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Título original:
It didn’t start with you
© 2016 by Mark Wolynn
Publicado por acordo com a Penguin Life, uma chancela da Penguin Publishing
Group,
uma divisão da Penguin Random House LLC.
www.portoeditora.pt
ISBN 978-989-739-221-4
Para os meus pais,
Marvin Wolynn e Sandra Lazier Wolynn Miller.
Estou tão grato por tudo o que me deram.
Quem olha para o exterior, sonha; quem olha para o
interior, desperta.
– Carl Jung, Letters, Vol. 1
Introdução:
A linguagem secreta do medo
Em tempos sombrios, o olhar começa a ver…
– Theodore Roethke, In a Dark Time
Biologia celular
Epigenética
Herança epigenética
A consciência familiar
A ideia de que herdamos e “revivemos” aspetos do trauma
familiar serviu de tema a muitos dos livros do prestigiado
psicoterapeuta alemão Bert Hellinger. Tendo estudado famílias
durante mais de cinquenta anos, primeiro como sacerdote católico
e mais tarde como terapeuta familiar e filósofo, Hellinger ensina
que partilhamos uma consciência familiar com os membros da
nossa família biológica que nos precedem. Observou que
acontecimentos traumáticos, como a morte prematura de um pai,
irmão ou filho, ou um abandono, crime ou suicídio, podem exercer
sobre nós uma poderosa influência, deixando uma marca em todo
o nosso sistema familiar durante gerações. Essas marcas tornam-
se então o mapa da família, à medida que os seus membros
repetem inconscientemente os sofrimentos do passado.
A repetição de um trauma nem sempre é uma réplica exata do
evento original. Numa família em que alguém cometeu um crime,
por exemplo, alguém nascido numa geração posterior pode expiar
esse crime sem se aperceber de que o está a fazer. Um homem
chamado John veio ver-me, certo dia, pouco depois de ter sido
libertado da prisão. Tinha cumprido três anos por fraude – um
crime que alegava não ter cometido. No julgamento, John
declarou-se inocente, mas devido ao peso das provas contra si –
uma falsa acusação feita pelo seu antigo sócio – foi aconselhado
pelo seu advogado a aceitar um acordo. No momento em que
entrou no meu gabinete, John pareceu-me agitado. Tinha os
maxilares cerrados e atirou o casaco contra as costas da cadeira.
Revelou-me que tinha sido incriminado, e estava agora obcecado
por pensamentos de vingança. Ao discutirmos a sua situação
familiar, veio a lume que, uma geração antes, nos anos 60 do
século xx, o seu pai tinha sido acusado de assassinar o sócio, mas
fora absolvido em tribunal devido a um pormenor técnico. Todos
na família sabiam que o pai era culpado, mas nunca falavam sobre
isso. Dada a minha experiência com traumas familiares herdados,
não fiquei surpreendido ao saber que John tinha a mesma idade
com que o pai fora a julgamento. Fazia-se finalmente justiça, mas
com a pessoa errada a pagar o preço.
Hellinger acredita que o mecanismo subjacente a estas
repetições é a lealdade inconsciente, e vê essa lealdade como a
causa de muito sofrimento nas famílias. Incapazes de identificar a
fonte dos seus sintomas como pertencente a uma geração
anterior, as pessoas presumem frequentemente que a fonte do
problema é a sua própria experiência de vida, o que as deixa
impotentes para encontrar uma solução. Hellinger ensina que
todos têm o mesmo direito de pertencer a um sistema familiar, e
que ninguém pode ser excluído, seja por que razão for. Isto inclui
o avô alcoólico que deixou a nossa avó na miséria, o irmão nado-
morto cuja morte partiu o coração da nossa mãe e até o filho do
vizinho que o nosso pai matou por acidente ao fazer marcha-atrás
no caminho de acesso. O tio criminoso, a meia-irmã mais velha da
nossa mãe, o bebé que abortámos – todos eles pertencem à
nossa família. E a lista continua.
Até mesmo pessoas que normalmente não incluiríamos no
nosso sistema familiar têm de ser incluídas. Se alguém lesou,
assassinou ou se aproveitou de um membro da nossa família, essa
pessoa tem de ser incluída. De igual modo, se alguém da nossa
família lesou, assassinou ou se aproveitou de alguém, também
essa vítima terá de ser incluída no nosso sistema familiar.
Também os parceiros anteriores dos nossos pais e avós têm
lugar. Ao morrerem, partirem ou serem deixados, cria-se uma
abertura que permite ao nosso pai, à nossa mãe, à nossa avó ou
ao nosso avô entrar no sistema, acabando, em última instância,
por permitir o nosso nascimento.
Hellinger observou que, quando alguém é rejeitado ou deixado
de fora do sistema familiar, essa pessoa pode ser representada por
um membro posterior do sistema. O indivíduo posterior pode
partilhar ou repetir o destino do indivíduo anterior ao comportar-
se de modo semelhante ou repetir algum aspeto do sofrimento do
excluído. Se, por exemplo, o seu avô for rejeitado pela família
devido à bebida, ao jogo e às mulheres, é possível que um ou
mais desses comportamentos venham a ser adotados por um dos
seus descendentes. Desta forma, o sofrimento familiar prolonga-
se para as gerações seguintes.
Na família de John, o homem assassinado pelo seu pai fazia
agora parte do seu sistema familiar. Ao ser incriminado pelo sócio,
cumprir uma pena de prisão e alimentar pensamentos
sanguinários de vingança, John estava, inconscientemente, a
reviver aspetos da experiência do seu pai, ocorrida quarenta anos
antes. Ao estabelecer a ligação entre a experiência do pai e a sua,
John pôde finalmente libertar os pensamentos obsessivos e seguir
em frente. Dois destinos tinham sido intrincadamente ligados,
como se ambos os homens partilhassem um só. Enquanto esta
ligação permaneceu oculta, a liberdade emocional de John
manteve-se limitada.
Hellinger salienta que cada um de nós tem de carregar o seu
próprio destino, independentemente da severidade. Ninguém pode
tentar assumir o destino de um pai, avô, irmão, tio ou tia sem que
daí resulte algum tipo de sofrimento. Hellinger utiliza o termo
“enredamento” para descrever este tipo de sofrimento. Quando
enredados, carregamos de forma inconsciente os sentimentos, os
sintomas, os comportamentos ou as dificuldades de um membro
anterior do nosso sistema familiar como se nos pertencessem.
Até filhos nascidos dos mesmos pais, no mesmo lar, com uma
educação idêntica, podem herdar traumas diferentes e viver
destinos diversos. É provável, por exemplo, que o primogénito
herde os assuntos por resolver do pai, e que a primogénita herde
os assuntos por resolver da mãe, ainda que nem sempre seja
assim. Também o inverso se pode verificar. Os filhos mais novos
da família tendem a carregar diferentes aspetos dos traumas dos
pais ou elementos dos traumas dos avós.
A primeira filha, por exemplo, pode casar com um homem
emocionalmente indisponível e controlador – semelhante à
perceção que tem do pai –, e, ao fazê-lo, partilhar essa dinâmica
com a mãe. Ao casar com um homem desligado e controlador,
repete as experiências da mãe e junta-se a ela no seu
descontentamento. A segunda filha poderá herdar a raiva
silenciosa da mãe. Deste modo, é afetada pelo mesmo trauma,
mas carrega um aspeto diferente dele. Pode rejeitar o pai,
enquanto a primeira filha não o faz.
Os filhos mais novos da família podem muitas vezes herdar os
traumas não resolvidos dos avós. Na mesma família, a terceira ou
quarta filha pode nunca casar, temendo ser controlada por um
homem que não ama.
Em tempos, trabalhei com uma família libanesa que partilhava
uma dinâmica similar. Ao recuarmos uma geração, descobrimos
que as avós libanesas tinham ambas sido dadas pelos pais como
noivas-criança – uma aos 9 anos e a outra aos 12. Ligadas à
experiência das avós de terem sido obrigadas a casar ainda
crianças, duas das irmãs libanesas repetiram aspetos deste
destino nas respetivas relações. Tal como as avós, uma delas
casou com um homem muito mais velho. A outra nunca casou,
queixando-se de que os homens eram nojentos e controladores –
muito à semelhança do que a infeliz avó paterna deve ter sentido
ao estar presa num casamento sem amor.
Com uma quebra no vínculo mãe-filho entre irmãos, cada filho
pode expressar de forma diferente a sua desconexão com a mãe.
Um pode tentar agradar a todos, temendo perder a ligação às
pessoas se não for bom ou se levantar ondas. Outra, acreditando
que a ligação nunca lhe pertenceu em primeiro lugar, poderá
tornar-se contestatária e gerar conflitos para afastar as pessoas
que lhe são próximas. Outro ainda poderá isolar-se e ter pouco
contacto com as pessoas.
Verifiquei que, se vários irmãos tiverem quebras na ligação
mãe-filho, será frequente expressarem raiva ou ciúme, ou
sentirem-se desligados uns dos outros. Por exemplo, um filho mais
velho poderá guardar rancor ao que nasceu depois, entendendo
que o filho mais novo recebeu o amor que ele não recebeu. Uma
vez que o hipocampo – a parte do cérebro envolvida na criação de
memórias – só fica totalmente operacional a partir dos 2 anos, o
filho mais velho pode não se recordar conscientemente de ter sido
abraçado, alimentado ou acarinhado pela mãe, mas lembra-se de
o irmão mais novo ter recebido o amor desta. Em resposta, o filho
mais velho, sentindo-se desprezado, pode, de forma inconsciente,
culpar o irmão mais novo por ter aquilo que ele não recebeu.
E depois, claro, há alguns filhos que parecem não carregar
qualquer trauma familiar. Para esses, é bem possível que se tenha
estabelecido um vínculo bem-sucedido com a mãe e/ou o pai, o
qual ajudou a imunizar a criança contra os enredamentos do
passado. Talvez se tenha aberto uma janela temporal em que a
mãe pôde dar mais a um filho específico e não aos outros. Talvez
a relação dos pais tenha melhorado. Talvez a mãe tenha sentido
uma ligação especial a um dos filhos, não conseguindo, porém,
ligar-se profundamente aos outros. Os filhos mais novos parecem
muitas vezes, ainda que não sempre, sair-se um pouco melhor do
que os primeiros filhos ou filhos únicos, que parecem carregar
uma parte maior dos assuntos inacabados da história familiar.
Relativamente aos irmãos e ao trauma familiar herdado, não
existem regras rigorosas a reger a forma como cada filho é
afetado. Muitas variáveis, além da ordem de nascimento e do
género, podem influenciar as escolhas que os irmãos fazem e as
vidas que levam. Ainda que, de fora, possa parecer que um dos
irmãos não foi atingido pelo trauma, enquanto outro está
sobrecarregado, a minha experiência clínica dá-me uma perspetiva
diferente: a maioria das pessoas carrega pelo menos algum
resíduo da sua história familiar. No entanto, muitos intangíveis
entram também na equação e podem influenciar até que ponto os
traumas familiares se mantêm profundamente entrincheirados.
Estes intangíveis incluem a autoconsciência, a capacidade de
autoapaziguamento e a vivência de uma poderosa experiência
curativa interior.
Memória inconsciente
Entender a forma como as memórias traumáticas são
armazenadas pode lançar alguma luz sobre o que acontece às
nossas palavras quando estamos assoberbados. A memória de
longo prazo é frequentemente dividida em duas categorias
principais: declarativa e não declarativa. A memória declarativa,
também designada por memória explícita ou narrativa, é a
capacidade de recordar factos ou eventos de forma consciente.
Este tipo de memória depende da linguagem para organizar,
classificar e armazenar informações e experiências que mais tarde
se tornarão memórias recuperáveis. É como um livro que
podemos tirar da estante quando precisamos de consultar uma
história do passado. Ao conseguirmos pôr os acontecimentos em
palavras, podemos recordá-los como parte da nossa história.
A memória não declarativa, também designada por memória
implícita, sensório-motora ou processual, atua sem evocação
consciente. Permite-nos recuperar de forma automática o que já
aprendemos sem termos de reaprender os passos. Ao andarmos
de bicicleta, por exemplo, não pensamos na série de
acontecimentos necessários para a fazer avançar. A memória de
andar de bicicleta está de tal modo enraizada em nós que nos
limitamos a montar e a pedalar sem dividir o processo em passos.
As memórias deste tipo nem sempre são fáceis de descrever em
palavras.
As experiências traumáticas são muitas vezes armazenadas
como memória não declarativa. Quando um acontecimento se
torna tão avassalador que nos deixa sem palavras, não podemos
registar ou “declarar” de forma precisa a memória em forma de
história, o que exige linguagem. É como se uma súbita inundação
irrompesse ao mesmo tempo por todas as nossas portas e janelas.
Ante o perigo, não paramos durante tempo suficiente para pôr a
nossa experiência em palavras. Limitamo-nos a sair de casa.
Sem palavras, deixamos de ter pleno acesso à nossa memória
do acontecimento. Fragmentos da experiência ficam sem nome e
submergem, longe da vista. Perdidos e não declarados, tornam-se
parte do nosso inconsciente.
O vasto reservatório do nosso inconsciente parece conter não
só as nossas memórias traumáticas, mas também as experiências
traumáticas por resolver dos nossos antepassados. Neste
inconsciente partilhado, parecemos reviver fragmentos da
memória de um antepassado e declará-los nossos.
Apesar de os estudos com ratos, anteriormente descritos,
fornecerem algumas provas de como os traumas são transmitidos
de uma geração à seguinte, o mecanismo exato de como essa
transferência acontece nos seres humanos não é ainda totalmente
entendido. Não obstante, embora não saibamos ao certo de que
forma os assuntos inacabados de um antepassado criam raízes
dentro de nós, parece trazer alívio quando essa ligação é tornada
consciente.
O fluxo da vida
Sentir o fluxo
A força vital que flui dos nossos pais para nós fá-lo livremente.
Não temos de fazer o que quer que seja. A nossa única missão é
recebê-la.
Visualize a força vital como o fio principal que fornece
eletricidade à sua casa. Todos os outros fios que se ramificam
para as várias divisões dependem do fio principal para ter energia.
Por mais eficazes que sejam as ligações em nossa casa, se a
nossa ligação ao fio principal estiver comprometida, o fluxo será
condicionado.
Vejamos agora como este “fio principal” pode ser afetado pelos
quatro temas inconscientes.
Estes temas são comuns a todos nós, mas os seus efeitos são
inconscientes:
A história de Gavin
Feche os olhos.
Lembre-se de todas as histórias da sua mãe e deixe que
todas as tragédias de que tem conhecimento lhe acorram ao
pensamento.
Visualize a sua mãe enquanto jovem, criança ou até mesmo
bebé a contrair-se contra as vagas da perda, tentando
proteger-se das investidas da dor.
O que sente o seu corpo ao percecionar o que ela deve ter
sentido? Quais são as sensações e de onde brotam no seu
corpo?
Consegue sentir ou imaginar como deverá ter sido para ela?
Isso comove-o? Consegue sentir compaixão por ela?
No seu coração, diga-lhe: “Mãe, eu compreendo.”
Mesmo que não compreenda plenamente, repita as palavras.
“Mãe, eu compreendo.” Pondere juntar-lhe estas palavras:
“Mãe, tentarei aceitar o teu amor tal como ele é, sem o julgar
nem esperar que seja diferente.”
Qual é a sensação de o dizer?
O que acontece no seu corpo ao dizer-lhe isto?
Há alguma parte do seu corpo que se solta, abre ou lhe
parece mais branda?
A história de Tricia
Todas as relações de Tricia eram de curta duração. Nenhuma
durava mais de um ou dois anos. Agora, estava prestes a deixar o
seu parceiro atual. “É frio e insensível”, queixava-se ela. “Nunca
está lá quando preciso.” Inconscientemente, Tricia descrevia a
mãe de forma similar. “É distante e emocionalmente inacessível.
Nunca pude recorrer a ela em busca de apoio. Nunca me amou
como eu precisava de ser amada.”
O facto de Tricia rejeitar a mãe estava por detrás dos seus
fracassos relacionais. O que tinha por resolver com a mãe
ressurgia inconscientemente com os parceiros, erodindo a ligação
que partilhavam e a intimidade que desejavam.
Tricia não conseguia identificar qualquer acontecimento
específico que explicasse o porquê de ter rejeitado a mãe. Não
obstante, no nosso trabalho em conjunto, revelou que a mãe
descrevia muitas vezes a sua própria mãe – a avó de Tricia –
como egoísta e emocionalmente inacessível. A história era assim:
em criança, a avó fora mandada viver com a tia após a morte da
mãe. Muitas vezes, sentia-se como uma intrusa na nova família,
tendo guardado o ressentimento durante a maior parte da vida.
Tricia entendia finalmente a fonte da falta de calor da mãe. Via
também pela primeira vez que também ela estivera apenas a
repetir um padrão familiar de filhas que não recebiam aquilo de
que precisavam das mães. Esse padrão repercutia-se na história
familiar desde há pelo menos três gerações.
Com um entendimento mais profundo dos acontecimentos
subjacentes à distância que sentia da mãe, Tricia afirmou sentir
compaixão por ela pela primeira vez. Reestabeleceu a relação
entre ambas e pôde sentir de imediato os efeitos dessa
reconciliação com o seu parceiro. Deu por si menos à defesa e
descobriu que podia manter-se aberta e presente – mesmo
durante os períodos difíceis que, no passado, a teriam feito sentir-
se ameaçada, recuar e retirar-se para dentro de si mesma.
Projeções que tinham estado veladas eram agora claramente
visíveis.
Se a relação com os seus pais é tensa, não se preocupe.
Ofereço-lhe ferramentas que o podem ajudar a reparar a ligação.
Será importante não esperar que os seus pais sejam diferentes de
quem são – a mudança ocorrerá em si. A dinâmica da relação
pode permanecer igual, mas a sua perspetiva será diferente. Não
se trata de se atirar imprudentemente para a frente de um
comboio em movimento; é mais uma questão de escolher o
melhor caminho para fazer a viagem.
A história de Todd
A história de Megan
Megan casou com Dean aos 19 anos e achava que essa relação
ia durar para sempre. Até que, um dia, quando tinha 25 anos,
olhou para ele do outro lado da mesa da cozinha e sentiu-se
entorpecer. Os sentimentos por Dean tinham desaparecido. No
espaço de semanas, Megan pediu o divórcio. Apercebendo-se de
que o súbito desaparecimento do seu amor por Dean parecia
aberrante, procurou ajuda.
Suspeitei que uma história de família estaria fora do seu
alcance e comecei a sondar. Ainda bem que assim foi. A ligação
que Megan não estabelecera era fácil de ver. A avó de Megan
tinha apenas 25 anos quando o marido, o amor da sua vida, se
afogou enquanto pescava no mar. Criou a mãe de Megan sozinha
e nunca voltou a casar. A súbita morte do marido era a grande
tragédia da família.
A história era tão familiar que Megan nem sequer considerara
os seus efeitos sobre ela. Assim que se apercebeu de que estava a
reviver a história da avó, a súbita solidão, a profunda perda e a
dormência, Megan começou a pestanejar e a franzir o rosto. Dei-
lhe todo o tempo de que precisava para assimilar a perceção. Ao
fim de longos segundos, surgiu uma série de respirações
aceleradas. Alguns minutos depois, a respiração começou a
alongar-se. Estava a juntar as peças. “Sinto-me estranhamente
esperançosa”, disse ela. “Tenho de dizer ao Dean.” Dias depois,
ligou-me a dizer que algo estava a mudar no seu interior; os
sentimentos por Dean estavam a regressar.
É importante reafirmar: nem todos os comportamentos que
expressamos têm realmente origem em nós. Podem facilmente
pertencer a familiares que nos precederam. Podemos estar apenas
a carregar os sentimentos por eles ou a partilhá-los. Chamamos a
isto “sentimentos de identificação”.
Identifica-se com um membro do seu sistema familiar?
1. A queixa nuclear
2. Os descritores nucleares
3. A frase nuclear
4. O trauma nuclear
Agora, leia o que escreveu. Eis alguns temas que verifiquei que
se repetem nas famílias. Reconhece algum dos seguintes temas
na sua?
• Linguagem que se repete:
Existe alguma linguagem que não pareça
enquadrar-se no contexto da sua experiência
de vida? Se sim, poderá essa linguagem
pertencer a alguém da sua família?
“Estou sozinho.”
“Eles vão rejeitar-me.”
“Vão deixar-me.”
“Desiludi-os.”
“Perderei tudo.”
“Desmoronarei.”
“É tudo culpa minha.”
“Abandonam-me.”
“Traem-me.”
“Humilham-me.”
“Vou enlouquecer.”
“Vou fazer mal ao meu filho.”
“Vou perder a minha família.”
“Perderei o controlo.”
“Farei algo terrível.”
“Vou fazer mal a alguém.”
“Não mereço viver.”
“Serei odiado.”
“Vou matar-me.”
“Vão prender-me.”
“Vão encarcerar-me.”
“Nunca acabará.”
Prisões de medo
A pergunta de ligação
Como aprendemos com Zach no capítulo anterior, uma forma
de chegar ao trauma subjacente é fazer uma pergunta de ligação.
Esta pode invocar o familiar de quem herdámos a nossa frase
nuclear. Uma vez que a nossa frase nuclear pode ter origem numa
geração anterior, localizar o seu legítimo proprietário pode trazer
paz e compreensão, não só para nós, mas também para os nossos
filhos.
No caso de Zach, a pergunta de ligação – ”Quem na sua
família cometeu um crime e nunca foi castigado por isso?” –
levou-nos ao avô, que, enquanto poderoso oficial do governo de
Mussolini, lesou muitas pessoas. Como pode imaginar, os
familiares de Zach raramente, ou nunca, falavam sobre o que o
avô tinha feito durante a guerra.
Em termos simples, uma pergunta de ligação é uma pergunta
que liga o presente ao passado. Desenterrar os sentimentos do
seu maior medo pode levá-lo à pessoa que, no seu sistema
familiar, tinha razões para se sentir da mesma forma.
Se o seu maior medo for, por exemplo, a possibilidade de
“magoar uma criança”, transforme esse medo numa pergunta.
Pense em todas as combinações relevantes que se poderiam
expressar num medo transportado por um descendente da família.
A história de Lisa
Lisa descrevia-se como uma mãe superprotetora. Tinha pavor
de que algo terrível acontecesse a um dos filhos, pelo que jamais
os perdia de vista. Apesar de nunca ter acontecido algo de
significativo a qualquer um dos três filhos, Lisa era assombrada
pela sua frase nuclear: “O meu filho vai morrer.” Lisa sabia muito
pouco sobre a sua história familiar, mas ao seguir o medo da sua
frase nuclear, colocou as seguintes perguntas de ligação:
O genograma
A casa do mapa
“Estou contigo.”
“Estou aqui.”
“Eu abraço-te.”
“Eu respiro contigo.”
“Eu consolo-te.”
“Sempre que te sentires assustado ou
assoberbado, não te deixarei.”
“Eu fico contigo.”
“Vou respirar contigo até te acalmares.”
“Serei deixado.”
“Serei abandonado.”
“Serei rejeitado.”
“Ficarei completamente só.”
“Não terei ninguém.”
“Ficarei indefeso.”
“Perderei o controlo.”
“Não tenho importância.”
“Eles não me querem.”
“Não sou o suficiente.”
“Sou demasiado.”
“Vão deixar-me.”
“Vão magoar-me.”
“Vão trair-me.”
“Serei aniquilado.”
“Serei destruído.”
“Não existirei.”
“Não adianta.”
A solidão de Wanda
A resolução de Kelly
Dan e Nancy
As questões
Dan descreveu que seu maior medo na vida era perder Nancy.
“O meu pior pesadelo seria perder a pessoa que mais amo. Temo
que a Nancy morra ou me deixe e eu tenha de viver sem ela.”
Uma geração antes, o eco desta frase nuclear podia ser
dolorosamente sentido quando a mãe de Dan perdeu a sua
própria mãe aos 10 anos. A mãe de Dan repetiu a experiência de
“perder quem mais amava” quando o seu recém-nascido morreu.
Essas perdas refletir-se-iam no maior medo de Dan. Embora fosse
Dan a carregar o medo, na realidade, era a mãe quem tinha de
viver sem as pessoas que mais amava. Dan rapidamente
reconheceu que a sua frase nuclear tinha origem na mãe.
O padrão prolongou-se para a geração seguinte. Aos 10 anos,
a mesma idade que a mãe de Dan tinha quando a sua própria
mãe morreu, Dan perdeu a mãe – “a pessoa que mais amava” –
durante seis semanas, quando ela foi hospitalizada devido aos que
os médicos designaram por “esgotamento nervoso”. Já
anteriormente ele se lembrava de lapsos na sua atenção quando
ela entrava em depressão. Durante esses períodos, Dan sentia-se
abandonado e só.
Também a frase nuclear de Nancy podia ser associada a uma
época anterior. “Ficaria presa num casamento terrível e sentir-me-
ia só.” Esta frase pertencia claramente à avó, casada com o avô
alcoólico de Nancy, que era acusado de praticamente tudo o que
corria mal na família. Se pudéssemos espreitar uma geração mais
atrás, veríamos, talvez, que a avó de Nancy tinha uma relação
difícil com a sua mãe, ou que a bisavó refletia um padrão de
sentimentos similar de se sentir presa num mau casamento com o
seu marido. Infelizmente, todas as informações para lá da avó
desapareceram da história. Em cada geração, veríamos
provavelmente uma menina desligada da mãe ou criada por pais
desligados um do outro. Compreendendo isto, Nancy podia
continuar a repetir o padrão com Dan ou aproveitar a
oportunidade para o curar. Nancy estava pronta para a cura.
A história familiar (o trauma nuclear)
A história de Tyler
Amor cego
15. Alguém exterior à sua família fez com que a sua família
sofresse dificuldades financeiras?
Neste livro, apresentei uma nova forma de ouvir que faz brilhar
uma luz sobre os tenuemente iluminados corredores do passado.
Ao descobrirmos como descodificar o nosso mapa da linguagem
nuclear, podemos decifrar o que nos pertence e o que pode ter
resultado de um acontecimento traumático na nossa história
familiar. Revelada a sua origem, os antigos padrões podem ser
libertados para que novos caminhos e novas possibilidades de vida
se possam abrir.
A minha esperança é de que já se sinta mais leve ou tenha
uma maior sensação de calma ao revisitar os medos que anotou
anteriormente. Talvez tenha um maior sentimento de pertença ou
compaixão para com os familiares que encontrou ao longo do
caminho. Talvez o acompanhem agora de uma nova forma – uma
forma encorajadora que o faz sentir-se abraçado por algo superior
a si. Talvez possa sentir o conforto e o apoio que lhe dão em
redor.
Reverve um momento e sinta este apoio. Envie a sua
respiração para as partes do corpo onde o sente. Estes novos
sentimentos vivem agora dentro de si e exigem o seu cuidado e
atenção para prosperar. A cada respiração consciente, sentimentos
de calma e bem-estar podem espalhar-se em todas as direções,
tornando-se parte de quem é. Sempre que inspira, deixe que os
bons sentimentos se expandam no corpo. Sempre que expira,
deixe que qualquer resíduo de medo se dissipe na expiração.
Descritores nucleares
Adjetivos e breves expressões descritivas que revelam os
sentimentos inconscientes que temos em relação aos nossos pais.
Frase curativa
Frase de reconciliação ou resolução que gera novas imagens e
sensações de bem-estar.
Frase nuclear
Frase curta que expressa a linguagem emocionalmente
carregada do nosso mais profundo medo. Contém os vestígios de
um trauma não resolvido da nossa primeira infância ou da nossa
história familiar.
Genograma
Representação visual a duas dimensões de uma árvore
genealógica.
Linguagem nuclear
As palavras e frases idiossincráticas dos nossos mais profundos
medos que proporcionam pistas para a fonte de um trauma por
resolver. A linguagem nuclear pode também ser expressa através
de sensações físicas, comportamentos, emoções, impulsos e
sintomas de uma doença ou condição.
Pergunta de ligação
Pergunta que pode ligar um sintoma, problema ou receio
persistente a um trauma nuclear ou a um membro da família que
passou por dificuldades similares.
Queixa nuclear
O nosso principal problema, seja ele internalizado ou projetado
para o exterior, resultante muitas vezes de fragmentos de
experiências traumáticas e expresso através de linguagem nuclear.
Trauma nuclear
O trauma não resolvido na nossa primeira infância ou história
familiar que pode afetar inconscientemente os nossos
comportamentos, as nossas escolhas, a nossa saúde e o nosso
bem-estar.
Apêndice A: Lista de perguntas sobre a
história familiar
1. Thomas Verny e Pamela Weintraub, Tomorrow’s Baby: The Art and Science
of Parenting from Conception Through Infancy (Nova Iorque: Simon &
Schuster, 2002), 29.
2. Winifred Gallagher, “Motherless Child”, The Sciences 32(4) (1992): 12-15,
esp. p. 13, doi:10.1002/j.2326-1951.1992. b02399.x.
3. Raylene Phillips, “The Sacred Hour: Uninterrupted Skin-to-Skin Contact
Immediately After Birth”, Newborn & Infant Reviews 13(2) (2013): 67-72,
doi:10.1053/j.nainr.2013.04.001.
4. Norman Doidge, The Brain That Changes Itself: Stories of Personal Triumph
from the Frontiers of Brain Science (Nova Iorque: Penguin, 2007), 243.
5. Ibid. , 47.
6. Ibid. , 203-4.
7. Norman Doidge, The Brain’s Way of Healing: Remarkable Discoveries and
Recoveries from the Frontiers of Neuroplasticity (Nova Iorque: Penguin,
2015), 215.
8. Doidge, The Brain That Changes Itself, 91.
9. Dawson Church, The Genie in Your Genes: Epigenetic Medicine and the New
Biology of Intention (Santa Rosa, Califórnia: Elite Books, 2007), 69.
10. Perla Kaliman, et al., “Rapid Changes in Histone Deacetylases and
Inflammatory Gene Expression in Expert Meditators”,
Psychoneuroendocrinology 40 (novembro de 2013): 96-107,
doi:http://dx.doi.org/10.1016/j.psyneuen.2013.11.004.
11. Church, The Genie in Your Genes, 67.
12. Doidge, The Brain That Changes Itself, 220-21.
13. David Samuels, “Do Jews Carry Trauma in Our Genes? A Conversation with
Rachel Yehuda”, Tablet Magazine, 11 de dezembro de 2014,
http://tabletmag.com/jewish-arts-and-culture/books/187555/trauma-genes-
q-a-rachel-yehuda.
1. Thomas Verny, com John Kelly, The Secret Life of the Unborn Child (Nova
Iorque: Simon & Schuster, 1981), 29.
2. Ken Magid e Carole McKelvey, High Risk: Children Without a Conscience
(Nova Iorque: Bantam Books, 1988), 26.
3. Edward Tronick e Marjorie Beeghly, “Infants’ Meaning-Making and the
Development of Mental Health Problems”, American Psychologist 66(2)
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1. Rainer Maria Rilke, “Letter no. 7”, Letters to a Young Poet, trad. M. D. Herter
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