para que ambos possam ver que as coisas me correm bem.”
Uma jovem com quem trabalhei em tempos admitiu que vivia
num estado ansioso e contraído desde que se recordava. Disse
estas palavras à mãe, que morreu ao dá-la à luz:
“Sempre que me sentir ansiosa, sentir-te-ei a sorrir para mim,
a apoiar-me, a abençoar-me para que fique bem. Sempre que
sentir a minha respiração a mover-se no meu interior, sentir-te-ei
ali comigo e saberei que estás feliz por mim.”

Frases de cura adicionais


“Em vez de reviver o que te aconteceu, prometo viver a
minha vida plenamente.”
“O que te aconteceu não será em vão.”
“Utilizarei o que aconteceu como fonte de força.”
“Honrarei a vida que me deste fazendo algo de bom com
ela.”
“Farei algo de significativo e dedicar-to-ei.”
“Não te deixarei de fora do meu coração.”
“Acenderei uma vela por ti.”
“Honrar-te-ei vivendo plenamente.”
“Viverei a minha vida com amor.”
“Farei com que algo de bom resulte desta tragédia.”
“Agora compreendo. Ajuda compreender.”

Das frases curativas às imagens curativas

Quer tenhamos ou não consciência disso, a nossa vida é


profundamente influenciada pelas imagens interiores, crenças,
expectativas, pressupostos e opiniões que temos. Impressões
intrínsecas como “a vida nunca me corre bem”, “vou falhar por
mais que tente” ou “tenho um sistema imunitário fraco” podem
traçar uma planta para o desenrolar das nossas vidas, limitando a
forma como absorvemos novas experiências e afetando o modo
como saramos. Imagine o efeito sobre o seu corpo da imagem
interior “a minha infância foi difícil”. Ou da imagem “a minha mãe
era cruel”. Ou “o meu pai era emocionalmente abusivo”. Ainda que
possa haver uma grande medida de verdade nessas imagens,
podem também não revelar toda a história. Todos os dias da sua
infância foram difíceis? O seu pai nunca foi amável? A sua mãe
nunca foi afetuosa? Tem acesso a todas as suas primeiras
memórias de ser abraçado, alimentado e aconchegado no berço à
noite, quando era bebé? Lembre-se de que, tal como aprendemos
no Capítulo 5, muitos de nós agarram-se apenas às memórias
concebidas para nos proteger de voltarmos a ser magoados,
memórias que sustentam as nossas defesas, memórias que os
biólogos evolutivos dizem fazer parte do nosso “viés da
negatividade” inato. Poderá haver memórias em falta? E, mais
importante, já fez estas perguntas: O que estava por detrás da
crueldade da minha mãe? Que acontecimento traumático estava
subjacente à frustração do meu pai?
Ao criar as suas frases de cura, pode ter sentido já uma nova
experiência interior começar a ganhar raiz. Pode ter-lhe surgido na
forma de uma imagem ou sensação, talvez de um sentimento de
pertença ou ligação. Talvez tenha podido sentir o apoio de
familiares a olhar por si. Talvez tenha experienciado uma maior
sensação de paz, como se algo por resolver estivesse finalmente a
completar-se.
Todas estas experiências podem ter um poderoso efeito na
cura. Essencialmente, determinam um ponto de referência interior
de plenitude, ponto esse a que podemos regressar sempre que os
velhos sentimentos ameaçam a nossa estabilidade. Estas novas
experiências funcionam como novas memórias, acompanhadas por
novas perceções, novas imagens, novos sentimentos e novas
sensações no corpo. Podem ser transformadoras, suficientemente
poderosas para eclipsar as velhas imagens limitadoras que têm
vindo a gerir a nossa vida.
Estas novas experiências e imagens continuam a aprofundar-se
através de rituais, exercícios e prática. Eis algumas formas
criativas de escorar o seu processo de cura à medida que este se
continua a desenrolar.

Exemplos de rituais, exercícios, práticas e imagens


curativas

Pôr uma fotografia na secretária: Um homem que


entendia ter estado a reviver a culpa do avô pôs uma
fotografia dele em cima da sua secretária. Enquanto
expirava, visualizava-se a deixar os sentimentos de culpa
com o avô. Sempre que repetia este ritual, sentia-se mais
leve e livre.

Acender uma vela: Uma mulher cujo pai morrera


quando ela era bebé não tinha qualquer memória dele.
Separada do marido aos 29 anos – a mesma idade do pai
quando morrera –, partilhava inconscientemente da
desconexão do pai à família. Durante dois meses, todas as
noites acendeu uma vela, imaginando que a chama da
vela queimava uma abertura para os dois se
reencontrarem. Falava com o pai e sentia a sua presença a
reconfortá-la. Quando o ritual terminou, os sentimentos de
desconexão tinham diminuído e uma nova sensação de ser
amada por um pai afetuoso expandira-se no seu interior.

Escrever uma carta: Um homem que deixara


abruptamente a noiva que conhecera na universidade
dava por si, vinte anos depois, ainda a ter dificuldades nos
relacionamentos. Soubera que a noiva morrera no ano a
seguir à separação. Embora soubesse que ela nunca
receberia a sua carta, escreveu-lhe a pedir desculpa pelo
seu descaso e indiferença. Na carta, escreveu-lhe:
“Lamento muito. Sei o quanto me amavas e o quanto te
magoei. Deve ter sido terrível para ti. Lamento mesmo
muito. Sei que nunca poderei entregar esta carta, mas
espero que possas receber as minhas palavras.” Depois de
escrever esta carta, o homem sentiu uma sensação de paz
e completude que não sabia explicar.

Pôr uma fotografia por cima da cama: Uma mulher


que passara a vida a rejeitar a mãe deu-se conta de que
uma separação precoce numa incubadora a tornara
desconfiada, impedindo-a de receber o seu amor.
Começou também a ver como rechaçar a mãe se tinha
tornado uma planta para rechaçar relacionamentos. Colou
uma fotografia da mãe à parede, por cima da almofada, e
pediu-lhe que a abraçasse todas as noites enquanto
dormia e as suas defesas afrouxavam. Enquanto jazia na
cama, podia sentir a mãe a acariciá-la. Descreveu o amor
da mãe como uma corrente de energia que lhe dava
forças. Em poucas semanas, conseguiu sentir mais
tranquilidade no corpo ao acordar. Em poucos meses, deu
por si a sentir o apoio da mãe como uma sensação física
que a acompanhava ao longo do dia. Ao fim do ano, viu
mais pessoas entrarem na sua vida de forma substancial.
(Nota: A mãe desta mulher em particular ainda estava
viva; no entanto, esta prática é eficaz independentemente
de o progenitor estar vivo ou morto.)

Desenvolver uma imagem de apoio: Um súbito acesso


de ansiedade num rapaz de 7 anos expressava-se no
arrancar de grande parte dos cabelos na coroa da cabeça,
uma condição conhecida como tricotilomania. A ansiedade
parecia ter origem na história familiar. Quando a mãe tinha
7 anos, viu a sua própria mãe morrer subitamente de um
aneurisma cerebral. A dor era tão grande que a mãe
nunca falava sobre a avó do rapaz. Quando partilhou o
que acontecera, ele começou imediatamente a relaxar. A
mãe fê-lo imaginar a falecida avó como um anjo da
guarda a protegê-los a ambos. Mostrou-lhe uma imagem
de uma auréola e disse-lhe para imaginar que o amor da
avó era como uma auréola a acariciar-lhe a cabeça.
Sempre que tocasse no topo da cabeça, sentiria uma
sensação de paz. Nesse dia, ele parou de arrancar os
cabelos.
Criar um limite: Outra mulher cresceu sobrecarregada
por se sentir responsável pela felicidade e o bem-estar da
mãe alcoólica. À medida que este padrão de cuidados se
prolongava para a idade adulta, tornou-se difícil para ela
permitir-se receber o carinho e o apoio dos outros. Era
difícil estar numa relação sem se sentir simultaneamente
responsável pelos sentimentos das pessoas e sufocada
pelas suas necessidades. Na sua prática diária, sentava-se
no chão e traçava um círculo em redor do seu corpo com
um fio, notando que, ao delimitar um espaço para si,
começava logo a respirar melhor. Em conversa interior,
dizia à progenitora: “Mãe, este é o meu espaço. Tu estás
aí e eu estou aqui. Quando era pequena, teria feito tudo
para te fazer feliz, mas era demasiado para mim. Agora,
sinto que tenho de fazer toda a gente feliz e isso torna a
proximidade sufocante. Mãe, a partir de agora, os teus
sentimentos estão aí contigo e os meus estão aqui
comigo. Neste limite, honrarei os meus próprios
sentimentos para não ter de me perder quando começar a
sentir-me ligada a alguém.”

Os rituais e as práticas que acabo de descrever podem parecer


pequenos em comparação com a enorme dor que alguém
carregou durante anos, mas a ciência diz-nos que quanto mais
repetirmos e revisitarmos estas novas imagens e experiências,
mais as mesmas se integrarão dentro de nós. Diz-nos a ciência
que práticas como estas podem alterar os nossos cérebros,
criando novas vias neurais. Não só isso como, ao visualizarmos
uma imagem curativa, ativamos as mesmas regiões do cérebro –
nomeadamente no córtex pré-frontal esquerdo – que estão
associadas a sentimentos de bem-estar e emoções positivas.1
É importante praticarmos estar com os novos sentimentos e
sensações para que eles se possam enraizar em nós. Quanto mais
praticarmos, mais aprofundaremos a aprendizagem. Desta forma,
os nossos cérebros podem mudar e podemos sentir-nos mais vivos
por dentro.

Frases curativas e o corpo

Uma parte essencial da cura envolve a nossa capacidade de


incorporar a experiência das nossas sensações físicas no processo.
Quando conseguimos simplesmente “estar” com os sentimentos
que despertam nos nossos corpos, sem reagir de forma
inconsciente, é mais provável que nos mantenhamos equilibrados
assim que a inquietude interior começa a crescer. A perceção
adquire-se muitas vezes quando estamos dispostos a tolerar o
desconfortável na busca pelo entendimento de nós mesmos.
Quando se concentra no interior, o que sente? Que sensações
associa aos seus pensamentos receosos ou emoções
desconfortáveis? Onde as sente mais? Fica com a garganta
apertada? Para de respirar? Sente um aperto no peito? Fica
entorpecido? Onde está o epicentro desse sentimento no seu
corpo? No coração? Na barriga ou plexo solar? Conseguir navegar
por este território interior, mesmo quando os sentimentos parecem
avassaladores, é essencial.
Se não tem a certeza do que o corpo está a sentir, diga a sua
frase nuclear em voz alta. Tal como aprendeu no Capítulo 8,
proferir a frase nuclear em voz alta pode despertar sensações
físicas. Diga-a e observe o seu corpo. Apercebe-se de algum
tremor? Há uma sensação de desânimo? Dormência? Sinta o que
sentir, ou não, está tudo bem. Ponha simplesmente a mão onde
imagina ou sente que as sensações estão. Em seguida, volte a sua
respiração para essa área. Expire para o seu corpo, de modo que
toda a área se sinta apoiada. Talvez queira visualizar a expiração
como um raio de luz a iluminar essa parte do seu corpo. Em
seguida, diga a si mesmo estas palavras: “Estou contigo.”
Imagine que está a falar para uma criança que sente que não
é vista nem ouvida. Provavelmente, há mesmo uma criança – uma
parte infantil de si que foi ignorada durante muito tempo. Imagine
que essa pequena criança tem estado à espera que a reconheça, e
hoje é o dia.

Frases curativas que podemos dizer a nós mesmos

Ponha a mão numa parte do corpo e respire fundo enquanto


diz a si mesmo uma ou mais das seguintes frases interiores:

“Estou contigo.”
“Estou aqui.”
“Eu abraço-te.”
“Eu respiro contigo.”
“Eu consolo-te.”
“Sempre que te sentires assustado ou
assoberbado, não te deixarei.”
“Eu fico contigo.”
“Vou respirar contigo até te acalmares.”

Quando pomos as mãos no nosso corpo e dirigirmos as nossas


palavras e a nossa respiração para o interior, apoiamos as partes
de nós que se sentem mais vulneráveis. Ao fazê-lo, temos a
oportunidade de aliviar ou libertar o que sentimos como
intolerável. Sentimentos de desconforto persistente podem dar
lugar a sentimentos de expansão e bem-estar. À medida que os
novos sentimentos se forem enraizando, podemos sentir-nos mais
apoiados no nosso corpo.

Curar a relação com os nossos pais

No Capítulo 5, aprendemos como a nossa vitalidade – a força


vital que recebemos dos nossos pais – pode ficar bloqueada
quando a nossa ligação a eles é comprometida. Quando
rejeitámos, julgámos, culpámos ou nos distanciámos de algum dos
nossos pais, as repercussões também são sentidas em nós.
Podemos não estar conscientemente cientes disso, mas afastar
um dos nossos pais é o mesmo que afastar uma parte de nós.
Quando cortamos relações com os nossos pais, as
características que vemos como negativas neles podem expressar-
se inconscientemente em nós. Se, por exemplo, víamos os nossos
pais como frios, críticos ou agressivos, podemos tornar-nos frios,
autocríticos e até intimamente agressivos – os mesmos atributos
que rejeitamos neles. Nesse sentido, fazemos a nós mesmos o
que sentimos que nos foi feito.
A resposta está em encontrar uma forma de trazer os nossos
pais para os nossos corações e as características que rejeitamos
neles (e em nós) para a consciência. Aí, temos a oportunidade de
transformar algo difícil em algo capaz de nos trazer força. Ao
desenvolvermos uma relação com as partes dolorosas de nós
mesmos – partes que muitas vezes herdámos da nossa família –,
temos a oportunidade de as transformar. Características como a
crueldade podem tornar-se a fonte da nossa bondade; os nossos
julgamentos podem forjar a base da nossa compaixão.
Sentirmo-nos em paz connosco começa muitas vezes por
estarmos em paz com os nossos pais. Dito isto, pode receber algo
de bom do que eles lhe deram? Pode manter-se aberto no seu
corpo quando pensa neles? Se ainda estão vivos, pode manter-se
indefeso sempre que está com eles?
Se dá por si a retrair-se ou a sentir-se à defesa, ou se entra em
modo cuidador, há provavelmente mais trabalho interior que
precisa de ser feito antes de tentar curar a relação.
A cura pode acontecer mesmo que eles já tenham falecido,
estejam na prisão ou caminhem num mar de dor. Existe alguma
memória, alguma boa intenção, alguma imagem terna,
entendimento ou forma de os seus pais expressarem amor que
possa deixar entrar? Deixar-se ligar a uma imagem interior
calorosa pode começar a mudar a relação exterior com os seus
pais. Não pode mudar o passado, mas pode mudar o presente,
desde que não espere que os seus pais mudem ou sejam
diferentes de quem são. É você quem tem de manter a relação de
forma diferente. É um trabalho seu. Não dos seus pais. A questão
é: Está disposto a isso?
O célebre monge budista Thich Nhat Hanh ensina que, quando
está zangado com os seus pais, “está zangado consigo mesmo.
Imagine que a planta do milho se zangava com o grão de milho”.
Diz-nos ainda: “Se estivermos zangados com o nosso pai ou a
nossa mãe, temos de respirar fundo e encontrar a reconciliação. É
o único caminho para a felicidade.”2
A reconciliação é sobretudo um movimento interno. A nossa
relação com os nossos pais não depende do que eles fazem, de
como são ou de como reagem. Depende do que fazemos. A
mudança acontece em nós.
Quando soube que o pai perdera o melhor amigo enquanto
combatiam juntos na guerra, Randy pôde entender o porquê de
ele ser tão reservado. Sentira muitas vezes que a distância do seu
pai era pessoalmente dirigida contra ele. Saber a história mudou
tudo. O pai de Randy, Glenn, e o seu melhor amigo de infância,
Don, tinham-se reencontrado por acaso quando as respetivas
unidades se uniram para combater os alemães na Bélgica. Sob
fogo cerrado, Don salvou a vida de Glenn. No processo, foi
atingido no pescoço por uma bala e morreu-lhe nos braços. Glenn
regressou a casa, casou e constituiu família, apesar de nunca ter
conseguido abraçar plenamente o que tinha, sabendo que Don
nunca teria essas coisas.
Randy pediu desculpa ao pai por o ter julgado e por se ter
afastado. Já não esperava que Glenn se ligasse a ele da forma por
que ansiava. Em vez disso, Randy podia amá-lo tal como era.
Como aprendemos nos capítulos anteriores, ajuda saber o que
aconteceu na nossa família que fez os nossos pais sofrer tanto. O
que estava por detrás da distância, da crítica ou da agressividade
em primeiro lugar? Conhecer estes acontecimentos pode abrir a
porta à compreensão da sua dor, e também da nossa. Ao
conhecermos os acontecimentos traumáticos que contribuíram
para a dor dos nossos pais, a nossa compreensão e compaixão
podem começar a eclipsar as velhas mágoas. Às vezes, o simples
proferir de uma frase como “mãe, pai, lamento ter-me mantido
distante e afastado” pode abrir algo dentro de nós que nos
surpreende.
No livro Words Can Change Your Brain, o Dr. Andrew Newberg,
neurocientista no Hospital Universitário Thomas Jefferson, e o seu
colega Mark Robert Waldman escrevem que “uma só palavra tem
o poder de influenciar a expressão de genes que regulam o stress
físico e emocional”.3 Explicam que o simples ato de nos
concentrarmos em palavras positivas afeta áreas do cérebro que
podem melhorar a nossa perceção de nós mesmos e das pessoas
com quem interagimos.4
Leia a lista de frases curativas que se segue. Talvez uma ou
duas lhe falem de tal forma que possa começar a dissolver o
bloqueio entre si e os seus pais. Deixe que as palavras o
alcancem. Há alguma frase que lhe fale ao coração? Talvez possa
imaginar-se a dizer uma ou duas destas frases ao progenitor que
rejeitou.

Frases curativas quando rejeitámos um dos pais

1. “Lamento ter sido tão distante.”


2. “Sempre que me procuraste, afastei-te.”
3. “Tenho saudades tuas, mas não é fácil dizer-te isso.”
4. “Pai/mãe, és mesmo excelente como pai/mãe.”
5. “Aprendi muito contigo.” (Recorde e partilhe uma
memória positiva.)
6. “Lamento ter sido tão difícil.”
7. “Tenho sido muito crítico. Isso impediu-me de estar
próximo de ti.”
8. “Por favor, dá-me uma segunda oportunidade.”
9. “Gostaria realmente que fôssemos mais próximos.”
10. “Lamento ter-me afastado. Prometo que, durante o tempo
que nos resta juntos, estarei mais próximo.”
11. “Gosto realmente que sejamos chegados.”
12. “Prometo parar de te fazer provar o teu amor por mim.”
13. “Deixarei de esperar que o teu amor seja de certa forma.”
14. “Aceitarei o teu amor como o dás – não como eu o
espero.”
15. “Aceitarei o teu amor mesmo quando não o conseguir
sentir nas tuas palavras.”
16. “Deste-me muito. Obrigado.”
17. “Mãe/pai, tive um dia muito mau e precisava
simplesmente de te ligar.”
18. “Mãe/pai, podemos ficar um pouco mais ao telefone?
Reconforta-me ouvir a tua voz.”
19. “Mãe/pai, posso só sentar-me aqui? Sabe bem estar ao
teu lado.”

Antes de tentar curar uma relação gravemente desfeita com os


seus pais, poderá querer fazer primeiro algumas sessões com um
psicoterapeuta corporal ou cultivar uma prática de meditação e
consciência plena para aprender alguns recursos que lhe permitam
ligar-se às sensações do seu corpo. Quando conseguir observar as
suas reações ao stress, poderá controlar-se e dar a si mesmo o
que precisa nos momentos em que mais necessita. É importante
cultivar um sentimento interior que o guie e apoie. Aprender
certas técnicas de respiração, por exemplo, pode dar-lhe uma
ideia física dos limites do seu corpo para que possa avançar à
velocidade ideal para si, bem como manter a distância que sente
ser apropriada. A distância certa permite-lhe relaxar, pelo que não
tem de se defender ou retrair para se sentir conectado. Um limite
sólido, mas flexível, permite-lhe ter o espaço adequado para sentir
os seus sentimentos, ao mesmo tempo que lhe permite desfrutar
da ligação curativa que está a forjar com os seus pais. Finalmente,
quando conseguir respirar suficientemente fundo para saber o que
está a sentir no corpo, não terá de o deixar.

Frases curativas para dizer a um progenitor falecido

Mesmo quando a relação exterior com os nossos pais é


distante ou inexistente, a nossa relação interior com eles continua
a evoluir. Mesmo quando os nossos pais já faleceram,
continuamos a poder falar com eles. Eis algumas frases que
podem ajudar a reconstruir uma ligação que se desfez ou nunca
se desenvolveu plenamente:

1. “Por favor, abraça-me enquanto durmo, quando o meu


corpo está mais aberto e sou mais fácil de alcançar.”
2. “Por favor, ensina-me a confiar e a deixar o amor entrar.”
3. “Por favor, ensina-me a receber.”
4. “Por favor, ajuda-me a sentir-me mais tranquilo no meu
corpo.”

Frases curativas para dizer a um progenitor


desconhecido ou afastado

Quando um dos nossos pais partiu cedo ou nos entregou para


sermos criados por outros, a dor pode parecer incomportável. De
certa forma, a partida inicial forja muitas vezes uma planta
inconsciente para as muitas rejeições e abandonos que acontecem
em fases posteriores da nossa vida. O ciclo de dor tem de
terminar. Enquanto continuarmos a viver com o sentimento de que
fomos injustiçados ou vitimizados, o mais provável é darmos
continuidade ao padrão. Leia as frases seguintes e imagine que as
está a dizer ao seu progenitor afastado ou que nunca conheceu.

1. “Se te facilitou a vida partir ou abandonar-me,


compreendo.”
2. “Vou deixar de te culpar, pois isso só nos mantém reféns
aos dois.”
3. “Obterei o que preciso de outros e farei com que algo de
bom resulte do que aconteceu.”
4. “O que aconteceu entre nós servirá de fonte da minha
força.”
5. “Por ter acontecido, adquiri uma força especial com a qual
posso contar.”
6. “Obrigado pelo dom da vida. Prometo não o desperdiçar
ou malbaratar.”

Frases curativas para quando nos fundimos com


um dos pais

Enquanto alguns rejeitaram um dos seus pais, outros fundiram-


se com um dos progenitores de uma forma que tolda a identidade
e esvazia a individualidade. Na relação fusionada, podemos ter
deixado fugir oportunidades de autodefinição ou ter perdido os
contornos de quem somos e do que sentimos. Se é o seu caso,
poderá ler as frases que se seguem como se estivesse a ouvi-las
da sua mãe ou do seu pai. Imagine a voz dela ou dele a dizer-lhe
estas palavras enquanto o seu corpo se abre para as receber. Veja
que palavras ou frases o atingem de forma mais profunda.

Imagine o seu progenitor a dizer-lhe uma ou mais


destas frases:

1. “Amo-te por quem és. Não há nada que tenhas de fazer


para merecer o meu amor.”
2. “És meu filho, e independente de mim. Os meus
sentimentos não têm de ser os teus sentimentos.”
3. “Tenho estado demasiado próximo de ti e vejo o preço
que te tem sido cobrado por isso.”
4. “Deve ter sido avassalador, com todas as minhas
necessidades e emoções.”
5. “As minhas necessidades fizeram com que fosse difícil
teres espaço para ti.”
6. “Vou recuar agora para que o meu amor não te oprima.”
7. “Dar-te-ei todo o espaço de que precisares.”
8. “Tenho estado demasiado próximo para que te pudesses
conhecer a ti mesmo. Agora, vou ficar aqui e alegrar-me
por te ver viver a tua vida aí.”
9. “Tens vindo a tomar conta de mim e eu deixei – mas já
chega.”
10. “É demasiado para qualquer criança.”
11. “Qualquer criança que tentasse resolver isto sentir-se-ia
sobrecarregada. Isto não é teu.”
12. “Dá um passo atrás agora, até conseguires sentir a tua
própria vida a fluir através de ti. Só então ficarei em paz.”
13. “Até agora, não tinha conseguido enfrentar a minha
própria dor. O que é meu tem estado aí contigo. É tempo
de regressar a mim, onde pertence. Então, ficaremos os
dois livres.”
14. “Tiveste demasiado de mim e não o suficiente da tua
mãe/do teu pai. Agradar-me-ia ver-vos mais próximos. É
aí que precisas de estar.”

Agora, visualize o seu progenitor à sua frente e veja se sente


que deve avançar ou recuar. Precisa de se aproximar ou de se
afastar? Tem uma sensação física que lhe diz qual a distância
certa para si? A distância certa pode abrir, suavizar ou descontrair
algo dentro de nós. Quando isso acontece, temos mais espaço
interior para sentir os nossos sentimentos. Quando tiver
encontrado a sua distância certa, diga uma ou mais das seguintes
frases, observando os seus sentimentos à medida que as palavras
são proferidas.

Imagine-se a dizer uma ou mais destas frases a um


progenitor:

1. “Mãe/pai, eu estou aqui e tu estás aí.”


2. “Os teus sentimentos estão aí contigo e os meus
sentimentos estão aqui comigo.”
3. “Por favor, fica aí, mas não vás para muito longe.”
4. “Respiro muito melhor quando tenho o meu próprio
espaço.”
5. “Atrofia-me quando tento cuidar dos teus sentimentos.”
6. “Foi demasiado pensar que te podia fazer feliz.”
7. “Vejo agora que pôr-me de parte só nos tornou a ambos
invisíveis.”
8. “A partir de agora, viverei a minha vida plenamente,
sabendo que estás atrás de mim, a apoiar-me.”
9. “Sempre que sentir a minha respiração a mover-se dentro
do meu corpo, saberei que estás feliz por mim.”
10. “Obrigado por me veres e ouvires.”

Se seguiu os passos deste capítulo, poderá notar já uma


sensação de paz no seu interior. As frases curativas que proferiu e
as imagens, rituais, práticas e exercícios que experienciou podem
ter ajudado a fortalecer uma relação com um ente querido ou a
mitigar um enredamento inconsciente com um familiar. Se seguiu
estes passos e sente a necessidade de algo mais, o próximo
capítulo dar-lhe-á outra peça do quebra-cabeças – uma exploração
dos primeiros anos de vida. Uma separação precoce da nossa mãe
pode manter-nos separados da vida de uma forma que talvez
impeça que uma resolução nos alcance plenamente. No próximo
capítulo, vamos explorar os efeitos de uma separação precoce e
analisaremos as muitas formas como pode deixar marcas nas
nossas relações, no nosso sucesso, na nossa saúde e no nosso
bem-estar.
Capítulo 11
A linguagem nuclear da separação
Não existe influência mais poderosa do que a da
mãe.
– Sarah Josepha Hale, The Ladies’ Magazine and Literary
Gazette, 1829

Nem toda a linguagem nuclear provém de gerações anteriores.


Há um tipo especial de linguagem nuclear que reflete a
experiência avassaladora das crianças que foram separadas das
mães. Este tipo de separação é um dos mais ubíquos e
frequentemente descurados traumas da vida. Quando sofremos
uma quebra significativa na ligação à nossa mãe, as nossas
palavras podem refletir uma intensa ânsia, ansiedade e frustração,
que permanecem invisíveis e por curar.
Em capítulos anteriores, descrevemos como a vida nos é
transmitida pelos pais, traçando essencialmente uma planta para
dar sentido às nossas vidas. Essa planta começa no útero e ganha
forma antes mesmo do nosso nascimento. Durante esse período, a
nossa mãe é todo o nosso mundo, e quando nascemos, o seu
toque, o seu olhar e o seu cheiro são o nosso contacto com a
própria vida.
Embora sejamos demasiado pequenos para dar sentido à vida
sozinhos, a nossa mãe espelha-nos as nossas experiências em
doses que podemos ingerir e assimilar. Num mundo ideal, quando
choramos, o seu rosto mostra preocupação. Quando rimos, ela
sorri de prazer, refletindo a nossa exata expressão. Quando a
nossa mãe está em sintonia connosco, infunde-nos de uma
sensação de segurança, valor e pertença através da ternura do
toque, do calor da pele, da constância da atenção e até da doçura
do sorriso. Enche-nos de todas as suas “coisas boas” e, em
resposta, nós desenvolvemos um reservatório de “bons
sentimentos” no nosso interior.
Nos primeiros anos, precisamos de adquirir “coisas boas”
suficientes para o nosso reservatório, de forma a podermos confiar
que os bons sentimentos continuarão dentro de nós mesmo
quando nos perdermos temporariamente do caminho. Quando
temos o suficiente no nosso reservatório, podemos confiar que a
vida vai correr bem, ainda que haja interrupções que nos desviam
do rumo. Quando recebemos poucas ou nenhumas “coisas boas”
da nossa mãe, pode ser difícil confiar de todo na vida.
Em muitos aspetos, as imagens que temos de “mãe” e “vida”
estão relacionadas. Idealmente, uma mãe cuida de nós e certifica-
se de que estamos seguros. Reconforta-nos e dá-nos aquilo de
que precisamos para sobreviver quando somos demasiado
pequenos para o darmos a nós mesmos. Ao sermos cuidados,
começamos a confiar na sensação de que estamos seguros e de
que a vida nos providenciará aquilo de que precisamos. Após
repetidas experiências de obter o suficiente do que precisamos da
nossa mãe, aprendemos que também nós podemos dar a nós
mesmos aquilo de que necessitamos. Essencialmente, sentimos
ser o “suficiente” para dar o “suficiente” a nós mesmos. A vida,
em conluio, parece então trazer-nos o que precisamos. Quando a
ligação à nossa mãe flui livremente, saúde, dinheiro, sucesso e
amor podem frequentemente parecer fluir na nossa direção.
Quando a ligação inicial à nossa mãe é interrompida, uma
nuvem negra de medo, escassez e desconfiança pode tornar-se o
nosso padrão. Quer esta quebra na ligação seja permanente,
como no caso de uma adoção, quer seja uma interrupção
temporária que não foi totalmente restaurada, o fosso entre mãe
e filho pode tornar-se terreno fértil para muitas das dificuldades
da vida. Quando esta ligação permanece interrompida, parecemos
perder a nossa tábua de salvação. É como se nos
despedaçássemos e precisamos da nossa mãe para nos
reconstituir.
Quando a quebra é apenas temporária, é importante que a
nossa mãe se mantenha estável, presente e acolhedora durante o
nosso regresso da separação. A experiência de a perder pode ser
tão devastadora que podemos sentir-nos hesitantes ou reticentes
em nos reconetarmos a ela. Se ela não conseguir tolerar a nossa
hesitação, ou se interpretar a nossa reticência como uma rejeição,
pode reagir defendendo-se ou distanciando-se, deixando assim a
ligação entre nós ferida e desfeita. Pode nunca entender porque
se sente desligada de nós e demorar-se em sentimentos de
dúvida, desilusão e incerteza sobre a sua capacidade de nos dar
cuidados – ou, pior, de irritabilidade e raiva para connosco. Um
fosso que não sara pode abalar os alicerces das nossas futuras
relações.
Um atributo essencial destas primeiras experiências é não
serem recuperáveis dos nossos bancos de memórias. Durante a
gestação e a infância, o cérebro não está capacitado para pôr as
nossas experiências em forma de história, de modo a poderem ser
transformadas em memórias. Sem as memórias, as nossas
aspirações insatisfeitas podem manifestar-se inconscientemente
como impulsos, desejos e ânsias que procuramos satisfazer
através do próximo emprego, das próximas férias, do próximo
copo de vinho e até do próximo parceiro. No mesmo sentido, o
medo e a ansiedade de uma separação precoce podem distorcer a
realidade, fazendo com que as nossas situações difíceis e
desconfortáveis pareçam catastróficas e potencialmente fatais.
Apaixonarmo-nos pode libertar emoções intensas, uma vez que
nos faz naturalmente recuar no tempo até à experiência inicial
com a nossa mãe. Tendemos a ter para com o nosso parceiro
sentimentos similares aos que tínhamos para com a nossa mãe.
Conhecemos alguém especial e pensamos: “Finalmente, encontrei
alguém que vai cuidar de mim, alguém que entenderá todos os
meus desejos e me dará tudo o que preciso.” Mas estes
sentimentos são apenas a ilusão de uma criança que anseia por
reviver a proximidade que sentia ou queria sentir com a mãe.
Muitos esperam inconscientemente que os parceiros satisfaçam
as necessidades que não puderam ser satisfeitas pelas mães. Esta
expectativa errada é uma receita para o fracasso e a desilusão. Se
o nosso parceiro começar a agir como um pai e tentar satisfazer
as nossas necessidades insatisfeitas, o romance pode voar pela
janela. Se o nosso parceiro não satisfizer as nossas necessidades
insatisfeitas, podemos sentir-nos traídos ou negligenciados.
Uma separação precoce da mãe pode comprometer a
estabilidade numa relação romântica. Inconscientemente,
podemos temer que a nossa proximidade desapareça ou nos seja
arrancada. Em resposta, agarramo-nos ao nosso parceiro, como
nos poderíamos ter agarrado à nossa mãe, ou afastamo-lo, na
antecipação de que essa intimidade se perderá. Muitas vezes,
expressamos ambos os comportamentos na mesma relação, e o
parceiro pode sentir-se preso numa montanha-russa emocional
que nunca acaba.
Tipos de separação

Ainda que a vasta maioria das mulheres aborde a maternidade


com a melhor das intenções, situações fora do controlo de uma
mãe podem levar a inevitáveis separações precoces do filho.
Algumas destas separações são de natureza física. Além da
adoção, acontecimentos que envolvem um longo período de
separação, como complicações no parto, hospitalizações e
doenças, trabalho ou longas viagens para longe de casa, podem
ameaçar o vínculo em desenvolvimento.
As desconexões emocionais podem funcionar de forma similar.
Quando a mãe está fisicamente disponível, mas o seu foco e
atenção são esporádicos, a criança não se sente segura e
protegida. Em pequenos, precisamos tanto da presença emocional
e energética da nossa mãe como da sua presença física. Quando
ela sofre um acontecimento traumático – como a perda de saúde,
de uma gravidez, de um filho, de um dos pais, de um parceiro ou
de uma casa –, a sua atenção pode ser desviada de nós. Em
contrapartida, nós sofremos o trauma de a perder.
As desconexões entre mãe e filho podem também ocorrer no
útero. Altos níveis de medo, ansiedade ou depressão, uma relação
stressante com um companheiro, a morte de um ente querido,
uma atitude negativa em torno da gravidez ou uma perda
intrauterina anterior podem interromper a sintonia de uma mãe
com o bebé a desenvolver-se no seu interior.
Se sofremos falhas nos cuidados iniciais ou na atenção da
nossa mãe, ou dificuldades durante a gravidez ou o parto, nem
tudo está perdido. Felizmente, o potencial para reparar a ligação
não está restrito à infância. A cura pode acontecer em qualquer
momento das nossas vidas. Identificar a linguagem nuclear pode
ser o primeiro passo.

A linguagem nuclear da separação

As separações precoces, tal como outros tipos de trauma que


explorámos neste livro, criam um ambiente em que a linguagem
nuclear pode prosperar. Ao escutarmos um vínculo interrompido,
ouvimos muitas vezes palavras de ânsia de ligação, bem como
palavras de raiva, julgamento, crítica ou cinismo.

Exemplos de frases nucleares de uma separação


precoce:

“Serei deixado.”
“Serei abandonado.”
“Serei rejeitado.”
“Ficarei completamente só.”
“Não terei ninguém.”
“Ficarei indefeso.”
“Perderei o controlo.”
“Não tenho importância.”
“Eles não me querem.”
“Não sou o suficiente.”
“Sou demasiado.”
“Vão deixar-me.”
“Vão magoar-me.”
“Vão trair-me.”
“Serei aniquilado.”
“Serei destruído.”
“Não existirei.”
“Não adianta.”

Frases nucleares como estas podem também vir de uma


geração anterior da história familiar, e não necessariamente de
uma interrupção no vínculo à mãe. Podemos nascer com o
sentimento e nunca saber onde tem origem.
Um tema comum que caracteriza uma separação precoce é
uma forte rejeição da nossa mãe, combinada com um sentimento
de culpa por ela não ter podido atender às nossas necessidades.
Mas nem sempre é assim. Podemos sentir um grande amor pela
nossa mãe, mas, porque a ligação nunca se desenvolveu
plenamente, sentir que era fraca e frágil, e que tínhamos de tomar
conta dela. Na nossa necessidade de nos sentirmos ligados a ela,
a direção do cuidado pode inverter-se. Inconscientemente,
podemos tentar proporcionar à nossa mãe o cuidado de que
desesperadamente precisamos.
Em pessoas com um vínculo interrompido é comum ouvir
queixas e descritores nucleares como os que discutimos no
Capítulo 7. Para lhe refrescar a memória:

“A minha mãe era fria e distante. Nunca me abraçava. Não


confiava de todo nela.”
“A minha mãe estava demasiado ocupada. Nunca tinha
tempo para mim.”
“A minha mãe e eu somos muito próximos. É como a irmã
mais nova de quem eu tomo conta.”
“A minha mãe era fraca e frágil. Eu era muito mais forte
do que ela.”
“Não quero ser um fardo para a minha mãe.”
“A minha mãe era distante, emocionalmente indisponível e
crítica.”
“Estava sempre a afastar-me. Não quer realmente saber
de mim.”
“Não temos realmente uma relação.”
“Sentia-me muito mais próximo da minha avó. Era ela que
cuidava de mim.”
“A minha mãe é completamente egocêntrica. Tudo gira à
volta dela. Nunca me mostrou qualquer amor.”
“Pode ser muito calculista e manipuladora. Não me sentia
seguro com ela.”
“Tinha medo dela. Nunca sabia o que ia acontecer a
seguir.”
“Não somos chegados. Não é maternal – não parece uma
mãe.”
“Nunca quis ter filhos. Nunca tive esse sentimento
maternal dentro de mim.”

A solidão de Wanda

Wanda tinha 62 anos e estava deprimida. Veterana de três


casamentos falhados, um vício pelo álcool e muitas noites de
solidão, Wanda raramente sentira paz na sua vida. Os seus
descritores nucleares sobre a mãe revelavam tudo.
Descritores nucleares de Wanda: “A minha mãe era fria,
alheada e distante.”
Vejamos o acontecimento que gerou este tipo de linguagem
nuclear. Antes de Wanda nascer, a mãe, Evelyn, sofreu uma
tragédia horrível. Enquanto amamentava a bebé recém-nascida,
Evelyn adormeceu sem querer, rolou e asfixiou a bebé. Acordou
para encontrar Gail, a irmã mais velha que Wanda nunca
conheceria, morta nos seus braços. Numa inconsolável tristeza,
ela e o marido fizeram amor e conceberam Wanda. A nova
gravidez era a resposta às preces do casal. Permitia-lhes focar-se
no futuro e esquecer o passado. Mas um passado desses jamais
pode ser esquecido. A terrível morte de Gail e a subsequente
culpa infiltrar-se-iam em cada corrente da maternidade de Evelyn.
Afetariam a ligação à filha seguinte, limitando a consistência e a
disponibilidade do seu amor.
Wanda acreditava que a distância da mãe se dirigia
pessoalmente contra ela. Qualquer menina na sua situação
sentiria o mesmo. Wanda lembrava-se de ter estado ao colo em
criança. Podia sentir a distância da mãe e reagiu, protegendo-se.
Sentia que a mãe não a devia amar, por isso blindou-se contra ela.
Talvez Evelyn sentisse que era uma má mãe, que não merecia
ter outra filha. Talvez sentisse que não merecia receber uma
segunda oportunidade depois do que acontecera a Gail. Talvez
sentisse que Wanda, a filha seguinte, também ia morrer,
causando-lhe uma dor que seria incapaz de suportar, pelo que se
distanciou inconscientemente dela. Talvez Wanda tenha sentido
esta distância mesmo no útero da mãe. Talvez Evelyn sentisse
que, caso se aproximasse demasiado de Wanda e a levasse ao seu
seio, podia magoá-la também. Quaisquer que tenham sido os
pensamentos e as emoções de Evelyn, o trauma da morte de Gail
teve o efeito de separar Evelyn de Wanda.
Foram precisos sessenta anos para Wanda fazer a ligação de
que o alheamento da mãe estava associado à morte de Gail e não
era pessoal. Passara a vida inteira a culpar e a odiar a mãe por
não lhe ter dado amor suficiente. Quando finalmente entendeu a
magnitude da dor da mãe, Wanda levantou-se a meio da sessão e
agarrou na sua bolsa. “Tenho de ir para casa”, disse ela. “O tempo
é escasso. A minha mãe tem 85 anos e eu preciso de lhe dizer que
a amo.”

A ansiedade das separações precoces

Jennifer tinha 2 anos na noite em que os homens apareceram


à porta. Ouviu a mãe arquejar e depois viu-a cair no chão, a
soluçar. Os homens anunciavam que o pai fora morto por uma
explosão numa plataforma de perfuração. A mãe acabava de se
tornar viúva aos 26 anos. Foi a primeira noite em que a mãe de
Jennifer não a aconchegou na cama com um beijo na testa
enquanto ela adormecia.
A partir dessa noite, as coisas nunca mais foram iguais.
Jennifer e o irmão, de 4 anos, foram levados para casa da tia por
algumas semanas, uma vez que a mãe estava paralisada de
choque. Durante esse período, ela ia visitar os filhos. Jennifer
corria para a porta para ver a mãe, mas era como se uma
estranha tivesse ocupado o seu lugar. A mulher que se baixava
para a abraçar tinha um rosto vermelho e inchado que Jennifer
mal reconhecia. Assustava-a. Quando os braços da mãe se
apertavam em redor do seu corpo, Jennifer paralisava. Queria
dizer-lhe que tinha medo, mas aos 2 anos de idade, começava já a
aprender que a mãe era diferente. Parecia frágil e tinha pouco
para dar. Passariam anos até Jennifer desvendar estas memórias.
Jennifer tinha 26 anos da primeira vez que teve um ataque de
pânico. Ia no metro para casa, depois de ter feito uma
apresentação bem-sucedida à equipa de gestão no trabalho.
Subitamente, a visão começou a ficar desfocada. Era como se
estivesse a ver através de água. Os ouvidos pareceram tapar-se e
começou a sentir-se tonta e assustada. As sensações eram-lhe tão
estranhas que pensou que estava a ter um enfarte. Deu por si
petrificada por uma paralisia que a deixava impotente e incapaz
de pedir ajuda.
O ataque seguinte foi antes da apresentação da semana a
seguir. O que lhe sucedeu deu-se enquanto fazia compras. No final
desse mês, os ataques de pânico tinham-se tornado uma
ocorrência diária.
Se Jennifer pudesse ouvir a sua própria linguagem nuclear,
teria descoberto frases como estas: “Não vou conseguir superar
isto.” “Perdi tudo.” “Estou completamente sozinha.” “Vou falhar.”
“Vão rejeitar-me.” “Não me vão querer mais.”
Ao estabelecer contacto com estes medos, estava meio
caminho andado.
Jennifer começou a recordar-se de um período anterior da sua
vida em que se sentira assim tão paralisada e sem esperança.
Apesar de ter uma relação próxima com a mãe, Jennifer
descrevia-a como frágil, solitária, carente, doce e afetuosa. Ao
dizer as palavras, Jennifer começava já a entrar em contacto com
a impotência que sentira em pequena ao tentar aliviar a enorme
dor da mãe. A tarefa impossível de uma menina a tentar consolar
a mãe deixara Jennifer a sentir-se só, insegura e com medo de
falhar.
Associar os ataques de pânico à sua infância permitiu a
Jennifer atacar a fonte da ansiedade. Sempre que os sentimentos
de pânico surgiam, Jennifer conseguia desativá-los, lembrando-se
que eram apenas os sentimentos de uma menina assustada.
Assim que conseguiu identificar esses sentimentos dentro de si,
pôde abrandar o agravamento da ansiedade. Jennifer aprendeu a
prolongar e aprofundar a respiração enquanto mantinha o foco e a
atenção nas sensações de ansiedade dentro do peito. Aprendeu
também a dizer as palavras que a teriam apaziguado em criança.
Respirando fundo, dizia a si mesma: “Estou aqui para ti e vou
cuidar de ti. Nunca mais terás de estar sozinha nesses
sentimentos. Podes confiar em mim para te manter segura.”
Quanto mais praticava, mais Jennifer confiava na sua capacidade
de tomar conta de si própria.

Tricotilomania – “Separadas pela raiz”

Durante dezasseis anos, Kelly arrancou pelos do couro


cabeludo, sobrancelhas e pálpebras. Usava pestanas falsas,
sobrancelhas pintadas e o cabelo firmemente preso atrás para
esconder as zonas calvas por baixo. O arrancar de cabelos
(tricotilomania) era um ritual noturno. Todas as noites, por volta
das nove horas, sentava-se sozinha no quarto, esmagada por
sentimentos de ansiedade que lhe dominavam o corpo. As mãos,
“a precisar de fazer algo”, não tinham paz enquanto não tivessem
arrancado enormes quantidades de cabelo. “É como uma
libertação”, disse ela. “Relaxa-me.”
Quando Kelly tinha 13 anos, a sua melhor amiga, Michelle,
rejeitou-a. Kelly nunca entendeu o que tinha feito para levar
Michelle a distanciar-se subitamente dela, mas os sentimentos de
perda eram insuportáveis. Começou a arrancar cabelos pouco
depois disso. “Deve haver algo de errado em mim”, pensava.
“Falta-me alguma coisa para que queira ficar comigo.” Estas
frases, como não tardará a ver, brilhavam como sinais de direção
pelas autoestradas da paisagem da sua linguagem nuclear.
Vivendo logo abaixo da superfície da consciência, à espera de
serem descobertas, estas frases guiariam Kelly a um
acontecimento ainda mais antigo e significativo – uma quebra na
ligação com a mãe.
Quando tinha um ano e meio, Kelly foi submetida a uma
cirurgia ao intestino e teve de passar dez dias separada da mãe.
Todas as noites, quando o horário de visitas do hospital terminava
(por volta das nove da noite), a mãe de Kelly deixava-a para ir
para casa tomar conta da irmã recém-nascida e do irmão mais
velho.
Podemos apenas imaginar a ansiedade que Kelly deve ter
sentido quando a mãe a deixava sozinha no quarto de hospital.
Inconscientemente, esses sentimentos encontraram o caminho
para a superfície na tricotilomania de Kelly. Todas as noites,
sensivelmente às nove horas, agitavam-se no seu corpo até ela
arranjar uma forma alternativa de os gerir – arrancando
literalmente os cabelos.
O maior medo de Kelly, expresso na sua frase nuclear, levou-a
de volta à raiz do trauma: “O pior que me poderia acontecer seria
ficar completamente sozinha. Ser deixada. Enlouquecer.”
Frase nuclear de Kelly: “Ficarei completamente sozinha.
Serei deixada. Vou enlouquecer.”
Quando tinha 13 anos, Kelly voltou a experienciar estes
sentimentos. Michelle e Kelly eram inseparáveis. Mas então, de
repente, Michelle deixou Kelly e fez amigas entre o “grupo dos
populares”. Nesse momento, todas as raparigas se viraram contra
Kelly. Kelly sentiu-se “deixada, rejeitada e ignorada”.
Essa experiência, vista num âmbito mais vasto, pode ser
encarada como uma “oportunidade perdida” para apontar a Kelly a
direção de uma cura maior – a do trauma mais profundo e
significativo de ser deixada no hospital pela mãe. Poucos de nós,
porém, conseguem, quando confrontados com as dificuldades,
utilizá-las como sinais de orientação. Em vez disso, concentramo-
nos em aliviar o sofrimento e raramente viajamos até à fonte.
Quando reconhecermos a sabedoria da nossa linguagem nuclear,
os sintomas do nosso sofrimento podem tornar-se o nosso maior
aliado.

A metáfora do arrancar de cabelos de Kelly

A linguagem nuclear de Kelly mostrou-lhe o profundo medo


que sentia de ser “deixada sozinha”. Na verdade, o arrancar de
cabelos (expressão não verbal da sua linguagem nuclear)
começou logo após a partida de Michelle. Ainda que o arrancar de
cabelos de Kelly a tenha levado a descobrir o seu trauma original,
é também uma metáfora para duas coisas que pertencem juntas e
foram separadas uma da outra. Kelly separava os cabelos do
folículo que os sustinha. A imagem é semelhante à de um bebé a
ser separado da mãe que o tem ao colo.
Os comportamentos idiossincráticos imitam muitas vezes o que
não pode ser observado ou examinado de forma consciente.
Quando paramos para explorar os nossos sintomas, pode ser-nos
revelada uma verdade mais profunda. Os sintomas funcionam
muitas vezes como sinais que nos apontam a direção do que
precisamos de curar ou resolver. Ao aceitar o arrancar de cabelos
desta forma, Kelly viajou até à fonte do seu sofrimento e libertou-
se de uma vida de ansiedade.

A resolução de Kelly

Kelly situava as sensações desconfortáveis de estar


“completamente sozinha” na barriga. Pôs as mãos sobre a região
ansiosa e deixou que a respiração lhe enchesse a barriga.
Enquanto sentia o subir e descer da respiração sob as mãos,
visualizou-se a segurar e embalar a parte bebé de si mesma que
ainda se sentia assustada e só. À medida que o movimento
começava a acalmá-la, disse isto a si mesma: “Nunca te deixarei
quando te sentires sozinha e com medo. Em vez disso, porei a
minha mão aqui e respirarei contigo até te sentires novamente
calma.” Após uma sessão, Kelly deixou de arrancar o cabelo.

Separação: A origem do conflito interior


Por vezes, a liberdade que procuramos escapa-nos. Incapazes
de nos sentirmos à vontade nos nossos corpos, procuramos alívio
no próximo copo de vinho, na próxima compra, na próxima
mensagem de texto ou chamada, no próximo parceiro sexual. O
alívio raramente surge quando a fonte do nosso anseio é o
cuidado da nossa mãe. Para aqueles de nós que foram separados
da luz do amor das mães, o nosso mundo pode ser uma busca
incessante por conforto.
Myrna tinha 2 anos quando a mãe acompanhou o pai numa
viagem de negócios à Arábia Saudita, deixando-a ao cuidado de
uma ama durante três semanas. Durante a primeira semana,
Myrna agarrou-se à camisola que a mãe usava nas noites frias
enquanto a embalava para que adormecesse. Reconfortada pelo
toque e pelo cheiro familiares, Myrna enroscava-se nela e
embalava-se a si mesma até adormecer. À segunda semana,
Myrna recusou-se a pegar na camisola quando a ama lha
ofereceu. Em vez disso, virou costas, a chorar, e chupou no
polegar até adormecer.
Após três semanas fora, a mãe correu entusiasticamente porta
adentro para abraçar a filha. Esperava que Myrna lhe corresse
para os braços, como sempre tinha feito. Desta vez, foi diferente.
Myrna mal ergueu o olhar das bonecas. Sobressaltada e confusa,
a mãe de Myrna não pôde deixar de notar que as sensações do
seu próprio corpo se contraíam com sentimentos de rejeição. Ao
longo dos dias seguintes, a mãe de Myrna racionalizaria a
experiência, dizendo a si mesma que Myrna estava a tornar-se
“uma criança muito independente”.
Inconsciente da importância de restaurar o delicado vínculo
entre ambas, a mãe de Myrna perdeu de vista a vulnerabilidade
da sua menina e adotou uma atitude um pouco distante. A
distância permaneceu entre elas, aprofundando os sentimentos de
solidão de Myrna. Esta distância viria a alastrar para as
experiências de vida de Myrna, contaminando a sua capacidade de
se sentir segura e protegida em relações futuras. Na sua
linguagem nuclear, expressavam-se sentimentos de abandono e
frustração: “Não me deixes.” “Eles nunca mais voltarão.” “Ficarei
completamente sozinha.” “Não sou desejada.” “Eles não percebem
quem eu sou.” “Não sou vista nem entendida.”
Para Myrna, apaixonar-se era um campo minado de
imprevisibilidade. A vulnerabilidade de precisar de outra pessoa
era tão aterradora que sempre que dava mais um passo em
direção ao seu desejo, era confrontada com um nível mais
profundo do seu medo. Incapaz de associar este conflito à
infância, encontrava defeitos em todos os homens que a tentavam
amar, deixando-os muitas vezes antes que a pudessem deixar. Aos
30 anos, Myrna dissuadira-se de três potenciais casamentos.
O conflito interior de Myrna desenrolava-se também na sua
carreira. Sempre que aceitava um novo cargo, enchia-se de
dúvidas, temendo um desastre inevitável. Algo correria
terrivelmente mal. Não gostariam dela. Não seria suficientemente
boa. Distanciar-se-iam dela. Não confiaria neles. Iriam trai-la.
Eram os mesmos sentimentos não expressos que Myrna sentia
com um parceiro – iguais aos que nunca resolvera com a mãe.
Quantos não se debatem com conflitos semelhantes ao de
Myrna sem terem sido capazes de identificar a fonte? A
importância da ligação inicial à mãe não pode ser sobrestimada. É
a nossa primeira relação ao entrarmos no mundo. É o nosso
primeiro amor. A nossa ligação, ou falta de ligação, a ela forma
uma planta essencial para as nossas vidas. Entender o que
aconteceu quando éramos pequenos pode expor um dos mistérios
ocultos relativamente ao porquê de sofrermos tanto nos nossos
relacionamentos.

Interrupções no fluxo da vida

A nossa primeira imagem de quem somos e de como a vida se


irá desenrolar começa no útero. Durante a gravidez, as emoções
da mãe impregnam o nosso mundo, tendo influência na nossa
natureza básica, que pode ser calma ou conturbada, recetiva ou
desafiadora, resiliente ou inflexível.
“Se a mente [da criança] evolui para algo essencialmente duro,
contundente e perigoso ou suave, fluido e aberto depende, em
grande medida, de se os pensamentos e emoções [da mãe] são
positivos e consolidantes ou negativos e marcados pela
ambivalência”, explica Thomas Verny. “Não quer isto dizer de todo
que dúvidas e incertezas ocasionais vão prejudicar o seu filho.
Esses sentimentos são naturais e inofensivos. O que está aqui em
causa é um padrão claro e contínuo de comportamento.”1
Quando a experiência inicial com a nossa mãe é interrompida
por uma quebra significativa na ligação, estilhaços de dor e vazio
podem rasgar o nosso bem-estar e desligar-nos do fluxo
fundamental da vida. Quando a relação mãe-filho (ou cuidador-
criança) permanece cortada, vazia ou pejada de indiferença, uma
torrente de imagens negativas pode prender a criança num
padrão de frustração e dúvida. Em casos extremos, quando as
imagens negativas são contínuas e incessantes, podem emergir
frustração, raiva, torpor e insensibilidade aos outros.
Este perfil está geralmente associado ao comportamento
sociopata e psicopata. No livro High Risk: Children Without a
Conscience, o Dr. Ken Magid e Carole McKelvey afirmam o
seguinte: “Todos temos um certo grau de raiva, mas a raiva dos
psicopatas é a que nasce das necessidades insatisfeitas em
criança.”2 Magid e McKelvey descrevem ainda como a criança
sente uma “dor incompreensível” em resultado de um abandono
ou quebra prematura na ligação.
Os psicopatas e sociopatas encontram-se no extremo de um
vasto espectro onde se verificaram graves interrupções na ligação.
Estes casos extremos refletem como é crucial o papel da mãe ou
do cuidador inicial em moldar o desenvolvimento da compaixão,
da empatia e do respeito da criança por si mesma, pelos outros e
por toda a vida.
A maioria dos que sofreram uma quebra na ligação com as
mães, contudo, obtiveram o suficiente do que necessitavam –
mesmo com as lacunas. Seria irrealista esperar que uma mãe
estivesse perfeitamente em sintonia com o filho o tempo todo. As
interrupções na sintonia são inevitáveis. Quando se dão, o
processo de reparação pode ser uma experiência de crescimento
positiva, dando a mãe e filho uma oportunidade de aprenderem a
lidar com breves momentos de perturbação e de se procurarem
depois um ao outro para se voltarem a ligar. O mais importante é
que a reparação seja feita. Na verdade, reparar repetidamente
uma relação constrói uma sensação de confiança e ajuda a criar
um vínculo seguro entre mãe e filho.3
Mesmo quando a ligação à nossa mãe está relativamente
intacta, podemos ver-nos confrontados com sentimentos que não
entendemos. Podemos debater-nos com receios de sermos
deixados, rejeitados ou abandonados, ou com sentimentos de
sermos expostos, humilhados ou envergonhados. No entanto, se
pudermos ver esses sentimentos no contexto da nossa experiência
inicial com a nossa mãe – provavelmente de um período de que
não nos lembramos –, podemos tornar-nos mais conscientes do
que estava em falta e mais capazes de respaldar aquilo de que
necessitamos para sarar.
Capítulo 12
A linguagem nuclear das relações
A distância da sua dor, da sua tristeza, das suas
feridas descuradas é a distância do seu companheiro.
– Stephen e Ondrea Levine, Embracing the Beloved

Para muitos, o maior anseio é estar apaixonados e ter uma


relação feliz. No entanto, devido à forma como o amor muitas
vezes se expressa inconscientemente nas famílias, o nosso modo
de amar pode ser partilhar da infelicidade ou repetir os padrões
dos nossos pais e avós.
Neste capítulo, analisaremos as lealdades inconscientes e
dinâmicas ocultas que limitam a nossa capacidade de ter relações
satisfatórias. Colocaremos a nós mesmos uma questão: estamos
verdadeiramente disponíveis para um parceiro?
Por mais bem-sucedidos que sejamos, por mais maravilhosas
que sejam as nossas capacidades de comunicação, por mais
retiros de casal que tenhamos frequentado ou por mais
profundamente que compreendamos os nossos padrões de evitar
a intimidade, enquanto estivermos enredados na nossa história
familiar, podemos distanciar-nos daquele que mais amamos.
Inconscientemente, repetiremos padrões familiares de carência,
desconfiança, raiva, afastamento, bloqueio, de abandonar ou ser
abandonado e de culpar o nosso parceiro pela nossa infelicidade
quando a verdadeira fonte está atrás de nós.
Muitos dos problemas experienciados numa relação não têm
origem na relação em si. Resultam de dinâmicas que que já
existiam nas nossas famílias muito antes de termos sequer
nascido.
Se uma mulher morreu ao dar à luz um filho, por exemplo,
uma vaga de repercussões pode envolver os descendentes num
medo e numa infelicidade inexplicáveis. As filhas e netas podem
ter medo de casar, uma vez que o casamento pode levar a filhos e
os filhos podem levar à morte. À superfície, podem dizer que não
querem casar ou ter filhos. Podem queixar-se de que nunca
conheceram o homem certo ou de que estão demasiado ocupadas
para assentar. Sob estas queixas, a sua linguagem nuclear
contaria uma história diferente. As suas frases nucleares, ecoantes
de história familiar, poderiam soar mais ou menos assim: “Se me
casasse, poderia acontecer algo terrível. Poderia morrer. Os meus
filhos ficariam sem mim. Ficariam sozinhos.”
Os filhos e netos da mesma família podem também ser
afetados. Podem ter medo de se comprometer com uma esposa,
uma vez que a sexualidade de ambos poderia levar à sua morte.
As suas frases nucleares soariam possivelmente assim: “Poderia
magoar alguém e seria culpa minha. Nunca me perdoaria.”
Medos como estes escondem-se em pano de fundo nas nossas
vidas e movem inconscientemente muitos dos comportamentos
que expressamos e das escolhas que fazemos e não fazemos.
Seth, um homem com quem trabalhei em tempos, descrevia-se
como “demasiado prestável” e tinha pavor de cometer um erro e
desiludir os que lhe eram mais próximos. Temia que o rejeitassem
e abandonassem caso se sentissem insatisfeitos com ele. Temia
morrer sozinho, desligado de todos. Com este medo a atuar nos
bastidores, aceitava muitas vezes fazer coisas que não queria e
dizia coisas que nem sempre sentia. Era frequente dizer sim
quando queria dizer não, e depois, em reação à raiva que sentia
por aqueles a quem tentava agradar, dizer não quando queria
dizer sim. Levava uma vida falsa durante grande parte do tempo,
culpando a mulher pela sua infelicidade. Numa tentativa de fugir
ao padrão, deixou-a, apenas para o recriar com a parceira
seguinte. Só ao perceber como os seus medos se manifestavam
nas suas relações é que Seth conseguiu encontrar paz com uma
companheira.

Dan e Nancy

Dan e Nancy, um casal de sucesso na casa dos 50, pareciam


ter tudo. Dan, diretor executivo de uma grande instituição
financeira, e Nancy, administradora de um hospital, eram os
orgulhosos pais de três filhos licenciados, todos a sair-se bem na
vida. Agora que o ninho estava vazio, tinham de encarar o facto
de as suas esperanças de uma reforma feliz terem diminuído. O
casamento estava em apuros. “Não fazemos sexo há mais de seis
anos”, disse Nancy. “Vivemos como estranhos.” Dan perdera o
desejo sexual por Nancy há anos, mas não conseguia identificar
exatamente quando. Dan queria continuar casado com Nancy,
mas, chegada àquele ponto, ela tinha dúvidas. Tinham ambos
esgotado as vias do aconselhamento matrimonial, tanto secular
como religioso. Exploremos as dificuldades relacionais de Dan e
Nancy da perspetiva da abordagem da linguagem nuclear.

O problema (a queixa nuclear)


Ouça a linguagem nuclear da queixa de Nancy: “Sinto que não
está interessado em mim. Passa grande parte do tempo distante.
Não recebo o suficiente da sua atenção e raramente me sinto
ligada a ele. Parece sempre mais interessado nos filhos do que em
mim.”
Agora, ouça a linguagem nuclear de Dan: “Está sempre
insatisfeita comigo. Culpa-me por tudo. Quer mais do que eu
posso dar.”
À primeira vista, estas palavras exemplificam os tipos comuns
de queixa que vemos nos casamentos. Mas examinadas mais a
fundo, estas palavras formavam um mapa que levava a uma fonte
inexplorada de descontentamento. O mapa de Dan e Nancy levava
diretamente ao que havia por resolver nos respetivos sistemas
familiares.
Para descobrir o mapa da linguagem nuclear de um problema
relacional, revisitamos as quatro ferramentas e colocamos quatro
questões. Em seguida, ouvimos atentamente o que é revelado.

As questões

1. A queixa nuclear: Qual é a sua maior queixa acerca


do seu companheiro? Esta questão é o ponto de
partida. A informação obtida com esta pergunta está
muitas vezes relacionada com o assunto inacabado que
temos com um ou ambos os nossos pais. Esse assunto
inacabado é então projetado para o nosso companheiro.
Quer sejamos homem ou mulher, parece aplicar-se a
mesma regra geral: O que sentimos que não recebemos
da nossa mãe, o que continua por resolver na nossa
relação com ela, define muitas vezes o cenário para o que
vivemos com o nosso parceiro. Se sentíamos a nossa mãe
como distante, ou se rejeitámos o seu amor, é provável
que nos distanciemos também do amor do nosso parceiro.

2. Os descritores nucleares: Que adjetivos e


expressões utilizaria para descrever a sua mãe e o
seu pai? Com esta questão, procuramos lealdades
inconscientes e formas como nos distanciámos dos nossos
pais. Ao construir uma lista de adjetivos e expressões para
descrever os nossos pais, acedemos ao âmago dos nossos
sentimentos mais profundos. Aí, encontramos velhos
ressentimentos e acusações que alguns de nós ainda
mantêm contra os pais. É a esse mesmo reservatório
inconsciente de experiências infantis que recorremos ao
projetar a nossa inquietude interna para o nosso parceiro.
Para muitos, os descritores nucleares provêm de imagens
de infância em que nos sentimos defraudados ou
insatisfeitos. Podemos sentir que os nossos pais não nos
deram o suficiente ou não nos amaram da forma certa.
Quando carregamos essas imagens, culpando os nossos
pais pelo descontentamento que sentimos, as nossas
relações raramente correm bem. Vemos o nosso parceiro
através de uma lente velha e distorcida, já à espera que
ele nos defraude do amor de que precisamos.

3. A frase nuclear: Qual é o seu maior medo? Qual é a


pior coisa que lhe poderia acontecer? Como
aprendemos no Capítulo 8, a resposta a esta pergunta
torna-se a nossa frase nuclear, o medo nuclear que
reverbera a partir de um trauma não resolvido na nossa
infância ou história familiar.
Por esta altura, provavelmente já sabe a sua frase nuclear.
Como pode ela limitar o seu relacionamento? Como afeta
a sua capacidade de se comprometer com um parceiro?
Consegue manter-se vulnerável quando estão os dois
juntos? Ou fecha-se, com medo de ser magoado?

4. O trauma nuclear: Que acontecimentos trágicos


ocorreram na sua história familiar? Esta questão,
como vimos nos capítulos anteriores, abre a nossa lente
sistémica e permite-nos identificar os padrões
transgeracionais que afetam os nossos relacionamentos.
Muitas vezes, os problemas que um casal vive têm origem
na história familiar. O sofrimento conjugal e os conflitos
relacionais podem frequentemente ser seguidos num
genograma familiar durante várias gerações.

Em cada pergunta, prestamos atenção às palavras dramáticas,


emocionalmente carregadas, que surgem. O trauma familiar
expressa-se muitas vezes na nossa linguagem verbal, fornecendo
palavras-chave e pistas significativas que conduzem à sua origem.
Agora que temos a estrutura, escutemos alguma da linguagem
nuclear de Dan e Nancy. Logo nos primeiros momentos da sessão,
tinham descarregado um fogo cerrado de acusações mútuas. Era
tempo de ouvir descrições dos seus pais.

Adjetivos e expressões (os descritores nucleares)


Sem se aperceber, Nancy descrevia a mãe de forma
semelhante a como descrevia Dan. “A minha mãe era
emocionalmente distante. Nunca me senti ligada a ela. Não podia
recorrer-lhe quando precisava de alguma coisa. Sempre que
tentava, ela não sabia como cuidar de mim.” Os assuntos
inacabados de Nancy com a mãe pareciam ter caído em cheio no
colo de Dan.
A relação por resolver de Nancy com a mãe não era o único
fator a afetar a sua ligação a Dan. Na família de Nancy, todas as
mulheres estavam insatisfeitas com os maridos. “A minha mãe
estava sempre insatisfeita com o meu pai”, disse Nancy. Este
padrão estendia-se também à geração anterior. A avó de Nancy
referia-se ao avô como “esse filho da mãe alcoólico e imprestável”.
Imagine o impacto de tal condenação sobre a mãe de Nancy. A
crescer em sintonia com a avó, a mãe de Nancy teria tido poucas
hipóteses de ser feliz com o pai desta. Como podia ter mais do
que a mãe? Mesmo que estivesse satisfeita com o pai de Nancy,
como podia ela partilhar essa felicidade com a mãe, quando a avó
sofria tanto com o avô? Em vez disso, deu, inconscientemente,
continuidade ao padrão, mostrando-se crítica para com o pai de
Nancy.
Dan, por sua vez, descrevia a mãe como muito deprimida e
nervosa. Em pequeno, sentia que tinha de tomar conta dela.
“Precisava tanto de mim… demasiado de mim.” Dan baixou os
olhos para as mãos, cuidadosamente cruzadas no seu colo. “O
meu pai estava sempre a trabalhar. Sentia que tinha de lhe dar a
atenção que ele não podia.” Dan contou que a mãe era
hospitalizada de tempos a tempos com graves crises de
depressão. Pela história familiar, tornou-se evidente porque tinha a
mãe dificuldades. A avó de Dan morrera de tuberculose quando a
mãe tinha apenas 10 anos. A perda deixou-a devastada. E uma
grande perda voltaria a surgir com a morte do irmão mais novo de
Dan em bebé. Nessa altura, a mãe de Dan foi hospitalizada
durante seis semanas e recebeu tratamento com eletrochoques.
Dan tinha então 10 anos.
Para agravar a situação, Dan sentia-se distante do pai.
Descrevia-o como “fraco e incapaz”. “O meu pai não conseguiu ser
um homem para a minha mãe.” Dan descrevia ainda o pai, um
trabalhador ucraniano imigrado, como sendo de uma classe social
inferior à da mãe. “Jamais poderia estar à altura dos homens da
sua família, que eram profissionais e cultos.” Os julgamentos de
Dan tinham cortado a sua ligação ao pai.
Quando um homem rejeita o seu pai, afasta-se
inadvertidamente da fonte da sua masculinidade. Um homem que
admira e respeita o pai sente-se geralmente à vontade com a sua
força masculina e é mais propenso a imitar os atributos do pai.
Numa relação, isso pode traduzir-se em facilidade no
compromisso, responsabilidade e estabilidade. O mesmo se aplica
às mulheres. Uma mulher que ama e respeita a mãe está
geralmente à vontade com a sua feminilidade e é mais propensa a
expressar o que admira acerca da mãe no seu relacionamento.
Dan tinha-se também distanciado do pai por uma outra razão.
Assumira o papel de confidente da mãe e, inadvertidamente,
invadido território que pertencia ao pai. Dan não escolheu
conscientemente esta situação, mas, tal como muitos rapazes que
sentem a necessidade das mães, sentia que era sua missão tomar
conta dela. Podia sentir como a mãe se iluminava quando ele
cuidava dela e, de igual modo, como se fechava quando o pai
estava por perto. Ao sentir-se preferido pela mãe, Dan aprendeu a
sentir-se superior ao pai.
Dan adotou até os sentimentos de desaprovação da mãe
relativamente ao seu pai. E ao rejeitar o pai, Dan não só se
desligara da sua força masculina, como também preparara
inconscientemente o cenário para repetir uma dinâmica similar no
seu casamento com Nancy. Tal como o pai, Dan tornou-se um
marido “fraco e incapaz”.
De igual modo, Nancy não podia recorrer à força feminina da
mãe. A dada altura da infância, tomara a decisão de deixar de
recorrer à mãe em busca de apoio. Nancy deixou o lar da sua
infância sentindo que não recebera o suficiente, e culpava a mãe
por não lhe ter dado a atenção por que ansiava. Essa flecha de
descontentamento seria posteriormente apontada a Dan. Aos
olhos de Nancy, também ele falharia em proporcionar-lhe o apoio
de que necessitava.
Enquanto estavam unidos na educação dos filhos, era fácil Dan
e Nancy perderem-se na atenção às necessidades da família. Mas
agora, com os filhos longe, as dinâmicas subjacentes estavam
bem à vista. Dan e Nancy mal se conseguiam aguentar.
Dan descrevia-se como “sexualmente morto” em relação a
Nancy. “Perdi totalmente o interesse pelo sexo”, afirmou. Ao
explorar a sua relação inicial com a mãe, Dan rapidamente
compreendeu porquê. Proporcionar à mãe os cuidados e o consolo
de que ela precisava não era responsabilidade para uma criança.
Era pedir demasiado a um rapazinho. Dan jamais lhe poderia dar o
que ela precisava. Jamais poderia eliminar por completo a sua dor.
Em vez disso, o seu amor parecia inundante. As necessidades da
mãe assoberbavam-no.
Ao queixar-se de que Nancy queria demasiado dele, não era a
Nancy que Dan se referia. Inconscientemente, aludia às
necessidades insatisfeitas da mãe. Dan confundira a sua
proximidade com Nancy com a proximidade enredada que vivera
na infância. Até os desejos e necessidades naturais de Nancy
eram recebidos com resistência. Protegendo-se do que lhe parecia
uma investida de exigências, Dan fechou-se a Nancy, dizendo
automaticamente não os seus pedidos, mesmo quando, na
realidade, queria dizer sim.
Os problemas de Dan e Nancy articulavam-se de forma
sincrónica. Era como se os dois se tivessem juntado para se curar
através do casamento. Muitas vezes, as pessoas escolhem
inconscientemente um parceiro que ativa as suas feridas. Deste
modo, têm a oportunidade de ver, assumir e curar as partes
dolorosas e reativas de si mesmas. Como o espelho perfeito, o
parceiro escolhido reflete o que jaz inacabado e por reivindicar no
âmago do outro. Quem melhor do que Dan para proporcionar o
amor emocionalmente distante de que Nancy precisava para a
ajudar a encerrar os seus assuntos inacabados com a mãe? E
quem melhor do que Nancy para fornecer a Dan a insaciável
carência por ele experienciada na infância e assim o ajudar a curar
a sua ferida com a mãe?

O pior medo (a frase nuclear)

Dan descreveu que seu maior medo na vida era perder Nancy.
“O meu pior pesadelo seria perder a pessoa que mais amo. Temo
que a Nancy morra ou me deixe e eu tenha de viver sem ela.”
Uma geração antes, o eco desta frase nuclear podia ser
dolorosamente sentido quando a mãe de Dan perdeu a sua
própria mãe aos 10 anos. A mãe de Dan repetiu a experiência de
“perder quem mais amava” quando o seu recém-nascido morreu.
Essas perdas refletir-se-iam no maior medo de Dan. Embora fosse
Dan a carregar o medo, na realidade, era a mãe quem tinha de
viver sem as pessoas que mais amava. Dan rapidamente
reconheceu que a sua frase nuclear tinha origem na mãe.
O padrão prolongou-se para a geração seguinte. Aos 10 anos,
a mesma idade que a mãe de Dan tinha quando a sua própria
mãe morreu, Dan perdeu a mãe – “a pessoa que mais amava” –
durante seis semanas, quando ela foi hospitalizada devido aos que
os médicos designaram por “esgotamento nervoso”. Já
anteriormente ele se lembrava de lapsos na sua atenção quando
ela entrava em depressão. Durante esses períodos, Dan sentia-se
abandonado e só.
Também a frase nuclear de Nancy podia ser associada a uma
época anterior. “Ficaria presa num casamento terrível e sentir-me-
ia só.” Esta frase pertencia claramente à avó, casada com o avô
alcoólico de Nancy, que era acusado de praticamente tudo o que
corria mal na família. Se pudéssemos espreitar uma geração mais
atrás, veríamos, talvez, que a avó de Nancy tinha uma relação
difícil com a sua mãe, ou que a bisavó refletia um padrão de
sentimentos similar de se sentir presa num mau casamento com o
seu marido. Infelizmente, todas as informações para lá da avó
desapareceram da história. Em cada geração, veríamos
provavelmente uma menina desligada da mãe ou criada por pais
desligados um do outro. Compreendendo isto, Nancy podia
continuar a repetir o padrão com Dan ou aproveitar a
oportunidade para o curar. Nancy estava pronta para a cura.
A história familiar (o trauma nuclear)

A nível sistémico, Dan repetia a experiência do pai ao partilhar


os sentimentos de emasculação do progenitor no seu casamento.
Nancy repetia a experiência da mãe e da avó ao sentir-se
“insatisfeita” com o marido. Vejamos os respetivos sistemas
familiares.
O quadro global

Como as histórias familiares de Dan e Nancy demonstram, os


conflitos relacionais são muitas vezes postos em marcha muito
antes de o nosso parceiro entrar sequer em cena.
Nancy conseguiu perceber que Dan não era a fonte do seu
“não obter o suficiente”. Esse sentimento surgira muito antes, com
a mãe. De igual modo, Dan pôde ver que Nancy não era a fonte
do seu sentimento de uma mulher “precisar demasiado” dele.
Também esse sentimento surgira muito antes, com a mãe.
Nancy apercebeu-se ainda de que qualquer homem que
casasse na sua família não se sentiria apreciado pelas mulheres.
Nessas circunstâncias, Dan tornara-se o beneficiário de três
gerações de descontentamento conjugal.
Assim que reconheceram que ambos carregavam assuntos
inacabados naquele relacionamento, o feitiço quebrou-se e a
nuvem de culpa começou a dissipar-se. Projeções e acusações que
outrora tinham sido apontadas um ao outro começavam agora a
ser entendidas no contexto mais vasto das respetivas histórias
familiares. Com o emergir do quadro global, a ilusão de que o
outro era o responsável pelo descontentamento começou a
desvanecer-se.
Quase de imediato, puderam-se ver-se mutuamente sob uma
nova luz. Dan e Nancy conseguiram redescobrir os sentimentos
ternos que os tinham unido em primeiro lugar. Não só começaram
a mostrar mais bondade e generosidade um para com o outro,
como também começaram a fazer amor.

Expandir a nova imagem

A compaixão de Nancy pela mãe começou também a


aprofundar-se. Em pequena, a mãe de Nancy fora a cuidadora
emocional da sua mãe com um casamento infeliz. Não se
permitindo ter mais do que a avó, a mãe de Nancy repetiu o ciclo
de um casamento infeliz.
Nas primeiras memórias de Nancy, a mãe parecia-lhe distante
e apática. Em pequena, Nancy sentia-se rejeitada por ela. No
entanto, ao assimilar a estrutura da sua história familiar, Nancy
pôde ver a mãe com novos olhos. Permitiu-se sentir que, mesmo
com a distância, a mãe lhe dera tudo o que tinha para dar.
Compreendendo isto, Nancy foi capaz de se suavizar. Conseguiu
transcender a velha imagem interior de que fora defraudada do
“cuidado materno”. Uma nova imagem de se sentir reconfortada
pela mãe emergiu no seu lugar. Pareceu preenchê-la a partir do
interior. Na sua nova imagem, a mãe tinha apenas intenções
afetuosas para com ela.
Apesar de a mãe estar morta há dezasseis anos, Nancy pôde
pedir-lhe o tipo de apoio que jamais teria imaginado pedir quando
estava viva. Pela primeira vez desde que se lembrava, Nancy pôde
sentir o amor da mãe.
Fechou os olhos e visualizou a mãe a abraçá-la por trás. “Mãe,
sempre te culpei por não me dares o suficiente. E tenho vindo a
culpar o Dan pelo mesmo – por não me dar o suficiente.
Compreendo agora que me deste tudo o que tinhas. Foi suficiente,
mãe. Foi verdadeiramente suficiente.” Nancy chorava. “Mãe, dá-
me a tua bênção, por favor, para ser feliz com o Dan. Quero
sentir-me satisfeita no meu casamento, ainda que tu e a avó não
o tenham podido fazer. Doravante, quando me sentir insatisfeita e
só, procurar-te-ei e sentir-te-ei atrás de mim, a apoiar-me e a
querer o melhor para mim.”
Ao longo das semanas seguintes, Nancy colocou uma
fotografia da mãe junto à cama e imaginou-a a abraçá-la à noite
enquanto adormecia. Imaginou-se a ser embalada nos braços da
mãe e a receber todo o amor de que necessitava. Nancy podia
agora receber o que não podia assimilar quando era pequena.
Agora, abraçada pelo amor da mãe, podia voltar-se para Dan de
uma forma completamente nova.
Também Dan visualizou uma conversa com a falecida mãe:
“Mãe, quando era pequeno, pensava que tinha de cuidar de ti.
Fiquei ressentido com isso. Sem que nenhum de nós se
apercebesse, estava a tentar compensar-te por teres perdido a tua
mãe quando eras pequena. Era pedir demasiado de mim. Não é
de admirar que sinta que nunca sou o suficiente. Nenhum
rapazinho poderia compensar uma perda dessas.”
Na sua imagem interior, Dan pôde sentir a mãe a reagir,
recuando para lhe dar mais espaço. Dan expirou e, em seguida,
inspirou profundamente, como se os pulmões se tivessem
expandido para o dobro do tamanho. Pouco habituado a ter tanto
ar dentro do corpo, Dan sentiu-se inicialmente tonto, e depois
revigorado. Continuou: “Mãe, sinto muitas vezes que a Nancy
pede demasiado de mim. Por favor, ajuda-me a ver a Nancy como
ela é, sem medo de desaparecer ou de não ser o suficiente
quando ela precisar de mim.”
No seu desejo de continuar a sarar, Dan contactou o pai, que
ainda estava vivo. Disse-lhe que lamentava ter sido distante com
ele. Levou-o a almoçar e disse-lhe que gostaria que fossem
próximos. Durante o almoço, agradeceu-lhe por ser um excelente
pai. O progenitor ficou indescritivelmente comovido. Disse a Dan
que tinha esperado muito tempo por aquela conversa. Dan
conseguiu sentir o amor que sempre lá estivera. Agora, estava
pronto para o receber.
Nancy pôde sentir uma nova força em Dan. Parecia-lhe, de
algum modo, mais alto. A sua reação foi automática. Começou a
respeitá-lo.
Pediu a Dan que a ajudasse: “Quando sentires que estou a ser
acusadora, ou crítica, ou insatisfeita, por favor, diz-mo. Prometo
tentar detetá-lo em mim mesma. Quero ser uma esposa melhor
para ti.” Dan voltou a respirar fundo. Enchia-lhe o corpo de uma
forma nova, expandindo-se para locais que ele bloqueara em
pequeno.
Ele, por sua vez, pediu a Nancy que o ajudasse a manter-se
presente: “Quando estiver a ser emocionalmente distante, diz-mo,
por favor. Prometo observá-lo em mim mesmo e não me afastar
de ti.” Ela respirou de forma similar. A mão dele encontrou a dela
ao mesmo tempo que a dela procurava a dele.
O caso de Dan e Nancy demonstra como, fazendo perguntas
específicas e ouvindo a linguagem nuclear que emerge, podemos
aceder à fonte dos nossos mais profundos conflitos relacionais. Tal
como Dan e Nancy viam as suas feridas refletidas e ampliadas um
pelo outro, também nós podemos procurar nos nossos
companheiros um reflexo do que trazemos inacabado das nossas
histórias familiares. O mapa já está dentro de nós. Os seus
caminhos podem estar envoltos em trevas, mas podemos muitas
vezes contar com os nossos parceiros para nos proporcionarem a
luz para conseguirmos ver.

Olhar para lá do casal

Ao explorarmos a linguagem nuclear das nossas queixas


relacionais, encontramos frequentemente uma história familiar
que nos é conhecida. Em vez de aceitarmos as nossas queixas
sem questionar, temos de nos perguntar: Terão os nossos pais ou
avós partilhado uma experiência similar? Sentimos para com os
nossos pais o mesmo que sentimos em relação ao nosso parceiro?

Espelhará a minha relação um padrão da minha história


familiar?

Se tem problemas com o seu parceiro, não conclua


automaticamente que é ele a fonte. Em vez disso, ouça as
palavras das suas queixas sem culpar o companheiro nem se
deixar cativar pelas emoções. Pergunte-se:
Estas palavras soam-me familiares?
Tenho a mesma queixa sobre a minha mãe ou o meu pai?
A minha mãe ou o meu pai tinham a mesma queixa um do
outro?
A minha avó ou o meu avô tinham dificuldades similares?
Há algum paralelismo entre duas ou três gerações?
A minha experiência com o meu parceiro reflete a forma
como me sentia com os meus pais em pequeno?

A história de Tyler

Tyler, um farmacêutico atlético de 28 anos, amava


profundamente a mulher, Jocelyn. Estavam casados há três anos,
mas só tinham feito amor até ao fim por duas vezes desde o
casamento. Antes de casarem, o sexo era frequente. A partir do
dia em que trocaram votos, porém, Tyler começou a sentir-se
ansioso e inquieto. Tinha a certeza de que ela o ia deixar por
outro homem. “Em menos de seis meses, vais trair-me”,
proclamava ele. Jocelyn garantia-lhe persistentemente a sua
lealdade, mas Tyler não conseguia ouvir. A insistência em como
ela lhe seria infiel estava a corroer o relacionamento. “Tenho a
certeza”, disse-me ele, na nossa primeira sessão juntos. “Vai trair-
me e eu ficarei devastado.”
Desde o casamento que Tyler se debatia com a disfunção
erétil. Testes médicos tinham confirmado que era saudável e não
tinha problemas físicos. Tyler sabia que a resposta estava fora do
seu alcance. Simplesmente, não sabia onde procurar. A sua frase
nuclear, contudo, funcionou como um mapa, indicando-lhe onde
precisava de ir.
Frase nuclear de Tyler: “Vai trair-me e eu ficarei devastado.”
Ainda que não o soubesse, Tyler não era o autor desta frase
nuclear. Este doloroso mantra ecoara quarenta anos antes na
história da sua família, embora Tyler desconhecesse o
acontecimento específico.
O pai de Tyler estava casado com a sua primeira mulher há
menos de um ano quando a apanhou a fazer sexo com outro
homem. O choque foi mais do que podia suportar. Saiu da cidade,
deixou o emprego, deixou os amigos e nunca falou sobre o que
acontecera. Tyler nunca soube de nada disto. Só descobriu
quando os seus sintomas apareceram e, por exortação minha,
perguntou ao pai se tinha tido uma relação anterior antes de casar
com a sua mãe. Na nossa sessão seguinte, Tyler descreveu que,
ao ser-lhe colocada a questão, o pai parara momentaneamente de
respirar e apertara os lábios contra os dentes. Pareceu-me que
estava literalmente a tentar impedir o passado de sair. Ainda
assim, acabou por falar a Tyler da sua primeira mulher.
Tyler percebeu que, apesar do tempo, da distância e de um
novo casamento, o coração partido do pai nunca sarara por
completo. O que permanecia por resolver no coração do pai
estava agora a afetar o seu casamento. Ainda que o pai nunca
tivesse falado sobre a dor que sentira, os sentimentos estavam
bem vivos no corpo de Tyler. Ele tinha herdado inconscientemente
o trauma do pai.
Para Tyler, a luz do entendimento despertou todo o seu corpo,
como se de um sono profundo. Podia agora entender o porquê de
o seu corpo paralisar quando tentava fazer amor com Jocelyn.
Entendia finalmente a inteligência por detrás do bloqueio do
corpo. A impotência permitira-lhe manter-se distante do amor que
desejava. À superfície, parecia contraintuitivo, mas a um nível
mais profundo, Tyler entendeu que tinha pavor de que Jocelyn o
magoasse.
Ao não conseguir ter relações sexuais com ela, estava
inconscientemente a proteger-se de ser vulnerável a qualquer
infidelidade que ela pudesse cometer. Tyler não suportava a ideia
de não ser “suficientemente bom” para Jocelyn, tal como o pai
não fora “suficientemente bom” para a sua primeira mulher. A
disfunção erétil mantinha-o a salvo do risco de que a mesma
rejeição lhe pudesse acontecer. A ideia de ser rejeitado por
Jocelyn era um local que Tyler se recusava a visitar. Na sua
insegurança, quase causou a sua própria rejeição.
Para Tyler, fazer a ligação foi quanto bastou. Foi capaz de
perceber que Jocelyn realmente o amava e que se tinha mantido
ao seu lado durante os seus problemas sexuais. Embora tivesse
herdado os sentimentos do pai, Tyler entendeu que já não tinha
de os reviver. O pesadelo do pai não tinha de acontecer com ele.

Amor cego

O antigo poeta Virgílio declarou que “o amor tudo vence”. Se o


nosso amor for suficientemente grande, a nossa relação, por mais
difícil que seja, irá certamente triunfar. Até os Beatles nos dizem
que “o amor é tudo o que precisamos”. Mas, com a miríade de
lealdades inconscientes que atuam invisivelmente sob a superfície
das nossas vidas, talvez seja mais apropriado dizer que o amor –
o amor inconsciente expresso nas famílias – pode “vencer” a
nossa capacidade de manter uma relação afetuosa com o nosso
parceiro.
Enquanto permanecermos presos na teia dos padrões
familiares, as nossas relações irão provavelmente ter dificuldades.
Quando aprendermos, porém, a desenredar os fios invisíveis da
história familiar, poderemos desfazer a sua influência sobre nós.
Decifrar a nossa linguagem nuclear torna isso possível. Ao tornar
visível o que era invisível, tornamo-nos mais livres para dar e
receber amor. O poeta Rilke entendia a dificuldade de manter um
relacionamento. Escreveu o seguinte: “Um ser humano amar
outro: é essa, talvez, a mais difícil de todas as nossas tarefas, a
principal, o derradeiro teste e prova, a obra para a qual todas as
outras obras não passam de preparação.”1
Seguem-se vinte e uma dinâmicas familiares que desgastam a
intimidade com o nosso parceiro. Algumas destas dinâmicas
podem até impedir-nos de entrar de todo num relacionamento.

Vinte e uma dinâmicas invisíveis que podem afetar


os relacionamentos:

1. Teve uma relação difícil com a sua mãe. O que tem


inacabado com a sua mãe repetir-se-á, provavelmente,
com o seu parceiro.

2. Rejeita, julga ou culpa um dos seus pais. As


emoções, características e comportamentos que rejeita
num progenitor tendem a continuar a viver
inconscientemente em si. Pode projetar as queixas que
tem sobre esse progenitor no seu parceiro. Pode também
atrair um parceiro que personifica características similares
às do progenitor rejeitado. Quando rejeita um dos seus
pais, pode contrabalançar essa rejeição através de
dificuldades nos seus relacionamentos. Pode deixar os
seus parceiros ou ser deixado por eles. As suas relações
podem parecer-lhe vazias ou pode optar por ficar sozinho.
Uma relação próxima com o progenitor do mesmo sexo
parece fortalecer a nossa capacidade de nos
comprometermos com um parceiro.

3. Fundiu-se com os sentimentos de um dos pais. Se


um dos seus pais tem sentimentos negativos em relação
ao outro, é possível que dê continuidade a esses
sentimentos relativamente ao seu parceiro. Sentimentos
de insatisfação com um parceiro podem ser transportados
de geração em geração.

4. Experienciou uma interrupção no vínculo inicial à


sua mãe. Com esta dinâmica, é provável que sinta algum
nível de ansiedade ao tentar ligar-se a um parceiro numa
relação íntima. Muitas vezes, a ansiedade aumenta à
medida que a relação se aprofunda. Inconsciente de que a
ansiedade resulta de uma quebra na ligação inicial, poderá
começar a encontrar culpas no seu parceiro ou a criar
outros conflitos que lhe permitam distanciar-se da
proximidade. Poderá também dar por si a sentir-se
carente, apegado, ciumento ou inseguro. Ou,
inversamente, mostrar-se independente e não pedir muito
nas suas relações. Talvez evite os relacionamentos de
todo.

5. Cuidou dos sentimentos de um dos pais. Idealmente,


os pais dão e os filhos recebem. Mas para muitos filhos
com um progenitor triste, deprimido, ansioso ou inseguro,
o foco pode estar mais em dar conforto do que em
receber. Nesta dinâmica, a experiência do filho de obter
satisfação para as suas necessidades pode tornar-se
secundária, e a experiência de ter acesso aos seus
instintos pode ser ensombrada pelo impulso habitual de
dar cuidados, em vez de os receber. Numa fase posterior
da vida, este filho poderá dar demasiado ao seu parceiro,
sobrecarregando a relação. Ou pode dar-se o oposto.
Sentindo-se assoberbado ou sobrecarregado pelas
necessidades do parceiro, pode ficar ressentido ou sentir-
se emocionalmente bloqueado à medida que relação
evolui.

6. Os seus pais eram infelizes juntos. Se os seus pais


tinham problemas ou não se davam bem um com o outro,
é possível que não se permita ter mais do que eles
tinham. Uma lealdade inconsciente para com os seus pais
pode impedi-lo de ser mais feliz do que eles, mesmo que
saiba que a felicidade é o que eles verdadeiramente
querem para si. Numa família em que a exuberância é
limitada, os filhos podem sentir-se culpados ou
desconfortáveis quando são felizes.
7. Os seus pais não ficaram juntos. Se os seus pais não
ficaram juntos, pode também abandonar
inconscientemente a sua relação. Isto pode acontecer ao
atingir a mesma idade que eles tinham quando se
separaram, ao passar o mesmo período de tempo na sua
relação ou quando o seu filho atinge a mesma idade que
tinha quando os seus pais se separaram. Ou pode manter-
se na sua relação, mas viver emocionalmente separado.

8. O seu pai ou avô abandonou uma antiga


companheira. Se o seu pai ou avô abandonou uma
antiga esposa, ou uma companheira que tinha sido levada
a crer que a relação resultaria em casamento, você pode,
enquanto filha ou neta, expiar esta situação ficando
sozinha como a mulher. Pode sentir que “não é
suficientemente boa”, como a mulher que não foi
suficientemente boa para o seu pai ou avô.

9. O grande amor da sua mãe partiu-lhe o coração.


Enquanto filho, pode unir-se inconscientemente à sua mãe
no seu desgosto. Pode perder o seu primeiro amor,
carregar os sentimentos de amor não correspondido da
sua mãe ou sentir-se imperfeito ou insuficientemente bom
(como ela). Pode sentir que nunca está com a
companheira que quer. Enquanto filho, pode tentar
substituir energeticamente o primeiro amor e tornar-se
como um parceiro para a sua mãe.
10. O grande amor do seu pai partiu-lhe o coração.
Enquanto filha, pode unir-se inconscientemente ao seu pai
no seu desgosto. Pode perder também o seu primeiro
amor, carregar os sentimentos de amor não correspondido
do seu pai ou sentir-se imperfeita ou insuficientemente
boa (como ele). Pode sentir que nunca está com o
companheiro que quer. Enquanto filha, pode tentar
substituir energeticamente o primeiro amor e tornar-se
como uma parceira para o seu pai.

11. Um dos seus pais ou avós ficou sozinho. Se um dos


seus pais ou avós ficou sozinho depois de ser deixado, ou
após a morte do cônjuge, pode também ficar sozinho. Se
estiver num relacionamento, pode criar conflitos ou
distância para também se sentir só. Em silenciosa
lealdade, procura inconscientemente uma maneira de
partilhar a solidão.

12. Um dos seus pais ou avós sofreu durante o


casamento. Se, por exemplo, a sua avó estava presa
num casamento sem amor, ou se o seu avô morreu, bebia,
jogava ou partiu, deixando a sua avó a criar os filhos
sozinha, você, enquanto neta, pode associar
inconscientemente essas experiências ao casamento. Pode
repetir a experiência ou resistir ao compromisso com um
parceiro por receio de que o mesmo lhe possa acontecer.

13. Um dos seus pais era rebaixado ou desrespeitado


pelo outro. Enquanto filho, pode recriar a experiência
desse progenitor ao ser desrespeitado pelo seu
companheiro.

14. Um dos seus pais morreu novo. Se um dos seus pais


morreu durante a sua infância, pode distanciar-se física ou
emocionalmente do seu parceiro ao atingir a mesma idade
do progenitor morto, ao completar a mesma quantidade
de tempo no seu relacionamento ou quando o seu filho
atinge a mesma idade que tinha quando o seu progenitor
morreu.

15. Um dos seus pais maltratava o outro. Se o seu pai


tratava mal a sua mãe, pode, enquanto filho, tratar
igualmente mal a sua parceira para o seu pai não ser o
“vilão” sozinho. Enquanto filha, pode ter um parceiro que
a maltrata ou de quem se sente distante. Pode ser difícil
para si ter mais felicidade do que a sua mãe.

16. Magoou um antigo parceiro. Se magoou terrivelmente


um antigo parceiro, poderá inconscientemente tentar
contrabalançar essa mágoa sabotando o novo
relacionamento. O novo parceiro, inconscientemente
ciente de que pode receber tratamento similar, pode até
manter alguma distância de si.

17. Teve demasiados parceiros. Se teve demasiados


parceiros, pode ter erodido a sua capacidade de se ligar
num relacionamento. As separações podem tornar-se mais
fáceis. As relações podem perder profundidade.
18. Fez um aborto ou deu uma criança para adoção. Na
sua culpa, remorso ou arrependimento, pode não se
permitir grande felicidade numa relação.

19. Era o confidente da sua mãe. Em pequeno, tentava


satisfazer as necessidades insatisfeitas da sua mãe e
fornecer-lhe o que ela sentia que não podia obter do seu
pai. Mais tarde, poderá sentir dificuldade em
comprometer-se com uma mulher. Pode fechar-se física ou
emocionalmente, receando que a sua parceira, tal como a
sua mãe, queira ou exija demasiado de si. Um rapaz que
era o confidente da sua mãe cria muitas vezes relações
rápidas com as mulheres. Pode até tornar-se um
mulherengo, deixando um rasto de corações partidos à
sua passagem. O remédio está numa ligação mais próxima
ao seu pai.

20. Era a favorita do seu pai. Uma rapariga que é mais


próxima do pai do que da mãe sente-se muitas vezes
insatisfeita com os parceiros que escolhe. A raiz do
problema não está no parceiro; está na distância que
sente relativamente à mãe. A relação de uma mulher com
a mãe pode ser um indicador de quão gratificante será a
sua relação com o parceiro.

21. Alguém na família não casou. Pode identificar-se com


um pai, avô, tio, tia ou irmão mais velho que nunca casou.
Talvez essa pessoa fosse menosprezada, ridicularizada ou
vista como tendo menos do que os outros membros da
família. Em inconsciente sintonia, pode também não casar.
Capítulo 13
A linguagem nuclear do sucesso
É preciso ter caos no interior para se poder dar à
luz uma estrela dançante.
– Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

Muitos livros de autoajuda prometem-nos sucesso financeiro e


realização se seguirmos os planos prescritos pelos autores.
Estratégias como desenvolver hábitos eficazes, expandir a rede
social, visualizar sucessos futuros e repetir mantras financeiros são
apregoadas como formas de prosperar. Mas então, e aqueles de
nós que parecem nunca atingir os objetivos, façam o que fizerem
ou sigam que plano seguirem?
Quando as nossas tentativas de sucesso parecem colidir com
entraves e becos sem saída, explorar a história familiar pode ser
um importante caminho a seguir. Os acontecimentos traumáticos
por resolver nas nossas famílias podem prejudicar a forma como o
sucesso flui na nossa direção e a nossa capacidade de o receber.
Dinâmicas que vão desde a partilha de uma identificação
inconsciente com alguém na família que falhou, foi traído ou traiu
alguém à receção de uma herança imerecida ou ao trauma de
uma separação precoce da mãe podem afetar a nossa capacidade
de nos sentirmos seguros e financeiramente vigorosos. No final
deste capítulo, encontrará uma lista de questões que podem
ajudar a discernir se existe um trauma nuclear na sua história
familiar a impedir-lhe o caminho. Aprenderá ainda a extrair a
linguagem nuclear em torno dos seus próprios medos de fracasso
e sucesso, e a levar-se de volta ao caminho certo.
Em primeiro lugar, vejamos como outros utilizaram a
abordagem da linguagem nuclear para se libertarem para um
maior sucesso.

Expiar os crimes da história familiar

Ben estava a uma semana de fechar as portas do seu escritório


de advocacia. Após uma série de tentativas fracassadas de pôr as
contas do seu escritório em níveis positivos, ia desistir de vez.
“Parece que não consigo ir além do nível da mera sobrevivência”,
disse-me ele. “Mal tenho o suficiente.”
Linguagem nuclear de Ben: “Estou apenas a sobreviver. Mal
tenho o suficiente.”
Ben descreveu um padrão que experienciara durante toda a
vida adulta, de ter muitos projetos em vista, vários grandes
clientes na calha, e então, de repente, o chão lhe fugir dos pés. “É
como se nunca conseguisse segurar nada do que ganho. Mal
consigo sobreviver.” Se ouvir atentamente a linguagem nuclear de
Ben, talvez consiga distinguir o grito de outra pessoa, de alguém
empobrecido, que “mal conseguia sobreviver”, de alguém que
“mal tinha o suficiente”. A pergunta, claro, é: Quem?
Na família de Ben, o rasto da linguagem nuclear levou
diretamente à raiz do problema. Ben lembrava-se das visitas de
infância à Florida. O avô de Ben detinha e explorava uma bem-
sucedida plantação de citrinos no centro da Florida, isto entre os
anos 30 e inícios dos anos 70 do século xx. A família construíra a
sua fortuna com base na faina e no suor de trabalhadores
migrantes a quem pagavam uma ninharia. Mal sobrevivendo, com
magros salários e incapazes de pagar as dívidas, viviam na
miséria. Enquanto a família do avô de Ben prosperava e vivia
numa luxuosa mansão, os trabalhadores agrícolas amontoavam-se
em barracas devolutas. Ben lembrava-se de brincar com os filhos
deles quando era pequeno. Lembrava-se da sensação de culpa por
ter mais e eles terem menos. Anos depois, o pai de Ben herdou o
património do avô, mas acabou por o perder devido a uma série
de maus investimentos e negócios que correram mal. Ben acabou
por não herdar nada. As adversidades só continuaram para Ben,
que, desde que passara no exame à Ordem, se atrasara com
contas que não podia pagar e com os empréstimos que devia ao
banco.
Só quando associou a sua situação atual à história familiar é
que as coisas começaram a fazer sentido para Ben. Via como a
sua família prosperara enquanto os trabalhadores migrantes mal
sobreviviam. Os prejuízos em que incorriam estavam diretamente
relacionados com os benefícios que a família de Ben obtinha.
Numa sintonia inconsciente com os trabalhadores, Ben tinha vindo
a reviver a sua miséria. Era como se, ao viver empobrecido, Ben
pudesse, de alguma forma, contrabalançar a dívida do avô, dívida
essa que nem sequer lhe pertencia.
Era tempo de quebrar o padrão. Durante a nossa sessão
juntos, Ben fechou os olhos e visualizou diante de si as crianças
com quem costumava brincar e as respetivas famílias. Na sua
imagem interior, surgiam-lhe desalentadas e empobrecidas.
Visualizou o avô, que falecera quando Ben tinha 12 anos, junto a
elas, a pedir-lhes desculpa por não lhes pagar o que mereciam.
Ben imaginou-se a dizer ao avô que não podia continuar a expiar
o tratamento injusto dos trabalhadores passando dificuldades no
seu escritório de advocacia, e que deixaria a responsabilidade pelo
sofrimento dos trabalhadores com ele.
Visualizou o avô a assumir a responsabilidade e a fazer
reparações. Imaginou-o a dizer: “Isto não tem nada que ver
contigo, Ben. É minha a dívida a pagar – não tua.” Visualizou as
crianças com quem costumava brincar a sorrir-lhe. Sentia que não
lhe guardavam ressentimento.
Mais tarde, Ben tentou contactar uma das famílias migrantes,
mas não conseguiu encontrar o seu paradeiro. Em vez disso, fez
um donativo a uma instituição de caridade focada nas
necessidades de saúde das famílias migrantes como um gesto de
boa vontade da sua família para com a deles. Ben manteve as
portas do seu escritório de advocacia abertas. Aceitou o caso, pro
bono, de um trabalhador que fora maltratado por uma grande
empresa. Em poucas semanas, vários novos clientes pagantes
surgiram-lhe no caminho. Ao fim de seis meses, o escritório
prosperava.
Ao olharmos para a família em busca da origem de um
problema financeiro, temos de perguntar: Estaremos
inconscientemente a tentar compensar as ações de alguém que
nos precedeu? Muitos de nós perpetuam inadvertidamente o
sofrimento e os infortúnios do passado. Ben parecia estar a fazê-
lo, e Loretta também.
Acima de tudo, Loretta queria ter o seu próprio negócio.
Durante trinta anos, o seu “suor e trabalho árduo”, como dizia,
tinham vindo a encher os bolsos dos proprietários das empresas
para as quais trabalhava. No entanto, sempre que lhe surgia uma
oportunidade de criar o seu próprio empreendimento ou de
desenvolver uma das suas ideias de negócio, ela hesitava. “Algo
me impede de avançar. É como se houvesse algo escondido sob a
superfície que me impede de dar o próximo passo”, disse ela. “É
como se não merecesse ter o que recebo.”
Linguagem nuclear de Loretta: “Não mereço ter o que
recebo.”
Se deixarmos que a linguagem nuclear de Loretta nos conduza
ao passado, surgem na mente três perguntas de ligação:

• Quem “não merecia o que recebeu”?


• Quem foi “impedido”?
• Quem não podia “avançar”?

Mais uma vez, a resposta não estava longe. No seu


testamento, a avó de Loretta legara a lucrativa quinta da família
ao pai desta, nada deixando aos restantes filhos. O pai de Loretta
prosperou, enquanto os irmãos começaram a passar dificuldades.
A partir daí, a relação que todos partilhavam tornou-se distante.
O pai de Loretta adquirira uma vantagem injusta sobre os
irmãos. Em adulta, Loretta, única filha, enfrentou dificuldades
financeiras, tal como os tios e tias, virando o interruptor da família
de “benefício” para “prejuízo”. Como que para compensar os
ganhos ilícitos recebidos pelo pai, oriundos da sua avó, Loretta
impedia-se inconscientemente de ter sucesso. Assim que se
apercebeu de que, involuntariamente, estivera a tentar compensar
um erro com outro, conseguiu correr os riscos necessários para se
tornar uma empreendedora.
A Loretta, a sua linguagem nuclear levou-a de volta à quinta da
família, ao ganho imerecido na sua história familiar. Para Ben, o
caminho foi semelhante. Mas nem todos os que desejam avançar
conseguem localizar um evento familiar tão claramente vincado.
Para John-Paul, o evento familiar que o entravava era menos
visível.

Separado da mãe, desligado dos outros

John-Paul também queria fazer avançar a sua carreira, ainda


que as ações, como não tardaremos a ver, mostrassem o
contrário. Ao seguir o seu mapa da linguagem nuclear, porém,
descobriu um caminho repleto de pistas e perceções.
Durante mais de vinte anos, John-Paul tinha-se mantido no
mesmo emprego sem saída, vendo outros abaixo do seu nível de
competências ascender a cargos superiores ao seu. Era discreto e
preferia manter-se escondido nos recessos das conversas de
escritório e das interações sociais. Vivia sem ser notado, passando
despercebido aos quadros superiores. Porque nunca era chamado
para tarefas especiais, nunca corria o risco de falhar. A ideia de
pedir uma função de liderança, um cargo acompanhado pelo
stress de ser vigiado e julgado pelos outros, era avassaladora. Era
simplesmente demasiado perigoso.
“Poderia ser rejeitado”, disse ele, “ou dar o passo errado e
perder tudo”.
Linguagem nuclear de John-Paul: “Poderia ser rejeitado.
Poderia dar o passo errado e perder tudo.”
No caso de John-Paul, não foi necessário recuar a uma geração
anterior; bastou-nos explorar um único acontecimento na sua
primeira infância – uma quebra na ligação à mãe. Muitos de nós
sofremos uma interrupção no processo de ligação às nossas mães
e, tal como John-Paul, nunca fazemos a associação à forma como
isso nos afeta em adultos. John-Paul deixara de confiar no amor e
no apoio da mãe logo no início da infância. Como consequência,
passou grande parte da vida a ser cauteloso nas relações com os
outros. Sem sentir o apoio da mãe atrás de si, John-Paul sentia-se
inseguro e hesitante sempre que avançava para as coisas que
mais desejava. “Se eu disser ou fizer algo de errado”, temia, “serei
rejeitado ou mandado embora”.
John-Paul não sabia como associar o seu medo da rejeição ao
facto de ter sido separado da mãe. Aos 3 anos, foi enviado para
passar o verão com a avó, enquanto os pais iam de férias. Os
avós de John-Paul viviam numa quinta e, embora lhe
proporcionassem aquilo de que necessitava fisicamente,
deixavam-no muitas vezes num cercado exterior enquanto os
adultos tratavam das suas tarefas. A meio do verão, o avô
adoeceu, dividindo ainda mais a atenção e a energia da avó. Com
a avó tão assoberbada, John-Paul rapidamente aprendeu que
podia evitar a sua irritação caso se mantivesse calado e fora do
caminho.
Quando os pais regressaram, John-Paul não tinha forma de
lhes comunicar como fora assustadora a sua experiência. Queria
correr para eles, mas algo o retinha. Os pais viram apenas que ele
já não gostava que lhe pegassem ou o abraçassem, e concluíram
que ele se tornara mais independente na sua ausência. No seu
interior, porém, desenrolava-se uma experiência contraditória.
Aquela autonomia escondia apenas uma relutância em confiar que
a mãe estaria lá para ele. John-Paul não se apercebia de que, na
tentativa de se proteger de novas desilusões, desligara a sua
própria vitalidade. Tinha extinguido a sua própria luz.
O que se escondia por detrás da fachada de independência era
simplesmente uma associação entre aproximar-se e ser magoado.
Esta marca tornou-se uma planta para grande parte da vida
adulta. Temendo a rejeição e a perda, tomava medidas extremas
para evitar as exatas ligações por que secretamente ansiava. Para
John-Paul, correr riscos não era uma opção. O risco errado podia
significar, uma vez mais, “perder tudo”.
Quando a ligação inicial à nossa mãe é interrompida, uma
nuvem de medo e desconfiança pode infundir as nossas
experiências de vida.
Outra cliente, Elizabeth, vivia sob uma nuvem similar. Tal como
John-Paul, fora separada da mãe. Quando tinha sete meses,
passou duas semanas no hospital, longe dos cuidados maternos.
Seguiu-se uma semana de hospitalização aos 3 anos e outra aos
7, repetindo a separação.
Elizabeth descrevia o seu emprego atual como especialista em
introdução de dados num escritório com trinta outros funcionários
como “o inferno na Terra”. Podia passar um dia inteiro sem dizer
uma palavra. A distância entre ela e os colegas de trabalho
tornara-se tão extrema que começara a desligar-se por completo
das conversas, apoiando-se antes em respostas de sim ou não às
perguntas que lhe eram dirigidas. “Se disser algo de errado”,
disse-me ela, “serei rejeitada, por isso contenho-me”.
Descreveu pensamentos e receios obsessivos que reproduzia
mentalmente à noite. “Depois de uma conversa, revejo tudo vezes
sem conta na minha mente. «Terei dito algo de errado? Ofendi
alguém? Deveria ter dito algo diferente?» Ou envio repetidamente
mensagens à minha amiga: «Porque não me respondes? Estás
zangada comigo?»” Ver os colegas de trabalho a conversar
exacerbava os seus medos. Temia que estivessem a falar sobre
ela.
Em última instância, temia ser dispensável e que a rejeitassem
ou despedissem, ou ser ignorada e excluída do grupo. Qualquer
destas coisas despertaria os sentimentos de solidão e impotência
que sentira no hospital em pequena. Elizabeth, tal como John-
Paul, não tinha a consciência necessária para associar estes
sentimentos à separação precoce da mãe durante as estadias no
hospital.
Linguagem nuclear de Elizabeth: “Vão rejeitar-me. Serei
excluída. Não me enquadrarei. Ficarei sozinha.”
Tal como John-Paul, Elizabeth carregava o medo de ser
deixada ou abandonada. De igual modo, a resolução surgiu ao
estabelecer a ligação entre a sua abordagem cautelosa à vida e a
separação precoce da fonte da vida – a mãe. Ao simplesmente
estabelecer esta ligação, começou a inverter as conclusões que
formara em criança e que tinham, inconscientemente, limitado a
sua vida.
Tanto John-Paul como Elizabeth começaram a curar a imagem
interior que guardavam das mães como não sendo acolhedoras
nem carinhosas. Ao reconhecerem o paralelismo entre as suas
vidas limitadas e as imagens limitadoras que sustinham, tornaram-
se ambos mais abertos a procurar o que havia de vivificante nas
mães. Para John-Paul, começou com a recordação de como a mãe
ficava entusiasmada quando ele lhe fazia desenhos. Para
Elizabeth, surgiu na compreensão de que a mãe não se fechara a
ela. Fora Elizabeth quem, durante as hospitalizações, se fechara à
mãe. Elizabeth via agora que frustrara as inúmeras tentativas da
mãe de a amar. A progenitora, firme e encorajadora, dera-lhe mais
do que ela julgava.
Assim que compreendeu o impacto da separação, Elizabeth
sentiu-se esperançosa. Pela primeira vez, podia ver um caminho
que finalmente levava a algum lado. A sua linguagem nuclear
refletia apenas as palavras de uma criança que fora deixada
sozinha e se sentia abandonada pela mãe. Pela primeira vez,
podia ver uma luz ao fundo do túnel. Ao seguir o rasto da
linguagem nuclear, estava a caminho do outro lado.

Dinâmicas familiares que podem afetar o sucesso

Além de a nossa vitalidade financeira poder ser prejudicada por


quebras na ligação com a nossa mãe (como aconteceu com
Elizabeth e John-Paul) ou por negócios iníquos e heranças injustas
(como sucedeu com Ben e Loretta), há uma série de outras
dinâmicas que podem afetar a nossa relação com o sucesso. Nas
páginas que se seguem, vamos explorar várias influências
familiares que nos podem limitar. Cada uma age como uma força
silenciosa que pode afetar gerações consecutivas. Qualquer destas
dinâmicas pode fazer descarrilar o avanço que tentamos fazer.

Rejeitar um progenitor pode impedir o nosso sucesso

Seja qual for a história que contamos sobre os nossos pais,


sobre quão bons ou maus eram e o quanto nos sentimos
magoados pelo que fizeram ou deixaram de fazer, quando os
rejeitamos, podemos limitar as nossas oportunidades.
A nossa relação com os pais é, em muitos aspetos, uma
metáfora da vida. Aqueles que sentem que receberam muito dos
pais sentem frequentemente que recebem muito da vida. Sentir
que recebemos pouco dos pais pode traduzir-se na sensação de
que recebemos pouco da vida. Defraudados pelos pais, podemos
sentir-nos defraudados pela vida.
Quando rejeitamos a nossa mãe, podemos distanciar-nos
inconscientemente dos confortos da vida. Segurança, proteção,
acolhimento, assistência – todos os elementos associados ao
cuidado materno – podem parecer ausentes da nossa vida. Por
mais que tenhamos, pode parecer que nunca temos o suficiente.
Os efeitos de rejeitar um pai podem ser igualmente limitantes.
Um homem que rejeita o pai, por exemplo, pode sentir-se
desconfortável ou inseguro na companhia de outros homens. Pode
até sentir-se hesitante ou relutante em assumir as
responsabilidades associadas a ser pai – independentemente de
se o pai era o sustento familiar ou o fracasso da família.
Assuntos inacabados com qualquer dos pais podem toldar
tanto a nossa vida profissional como a nossa vida social. Ao
reproduzirmos inconscientemente dinâmicas familiares não
resolvidas, é provável que criemos conflitos, em vez de ligações
autênticas. Com velhas projeções apontadas aos nossos chefes ou
colegas de trabalho, pode ser difícil prosperar.

Podemos repetir a experiência de vida do nosso progenitor rejeitado


Quando rejeitamos um dos nossos pais, pode surgir uma
estranha simetria a ligar-nos; inadvertidamente, podemos pôr-nos
no lugar dele. O que julgamos como inaceitável ou intolerável no
nosso progenitor pode reaparecer na nossa vida. Pode parecer
uma herança indesejada.
Presumimos que é ao contrário: quanto mais nos afastamos
dos nossos pais, mais improvável é termos vidas similares e
repetirmos os seus desafios. No entanto, o inverso parece ser
mais verdadeiro. Quando nos distanciamos deles, tendemos a
tornar-nos mais parecidos com eles e muitas vezes levamos vidas
semelhantes às suas.
Se, por exemplo, o nosso pai for rejeitado por ser um alcoólico
ou um falhado, podemos beber ou falhar do mesmo modo. Ao
seguirmos inconscientemente os seus passos, criamos um vínculo
secreto, partilhando o que nele é visto como negativo.

O vínculo secreto de Kevin com o pai

Aos 36 anos, Kevin orgulhava-se do facto de ocupar um cargo


superior de gestão numa das dez principais empresas de Internet.
Contudo, temia que os seus problemas com o álcool lhe
destruíssem a vida. “Tenho medo de ter um colapso, falhar e
perder tudo o que criei.”
Linguagem nuclear de Kevin: “Vou ter um colapso, falhar e
perder tudo o que criei.”
Na sua família, o pai de Kevin fizera exatamente isso.
Advogado de sucesso em Boston, tornara-se alcoólico, perdera o
emprego e depois a saúde. A família acabou por perder a casa.
Nessa altura, quando Kevin tinha 10 anos, a mãe mudou-se com
ele para longe do pai. Kevin ouvia-a muitas vezes dizer: “O teu pai
não presta. Destruiu as nossas vidas.” Depois disso, Kevin
raramente viu o pai. Morreu cedo, de insuficiência hepática. Kevin
tinha então 25 anos. Foi então que o seu próprio alcoolismo
começou a arrancar.
Kevin lembrava-se de ter ouvido falar num incidente ocorrido
quando o pai tinha 12 anos. Ele e o irmão de 9 anos estavam a
subir a um celeiro abandonado quando o irmão mais novo caiu
pelo telhado e morreu. O pai de Kevin foi culpado pela sua morte.
Kevin entendia agora como o pai, sentindo-se responsável pela
morte do irmão, podia ter sido incapaz de suportar viver uma vida
plena quando o irmão não tinha uma vida plena para viver.
Num rasgo de perceção durante a nossa sessão juntos, Kevin
relacionou de forma semelhante a sua própria autodestruição.
Deu-se conta de que, ao morrer prematuramente, só agravaria a
devastação da sua família. Ao compreender o fardo que o pai
carregava, Kevin sentiu um profundo amor por ele. Encheu-o de
compaixão. Agora, tinha pena de o ter afastado há tanto tempo.
O simples facto de estabelecer da ligação permitiu a Kevin
fazer grandes mudanças na vida. Deixou de beber e, pela primeira
vez, sentiu-se apoiado por uma imagem do pai atrás de si. Agora,
sentia-se entusiasmado com a vida que tinha pela frente.

Uma lealdade inconsciente ao fracasso

Não temos de rejeitar os nossos pais para repetir os seus


infortúnios. Às vezes, partilhamos um vínculo inconsciente que nos
mantém atolados numa experiência similar. Apesar de nos
esforçarmos para sermos bem-sucedidos, podemos ver-nos
incapazes de conseguir mais na nossa vida do que eles
conseguiram nas deles.
Se, por exemplo, o nosso pai era mau nos negócios e incapaz
de sustentar financeiramente a família, podemos juntar-nos
inconscientemente a ele falhando da mesma forma. Enredados
numa lealdade oculta, podemos sabotar o nosso sucesso,
garantindo que não o suplantamos.
Bart, outro cliente meu, era o elo mais fraco da equipa de
vendas. Ganhava apenas o suficiente para sobreviver. Quando lhe
perguntei pelo pai, explicou-me que ele tinha apenas o 8.º ano e
levara uma vida muito simples. Quando questionado sobre o que
poderia acontecer se tivesse muito dinheiro, Bart respondeu que
temia perder “a simplicidade da vida”, uma virtude que o pai
exaltava. “Ter dinheiro desvalorizaria a minha vida e torná-la-ia
complicada. Perder-se-ia o essencial.”
Linguagem nuclear de Bart: “Ter dinheiro desvalorizaria a
minha vida.”
Bart parecia estar a emular os valores do pai. Assim que se
deu conta de que carregava uma lealdade inconsciente de não se
tornar mais bem-sucedido do que o pai, Bart começou a reavaliar
os seus objetivos financeiros. Tornou-se evidente que limitar o seu
sucesso era o oposto do que o pai realmente queria para ele. Bart
acelerou o ritmo. No espaço de oito meses, a produção de vendas
duplicou.
Podemos estar inconscientemente vinculados a outros
familiares além dos nossos pais, e dar por nós inadvertidamente
ligados a uma tia, um tio, um avô ou outro membro da família.
Era o caso de Paul. Veio ver-me após ter sido repetidamente
preterido para várias promoções. Embora nunca ninguém lho
tivesse referido diretamente, o ar desleixado e o facto de as
roupas que usava estarem gastas e sujas podiam ter sido fatores
contributivos. Não tinha o aspeto de um líder.
Paul lembrava-se da vergonha que sentia em pequeno do avô,
o falhado da vila. Ele e os amigos costumavam gozar com o avô,
que podia ser visto a vasculhar os caixotes do lixo em busca de
comida ou a dormir durante a tarde no cinema da vila. Agora, em
adulto, Paul repetia aspetos da vida do avô, vestindo-se como ele
e revivendo os seus medos.
Linguagem nuclear de Paul: “Não sou suficientemente
bom. Não me querem.”
Olhámos para a história familiar. O avô de Paul fora mandado
para um orfanato aos 4 anos, quando os pais entraram num
período difícil e deixaram de o poder sustentar. Paul entendia
agora que era o avô o legítimo proprietário dos sentimentos de
não ser desejado e não ser suficientemente bom. Paul tinha
apenas estado a dar continuidade.
Reconhecendo a ligação inconsciente ao avô, Paul conseguiu
libertar-se. Podia agora ligar-se ao avô através da compaixão que
por ele sentia, em vez de ter de se vestir da mesma forma.
Compreendendo a identificação, Paul começou imediatamente a
fazer escolhas saudáveis quanto ao aspeto físico.

O legado dos assuntos inacabados

Muitas vezes, quando um amado membro da família morre


cedo e é visto como não tendo completado a vida, um elemento
posterior da família pode, num conluio silencioso, falhar na
conclusão de algo de grande importância. O familiar posterior
pode ficar aquém de completar uma grande tarefa na vida, como
terminar uma licenciatura ou fechar um negócio que lhe traria
sucesso. A procrastinação pode também resultar da ligação à
morte prematura de um familiar.
Richard procurava entender porque repetia certos padrões na
vida. Brilhante engenheiro aeronáutico, fora responsável por
alguns dos mais importantes avanços na aviação, mas não se
chegara à frente para receber os louros. Havia até quem tivesse
patenteado trabalho que lhe pertencia. Embora se sentisse
enganado, culpava-se apenas a si mesmo. “Não corro riscos que
me tragam sucesso”, disse ele. “Nunca sou reconhecido pelos
meus feitos.”
Linguagem nuclear de Richard: “Nunca sou reconhecido.”
Uma experiência paralela residia no sistema familiar de
Richard. O irmão mais velho nascera morto. Nunca ninguém na
família falava no irmão ou na sua morte. Em lealdade para com o
irmão, que não era visto nem reconhecido, também Richard vivia
sem reconhecimento. Compreendendo esta influência, Richard
candidatou-se a uma patente para a sua nova invenção, naquilo a
que se referia como a “última oportunidade”. Deu um enorme
passo em direção à vida e a vida deu um passo igualmente
enorme em direção a ele. Richard recebeu a patente e a sua
invenção tornou-se parte integrante da indústria aeronáutica.
Embora possamos viver sem sermos reconhecidos ou vistos,
como um familiar que morreu cedo, podemos também viver
restringidos ou limitados por lealdade para com um familiar com
uma deficiência mental, física ou emocional. Leais a um irmão, tio,
tia, pai ou avô cuja vida percecionamos como restringida de
alguma forma, podemos restringir inconscientemente a nossa vida
de modo similar e limitar os nossos próprios feitos.

A pobreza passada pode ensombrar a prosperidade presente

Por vezes, partilhamos uma lealdade inconsciente com


antepassados que viveram na pobreza e tiveram dificuldade em se
sustentar, assim como aos filhos. Talvez a guerra, a fome ou a
perseguição os tenham obrigado a deixar a pátria e os seus
pertences para começar de novo noutra parte do mundo. Se os
nossos antepassados sofreram grandes dificuldades, podemos dar
continuidade ao seu sofrimento sem nos apercebermos de que o
estamos a fazer, e as nossas tentativas de ter uma vida abundante
podem ser frustradas. Pode ser difícil ter mais do que eles tinham.
Muitas vezes, um simples ritual que honre os nossos familiares
que sofreram, e o país ou cultura que deixaram para trás, firma-
nos para que possamos tirar partido da “nova” vida que
recebemos dos seus esforços. O simples reconhecimento do que
continua a viver em nós do “antigo”, do que trazemos do nosso
país ou cultura, parece dar-nos uma permissão intrínseca para
começarmos uma nova vida.
Além disso, quando nos sentimos gratos ao novo país por nos
abrigar e oferecer novas oportunidades de sucesso, criamos ainda
mais raízes. Mais além ainda, quando encontramos uma forma de
dar algo em troca – pagando impostos, cumprindo as leis, fazendo
obras de caridade –, servindo o país de alguma forma que
compense as benesses que a nossa família recebeu, parecemos
colher mais facilmente os benefícios que o novo lar nos
proporciona.

A culpa pessoal pode suprimir o sucesso

Às vezes, aproveitámo-nos das pessoas ou magoámo-las de


uma forma que gerou um sofrimento considerável. Talvez
tenhamos adquirido uma quantidade imerecida de dinheiro através
de manipulações ou subterfúgios, como casar por dinheiro ou
desviar fundos da empresa em que trabalhamos. Quando isso
sucede, é frequente não nos conseguirmos agarrar a esse ganho
financeiro. Independentemente de nos sentirmos culpados ou não,
ou de termos ou não em conta as consequências das nossas
ações, nós e/ou os nossos filhos podemos ter vidas parcas para
compensar o mal que fizemos.
Em suma, as consequências das nossas ações, os efeitos de
traumas familiares não resolvidos, a relação com os nossos pais e
os enredamentos com membros do sistema familiar que sofreram
podem ser obstáculos ao nosso sucesso. Assim que
estabelecermos a ligação ao passado e integrarmos o que
permanece desequilibrado no presente, teremos dado um passo
crucial. Quando tudo e todos forem tidos em respeitosa
consideração, os assuntos inacabados do passado poderão
permanecer no passado, permitindo-nos seguir em frente com
mais liberdade e tranquilidade financeira.

Vinte e uma perguntas para o sucesso


Eis vinte e uma perguntas a ter em conta ao explorar a forma
como a sua história familiar pode influenciar o seu sucesso:

1. Tinha uma relação difícil com a sua mãe?


(Revisite os seus descritores nucleares no Capítulo 7.)

2. Tinha uma relação difícil com o seu pai?


(Revisite os seus descritores nucleares no Capítulo 7.)

3. Os seus pais eram bem-sucedidos no que faziam para


ganhar a vida?

4. Algum dos seus pais falhou no sustento da família?

5. Os seus pais separaram-se quando era pequeno?

6. Qual era a atitude da sua mãe relativamente ao seu pai?

7. Qual era a atitude do seu pai relativamente à sua mãe?

8. Quando era pequeno, sofreu alguma separação física ou


emocional da sua mãe?

9. A sua mãe, o seu pai ou algum dos seus avós morreu


jovem?

10. Teve algum irmão, ou os seus pais ou avós, que tenha


morrido jovem?
11. Lucrou significativamente, ou alguém da sua família, às
custas de alguém?

12. Alguém foi defraudado de uma herança?

13. Alguém herdou ou adquiriu riqueza injustamente?

14. Alguém da sua família abriu falência, perdeu a fortuna


familiar ou fez com que a família sofresse dificuldades
financeiras?

15. Alguém exterior à sua família fez com que a sua família
sofresse dificuldades financeiras?

16. Alguém foi rejeitado por ser um falhado, um perdedor, um


jogador, etc.?

17. Alguém perdeu uma casa ou bens e teve dificuldade em


recuperar?

18. Tem antepassados pobres?

19. Emigrou, ou os seus pais?

20. Os seus familiares foram obrigados a fugir ou expulsos da


sua pátria?

21. Magoou, enganou ou aproveitou-se de alguém, você ou


outro membro da sua família?
Capítulo 14
O remédio da linguagem nuclear
Se olhares atentamente para a palma da tua mão,
verás os teus pais e todas as gerações dos teus
antepassados. Todos eles estão vivos neste momento.
Cada um deles está presente no teu corpo. És a
continuação de cada uma dessas pessoas.
– Thich Nhat Hanh, A Lifetime of Peace

Neste livro, apresentei uma nova forma de ouvir que faz brilhar
uma luz sobre os tenuemente iluminados corredores do passado.
Ao descobrirmos como descodificar o nosso mapa da linguagem
nuclear, podemos decifrar o que nos pertence e o que pode ter
resultado de um acontecimento traumático na nossa história
familiar. Revelada a sua origem, os antigos padrões podem ser
libertados para que novos caminhos e novas possibilidades de vida
se possam abrir.
A minha esperança é de que já se sinta mais leve ou tenha
uma maior sensação de calma ao revisitar os medos que anotou
anteriormente. Talvez tenha um maior sentimento de pertença ou
compaixão para com os familiares que encontrou ao longo do
caminho. Talvez o acompanhem agora de uma nova forma – uma
forma encorajadora que o faz sentir-se abraçado por algo superior
a si. Talvez possa sentir o conforto e o apoio que lhe dão em
redor.
Reverve um momento e sinta este apoio. Envie a sua
respiração para as partes do corpo onde o sente. Estes novos
sentimentos vivem agora dentro de si e exigem o seu cuidado e
atenção para prosperar. A cada respiração consciente, sentimentos
de calma e bem-estar podem espalhar-se em todas as direções,
tornando-se parte de quem é. Sempre que inspira, deixe que os
bons sentimentos se expandam no corpo. Sempre que expira,
deixe que qualquer resíduo de medo se dissipe na expiração.

Próximos passos: continuar a transformação

Com a sua frase nuclear e a respetiva fonte conscientemente


conhecidas, pode continuar a desenredar-se da teia do medo
herdado. O que antes funcionava como um mantra inconsciente,
mantendo-o ancorado ao sofrimento, pode agora ser um recurso
que o liberta. Se sentir que os velhos sentimentos estão a
regressar, implemente simplesmente os passos que se seguem.
Diga a sua frase nuclear em voz alta ou entoe-a
silenciosamente para si. Enquanto o faz, deixe as sensações do
velho medo emergir, apenas momentaneamente, para se poder
familiarizar com os sentimentos. Estas sensações podem ser um
sinal de que o interruptor da sua frase nuclear foi ativado sem o
seu conhecimento. Assim que tomar consciência disso, tem o
poder de quebrar o seu êxtase. Existem três passos simples:

1. Reconhece os pensamentos, as imagens e as sensações


familiares dentro de si.
2. Reconhece que o velho medo foi ativado.
3. Toma uma medida para se desengatar da espiral de
sentimentos.
A ação que executa é importante. Pode começar por dizer a si
mesmo: “Estes sentimentos não são meus. Limitei-me a herdá-los
da minha família.” Às vezes, reconhecer isto basta. Pode visualizar
o acontecimento traumático que outrora o manteve prisioneiro ou
o familiar com quem se identificava. Ao fazê-lo, lembre-se de que
esses sentimentos estão agora ultrapassados e que os familiares
envolvidos agora o reconfortam e apoiam.
Poderá também ponderar pôr a mão na parte do corpo onde
nota os velhos sentimentos e respirar fundo, permitindo que a
expiração se prolongue dentro de si. Enquanto o faz, pode até
perguntar-se: O que noto de novo no meu corpo neste exato
momento? Ao direcionar o foco e a respiração para o seu corpo e
sentir as sensações que aí residem, sem se deixar afetar pelas
mesmas, pode alterar a sua experiência interior.
Pode ainda revisitar as práticas, os exercícios e os rituais do
Capítulo 10 e recitar algumas das frases curativas que lhe
pareceram úteis. Regresse às experiências do livro que foram
poderosas para si, recordando-se que, quando o faz, está a criar
novas vias neurais no cérebro e novas experiências no corpo.
Sempre que pratica sentir as emoções destas novas experiências,
firma e aprofunda a cura. Ao seguir estes passos, acalma a
resposta do cérebro ao trauma e enriquece as partes do cérebro
que o podem ajudar a sentir-se melhor. Com a repetição e a
atenção focada, os novos pensamentos, imagens, emoções e
sentimentos permanecerão, estabilizando-o ao longo dos altos e
baixos da vida quotidiana.
Chegar à meta do seu caminho da linguagem
nuclear

Se seguiu os passos delineados neste livro, é provável que


esteja agora do outro lado do seu maior medo. Isto pode parecer-
lhe como estar no pico de uma montanha a olhar para um vale.
Ao longe, pode observar-se todo o território, como que através de
uma grande angular. No fundo do vale, jazem os velhos medos, os
sentimentos frenéticos, os desgostos e infortúnios da família.
Desta nova posição estratégica, todos os fragmentos da história
familiar podem ser vistos e acolhidos.
Ao reunir informações essenciais sobre a sua família, é
provável que tenha estabelecido ligações importantes.
Compreende agora mais sobre si mesmo e sobre os inexplicáveis
sentimentos com que tem vivido. Provavelmente, não começaram
consigo. Talvez tenha ainda descoberto que o seu maior medo já
não é assim tão assustador, pois, ao seguir as suas palavras, foi
conduzido a um novo lugar. Sabe agora que a linguagem secreta
do medo nunca foi de todo sobre o medo. O maior segredo é que
um grande amor passou todo este tempo simplesmente à espera
de ser desvendado. É o amor transmitido por aqueles que o
precederam, um amor que insiste em que viva a sua vida
plenamente, sem repetir os erros e infortúnios do passado. É um
amor profundo. É um amor tranquilo, um amor intemporal que o
liga a tudo e todos. É um remédio poderoso.
Agradecimentos

Várias pessoas partilharam desinteressadamente o seu tempo


e talentos para tornar este livro possível. Sinto-me honrado e
abençoado pela bondade e generosidade que me demonstraram.
A Dra. Shannon Zaychuk passou inúmeras horas a trabalhar e
reformular as primeiras versões deste manuscrito comigo. Desde a
conceptualização ao moldar das palavras na página, ajudou a
forjar as bases deste livro. A sua experiência e as suas visões
cruciais acrescentaram uma profunda dimensão a estas páginas.
A brilhante escritora e editora Barbara Graham foi o meu farol
e a minha desbravadora sempre que o caminho parecia
bloqueado. A sua infinita sabedoria vive neste livro de inúmeras
formas.
Kari Dunlop foi fundamental em todas as facetas deste projeto,
desde aguentar o forte no Instituto de Constelações Familiares a
dar sugestões úteis e apoio emocional ao longo de todo o
processo. Estou grato pela sua mente criativa, pela amizade
generosa e pelo encorajamento a cada etapa do caminho.
Estou infinitamente grato a Carole DeSanti, a minha editora na
Viking, cujas visão e clarividência melhoraram este livro de formas
que ultrapassam a minha imaginação, e a Christopher Russel e a
toda a equipa da Viking, pelo seu tremendo apoio.
Gratidão profunda à minha agente, Bonnie Solow, pela
sabedoria e orientação impecável.
Muitos outros amigos e colegas deram enormes contributos
para este projeto. Estou imensamente grato a Ruth Wetherow,
pelo inestimável auxílio na pesquisa científica; Daryn Eller, pelos
engenhosos comentários e a experiência a propor livros; Nora
Isaacs, pela sagacidade editorial; Hugh Delehanty, pela generosa
orientação ao longo do caminho; Corey Deacon, pela ajuda com a
neurofisiologia; Stephanie Marohn, pela ajuda a construir a
primeira versão; e Igal Harmelin-Moria, por me manter lúcido
quando a minha visão interior se esbatia.

Estou imensamente grato ao brilhante médico integrativo Dr.


Bruce Hoffman, pelas perceções e apoio constante, e à Dra. Adele
Towers, pela capacidade precisa de ver o essencial. Desde o início
que me incentivaram a trazer este material para o mundo. Quero
ainda agradecer à neonatologista Dra. Raylene Phillips, pela
generosa ajuda com uma parte crucial deste livro, e ao Dr. Caleb
Finch, pelos conhecimentos de embriologia.
A minha profunda gratidão vai também para Variny Yim, Lou
Anne Caligiuri, Dr. Todd Wolynn, Linda Apsley, Dr. Jess Shatkin e
Suzi Tucker. Além de proporcionarem sugestões valiosas, foram
uma fonte constante de encorajamento e apoio.
Estou imensamente grato a todos os meus professores,
sobretudo ao falecido Dr. Roger Woolger, que também partilhava
um amor pela linguagem. Roger ajudou-me a descodificar a
linguagem urgente do inconsciente. O seu trabalho inspirou
profundamente o meu. Quero ainda agradecer ao falecido Jeru
Kabbal, que me ajudou, com a adversidade presente, a manter-
me presente.
Para lá de quaisquer palavras que possam ser escritas aqui,
estou profundamente grato a Bert Hellinger, por ser meu professor
e me apoiar no meu trabalho. O que ele me deu é
incomensurável.
Finalmente, estou em dívida para com todas as pessoas
corajosas que partilharam comigo as suas histórias. A minha mais
profunda esperança é tê-las honrado nestas páginas.
Glossário

Descritores nucleares
Adjetivos e breves expressões descritivas que revelam os
sentimentos inconscientes que temos em relação aos nossos pais.

Frase curativa
Frase de reconciliação ou resolução que gera novas imagens e
sensações de bem-estar.

Frase nuclear
Frase curta que expressa a linguagem emocionalmente
carregada do nosso mais profundo medo. Contém os vestígios de
um trauma não resolvido da nossa primeira infância ou da nossa
história familiar.

Genograma
Representação visual a duas dimensões de uma árvore
genealógica.

Linguagem nuclear
As palavras e frases idiossincráticas dos nossos mais profundos
medos que proporcionam pistas para a fonte de um trauma por
resolver. A linguagem nuclear pode também ser expressa através
de sensações físicas, comportamentos, emoções, impulsos e
sintomas de uma doença ou condição.

Pergunta de ligação
Pergunta que pode ligar um sintoma, problema ou receio
persistente a um trauma nuclear ou a um membro da família que
passou por dificuldades similares.

Queixa nuclear
O nosso principal problema, seja ele internalizado ou projetado
para o exterior, resultante muitas vezes de fragmentos de
experiências traumáticas e expresso através de linguagem nuclear.

Trauma nuclear
O trauma não resolvido na nossa primeira infância ou história
familiar que pode afetar inconscientemente os nossos
comportamentos, as nossas escolhas, a nossa saúde e o nosso
bem-estar.
Apêndice A: Lista de perguntas sobre a
história familiar

Quem morreu cedo?


Quem partiu?
Quem foi abandonado, isolado ou excluído da família?
Quem foi adotado ou deu uma criança para adoção?
Quem morreu no parto?
Quem deu à luz um nado-morto, sofreu um aborto
espontâneo ou fez um aborto?
Quem cometeu suicídio?
Quem cometeu um crime grave?
Quem sofreu um trauma significativo ou acontecimento
catastrófico?
Quem perdeu a casa ou os bens e teve dificuldade em
recuperar?
Quem sofreu na guerra?
Quem morreu ou participou no Holocausto ou em algum
outro genocídio?
Quem foi assassinado?
Quem assassinou alguém ou se sentia responsável pela
morte ou infortúnio de alguém?
Quem magoou, enganou ou se aproveitou de alguém?
Quem beneficiou da perda de outrem?
Quem foi injustamente acusado?
Quem foi preso ou institucionalizado?
Quem tinha uma deficiência física, emocional ou mental?
Que pai ou avô teve uma relação significativa antes de se
casar, e o que aconteceu?
Alguém foi profundamente magoado por outrem?
Apêndice B: Lista de perguntas sobre
trauma precoce

Aconteceu algo traumático enquanto a sua mãe estava


grávida de si? Estava altamente ansiosa, deprimida ou
stressada?
Os seus pais estavam com dificuldades no relacionamento
durante a gravidez?
Teve um parto difícil? Nasceu prematuro?
A sua mãe sofreu de depressão pós-parto?
Foi separado da sua mãe pouco depois de nascer?
Foi adotado?
Sofreu um trauma ou separação da sua mãe durante os
primeiros três anos de vida?
Alguma vez foi hospitalizado, ou a sua mãe, e foram
obrigados a estar separados? (Talvez tenha passado algum
tempo numa incubadora, sido operado às amígdalas ou
realizado algum outro procedimento médico, ou a sua mãe
tenha tido de fazer uma cirurgia ou sofrido alguma
complicação da gravidez, etc.)
A sua mãe sofreu algum trauma ou convulsão emocional
durante os seus primeiros três anos de vida?
A sua mãe perdeu algum filho ou alguma gravidez antes
do seu nascimento?
A atenção da sua mãe foi desviada para algum trauma
envolvendo um dos seus irmãos (um aborto tardio, um
nado-morto, uma morte, uma emergência médica, etc.)?
Notas

Capítulo 1: Traumas perdidos e achados


1. Mary Sykes Wylie, “The Limits of Talk: Bessel van Kolk Wants to Transform
the Treatment of Trauma”, Psychotherapy Networker, 16 de julho de 2015,
www.psychotherapynetworker.com/magazine
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2. R. Yehuda e J. Seckl, “Minireview: Stress-Related Psychiatric Disorders with
Low Cortisol Levels: A Metabolic Hypothesis”, Endocrinology, 4 de outubro
de 2011, http://press.endocrine.org/doi/full.10.1210/en. 2011-1218.
3. R. C. Kessler, et al. , “Posttraumatic Stress Disorder in the National
Comorbidity Survey”, Archives of General Psychiatry 52(12) (1995): 1048-60,
doi:10. 1001/archpsych. 1995. 03950240066012.
4. Judith Shulevitz, “The Science of Suffering”, The New Republic, 16 de
novembro de 2014, www. newrepublic. com/article/120144/trauma-genetic-
scientists-say-parents-are-passing-ptsd-kids.
5. Josie Glausiusz, “Searching Chromosomes for the Legacy of Trauma”, Nature,
11 de junho de 2014, doi:10. 1038/nature. 2014. 15369
www.nature.com/news/searching-chromosomes-for-the-legacy-of-
trauma-1. 15369.
6. Rachel Yehuda, entrevista com Krista Tippett, On Being, 30 de julho de
2015, www. onbeing. org/program/rachel-yehuda-how-trauma-and-
resilience-cross-generations/7786.
7. Ibid.

Capítulo 2: Três gerações de história familiar partilhada: o corpo


familiar
1. C. E. Finch e J. C. Loehlin, “Environmental Influences That May Precede
Fertilization: A First Examination of the Prezygotic Hypotesis from Maternal
Age Influences on Twins”, Behavioral Genetics 28(2) (1998): 101.
2. Thomas W. Sadler, Langman’s Medical Embryology, 9.ª ed. (Baltimore:
Lippincott Williams & Wilkins, 2009), 13.
3. Finch e Loehlin, “Environmental Influences That May Precede Fertilization”,
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4. Tracy Bale, “Epigenetic and Transgenerational Reprogramming of Brain
Development”, Nature Reviews Neuroscience, 16 (2015): 332-44;
doi:10.1038/nrn3818.
5. Bruce H. Lipton, “Maternal Emotions and Human Development”, Birth
Psychology, https://birthpsychology.com/free-article/maternal-emotions-and-
human-development.
6. Bruce H. Lipton, PhD, The Wisdom of Your Cells: How Your Beliefs Control
Your Biology (Louisville, Colorado: Sounds True, Inc., 2006), audiolivro, Parte
3.
7. Ibid.
8. K. Bergman, et al., “Maternal Prenatal Cortisol and Infant Cognitive
Development: Moderation by Infant-Mother Attachment”, Biological
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01. 002, Epub 25 de fevereiro de 2010.
9. Thomas Verny, MD e Pamela Weintraub, Nurturing the Unborn Child: A Nine-
Month Program for Soothing, Stimulating and Communicating with Your
Baby (livro eletrónico) (Nova Iorque: Open Road Media, 2014), no capítulo
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10. Ibid.
11. Lipton, “Maternal Emotions and Human Development”.
12. Ibid.
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18. Vendramini, “Noncoding DNA and the Teem Theory of Inheritance,
Emotions and Innate Behavior”, 513.
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22. C. N. Hales e D. J. Barker, “The Thrifty Phenotype Hypothesis”, British
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23. Bale, “Epigenetic and Transgenerational Reprogramming of Brain
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Rachel Yehuda”, Tablet Magazine, 11 de dezembro de 2014,
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26. Jamie Hackett, “Scientists Discover How Epigenetic Information Could Be
Inherited”, Research, Universidade de Cambridge, 25 de janeiro de 2013,
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27. Ibid.
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29. Hackett, “Scientists Discover How Epigenetic Information Could Be
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33. Max-Planck-Gesellschaft, “Childhood Trauma Leaves Mark on DNA of Some
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35. Hackett, “Scientists Discover How Epigenetic Information Could Be
Inherited”.
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37. Samuels, “Do Jews Carry Trauma in Our Genes?”
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Attacks”, Biological Psychiatry (2009): 1-4, esp. p. 3,
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39. Rachel Yehuda, et al., “Holocaust Exposure Induced Intergenerational
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40. Eric Nestler, MD, PhD, “Epigenetic Mechanisms of Depression”, JAMA
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50. Judith Shulevitz, “The Science of Suffering”, The New Republic, 16 de
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51. Josie Glausiusz, “Searching Chromosomes for the Legacy of Trauma”,
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-trauma-1. 15369; Yehuda, “Influences of Maternal and Paternal PTSD”, 872-
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52. Ibid.
53. Ibid.
54. Samuels, “Do Jews Carry Trauma in Our Genes?”
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58. Tamara B. Franklin, et al. , “Epigenetic Transmission of the Impact of Early
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pp. 409-11,doi:10.1016/j.biopsych.2010.05.
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59. Gapp, et al., “Implication of Sperm RNAs in Transgenerational Inheritance
of the Effects of Early Trauma in Mice.”
60. Ibid.
61. Ibid.
62. Ibid.
63. Katharina Gapp, et al., “Potential of Environmental Enrichment to Prevent
Transgenerational Effects of Paternal Trauma”, Neuropsychopharmacology, 9
de junho de 2016, doi:10.1038/npp. 2016. 87.
64. Dias e Ressler, “Parental Olfactory Experience Influences Behavior and
Neural Structure in Subsequent Generations”.
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66. Dias e Ressler, “Parental Olfactory Experience Influences Behavior and
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67. Tanya Lewis, “Fearful Experiences Passed On in Mouse Families”, Live
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68. Zaidan, Leshem e Gaisler-Salomon, “Prereproductive Stress to Female Rats
Alters Corticotropin Releasing Factor Type 1 Expression in Ova and Behavior
and Brain Corticotropin Releasing Factor Type 1 Expression in Offspring”.
69. Ibid.
70. Youli Yao, et al., “Ancestral Exposure to Stress Epigenetically Programs
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71. BioMed Central, “Stress During Pregnancy Can Be Passed Down Through
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72. Yao, et al., “Ancestral Exposure to Stress Epigenetically Programs Preterm
Birth Risk and Adverse Maternal and Newborn Outcomes”.
Capítulo 3: A mente familiar

1. Thomas Verny e Pamela Weintraub, Tomorrow’s Baby: The Art and Science
of Parenting from Conception Through Infancy (Nova Iorque: Simon &
Schuster, 2002), 29.
2. Winifred Gallagher, “Motherless Child”, The Sciences 32(4) (1992): 12-15,
esp. p. 13, doi:10.1002/j.2326-1951.1992. b02399.x.
3. Raylene Phillips, “The Sacred Hour: Uninterrupted Skin-to-Skin Contact
Immediately After Birth”, Newborn & Infant Reviews 13(2) (2013): 67-72,
doi:10.1053/j.nainr.2013.04.001.
4. Norman Doidge, The Brain That Changes Itself: Stories of Personal Triumph
from the Frontiers of Brain Science (Nova Iorque: Penguin, 2007), 243.
5. Ibid. , 47.
6. Ibid. , 203-4.
7. Norman Doidge, The Brain’s Way of Healing: Remarkable Discoveries and
Recoveries from the Frontiers of Neuroplasticity (Nova Iorque: Penguin,
2015), 215.
8. Doidge, The Brain That Changes Itself, 91.
9. Dawson Church, The Genie in Your Genes: Epigenetic Medicine and the New
Biology of Intention (Santa Rosa, Califórnia: Elite Books, 2007), 69.
10. Perla Kaliman, et al., “Rapid Changes in Histone Deacetylases and
Inflammatory Gene Expression in Expert Meditators”,
Psychoneuroendocrinology 40 (novembro de 2013): 96-107,
doi:http://dx.doi.org/10.1016/j.psyneuen.2013.11.004.
11. Church, The Genie in Your Genes, 67.
12. Doidge, The Brain That Changes Itself, 220-21.
13. David Samuels, “Do Jews Carry Trauma in Our Genes? A Conversation with
Rachel Yehuda”, Tablet Magazine, 11 de dezembro de 2014,
http://tabletmag.com/jewish-arts-and-culture/books/187555/trauma-genes-
q-a-rachel-yehuda.

Capítulo 4: A abordagem da linguagem nuclear


1. Annie G. Rogers, The Unsayable: The Hidden Language of Trauma (Nova
Iorque: Ballantine, 2006), 298.

Capítulo 5: Os quatro temas inconscientes

1. Linda G. Russek e Gary E. Schwartz, “Feelings of Parental Caring Predict


Health Status in Midlife: A 35-Year Follow-up of the Harvard Mastery of
Stress Study”, Journal of Behavioral Medicine 20(1) (1997): 1-13.
2. P. Graves, C. Thomas e L. Mead, “Familial and Psychological Predictors of
Cancer”, Cancer Detection and Prevention 15(1) (1991): 59-64.
3. David Chamberlain, Windows to the Womb: Revealing the Conscious Baby
from Conception to Birth (Berkeley, Califórnia: North Atlantic Books, 2013),
180.
4. Michael Bergeisen, entrevista a Rick Hanson, “The Neuroscience of
Happiness”, Greater Good: The Science of a Meaningful Life, 22 de setembro
de 2010,
http://greatergood.berkeley.edu/article/item/the_neuroscience_of_happiness
.

Capítulo 6: A queixa nuclear

1. Bert Hellinger, No Waves Without the Ocean: Experiences and Thoughts


(Heidelberg, Alemanha: Carl Auer International, 2006), 197.

Capítulo 8: A frase nuclear

1. Soheil Baharian, et al., “The Great Migration of African-American Genomic


Diversity”, PlosGenetics 12(5) (2016): e1006059, doi:10.1371/journal.pgen.
1006059, Epub 27 de maio de 2016,
http://journals.plos.org/plosgenetics/article?
id=info:doi/10.1371/journal.pgen.1006059#abstract0.

Capítulo 10: Da perceção à integração


1. Rick Hanson, “How to Trick Your Brain for Happiness”, Greater Good: The
Science of a Meaningful Life, 26 de setembro de 2011,
http://greatergood.berkeley.edu/article/item/how_to_trick_your_
brain_for_happiness.
2. Andrea Miller, entrevista a Thich Nhat Hanh, “Awakening My Heart”,
Shambhala Sun, janeiro de 2012, 38, www.shambhalasun. com/index. php?
option=com_content&task=view&id=3800&Itemid=0.
3. Andrew Newberg e Mark Robert Waldman, Words Can Change Your Brain
(Nova Iorque: Plume, Penguin 2012), 3.
4. Ibid., 35.

Capítulo 11: A linguagem nuclear da separação

1. Thomas Verny, com John Kelly, The Secret Life of the Unborn Child (Nova
Iorque: Simon & Schuster, 1981), 29.
2. Ken Magid e Carole McKelvey, High Risk: Children Without a Conscience
(Nova Iorque: Bantam Books, 1988), 26.
3. Edward Tronick e Marjorie Beeghly, “Infants’ Meaning-Making and the
Development of Mental Health Problems”, American Psychologist 66(2)
(2011): 107-19, doi:10.1037/a0021631.

Capítulo 12: A linguagem nuclear das relações

1. Rainer Maria Rilke, “Letter no. 7”, Letters to a Young Poet, trad. M. D. Herter
Norton (Nova Iorque: W. W. Norton, 2004; orig. pub. 1934), 27.

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