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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

História ......................................................................................................................................................... 5
PRINCÍPIOS GERAIS dos Direitos Reais ........................................................................................................ 6
1. Princípio da Tipicidade ........................................................................................................................ 6
2. Princípio da Especialidade .................................................................................................................... 6
3. Princípio da Elasticidade ...................................................................................................................... 7
4. Princípio da Transmissibilidade ............................................................................................................ 7
5. Princípio da Publicidade ....................................................................................................................... 8
6. Princípio da Boa Fé ............................................................................................................................... 8
CONCEITO e ESTRUTURA dos Direitos Reais ............................................................................................... 8
Teoria Clássica ou Realista ....................................................................................................................... 8
Teorias Modernas ou Personalista ........................................................................................................... 8
Teoria do Poder Direto e Imediato sobre uma Coisa........................................................................... 8
Teoria do Poder Absoluto .................................................................................................................... 9
Teorias Mistas ...................................................................................................................................... 9
Orientações Doutrinárias Portuguesas .................................................................................................... 9
CARACTERÍSTICAS dos Direitos Reais ........................................................................................................ 10
I. Caráter Absoluto ................................................................................................................................. 10
II. Inerência ............................................................................................................................................ 10
III. Sequela .............................................................................................................................................. 11
IV. Prevalência ........................................................................................................................................ 11
Objeto dos Direitos Reais: COISAS ............................................................................................................ 13
Situações Jurídicas Propter Rem ............................................................................................................... 18
Obrigações Propter Rem ........................................................................................................................ 18
Ónus Reais .............................................................................................................................................. 19
Pretensões Reais .................................................................................................................................... 20
CLASSIFICAÇÕES dos Direitos Reais........................................................................................................... 22
Direitos Reais de Gozo, de Garantia e de Aquisição .............................................................................. 22
Direito Real Maior e Menor ................................................................................................................... 22
Direitos Reais sobre Coisa Própria e Coisa Alheia .................................................................................. 23
Direitos Reais de Proteção Definitiva e Proteção Provisória ................................................................. 23
Direitos Reais Simples e Complexos ....................................................................................................... 23
Direitos Reais Autónomos e Subordinados ............................................................................................ 24
Direitos Reais de Titularidade Imediata e Titularidade Mediata ........................................................... 24
POSSE .......................................................................................................................................................... 25
Fundamento da Proteção Possessória ..................................................................................................... 25
POSSE E DETENÇÃO ................................................................................................................................ 27
Solução da Lei .................................................................................................................................... 28
Âmbito da Posse ..................................................................................................................................... 30

Regência: Luís Menezes Leitão


Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Direitos abrangidos pela Tutela Possessória ...................................................................................... 30


Concurso de Posses ............................................................................................................................ 31
Classificações da Posse............................................................................................................................ 32
Vicissitudes da Posse............................................................................................................................... 34
Constituição da Posse – art. 1263º..................................................................................................... 34
Manutenção da Posse ........................................................................................................................ 36
Modificação da Posse ......................................................................................................................... 36
Sucessão na Posse .............................................................................................................................. 36
Acessão na Posse ............................................................................................................................... 36
Perda da Posse – art. 1267º ............................................................................................................... 37
Efeitos da Posse ...................................................................................................................................... 38
Direitos do Possuidor ......................................................................................................................... 38
Deveres do Possuidor ......................................................................................................................... 39
Defesa da Posse ...................................................................................................................................... 39
Regime específico das Ações Possessórias ......................................................................................... 40
Natureza da Posse................................................................................................................................... 42
Conteúdo dos Direitos Reais ..................................................................................................................... 43
Limitações aos Direitos Reais ....................................................................................................................... 45
Limitação da Propriedade pela sua função social: o Abuso do Direito ................................................... 45
1. Limitações de Direito Público ............................................................................................................. 46
2. Limitações de Direito Privado ............................................................................................................. 48
A. Deveres de Abstenção de certas condutas...................................................................................... 49
B. Dever de Tolerar o exercício de poderes sobre o prédio ................................................................. 51
C. Deveres de Prevenção do perigo para o prédio vizinho................................................................... 51
D. Deveres de participar em atividades de interesse comum .............................................................. 53
Contitularidade dos Direitos Reais ............................................................................................................ 54
COMPROPRIEDADE – art. 1403º e ss. .................................................................................................... 54
CONTITULARIDADE DAS ÁGUAS – art. 1398º e ss. ................................................................................. 57
Constituição dos Direito Reais................................................................................................................... 58
Por Negócio Jurídico .............................................................................................................................. 58
Por Lei .................................................................................................................................................... 58
Por Sentença Judicial ............................................................................................................................. 58
USUCAPIÃO – art. 1287º e ss. ................................................................................................................ 58
Capacidade para a Usucapião ........................................................................................................... 58
Direitos que podem ser objeto de Usucapião .................................................................................. 58
Requisitos da Posse necessária para a Usucapião ........................................................................... 59
PRAZOS .............................................................................................................................................. 59
Invocação da Usucapião ................................................................................................................... 60

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ACESSÃO ................................................................................................................................................ 61
Distinção das Benfeitorias ................................................................................................................ 61
Art. 1326º tem as espécies de acessão ............................................................................................. 62
Formas de Atuação da Acessão ........................................................................................................ 63
Transmissão dos Direitos Reais ................................................................................................................. 65
Contratos Reais...................................................................................................................................... 65
Modificação dos Direitos Reais ................................................................................................................. 66
Defesa dos Direitos Reais .......................................................................................................................... 67
Extinção dos Direitos Reais .......................................................................................................................... 69
REGISTO – Publicidade dos Direitos Reais ................................................................................................ 73
Princípios do Registo Predial ................................................................................................................. 73
Modalidades de Atos de Registo .......................................................................................................... 75
Processo do Registo............................................................................................................................... 76
Efeitos do Registo .................................................................................................................................. 76
PROPRIEDADE ............................................................................................................................................. 81
Art. 1305º - Conteúdo do Direito de Propriedade .................................................................................. 81
Características do Direito de Propriedade .............................................................................................. 81
Formas de Aquisição da Propriedade ..................................................................................................... 81
Propriedade sobre as Águas – art. 1385º e ss. ....................................................................................... 82
Natureza do Direito de Propriedade ....................................................................................................... 83
PROPRIEDADE HORIZONTAL ........................................................................................................................ 84
Requisitos Legais e Partes Comuns do Prédio ........................................................................................ 84
Constituição da Propriedade Horizontal ................................................................................................. 85
Título Constitutivo ............................................................................................................................ 85
Condomínio ............................................................................................................................................ 86
Poderes .............................................................................................................................................. 86
Limitações aos Poderes – art. 1420º ................................................................................................ 86
Obrigações ......................................................................................................................................... 87
Administração das partes comuns ................................................................................................... 87
Modificação e Extensão .......................................................................................................................... 88
Natureza da Propriedade Horizontal ...................................................................................................... 89
USUFRUTO ................................................................................................................................................. 90
Características e Objeto ......................................................................................................................... 90
Constituição do Usufruto – art. 1440º ................................................................................................... 91
Poderes do Usufrutuário – art. 1446º .................................................................................................... 91
Obrigações do Usufrutuário ................................................................................................................... 92
Direitos do Proprietário de Raiz ....................................................................................................... 93
Extinção do Usufruto – art. 1476º ......................................................................................................... 93

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Tipos Especiais do Usufruto ................................................................................................................... 94


Natureza ................................................................................................................................................. 95
Uso e Habitação ......................................................................................................................................... 95
Conteúdo e Regime ................................................................................................................................ 96
Tipos Especiais de Uso e Habitação ....................................................................................................... 96
Natureza ................................................................................................................................................. 96
SUPERFÍCIE .................................................................................................................................................. 97
Objeto e Duração ................................................................................................................................... 97
Constituição do Direito de Superfície – art. 1528º ................................................................................. 98
Poderes e Direitos do Superficiário ........................................................................................................ 98
Poderes e Direitos do Proprietário do Solo ............................................................................................ 99
Extinção da Superfície – art. 1536º ...................................................................................................... 100
Natureza ............................................................................................................................................... 101
SERVIDÕES PREDIAIS ................................................................................................................................. 102
Características das Servidões Prediais .................................................................................................. 102
Modalidades de Servidões .................................................................................................................... 103
Servidões Legais ............................................................................................................................... 104
Constituição, Conteúdo e Mudança ..................................................................................................... 105
Extinção das Servidões – art. 1569º ..................................................................................................... 107
Natureza ............................................................................................................................................... 108
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA .................................................................................................. 109
DL 275/93, de 5 de agosto.................................................................................................................... 109
DIREITOS REAIS DE GARANTIA ................................................................................................................... 111
Consignação de Rendimentos (art. 656º-665º) ..................................................................................... 111
Penhor (art. 666º-685º) ........................................................................................................................ 113
Hipoteca (art. 686º-732º)...................................................................................................................... 115
Privilégios Creditórios (art. 736-753º) ................................................................................................... 117
Direito de Retenção (art. 754º-761º) .................................................................................................... 118
Penhora ................................................................................................................................................ 118
DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO .................................................................................................................. 119
Promessa Real....................................................................................................................................... 119
Preferência Real .................................................................................................................................... 119

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História
Origem na categoria de ações romanística:
• Actio in personam – formulavam pretensão contra pessoa, não podendo a pretensão
extravasar a relação obrigacional.
o Deu origem ao iura in personam
• Action in rem – formulavam pretensão contra uma coisa, visando estabelecer a sua
defesa contra qualquer pessoa que de alguma forma perturbasse o aproveitamento
pelo titular, podendo este perseguir a coisa onde quer que ela se encontrasse.
o Deu origem ao iura in rem – Direitos Reais, que incidem sobre coisas, tendo
eficácia real1.

Os Direitos Reais são um ramo do Direito Civil.


Desde a pandectística alemã e a partir da classificação germânica do Direito Civil – instituída por
Savigny.
• Livro III do CC de base estrutural – sempre que surja estruturalmente a atribuição de
coisas corpóreas2 a determinada pessoas, essa situação jurídica3 é potencialmente
regulada pelo Direito das Coisas.
o Os direitos reais de gozo estão no Livro III; os direitos reais de garantia estão no
Livro II; os direitos reais de aquisição estão no II e no III.
• É o direito que regula a atribuição das coisas corpóreas com eficácia real, i.e., eficácia
absoluta perante terceiros.

Gomes da Silva: não há dois direitos reais iguais


➢ Daí que não seja possível estabelecer uma teoria geral dos Direitos Reais, pois há uma
diferença vasta entre os vários direitos reais
o ML: é vantajoso pensar-se numa teoria geral dos Direitos Reais em que se
estude, a um nível mais geral e abstrato, todas as características comuns a
essa categoria (como o é a eficácia real).
o Não havendo uma parte geral o Direito Real paradigmático é a Propriedade,
que está regulado no CC e se aplicará a outros direitos reais (como servidões,
superfície, usufruto e etc.)

Tutela Constitucional dos Direitos Reais


Garantia constitucional da propriedade -> art. 62º CRP: permite aos cidadãos um espaço de
liberdade, no âmbito do qual eles podem desenvolver livremente a sua vida, através do pleno
aproveitamento dos bens de que são titulares.
• Extensiva a todos os Direitos Reais
• Análoga aos DLG – tese do TC, desde 1984, por força do art. 17º CRP
• Limites do art. 18º/2 e 18º/3 CRP.

Jurisprudência do TC tem reiterado que propriedade deve ser entendida amplamente –


componente estática de proteção e componente dinâmica da tutela dessa propriedade.

1
Eficácia do direito contra qualquer pessoa – direito de cariz absoluto
2
Havendo semelhança de consequências jurídicas geradas a partir da atribuição de direitos reais sobre
coisas corpóreas.
3
Situações da vida humana valoradas pelo Direito – aquelas situações da vida às quais o Direito confere
relevância para os fins próprios do Direito

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PRINCÍPIOS GERAIS dos Direitos Reais


Ideias gerais subjacentes a este ramo do Direito4, cuja doutrina discute.
• Henrique Mesquita: tipicidade, consensualidade, causalidade
• Carlos Mota Pinto: especialidade, transmissibilidade, elasticidade, tipicidade,
publicidade, consensualidade
• José Alberto Vieira: tipicidade (numerus clasus), inerência, especialidade,
consensualidade, causalidade e unidade, territorialidade, publicidade.
o Menezes Leitão: muitos destes são características dos direitos reais e não
princípios, que correspondem aos fundamentos dogmáticos específicos do
Direito das Coisas.

1. Princípio da Tipicidade
Numerus clausus dos direitos reais – art. 1306º CC
➢ Proíbe a inexistência de direitos reais que não se encontrem previstos na lei.
o Se as partes quiserem criar novos direitos reais, ao abrigo da sua autonomia
privada, a lei nega-lhes a pretendida eficácia real, atribuindo-lhes apenas
natureza obrigacional – vincula inter partes.
➢ Limitação do número de realidades que podem ser qualificadas como direitos reais.
o Infração a esta regra leva a conversão legal.
▪ OA: apenas as restrições ao direito de propriedade estão sujeitas a
conversão legal; constituição de figuras parcelares é nula nos termos
gerais.
▪ ML: não há base para estabelecer essa distinção e estando em causa a
criação de um novo direito real, o tratamento dado é o mesmo.

Justificação do princípio: cariz absoluto dos direitos reais pode ser entrave à circulação dos bens
(o titular pode opô-lo eficazmente a qualquer adquirente de boa fé); sobreposição sucessiva de
direitos pode dar origem a litígios, afetando a possibilidade de exploração dos bens; Estado deve
criteriosamente instituir a ordenação jurídica dos bens.

Críticas: parte mais rígida e menos mutável do Direito Privado patrimonial – congelado e
cristalizado na forma clássica

2. Princípio da Especialidade
Tem que ser possível individualizar concretamente a coisa que constitui o objeto do direito
real: coisas corpóreas, determinadas, com existência presente e autónomas de outras coisas.
• Subprincípio da determinação: a coisa tem de estar determinada – se o titular tiver
direito a receber coisas genéricas não tem direito real e sim direito de crédito (art. 539º).
o Só há direito real a partir do momento em que as coisas sejam determinadas
(art. 408º/2).
o Não há direitos reais autónomos sobre universalidades, incidindo o direito
individualmente sobre cada uma das coisas que compõe a universalidade.

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JAV: a autonomização de um ramo do Direito depende da existência de princípios jurídicos próprios que
lhe permitam constituir um subsistema autónomo dentro do sistema geral da ordem jurídica.

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• Subprincípio da atualidade: coisa tem de ter existência presente – se o titular tiver


direito a coisa futura, então isso não é direito real e sim direito obrigacional a uma
prestação futura.
o Não existe também direito sobre coisas passadas (perdidas ou cujo direito sobre
a mesma se extinguiu).
• Subprincípio da autonomização/totalidade: coisa tem de ser autónoma, não havendo
direito real sobre partes de uma coisa.
o Não dá direito real de coisas ligadas materialmente a outras.
o Se coisa separada for unida e incorporada noutra coisa, há extinção do direito e
sua aquisição ex novo por acessão (art. 1325º e ss.) – não é possível manter a
reserva de propriedade a partir do momento em que as coisas passem a
constituir partes integrantes dos prédios.5
o Consequência de os negócios sobre direitos reais serem de disposição e não
obrigacionais.

3. Princípio da Elasticidade
Admissibilidade das compressões e expansões dos Direitos Reais, em virtude da constituição
de um novo Direito Real que onere a coisa ou extinção posterior desse Direito.
➢ Conteúdo do direito não é imutável – varia conforme se vão constituindo e extinguindo
os direitos reais que incidem sobre a coisa – pode haver mudanças no conteúdo do
direito real.
➢ Em consequência da extinção do direito real menor, o direito real maior pode retomar
o seu conteúdo originário.

No caso de sobreposição de direitos sobre a mesma coisa há necessidade de harmonizarem-se,


havendo mecanismos de compressão, na lei. Não se podem constituir sucessivamente 2
propriedades sobre a mesma coisa, mas tal resulta da falta de legitimidade para a realização de
uma segunda disposição do mesmo direito e não da falta de compatibilidade dos direitos entre
si.

4. Princípio da Transmissibilidade
Comum aos outros direitos patrimoniais – mais importante nos direitos reais, tendo mesmo
garantia constitucional.
➢ Implica que os direitos reais possam ser objeto de sucessão por morte e que possam
ser transmitidos por ato inter vivos.
o Mas há direitos reais que não podem exceder a vida do titular (art. 1444º) e
outros inalienáveis (art. 1488º).

Princípio da Consensualidade: para a constituição ou transmissão do direito real basta o acordo


das partes – celebração do contrato acarreta a transferência do direito real (art. 408º/1 e
1317º/a – quod constitutionem).
➢ Portanto, transferência do direito real é imediata e instantânea, apenas com o acordo
das partes.

5
STJ decidiu assim, em 1996, em relação aos elevadores – a partir do momento que estão incorporados
no prédio faze parte dele e não podem haver direitos reais autónomos sobre o elevador.

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5. Princípio da Publicidade
Factos jurídicos relativos aos direitos reais devem ser dados a conhecer ao público em geral.
• Forma mais comum de assegurar a publicidade dos direitos reais: Posse (art. 1268º/1)
• Forma mais perfeita de assegurar a publicidade dos direitos reais: Registo

6. Princípio da Boa Fé
Princípio geral do Direito Civil.
• Aplicação mais restrita do que no Direito das Obrigações – não há princípio que protege
o possuidor de boa fé contra a reivindicação de móveis.
o Mas releva para efeitos da posse, usucapião e acessão industrial.

CONCEITO e ESTRUTURA dos Direitos Reais


Teoria Clássica ou Realista
 Relação entre Pessoa e Coisa
 Grotius: direito real é um direito de propriedade entre uma pessoa e uma coisa, sem relação
necessária com outra pessoa.

Natureza ontológica das relações: direitos reais estruturam-se com base na relação de uma
pessoa com uma coisa, através da qual esta era afetada ao sujeito – tutelada pela actio in rem
e dirigida contra qualquer pessoa.

Teorias Modernas ou Personalista


Criticam a Teoria Clássica:
• Pufendorf – jusracionalistas concluíram que as relações jurídicas só se podem
estabelecer entre pessoas; propriedade das coisas resulta de convenção, expressa ou
tácita, entre pessoas.
• Kant – o que existia era uma vinculação dos outros para com o proprietário da coisa.
• Thibaut – direito absoluto pois era tutelado por uma ação absoluta.
• Feuerbach – direito real era direito sobre determinado objeto, que teria validade contra
todas as pessoas, mediante o qual o seu titular poderia ser considerado em relação com
todos os outros seres humanos; qualquer pessoa teria o dever de reconhecer esse
direito, não perturbar o seu titular e não limitar por qualquer forma o seu exercício.

Após a pandectística alemã surgiram várias teses:


Teoria do Poder Direto e Imediato sobre uma Coisa
O que caracteriza o direito real consiste na circunstância de ele recair direta e imediatamente
sobre uma coisa corpórea, ou seja, não necessitar da colaboração de ninguém para ser
exercido.

Defensores: Wäcther, Guilherme Moreira, Pessoa Jorge e etc.


Críticas: excessivamente empírica e não explicativa da forma como são juridicamente atribuídos
ao titular os poderes que sobre ela tem.

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Teoria do Poder Absoluto


O que caracteriza o direito real não é a relação com a coisa, mas antes a relação com os outros
sujeitos da ordem jurídica, através da qual o titular teria a faculdade de exigir dos outros
sujeitos que se abstenham de, por alguma forma, perturbar o exercício de poderes sobre a
coisa.
➢ Relação entre o titular do direito real e todos os outros sujeitos da ordem jurídica, ou
com todos aqueles que se encontrem em condições de lesar o seu gozo sobre a coisa,
sendo essa relação que explicaria juridicamente os seus poderes sobre a coisa.
➢ Relação de uma pessoa (lado ativo) com todas as outras (lado passivo = universalidade
de sujeitos)

Críticas: direito real não estabeleceria poderes para o titular e apenas deveres de abstenção a
terceiros, sendo um dever universal de respeito ou obrigação passiva universal (Windscheid); é
muito abstrata e faz esquecer o núcleo fundamental do direito que é precisamente a relação
com a coisa.

Teorias Mistas
Conjugam as duas conceções, considerando que o direito real tem:
• Lado interno – poder direto e imediato sobre a coisa
• Lado externo – relação com todos os outros sujeitos da ordem jurídica
o Jaime de Gouveia: é a relação jurídica que se estabelece entre o titular do direito
e todas as outras pessoas que se obrigam a respeitar o poder que o titular tem
de tirar da coisa, objeto do direito, todas as utilidades que a ordem jurídica
consente.

Defensores: Pires de Lima, Galvão Telles, Henrique Mesquita, Antunes Varela, Mota Pinto,
Santos Justo.
Críticas: estão sujeitas às críticas de qualquer uma das anteriores.

Orientações Doutrinárias Portuguesas


Gomes da Silva: “Só pode ser direito real o que representa a afetação da coisa a um fim. Neste
sentido temos a inerência do direito à coisa. O bem afetado pela lei à realização do fim é a
própria coisa.”

Oliveira Ascensão: “Direitos absolutos, inerentes a uma coisa e, funcionalmente dirigidos a


outorgar vantagens intrínsecas desta ao titular.”
➢ Direitos erga omnes inerentes a uma coisa numa relação tão intensa que leva o direito
a perseguir a coisa.

Menezes Cordeiro: “Permissão normativa específica de aproveitamento de uma coisa


corpórea.”
José Alberto Vieira: “Direito real é aquele que atribui um determinado aproveitamento
de uma coisa corpórea.”

Menezes Leitão
Direito Real: direito
absoluto e inerente a uma coisa corpórea, que permite
ao seu titular determinada forma de aproveitamento jurídico desta.
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Permissão normativa específica de aproveitamento de uma coisa corpórea existe nos direitos
reais mas também noutros, tendo que se acrescentar outros traços distintivos como o caráter
absoluto e a inerência.
➢ É um direito absoluto porque pode ser oponível a qualquer pessoa e incide sobre uma
coisa corpórea, à qual é inerente.

CARACTERÍSTICAS dos Direitos Reais


≠ Princípios – que são os fundamentos dogmáticos específicos.
As características dos Direitos Reais são analisadas numa ótica do direito subjetivo.

JAV: eleva algumas destas características a princípios (a absolutidade e a inerência) e não


autonomiza a Sequela.

I. Caráter Absoluto
Consiste no facto de os direitos reais não se estruturarem com base em qualquer relação
jurídica, sendo oponíveis erga omnes.
➢ MC discorda pois também entende os direitos de crédito como oponíveis a terceiros.6

Consequência é a 1) existência dum dever genérico de respeito desse direito por parte dos
outros sujeitos, aos quais o 2) titular do direito pode sempre opor eficazmente o seu direito.
1) Atribuem ao titular um domínio reservado de atuação, que todos os outros sujeitos têm
de respeitar.
2) Oponíveis a qualquer pessoa que se pretenda ingerir no domínio reservado ao seu
titular – grande potencial de reação

Direitos reais de gozo – propriedade pode constituir-se por ocupação (art. 1318º); ação de
reivindicação (art. 1311º a 1315º).
Direitos reais de garantia – faculdade da satisfação do crédito a partir dos rendimentos da coisa
ou do produto da sua venda.
Direitos reais de aquisição – aquisição pode ser desencadeada independentemente do atual
titular do bem/feita contra qualquer pessoa.

II. Inerência
Consiste no facto de os direitos reais estabelecerem com a coisa uma ligação especialmente
intensa, não podendo ser dela separados, designadamente para passarem a ter outra coisa
como objeto.

Carvalho Fernandes: O interesse do titular é realizado pela coisa.

Estão de tal forma ligados à coisa que é o seu objeto que a ela inerem e não podem ser
desligados – coisa tem de ser existente, certa e determinada para poder ser objeto do direito
real.

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Fala também em direitos reais relativos, como a servidão de vistas.
JAV discorda pois a servidão de vistas é oponível a terceiros.

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➢ Não podem ser separados da coisa nem passarem a ter outra coisa como objeto – é
juridicamente impossível transmitir o direito da coisa sem a própria coisa.
o Transmissão do direito para outra coisa é juridicamente impossível. Ex: alguém
tem usufruto do prédio X e quer que esse usufruto passe antes a incidir sobre o
prédio Y – não o pode fazer; tem de extinguir o usufruto sobre X para constituir
um novo sobre Y
➢ Também não permite alargar o direito a uma realidade sobre a qual não incidia.
Manifestação positiva no art. 1545º/2

Implica que as vicissitudes da coisa se reflitam no direito real que incide sobre as mesmas –
manifestando a inerência dos direitos reais (art. 730º/2, 1485º, 1535º/e).

Questão da sub-rogação especial é controvertida.


• Sub-rogação legal especial real – caso de quando desaparece a coisa que é objeto de
direitos reais e há transmissão desses direitos para outra coisa (como uma
indemnização) – art. 1480º
o ML, JAV: não está em causa a inerência, pois passa é a haver outro direito real.
Extingue-se o direito sobre a coisa destruída e surge um novo direito real,
sobre uma nova realidade. Extinção do direito real, com a extinção do objeto,
constituindo-se um novo direito real sobre outro objeto.

III. Sequela
Constitui uma manifestação dinâmica da inerência7 – titular pode ir buscar a coisa,
independentemente de qual o seu atual possuidor, mesmo que ela venha a ser objeto de uma
cadeia de transmissões (ubi rem invenio, ibi vindico).
➢ Características dos direitos reais e apenas destes – res perit domino
➢ Permite ao titular do direito atuar sobre a coisa para realizar o seu direito

Direitos reais de garantia: possibilidade de executar o direito e ser-se satisfeito com a venda
Direitos reais de aquisição: possibilidade de fazer sua a coisa (art. 1410º)

IV. Prevalência
Significa que o direito real que primeiro se constituir prevalece sobre todos os direitos reais de
constituição ou registo posterior, bem como sobre todos os direitos de crédito que se venham
a constituir.
• Maior força dos direitos reais sobre os direitos de crédito – confrontando direitos de
crédito com direitos reais, prevalece o real mesmo que os de crédito tenham sido
constituídos primeiro.

Direitos reais que não se compatibilizem sobre a mesma coisa são hierarquizados por uma
ordem de precedência, que pode ser conferida pela prioridade na constituição ou pela
prioridade no registo.
• Direitos reais, no confronto com outros direitos reais incompatíveis, prevalecem se se
tiverem constituído/registado primeiro.

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JAV não liga à Inerência e sim ao Caráter Absoluto

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MC segue Pinto Coelho e OA e nega que a prevalência seja, em absoluto, uma característica dos
direitos reais.
➢ ML discorda: os direitos de crédito não possuem prevalência pois regem-se pela
igualdade entre credores – o que não se verifica nos direitos reais, pois aquele que
constituiu primariamente o direito tem prioridade (prior in tempore, prior in iure),
aproximando-se à noção de prevalência (art. 604º/2).
➢ Ela funciona é em termos divergentes.

Direitos reais de gozo: implica que apenas o direito resultante da primeira alienação se
constitua, não chegando o segundo direito a constituir-se. O segundo é inválido pois não há
legitimidade.
Direitos reais de garantia: credores não estão em pé de igualdade e um será satisfeito
prioritariamente, tendo em conta a precedência do seu direito real.
• Satisfação preferencial do direito real constituído em primeiro lugar.
• Se o valor não chegar para satisfazer totalmente o direito que tem preferência, então
satisfaz até onde pode e o que não for satisfeito é crédito obrigacional.
Direitos reais de aquisição: constituindo-se um direito real, o direito de crédito extingue-se
por impossibilidade – essa extinção resulta de ter sido constituído um direito real incompatível,
que sobre ele prevalece.

Há algumas exceções: privilégios creditórios (art. 745º e ss.); privilégio imobiliário especial (art.
751º)

Prevalência pode ser extensiva a direitos não reais: art. 733º, art. 736º, 747º/1/a.

12
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Objeto dos Direitos Reais: COISAS


= BENS8

O conceito de Direito Real pode ser essencialmente delimitado em função do seu objeto: as coisas
corpóreas (art. 1302º)9
➢ Por força do princípio da especialidade, as coisas, para serem objeto de direitos reais,
têm que ser corpóreas, com existência presente, autónomas de outras coisas e
determinadas.
o Sem estas características não têm idoneidade para ser objeto de um direito real.

Noção de Coisa – art. 202º


“Tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”
➢ A lei não tem que definir, a lei deve regular. A doutrina é que define.
➢ Tem que se entender num sentido mais amplo (leitura atualista) que o da relação jurídica – pode ser uma
situação jurídica (ex: direito de propriedade só supõe um sujeito e a coisa)
o Neste caso a coisa só existia quando transacionada, conceito de relação (sujeito-sujeito) –
aplicam-se as críticas feitas à relação jurídica.
➢ Mas não num sentido tão amplo como o Código de Seabra que definia coisa como “tudo o que carece de
personalidade” – se não é pessoa é coisa. Definição pela negativa que gera dificuldades em relação aos
cadáveres, nascituros e etc.

Delimitação das coisas (MC):


1. Coisa opõe-se a pessoa – as pessoas são sujeitos e não objetos de negócios jurídicos. Pode não ser assim
tão evidente, ex: escravos eram coisas
2. Coisa pode ser material ou imaterial
3. Coisa pode ter valor económico ou não – juridicamente é irrelevante
4. Coisa é um conceito jurídico – a realidade “coisa” é uma criação do Direito. Ex: questão dos animais, para
nós não são coisas, mas o Direito entende como tal
a. Menezes Cordeiro tenta definir como “realidade delimitada pelo Direito a partir do conceito de
seres inanimados”
Palma Ramalho: fica-se pela definição do CC
PPV: Só são coisas jurídicas aquelas que forem pessoalmente apropriáveis e utilizáveis para a realização
de fins concretos, que puderem ser pelo Direito especialmente afetas à satisfação de fins.
Menezes Cordeiro: as coisas podem ser inalcançáveis

Classificação das coisas – art. 203º e ss.


Qualquer classificação pode ser sobreponível a outra.

O art. 202º precede uma classificação


Coisas fora do comércio
• Não podem ser objeto de transação (direitos privados) e/ou apropriação individual
o Naturais: impossibilidade de apropriação individual. Ex: lua, sol e etc.
o Jurídicas: impossibilidade de situações jurídicas privadas, excluem-se do comércio privado e/ou
fazem parte do domínio público. Ex: um rim; Torre de Belém, praias, estradas
▪ Na dúvida se está no domínio público ou não, é o Tribunal que decide
o A não comercialidade das coisas fora do comércio é tributária da lei e não das próprias coisas.
• PPV: As coisas fora do comércio são insuscetíveis de apropriação – logo não são coisas em sentido jurídico.

Coisas corpóreas e incorpóreas

8
PPV: tudo aquilo que não seja pessoa e tiver uma utilidade (apto a satisfazer necessidades)
9
Art. 1303º - ML: é muito difícil verificar-se pois o regime dos Reais no CC pressupõe a existência
de uma coisa corpórea, não se harmonizando com coisa não corpórea.
13
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Coisa Corpórea: existência exterior e apreensível pelos sentidos. Suscetíveis de posse (apropriação física)
o Podem sofrer atuação humana direta, no sentido mais imediato de atuação física.
o Palma Ramalho: podem ser consideradas Materiais ou Imateriais
o Art. 1302º - só das coisas corpóreas se pode ser proprietário. Em qualquer dos estados físicos
(gases e líquidos são corpóreos mas envolvem um recetáculo).

o PPV: Coisas corpóreas dividem-se em coisas materiais (têm matéria e dimensão) e coisas imateriais (têm
realidade e existência na natureza física mas não têm matéria como a eletricidade).

• Coisa Incorpórea: produto do espírito (honra, memória, imagem, obras)


o Bens Intelectuais
▪ Obras literárias ou artísticas, independente da forma física de que se revestem.
Reguladas pelo Direito de Autor.
▪ Inventos, dão lugar a registo e a patente mesmo que impliquem descobertas científicas
(que mais facilmente caem no domínio público). Regulados pelo Código da Propriedade
Industrial.
▪ Marcas, sinais distintivos (gráficos, desenhos, palavras) de uma coisa ou serviço.
Reguladas pelo Código da Propriedade Industrial e Código da Publicidade.
o Prestações – conduta humana devida por alguém (Castro Mendes). A prestação em si mesma é
um bem jurídico (já o objeto da prestação é corpóreo)
▪ De dare, de facere, de non facere/de pati
o Quia Jurídicos – figurações técnicas e sociais relacionadas com uma situação jurídica em que um
direito é perspetivado como uma coisa. A ordem jurídica perspetiva os direitos como um bem.
▪ Ex: direitos inerentes aos imóveis (art. 204º/1/d) – pode-se transmitir o direito de
usufruto que é um bem mas não deixa de ser um direito; quota dos sócios dá direito a
votar e etc. mas ao lhe atribuir valor (para vender) é perspetivada como um bem
o Bens de Personalidade – discute-se na doutrina se são bens ou não
▪ Palma Ramalho: é um bem incorpóreo em termos gerais, sobretudo aqueles que podem
ser objetos de negócios jurídicos (ao abrigo do art. 81º). Os não passíveis de serem
transacionados são realidades intermédias.
▪ Menezes Cordeiro: não são coisas os bens de personalidade – estão ligados
intimamente com os direitos de personalidade.

Coisas Imóveis – art. 204º


É importante esta distinção pois os negócios jurídicos que têm como objeto as coisas imóveis são mais exigentes na
forma e pode dar origem a deveres de registo – para tornar a situação conhecida de terceiros e assegurar a segurança
jurídica.
➢ Pois sociológica e historicamente dá-se mais valores aos bens imóveis. Hoje em dia há desvios pois há ações
(móveis) que podem valer mais que um metro quadrado de terra (imóvel)
➢ O Simplex de 2007 veio simplificar a formalidade dos negócios jurídicos associados a coisas imóveis

Não se definem coisas imóveis, nem móveis, devido à sua grande heterogeneidade. O código decide enunciar, quer
as de origem natural quer as construções humanas (incluindo as realidades jurídicas).
Numeração enunciativa e não taxativa pois há muitas outras coisas imóveis não cobertas pelo artigo –
pontes, estradas, aquedutos
Núcleo essencial: um bem imóvel é um bem ligado ao solo com caráter de permanência, que dele não se
pode desligar – critério de imobilidade material à exceção dos direitos.
Pode-se também aplicar, residualmente, um critério da funcionalidade do bem.

a) Prédios – noção jurídica – porção de terreno ou construção incorporada num terreno, há sempre um solo.
i. Rústico: elemento predominante é o solo, mesmo que lá haja uma construção sem autonomia
económica – o elemento do solo é predominante quando a sua afetação económica, a sua utilidade
própria, residir principalmente no solo, tendo as edificações que nele existirem uma utilidade apenas
instrumental ou acessória.
 Art. 204º/2
ii. Urbano: elemento predominante é a edificação (edifício incorporado no solo) – utilidade própria é a
edificação servindo o solo apenas como suporte físico
 Art. 204º/2

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Logradouro – terreno à volta do qual está implantado, sem autonomia e servente às necessidades
dos habitantes prédio urbano. Ex: jardim
Não se olha para o contexto, mas quando o elemento predominante não chega, olha-se
à utilidade económica e à funcionalidade.
Pode-se alterar a classificação dos prédios10 com a submissão à Câmara Municipal da
alteração do registo – depende apenas do objetivo ou do elemento que agora
predomine.
iii. Frações Autónomas: decorrem da possibilidade de instituição do regime da propriedade
horizontal (art. 1414º)
Palma Ramalho -> Para reconhecer as partes comuns em copropriedade (escadas,
elevador, garagens) enquadra-se como partes de imóveis mas a fração autónoma é um
bem imóvel em si mesmo e segue as regras de bens imóveis.
iv. CC reconhece que o direito de propriedade sobre um prédio abrange o subsolo e o espaço aéreo
respetivos – art. 1344º (desde que não entre numa lógica de abuso de direito e má fé. Ex: espigões
para furar os dirigíveis)
b) Águas – as águas particulares (art. 1386º CC), nomeadamente as que nascem na nossa propriedade, passam
pela nossa propriedade ou estão no subsolo da nossa propriedade, podem ser objeto de direitos privados.
c) Árvores, arbustos e frutos naturais enquanto estiverem ligados ao solo – é tido em conta o critério de
incorporação no solo. A partir do momento que há autonomia passa a ser uma coisa móvel.
d) Direitos ligados aos anteriores – quia jurídico – aplica-se aos direitos sobre os bens imóveis o regime das
coisas imóveis. Ex: terreno X tem registo, usufruto de X também está sujeito a registo.
e) Partes integrantes – art. 204º/3 – quando uma coisa móvel está ligada materialmente a um prédio com
carácter de permanência – coisas originalmente móveis que foram integradas com caráter de permanência numa
coisa imóvel e que passaram, assim, a fazer parte dela, perdendo a individualidade e a autonomia.
i. Critério da ligação material. Bens que não têm autonomia relativamente ao prédio.
ii. Ao estarem separados podem ser tratadas como móveis, mas juntas são parte integrante de um
bem imóvel. Ex: azulejos da cozinha, elevador. A escultura do jardim não é vendida juntamente
com a casa porque não está a ela ligada materialmente, mas os azulejos estão.
iii. O prédio ao ser transmitido, as partes integrantes têm que acompanhar o destino do prédio.

Coisas Acessórias – art. 210º


= Pertenças
• Podem aplicar-se também a bens móveis enquanto as partes integrantes é só a bens imóveis
o A doutrina critica e defende uma extensão do regime das partes integrantes. Ex: pneus do carro
deviam ser partes integrantes e não acessórias – pois asseguram a funcionalidade da coisa
principal
o O adquirente da coisa principal deve explicitar quais as pertenças abrangidas pelo negócio.
• É meramente ornamental, ao passo que a parte integrante assegura a funcionalidade da coisa.
o A coisa acessória não assegura a manutenção da funcionalidade

Coisas Móveis – art. 205º


Determinadas por exclusão – determinação pela negativa (tudo o que não é imóvel)
• A energia, o gás e etc. são também coisas móveis.
Devido ao seu valor, há móveis sujeitos a registo e a matrícula – têm garantias do regime dos imóveis.
Coisas semoventes – coisas que se mexem, animadas. Ex: animais, carros

Coisas Compostas – art. 206º


= Universalidades de Facto11

10
Rustico vs. urbano
Teoria do valor – será segundo a parcela que tiver maior valor
Teoria da afetação económica – se visa o aproveitamento do terreno ou construção
Teoria da consideração económica – será o que a comunidade jurídica entender
11
Também pode haver Universalidades de Direito (ex: herança) ou um misto

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Favorece-se o tratamento unitário de um conjunto de coisas conglomeradas – o conjunto é que é objeto de Direito.
Individualmente as coisas também podem ser objeto de situações jurídicas. Ex: somos donos de cada livro, mas
também da biblioteca
• Móveis pertencentes à mesma pessoa com o mesmo destino unitário
o Analogicamente pode se aplicar a imóveis
• Têm um tratamento jurídico individual autónomo, sem prejuízo da individualidade jurídica dos seus componentes.

Coisas Fungíveis – art. 207º


Não se determinam pela coisa em si, mas sim pelo género, qualidade e quantidade quando são objeto de relações
jurídicas.
• Critério não pelas características específicas e que pode ser substituída por outra da mesma espécie. Ex: ao
pedir um pastel de nata, não queremos um em específico. Pedimos aquele género e quantidade. O dinheiro
é a coisa mais fungível
o Manuel de Andrade – coisas fungíveis intervêm não in specie (individualmente determinadas)
mas in genere (identificadas através de notas genéricas)
• Só se sabe se é fungível olhando para a situação jurídica em questão. Ex: uma moeda pode ser fungível
como infungível (se for de coleção)
o A infungibilidade pode ser devido a ligações sentimentais
• Influencia os contratos em que uns pressupõem a fungibilidade dos bens e outros não
o Certas prestações podem ser infungíveis pois dependem das qualidades próprias do devedor

Coisas Consumíveis – art. 208º


Classificação que pode alargar-se a situações de Direito e não meramente naturalistas.
• A vontade das partes pode atribuir a qualidade das coisas consumíveis ou não
• Depende da sua utilidade. Ex: vela para iluminação ≠ vela para decoração
• A coisa extingue-se ao ser consumida
o As não consumíveis podem ser Deterioráveis ou Não Deterioráveis

Coisas Divisíveis – art. 209º


Não é a divisibilidade natural mas sim jurídica – critério de unidade da coisa reside na sua utilidade.
Algo considera-se indivisível quando:
1. A divisão determina uma alteração da sua substância
2. Diminui o seu valor
3. Deixa de ser adequada para o uso a que se destina – prejuízo de utilidade

A doutrina considera que prevalece o critério do valor – dependendo da situação jurídica concreta e o negócio jurídico
celebrado.
Ex: Vaca. 1 – Ao cortar-se uma vaca ao meio ela continua uma vaca. 2 – Se for uma vaca para carne o seu valor pode
aumentar; se for para leite pode passar a valer menos. 3 – Se for para carne, não prejudica o uso a que se destinava;
se for para leite já prejudica. Uma vaca para carne é divisível. Uma vaca leiteira é indivisível.

Coisas Futuras – art. 211º


Podem ser futuras por 2 razões:
1. Ainda não existem – objetivamente futuras. Ex: Faz-se um negócio jurídico sobre o quadro que A vai pintar
de B
2. Ainda não estão em poder do disponente, mas irão estar – subjetivamente futuras. Ex: bens que C herdará

Venda de coisa alheia que se espera vir a ser própria – os efeitos do negócio jurídico dependem da aquisição ou posse
por parte de quem negoceia.
Coisas alheias são objeto de atos de disposição na expetativa da sua futura aquisição pelo disponente.
Disponente fica obrigado às diligências necessárias para que as coisas futuras se tornem presentes
(art. 880º) – negócio só está concluído quando a coisa estiver junto da pessoa interessada.

Frutos – art. 212º e ss.


Advêm de coisas frutíferas.

O fruto é uma coisa que provém periodicamente de outra e que não altera a substância dessa outra.
• Periocidade é importante, regime dos frutos moldado à ideia de que eles vão surgindo

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• Podem ser frutos naturais (frutas das árvores, crias de animais) ou civis (renda que se recebe pelo
arrendamento de um prédio)
• Na coisa composta, como o rebanho, o excesso é que é o fruto. Não conta os que nascem e compensam os
que morrem – só deve ser tido como fruto o que sobrar depois de descontado o necessário para a manutenção da
coisa frutífera.
o Ao nº3 do art. 212º do CC pode-se aplicar analogicamente para os frutos civis como por exemplo as
aplicações de capital, cujos rendimentos só devem ser considerados frutos depois de deduzido o que for
necessário à reposição do capital. Ex: juros do depósito após compensar a inflação.
Frutos Pendentes: quando ainda estão integrados na coisa principal e não têm autonomia
Em princípio os frutos pertencem ao proprietário da coisa frutífera, atendendo ao momento da colheita.

As coisas produzidas aleatoriamente e as que sejam com prejuízo ou detrimento da substância da coisa são tidas juridicamente
como produtos da coisa principal, não frutos.

Benfeitorias – art. 216º


Verdadeiramente são uma intervenção sobre uma coisa que existe: gasta-se dinheiro (despesa) com uma coisa para
conservar ou melhorar essa coisa.
• Envolve o dispêndio de dinheiro.
• Envolve a conservação ou melhoramento da coisa.

Necessárias: evitam a perda, destruição, deterioração. Ex: quando chove em casa


Útil: aumenta o valor da casa. Ex: pinta-se a casa para tirar as manchas de humidade
Voluptuária: não aumenta o valor da casa. Ex: não se gosta da cor que se pintou e pinta-se de novo
Ex: construiu uma casa num prédio. É benfeitoria porque melhora a coisa e gastou-se dinheiro. É necessária? Não. O
prédio não se perdia sem a casa. É útil? Sim. Valorizou o prédio. Colocou-se uma piscina, é útil? Sim. Valorizou o prédio.
Colocou-se puxadores topo de gama mas que não trazem valor à casa, é útil? Não, essa despesa é voluptuária. Se se
substitui os puxadores porque só assim se vendia a casa então foi útil.

Quando as despesas não são feitas pelo proprietário da coisa, quem as faz tem o direito a ser reembolsado se elas
forem necessárias mas não se forem voluptuárias.
➢ Regime de benfeitorias serve para saber se se paga a quem fez a benfeitoria

Domínio Público
Determinado por lei – coisas que são propriedade da nação e todos podem utilizar.
O Estado tem poder sobre estas coisas, sendo que esse domínio deve seguir regras mais apertadas daquelas que se
aplicam aos privados.
Reparte-se em várias esferas nomeadamente o natural, construído, monumental e histórico, militar.

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Situações Jurídicas Propter Rem


Efeito resultante dos Direitos Reais

Situações jurídicas cujo sujeito ativo ou passivo é determinado em virtude da titularidade dum
direito real.
➢ Correspondem a situações em que a existência do direito real atribui ao seu titular
direitos ou obrigações em relação a outrem.

Obrigações Propter Rem


Obrigações em que o respetivo devedor é determinado pela titularidade de um direito real.
• Aquelas em que o devedor é devedor em virtude de ser titular de um direito real
• Sujeito passivo é variável, correspondendo ao que for titular, naquele momento, de
determinado direito real – obrigações ambulatórias.

Origem no Direito Romano – situações tuteladas por uma actio in rem scripta, em que o nome
do demandado não figurava na intentio pois podia ser dirigida contra qualquer pessoa que se
encontrasse em determinada situação.

Regime jurídico
Existem inúmeras situações em que surgem obrigações propter rem no âmbito dos direitos
reais.
Comproprietários (art. 1411º/1); Condóminos (art. 1424º/1); Pagamento de impostos e outros
encargos anuais (art. 1474º); Usuário e morador usuário (art. 1489º); Canôn superficiário (art.
1530º/1); Servidões prediais (art. 1567º/1)
➢ Casos de obrigações propter rem injuntivas – tendo e conta que elas podem ser
convencionais

Obrigações propter rem constituem verdadeiras obrigações, sujeitas ao Direito das


Obrigações12, mas integram o conteúdo do direito real, não tendo existência isolada do
mesmo.

Conteúdo positivo – Henrique Mesquita – deveres negativos correspondem a uma delimitação


do próprio conteúdo do direito real.
Conteúdo negativo – JAV; ML – usufrutuário tem que tolerar as obras e melhoramentos (art.
1471º) e assume obrigação de não semear o terreno a cada três anos para respeitar o pousio –
assume caráter de pati e de obrigação de non facere.

Não é obrigação propter rem os casos de responsabilidade civil atribuídos ao proprietário que
exigem um facto culposo para se poderem constituir – art. 492º e 1348º

Fazem parte do conteúdo do direito real uma vez que este, como situação jurídica complexa,
além do seu núcleo essencial, que consiste na faculdade de aproveitamento de uma coisa
corpórea, pode incluir outros elementos, entre estes se incluindo essas obrigações.

12
Não estão totalmente sujeitas ao regime vindo do Direito das Obrigações, uma vez que há várias
exceções – quanto à prescrição

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Em certos direitos a lei confere uma certa amplitude para a constituição de obrigações
propter rem por via negocial – usufruto (art. 1445º), uso e habitação (art. 1485º),
superfície (art. 1530º) e servidões prediais (art. 1564º).
• Apesar disto, estão sujeitas ao princípio da tipicidade e só se podem constituir nos casos
previstos na lei – pois elas vinculam o titular do direito real enquanto tal.

Obrigações propter rem acompanham o direito real de que fazem parte nas suas vicissitudes,
permanecendo ligadas a este.
• São transmitidas caso o direito real também o seja.
• Se a obrigação se venceu enquanto a coisa estava na titularidade do alienante, não é
transmitida com o direito real pois o vencimento desta implicou que ela passasse a
vincular pessoalmente o titular do direito. Ex: adquirente de fração autónoma não está
obrigado a liquidar dívidas do anterior proprietário nem a custear obras anteriores à sua
aquisição.
• Extinguem-se quando se extingue o direito real.
o Podem ainda extinguir-se por ter sido constituído, por via negocial ou
usucapião, um direito real com elas incompatível (como as servidões
desvinculativas)13.

Natureza Jurídica
• Teoria Realista – correspondem a verdadeiros direitos reais, uma vez que não há
obstáculos a que o direito real tenha por objeto um facere, podendo haver direitos reais
in faciendo; são geradas pela propriedade e resultam duma oneração dessa
propriedade; são inerentes às coisas e não às pessoas – Henrique Mesquita14, JAV
• Teoria Personalista – correspondem a verdadeiras obrigações, uma vez que nelas existe
o dever de uma pessoa realizar uma prestação, sendo consequentemente submetidas ao
regime geral das obrigações; especialidade da pessoa do devedor é determinada através
da relação com a coisa, mas, não há direito real pois não há atribuição de direito sobre
essa coisa (que serve apenas para determinar o sujeito passivo da obrigação) e sim sobre
uma prestação – Antunes Varela, MC, ML
• Teoria Mista – têm uma natureza mista pois recolhem elementos dos direitos reais e dos
direitos de crédito; relação de natureza complexa – Penha Gonçalves
• Teoria Relativa – correspondem a direitos reais ou direitos de crédito consoante o
critério que se adotasse, o da estrutura dos direitos e o da vinculação e pertença do
titular em relação a uma coisa determinada - Giorgianni

Ónus Reais
Constitui uma prestação de dare, em dinheiro ou géneros, única ou periódica, imposta ao
titular de determinados bens, que atribui ao respetivo credor preferência no pagamento sobre
esses bens.

13
Outros exemplos são as obrigações propter rem relativas à distância de abertura de janelas (art. 1360º)
e ao não gotejamento de águas sobre o prédio vizinho – estas extinguem-se se se constituir uma servidão
de vistas (art. 1362º) ou servidão de estilício (art. 1365º/2)
14
Para quem o conceito de direito real compreende não apenas os poderes conferidos ao seu titular e as
restrições e limites a que está sujeito mas também as vinculações de conteúdo positivo (obrigações reais)
que sobre ele recaiam.

19
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

➢ Direito a certa quantia sobre bens doados (art. 959º); apanágio do cônjuge sobrevivo
(art. 2018º); redução das doações sujeitas a colação (art. 2118º)

Origem no Direito Romano – surge no Direito Público em virtude da imposição do pagamento


de certas prestações (cânones) ao povo romano, representado pelo Senado, ou ao imperador,
por parte dos cultivadores de terrenos (fundi) nas províncias senatoriais ou imperiais.
Evolução na Idade Média – ocorre a generalização dos ónus reais, dada a organização feudal da
propriedade e ausência de registo predial, o que levava à proliferação de vínculos sobre os
imóveis para garantia do direito a prestações de certos credores.
Abolidos com a Revolução Francesa – inspirou outros códigos, embora os de matriz germânica
mantivessem-nos. Em Portugal foi sendo diminuída a sua importância, desde a Revolução Liberal
à extinção do censo pelo CC de 1966.

Regime Jurídico
São, como as obrigações propter rem, constituídos em virtude da titularidade de determinados
bens, aos quais permanecem ligados, mas, não fazem parte do conteúdo dos direitos reais.
• Adquirentes respondem pelo cumprimento de prestações anteriores pois sucedem na
titularidade da coisa a que essa obrigação se encontra unida.
• Atribuem preferência no pagamento sobre a coisa que gravam, estando assim
acopulados a uma garantia real, enquanto que nas obrigações propter rem não há
nenhuma garantia real.
o Mas não são meros direitos reais de garantia pois não se limitam a atribuir
preferência no pagamento a um credor, vinculando o dono da coisa a uma
verdadeira obrigação, que surge da titularidade dessa mesma coisa.

Natureza Jurídica
• Ónus reais têm a natureza de direitos reais – MC – existe inerência, dado que se
produziria uma afetação jurídica de uma coisa a outrem, independentemente das
situações jurídicas e materiais que afetem a coisa; têm as características dos direitos
reais.
• Ónus reais têm a natureza de obrigações propter rem – OA, JAC – são inerentes a uma
coisa mas não são funcionalmente dirigidos para o aproveitamento desta; não incidem
sobre coisas e sim sobre prestações.
• Ónus reais têm a natureza de obrigações propter rem, acopuladas a direito real de
garantia – Henrique Mesquita, ML – figura composta entre obrigação propter rem e
garantia imobiliária; são créditos constituídos propter rem a que se encontra associada
uma garantia real, que incide sobre a coisa gravada com o ónus.
• Ónus reais são figura complexa com elementos reais e elementos obrigacionais –
Carvalho Fernandes – elementos obrigacionais e reais que reagem uns sobre os outros
criando um regime particular.

Pretensões Reais
Direitos reais têm caráter absoluto mas permitem atribuir pretensões de caráter relativo, com
natureza obrigacional.
➢ A partir do momento em que se verifique a violação de um direito real o titular desse
direito tem o direito de exigir a cessação da violação.

20
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Direitos relativos com a especialidade de serem originados pelo direito real, estando,
consequentemente, a ele ligados.
➢ Não fazem parte do conteúdo desse direito real.
➢ Estão sujeitas às normas do cumprimento das obrigações
o Mas não se aplica art. 798º e ss. – indemnização por incumprimento pressupõe
a violação de uma obrigação previamente constituída, enquanto que as
pretensões reais surgem diretamente em resultado da violação do direito real.
o Pretensões primárias – ação de reivindicação ou ação negatória – não podem
ser cedidas a terceiro.

21
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

CLASSIFICAÇÕES dos Direitos Reais


Como se dá o aproveitamento da coisa

Direitos Reais de Gozo, de Garantia e de Aquisição


Direitos Reais de Gozo
Atribuem ao titular o aproveitamento da coisa através de conjunto de poderes/faculdades (uso,
fruição ou disposição de uma coisa corpórea).
• Art. 1305º - poderes paradigmáticos de gozo mas existem mais, como o de transformar
e reivindicar
o Onde eles se aplicam todos é no Direito de Propriedade, nos outros depende do
direito real em concreto.

6 figuras no CC: Propriedade (art. 1302º a 1413º); Propriedade Horizontal (art. 1214º a 1238º);
Usufruto (art. ); Uso e Habitação (art.); Superfície (art. 1524º); Servidão (art. 1543º)
1 figura em legislação avulsa: Habitação Periódica (DL 275/93)15
➢ Alguma doutrina inclui a Posse – ML discorda que constitua um direito real.

Direitos Reais de Garantia


Confere ao credor uma preferência no pagamento pelo valor de certa coisa, podendo assim esse
credor ser pago à frente dos outros credores, evitando os riscos do património do devedor não
chegar para a liquidação de todos os créditos.
• Titular do direito garante a realização de determinado valor em dinheiro, com a venda
da coisa.16
• Aproveitamento indireto da coisa – apenas no assegurar o cumprimento de obrigação.

Direitos Reais de Aquisição


Confere ao titular a possibilidade de, pelo exercício desse mesmo direito, vir a adquirir um direito
real sobre determinada coisa.
• Determina afetação da coisa com destino à aquisição dum direito do titular.
o Direito real é a aquisição de outro direito real.

Direito Real Maior e Menor


Direito Real Maior – atribui ao titular todas as faculdades relativas à coisa – propriedade
Direito Real Menor – não atribui ao titular todas as faculdades relativas à coisa – todos os outros

Relação entre eles:


1. Teoria do Desmembramento/Clássica – AV / PL – nos direitos reais menores ocorre uma
divisão da propriedade em vários direitos distintos. Fragmentação da propriedade em 2
direitos diferentes, sendo uma parte do conteúdo da propriedade transferida para o
direito real menor e ficando esta privada desse mesmo conteúdo –
2. Teoria da Oneração – OA, MC, ML – na constituição de um direito real menor não se
verifica qualquer desmembramento do direito da propriedade, nem o direito real menor
recebe uma parte dos direitos que a lei atribui ao proprietário.

15
Insere-se nos Direitos Reais pois resulta do regime as características dum direito real.
16
Está no Livro das Obrigações mas tem características de direito real.

22
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Constituição de um direito real menor implica antes o surgimento de um


direito novo em termos de conteúdo, o qual comprime a propriedade, levando
a que esta temporariamente se reduza.
i. Devido à elasticidade da propriedade, ela pode recuperar o conteúdo
primitivo com a extinção do direito real menor.
• Enquanto vigorar o direito real menor há uma sobreposição de direitos sobre a
mesma coisa, tendo o proprietário que suportar o exercício do direito real
menor, mas podendo continuar a aproveitar a coisa em tudo o que não
contenda com esse exercício.
• Nunca poderia ser um desmembramento pois há aspetos novos do regime,
como certas obrigações e causas próprias de extinção.

Direitos Reais sobre Coisa Própria e Coisa Alheia


Depende se a propriedade da coisa está atribuída ao titular ou se lhe está atribuído outro direito
real.
• Qualquer outro direito real tem de coexistir com a propriedade do titular – direitos
reais sobre coisa alheia (iuria in re aliena)
• A propriedade consiste num direito real sobre coisa própria

Classificação clássica que não se coaduna com a superfície (em que o implante existente em
solo alheio não pode deixar de ser visto como coisa própria do superficiário) nem com a
propriedade horizontal (em que o direito sobre as frações autónomas incide sobre coisa
própria).

Direitos Reais de Proteção Definitiva e Proteção Provisória


Paulo Cunha:
• Proteção provisória = posse formal -> só era tutelada até ao momento em que o
verdadeiro titular do direito real o fizesse valer ele próprio, pondo fim à proteção
conferida ao possuidor.
• Proteção definitiva = todos os outros direitos reais.

MC: a proteção da posse é tão definitiva como a de qualquer outro direito real, só cessando essa
proteção quando a posse cessa.
➢ ML: a tutela da posse formal é provisória, tendo o possuidor que abandonar a coisa se
vier a ser convencido na questão da titularidade do direito real. Classificação só não faz
sentido porque a posse não é um direito real.

Direitos Reais Simples e Complexos


OA:
• Simples – se a afetação da coisa é realizada por uma forma determinada
• Complexo – se há conjugação de formas de afetação da coisa. Dividir-se-ia em direitos
reais coletivos (direitos reais que não perdem autonomia entre si) e compostos (direitos
reais em que perdem a autonomia entre si)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Direitos Reais Autónomos e Subordinados


Autónomos – existência não depende de nenhum outro direito. Ex: propriedade e o usufruto.
Subordinados – estão dependentes da existência de outro direito. Ex: direitos reais de garantia
dependem da existência do crédito que garantem; direitos legais de preferência e etc.

Direitos Reais de Titularidade Imediata e Titularidade Mediata


Os direitos reais são normalmente de Titularidade Imediata, pois são atribuídos diretamente a
sujeitos determinados, que se tornam os seus titulares.
➢ Podem ser de Titularidade Mediata quando a sua atribuição depende da atribuição de
outro direito real. Ex: servidões prediais, que só podem ser atribuídas se for dono do
prédio, não tenho esse direito como pessoa.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

A Ordenação Jurídica Provisória das Coisas

POSSE

Art. 1251º CC
Posse corresponde à situação em que ocorre o exercício fáctico de poderes sobre as coisas, o
que é objeto de proteção pelo Direito, independentemente da averiguação da efetiva
titularidade do direito sobre essa coisa.
➢ Tutela-se a exteriorização do direito, independentemente da averiguação da sua
titularidade.

Razões dessa proteção prendem-se com a defesa da paz pública e da continuidade do exercício
das posições jurídicas.
➢ O simples facto de se encontrar a exercer poderes sobre a coisa é suficiente para que
a Ordem Jurídica lhe permita exigir a manutenção ou restituição da coisa,
independentemente da discussão sobre a efetiva titularidade do direito.

Posse Formal – exercício fáctico de poderes sobre a coisa não é acompanhado pela titularidade
do direito real.
Posse Causal – exercício fáctico de poderes sobre a coisa está a ser realizado pelo titular do
direito.
➢ Para efeitos de tutela possessória é irrelevante o facto do possuidor ser ou não titular
do direito.
o A posse, como situação de facto só pode ter como objeto uma coia, dado que
não possuem direitos.
o Mas a referência ao direito pode funcionar como delimitação dos termos em
que o possuidor possui a coisa, daí que se refira que a coisa é possuída nos
termos de um direito – verificar em que termos a posse é exercida tendo em
conta o direito.

Situação de Facto – está na origem da posse e corresponde ao simples exercício material de


poderes sobre a coisa
Situação Jurídica – além da situação de facto, atribui-se efeitos jurídicos da posse ao seu titular.
➢ A posse é sempre uma situação jurídica, uma vez que sempre que ocorra o exercício
fáctico de poderes sobre a coisa, o titular passa a beneficiar da proteção possessória.

Fundamento da Proteção Possessória


Teorias sobre a pose sistematizadas por Jhering

Teorias Relativas
Correspondem àquelas que buscam o fundamento da proteção possessória não na pose em si,
mas antes em circunstâncias, objetivos ou proposições jurídicas exteriores a ela, considerando
que a posse serve para defender outros institutos que, sem ela, não poderiam ser plenamente
exercidos.
• Tese da Proibição da Violência
o Turbação da posse é delito contra o possuidor (Savigny) – posse não constitui
relação jurídica pelo que a sua turbação/esbulho não consiste na violação de

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

um direito, mas, como há uma proibição geral da violência o esbulho constitui


delito contra o possuidor e pode recorrer aos interditos possessórios que lhe
são conferidos com base no direito que o possuidor tem de que ninguém exerça
violência contra ele.
o Turbação da posse é delito contra a ordem pública (Rudorff) – proteção
possessória não reside na tutela do próprio possuidor contra ilícitos mas antes
nas consequências públicas da atividade violenta, considerada como violação da
ordem pública; é consequência da proibição da autotutela.
• Tese da exigência de um fundamento jurídico prevalecente (Thibaut) – ninguém pode
ultrapassar juridicamente outrem sem apresentar um fundamento/causa jurídica
prevalecente para o seu direito. Alguém que exerce juridicamente um direito deve ser
provisoriamente protegido até que alguém, exibindo um direito melhor, o obrigue a
abdicar dessa mesma situação fáctica.
• Tese da preferência pela ilibação (Röder) – a menos que seja apresentada contraprova
em sentido contrário, a posição do possuidor deve ser protegida. Existência de uma
relação exterior, que liga uma pessoa à coisa que possui, corresponde possivelmente a
um direito para cujo exercício a coisa é necessária, que assim existe por força dessa
relação, a qual não é, por isso, ilícita.
• Tese da Defesa da Propriedade
o Posse constitui propriedade provável (tese clássica: Savigny) – proteção do
possuidor resulta do facto de se presumir que quem possui uma coisa é
igualmente proprietário dela; vê a posse como uma sombra da propriedade.
o Posse corresponde a uma propriedade inicial (Gans) – isto porque a posse pode
conduzir à usucapião; justificação da proteção da posse é o facto de ela permitir
uma aquisição da propriedade.
o Posse existe como interesse necessário num complemento da tutela da
propriedade (Jhering) – como a prova da propriedade nem sempre é possível,
concede-se um meio de defesa através da posse, o qual obriga a que seja o
esbulhador a apresentar um título relativo ao seu direito; é em função da
exteriorização do direito de propriedade que se concede proteção

Teorias Absolutas
Correspondem àquelas em que o fundamento da proteção possessória é encontrado no próprio
instituto da posse.
• Tese da vontade do possuidor na sua incorporação fáctica (Gans, Puchta, Bruns) – tem
que se avaliar se a detenção está de acordo com a vontade universal (lei) ou é ato de
vontade individual; existe direito de propriedade protegido por lei ou há proteção legal
pois os atos de vontade individual são protegidos até que se demonstre que ofende a
vontade universal.
• Tese da preservação do controlo fáctico da coisa, atento o valor económico
representado pelo mesmo (Stahl) – a proteção possessória constitui uma forma de
apropriação das utilidades proporcionadas pelas coisas; estado de facto criador de
utilidades que beneficia de proteção legal, devido ao valor económico que representa.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

JAV: a posse tem, no nosso ordenamento jurídico a função de atribuição provisória de um


direito a quem tem controlo material da coisa; função de prevenção da violência e garantia da
paz social; função publicidade; função conservação.

Menezes Leitão: rejeita as teorias que fundamentam a posse na propriedade, uma vez que a
posse extravasa o âmbito da propriedade, sendo hoje a sua tutela concedida inclusivamente no
âmbito dos direitos pessoais de gozo; a defesa da paz pública é importante mas não decisivo.
➢ Razão da proteção possessória resulta da circunstância do controlo fáctico sobre a coisa,
exercido no próprio interesse, constituir um valor económico, que deve ser disciplinado
e protegido como tal.

POSSE E DETENÇÃO
A distinção, que tem origem no Direito Romano, é feita com base em saber se quem exerce o
controlo material sobre a coisa beneficia ou não dos efeitos da posse.

Formulação Subjetivista de Savigny


Para a Posse é =
1. essencial a Detenção – possibilidade física de exercer controlo sobre uma coisa, com exclusão
de todos os outros. Ex: navegador tem em relação ao seu barco mas não em relação à água que
rodeia.
• Detenção não é conceito jurídico – é mero exercício fáctico de poderes sobre uma coisa
(corpus) – situação de facto embora relacionada com o exercício do direito
correspondente
+
2. elemento psicológico que corresponde à intenção de atuar como proprietário (animus domini
/ possidendi)

Animus Detinendi: detentor que se limita a exercer direito de propriedade alheio não tem o
animus possidendi e tem apenas o animus correspondente a deter uma coisa em nome alheio,
não tendo por isso a posse. Ex: locatário possui a coisa em nome alheio – não tem tutela da
posse.

Formulação Objetivista de Jhering


A vontade não é relevante para distinguir a posse da detenção – elemento distintivo não é o
animus.
• A vontade é sempre necessária quer para a posse quer para a decisão, sob pena de
que exista apenas uma justaposição material da coisa a uma pessoa, não tendo
significado jurídico. Ex: colocar um objeto na mão de uma pessoa que está a dormir

O que se tem de averiguar é se há um interesse de uma pessoa sobre a coisa e se o detentor


atua no seu interesse próprio ou no interesse alheio.

O essencial é a relação material com a coisa, acompanhada de querer manter essa relação, pelo
que em princípio a detenção conduz à posse, uma vez que esta se basta com a existência de um
poder físico sobre a coisa voluntariamente mantido e exercido – traduzindo-se em termos

27
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

positivos do exercício de poderes sobre a coisa e em termos negativos na exclusão dos outros
em relação a ela.
Existe sempre corpus e animus – são elementos essenciais de qualquer relação com a coisa,
dado que esta exige sempre a materialização duma vontade pelo que o animus não poderia
existir sem o corpus, nem o corpus sem o animus.

Detenção não resulta da vontade do detentor, mas antes da necessidade de proteção de


outrem, a quem se pretende atribuir em seu lugar a posição de possuidor.
➢ Para a detenção não conduzir à posse exige-se que a ordem jurídica desqualifique a
relação do detentor com a coisa, retirando-lhe a tutela interdital, em virtude de não
considerar a causa possessionis como merecedora dessa tutela, passando esta a ser
qualificada como mera detenção.

SAVIGNY:
Posse = animus + corpus + intenção do animus possidendi (x = a + c + α)
Detenção = animus + corpus (y = a + c)

JHERING:
Posse = animus + corpus (x = a + c)
Detenção = animus + corpus – disposição legal que exclui certas relações possessórias
da proteção interdital (y = a + c – n)

Fórmulas amplamente difundidas mas não inteiramente corretas pois:


Em Savigny, o animus possidendi = animus domini (intenção de possuir como dono) pelo que
sempre que alguém tiver o controlo material da coisa com a intenção de atuar como dono dela
é considerado seu possuidor e beneficia dos interditos.
Em Jhering, o animus é apenas animus possessionis, referindo-se unicamente à mera
consciência do controlo da coisa por parte do possuidor.

Jhering acrecenta um α na explicação da doutrina de Savigny, mas essa autonomização não


corresponde minimamente ao pensamento desse autor, que não admite a existência de animus
na detenção.

Solução da Lei
Inspirada na doutrina subjetivista de Savigny -> art. 1253º/a, c
➢ Há uma exigência do animus domini para caracterizar a posse.

Parte da doutrina17 considera a lei objetivista pois no art. 1251º não há referência ao animus e
o art. 1253º apenas refere as situações que não se consideram como posse (o que é
precisamente o que a teoria objetivista defende).
➢ Art. 1253º/b, c – não se retira a qualidade de possuidor ao detentor por lhe faltar
vontade específica, mas sim porque pretende atribuir a posse a outrem.
o Art. 1253º/a – referência à intenção não é compatível com uma orientação
objetivista
▪ OA: quando agente declara que não quer ser possuidor = JAV, MC

17
JAV

28
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

ML: há que reequacionar a discussão. O debate de Savigny e Jhering era devido aos escritos
romanos negarem interditos possessórios ao locatário, comodatário e depositário mas
conferiam-nos ao credor pignoratício. A nossa ordem jurídica concede as ações possessórias a
todas estas situações, o que implica que entre nós a distinção entre posse e detenção tem de
ser estabelecida em termos distintos.

Formulação objetivista da lei: não se parte da detenção para chegar à posse.

• Posse é genericamente atribuída em todos os casos em que alguém atua por


forma correspondente ao exercício de um direito real, independentemente da
intenção do possuidor
• Detenção é vista como uma posse legalmente descaracterizada, dado que
haverá posse sempre que alguém não se encontre numa das situações em que a
lei recusa tutela possessória, nomeadamente os casos do art. 1253º.

Art. 1253º/a não pode ser encarado como uma formulação objetivista pois a sua referência à
intenção não serve para converter toda a detenção em posse, sendo antes um dos casos legais
da qualificação de uma situação aparentemente possessória como mera detenção.
Norma pretendeu abranger os atos facultativos e a doutrina (MC) tem-na entendido certos
significados:
i. Exercício pelo proprietário de um poder incluído no seu direito, que poderia igualmente
integrar um direito sobre coisa alheia;
➢ ML: conflito entre titulares de direitos reais – art. 1406º/2
ii. Exercício de poderes sobre bens do domínio público;
➢ ML: regulada no art. 1267º/1/b
iii. Não exercício pelo proprietário de faculdades que a este assistem, beneficiando-se
assim indiretamente de outrem, mas não podendo este, por não ter posse, adquirir por
usucapião servidões negativas;
➢ ML: não se adequa à definição de posse do art.1251º
iv. Ato facultativa corresponderia ao ato de mera tolerância, podendo distinguir-se deste
por envolver uma permissão expressa, enquanto que no ato de mera tolerância a
permissão seria tácita.
➢ ML: cabe no art. 1253º/b

ML: corresponde a situações em que há exercício de poderes de facto sobre a coisa, mas os
mesmos correspondem ao conteúdo de um direito ao qual a lei não reconhece a tutela
possessória. Ex: aplica-se aos hóspedes, no contrato de hospedagem e ao titular do direito
real de habitação periódica, que a lei não reconhecesse tutela possessória.

Art. 1253º/b: deve ser interpretada amplamente, abrangendo todos os casos em que o
exercício de poderes sobre a coisa resulta de uma autorização expressa ou tácita, emanada do
proprietário, sem que, no entanto, essa autorização vise conceder algum direito ao detentor.

Art. 1253º/c: refere-se aos representantes ou mandatários do possuidor e, de modo geral, a


todos os que possuem em nome de outrem (art. 1252º/2). Abrangem-se as situações dos

29
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

titulares de direitos reais menores. Mandatários sem representação não poderão ser
considerados como detentores, uma vez que são possuidores em nome próprio (art. 1180º)

Âmbito da Posse
Art. 1251º - posse é relacionada com o exercício do direito de propriedade ou de outro direito
real.
➢ Só pode haver posse de coisas adequadas a constituírem objeto dos direitos reais – se
a coisa não é objeto de direito real, então não pode haver posse. Ex: direito de autor

Art. 1302º - posse incide sobre coisas corpóreas.


• Não são objeto de posse os bens intelectuais nem as quotas em sociedades.
• Não são objeto de posse coisas fora do comércio, como os bens de domínio público (ex:
praias18) e as coisas insuscetíveis de apropriação individual. A posse é perdida se a coisa
for colocada fora do comércio (art. 1267º/b).
• São objeto de posse os estabelecimentos comerciais pois além de uma universalidade
de direito é também uma universalidade de facto.
o JAV discorda: o estabelecimento não pode ser objeto de posse mas sim as coisas
corpóreas que o compõem

Posse incide sobre coisas móveis e sobre coisas imóveis


• Distinção é relevante para efeitos dos prazos da usucapião – art. 1293º e ss. E 1298º e
ss.
• Em relação aos prédios rústicos ou urbanos (art. 204º/1/a), a posse estende-se a todos
os seus limites, horizontais e verticais.19
• Em relação às águas (art. 204º/1/b), a posse refere-se não à quantidade específica do
líquido mas antes à sua massa indistinta, permanentemente individualizada pela sua
localização. Para as fontes ou nascentes basta o aproveitamento da água (não é preciso
obras e etc. – art. 1390º).
• Em relação à energia, a posse pode ser pelo controlo da fonte emissora ou pela
utilização de uma instalação destinada à sua condução

Direitos abrangidos pela Tutela Possessória


Art. 1251º - “direito de propriedade ou outro direito real”
• Mas há direitos reais que não conferem a posse da coia -> hipoteca, privilégios
creditórios
• Por outro lado, há direitos de crédito que atribuem a defesa da posse da coisa ao seu
titular -> locação (art. 1037º/2), parceria (1125º), comodato (1133º), depósito
(1188º/2).

Existe Posse nos Direitos Reais de Gozo – pode existir posse quer em termos de propriedade
plena, quer em termos de usufruto, uso e habitação, superfície e servidões prediais. Não existe
no direito real de habitação periódica porque é limitado no tempo.

18
ML: portanto se se constrói numa praia, não há posse da coisa porque se construiu num domínio
público.
19
Como a propriedade – art. 1344º/1

30
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• O usufrutuário reúne a qualidade de detentor em relação ao direito de propriedade e de


possuidor em nome próprio em relação ao usufruto, podendo interpor ações
possessórias contra qualquer pessoa que perturbe ou esbulhe o exercício do seu direito.
o A tutela possessória do usufrutuário não impede que o nu proprietário continue
a beneficiar de ações possessórias, podendo igualmente reagir perante o
esbulho da coisa por terceiro, ou mesmo contra atos do próprio usufrutuário
que ultrapassem os seus poderes sobre a coisa.
• Em relação ao uso e habitação, o facto de não poderem ser adquiridos por usucapião
não impede que beneficiem de tutela possessória.
• Em relação à superfície, a tutela é mais complexa e abrange não apenas o direito sobre
as construções e plantações realizadas em terreno alheio como a própria faculdade de
construir ou plantar, desde que já se tenham iniciado (conforme com o art. 1263º/b).
• Em relação às servidões prediais, o facto de não poderem ser adquiridas por usucapião
(art. 1263º/a) não exclui a tutela provisória – exige-se é um título provindo do
proprietário do prédio serviente (art. 1280º)

Nos Direitos Reais de Garantia só há tutela possessória se se verificar alguma forma de


apreensão material da coisa por parte do credor respetivo (como no penhor e na retenção –
aos quais a lei atribui ações possessórias, nos art. 670º/a e 758º).
• Quando isso não acontece, não são suscetíveis de posse.

Existe Posse nos Direitos Pessoais de Gozo, na medida em que atribuem poderes sobre a coisa,
que a lei tutela através das competentes ações possessórias (art. 1037º/2, 1125º/2, 1133º/2,
1188º/2).
• Existência de posse, nestes direitos, não implica a sua qualificação como direitos reais
pois o direito de gozo da coisa é obtido a partir de uma prestação do devedor.

Também existe posse no caso promitente-comprador que obteve a tradição da coisa a que se
refere o contrato prometido – exerce antecipadamente os poderes correspondentes ao
exercício do direito de propriedade, o que justifica que beneficie da tutela possessória.

Concurso de Posses
Caso em que várias pessoas tenham posse sobre a mesma coisa.

Sobreposição de Posses – ocorre sempre que a mesma coisa seja possuída nos termos de direitos
com âmbito distinto.
• Se proprietário, que tem a posse da coisa, constituir um usufruto sobre a mesma,
passarão a existir duas posses sobre a mesma coisa – posse em termos de propriedade
e em termos de usufruto.
• No entanto, se apenas o usufrutuário exercer os poderes de facto sobre a coisa, ele terá
posse em nome próprio em relação ao usufruto, exercendo também em nome alheio a
posse relativa à propriedade.

Comunhão de Posses – ocorre se a coisa for possuída por vários titulares com base num direito
ou acordo comum, ficando assim todos eles na situação de compossuidores.

31
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Art. 1286º e pode ocorrer no caso de a posse se referir a um direito real exercido em
comunhão (art. 1403º e ss.) ou art. 669º/2.

Conflito de Posses – ocorre sempre que existam duas posses em conflito sobre a mesma coisa,
o qual terá de ser resolvido com a atribuição da posse a um dos litigantes.
• Existiu a aquisição da posse por um novo possuidor mas a posse do anterior não se
extingue imediatamente, pois ele apenas a perde ao fim de um ano (art. 1267º/1/d), o
que lhe permite recorrer à ação de manutenção ou restituição da posse (art. 1278º)
• Entre a posse do esbulhado e a posse do esbulhador há conflito de posses

Classificações da Posse
Classificações de Menezes Cordeiro + Classificações do art. 1258º

Classificações Doutrinárias
Posse Causal vs. Formal
• Causal – acompanhada da titularidade do direito; possuidor é simultaneamente titular
do direito real a que a posse se reporta.
• Formal – não há titularidade do direito

A posse não decorre automaticamente da titularidade do direito, exige-se um efetivo controlo


material da coisa e a titularidade do direito não atribui qualquer presunção de posse.

Posse Civil vs. Intedictal


• Civil – permite atribuir todos os efeitos possessórios, incluindo a usucapião.
o Aquela que se exerce nos termos dos direitos reais de gozo.
• Interdictal – atribui as ações possessórias, eventualmente alguns outros efeitos da
posse, mas, nunca a usucapião.
o Aquela que se exerce nos termos dos direitos reais de garantia ou direitos
pessoais de gozo.

Posse Efetiva vs. Não Efetiva


• Efetiva – consiste num controlo material sobre a coisa; mantém controlo material
através do corpus possessório.
• Não efetiva – aquela em que a situação possessória resulta apenas da lei;
desacompanha do corpus.

A lei por vezes mantém a situação possessória, apesar de já se ter perdido o controlo material
sobre a coisa (art 1278º/1 e 1282º) – relaciona-se com o Conflito de Posses

Classificações Legais
Posse Titulada vs. Não Titulada
• Titulada – funda-se num modo legítimo de adquirir, independentemente do direito do
transmitente ou da validação substancial do negócio jurídico (art. 1259º/1) – tem título
legítimo de posse sobre a coisa
• Não Titulada – não deriva de um modo legítimo de adquirir

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Liga à forma mas não à substância – é posse não titulada a compra de um imóvel por contrato
oral (vício de forma)20 mas é posse titulada no caso de compra e venda de bem alheio (vício
substancial).

Título não se presume e cabe ao possuidor fazer prova dos factos relativos ao título sob pena de
a posse se ter por não titulada (art. 1259º/2).

Posse de Boa Fé vs. Má Fé


• Boa Fé – possuidor ignorava que, ao adquiri-la, estava a lesar o direito de outrem (art.
1260º/1).
• Má Fé – possuidor sabia, no momento de aquisição da posse, que estava a lesar o direito
de outrem.

Deve ser interpretado num sentido ético e não meramente psicológico – boa fé é aquele que
ignora sem culpa, não apenas o que ignora.

Posse titulada presume-se de boa fé a não titulada presume-se de má fé (art. 1260º/2) e faz
considerações sobre a posse violenta (art. 1260º/321)

Posse Violenta vs. Pacífica


• Violenta – aquela em que, para adquiri-la, o possuidor usou de coação física ou moral
(art. 1261º/2).
• Pacifica – aquela que foi adquirida sem violência (art. 1261º/1).

ML: Violência pode ser exercida contra coisas ou contra pessoas mas não se confunde com a
ilicitude na sua aquisição.
➢ PL / AV: tem de ser violência contra os indivíduos = JAV

Posse violenta não pode ser registada (art. 1295º/2) e não permite a contagem do prazo para a
usucapião (art. 1297º e 1300º/1).

Posse Pública vs. Oculta


• Pública – exerce-se de forma a ser conhecida de todos os interessados (art. 1262º)
o Publicidade é entendida como cognoscibilidade – quando é possível, em
abstrato, ser conhecida.
o É pública mesmo que os interessados não a conheçam, mas possam conhecer –
tendo em conta um comportamento diligente em relação à coisa.
• Oculta – não é possível o conhecimento de todos os interessados

Implica que o prazo para o possuidor intentar ações correspondentes apenas se inicia após o
conhecimento do esbulho (art. 1282º, parte final).

Posse Oculta não pode ser registada (art. 1295º/2) e não permite a contagem do prazo para a
usucapião (art. 1297º e 1300º/1).

20
Posse não é titulada mas pode derivar em usucapião.
21
Sendo uma presunção inilidível destinada a sancionar a atuação violenta por parte do possuidor.

33
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Vicissitudes da Posse
Constituição da Posse – art. 1263º
a) Apossamento – prática, em relação à coisa, de atos materiais, por forma repetida e
com publicidade.
• Em relação ao anterior possuidor, o apossamento traduz-se num esbulho da
coisa.

1. Prática de atos materiais tem de ser reiterada,


• ML: pois a posse pressupõe uma certa duração da relação com a coisa.
• JAV: pode ser um ato único, pois há certos atos isolados que têm tal
intensidade que permite atribuir a posse – ato assume intensidade tal
que permite ter/consumar o controlo material da coisa. Ex: tira-se
carteira e foge
o Este requisito apenas via excluir atos isolados que não têm
intensidade suficiente para consubstanciar a existência de
posse por apossamento. Ex: rebanho que passe uma vez
2. Referência à publicidade deve ser interpretada no sentido de que esta é exigida
apenas para a constituição da posse civil, permanecendo a posse como
meramente interdictal até que esta publicidade se verifique.
3. Atos materiais em relação à coisa (JAV= nível fáctico de atuação) que
correspondem a um aproveitamento direto da mesma e que traduzam uma
forma de apreensão (uti, frui, consumere) – os atos jurídicos não
consubstanciam posse pois todos podem praticar atos jurídicos em relação a
coisas sem que tal implique exercício de poderes sobre as mesmas.
• Atos materiais têm de corresponder ao exercício de determinado direito
sobre a coisa.
• Exterioriza-se, pela posse, o direito nos termos do qual se possui

b) Tradição material ou simbólica da coisa – traditio da coisa ao novo possuidor.


• Elemento negativo – cedência da coisa pelo anterior possuidor.
• Elemento positivo – apreensão pelo novo possuidor o que denuncia a aquisição
de poderes sobre o objeto de posse.
• Material – entrega e recebimento físico da coisa.
• Simbólica – dá-se com acordo das partes nesse sentido, dispensando-se o
contacto material do adquirente com a coisa22
i. Traditio longa manu: partes à distância procedem à entrega da coisa
por simples acordo sem contacto com ela. Ex: fazemos acordo sobre um
prédio e eu aponto para ele; vendo um cavalo apontando para qual
estou a vender.
ii. Traditio ficta: partes procedem à entrega da coisa através de um objeto
que a simboliza. Ex: entrega de documentos (traditio chartae) ou das
chaves (traditio clavium).

22
Mas não basta o contrato relativo à transmissão do direito suscetível de posse, é necessário acordo
específico relativamente à transmissão de posse – lei diz claramente que tem de haver tradição da coisa,
não se aplica o art. 408º/1 à posse.

34
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

iii. Traditio brevi manu: partes acordam transformar a situação de


detenção em posse; quem é detentor da coisa celebra contrato com
antigo possuidor para este lhe transmitir a posse. Ex: sou arrendatário
e quero ser proprietário
c) Constituto possessório – art. 1264º - consiste na passagem de possuidor a mero
detentor (inverso da traditio brevi manu) continuando a ter a coisa consigo, embora a
posse seja transmitida para outrem.
• Partes contratam a transmissão da posse duma coisa mas acordam numa causa
jurídica para a detenção da mesma. Ex: vendedor de uma coisa acorda com o
comprador ficar locatário ou depositário da mesma
i. Celebração de contrato transmissivo de direito real que confira a posse
da coisa
ii. Transmitente do direito real é possuidor – pressupõe a existência de
posse no alienante, pelo que se ele não for possuidor, não se poderá
verificar a constituição de posse no adquirente, ainda que o alienante
seja o efetivo titular do direito transmitido.
iii. Existência de uma causa jurídica para a detenção da coisa – alienante
do direito real deve ser considerado como possuidor enquanto não
entregar a coisa. Apenas passando a detentor se as partes assim
configurarem a situação.
d) Inversão do título da posse – art. 1265º - passagem de uma situação de detenção
(posse em nome alheio – art. 1253º) para uma situação de verdadeira posse.
• Em relação ao possuidor primitivo, a inversão do título da posse traduz-se num
esbulho da coisa, se o possuidor não consentir23.
Pode ocorrer por duas via:
i. Oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía –
detentor pratica atos que contradizem a situação de estar a possuir em
nome alheio, opondo-se assim à posse daquele em cujo nome possuía
(exteriorizando um comportamento: material, jurídico, ambos).
➢ Têm que ser atos que indiquem que o detentor quer,
doravante, passar a possuir em nome próprio.
o Não tem de ser comunicada ao titular do direito (JAV),
basta a cognoscibilidade e a possibilidade de ser
conhecido (proprietário tem que poder saber em que
estado estão as suas coisas)
➢ Cabe ao possuidor primitivo reagir contra o esbulho da sua
posse.
ii. Verificação de um ato de terceiro capaz de transmitir a posse – detentor
adquire um título distinto para a sua situação possessória, diferente
daquele pelo qual possuía em nome alheio.
➢ Novo título tem de provir de terceiro – para se distinguir da
traditio brevi manu;
➢ Representa uma causa jurídica suficiente para uma
transferência da posse – resulta da necessidade de substituição
de anterior título por outro idóneo;

23
JAV: Se consentir é traditio brevi manu.

35
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

➢ Traduz exteriormente uma nova posse do detentor.

Manutenção da Posse
Savigny: a posse conserva-se enquanto não desaparecer um dos elementos (corpus ou animus),
que só acontecerá se se verificar um corpus ou um animus de sinal contrário àquela posse.
Pessoa deixa coisa na floresta – posse mantém-se enquanto a pudesse ir lá buscar de volta
Jhering: posse é exteriorização da propriedade, pelo que a manutenção da posse pressupõe que
os poderes fácticos sobre a coisa continuem a ser exercidos. A posse considera-se perdida
quando o possuidor vê perturbada a sua relação com a coisa e não adota a diligência habitual
de um proprietário para recuperar essa relação. Pessoa deixa coisa na floresta – posse não se
mantém pois essa não é uma conduta de proprietário diligente.

Art. 1257º
➢ ML: possibilidade de continuação do exercício do direito no sentido de que basta
assegurar um certo controlo sobre a coisa para conservar a posse sobre ela; é a
cessação do controlo sobre a coisa que implica a perda da posse.24
o Pessoa deixa coisa na floresta – perde a posse por abandono, constituindo o ato
de a ir buscar de volta uma repetição do apossamento.
o Pessoa estaciona na via pública – não perde a posso uma vez que detém o
controlo da mesma, tendo as chaves

Art. 1257º/2 – presume-se que a posse continua em nome de quem a começou; a lei presume
a continuação da posse e não é exigível, para efeitos de usucapião, que se demonstre a prática
constante de atos relativos à posse.
➢ Faz inverter o ónus da prova

Modificação da Posse
Sempre que ocorrer alteração nas características da posse. Releva para efeitos de aplicação de
outras figuras.
Ex: é de boa fé e deixa de o ser; é violenta e deixa de o ser.

Sucessão na Posse
Art. 1255º - sucessão é automática e ocorre independentemente da apreensão material da
coisa.
➢ ML: pode ocorrer se os sucessores forem herdeiros do de cuius, mas, também ocorre se
forem legatários.

Acessão na Posse
Art. 1256º - num caso distinto da sucessão por morte, a junção da posse do anterior titular é
facultativa, ainda que possa ser vantajosa (para atingir o prazo da usucapião e etc.)
Art. 1256º/2 – dentro dos limites da posse com menor âmbito. Ex: possuidor a título de
usufrutuário pode invocar a posse do anterior proprietário, mas apenas para efeitos da posse
do seu usufruto – proprietário tinha prédio há 20 anos, eu acesso na posse, só posso juntar à

24
ML rejeita o pensamento de MC e de PL / AV que admitem que o não uso pode extinguir a posse. Para
ML, o que extingue a posse é a cessação de controlo, não o deixar de estar em contacto material com a
coisa (admite fenómenos de desmaterialização, desde que mantenha controlo sobre a coisa)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

minha posse os 20 anos que o antigo possuidor fora usufrutuário (apesar de ele ter sido
proprietário).
• Se tinha posse não titulada e de má fé, a acessão na posse apenas pode ocorrer nesse
âmbito (mesmo que para o adquirente seja titulada e de boa fé)
• ML (= MC)25: art. 1256º não exige a validade (substancial ou formal) do negócio para
permitir a acessão na posse, mas apenas que a sucessão na posse de outrem resulte de
um título diverso da sucessão por morte, como a tradição ou o constituto possessório.
Não há razão para excluir a acessão em caso de posse não titulada pelo que o prazo para
a usucapião pode decorrer em esferas de diferentes possuidores, o que é coerente com
o sistema (art. 1296º). Não se pode é ir buscar uma posse contra quem se está a invocar.

Perda da Posse – art. 1267º


Situações em que se verifica a cessação do elemento material (corpus) ou do elemento
intencional (animus) em que se traduz a posse.
a) Abandono – situação inversa do apossamento; possuidor abdica da sua posse sobre a
coisa, o que é lícito tendo em conta a admissibilidade genérica da renúncia daos direitos
privados.
• Implica ato material em que o corpus deixa de existir.
• Implica animus contrário à manutenção da posse, sem o qual se verificará uma
mera inação, a qual não chega para se considerar perdida a posse.
• Em relação aos móveis – basta que cesse voluntariamente o controlo da coisa
por parte do seu anterior possuidor; extingue a posse e qualquer outro direito
real que o possuidor detivesse sobre a coisa, podendo torna-la res nullius e
suscetível de ocupação (art. 1318º)
• Em relação aos imóveis – a lei não admite que se possam extinguir por renúncia,
pelo que a discussão na doutrina é controvertida quanto à perda da posse por
abandono. PL / AV: sustem que a posse dum direito sobre um imóvel não se
perde enquanto não se constituir posse de ano e dia a favor de terceiro.
b) Perda ou destruição da coisa ou a sua colocação fora do comércio – verifica-se a
cessação do corpus por impossibilidade de se continuar a exercer poderes de facto
sobre a coisa, sendo no primeiro caso uma impossibilidade física e no segundo uma
impossibilidade jurídica. Há perda da posse independentemente de uma eventual
subsistência do animus.
• JAV: apenas se recorre a este artigo quando já não há possibilidade de encontrar
a coisa
• ML: se o possuidor souber onde está a coisa ainda pode manter controlo fáctico
sobre ela, mantendo-se a posse (apelando ao art. 1257º)
c) Cedência – se novo possuidor recebe a posse do anterior, este vem a perdê-la. Titular
da posse fica privado dela por decidir atribuí-la a outrem (art. 1263º/b, c). Pode
igualmente ser por inversão do título da posse em sentido inverso ao previsto na lei,
quando o possuidor, passando a estar convencido que a coisa afinal pertence a outrem,
passar a atuar como mero possuidor em nome alheio.

25
Contrários a Manuel Rodrigues, que exige validade substancial, e PL / AV que exigem validade formal
do título.

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d) Posse de outrem por mais de um ano – durante um ano, após o início da nova posse,
haverá uma sobreposição de posses sobre a coisa, pois o novo possuidor já tem a posse
e o anterior só a perde ao fim de um ano.
• A ação de reivindicação baseia-se na posse – se a pessoa é esbulhada fica sem
posse e não pode reagir, porque não tem posse. Assim, a lei permite que a posse
do esbulhado se mantenha para ser reivindicada por ele.
o Situação em que não há corpus mas ainda há posse – o legislador dá
relevância a esta situação mas restringe-a temporalmente.
• Art. 1267º/2 – contagem de prazos para a nova posse.

Efeitos da Posse
A posse atribui benefícios ao possuidor, mas, impõe-lhe deveres.

Direitos do Possuidor
A. Presunção da titularidade do direito – art. 1268º - não vigora o sistema da “posse
vale título”, não se atribuindo a propriedade apenas em função da posse de boa fé das
coisas móveis, mas, dispensa o possuidor de provar a titularidade de um direito para
exercer a posse.
• A menos que se prove a existência de um direito real sobre a coisa, o possuidor
verá conservada a sua posse.
• Presunção de propriedade que é vantajosa para o possuidor só não se aplica se
houver outra pessoa que tenha registado a sua aquisição com data anterior ao
início da posse, pois a presunção conferida pelo registo prevalecerá sobre a
presunção conferida pela posse.
B. Direito de uso da coisa – que corresponde ao exercício de posse sobre ela. É lícito
tanto na posse de boa fé como na posse de má fé, havendo só responsabilidade nos
termos do art. 1269º; o simples uso da coisa não constitui o possuidor no dever de
indemnizar.
C. Direito aos frutos percebidos da coisa, em caso de boa fé – art. 1270º - regime
legal que atende ao facto do poder de fruição competir ao titular do direito, mas, apesar
disto, a lei não considera nula a alienação realizada de boa fé e as soluções são outras.
• O possuidor nada tem que restituir acima do valor dos frutos alienados,
podendo conservar os ganhos resultantes da alienação que excedam esse valor
– art. 1270º/3 remete para o art. 1270º/2.
i. Enquanto possuidor posso fruir sempre? Não: art. 1271º, possuidor de má fé não pode fruir
ii. O possuidor de boa fé pode fruir sempre? Não: se for titular de um direito de superfície ou de uma
servidão, não pode fruir, pois não há fruição nesses direitos.

D. Direito ao pagamento dos encargos da coisa, em caso de não atribuição dos


frutos – art. 1272º - solução em linha de conta com a proibição do enriquecimento sem
causa.
• Possuidor de boa fé que tem direito a fazer seus os frutos percebidos, também
tem igualmente que suportar os encargos com a coisa relativamente a esse
período.
• Possuidor de má fé tem que restituir os frutos percebidos pelo que pode ser
indemnizado por despesas (art. 215º/1).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

E. Direito ao reembolso de benfeitorias – para evitar o enriquecimento sem causa por


despesas, na modalidade de enriquecimento por incremento de valor em coisa alheia.
• Direito de reembolso não é ó para os casos de boa fé, já que o possuidor de má
fé, se não tivesse esse direito, tenderia a deixar deteriorar-se o objeto possuído,
o que acabaria por reverter em prejuízo do proprietário.
• As benfeitorias (na aceção do art. 216º) são reembolsadas à luz dos art. 1273º
e ss.
• Em caso de boa fé, o direito do possuidor ao reembolso ou restituição das
benfeitorias beneficia da garantia do direito de retenção (art. 754º) e em caso
de má fé essa garantia é excluída (art. 756º/c).
F. Direito de indemnização em caso de turbação ou esbulho da coisa –
responsabilidade civil delitual (art. 483º) que indemniza pelos prejuízos da turbação ou
esbulho (art. 1284º).
G. Direito da aquisição da propriedade por usucapião

Deveres do Possuidor
A. Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa – art. 1269º
• Pelo art. 807º/2 fica à disposição do possuidor a possibilidade de provar que o
proprietário teria igualmente sofrido danos se a coisa estivesse na sua posse –
causa virtuais negativas.
B. Responsabilidade pelos frutos que um proprietário diligente teria obtido, em
caso de posse de má fé – art. 1271º
C. Obrigação de pagamento dos encargos da coisa, em caso de atribuição dos
frutos – art. 1272º

Defesa da Posse
Conceção da tutela possessória visa acautelar a paz jurídica e a continuação do valor que
representa a utilização da coisa.
➢ A lei confere ao possuidor Ações Possessórias como meios de defesa da posse.
o Ações possessórias não são ações reais e também podem ser utilizadas para a
defesa de direitos pessoais de gozo, como os direitos do locatário.

Legitimidade Ativa para as Ações Possessórias


Só pode recorrer às ações possessórias quem detenha a posse da coisa nos termos de um
direito real (art. 1251º), incluindo os direitos reais de garantia suscetíveis de posse (art. 670º/a
e 758º) ou nos termos de um direito pessoal de gozo que beneficie dessa tutela (art. 1037º/2,
1125º/2, 1133º/2, 1188º/2).
• Excluem-se as servidões não aparentes (salvo quando a posse se funde em título
provindo do proprietário serviente ou de quem lho transmitiu – art. 1280º) pois podem
ser confundidas com atos de tolerância do proprietário, daí que a lei exija título
específico (facto jurídico fonte da servidão) para conferir a tutela possessória.
• Não podem ser usadas para tutela de situações de mera detenção – detentor não tem
legitimidade para recorrer à defesa possessória.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• A legitimidade de instaurar ações possessórias é transmitida aos herdeiros (art. 1281º)


o que está em conformidade com o caráter automático da sucessão na posse (art.
1255º).

Legitimidade Passiva para as Ações Possessórias


Ações possessórias têm sempre por fundamento uma conduta que perturba ou viola a relação
do possuidor com a coisa objeto da posse – autor dessa conduta tem legitimidade passiva para
a ação possessória.
• Ações de prevenção e manutenção da posse – lei restringe a legitimidade passiva para a
ação em relação ao perturbador (embora admita, em caso de turbação efetiva, uma
ação de indemnização contra os herdeiros – art. 1281º/1)
• Ações de esbulho – ações podem ser instauradas contra o perturbador e seus herdeiros,
mas, também contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho,
verificando-se uma extensão da legitimidade passiva (art. 1281º/2)26

Processamento das Ações Possessórias


Ações possessórias mantiveram, com a Reforma do CPC de 2013, a sua natureza típica nos art.
1276º e ss. CC, não estando sujeitas a qualquer forma de processo especial, cabendo no
processo comum.

Regime específico das Ações Possessórias


Ação de prevenção (art. 1276º)
Fundamento é o justo receio do possuidor ser perturbado ou esbulhado da sua posse.
• Receio resultante de palavras ou atos materiais (pois se forem atos judiciai a forma de
reação é com o Embargo de Terceiros com função preventiva – art. 350º CPC).
• Só há justo receio quando a violação da sua posse for uma futura consequência lógica
dos factos já praticados por outrem ou haver sérias razões para crer que o autor vai
executar as ameaças que fez.

Procedimento cautelar comum – art. 362º e 379º CPC, se for obra é art. 397º e ss. CPC

Ação de manutenção (art. 1278º)


Pressupõe a existência de alguma turbação27 da posse, ainda que o possuidor não tenha ficado
dela privado. Pede-se a permanência do possuidor na sua posse.

Ação de restituição (art. 1278º)


Pressupõe a consumação do esbulho28 da posse, pelo que o possuidor solicita a restituição da
coisa à sua posse.

26
Mas só se pode intentar contra um terceiro de má fé; o terceiro de boa fé é tutelado
27
Turbação – ato material que afete o exercício da posse, em virtude de uma pretensão
contrária à posse de outrem, e a conservação dessa posse na esfera do possuidor.
28
Esbulho – pressupõe a privação da posse por parte do possuidor, em resultado de um ato
material (apossamento) ou jurídico (inversão do título da posse) de outrem com a finalidade de
constituir posse própria. Pode ser parcial, quando apenas uma parte do objeto possuído é
subtraído ao seu anterior possuidor.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Pedida uma ou outra, juiz verifica qual a situação realmente verificada – art. 609º/3 CPC
• A ação é julgada procedente bastando a demonstração da posse e da turbação ou
esbulho (art. 1278º/1).
• A ação será procedente se a parte contrária não tiver melhor posse (art. 1278º/2) – a
melhor posse é aquela que for titulada ou, na falta de título, a mais antiga ou a atual
(art. 1278º/3)29

Ações de manutenção e restituição da posse deixam de poder ser instauradas se se tornarem


supervenientemente inúteis a partir do momento em que haja decisão sobre a titularidade do
direito.

Prazo: art. 1282º30

Se forem procedentes, o possuidor é havido como nunca perturbado ou esbulhado (art. 1283º)
– não afeta a contagem do prazo para a usucapião.
Pode ser indemnizado: art. 1284º

Admitem hoje o recurso ao procedimento cautelar comum do CPC (como as ações de


prevenção).

Procedimento cautelar de restituição provisória no caso de esbulho violento (art.


1279º)
Art. 1279º - originado no facto da ordem jurídica repreender fortemente o esbulho violento, o
que justifica a criação de um procedimento cautelar expedito para determinar imediatamente a
restituição da posse, sem audiência do esbulhador31.

Tutelada através do procedimento cautelar de restituição provisória da posse – art. 377º CPC –
exigindo como pressupostos a posse, o esbulho e a violência.

Ónus da prova compete ao requerente do processo – art. 368º CPC.

Embargo de terceiros (art. 1285º)


Reação contra lesões da posse causadas por atos jurídicos
➢ Art. 342º-350º CPC

Destinam-se a reagir contra qualquer ato judicialmente ordenado que ofender a posse ou
qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja
titular quem não é parte na causa.
• Única forma de defesa contra atos judiciais, não sendo possível recorrer a outros meios
possessórios.

29
O recibo pode servir para demonstrar que tem a posse mais antiga
30
A justificação para este prazo resulta do facto de a apreciação da turbação ou esbulho ser difícil se se
passar muito tempo após os factos. Se o esbulhado não reagir durante um ano é porque reconhece o
direito ao esbulhador.
31
Derrogação ao princípio do contraditório justificada pela violência do esbulho.

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Ação direta (art. 1277º e 336º)


Forma de autotutela da posse

Natureza da Posse
Tese que vê a posse como um mero facto – Windscheid
Posse é mero facto e, embora produza consequências jurídicas, não é em si uma posição jurídica,
pois a proteção do possuidor não resulta de ele ter um direito, mas antes de ser vedado aos
outros o recurso à força.
➢ É incluída no sistema dos Direitos Reais pois estabelece uma relação jurídica com a coisa,
a mais direta e simples relação jurídica.

Tese que vê a posse simultaneamente como um facto e um direito – Savigny


Posse apresenta-se como um facto porque é independente de todas as regras estabelecidas para
a aquisição e perda de direitos. No entanto, a evolução da posse teria permitido que esta fosse
objeto de negócios jurídicos, sendo atribuída em situações em que não há apreensão material
da coisa, caso em que teria de ser configurada como um direito.
➢ Defende que se inclua no Direito das Obrigações e não nos Direitos Reais, pois a
configuração da posse como um direito resultaria apenas da concessão de interditos, no
caso de turbação ou esbulho.

Tese que vê a posse como um direito – doutrina maioritária


Manuel Rodrigues: posse é um direito, uma vez que não consiste apenas num poder direto e
imediato sobre uma coisa, como também atribui ao seu titular a faculdade de exigir de todos os
indivíduos uma abstenção que lhe permita exercer todos os elementos constitutivos do direito
que exterioriza.
Oliveira Ascensão + Menezes Cordeiro: posse é direito sem natureza real. É um direito mas não
é real pois não constitui um direito inerente à coisa, nem absoluto (pelo art. 1281º/2). A defesa
da posse funda-se em razões relativas, mas não é puro direito relativo.

Menezes Leitão: posse é um direito de gozo sem natureza real.


➢ Art. 1281º/2 demonstra a ausência de inerência na posse, uma vez que a ação de
restituição não pode ser instaurada contra terceiro de boa fé.
➢ Ao contrário do que sucede nos direitos reais, a tutela possessória não resulta da
atribuição prévia de um direito sobre a coia, surgindo a posteriori em virtude da
situação de facto criada, que é o que determina a atribuição das ações possessórias.
➢ Não existe na posse uma permissão normativa de aproveitamento de uma coisa
corpórea, uma vez que só existe uma tutela provisória da continuação do
aproveitamento da coisa, que já vinha sendo realizado pelo titular.
o Por esse motivo, a posse não pode ser qualificada como um direito real.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Conteúdo dos Direitos Reais


Os direitos reais – direitos absolutos e inerentes a uma coisa corpórea, que permite ao seu
titular determinada forma de aproveitamento jurídico da coisa – comportam faculdades que
permitem o aproveitamento da coisa.
• As partes não têm liberdade na atribuição dessas faculdades – princípio da tipicidade
(art. 1306º).
• Conteúdo do direito real tem que resultar da lei.
o Que normalmente têm conteúdo injuntivo que as partes não podem derrogar e
um conteúdo supletivo que as partes podem derrogar no título constitutivo do
direito real.

Exclusão da Posse do âmbito do conteúdo dos Direitos Reais


MC insere a posse no âmbito do conteúdo de certos direitos reais de gozo – titular pode fazer
incidir a sua atividade sobre uma coisa, em termos de poder beneficiar das vantagens respetivas;
o exercício dessa atividade que se manifesta exteriormente é a posse.
• Art. 1251º e ss. regulam aquilo que os direitos de gozo têm mais em comum: o exercício
de poderes materiais sobre coisas corpóreas.
o ML discorda

De facto, a posse pode ser causal, quando o possuidor é igualmente o titular do respetivo direito
sobre a coisa. Mas mesmo nesse caso, à luz do art. 1251º, a posse não resulta da atribuição do
direito, mas antes do seu exercício.
• No direito real de gozo apenas se incluem os poderes relativos à coisa, sendo o seu
exercício efetivo que atribui a posse.
• Também no caso dos direitos reais de garantia a posse não faz parte do conteúdo do
direito, sendo antes um pressuposto da sua constituição e conservação

A posse não é um direito real e também não faz parte do conteúdo dos direitos reais – a posse
liga-se é intrinsecamente aos direitos reais, não só porque resulta do exercício destes, mas
também porque em certos casos pode ser pressuposto da sua constituição e manutenção.

Conteúdo dos Direitos Reais de Gozo


Art. 1305º - faculdades do direito de propriedade.
Todos os direitos reais de gozo conferem pelo menos uma destas faculdades.
Ex: servidões negativas e desvinculativas, embora funcionem como restrições no prédio serviente,
acabam por reforçar os poderes de uso e fruição do prédio dominante. Mesmo a nua propriedade deve
ser qualificada como direito real de gozo, mesmo que o gozo da coisa fique totalmente excluído durante
a vigência do usufruto – é uma situação temporária que recuperará a configuração (de propriedade com
gozo da coisa) quando se extinguir o usufruto.

Faculdade de Uso da Coisa (ius utendi) – permissão de se servir dela para qualquer fim em que
a coisa possa ser utilizada.
• No direito de propriedade é plena (art. 1305º) mas noutros direitos reais de gozo ela
pode ser limitada pelo destino económico atribuído à coisa (art. 1446º), pelas
necessidades do titular (art. 1484º) ou por utilidade específica, suscetível de ser gozado
por intermédio de um prédio (art. 1544º).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Faculdade de Fruição da Coisa (ius fruendi) – permissão de retirar da coisa os rendimentos que
ela possa proporcionar periodicamente, sem prejuízo da sua substância.
• Pode ser fruição natural (frutos naturais) ou civil (rendas ou interesses que a coisa
produz em função duma relação jurídica).
• Não é essencial aos direitos reais de gozo, uma vez que nem todas as coisas são
suscetíveis de produzir frutos.
• Quem obtenha frutos a partir das coisas encontra-se a exercer o direito real
correspondente, pelo que adquire a posse da coisa, podendo adquiri-la por usucapião
se não for titular do direito, e não se poderá operar a sua extinção por não uso, na
hipótese oposta.

Faculdade de Disposição da Coisa (ius abutendi) – poderes de consumir, transformar, alienar,


deteriorar ou mesmo destruir a coisa.
• Podem ser poderes materiais ou jurídicos.
• Em princípio, só o proprietário tem poderes de disposição integrais sobre a coisa,
limitando-se a disposição nos outros direitos reais à alienação ou renuncia do direito,
quando estas sejam permitidas, e em certos casos, à sua transformação.
• Nos casos de direito de superfície, o conteúdo do direito reside precisamente na
transformação da coisa.

Conteúdo dos Direitos Reais de Garantia


Tem sempre duas faculdades:
• Executar a coisa, em caso de incumprimento do seu crédito;
• Reclamar o pagamento à frente dos restantes credores do devedor, pelo produto da
venda da coisa sobre que incide o seu direito.

Direitos reais de garantia encontram-se funcionalmente afetos à satisfação de um direito de


crédito, permitindo a execução da coisa sobre que incidem e o pagamento sobre esta, com
prioridade em relação aos demais credores.
➢ Em virtude desta ligação, os direitos reais de garantia são acessórios em relação aos
direitos reais de crédito, apenas o garantindo na medida deste, e extinguindo-se caso
ocorra a sua extinção (art. 730º/a, 664º, 677º, 753º, 761º).
o Pode ainda estender-se a certos acessórios do crédito, como os juros (art.
656º/2, 666º/1, 693º, 734º).

Em certos casos, os direitos reais de garantia atribuem ao credor limitadas faculdades de uso
(art. 661º/1/b, 671º/b, 758º, 759º/3) e de fruição da coisa (art. 661º/1/c, 661º/2, 672º, 758º,
759º/3). Nesses casos, os direitos reais de garantia são associados à posse da coisa, sendo
tutelados pelas ações possessórias (art. 661º/1/b, 1037º/2, 670º/a, 758º, 759º). Ex: não há
penhor sem existir posse.

Conteúdo dos Direitos Reais de Aquisição


Possibilitam a aquisição de direitos sobre a coisa, com prevalência sobre outras disposições
feitas pelo titular.
• O seu conteúdo esgota-se assim totalmente nessa faculdade de aquisição.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Limitações aos Direitos Reais


Trata-se de conteúdo negativo dos direitos reais – situações jurídicas passivas dos direitos reais

Não se refere apenas a limitações ao direito de propriedade e podem afetar titulares de outros
Direitos Reais de Gozo.

Critério de limitação em função do objeto:


• Gerais – aplica-se a todos os Direitos Reais
• Especiais – aplica-se apenas a certas modalidades específicas de Direitos Reais

Limitação da Propriedade pela sua função social: o Abuso do Direito


Ideia de que a propriedade tem limites é relativamente recente na evolução do Direito.
• Direito Romano – proclamava caráter ilimitado da propriedade; havendo só a proibição
dos atos emulativos.
• Art. 544º CC Francês, 1804 – influenciado pela conceção romanística, em que o
proprietário tinha poder absoluto sobre a coisa

A certa altura passou a defender-se a Função Social da Propriedade – poderes do proprietário


limitados pela utilidade social proporcionada pelo bem – sendo que essa função é suscetível
de impor limites à propriedade.
• Doutrina social da Igreja, com raízes em S. Tomás de Aquino
• Consagrada no art. 14º/2 da Constituição Alemã e art. 42º da Constituição Italiana

Código de Seabra – não consagrava a propriedade como direito absoluto e via-lhe como limites
a “natureza das coisas, a vontade do proprietário e as disposições expressas da lei”.
CRP 1933 – consagra, no art. 35º, a doutrina da função social da propriedade, limitando assim
esse direito.
Código Civil de 1966 – art. 1305º não fala da função social da propriedade; o art. 1344º/2 apenas
refere o interesse do proprietário.
CRP 1976 – não tem referências à função social da propriedade nem aos limites32 dos poderes
do proprietário.

ML: a propriedade tem uma função social, como se compreende pelas limitações legais que
são estabelecidas em relação aos poderes do proprietário. A função social da sociedade não
pode é ser argumento para estabelecer uma funcionalização absoluta dos poderes do
proprietário (apenas admitindo o proprietário a exercer os poderes cuja utilidade social a lei
reconheça) – a propriedade é direito subjetivo, sendo por isso um espaço de liberdade, que
permite ao proprietário a sua realização pessoal que é por ele decidida.
➢ Esse espaço de liberdade tem é de ser compatibilizado com as exigências da vida
social.
➢ Mas o núcleo essencial do direito de propriedade não pode ser afetado.
➢ Função social da propriedade pode e deve ser explicada pela proibição do Abuso do
Direito – art. 334º - não será permitido o exercício do direito de propriedade em termos
manifestamente disfuncionais ao sistema jurídico.

32
Doutrina tem visto implícito esse limite no art. 61º/1 e art. 88º/2

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Critério de limitação em função da fonte:


• Convencionais – cuja a admissibilidade do conteúdo tem de atender ao princípio da
tipicidade dos Direitos Reais.
• Legais – cuja fonte normativa pode variar e ser Direito Público ou Direito Privado

1. Limitações de Direito Público


Não há uma sistematização destas normas e elas estão dispersas por vários diplomas legais.
Os limites dados pelo Direito Público existem com razões e finalidades variáveis:
• OA – culturais, segurança, ordenamento do território, saúde, ambiente, fiscal,
económico
• JAV – agricultura, transporte, energia, turismo

Expropriação
Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Expropriação

Art. 62º/2 CRP apenas prevê a expropriação por utilidade pública


• Não parece admissível constitucionalmente a expropriação por interesse particular que
o art. 1310º CC admite.
• A lei hoje prevê alguns casos de expropriação por utilidade particular – possibilidade de
estabelecer comunhão forçada sobre as paredes e muros de meação (nos termos do art.
1370º CC)

Lei 168/99, Código das Expropriações por utilidade pública


Expropriação é a subtração de um bem imóvel ao seu proprietário, em virtude da utilidade
pública que esse bem representa, o qual é atribuído a uma entidade que prossegue esses fins,
mediante o pagamento ao anterior proprietário de uma justa indemnização.
• Deve obedecer a um princípio de proporcionalidade – limitando-se ao necessário para
a realização do seu fim (art. 3º/1 C. Exp).
• Há direito de reversão para o proprietário se os bens não forem afetos ao fim (art.
5º/1/a C. Exp) ou se cessaram as finalidades da expropriação (art. 5º/1/c).
• Só pode haver expropriação nos casos previstos na lei, extinguindo os direitos reais dos
particulares como resultado, mediante justa indemnização33.

Requisição
Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Requisição

Está constitucionalmente sujeita ao regime da expropriação (art. 62º/2 CRP), sendo possível de
ser realizada tendo base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização – art. 1309º CC

Pode abranger coisas móveis (art. 84º C. Exp) como imóveis (art. 81º C. Exp) e tem sempre um
caráter temporário, apenas legitimando a afetação dos bens aos fins da entidade requisitante
por certo período de tempo.

Art. 1388º CC – prevê a requisição das águas

33
Indemnização que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas antes
ressarcir o prejuízo que para o expropriado adveio – art. 23º/1 C. Exp

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Nacionalização e Coletivização
Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Nacionalização

Art. 83º CRP – apropriação pública dos meios de produção com base na lei

Confisco
Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Confisco

Apropriação pelo Estado de bens privados, sem pagamento de qualquer indemnização.


• Confisco-nacionalização: quando há nacionalização sem indemnização
• Confisco-sanção: quando se aplica uma sanção a certos factos ilícitos, que se consiste
na apropriação pelo Estado da totalidade (confisco geral) ou de parte dos bens (confisco
especial).
o Não se admite o confisco geral mas a lei prevê o confisco especial, como a perda
dos instrumentos do crime a favor do Estado.

Servidões Administrativas
Limitação do Direito Real é a oneração do seu direito com uma Servidão

Aproveitamento de utilidades de determinado prédio em benefício de outra entidade, pública


ou privada, por razões de interesse público.
• Resultam da lei, que em muitos casos constitui título bastante para a constituição da
servidão, na medida em que determina a submissão genérica e automática de todos os
prédios que se encontrem em determinadas condições a um regime pré-determinado.
• Noutros casos pressupõe a realização de um ato da Administração.

Art. 8º/1/C; 8º/2/C; 8º/3/C C. Exp.

Ius Aedificandi
Limitação do Direito Real é a sujeição aos condicionalismos administrativos relativos à
construção e à edificação

Faculdade de construir e de realizar atos jurídicos e materiais indispensáveis à construção.

i. Tese que qualifica o ius aedificandi como concessão jurídico-pública, resultante do sistema de
atribuição de plano urbanístico – Jorge Miranda, Rui Machete – era um direito autónomo, que
não resultaria da propriedade privada mas de um ato jurídico concedido pela autoridade
pública a certos proprietários, sendo por isso regulado pelo Direito Público.
• Nega a faculdade de construção no conceito constitucional de propriedade privada,
sendo essa faculdade uma concessão jurídico-pública decorrente do plano urbanístico.
• Faculdade de construção não é entendida como direito subjetivo privado imanente à
propriedade do solo, pois sem a concessão do plano ela não existiria.
• Jurisprudência (TC e STA) tem aderido à classificação do ius aedificandi como direito
subjetivo público, recusando a sua integração no direito de propriedade

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ii. Tese que classifica o ius aedificandi como direito fundamental, sendo enquadrado no âmbito
do Direito Constitucional, podendo, enquanto tal, ser objeto das restrições inerentes ao interesse
coletivo – Mário Esteves de Oliveira, Reis Novais

iii. Tese que defende a inclusão do ius aedificandi nos direitos de propriedade ou de superfície
incidentes sobre o imóvel – OA, Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, João Caupers –
qualificação do ius aedificandi como atributo natural da propriedade do imóvel e do direito de
superfície, tendo por base no facto de o poder de transformação aparecer incluído nas
faculdades atribuídas ao proprietário.
• Ius aedificando faz parte da liberdade de utilização da propriedade garantida
constitucionalmente (art. 62º/1 CRP).
• Não é conferido por plano urbanístico, que teria apenas a função de modelar o exercício
do direito.
• ML: é o que resulta do art. 1305º e 1527º e é confirmada pela nova Lei dos Solos (art.
4º/1; 4º/2; 4º3; 13º/2/b,c; 20º Lei 31/2014)

Discussão em torno do ius aedificandi tem importância para averiguar se a “licença de


construção” é uma verdadeira licença – ato pelo qual a administração atribui ao sujeito privado
um poder que ele legalmente não possui34 – ou antes uma autorização – ato pelo qual a
administração permite ao sujeito privado o exercício de um direito35, que este efetivamente
possui, mas cujo exercício se encontra condicionado por lei.
➢ A licença não confere o direito, apenas permite ser lícita a construção – o ius
aedificandi resulta, portanto, da titularidade de direitos reais sobre o imóvel.

2. Limitações de Direito Privado


Relações de Vizinhança
Categoria mais importante de limitações ao exercício dos direitos reais – a proximidade entre
coisas (prédios)36 pode conduzir a conflitos entre os titulares do Direito Real.
• Estes limites diminuem a extensão do gozo das coisas, mas, também permite manter o
gozo a outros titulares – art. 1344º e ss.
• Sem prejuízo do estabelecido para estes limites, pode sempre ponderar-se a aplicação
do art. 483º e das pretensões reais.

Essas limitações podem corresponder a:


• Deveres de conteúdo negativo
o Dever de abstenção de condutas (non facere)
o Dever de tolerar o exercício de certos poderes do vizinho sobre o seu prédio
(pati)
• Deveres de conteúdo positivo (facere)
o Deveres específicos de prevenção de perigos para o prédio vizinho
o Deveres de participar com o vizinho em atividades de interesse comum

34
Poder discricionário de concessão da licença
35
Poder vinculado de autorização, que só pode ser rejeitado se estiverem preenchidos fundamentos
legais de recusa.
36
JAV diz que se deve repensar e ponderar aplicar estas refras noutros casos: como a coisas móveis e a
coisas móveis + imóveis

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A. Deveres de Abstenção de certas condutas


Dever de Abstenção das Emissões
Art. 1346º
Disposições quanto ao prejuízo substancial do uso do imóvel e não resultar do normal
funcionamento do prédio são em termos alternativos – não cumulativos (MC).
• Podem reagir contra emissões que prejudiquem o uso do seu prédio, mesmo que
correspondam à utilização normal do prédio vizinho.
OU
• Podem reagir contra emissões consideradas estranhas à utilização normal do prédio,
mesmo que não provoquem prejuízo substancial.

Prédio vizinho não tem de ser interpretado como prédio contíguo – significa prédio próximo,
não geograficamente, mas sim num sentido de possibilidade de afetação ou proximidade
social.
➢ Alarga o âmbito de proteção desta disposição37

Prejuízo substancial – a jurisprudência vai na senda de Vaz Serra e extravasa o âmbito de


aplicação considerando os direitos de propriedade mas também os direitos de personalidade.
Ex: suinicultura próxima prejudicava substancialmente o uso do imóvel para os seus
proprietários devido aos maus-cheiros

Dever de abstenção resulta das relações de vizinhança, pelo que não é afetado pela existência
de uma autorização administrativa para o exercício da atividade, quando depende de
licenciamento.
➢ Isso apenas legitima o exercício da atividade em termos de Direito Público, não pondo
em causa eventuais direitos privados que venham a ser afetados pela atividade.
o Privados podem reagir contra a atividade mesmo que tenha havido essa
autorização.

Mesmo que cumpra as normas gerais sobre poluição, pode haver um dever de abstenção pois o
que está em causa é o prejuízo específico causado à utilização do imóvel vizinho – o que pode
ocorrer mesmo em casos de emissões poluentes que se enquadram dentro dos limites legais.
➢ STJ 22/9/09 – proibiu a emissão de ruídos noturnos por uma padaria que perturbava o
sono do vizinho, mesmo tendo os ruídos dentro dos níveis permitidos.

Proibição de perturbar o escoamento natural das águas


Art. 1351º – princípio de que as águas devem seguir o seu curso natural
Apenas se aplica a águas naturais (correspondente às águas pluviais que caem diretamente no
prédio superior) e a terras e entulho que a água arraste – não se aplica águas contaminadas
com substâncias nocivas (corresponde à doutrina legal da proibição das emissões).
➢ Não se permite obras que perturbem ou vedem o curso natural da água.

Limitação interna ao direito de propriedade resultante da lei – situação normal de relação


propter rem de vizinhança.

37
Contra PL / AV que dizem que deve ser interpretada restritamente.

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Limitações impostas às construções e edificações


Em ordem a evitar a devassa do prédio vizinho – art. 1360º
• Exceção no art. 1361º que raramente é aplicável pois estas passagens só raramente
terão menos de 1,5 m de largura.
• Exceção da servidão de vistas do art. 1362º, em que o que se tutela não é a vista em si,
mas antes o facto de poder ver-se devassando o prédio vizinho, que a partir desse
momento passa a ficar sujeito à proibição de construir sem respeitar o interstício legal
de metro e meio.

Art. 1363º - a diferença entre fresta e janela é se na abertura cabe a cabeça de uma pessoa
(Henrique Mesquita e ML)
• Doutrina diz que se as frestas não respeitarem o art. 1363º o vizinho pode exigir a sua
eliminação, modificação ou levantar construção que as tape.
• Outra doutrina entende que esta colocação desrespeitosa pode levar à constituição por
usucapião de uma servidão predial, diferente da servidão de vistas, dado que constituem
encargo em benefício de prédio diferente (art. 1543º)
o ML: concorda. Proprietário pode adquirir por usucapião uma servidão atípica.
Permite-se ainda, aquele que tem a servidão, reagir contra qualquer ato do
proprietário do prédio serviente que estorve o uso dessa servidão,
designadamente a realização de construção que desrespeite art. 1362º/238

Mesmo regime para o art. 1364º - exigência de grande explica-se em ordem a evitar a devassa
do prédio vizinho, mediante a abertura da janela.

Em ordem a evitar o gotejamento sobre o prédio vizinho – art. 1365º


Proibição do estilicídio – conjuga a regra proibitiva das emissões com o princípio do
escoamento natural das águas.
➢ Modernas técnicas de edificação permitem a instalação de algerozes.

Pode constituir-se servidão de estilicídio.

Limitações impostas à plantação de árvores e arbustos


Art. 1366º
Lícito plantar árvores e arbustos até à linha divisória do seu prédio, mas o proprietário do prédio
vizinho não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio por ramos ou raízes, em resultado do
crescimento dessas árvores, podendo solicitar o seu corte ao dono da plantação ou realizá-lo
ele mesmo, se tal não for feito no prazo de 3 dias.
• ML: direito ao corte e arranque constitui forma de autotutela do direito do
proprietário, que não está efetivamente dependente da existência de prejuízo, mas tal
não exonera o dono das árvores do dever de evitar a ocorrência de danos para os
prédios alheios devido às coisas em seu poder – se causarem danos ao prédio vizinho
pode haver obrigação de indemnizar39

38
Contra Henrique Mesquita que afirma que a constituição da servidão apenas permite ao proprietário
manter essas frestas.
39
Contra PL / AV.
➢ ML concorda com TRP 8/7/08 em que não pode ser argumento para ilidir a indemnização o facto
do lesado não ter exercido o seu direito de arranque e corte, pois isso significaria que ele sofreria

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Limitações impostas à tapagem do prédio


Art. 1356º
O direito de tapagem não é afetado pela existência de uma servidão de passagem, desde que
não haja por parte do proprietário oposição ao exercício da referida servidão.
➢ Pode ser afetado nos casos de abuso de direito (art. 334º) ou de colisão de direitos (art.
335º) – quando a tapagem é realizada por forma a prejudicar excessivamente o uso do
prédio vizinho.
o Limitações à tapagem estão no art. 1357º, 1358º e 1359º.

B. Dever de Tolerar o exercício de poderes sobre o prédio


Relações de vizinhança podem determinar deveres de tolerar o exercício de poderes do vizinho
sobre o próprio prédio.
Exemplo mais comum é o dever de permitir a passagem momentânea:
i. Art. 1349º/1 – em caso de necessidade de reparação de algum edifício ou construção
• 2 requisitos: finalidade (construção ou reparação) + necessidade (indispensável
para o efeito)
• Faculdade que cabe a quem tem o direito de fazer obras num prédio, quer em
virtude de um direito real (proprietário, usufrutuário, superficiário), quer em
virtude de um direito de crédito (arrendatário).
ii. Art. 1349º/2 – para fins de recuperação das próprias coisas que acidentalmente se
encontrem em prédio alheio
• Admite uma faculdade alternativa – o proprietário pode substituir a passagem
por uma obrigação de entrega das coisas que se encontrem no seu prédio.
iii. Art. 1322º - para fins de perseguir e capturar enxame de abelhas, que tenha fugido
iv. Art. 1367º - para permitir a apanha de frutos caídos sobre prédio alheio
• Necessidade de apanha de frutos hera assim a obrigação de o titular do prédio
vizinho permitir a passagem para esse efeito.

Se causar danos ao prédio vizinho, quem exerce esta faculdade fica constituído em
responsabilidade objetiva.

Obrigação de permitir a passagem não corresponde a uma servidão, mas a uma restrição ao
direito de propriedade, ainda que possa ser equiparada a uma servidão momentânea, regular
ou irregular, desencadeada pela necessidade de passagem.
➢ No entanto, em certos casos, a lei prevê efetivas servidões legais para regular a situação
da passagem – art. 1550º a 1556º

C. Deveres de Prevenção do perigo para o prédio vizinho


Dever de evitar efeitos nocivos ou resultantes de obras, instalações ou depósitos de
substâncias corrosivas ou perigosas

duas agressões: via o seu direito de propriedade objeto de interferência e teria de suportar
custos para evitar que essa circunstância causasse danos efetivos ao prédio.

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Art. 1347º
Critério é a suscetibilidade de ter efeitos nocivos e de esses efeitos não serem permitidos por lei.
➢ Há casos em que a lei admite o exercício do direito, independentemente dos efeitos
nocivos – art. 1356º

Art. 1347º/2 – tem a presunção que os organismos administrativos, ao concederem a


autorização, analisaram adequadamente os riscos para os prédios vizinhos, pelo que se exige a
comprovação da existência de prejuízos.
➢ ML: Regra pouco compatível com o princípio da prevenção bem como o facto da
autorização administrativa não poder afetar os direitos privados de terceiro.

Art. 1347º/3 – responsabilidade objetiva, pelo risco; mesmo que haja cumprimento do dever de
prevenção do perigo, se se verificarem danos há responsabilidade do titular do prédio.

Dever de prevenir perigos para o prédio vizinho resultantes de escavações


Art. 1348º
Que existe devido ao facto da propriedade do imóvel se estender ao subsolo (art. 1344º/1) e o
proprietário poder abrir no seu prédio minas e poços e fazer escavações.

Art. 1348º/2 – reforça a imputação delitual com uma previsão de responsabilidade objetiva, em
caso de ocorrência de danos.

O responsável é sempre o autor das escavações, não tendo essa responsabilidade o cariz de
obrigação propter rem, pelo que não se transfere para o adquirente do imóvel.

Dever de evitar a ruína de edifícios ou outras construções


Art. 1350º
O perigo de ruína dos edifícios permite uma reação no âmbito das relações de vizinhança, uma
vez que a possibilidade de exigir providências destinas a evitar a ruína insere-se entre as
proteções que a lei reserva ao proprietário.
• 3 requisitos: perigo de ruína + risco de que essa ruína venha a causar dano ao prédio
vizinho + necessidade e adequação das providências para evitar o dano.

Ainda é regulado no Direito do Urbanismo – art. 89º e ss. RJUE

Dever de manter ou realizar obras defensivas das águas


Art. 1352º
Várias interpretações para este artigo:
1) Proprietário não teria qualquer obrigação de fazer as obras (facere), mas antes a
obrigação de tolerar (pati) que as mesmas sejam realizadas por outrem.
2) Proprietário tem obrigação de fazer as obras, só podendo os interessados fazê-las
subsidiariamente, em caso de incumprimento dessa obrigação pelo proprietário – MC,
Carvalho Fernandes, ML
• A primeira obrigação do proprietário é fazer as obras, podendo ser
responsabilizado se não as fizer. Os vizinhos aí podem intervir. Existe
consequentemente a obrigação de o proprietário manter a situação de defesa
das águas, fazendo para o efeito novas obras ou reparações, devendo, em caso

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de incumprimento, tolerar que essas obras sejam feitas pelos donos dos prédios
que padeçam danos ou estejam sujeitos a danos eminentes.
3) Proprietário teria um direito, e não um dever, de fazer as obras, e só não querendo usar
desse direito é que poderiam intervir terceiros – PL / AV

D. Deveres de participar em atividades de interesse comum


Dever de concorrer para a demarcação dos prédios
Art. 1353º, 1354º, 1355º
É reconhecido a qualquer proprietário o direito a proceder em qualquer momento à demarcação
do seu prédio.
• No caso do proprietário pretender exercer esse direito, os seus vizinhos, por força dos
deveres resultantes das relações de vizinhança, são obrigados a concorrer para essa
demarcação.

Deveres relativos às paredes e muros de meação


Art. 1370º
Disposição estabelece uma espécie de expropriação forçada por utilidade particular, destinada
a permitir obter comunhão de outro proprietário em relação a parede ou muro confinante,
considerando-se como tais aqueles que se encontrarem precisamente encostados à linha
divisória do prédio.
• Exige construção (parede ou muro) – excluem-se as vedações de madeira, arame ou
sebes vivas ou mortas.
• De notar que a expropriação pode ter lugar quer quanto à totalidade, quer quanto a
parte da parede ou muro e respeite esta parte à extensão ou à altura, não deixando,
porém, de se exigir o pagamento de metade do valor do solo sobre que incidir a parede
ou o muro.

Art. 1371º - presunção de compropriedade


Presunção não vigora entre prédios de diferentes naturezas, pelo que se estiver em causa um
muro entre um prédio rústico e um prédio urbano, já não se aplica (uma vez que o normal é que
o muro seja pertença do dono do prédio urbano).

Art. 1371º/3, 4, 5 – excluem a presunção de existência da comunhão pois:


• Se o muro fosse comum, não seria de esperar que o titular do outro prédio aceitasse
receber as águas (quanto aos espigões deitarem para um só lado).
• Existência de cachorros de pedra de um só lado significa que o proprietário ponderou a
realização de futuras construções.
• Se todo o prédio está murado e o outro não, verifica-se que o muro foi construído
apenas por um proprietário.
• Se o muro sustenta a construção de um só lado supõe-se que o outro proprietário não
teve interesse em concorrer para a sua construção.

Se existirem sinais contraditórios renasce a presunção de comunhão.40 – art. 1372º, 1373º,


1374º, 1375º

40
Contra PL / AV que dizem que a questão terá de ser resolvida de acordo com as regras gerais do ónus
da prova.

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Contitularidade dos Direitos Reais


Os direitos reais podem pertencer simultaneamente a vários titulares.
Contitularidade dos direitos tem 2 formas:
• Comunhão romana – por quotas
• Comunhão germânica – contitularidade no todo

COMPROPRIEDADE – art. 1403º e ss.


Corresponde ao sistema em que a propriedade é o paradigma e por isso se estende aos outros
direitos reais – regras sobre a compropriedade são aplicáveis, com a necessárias adaptações à
comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um
deles.

Art. 1403º/1: situação de compropriedade sempre que a propriedade seja atribuída a mais do
que um titular
Art. 1403º/2: presume-se que os titulares do direito têm direitos quantitativamente (quotas)
iguais;
➢ Isso implica que os termos do direito são iguais para os comproprietários – cada
proprietário não tem sobre a coisa faculdades superiores ou inferiores aos outros.
o Pode haver é uma diferente repartição do exercício dessas faculdade, caso o
montante das quotas de cada comproprietário seja distinto.

Constituição da Compropriedade
Pode ser constituída por:
• Negócio Jurídico – sempre que o direito de propriedade sobre uma coisa é atribuído
simultaneamente a vários titulares, por contrato ou testamento.
• Facto jurídico não negocial – usucapião (invocada após situação de composse em
relação à coisa), ocupação (várias pessoas ocupam uma coisa), achamento (sendo
expressamente imposta no caso de tesouros – art. 1324º) e acessão (casos dos art.
1333º/2, 1335º/3, 1340º/2).
• Sentença Judicial – quando é solicitada em tribunal quando às paredes e muros de
meação (art. 1370º)
• Disposição da lei – quando a lei estabelece presunções de comunhão (art. 1358º/1,
1359º/2, 1368º, 1371º)

Poderes dos Comproprietários


Os poderes atribuídos aos comproprietários são os 5 seguintes:
1. Uso da Coisa Comum (art. 1406º) – cada comproprietário tem isoladamente a faculdade de
uso da coisa comum, sujeita a certos limites.
• Restrição Funcional – não poder usar a coisa para fim diverso daquele a que ela se
destina – obriga a respeitar o fim a que a coisa se destina.
o É estranho, dado o direito de gozo pleno da propriedade (art. 1305º) mas
compreensível em virtude da necessidade de compatibilização do uso do
comproprietário com o uso dos outros consortes, uma vez que um uso
desvirtuado da coisa a poderia deteriorar (lesando o uso posterior dos outros).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Restrição Quantitativa – não poder privar os outros consortes do uso a que igualmente
têm direito – corresponde à dimensão quantitativa da quota de cada um.
o Cada comproprietário terá de limitar o uso da coisa, através do Uso Simultâneo
da Coisa (ex: utilizam todos o barco comum) ou Repartindo o Uso com Critério
Temporal (ex: casa de férias habitada em diferentes períodos) ou
Espacial/Geográfico (ex: cultivo de áreas diversas do terreno comum).

2. Reivindicação da Coisa Comum (art. 1405º/2) – comproprietário pode solicitar o


reconhecimento da compropriedade e a consequente restituição da coisa, sempre que esta se
encontre na posse ou detenção de terceiro.

3. Disposição e Oneração da própria quota (art. 1408º) – comproprietário tem posição no


direito comum que tem valor económico em virtude das faculdades que atribui ao seu titular,
podendo este pô-la no comércio jurídico.
• Por só ter uma posição num direito comum, uma disposição que abranja todo o direito,
ou mesmo apenas uma sua parte especificada, não pode deixar de ser vista como
disposição de bem alheio.

4. Direito de Preferência (art. 1409º e ss.) – lei atribui a cada um dos comproprietários o direito
de preferência na venda ou dação em cumprimento da quota do seu consorte, em ordem a
evitar que terceiros estranhos se imiscuam na titularidade do direito sobre a coisa.
• Direito de preferência legal com eficácia real, a que a lei atribui mesmo o primeiro lugar
entre os preferentes legais.
• Art. 1410º: ação de preferência

5. Direito de exigir a Divisão da coisa comum (art. 1412º e ss.) – divisão da coia depende de a
mesma poder ser fracionada sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo
para o uso a que se destina (art. 209º).
• Têm que ser cumpridos os requisitos administrativos para a divisão dos prédios

Obrigações dos Comproprietários


Segundo a lógica do “ubi commoda ibi incommoda”
Art. 1405º/1 impõe aos comproprietários participar nos encargos da coisa, na medida das suas
quotas -> art. 1411º/1
• Regra da repartição dos encargos da coisa por todos os comproprietários em termos
proporcionais às respetivas quotas. As partes podem acordar outro critério.

Renúncia Liberatória – comproprietário pode extinguir o direito que tem sobre a coisa (a sua
quota) de maneira a que não tenha encargos nem obrigações.
• A renúncia não é válida sem o consentimento dos restantes consortes quando a despesa
tenha sido previamente aprovada pelo interessado.
• Art. 1411º/2
• Art. 1411º/3

Administração da Coisa Comum


Art. 1407º - abrange atos de fruição da coisa comum, a sua conservação ou beneficiação e ainda
os atos de alienação dos frutos

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Sistema de administração disjunta (art. 985º/1, 2) – poderes de administração concentram-se


integralmente em cada um dos comproprietários, podendo estes individualmente praticar todos
os atos de administração, sem necessidade de consentimento nem sujeição às diretivas dos
outros. Há direito de oposição aos atos que os outros pretendam realizar, cabendo à maioria
decidir sobre o mérito da oposição (art. 985º/2). Maioria legal é formada com metade do valor
das quotas (art. 1407º/1, in fine).

Sistema de administração conjunta e maioritária (art. 985º/3, 4)

Art. 1407º/2 – recorrer ao tribunal quando não é possível estabelecer a maioria legal
Art. 1407º/3 – se mesmo sem a maioria se realizar o ato, ele é anulável

Disposição da Coisa Comum


Art. 1408º - só podem haver atos de disposição da coisa comum com o consentimento de todos
os comproprietários: alienação, transformação ou destruição.
Art. 1408º/2 – considera como venda de bem alheio a alienação sem a autorização (parte
especificada ou toda a coisa comum, por maioria de razão41), sendo nulo todo o negócio (art.
894º) salvo se vier a adquirir as quotas dos restantes consortes (art. 895º).
➢ Aplicação do regime de venda bens alheios é apenas em relação às partes no negócio,
sendo em relação aos outros consortes considerado o negócio como ineficaz.

Extinção da Compropriedade
Sempre que cessar a situação de contitularidade do direito em relação à coisa.
Cessação pode resultar:
• da aquisição derivada ou originária, por parte de um dos consortes ou terceiro, da
propriedade sobre toda a coisa – pode resultar de negócio jurídico ou de usucapião42 da
propriedade exclusiva (por um dos consortes ou por um terceiro)
• da divisão da coisa em frações, com atribuição da propriedade (horizontal) exclusiva
sobre essas frações a cada um dos consortes – cuja forma está sujeita à forma exigida
para a alienação onerosa da coisa (art. 1413º/2).43

Natureza Jurídica da Compropriedade


A. Teoria do Direito Sobre Quotas – Guilherme Moreira, Mota Pinto – cada proprietário
tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objeto da propriedade. Explica a
possibilidade de alienação separada da quota e o facto de cada consorte ter
possibilidade de uso e administração de toda a coisa comum não seria obstáculo pois
esta quota é ideal e não sobre parte especificada, pelo que os direitos de cada
comproprietário se estendem sobre toda a coisa.
➢ Direitos reais incidem sobre coisas corpóreas, necessariamente, não sobre
direitos (incorpóreos – sendo contrários à natureza do direito real).

41
Contra Vaz Serra e Carvalho Fernandes que defendem, para estes casos, uma conversão e redução
simultânea do negócio.
42
Art. 1406º/2 exige inversão do título da posse para o prazo começar a decorrer.
43
Por ação judicial a divisão e realizada através do processo especial de divisão da coisa comum: art. 925º
e ss. CPC

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B. Teoria da Pluralidade de Direitos sobre a Mesma Coisa – Pinto Coelho, OA, MC,
Carvalho Fernandes, JAV – pluralidade de direitos da mesma espécie, que recaem sobre
a mesma coisa, o que determina a limitação mútua ao respetivo exercício.
➢ Confunde as situações de contitularidade de direitos com as do concurso de
direitos. Não faz sentido considerar que o direito de propriedade, enquanto
pleno e exclusivo, possa concorrer com direitos idênticos de outros titulares.
➢ Não explica a maior parte dos poderes dever ser exercida conjuntamente.
C. Teoria do Direito Único com Pluralidade de Titulares – PL / AV, Henrique Mesquita –
referência legal a quotas refere-se a partes do direito e não a partes ideias da coisa;
todos os consortes são cotitulares do mesmo direito, no qual possuem uma quota.
Explica o regime da compropriedade.
➢ ML: na compropriedade, o direito de propriedade mantém-se com todas as suas
características, sendo apenas atribuído conjuntamente a mais do que uma
pessoa.
➢ Explica o facto de, em conjunto, os comproprietários poderem sempre exercer
todos os poderes relativos à coisa, bem como a circunstância de a posição de
cada comproprietário poder ser alienada ou onerada.
➢ Explica o facto de o uso da coisa comum pelo comproprietário não lhe atribuir
posse exclusiva, nem superior à sua quota, uma vez que ele se limita a exercer
o direito comum.
D. Teoria da Compropriedade como Pessoa Coletiva – doutrina italiana – a pessoa
coletiva, formada pelos comproprietários é que era a proprietária da coisa. Direito real
seria pertença da coletividade dos consortes, considerada como ente distinto dos
sujeitos que a compõe.
➢ Lei não personifica a compropriedade e não há autonomia patrimonial, o que
constitui o substrato indispensável a qualquer personificação.

CONTITULARIDADE DAS ÁGUAS – art. 1398º e ss.


Existência de uma situação de condomínio das águas obriga a que todos os co-utentes
contribuam para as despesas necessárias ao conveniente aproveitamento delas, na proporção
do seu uso, podendo para esse fim executar-se obras necessárias e fazer-se os trabalhos
indispensáveis, quando se reconheça haver perda ou diminuição do volume caudal.

Obrigação propter rem – recai sobre os comproprietários da água, antes da divisão desta, mas
também sobre os co-utentes que dela se aproveitam, em virtude de um ato de mera tolerância
do proprietário do prédio superior.

Admite-se a renúncia liberatória nos termos do art. 1398º/2


Normalmente resulta numa situação de divisão de águas – art. 1399º
A lei admite a relevância dos costumes na divisão das águas – art. 1400º.
➢ O costume, se vigorar por mais de 20 anos também vale para aquele que se aproveita
da mera tolerância do titular do direito às águas (art. 1391º).

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Constituição dos Direito Reais


Por Negócio Jurídico
Forma mais comum e que se encontra prevista nos direitos reais de gozo (art. 1417º, 1440º,
1485º, 1528º, 1547º), de garantia (art. 658º/2, 667º, 712º) e de aquisição (art. 413º, 421º).

Em virtude da tipicidade dos Direitos Reais o negócio jurídico não pode criar novos direitos reais
(art. 1316º), ficando-se por aquele que já estejam legalmente previstos.
Em certos casos a lei reconhece alguma maleabilidade ao negócio jurídico para conformação do
conteúdo dos direitos reais – art. 1418º e 1445º

Por Lei
A própria lei estabelece o direito – art. 733º e ss. (privilégios creditórios) e art. 704º e ss.
(hipoteca legal).

Por Sentença Judicial


Pode ser no âmbito de direitos reais de gozo (art. 1417º/2, 1547º/2) e de garantia (art. 658º,
710º).
A decisão judicial pode funcionar como forma de aquisição de qualquer direito real, em caso de
execução específica relativamente à promessa da sua constituição negocial (art. 830º) ou caso
exista um prévio direito real de aquisição (art. 413º, 421º, 1410º).

USUCAPIÃO – art. 1287º e ss.


Forma voluntária de aquisição de certos direitos reais, que necessita de uma posse com certas
características e mantida pelos prazos legais.

Capacidade para a Usucapião


Art. 1289º - apenas se exige a capacidade de gozo dos direitos

Direitos que podem ser objeto de Usucapião


Só pode abranger coisas objeto de direitos privados, sejam ela móveis ou imóveis, embora os
prazos variem.

Em relação aos bens do domínio privado do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, os
mesmos podem ser objeto de usucapião, mas nos termos da Lei 54, de 16/7/1913, mantida em
vigor pelo art. 1304º CC.

Art. 1287º restringe a usucapião aos direitos reais de gozo, excluindo as servidões prediais não
aparentes e os direitos de uso e habitação (art. 1293º).
• Quanto à aquisição por usucapião das servidões prediais não aparentes dispõe o art.
1548º/1. Ex: servidão de passagem só poderá ser adquirida por usucapião se houver
sinais visíveis permanentes do seu exercício, como a existência de uma porta ou
caminho entre dois prédios.
o Não aquisição por usucapião das servidões aparentes resulta do facto de não
ser fácil determinar a existência de uma posse pública, por elas serem
facilmente confundíveis com atos de tolerância do proprietário serviente.

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• Quanto aos direitos de uso e habitação, não podem ser adquiridos por usucapião porque
se tem de restringir a sua constituição, em virtude da limitação dos seus conteúdos e do
facto de em termos práticos ser difícil a sua distinção do usufruto.

Requisitos da Posse necessária para a Usucapião


Usucapião pressupõe a Posse
Art. 1287º - exige a posse nos termos de um direito real de gozo

Art. 1290º - exige para a usucapião a inversão do título da posse, só se iniciando o respetivo
prazo a partir da inversão do título.
➢ Art. 1252º/2 – presunção de que a posse é de quem exerce poder de facto
➢ A situação de posse em nome alheio tem de ser demonstrada por quem se opõe à
usucapião

Art. 1297º e 1300º/1 – exige-se posse pública e pacífica; a posse oculta ou violenta não é idónea
para a usucapião

PRAZOS
Variam consoante se trate de coisas móveis ou imóveis – regra é sempre a natureza dos bens e
não o valor.

IMÓVEIS
5 anos
• Art. 1295º/1/a – registo de mera posse e boa fé
o Só pode ocorrer mediante sentença transitada em julgado que o possuidor
possuía a coisa pública e pacificamente há mais de 5 anos (art. 1295º/2) – pelo
que é um prazo aparente uma vez que só se pode registar a posse após 5 anos
(totalizando 10)
10 anos
• Art. 1295º/1/b – registo de mera posse e má fé
• Art. 1294º/b – existir título de aquisição e registo deste e boa fé
15 anos
• Art. 1294º/b – existir título de aquisição e registo deste e má fé44
• Art. 1296º - não existindo título de aquisição nem registo deste, mas a posse ser de boa

20 anos
• Art. 1296º - não existindo título de aquisição nem registo deste e a posse ser de má fé

MÓVEIS
Sujeitos a Registo – automóveis, navios e aeronaves
• Art. 1298º/a – 2 anos quando há título de aquisição e registo deste, havendo boa fé
• Art. 1298º/a – 4 anos quando há título de aquisição e registo deste, havendo má fé
• Art. 1298º/b – 10 anos, não havendo registo, independentemente do título ou da boa

44
Ter título faz presumir boa fé, mas pode ser ilidida

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Não sujeitos a Registo


• Art. 1299º - 3 anos, havendo justo título e boa fé
• Art. 1299º - 6 anos, independentemente da boa fé ou do título

POSSE OCULTA E VIOLENTA


Não conduz à usucapião.
Se a coisa móvel vier a ser transmitida para um terceiro antes da extinção da violência ou da
publicidade, o terceiro pode vir a adquirir direitos sobre essa coisa
➢ Art. 1300º/2 – 4 anos se for titulada; 7 anos na falta de título

Art. 1292º - determina a aplicação à usucapião das regras relativas à suspensão e interrupção
da prescrição.
• Usucapião é moldada segunda as regras: dos art. 318º e ss. (suspensão do prazo da
usucapião – quando a sua contagem é paralisada durante a verificação de certos factos
ou situações a que lei atribui esse efeito) e art. 323º e ss. (interrupção do prazo de
usucapião – quando não apenas a sua contagem é paralisada em virtude de certos factos
ou situações que a lei atribui esse efeito, mas também se inutiliza o prazo anteriormente
decorrido).

Prazos para a usucapião não são prejudicados pela existência, em algum momento, e turbação
ou esbulho da posse – se vier a ser julgada procedente a ação de manutenção ou restituição –
art. 1283º.
Também não é prejudicado por sucessão na posse, continuando a correr na esfera dos
sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa –
art. 1255º.
No caso de acessão na posse, é facultativa a junção do prazo da posse do antecessor (art.
1256º/1), sendo que, se as posses forem de natureza diferentes, a junção só pode ocorrer nos
limites da posse que tiver menor âmbito (art. 1256º/2).

Invocação da Usucapião
Usucapião só é eficaz se for invocada, sendo por isso voluntária – art. 303º ex vi art. 1292º
• Tribunal não pode suprir oficiosamente a usucapião.
• Uma vez invocada, os efeitos da usucapião retroagem ao início da posse – art. 1288º
• Como aquisição originária do direito, a usucapião suplanta todos os registos existentes
sobre o bem (usucapio contra tabulas) – registo da usucapião é meramente enunciativo
(art. 5º/2/a Cód RP)

Negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da usucapião, facilitar ou dificultar as


condições em que a prescrição opera os seus efeitos são nulos – art. 300º ex vi art. 1292º
• Mesmo a renúncia à usucapião só é admitida depois de decorrido o prazo prescricional
– art. 302º/1 ex vi art. 1292º
• Pode ser renúncia tácita, não necessitando aceitação pelo beneficiário – art. 302º/2 ex
vi art. 1292º
• Só tem legitimidade para renunciar à usucapião quem puder dispor do direito que a
usucapião tenha criado – art. 302º/3 ex vi art. 1292º

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Tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita – art. 303º ex
vi art. 1292º
• Pode ser invocada também pelos credores e por terceiros com legítimo interesse da sua
declaração, ainda que o possuidor a ela tenha renunciado – art. 305º/1 ex vi art. 1292º
o Tem que se ter em conta o art. 305º/2 e 3

Usucapião deve ser invocada através de escritura de justificação notarial45 ou decisão


proferida pelo Conservador no processo especial de justificação (dos art. 116º e ss. Cód RP)
• Ação judicial fica reservada para as hipóteses em que há litígio sobre a situação – art.
3º/1/a Cód RP
• Aquisição originária de um direito que suplanta todos os registos que existem – escritura
de justificação notarial não está sujeita aos vícios e limites que afetassem ou onerassem
o direito anterior.

AUJ 1/2008, STJ (Azevedo Ramos): Na ação de impugnação de escritura de justificação notarial
prevista nos art. 116º/1 e ss. Cód RP e art. 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os
réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel,
inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova
dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo
decorrente do art. 7º Cód RP.

ACESSÃO
Art. 1325º - situação que ocorre quando a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora
com uma coisa que não lhe pertencia.
➢ Perante a junção de duas coisas, a lei determina a aquisição da propriedade sob a coisa
que resultou dessa junção apenas por um dos proprietários, com a consequente perda
da propriedade pelo outro.

Não se restringe à propriedade e por esta via podem ser adquiridos outros direitos reais –
usufruto (art. 1471º/2) e hipoteca (art. 691º/1/b)

Distinção das Benfeitorias


Tanto na acessão como nas benfeitorias existe um incremento de valor patrimonial em bens
alheios, mas há critérios para se distinguir uma da outra:
• Manuel Rodrigues – benfeitorias valorizam objeto possuído, mas os atos de acessão
alteram a substância do objeto da posse porque inovam;
• PL / AV – critério é a existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a
pessoa à coisa beneficiada – benfeitoria é melhoramento feito por quem está ligado à
coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico (proprietários, possuidores,
locatário, usufrutuário e etc.); a acessão é fenómeno que vem do exterior, de um
estranho, de uma pessoa que não contacto jurídico com a coisa (sendo que a aquisição
por acessão é sempre subordinada à falta de um título que dê, per si, a origem e a
disciplina da situação criada – terceiro, detento ocasional e etc.)

45
ML: não é negócio jurídico e sim um quase-negócio jurídico, uma vez que não cria o direito nela
declarado, traduzindo-se antes numa declaração unilateral do justificante, que o mesmo terá de
comprovar se for impugnada.

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• Vaz Serra – distinção é fundada na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras


– benfeitorias dá direito de levantamento ou direito de crédito contra o dono da coisa
beneficiada; acessão constitui-se coisa nova, mediante alteração da substância daquele
que a realiza, atribuindo a lei certas condições para tal
• Menezes Cordeiro – aplicam-se as benfeitorias quando a lei expressamente o disser;
considera-se acessão sempre que a coisa incorporada não valha como benfeitoria,
designadamente quando valha mais do que a outra coisa, quando modifique o destino
económico conjunto, ou quando não conserve ou melhore a coisa, nem sirva para
recreio do benfeitorizante, antes correspondendo ao normal exercício do direito
acedido
• JAV – aplica-se regime de benfeitorias quando a lei o estabeleça (locação, comodato,
usufruto) mas tal não acontece na posse (restrição ao alcance literal dos art. 1273º e
1275º)
• ML – regime das benfeitorias, independentemente de a lei para ele remeter, deve
ceder sempre que esteja em causa uma situação de acessão, podendo esta assim
ocorrer nos casos em que exista uma relação prévia com a coisa, a menos que a lei exclua
a aplicação do regime.
o Não é limitação se a lei regular o regime das benfeitorias – que correspondem
apenas a despesas para conservar ou melhorar a coisa (art. 216º) – mantem ou
desenvolve o valor económico da coisa e não cria conflito de direitos, limitando-
se a haver obrigação de restituição.
o Acessão efetua incorporação de um valor económico novo naquele bem,
através da união com outra coisa ou da sua transformação por aplicação de
trabalho, gerando um direito novo sobre a coisa, que entra em conflito com o
do proprietário primitivo. Ex: locatário prédio rústico constrói edifício no
terreno, a situação é de acessão e não benfeitoria.

Art. 1326º tem as espécies de acessão


Acessão Natural – art. 1327º
Resulta exclusivamente das forças da natureza
 Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da natureza,
ocorrendo uma extensão automática do direito real em relação a tudo o que a crescer
à coisa em virtude de fenómenos naturais (art. 1317º/d)

Acessão natural por força das águas


• Aluvião – art. 1328º - justificação do regime é o facto de, devido à lentidão do processo,
ser inviável a identificação dos objetos ou porções de terreno que foram sendo
transferidos, pelo que se justifica atribuir logo a sua propriedade ao titular da coisa
principal
• Avulsão – art. 1329º
• Mudança de leito – art. 1330º
• Formação de ilhas e mouchões – art. 1331º
• Lagos e lagoas – art. 1332º

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Acessão Industrial
Resulta de ação humana

Acessão Industrial Mobiliária


• Por União: verifica-se a junção de dois ou mais objetos num novo, não sendo possível a
sua separação sem detrimento da coisa;
• Por Confusão: quando se dá uma reunião de objetos, os quais perdem por isso a sua
individualidade;
o Lei trata-as conjuntamente, distinguindo apenas se é de má ou boa fé
• Por Especificação: quando alguém modifica, com o seu trabalho, alguma coia que
pertence a outrem. Tratada autonomamente mas também atendendo à boa ou má fé.

Pressuposto comum: não ser possível fazer reverter as coisas ao estado de separação ou à sua
primitiva forma, ou, sendo-o, tal implique a produção de prejuízo para uma das partes.
➢ Se for possível realizar sem prejuízo o regresso das coisas à situação anterior, deixa de
se verificar acessão industrial mobiliária.

1. União ou Confusão realizadas voluntariamente e de boa fé do autor – art. 1333º


2. União ou Confusão realizadas voluntariamente e de má fé do autor – art. 1334º
3. União ou Confusão operadas casualmente – art. 1335º
4. Especificação de boa fé – art. 1336º
5. Especificação de má fé – art. 1337º

Acessão Industrial Imobiliária


Aquisição da propriedade sobre coisas em virtude da realização de obras, sementeiras ou
plantações num imóvel, podendo essa aquisição ocorrer quer em relação ao imóvel como aos
materiais, sementeiras ou planta utilizados.

Lei estabelece regime distinto consoante a alienade se verifique em relação a:


• Obras, sementeiras ou plantações em terreno próprio com materiais, sementes ou
plantas alheias – art. 1339º
• Obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com materiais, sementes ou
plantas próprias – boa fé (art. 1340º46); má fé (art. 1341º)
• Obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com materiais, sementes ou
plantas alheias – art. 1342º
• Construção de edifício em terreno próprio determina a ocupação, de boa fé, de uma
parcela de terreno alheio – art. 1343º

Formas de Atuação da Acessão


Art. 1317º/d refere que a acessão ocorre no momento da verificação do respetivo facto, mas
a doutrina tem vindo a discutir, especialmente no âmbito da acessão industrial imobiliária, se a
aquisição por acessão é automática, ocorrendo no momento da verificação da junção das coisas,
ou se é potestativa, dependendo de uma manifestação de vontade do seu titular.

46
ML: boa fé na autorização teria de ser uma autorização pura e simples – no caso em que a autorização
é para algo específico pode ser discutível se havia efetivamente boa fé

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• PL / AV – automático – sentido literal dos art. 1339º e 1340º, com o facto de estes não
terem regulado as consequências de o proprietário não querer adquirir a propriedade
do implante e ainda a circunstância de a sua renúncia levar à constituição de um direito
de superfície, que teria de observar a forma legal desse ato.
• OA – potestativa – “adquire pagando” dos art. 1339º e 1340º demonstram esse caráter
potestativo, favorecido pelo art. 1333º/1 e 1343º mais as disposições que subordinam
a aquisição à licitação, ou que preveem que o beneficiário não queria adquirir.
o Não faz sentido impor ao beneficiário o pagamento de uma indemnização em
contrapartida de uma aquisição que ele pode não pretender.
o Só ocorre perda da propriedade com pagamento da indemnização.
o Aquisição automática impediria partes de estipularem solução diferente para o
conflito e atribuiria o risco ao beneficiário da acessão.
o MC, Carvalho Fernandes, JAV
• ML: aquisição deve considera-se, tal como a usucapião, uma forma de aquisição
originária dos direitos reais, adquirindo assim o titular um direito novo, que não está
dependente das vicissitudes do direito anterior.
o No entanto, ao contrário do que sucede na usucapião (art. 5º/2/a Cód RP), o
registo da acessão não é meramente enunciativo, pelo que, no caso de estar
sujeita a registo, serão tutelados os direitos adquiridos por terceiro e registados
antes da acessão.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Transmissão dos Direitos Reais


A transmissibilidade dos Direitos Reais tem proteção constitucional – art. 62º CRP
• Mortis causa: transmissibilidade dos Direitos Reais por morte é a regra, havendo
exceções em que são direito apenas vitalícios (usufruto, art. 1476º/1/a; uso e habitação,
art. 1490º).
• Inter vivos: alienabilidade dos Direitos Reais está subordinada aos princípios da
consensualidade (transmissão através de contrato, sem necessidade de outro ato,
como a tradição ou o registo) e da causalidade (transmissão do direito depende da
validade do negócio transmissivo47).

Exceções:
• Art. 1488º - usuário e morador usuário não podem alienar o seu direito nem onerá-lo.
• Art. 1545º - servidões prediais não podem ser separadas dos prédios a que pertencem,
portanto não podem ser alienadas autonomamente do prédio dominante.
• Art. 1409º e 1535º - Direitos de preferência não podem ser transmitidos isoladamente
do respetivo direito
• Art. 760º - direito de retenção tem proibição parcial pois não pode ser transmitido sem
o crédito48

De acordo com o princípio da tipicidade, as partes só podem introduzir cláusulas com eficácia
real no caso de essa possibilidade estar incluída no próprio tipo legal do direito em causa –
caso do usufruto (art. 1444º/1 in fine); substituições fideicomissárias (art. 962º e 2286º); doação
com reserva do direito de dispor (art. 959º).
➢ Caso não estejam previstas, pelo princípio do art. 1306º, só poderão ter eficácia
obrigacional – violando as cláusulas há apenas responsabilidade obrigacional (art.
798º).
➢ Na hipoteca é nula – art. 695º

Contratos Reais
Devido à alienabilidade dos direitos reais, inclui-se no âmbito da autonomia privada a
possibilidade de celebração de contratos com efeitos reais – negócios de disposição de
direitos, pressupondo por isso a titularidade do direito que é seu objeto.

Contratos reais quod effectum – transmissão dos direitos reais produz-se por mero efeito do
contrato; art. 408º
➢ Exceções no art. 408º/2
➢ A partir do momento da celebração do contrato o adquirente suporta o risco relativo à
perda ou deterioração da coisa (art. 796º)
➢ Pode convencionar-se que a transmissão da propriedade só ocorra com o pagamento do
preço (art. 409º/1) – cláusula de reserva de propriedade49

47
Se o negócio for inválido não chega a haver transmissão do Direito.
48
Art. 727º - em relação à hipoteca pode haver possibilidade de cessão sem o crédito assegurado.
49
Sujeita a registo nos termos do art. 409º/2
• Desvio ao sistema de título para não passar logo para a esfera do devedor.
o 1ª proteção: não conta logo como património do devedor para pagar a outros credores
e aquele que reservou a propriedade (caso não pague).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Contratos reais quod constitutionem – necessitam da tradição da coisa de que são objeto para
se constituírem; penhor (art. 669º/1), doação verbal (art. 947º/2), mútuo (art. 1142º).

Habitualmente são contratos não formais para móveis (art. 219º)


Habitualmente são contratos formais/solenes para imóveis – exigindo celebração por escritura
pública ou documento particular autenticado
➢ Exceção na compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, de prédio urbano
destinado a habitação ou fração autónoma para o mesmo fim quando o mutuante é
instituição de crédito – basta documento particular de acordo com modelo legalmente
aprovado.
o Também se aplica aos contratos de mútuo com hipoteca e sub-rogação nos
direitos e garantias do credor hipotecário.
➢ Exceção no procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis – DL
263-A/2007
➢ Exceção no contrato de oneração ou transmissão de direito real de habitação periódica
– declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial da
assinatura do alienante (art. 12º DL 275/93 na redação do DL 180/99)

Modificação dos Direitos Reais


Alterações no Objeto: o objeto do direito real sobre uma alteração, o que afeta o direito que
sobre este incide, em virtude da inerência desse direito à coisa.
• Benfeitorias – art. 1273º e 1275º
• Divisão da coisa comum – art. 1412º e 1413º50
• Perda parcial da coisa – art. 1478º/1
• Transformação da coisa noutra com valor mas com finalidade económica distinta – art.
1478º/2
51

Alterações no Conteúdo: o objeto do direito real mantém-se o mesmo, mas o conteúdo do


direito é alterado, em virtude da modificação das faculdades atribuídas ao seu titular.
• Modificação do título constitutivo, que rege a situação de certos direitos reais menores
– propriedade horizontal (art. 1416º/1; 1418º; 1419º), usufruto (art. 1445º), uso e
habitação (art. 1485º), servidões (art. 1564º).
• Constituição de direitos reais menores que comprimem o direito real maior –
propriedade vê o seu conteúdo alterado

o 2ª proteção: permite resolver o contrato


50
Que não acontece quanto às servidões prediais – art. 1546º
51
No caso da sub-rogação real existirá a extinção do direito real com a constituição de outro direito sobre
distinto objeto.

66
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Defesa dos Direitos Reais


Se a violação de um direito violar simultaneamente uma situação possessória (posse causal), o
titular do direito pode reagir com base na defesa da posse – AÇÕES POSSESSÓRIAS

Se estiver em risco a lesão do direito, podem instaurar-se previamente ou no decurso da ação


respetiva PROCEDIMENTOS CAUTELARES

Se os pressupostos estiverem preenchidos admite-se o recurso à AUTOTUTELA

Paradigmaticamente os Direitos Reais podem ser defendidos através das AÇÕES REAIS:
1. Ação de Reivindicação – ação declarativa de condenação pelo art. 1311º e ss.
• Art. 1315º permite estender este regime à defesa de qualquer titular de direitos
reais que atribuam a posse da coisa.
o Só tem legitimidade ativa para recorrer à ação de reivindicação quem seja
titular de um direito real que atribua a posse da coisa, mas não tenha essa
posse.
o Tem legitimidade passiva para a ação de reivindicação quem seja possuidor
ou detentor da coisa, mas não seja titular do correspondente direito real.
• Baseia-se em dois pedidos:
o Reconhecimento do Direito Real que assiste ao autor;
o Restituição da coisa, como consequência do reconhecimento.
o Segue os termos do processo comum e pode acumular-se com outros
pedidos, como a indemnização.
• É necessário fazer prova da titularidade do Direito Real – não bastando a
demonstração da aquisição derivada do direito, pois nada garante que o autor
adquiriu a coisa ao seu legítimo proprietário;
o Tem de se demonstrar que adquiriu originariamente o direito52 - prova é
dispensada quando existem presunções de propriedade, como a derivada
da posse (art. 1268º/1) ou do registo (art. 7º Cód RP).
• Se o possuidor ou detentor for titular de algum direito que legitime essa posse ou
detenção, o Tribunal limita-se a condenar o réu a reconhecer o direito do autor,
embora não ordenando a restituição da coisa.
• Art. 1313º - é imprescritível; sendo improcedente quando ocorre a aquisição por
usucapião a favor de outrem.
• Está sujeita a registo (art. 3º/1/a)
2. Ação Confessória – não envolve pedido de entrega da coisa e é uma simples ação de
apreciação positiva (art. 10º/3/a CPC).
• No Direito Romano era tradicionalmente reservada à defesa de direitos reais
menores como a servidão e usufruto – autor solicitava que o proprietário fosse
condenado ao reconhecimento do seu direito real menor sobre a coisa de forma a
não levantar oposição ao exercício desse direito.

52
Prova que pode ser extremamente difícil em concreto (probatio diabolica)

67
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Perdeu utilidade pois a reivindicação pode ser utilizada para tutelar qualquer direito
real (art. 1315º).
3. Ação Negatória – é uma simples ação de apreciação negativa (art. 10º/3/a CPC).
• Proprietário instaura a ação conta quem invoca ter um direito real incidente sobre
um bem seu, de forma a obter a declaração de inexistência desse direito.
4. Ação de Demarcação – ação usada para estabelecer os limites entre os prédios no âmbito
das relações de vizinhança pelos art. 1353º e ss.
• Segue a forma de processo comum e o Tribunal respeita o art. 1354º.
• Ação imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião (art. 1355º)

68
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Extinção dos Direitos Reais


A extinção dos Direitos Reais pode ocorrer em virtude de diversas situações e as figuras variam
consoante o Direito Real que está em causa.

1. Expropriação

2. Perda da Coisa
Por força da inerência do direito real à coisa que é seu objeto, a perda da coisa extingue o
direito sobre a mesma.
• Tem de ser uma perda total, pois se for parcial apenas há modificação do objeto do
Direito Real (art. 1478º/1).
• Perda pode ser por desaparecimento ou destruição – se for deterioração o direito
mantém-se, ainda que a coisa diminua de valor ou perca aptidão para o fim a que se
destina

Causa genérica de extinção – referência a propósito do Usufruto (art. 1476º/1/d) e da Superfície


(art. 1536º/1/e)

3. Impossibilidade de exercício do direito


O direito destina-se a ser exercido pelo seu titular, pelo que a impossibilidade de exercício deve
conduzir à extinção do mesmo.
• Tem de ser impossibilidade definitiva, pois se for temporária ocorre apenas uma
suspensão desse direito.
• Não se confunde com a desnecessidade, que constitui uma causa de extinção privativa
das servidões por usucapião (art. 1569º/2) e legais (art. 1569º/3).

Consagra quanto à superfície (art. 1536º/1/e, in fine) mas deve considerar-se de aplicação
generalizada a todos os direitos reais – embora quanto às servidões temos o art. 1571º e
1569º/1/b).

4. Abandono
Pressupõe a cessação da relação material com a coisa (corpus) em virtude de um ato
intencional do seu titular dirigido à extinção da sua propriedade (animus derelinquendi).
• É voluntário e não constitui negócio jurídico e sim um comportamento material a que se
atribui a natureza de ato jurídico simples (art. 295º).
• Não se encontra previsto como causa de extinção dos direitos reais – só da posse (art.
1267º/1/a) – há referência no art. 1318º e o 1397º.
o Só pode haver abandono para esse tipo de coisas, vigorando para os outros
casos o instituto da renúncia.

5. Renúncia
Renúncia Abdicativa – extinção do direito realiza-se sem qualquer contrapartida para o titular.
• Usufruto (art. 1476º/1/e); Uso e habitação (art. 1485º); Servidões prediais (art.
1569º/1/d); Hipoteca (art. 730º/d); Consignação de rendimentos (art. 664º); Penhor
(art. 677º); Privilégio (art. 752º); Direito retenção (art. 761º); Todo os direitos reais de
garantia

69
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Não há referência à propriedade, propriedade horizontal e direito de superfície.


o Doutrina dominante (OA, MC, JAV) – é admissível a renúncia ao direito de
propriedade, com fundamento na livre disposição desse direito.
o Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes, ML – o nosso sistema jurídico
consagra a função social da propriedade e não se compactua com a renúncia
pelo que não se reconhece a renúncia como uma faculdade do direito de
propriedade.

Renúncia Liberatória – extinção do direito tem como contrapartida a exoneração do titular em


relação a certas obrigações propter rem, sendo consequentemente dependente dessa mesma
exoneração.
• Compropriedade (art. 1411º); Usufruto (art. 1472º/3); Uso e habitação (art. 1485º);
Servidão (art. 1567º/2 e 4).
• Tem caráter unilateral – excepto na compropriedade em que exige o consentimento
dos demais e nas servidões, em que o proprietário do prédio dominante pode recusar.

6. Prescrição
Não se aplica face aos direitos reais de gozo – art. 298º/3 sujeita-os a causa de extinção própria
(o não uso, que se rege pelo regime da Caducidade).
• Exceção da superfície (art. 1536º/1/a, b -> art. 1536º/3)

Extingue alguns direitos reais de garantia – hipoteca (art. 730º/b), privilégios creditórios (art.
752º), direito de retenção (art. 761º). Há uns excluídos (art. 664º e 677º).

Também se aplica aos direitos reais de aquisição pelo art. 298º/1

7. Caducidade
Extinção do direito em virtude da superveniência de um facto jurídico stricto sensu, como o
decurso do tempo ou a morte.
• Opera nos direitos reais temporários, ocorrendo a sua extinção em consequência desses
factos – Usufruto (art. 1476º/1/a); Uso e habitação (art. 1485º).
o Há outros direitos que tanto podem ser perpétuos como temporários pelo que
se aplica quando forem temporários – Superfície (art. 1536º/1/c); Servidões
prediais (art. 1569º/1/e)
o Propriedade é em princípio perpétua, pelo que não se aplica – só nos casos em
que a lei prevê que é temporária (art. 1307º/2).

8. Não Uso
Constitui causa de extinção de certos direitos reais baseada na inércia do titular do direito real
de gozo em relação ao exercício das faculdades integrantes desse direito.
• Distingue-se da prescrição dos créditos, pois a inércia do titular não consiste no não
exercício dos seus poderes em relação a terceiros.
o Por este motivo, o não uso também nada tem a ver com uma eventual
usucapião por terceiro, uma vez que esta pressupõe a violação do direito em
consequência do seu exercício por terceiro, enquanto que o não uso se basta
com a mera omissão das faculdades integrantes do direito.

70
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Art. 298º/3 – Propriedade; Usufruto; Uso e Habitação; Superfície; Servidão não


prescrevem mas podem extinguir-se pelo não uso, nos casos previstos pela lei
(aplicando, na falta de disposição, as regras da caducidade).
o A lei prevê nos art. 1476º/1/c; 1485º; 1569º/1/b; 1397º

O não uso não é causa de extinção da propriedade sobre outros bens, nem da propriedade
horizontal ou do direito de superfície.

9. Confusão
Equivalente a Direito das Obrigações – art. 868º
Quando na mesma pessoa se reúnem as qualidades de titular de um direito real maior e de
um direito real menor, o que determina a extinção do direito real menor por já não se justificar
a compressão do direito real maior nessa situação.

É causa de extinção do Usufruto (art. 1476º/1/b), Uso e habitação (art. 1485º), Superfície (art.
1526º/1/d), Servidões Prediais (art. 1569º/1/a).

10. Perda da Posse


Não constitui normalmente causa de extinção do direito real incidente sobre ela, enquanto não
decorrer o prazo para a usucapião por parte do novo possuidor.
• No entanto, a lei fixa o momento da aquisição por usucapião no início da posse (art.
1317º/c) ocorrendo retroação dos efeitos da aquisição ao momento da perda da posse
pelo titular.

Quando a posse desempenha uma função de publicidade de certos direitos reais de garantia, a
restituição da coisa implica igualmente a perda do direito (art. 677º e 761º).

11. Usucapio libertatis


Caso em que o titular do direito real maior, por via da oposição pelo tempo necessário à
usucapião, ao exercício de um direito real menor, consegue obter a liberação do seu direito
real maior daquele direito menor que o onerava.
• Art. 1557º - prevista como forma de extinção de servidões prediais
o Doutrina considera como forma geral de extinção de direitos reais menores –
não há razão para que o proprietário, quando exerce o seu direito em
contrariedade com esse direito real menor, adquira a liberação desse ónus,
quando essa liberação ocorreria igualmente, caso fosse a propriedade plena
adquirida por um terceiro por via da usucapião.

Tem os pressupostos seguintes:


• Oposição ao exercício do direito real menor por parte do titular do direito real maior
– exige-se que ocorra um desapossamento do direito real menor por parte do titular do
direito real maior, passando este a impedir a posse daquele direito. Tem que ser
impedimento efetivo.
• Decurso do prazo legal para a usucapião
• Invocação pelo beneficiário – tanto judicial ou extrajudicialmente
Estando preenchidos, extingue-se o direito real menor – considerando ocorrido no momento do
início da oposição (art. 1288º e 1317º/c).

71
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

12. Constituição de um direito real incompatível


Extinção de direitos reais quando se constitui um direito real com ele incompatível.
• Caso da usucapião (art. 1287º e ss.);
• Caso da aquisição tabular (resultante do efeito atributivo do registo pelo art. 5º/1 e
17º/2 Cód RP ou do art. 291º CC ao prevalecer sobre o titular do direito com base na
realidade substantiva, faz extinguir o direito que anteriormente existia sobre a coisa).

13. Extinção do direito real maior com base no qual o direito se constituiu
Extinção de um direito real maior com base no qual aquele direito se constituiu.
• Decorre da regra de que ninguém pode atribuir a outrem mais direitos do que aqueles
que tem – o titular de um direito não pode onerar o seu direito com encargos que
extravasem da sua duração e se o fizer, esses direitos extinguem-se com a extinção do
direito sobre o qual se constituíram.
• Hipoteca e usufruto (art. 699º/2); Superfície (art. 1539º/1)

72
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

REGISTO – Publicidade dos Direitos Reais


Devido à eficácia dos Direitos Reais perante terceiros, torna-se necessário dar publicidade aos
mesmos.

A Posse é forma de publicidade do controlo material das coisas, que é exercido em termos de
um direito real.

Sistema de Publicidade Português


• Registo Espontâneo
• Registo Obrigatório – regulado pelo Registo Predial53

Registo Predial
A cargo das Conservatórias do Registo Predial, que são serviços do Instituo dos Registos e
Notariado, IP.
➢ Atos do registo predial podem ser requeridos em qualquer conservatória do território
nacional, independentemente do lugar da situação dos prédios.

Função no art. 1º - através do registo é possível saber qual a situação jurídica do prédio (e
também da relação que se estabelece entre o prédio e certas pessoas).
• Registo Predial54 organiza-se com base num sistema real (descrições relativas às
situações dos prédios) embora se tenha igualmente um ficheiro relativo às pessoas que
são titulares deste (art. 24º Cód RP).

Ideia é a de que a situação substantiva deve corresponder à situação registal.

Princípios do Registo Predial


Princípio da Instância
Registo só se faz a requerimento dos interessados, salvo os casos previstos na lei – art. 41º
• Serviços oficiais não têm o dever de promover oficiosamente o registo, devendo o
mesmo ser requerido por quem tenha legitimidade para isso (art. 36º)

Princípio da Obrigatoriedade
Apesar do registo continuar a ser voluntário e depender do pedido dos interessados, esse
pedido passou a ser obrigatório – art. 8º-A a 8º-D Cód RP
• Art. 8º-A: obrigatoriedade do registo de certos factos e exceções
• Art. 8º-B: obrigação de registar incide sobre as entidade que celebrem a escritura
pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as assinaturas
• Art. 8º-C: prazo de dois meses a contar da data em que os factos tenham sido titulados
• Art. 8º-D: se o registo não for cumprido no prazo, o Negócio Jurídico não é inválido e a
consequência é um acréscimo nos emolumentos.

53
Não só em relação a prédios mas também a móveis sujeitos a registo (há registo automóvel que em
certas disposições remete para o Cód RP)
54
Com o DL 224/2007 instituiu-se o Sistema Nacional de Exploração e Gestão da Informação Cadastral
(SINERGIC) que veio complementar o Registo Predial e procura assegurar uma identificação única dos
prédios, que permita unificar os conteúdos cadastrais e submete-los a gestão uniforme e informática.

73
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Princípio da Legalidade
O registo é objeto de controlo pelo conservador – art. 68º
• Controlo da legalidade não é meramente formal e tem de fazer uma fiscalização da
validade substancial do ato contido no título – limita-se à averiguação dos casos de
nulidade dos atos (art. 69º/1/d), já que não tem legitimidade para suscitar a questão da
anulabilidade55
• Pode recusá-lo ou realizá-lo provisoriamente e com dúvidas – art. 69º a 71º
• Decisão poe ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico ou mediante
impugnação judicial – art. 140º, 141º, 145º
• Se registar ato falso ou juridicamente inexistente incorre em responsabilidade – art.
153º

Princípio do Trato Sucessivo


Registo deve instituir uma cadeia ininterrupta de transmissões ou onerações do bem, tendo
assim as inscrições que ser contínuas entre si e não podendo fazer qualquer inscrição a favor
de um adquirente do bem, sem que exista uma inscrição prévia a favor do transmitente – tem
de haver sequência ininterrupta de situações registais (art. 34º Cód RP).
JAV: Registo Predial deve patentear toda a sequência dos factos jurídicos respeitantes a cada
prédio descrito.
• Permite apurar os atuais e os anteriores titulares de inscrições relativamente ao prédio.
• Se o registo for interrompido, o adquirente tem de proceder ao registo das inscrições
intermédias para obter o seu reatamento – se não for possível, tem de justificar pelo
art. 116º e ss. Cód RP
• Pode ser feito através de um processo de Justificação Notarial, indo-se ao notário com
várias testemunhas que atestam que a pessoa está na posse do título.56

Princípio da Legitimação
Quando resultar a transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis, não
podem ser titulados se não houver registo a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou
contra qual se constitui o encargo – art. 9º
➢ Aquele que não registou não vai conseguir transmitir o direito que substantivamente é
titular (art. 9º) – continua a ser proprietário mas não pode vender, uma vez que não
consta no registo como proprietário (isto devido ao princípio da legitimação).

Legitimação reforça proteção conferida pelo trato sucessivo, na medida em que veda que o
próprio negócio seja titulado, sem que se encontre comprovado o registo prévio a favor do
transmitente.
• MC: desrespeito por este princípio leva a nulidade
• ML: não há problema de legitimação substantiva e sim de legitimação formal – há
apenas sanções para o agente que não registar

55
Esse valor negativo não é de conhecimento oficioso e depende de arguição por parte dos interessados
– art. 287º CC
56
É o título que justifica a usucapião

74
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Princípio da Prioridade
O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos
mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal
das apresentações correspondentes – art. 6º

Modalidades de Atos de Registo


Com base no Conteúdo
Descrição – art. 79º e ss. Cód RP
• Genérica: efetuada para cada prédio ou empreendimento turístico (art. 82º/2)
• Subordinada: efetuada nos casos de constituição da propriedade horizontal ou direito
de habitação periódica, relativamente a cada fração autónoma ou unidade de
alojamento (art. 81º + art. 83º)
• Feita na dependência de uma inscrição ou averbamento (art. 80º/1 e exceção do art.
80º/2)
• Averbamentos às Descrições – permitem alterar, completar ou retificar elementos
das descrições (art. 88º/1 e ss.)
• Ainda se preveem Anotações Especiais à Descrição (art. 90º-A)

Inscrição – art. 91º e ss. Cód RP


• Só podem ser lavradas com referência a descrições genéricas ou subordinadas (art.
92º/2), mas um facto pode respeitar várias descrições sendo a inscrição lavrada na fica
de cada uma delas (art. 92º/3).
• Inscrições ou correspondentes cotas de referência são lançadas no seguimento da
descrição – art. 79º/3
• Averbamentos às Inscrições – servem para completar, atualizar ou restringir as
inscrições (art. 100º e ss.)

Com base na Eficácia


Definitivos – produzem plenamente a sua eficácia, sem qualquer limitação de vigência

Provisórios – produzem eficácia por um prazo de vigência limitado.


• Registo provisório por Natureza: prazo de vigência limitado em virtude da própria
natureza do facto a inscrever – enumerados no art. 92º
• Registo provisório por Dúvidas: prazo de vigência limitado em virtude de existir algum
vício no facto ou deficiência no processo de registo, que impede o seu registo definitivo
– art. 70º

• Devem ser convertidos em definitivos através de averbamento à inscrição (art. 101º/2/d


e 103º/2) – indicando o novo facto que afasta a provisoriedade ou a remoção das
dúvidas.
o Se não forem convertidos ou renovados dentro do prazo de vigência os registos
provisórios caducam em 6 meses – art. 11º/2 e 3
o Aplicável ao Registo Provisório por Dúvidas, o por Natureza tem prazos
diferentes (art. 92º/3 a 6) e algumas não estão sujeitas a prazos de caducidade
(art. 92º/11)

75
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Processo do Registo
Legitimidade e representação no pedido do registo
O registo só pode ser solicitado por quem tenha legitimidade registal – art. 36º Cód RP
• Contitularidade – art. 37º
• Averbamentos às descrições – art. 38º
• Registo pode ainda ser pedido em representação do interessado por mandatário – art.
39º

Pedido de Registo
Art. 41º e ss. Cód RP

Efeitos do Registo
Fé Pública
Devido à segurança do comércio jurídico imobiliário (art. 1º), o registo deve estar em
conformidade com a situação jurídica substantiva do imóvel, permitindo o registo dar a
conhecer essa situação jurídica.
➢ Há casos de desconformidade entre a situação substantiva e a situação registal, que
afetam a fé pública do registo: não realização; inexistência; invalidade; inexatidão;
invalidade do registo.

Presunção da titularidade do direito


Titular tem a presunção de titularidade do direito em 2 termos (art. 7º):
• Que o direito existe, tal como consta do registo;
• Que o direito pertence, nesses precisos termos, ao titular inscrito.

Presunções ilidíveis nos termos gerais.

Resulta que o registo é normalmente meramente enunciativo (não dá nem tira direitos) e
estabelece apenas uma presunção de titularidade – que pode entrar em conflito com a
presunção resultante da posse.
➢ Art. 1268º/1 CC – a presunção resultante do registo só prevalece se for anterior ao início
da posse, já que, no caso contrário, será a presunção a favor do possuidor que terá
prevalência.

Registo Consolidativo
Registo consolida a posição do adquirente do imóvel, pois a lei determina que os factos
sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo –
art. 5º/1 Cód RP.
• Com o registo, o adquirente vê plenamente consolidada a sua posição, uma vez que
passa a poder opor eficazmente o seu direito perante terceiros, o que antes lhe estava
de alguma forma vedado.

76
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Conceito de Terceiro, para efeitos do registo:


• Conceção ampla – AV, Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes – todos aqueles que
tenham adquirido e conservado direitos sobre os imóveis, que seriam lesados se o ato
não registado produzisse efeitos em relação a eles.
• Conceção restrita – Manuel de Andrade, Orlando Carvalho – todos aqueles que
tivessem adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
 Art. 5º/457 adota esta conceção restrita e dá a definição. Ex: se A vendeu a
B e depois A vendeu a C, e C registou primeiro, C beneficia da proteção do art.
5º pois é um terceiro

Eficácia consolidativa não põe em causa os princípios da consensualidade e da causalidade do


art. 408º CC.
• O art. 4º/1 permite opor eficazmente a sua aquisição à outra parte.
• O art. 5º/4 especifica quem é terceiro, pelo que poderá opor livremente o seu direito a
quem tenha direitos não incompatíveis com o seu (como o locatário de imóvel) ou
quando os direitos não provêm de um autor comum (como no esbulho – A vende a B,
que não regista; B é esbulhado por C e pode invocar a sua propriedade perante C – a
penhora efetuada pelos credores do alienante e a venda judicial realizada após a
penhora).
o A inoponibilidade a terceiros, no sentido registal do termo, dependerá de estes
terem efetuado uma aquisição a título oneroso, procedido ao seu registo e
sempre de boa fé – a consequência é que um titular de um direito não registado
poderá sempre opor a sua aquisição a quem não tenha igualmente registado a
sua aquisição, ou tenha adquirido a título gratuito ou se encontre de má fé.58
▪ Mas o art. 5º/1 não fala em boa fé nem em onerosidade – doutrina é
que exige a boa fé e a onerosidade porque os outros caos de aquisição
tabular têm essa exigência.
▪ Daí que este artigo seja discutido como tendo 2 efeitos: consolidativo +
atributivo

Registo Aquisitivo / Atributivo


= Aquisição Tabular
Fundamenta-se na Fé Pública59 do Registo e na proteção de terceiro que confiou na aparência
de uma situação registal desconforme à realidade substantiva – ocorrendo a aquisição de um
direito em desconformidade com a realidade substantiva.
• Há registo com eficácia aquisitiva de direitos (direito atribuído pelo registo) – torna-se
titular de um direito pelo facto e ter situação registada a seu favor.

Art. 5º/1 – resulta de que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros
depois da data dos respetivos registos.

57
Após vários Acórdãos de Unificação de Jurisprudência com soluções diversas entre si o legislador
decidiu definir o conceito – sendo criticado por MC e Carvalho Fernandes
58
AV dispensava o requisito da gratuitidade e da boa fé por considerar que não se deve impor ao
terceiro maior diligência do que a consulta do registo, onde o direito aparece inscrito em nome do
alienante.
59
Esta situação é uma exceção. Princípio da consensualidade continua a ser a regra no nosso sistema,
em que a realidade substantiva prevalece, sendo a Fé Pública uma exceção.

77
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Devido ao art. 5º/4, aplica-se à dupla alienação ou oneração de um bem, levando a que
a disposição posterior que tenha sido previamente registada prevaleça sobre a anterior,
que não foi registada.
• A segunda disposição é nula e não poderia permitir a aquisição da propriedade –
portanto, é o registo que permite que a propriedade seja adquirida pelo adquirente
na segunda disposição, através da aquisição tabular.

•não
B regista

A
•regista
C •adquire

Doutrina maioritária exige, para a aquisição tabular, que a segunda disposição seja realizada a
título oneroso e de boa fé – sem isto, o direito do primeiro adquirente não pode ser posto em
causa

Requisitos JAV:
1º. Registo desconforme à realidade substantiva
2º. Ato de disposição praticado com base na situação desconforme
3º. Boa fé de terceiro
4º. Caráter oneroso do negócio jurídico
5º. Terceiro regista a sua aquisição antes do registo do facto aquisitivo do titular do Direito
Real

Art. 17º/2 – no caso de existir boa fé do terceiro e a sua aquisição tiver ocorrido a título
oneroso, o seu direito como sub-adquirente não é posto em causa pela declaração de nulidade
da prévia inscrição, em virtude da necessidade de proteger aqueles que confiaram na validade
do registo.

A B C
•regista •registo inválido •registo
aparentemente
inválido- válido

JAV: subaquisição com nulidade registal – 5 requisitos no artigo

Doutrina entende que quando se pede a nulidade do registo, mesmo estando num caso do art.
291º CC, utiliza-se o art. 17º/2 devido a esse pedido de invalidar o registo.

Art. 122º - devido à necessidade de proteção daquele que confiou na exatidão de um registo,
tendo efetuado com base no mesmo uma aquisição de boa fé e a título oneroso.
• Portanto, aquele que registou a sua aquisição antes da retificação ou da pendência do
processo, não vê o seu direito afetado pela posterior retificação da prévia inscrição.

JAV: subaquisição com registo inexacto

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Art. 291º CC – já não se refere à invalidade registal, mas antes à invalidade substantiva,
havendo um conflito entre o transmitente no primeiro negócio inválido e um sub-adquirente
num segundo contrato, que vem a ser afetado em consequência da invalidade do primeiro
contrato.
Contrato inválido substantivamente
A B C D
• regista • regista • não regista • regista
• adquire
mesmo com a
invalidade de A
eB

JAV: subaquisição com invalidade substantiva

Se não se exigisse o registo antes da ação de nulidade, o terceiro não podia ser tutelado
porque poderia saber que o direito de quem lhe está a vender esta a ser posto em causa.

Terceiro é menos tutelado devido à possibilidade de registo em 3 anos (art. 291º/2)


• OA – aplica analogicamente, por maioria de razão, o art. 291º/2 a casos de invalidade
registal, exigindo para estes também o prazo de 3 anos.
• MC, Carvalho Fernandes – aplicação do prazo de 3 anos reside no facto de o art. 291º
não exigir a prévia existência de um registo desconforme, pelo que merece menos
proteção a confiança de um terceiro em relação à regularidade da sua aquisição. Art.
291º não se aplicaria aos casos em que já existisse um registo desconforme a favor do
adquirente (valendo aí o art. 17º/2 Cód RP).
o ML: efetivamente não se justifica aplicar o art. 291º sempre que se verifique a
prévia existência de um registo desconforme, caso em que a situação jurídica do
terceiro merece proteção antes do prazo de 3 anos.
o Todos os casos de existência de um negócio prévio desconforme deverão ser
antes regulados pelo art. 17º/2 Cód RP.
• Saraiva Matias – art. 17º/2 apenas se pode aplicar quando se utiliza art. 16º Cód RP.
Sempre que não haja registo ou este seja inválido aplica-se o art. 291º CC.

Posição do titular do direito real preterido pela aquisição tabular de terceiro


• OA: aquisição tabular funciona como facto resolutivo em relação à primeira aquisição,
extinguindo consequentemente o respetivo direito.
• MC: não se verifica a extinção do direito, mas antes uma mera inoponibilidade, uma vez
que quem registou previamente beneficia de uma presunção iuris et de iure de
titularidade do direito, enquanto subsistirem as condições de que ela depende. Em
consequência, o proprietário poderia recuperar outra vez a coisa em caso de devolução,
renúncia de terceiro ou transmissão para adquirente de má fé.
• Carvalho Fernandes: hipóteses de revivescência do direito referidas por MC são de
difícil verificação mas não inadmissíveis e devem ser ponderadas. Nesse caso, existira
ato jurídico praticado pelo adquirente com base no registo que funcionaria como facto
impeditivo pleno da verificação da presunção iuris et de iure, e que permitiria a
recuperação do direito, mas apenas após verificação desse ato.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• ML: não é aceitável a tese da sobrevivência do direito real preterido = JAV


o Aquisição tabular atribui o direito real em termos definitivos ao adquirente
com base no registo, sendo em consequência extinto o direito real anterior,
por ser com ele incompatível.
▪ Mesmo que o adquirente com base no registo optasse por devolver a
coisa ao adquirente substantivo, haveria aí um novo facto aquisitivo do
direito, que não elidiria a extinção anterior.

Registo Enunciativo
Registo não atribui eficácia consolidativa ao direito, podendo ser oposto a terceiros
independentemente do registo.
➢ Função do registo é de apenas dar publicidade à situação.

Casos do art. 5º/2


• Usucapião – uma vez verificada suplanta todos os registos (usucapio contra tabulas)
• Servidões aparentes – publicidade assegurada por sinais visíveis e permanentes que as
demonstram e permitem o seu conhecimento por terceiros, independentemente do
registo
• Bens indeterminados – não faria sentido dar eficácia consolidativa antes do bem estar
determinado

Registo Constitutivo
Regra do sistema é a de que o registo não tem eficácia constitutiva ou extintiva de direitos,
não podendo pois atribuí-los nem retirá-los.
➢ Único caso de registo constitutivo: Hipoteca – art. 4º/2 (na sequência do art. 687º CC)
o ML: constituição da hipoteca é facto complexo, sendo que o registo funciona
como um dos elementos necessários para que essa constituição ocorra.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

PROPRIEDADE
Direito real máximo – direito real com o maior conteúdo possível e mais importante dos
direitos reais.
➢ É o paradigma, não apenas dos direitos reais como dos direitos subjetivos em geral.

Art. 1305º - Conteúdo do Direito de Propriedade


Faculdades de:
• Uso – todas as modalidades de aplicação direta da coisa, determinando o
aproveitamento da coisa para os fins que entender, sem prejudicar essa mesma coisa;
• Fruição – perceção de todos os frutos e produtos de uma coisa, sem prejuízo da sua
substância, permitindo ao proprietário obter determinado rendimento da coisa,
melhorando a sua condição económica;
• Disposição – compreende a transformação da coisa (alteração de forma ou substância),
a alienação (transmissão da coisa para terceiros) ou oneração (constituição de direitos
reais limitados sobre a coisa) e a extinção do direito sobre ela (através do abandono ou
destruição).

Este conteúdo não é ilimitado e está sujeito aos limites e restrições da lei, que são genéricos
para os Direitos Reais.

Características do Direito de Propriedade


1. Cariz Indeterminado – propriedade abrange uma série de faculdades, permitindo ao
proprietário não apenas excluir os outros de qualquer ingerência em relação à coisa,
mas também dispor dela, como quiser, sem outras restrições que não as que resultem
da lei ou do respeito de outros direitos subjetivos.
➢ Poderes são indeterminados por oposição aos direitos reais menores, que têm
conteúdo preciso60.
2. Exclusividade – não necessita de concorrer com qualquer outro direito incidente sobre
a coisa, sendo um direito de gozo exclusivo sobre a mesma e independente de qualquer
outro direito real. Ex: não é como o usufruto e a superfície que concorrem com a
propriedade, reduzida a nua propriedade
3. Elasticidade – proprietário pode privar-se ou ser privado de alguma das faculdades
integrantes do seu direito, podendo a propriedade ser comprimida e dilatada à medida
que vão sendo constituídos ou extintos ónus e limitações que sobre ela incidam.

A Perpetuidade não é uma característica defensável no direito português, que admite a


propriedade temporária nos casos previstos na lei (art. 1307º/2). Ex: fiduciário (art. 2290º) e
propriedade sob condição (art. 1307º/1).

Formas de Aquisição da Propriedade


Ocupação – art. 1318º, 1ª parte
Reconduz-se apenas às coisas móveis que não pertencetes a ninguém:
• Res nullius – coisas que nunca tiveram dono
• Res derelictae – coisas que foram abandonadas

60
OA discorda

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Natureza voluntária da ocupação, sendo qualificada como um ato jurídico.


➢ ML: não se exige a intenção aquisitiva específica, sendo a ocupação um ato jurídico
simples, nos termos do art. 295º. Ex: mesmo que não se queira ser proprietário, ao
ocupar já tem a propriedade

Ocupação de animais
• Art. 1319º
• Art. 1320º
• Art. 1322º

Achamento – art. 1318º, 2ª parte


Distingue-se da Ocupação pois não diz respeito a res nullius, mas antes a coisas que o dono
perdeu ou escondeu.
➢ Uma vez que ainda não se verificou um ato voluntário dirigido à extinção da
propriedade, esta ainda não se perdeu, pelo que a sua aquisição pelo achador está
sujeita a regime especial.

Art. 1323º - animais e coisas móveis perdidas


Art. 1324º - tesouros

Aquisição de Imóveis pelo Estado – art. 1345º


A. MC, Henrique Mesquita: há reversão automática para o Estado, passando os imóveis,
a partir do momento em que se desconhece o seu dono, a fazer parte do seu domínio
privado.
➢ ML: o Estado está dispensado de preencher os requisitos da usucapião, inserindo
no seu domínio privado todos os imóveis cujo dono seja desconhecido. Tal não
impede a aquisição posterior por particulares, quando invoquem usucapião.
B. OA, Carvalho Fernandes: há simples presunção de propriedade do Estado, que
qualquer pessoa poderia ilidir, uma vez que a aquisição pelo Estado se verifica nos
termos gerais com a usucapião.

Propriedade sobre as Águas – art. 1385º e ss.


O proprietário do prédio onde surgem as águas tem a faculdade de as aproveitar (art. 1389º).
• Considera-se título justo de aquisição da água qualquer meio legítimo de adquirir a
propriedade de coisas imóveis ou constituir servidões (art. 1390º/1), na lógica de PL /
AV em que a configuração do direito à água que nasce do prédio alheio depende do
título da sua constituição.
o Rejeição da doutrina de Guilherme Moreira segundo a qual o direito à água que
nasce num prédio alheio é sempre direito de propriedade e não de servidão.

Constituição de direito de propriedade sobre as águas de fontes e nascentes depende da


verificação dos factos aquisitivos previstos no art. 1316º.
O art. 1390º/2 esclarece quanto à usucapião.
O art. 1390º/3 esclarece quanto à partilha/divisão de prédios.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Os donos dos prédios para onde derivam as águas vertentes de qualquer fonte ou nascente
podem aproveitá-las (art. 1391º).

Restrições quanto ao aproveitamento (art. 1392º)

Regime especial das águas subterrâneas (art. 1394º)

Natureza do Direito de Propriedade


A. Teoria da Pertença/Sujeição – toma-se em consideração a relação que se estabelece
entre a pessoa e a coisa.
• Conceção qualitativa.
• Defendida por Neuner, Windscheid.
B. Teoria do Domínio/Senhorio – toma-se em consideração as faculdades que sobre a
coisa são atribuídas ao senhorio.
• Conceção quantitativa.
• Defendida por Guilherme Moreira, Henrique Mesquita, OA.
i. ML: propriedade pode ser definida como o direito real, que permite
ao seu titular, dentro dos limites da lei, o aproveitamento pleno e
exclusivo de todas e quaisquer utilidades proporcionadas por uma
coisa corpórea.

JAV: não opta por nenhuma das formulações.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

PROPRIEDADE HORIZONTAL
Novo Direito real que faz coexistir sobre o mesmo edifício dois tipos de faculdades distintas dos
condóminos.
• Faculdades correspondentes à propriedade exclusiva sobre uma fração autónoma do
prédio;
• Faculdades correspondentes à compropriedade sobre as partes comuns do edifício.

Surge com a construção em altura, que gerou a necessidade de atribuir a propriedade separada
do seu andar (apartamento) a cada proprietário, que é o que está na base do surgimento do
instituto da propriedade horizontal.

Requisitos Legais e Partes Comuns do Prédio


É necessário que o edifício que se quer constituir em propriedade horizontal tenha condições
para tal – tem que poder ser divido em frações, que constituam unidades independentes.

Art. 1438º-A: permite aplicar o regime da propriedade horizontal a conjunto de edifícios


• Não há referências à possibilidade de, num mesmo edifício se constituírem vários
condomínios, em virtude de algumas partes comuns servirem apenas certas partes do
edifício.
• Nem há referência quanto a estabelecimento de condomínio complexo, quando existam
ligações entre os imóveis que justifiquem o estabelecimento de um único condomínio.

Art. 1415º: exige que as frações autónomas sejam idóneas a constituir objeto do gozo exclusivo
por parte dos condóminos

Art. 1421º: Partes Comuns


• Art. 1421º/1 – partes que são fundamentais para o uso comum do prédio, não sendo
possível estipular a sua atribuição em propriedade exclusiva a qualquer condómino.
a) Solo = área em que assenta o edifício; Alicerces = construções realizadas no
subsolo61 com o fim de elevar e regular o edifício, como obras de sustentação
ou caves; Paredes mestras = servem de esqueleto ao edifício e dão-lhe
suporte62.
b) Telhado = conjunto de traves cobertas por telhas serve de cobertura a toda a
construção.
c) Basta que alguma zona de comunicação sirva mais de um condómino para se
considerar parte comum.

• Art. 1421º/2 – presunção que pode ser ilidida se o título constitutivo dispor
diferentemente, ou atendendo-se às características específicas do imóvel.
• Art. 1221º/3 – parte mantém-se comum mas exclusivamente afeta à utilização por um
condómino.

61
ML: Subsolo é comum pelo que impede os proprietários dos pisos térreos de os escavar profundamente.
62
Doutrina e jurisprudência têm entendido que as paredes exteriores ao prédio (paredes perimetrais)
são obrigatoriamente partes comuns mesmo que não desempenhem a função de paredes mestras.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Constituição da Propriedade Horizontal


Art. 1417º
• Negócio Jurídico – inter vivos ou mortis causa. Por escritura pública ou documento
particular autenticado (art. 22º DL 116/2008) ou documento particular ao abrigo de
procedimento especial de transmissão, oneração e registo (DL 263-A/2007, Portaria 794-
B/2007 ex vi Portaria 1167/2010).
o Forma mais comum é NJ unilateral do proprietário, podendo tal ocorrer até
antes da própria constituição do edifício (caso em que registo é lavrado
provisoriamente – art. 92º/1/b Cod RP).
o Sujeito a condição suspensiva de verificação da alienação de uma das frações a
terceiro, uma vez que só haverá constituição da propriedade horizontal a partir
do momento em que haja frações pertencentes a proprietários diversos63.
• Usucapião – aquisição por usucapião duma fração autónoma implicará a sujeição de
todo o edifício ao regime da propriedade horizontal. Tem que se preencher os requisitos
do art. 1415º, caso contrário a usucapião implica apenas a constituição de uma situação
de compropriedade.
• Decisão judicial – art. 1417º/2 – como nos casos de ação de divisão da coisa comum ou
em processo de inventário, por sentença nos casos de execução específica de contrato-
promessa e etc.
• Construção sobre edifício alheio – art. 1526º - propriedade horizontal constituída em
resultado de um facto complexo de formação sucessiva: negócio constitutivo de direito
de superfície relativo à construção sobre edifício alheio e a realização da construção
sobre o edifício ao abrigo desse direito.

Título Constitutivo
Ato modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real
– art. 1418º

Art. 59º Cód Notariado – só se pode constituir propriedade horizontal por documento passado
pela câmara municipal comprovando que as frações autónomas satisfazem os requisitos legais.
Art. 62º Cód Notariado – tem de se exibir documento comprovativo da inscrição no Cód RP64

Incumpridos os requisitos legais, o título constitutivo é nulo e sujeita-se o prédio ao regime da


compropriedade, atribuindo a cada consorte a quota que lhe tiver sido fixada pelo art. 1418º
ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fração (art. 1416º/1).
➢ Conversão legal automática

Também há nulidade pelo art. 1418º/3


➢ Legitimidade para arguir a nulidade – art. 1416º/2

63
Até lá o dono do prédio fica como proprietário pleno pois não faz sentido aplicar as restrições da
propriedade horizontal enquanto não existirem outros condóminos.
64
Art. 82º/2 e ss.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Condomínio
Além do título constitutivo, a propriedade horizontal é regulada pelo Regulamento do
Condomínio – disciplina o uso, a fruição e a conservação das partes comuns e das frações
autónomas.
➢ Havendo mais de 4 condóminos, é obrigatório esse regulamento, competindo à
Assembleia de condomínio ou Administrador (art. 1229º-A)
Poderes
Art. 1420º - cada condómino tem um direito incindível sobre dois direitos (proprietário
exclusivo da sua fração + comproprietário das partes comuns do prédio), não podendo ocorrer
a sua alienação separada ou renúncia às partes comuns.
➢ Propriedade horizontal não é mero somatório destes dois direitos, mas sim uma figura
autónoma que, em certos aspetos, até se afasta muito dos direitos com base no qual se
molda.

1. PODERES RELATIVO À FRAÇÃO


Atribui-se ao condómino, de modo pleno e exclusivo, os poderes de uso, fruição e disposição
da fração (art. 1305º).
• Na realidade, isso é limitado:
o Uso tem de respeitar o fim a que a fração se destina (art. 1422º/2/b).
o Fruição também não pode ser para qualquer fim.
o Transformação não pode prejudicar a segurança, linha arquitetónica ou arranjo
estético do edifício (art. 1422º/2/a).
• Portanto, poderes dos condóminos sobre as suas frações são muito inferiores aos
poderes que o proprietário possuiria sobre as mesmas partes do edifício, se este não
estivesse constituído em propriedade horizontal.

2. PODERES RELATIVOS ÀS PARTES COMUNS


Remissão para o regime da Compropriedade (art. 1420º/1) tem um alcance mais restrito:
• Não se admite a renúncia liberatória (art. 1411º/2 e 3 vs. art. 1420º/2);
• Não há direito de preferência nem de solicitar a divisão da coisa comum (art. 1409º e
1411º vs. art. 1423º);
• Há sistema de órgãos para a gestão do condomínio (art. 1407 e 985º vs. 1430º).

Aplica-se o regime dos art. 1406º/1 e 2


➢ Embora a inversão do título da posse nunca poderia constituir usucapião das partes
comuns, uma vez que tal se mostraria contrário ao regime da propriedade horizontal.65

Limitações aos Poderes – art. 1420º


Condóminos estão sujeitos às restrições que incidem sobre os proprietários (art. 1346º e ss.) e
estão até acentuadas, dada a proximidade física das frações – art. 1420º/1.

Há limitações específicas – art. 1420ª/2:


c) Fim é o que se encontra estabelecido no título constitutivo, que delimita a função
atribuída a cada fração autónoma, não podendo utilizá-la para fim distinto.

65
Ex: uso continuado de lugares de estacionamento por um dos condóminos não constitui posse exclusiva
dos mesmos.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Se especificar, o conteúdo do registo prevalece, devido à natureza real e eficácia


erga omnes do estatuto que nele se contém – é oponível a terceiros se tiver sido
registado (art. 83º/1/c Cód RP).
• Autorização do art. 1422º/4 não pode desrespeitar o art. 1418º/3 e o que foi
fixado no projeto pela entidade pública competente.
d) autonomia nas limitações que podem estabelecer em relação aos seus próprios
poderes como a proibição do arrendamento para determinados fins, a posse de certos
animais domésticos, a emissão de ruídos a partir de certa hora, o estender da roupa nas
varandas ou janelas da fachada principal.

Obrigações
ENCARGOS DE CONSERVAÇÃO, USO E FRUIÇÃO DAS PARTES COMUNS – art. 1424º
Estas despesas e a respetiva cobrança de receitas cabe ao administrador (art. 1436º/1/d), mas,
quando se tratar de reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, na falta de
iniciativa do administrador, pode ser feito por qualquer condómino (art. 1427º).

Provisão para pagamento das despesas do condomínio – prática social levou a instituir-se esta
regra de prestação mensal.
➢ Funciona como adiantamento e o administrador pode ainda reclamar o pagamento do
restante quando as prestações não cheguem para cobrir as despesas com reparações e
etc.
Fundo Comum – obrigatório pelo art. 4º/1 DL 268/94 como reserva para custear as despesas de
conservação.
➢ Assembleia de condóminos deve administrar este fundo comum de reserva, depositado
em instituição bancária.

PAGAMENTO DE SERVIÇOS DE INTERESSE COMUM – art. 1424º

SEGURO DO CONDOMÍNIO – art. 1429º


Apesar de o único obrigatório ser o contra incêndios, a prática institui a celebração de seguro
multi-risco.
➢ Objeto de atualização anual pelo art. 5º DL 268/94

ENCARGOS COM INOVAÇÕES – art. 1425º e 1426º


Obras que impliquem alterações na forma ou substância do imóvel. Ex: arrecadações apoiadas
em paredes exteriores, colocação de escadas de ferro amovíveis nessas paredes e etc.
➢ Despesas com inovações ficam a cargo dos condóminos nos termos do art. 1426º/1 e
1424º, nelas participando também os condóminos que não aprovaram a inovação (art.
1426º/2).

Administração das partes comuns


Compete à Assembleia de Condóminos e a um Administrador (art. 1430º/1) – órgão
deliberativo + órgão executivo.
➢ Através destes órgãos são executadas todas as competências do condomínio relativas
às partes comum, que deixam de competir aos condóminos individualmente.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

➢ Quanto a cada fração autónoma, cabe a cada proprietário decidir como são
administradas – é ineficaz qualquer deliberação face às frações autónomas.
➢ Conjunto de condóminos é responsabilizado, com culpa presumida nos termos do art.
493º/1.

ASSEMBLEIA DOS CONDÓMINOS


Órgão deliberativo composto por todos os condóminos, tendo cada condómino tantos votos
quanto for o valor da percentagem ou permilagem do art. 1418º (art. 1430º/2).
Toma posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarrega o administrador
de as executar (art. 1436º/h) e fiscaliza a sua atividade, quer através da aprovação das suas
contas (art. 1431º), quer revogando os seus atos por via de recurso (art. 1438º).

Reuniões – art. 1431º


Convocação e funcionamento – art. 1432º
Deliberações contrárias à lei – art. 1433º

ADMINISTRADOR
Órgão executivo da administração das partes comuns do condomínio, cabendo-lhe
desempenhas as funções previstas no art. 1436º, as outras que a lei impende sobre ele e as
funções de que venha a ser encarregado pela assembleia.
➢ É remunerável (art. 1435º/4) quer desempenhado por condómino como por terceiro.

Eleição – art. 1435º; art. 1435º-A

Funções
• Administração corrente das partes comuns do edifício – art. 1436º/c, f, g, m66
• Gestão financeira do condomínio – art. 1436º/b, d, e
• Funções de execução – art. 1436º/1, h
• Poderes de representação do conjunto dos condóminos – art. 1436º/i, 1437º

Não se pode substituir aos condóminos e exercer direitos que a estes competem, relativamente
às suas frações autónomas.
➢ Questões de relações de vizinhança entre frações autónomas não cabe ao
Administrador resolver.

Modificação e Extensão
Regime da propriedade horizontal pode ser modificado através de alterações ao seu título
constitutivo, ainda que, de acordo com o princípio da autonomia privada, se exija o acordo de
todos os condóminos.
➢ Art. 1419º + Art. 1422º-A

Extingue-se por:
• Acordo entre condóminos – aplica-se a todo o edifício a compropriedade;

66
Além de providenciar pela realização das obras necessárias à conservação das partes comuns (art. 89º
RJUE) pelo que o mesmo se constituirá em responsabilidade civil se em consequência do incumprimento
desse dever ocorrerem danos parar qualquer condómino ou terceiro.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Concentração de todas as frações autónomas na propriedade de uma pessoa – pois é


pressuposto essencial do instituto a existência de proprietários diversos;
• Destruição do edifício – art. 1428º.

Natureza da Propriedade Horizontal


• Teoria do Condomínio como pessoa coletiva – países anglo-saxónicos, Pinto Duarte –
pessoa rudimentar devido aos poderes representativos do administrador, à sua
capacidade judiciária ativa e passiva e à personalidade judiciária que a lei reconhece ao
condomínio.
➢ ML: não há património próprio.
• Teoria da Compropriedade – Cunha Gonçalves – apesar de cada fração ter o seu
proprietário, tal não prejudica a existência de uma compropriedade sobre o condomínio
no seu conjunto, tanto mais que partes importantes do imóvel permanecem em estado
de indivisão perpétua e forçada.
➢ ML: o regime das partes comuns afasta-se da compropriedade e têm função
instrumental em relação ao gozo exclusivo das frações autónomas. E elas
podem ser de gozo exclusivo de certos condóminos.
• Teoria da Propriedade Especial – PL / AV, OA – é propriedade com limitações especiais
em que se conjuga propriedade e compropriedade (propriedade é essencial e
compropriedade é instrumental).
➢ ML: relações de vizinhança são mais intensas que na propriedade comum e há
órgãos destinados à administração
• Teoria Dualista – Mota Pinto – concurso entre dois direitos
➢ ML: os direitos são incindíveis, não sendo somatório e sim direito novo
• Teoria do Direito real complexo – OA, MC – direito real que combina a propriedade e a
compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir unidade nova.
➢ ML: não é mera conjugação de realidades e sim um regime legalmente
estabelecido, em que se aplicam as regras da propriedade e compropriedade
quando para lá é remetido.
• Teoria do Direito real de gozo típico – Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes, ML –
novo modelo de direito real de gozo que, embora mantenha similitudes com a
propriedade singular e a compropriedade, traduz uma síntese que se espelha
num regime jurídico específico, com particularidades que não encontram
justificação em nenhuma daquelas figuras, sendo, portanto, um direito real de
gozo típico.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

USUFRUTO
Art. 1439º - Direito Real menor, que embora atribua a plenitude das faculdades de gozo
relativas à coisa, só o faz temporariamente, e não permite ao usufrutuário a alteração da sua
forma e substância.

Remonta ao antigo Direito Grego e evoluiu pelo Direito Romano, não tendo sofrido grandes alterações na
Idade Média sendo posteriormente codificado na época das codificações.

Características e Objeto
1. Direito que atribui gozo pleno da coisa – compreende qualquer utilidade que se retire
da coisa, seja usando-a ou apropriando-se dos seus frutos, seja permitindo a terceiro
esse gozo.
• Beneficia da generalidade dos poderes de gozo que a coisa seja suscetível de
proporcionar, não sendo o seu gozo circunscrito a determinadas faculdades.
2. Direito não exclusivo – incide sobre direito alheio, concorrendo com a propriedade,
sendo limitado por esse outro direito.
3. Direito temporário – tem limites máximos de duração
• Art. 1443º
• A morte do titular ou decurso do prazo extinguem o usufruto (art. 1576º/1/a)
i. Permite-se o usufruto simultâneo e sucessivo e o direito de acrescer
(art. 1441º e 1442º).
4. Limitado pela proibição de alteração da forma ou substância da coisa – articula-se com
o art. 1446º (respeito pelo destino económico da coisa).
• OA: exigência mais genérica é a do art. 1439º, que faz parte do próprio tipo do
usufruto, enquanto a do art. 1446º é disposição supletiva e pode ser afastada.
i. ML: é a proibição de alteração de forma e substância que faz parte do
tipo legal do usufruto, sendo o respeito pelo seu destino económico uma
disposição supletiva, cuja observância não se afigura essencial.
• MC: art. 1439º é definição legal e não tem natureza imperativa, pelo que o
usufruto não está vinculado a respeitar a forma e substância mas sim o destino
económico da coisa.

O Usufruto pode ser de uma coisa ou de um direito.


Direito do usufrutuário apenas tem natureza real se incidir sobre coisas corpóreas, uma vez
que só neste caso pode ser exercido diretamente sobre a coisa e é oponível a qualquer
terceiro, incluindo o proprietário de raiz.
➢ Se não incidir sobre coisas corpóreas não tem natureza real e pode corresponder a um
direito sobre bens imateriais ou mesmo a um direito de crédito.

Os direitos do usufrutuário podem ficar limitados por um direito com base no qual se constitui
um usufruto a favor de terceiro.
➢ Assim, um usufruto constituído sobre um direito de superfície não atribui ao
usufrutuário qualquer direito sobre o solo, apenas lhe permite exercer
temporariamente sobre a coisa as faculdades que competiam ao superficiário.
➢ Pode ser constituído sobre uma quota em compropriedade – tem que haver
consentimento dos outros comproprietários (art. 1408º).

90
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Constituição do Usufruto – art. 1440º


Aquisição derivada constitutiva
• Contrato – pode resultar de um contrato de alienação, de entrada em sociedade ou de
contrato de renda perpétua ou vitalícia.
o Atribuição do Usufruto (constituição per translationem): sempre que alguém
constitui a favor de outrem um usufruto e reserva para si a nua propriedade.
o Reserva do Usufruto (constituição per deductionem): sempre que alguém
atribua a nua propriedade a outrem e reserve para si o usufruto.
▪ Pode ainda ocorrer a atribuição simultânea do usufruto e da nua
propriedade a adquirentes distintos – alienante deixa de ter qualquer
direito sobre a coisa.
o Sujeito a escritura pública ou documento particular autenticado – art. 22º/a DL
116/2008

• Testamento – pode estabelecer-se uma Atribuição ou Reserva de Usufruto


o Usufrutuário é sempre legatário (art. 2030º/4).

Aquisição Originária
• Usucapião – nos termos gerais dos art. 1287º e ss., bastando para tal que a respetiva
posse não seja exercida nos termos da propriedade, mas apenas nos termos de
usufruto.

Poderes do Usufrutuário – art. 1446º


Faculdade de usar a coisa: poder de vasta amplitude de usar a coisa e equipara-se ao do
proprietário, tendo apenas a limitação do respeito pela substância e pela forma e
supletivamente pelo destino económico.67
• Estes limites compreendem-se em função do cariz temporário do usufruto, sendo que o
respeito pelo destino económico tem a ver com a tutela da expetativa do proprietário
de que a coisa não venha a ser alterada quanto à função económica que este lhe
atribuiu.
• Outros limites que têm de ser respeitados é os instituídos no título constitutivo (art.
1445º).
• São abrangidos pelo poder de uso da coisa as coisas acrescidas e todos os direitos
inerentes à coisa usufruída (art. 1449º).

Faculdade de fruir a coisa: poder de perceber os frutos da coisa, nos termos amplos deste
conceito (art. 212º).
Usufrutuário adquire a propriedade dos frutos a partir do momento em que eles são separados
da coisa, podendo a partir desse momento exercer sobre os frutos todos os poderes que
competem ao proprietário.
• Fruição natural – enquanto permanecem ligados à coisa-mãe, os frutos naturais
pertencem ao proprietário, tendo o usufrutuário apenas o seu usufruto.

67
Se o usufrutuário infringir estes direitos é responsável perante o proprietário nos termos da
responsabilidade civil delitual (art. 483º).

91
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

o Mas, esta faculdade permite perceber esses frutos e a aquisição automática da


sua propriedade, a partir do momento em que ocorra a separação da coisa (por
ação do usufrutuário ou causas naturais).
o Explica o art. 1448º
• Fruição civil – não depende de atos materiais de separação da coisa, mas antes da
atribuição de um direito de crédito à contrapartida pela concessão do seu uso, tenha o
respetivo contrato sido celebrado pelo usufrutuário ou previamente pelo proprietário.

Faculdade de disposição: há alguns poderes de disposição por parte do usufrutuário


• Art. 1444º/1 – trespasse a terceiro – usufrutuário pode alienar o seu direito a outrem,
seja a título oneroso ou gratuito, temporariamente ou estendida a toda a futura duração
do usufruto (mas não pode extravasar os limites temporais desse direito).
• Art. 1444º/1 – oneração do seu direito – pode constituir sobre ele direitos reais
menores de gozo (sub-usufruto; art. 1460º; etc.), de direitos reais de garantia ou de
direitos pessoais de gozo.
o Encargos limitados pela duração do próprio usufruto, extinguindo-se em
resultado da sua extinção.
• Art. 1476º/1/e – pode extinguir o seu direito por renúncia

Obrigações do Usufrutuário
Obrigações de natureza propter rem
1. Obrigação de inventariar os bens objeto do usufruto – art. 1468º/a – enumerar e
descrever as coisas móveis e imóveis objeto do usufruto, sendo instrumental em relação
à definição do âmbito do seu direito de usufruto, bem como do objeto a restituir após a
sua extinção.
a. Deve ser assistido pelo proprietário de raiz ou com citação deste, para evitar
divergências entre os dois.
b. Consequências é a de que o usufrutuário não pode legalmente exercer as
faculdades correspondentes ao usufruto e se o fizer, responde perante o
proprietário de raiz.

2. Obrigação de prestação de caução – art. 1468º/b – cautio usufructuaria.


a. Não é exigida nos casos de usufruto per deductionem, podendo, nos outros
casos, ser dispensada no título constitutivo (art. 1469º).
b. Consequências (art. 1470º) – usufrutuário fica sem a faculdade de usar os
imóveis e limita-se a fruição; fica sem a faculdade de usar os móveis. Legitima-
se ainda o proprietário a solicitar outras medidas adequadas à tutela dos bens,
em conformidade com a sua natureza e características.

3. Obrigação de consentir a realização pelo proprietário de obras e melhoramentos na


coisa – art. 1471º

4. Obrigação de suportar as despesas de administração e as reparações ordinárias – art.


1472º

5. Dever de avisar o proprietário em relação a reparações extraordinárias – art. 1473º

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

6. Obrigação de pagar os impostos e outros encargos anuais que incidam sobre o


rendimento dos bens usufruídos – art. 1474º - dado que é o usufrutuário que aufere,
durante o período de duração do usufruto, os rendimentos daquele bem.

7. Dever de avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro de que tenha notícia,


sempre que ele possa lesar os direitos do proprietário – art. 1475º - dever específico
de custódia da propriedade de raiz em relação ao usufrutuário. Não tem de procurar
ativamente esse conhecimento, só é obrigado a comunicar quando estes factos chegam
ao seu conhecimento.

8. Dever de restituir a coisa, findo o usufruto – art. 1483º - que pode ser suspenso, se
houver direito de retenção a favor do usufrutuário, designadamente em virtude de
benfeitorias realizadas na coisa.

Direitos do Proprietário de Raiz


Permanece titular da propriedade sobre o bem, ainda que esta esteja comprimida em
consequência do usufruto.
• Pode praticar todos os atos que não impeçam nem limitem o uso da coisa por parte do
usufrutuário.
• Pode reagir contra o mau uso da coisa por parte do usufrutuário.
o Não acarreta logo a extinção do usufruto mas se se tornar prejudicial pode exigir
que a coisa seja entregue – art. 1482º
• Pode dispor do seu direito, transmitindo-o ou onerando-o, mas não podem estes afetar
o usufruto.
o Caso das servidões prediais – art. 1460º/2

Extinção do Usufruto – art. 1476º


a) Morte do usufrutuário: uma vez que o usufruto não é um direito transmissível mortis
causa (art. 2025º/1).
• Pode é desencadear-se ou constituir-se usufruto na esfera de terceiro, caso
tenha sido estipulado o usufruto sucessivo (art. 1444º) ou ocorra acrescer (art.
1442º).
• Também com a morte presumida (art. 115º/1).
• No caso de trespasse, o usufruto extingue-se com a morte do alienante pois o
direito não ultrapassa a vida deste68.
Termo do Prazo: usufruto extingue-se na data estabelecida.
• Se usufrutuário morrer antes desta data, extingue-se usufruto.
• Se se estabelecer usufruto até idade de um terceiro, usufruto durará pelos anos
prefixos, mesmo que a pessoa venha a falecer sem atingir essa idade (art.
1477º).
b) Reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa: extingue-se o usufruto por
confusão

68
Se adquirente do trespasse falecer antes do alienante:
• Carvalho Fernandes – extingue-se o usufruto. Atenta ao art. 1444º/2
• OA, ML – direito de usufruto transmite-se aos sucessores do adquirente até à morte do alienante

93
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c) Não uso por 20 anos: compatível com o art. 298º/3.


• Exige uma efetiva abstenção do exercício de todas as faculdades que competem
ao usufrutuário e não se verifica se o usufrutuário se limitar a exercer uma
dessas faculdades.
d) Perda total da coisa usufruída: perecimento do objeto de um direito real implica
naturalmente a extinção desse direito.
• Tem é de ser um evento fortuito que leve ao perecimento do direito, se não há
responsabilidade pelo art. 1480º.
• Se for perda parcial ou rei mutatio – art. 1478º.
• Destruição de edifícios – art. 1479º.
e) Renúncia do usufrutuário: não implica a aceitação do proprietário (art. 1476º/2), que
recupera a propriedade plena.
• Não é declaração recetícia e produz efeitos logo que é manifestada de forma
adequada (escritura pública -> art. 22º/g DL 116/2008)

Tipos Especiais do Usufruto


1. Usufruto de coisas consumíveis – art. 1451º - denominado por quase-usufruto incide
sobre coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou alienação (art. 208º), pelo que
os poderes do usufrutuário têm de compreender esses atos de disposição da coisa, sem
os quais a mera atribuição do uso não teria qualquer efeito útil.
• Art. 1451º/2 – não há transferência da propriedade, mas esta ocorre com a
entrega das coisas consumíveis ao usufrutuário, após este ter cumprido as suas
obrigações de relacionamento dos bens e de prestação de caução para
restituição do seu valor (art. 1468º).
i. A partir daqui, o direito do nu proprietário passa a incidir apenas sobre
a restituição do valor, sendo o usufrutuário considerado proprietário
das coisas consumíveis (pressuposto essencial para que as possa
consumir ou alienar, como é sua função).
• Apenas se sujeita às causas de extinção do art. 1476º/1/a, e – nos outros casos
não se extingue pois subsiste a obrigação de restituição do valor.
• A opção de restituir, findo o usufruto, reside na conjuntura em que findar o
usufruto.

2. Usufruto de coisas deterioráveis – art.1452º - distingue-se das coisas consumíveis pelo


facto de o seu uso regular não implicar a sua destruição ou alienação, pelo que não é
necessário atribuir ao usufrutuário a propriedade das coisas.
• É compatível com a proibição de alterar forma ou substância, pois proprietário
sabe que ao constituir usufruto sobre uma coisa dessa natureza, ela será
habitualmente restituída com as deteriorações inerentes ao uso.

3. Usufruto de árvores e arbustos – art. 1453º, 1454º

4. Usufruto de matas e árvores de corte – art. 1455º - distingue-se do anterior pois


permite ao usufrutuário o corte das árvores e das matas

94
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

5. Usufruto de plantas de viveiro – art. 1456º - plantas destinadas a serem arrancadas e


plantadas noutro lugar.

6. Usufruto de minas – art. 1457º


• Usufruto de concessão mineira: recolha do minério é enquadrada nos poderes
de fruição do usufrutuário
• Usufruto de terreno onde existem explorações mineiras, de terceiro

7. Usufruto de pedreiras – art. 1458º - distingue-se se já estão ou não em exploração

8. Usufruto sobre universalidade de animais – art. 1462º - lei pressupõe a substituição


em contínuo dos animais que perecem pelos que nascem, em idêntico número.
• Se os animais se perderem por culpa do usufrutuário então este torna-se
responsável perante o proprietário.

9. Usufruto de créditos – usufruto irregular (art. 1463º, 1464º, 1465º, 1466º) pois
nenhuma das modalidades previstas na lei representa qualquer direito real, mas apenas
uma forma de oneração do crédito, com a atribuição temporária de certas prestações
periódicas, ou da obrigação de pagamento dos juros ou outros ganhos produzidos pelo
crédito a outro credor.

Natureza
• Teoria do Desmembramento – PL / AV – fragmentação do direito de propriedade em
dois direitos distintos (usar e fruir – usufruto; dispor e transmitir – nua propriedade).
➢ ML: parte da conceção errada que os direitos reais menores são figuras
parcelares da propriedade – ela não é desmembrada, antes se comprime.
• Teoria da Propriedade Temporária – Allara – poderes do usufruto são idênticos aos da
propriedade, sendo apenas temporários e não tendencialmente perpétuos (como a
propriedade).
➢ ML: posição do usufrutuário é inferior à do proprietário e não são direitos
distinguíveis apenas pela limitação temporal
• Teoria do Direito Real de Gozo Típico – MC, JAV, ML – usufruto é autónomo face à
propriedade e, embora sendo direito de gozo pleno, não atribui a plenitude das
faculdades relativas à coisa, atendendo os poderes de disposição do usufrutuário serem
limitados.

Uso e Habitação
São direitos reais próximos do usufruto mas não atribuem o gozo pleno da coisa, e sim um gozo
limitado pelas necessidades do titular ou da família (art. 1484º).
➢ Diferem entre si quanto ao seu objeto.

Remonta ao Direito Romano e desenvolveu-se a propósito de coisas não frutíferas. Evoluiu até que se
admita alguns frutos e posteriormente foi consagrada a habitatio.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Conteúdo e Regime
Direitos moldados sobre o regime do usufruto, mas em que os poderes de uso e fruição são mais
limitados.

Uso – faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida da
necessidades, quer do titular quer da família (art. 1484º/1).
Habitação – quando o uso tem por objeto a casa de morada de família (art. 1484º/2).

Família é dada pelo entendimento do art. 1487º


A diferença no conteúdo do direito é que, diferente do usufruto, limita-se apenas às
necessidades do titular, fixadas de acordo com as condições sociais (art. 1486º).
➢ Tem, portanto, o regime do usufruto quanto às causas de constituição e extinção com
algumas especificidades:
o Não se podem constituir por usucapião (art. 1293º/b);
o Intransmissíveis e não podem ser onerados (art. 1488º);
o Obrigações inerentes (art. 1489º).

Tipos Especiais de Uso e Habitação


Direitos de Uso e Habitação atribuídos ao cônjuge sobrevivo de habitação da casa de morada
de família e de uso do respetivo recheio – art. 2103º-A, B, C

Direitos de Habitação atribuídos ao membro sobrevivo da união de facto e em caso de morte


de pessoa que viva em economia comum – diploma da União de Facto e diploma da Economia
Comum

Natureza
• Tese da Integração no Usufruto – Mota Pinto, OA, MC – orientação CC
• Tese da Autonomia – Carvalho Fernandes, JAV, ML – são autónomos pois não atribuem
o gozo pleno de um direito sobre a coisa, tendo estabelecidas limitações (das
necessidades do titular do direito e da família).
o Poderes de disposição são absolutamente proibidos e no usufruto são
admitidos.
o ML: meio termo entre usufruto e servidão, tendo do primeiro a sua atribuição a
uma pessoa determinada e do segundo a sua limitação a certas faculdades da
coisa.

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SUPERFÍCIE
Definição legal do art. 1524º não cobre toda a realidade do direito de superfície: pode abranger
obras no subsolo (art. 1525º/2), direito de construir sobre edifício alheio (art. 1526º), alienação
separada das árvores em relação à propriedade do solo (art. 1528º).
➢ Subdivide-se em duas fases distintas: poder de realizar a obra e o poder de a manter.

Não se admitia, no Direito Romano, até que razões de ordem prática e social levaram a admitir-se esta
figura.
Conceção do direito de superfície manteve-se durante a Idade Média mas foi fortemente combatida pelo
Código de Napoleão, cujo Código de Seabra seguiu

Objeto e Duração
Direito de Superfície comporta as faculdades de construção e plantação, incidindo
essencialmente sobre o solo alheio, o que permite a sua transformação de forma a torna-lo
idóneo a receber a construção ou plantação.
• Pode abranger parte do solo que tenha utilidade para a obra (art. 1525º/1) e o mesmo
quando ocorre obra no subsolo (art. 1525º/2).
• Caso do direito de sobreelevação, em que direito se superfície incide sobre a parte do
edifício necessária à sua elevação (art. 1526º).

Após a realização da obra e estando ela já implantada em solo alheio, o direito de superfície
passa a incidir autonomamente sobre o implante, o que não é adquirido pelo proprietário por
acessão, sendo antes as faculdades de gozo exclusivo do implante atribuídas ao superficiário.
➢ Apenas os implantes que pudessem desencadear acessão industrial imobiliária (art.
1339º e ss.) é que poderão ser objeto do direito do superficiário.

Superfície edificada – superfície que incide sobre as obras.


➢ Não implica necessariamente a construção de um prédio urbano, podendo ser
construção de outra natureza, desde que autónoma o suficiente para poder ser objeto
das servidões ativas previstas no art. 1529º.
Superfície vegetal – superfície que incide sobre as plantações.
➢ Não podem ser sementeiras, apenas a introdução de árvores69, arbustos, ou plantas em
solo alheio que tenham alguma perenidade.

Direito de Superfície pode ser temporário ou perpétuo – de acordo com o estabelecido no título
constitutivo.

Tipo Especial de Superfície: Direito de Sobreelevação


Art. 1526º refere-o e afasta-se do regime geral da superfície, quer quanto ao objeto (edifício
alheio), quer quanto ao seu conteúdo (limitado ao poder de construir sobre ele).
• Direito não incide sobre um terreno, mas antes sobre um edifício, não sendo atribuídos
ao superficiário quaisquer poderes de transformação do solo e limita-se à faculdade de
construir (não abrangendo a faculdade de manter construção sobre edifício).

69
Pode abranger apenas uma única árvore.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Levantado o edifício, a construção passa a ser considerada como fração ou frações


autónomas do mesmo, adquirindo assim o construtor um direito de propriedade
horizontal, sendo considerado condómino dessa ou dessas frações.
• Superfície extingue-se com nova construção – surge direito de propriedade horizontal e
atribui-se ao construtor um direito sobre as partes comuns do prédio (art. 1421º) para
evitar que se defraudem as regras deste instituto.
o Construtor acaba por adquirir uma comunhão no solo, por este ser considerado
parte comum.

Constituição do Direito de Superfície – art. 1528º


• Contrato – sempre que o proprietário atribua a outrem o direito de construir ou realizar
plantações no seu terreno.
o Deve revestir a forma de escritura pública – art. 22º/a DL 116/200870, estando
sujeito a registo (art. 2º/1/a Cód RP).
• Testamento
• Usucapião
o Carvalho Fernandes: direito de realizar a construção ou plantação não se
adquire por usucapião, uma vez que não é fácil configurar uma situação de
posse que revista a forma correspondente à faculdade de fazer uma construção
ou plantação em solo alheio. Usucapião é apenas possível em caso de exercício
de uma posse sobre a obra ou plantação já existente, bastando para isso que o
possuidor não estenda a sua posse em relação ao solo.
o ML: teoricamente é possível o exercício de poderes sobre o solo,
correspondentes às faculdades de construção ou plantação, ainda antes de as
mesmas serem realizadas. Assim que comecem a ser exercidas, inicia-se o prazo
para a usucapião do direito de superfície.
• Alienação da obra ou da plantação separadamente da propriedade do solo –
proprietário tem a possibilidade de alienar autonomamente o solo e os implantes nele
existentes.
o Pode alienar a terceiro a obra ou plantação, ficando com a propriedade do solo
e pode aliená-los separadamente a pessoas distintas: dá-se automaticamente a
constituição de um direito de superfície a favor do adquirente do implante,
independentemente de qualquer declaração negocial nesse sentido.

Poderes e Direitos do Superficiário


1. Poder de construir ou plantar em terreno alheio – poder de transformação do solo ou
do subsolo alheios.
• Limitação temporal: se não for realizado no prazo estipulado (ou em 10 anos)
ocorre a extinção do direito de superfície (art. 1536º/1/a).
• Não necessita iniciar-se essa construção e pode ser a alienação da obra ou
árvores já existentes separadamente da propriedade do solo (art. 1528º):
superfície limita-se à manutenção de obras ou árvores já existentes.

70
Tendo em conta a natureza imobiliária das coisas em causa (art. 204º).

98
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Poder de construção ou plantação subsiste e pode vir a ser novamente exercido


(art. 1536º/1/b) e só será excluído se tal estiver no título constitutivo (art.
1536º/2).

2. Poder de manter a construção ou plantação em terreno alheio – é titular dessas obras


e não está sujeito às regras da acessão, não podendo o proprietário vir reivindicar o
implante, apesar de estar incorporado no seu terreno.
• Superficiário pode reivindicar o implante, caso venha a ser esbulhado pelo
fundeiro.

3. Constituição das servidões necessárias ao exercício do direito de superfície – art.


1529º

4. Uso e fruição dos bens implantados – pertence naturalmente ao superficiário, pelo que
pode exercer sobre o implante os mesmos poderes de gozo que competem ao
proprietário.
• Limites das relações de vizinhança e o pleno uso e fruição do subsolo pelo
proprietário (art. 1533º), ou inversamente do solo, quando a superfície incida
sobre o subsolo.

5. Disposição do direito de superfície – art. 1534º - além de poder alienar o seu direito,
pode onerá-lo através da constituição de direitos reais de gozo ou garantia sobre o
mesmo (art. 1539º).

6. Indemnização em caso de aquisição do implante por outrem – hipótese prevista para


o caso de o proprietário adquirir a obra ou as árvores no fim do prazo, sendo a
indemnização correspondente ao enriquecimento sem causa (art. 1538º/2).
• Também é atribuída em caso de expropriação (art. 1542º).

Poderes e Direitos do Proprietário do Solo


1. Uso e fruição da superfície, antes de o superficiário proceder ao implante – art. 1532º
- fundeiro tem primeiramente esses poderes e enquanto não se iniciar a obra ou não se
fizer a plantação de árvores ele conserva estes poderes, correspondentes à sua
propriedade.
• Art. 1532º também veda que o fundeiro possa impedir ou tornar mais onerosa
a construção ou plantação, estabelecendo um limite ao seu uso e fruição
imposto pela necessidade de tutela do direito do superficiário.
i. Isto demonstra que a constituição de superfície onera de imediato a
propriedade do solo, mesmo antes de ter sido realizada qualquer
construção ou plantação.

2. Uso e fruição do subsolo, ou do solo no caso de a superfície incidir sobre o subsolo –


art. 1533º - direito do superficiário apenas incide sobre a superfície, pelo que o
proprietário tem direito à outra parte.
• Estes poderes não podem é ser exercidos de forma a causar prejuízos ao
superficiário.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

3. Disposição do direito – art. 1534º

4. Direito ao Cânon Superficiário – art. 1530º - pagamento de uma quantia quando se


constitui uma superfície, sendo uma obrigação propter rem, que se transmite para quem
adquira o direito de superfície.
• Cânon é pago no local e no tempo que as partes tiverem convencionado –
havendo mora aplica-se art. 1531º/2.
• Falta de pagamento de prestações – art. 1537º

5. Direito de aquisição do implante, caso a superfície tenha sido constituída


temporariamente – art. 1538º

6. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície –


art. 1535º

Extinção da Superfície – art. 1536º


a) Não realização da obra ou plantação no prazo fixado ou, na falta de fixação, no prazo
de 10 anos – caso particular de extinção de um direito em resultado do não exercício de
uma das faculdades que o constituem71.
• Não é regido pelas regras da caducidade e sim pelas regras da prescrição – art.
1537º/172
b) Não reconstrução da obra ou não renovação da plantação dentro dos mesmos prazos,
após a sua destruição – a destruição não constitui facto extintivo da superfície (a menos
que assim seja convencionado – art. 1536º/2) e o que extingue o direito de superfície é
a não reconstrução da obra ou não renovação dentro dos prazos.
• De novo perante um caso de extinção por não uso (art. 298º/3) sendo regulada
pelas regras da prescrição (art. 1537º/1).
c) Decurso do prazo, sendo constituída por prazo certo – regras da caducidade (art.
298º/2)
d) Reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade –
aplicação do regime da confusão.
e) Desaparecimento ou inutilização do solo – embora o direito de superfície não incida
sobre o solo, a subsistência e aptidão do terreno para a construção ou plantação são
essenciais para o exercício do direito de superfície.
f) Expropriação por utilidade pública

2. Destruição da obra ou das árvores ou verificação de qualquer outra condição resolutiva,


caso a mesma tenha sido estipulada no título constitutivo

Regime da Extinção varia:

71
Caso de não uso do direito de superfície – art. 298º/3
72
O que implica a necessidade de invocação (art. 303º), possibilidade de suspensão do respetivo prazo
(art. 318º e ss.) ou da sua interrupção (art. 323º).

100
Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

• Direito de superfície perpétuo – direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre


o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido
extinção (art. 1541º).
o Solução explicável pelas legítimas expetativas dos titulares desses direitos, que
contavam com a perpetuidade da superfície.

• Direito de superfície temporário


o No fim do prazo: proprietário adquire o direito de propriedade sobre a obra (art.
1538º/1) com indemnizações para o superficiário (art. 1538º/2 e 3).
▪ Extinguem-se os direitos reais de gozo e garantia – art. 1539º.
▪ Direitos constituídos pelo proprietário sobre o solo estendem-se à obra
e árvores adquiridas – art. 1540º.
o Antes do fim do prazo: direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o
solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse
havido extinção (art. 1541º).
▪ Solução explicável pelas legítimas expetativas dos titulares desses
direitos, que contavam com a duração do prazo normal da superfície.

Natureza
• Teoria do Desmembramento – PL / AV, OA – não é direito sobre coisa alheia e sim sobre
coisa própria (o implante), que permanece em terreno ou prédio alheio, sem sujeição
às regras da acessão, constituindo-se uma propriedade superficiária.
o ML: não pode ser qualificada como propriedade
• Teoria do Direito Real de Gozo Autónomo – MC, ML – direito real menor que comprime
a propriedade do solo, pois não é direito exclusivo e pleno, coexistindo com o direito do
proprietário do solo e não atribui todas as faculdades. É direito real complexo que inclui
faculdades de outros tipos legais.
• Teoria Dualista – Mota Pindo, Carvalho Fernandes – distingue entre as faculdades de
construção e plantação e o direito incidente sobre as construções e plantações, sendo
direitos distintos e de natureza diferente: direito real autónomo que abrange as
faculdades de construção e plantação e direito de propriedade sobre a construção e
plantação73.
o ML: quebra a unidade do direito de superfície pois o direito é sempre o mesmo,
quer abrangendo as faculdades quer abrangendo as construções em si. Uma vez
realizado o implante, a faculdade de transformação do solo não desaparece.

73
Conceção de Mota Pinto ≠ CARVALHO FERNANDES
 Faculdades de construção e plantação são direitos reais de aquisição e o direito sobre a obra ou
plantações é direito real de gozo autónomo, que não seria propriedade por não ser exclusivo
(não é concebido sem a propriedade do fundeiro).

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SERVIDÕES PREDIAIS
Noção legal do art. 1543º
• Lei ao definir como encargo atenta essencialmente no seu lado passivo – em relação ao
prédio serviente.
• Deve tomar-se em conta o lado ativo – em relação ao prédio dominante
o É um direito incidente sobre coisa alheia74: definido como a atribuição ao titular
de um prédio (dominante) de utilidades provenientes de outro prédio
(serviente).

Características das Servidões Prediais


1. Ligação necessária a um prédio – atribuição da servidão é sempre em função da
titularidade de um prédio dominante, não sendo admitidas as Servidões Pessoais, em
que a atribuição das utilidades do prédio é feita independentemente de o seu
beneficiário ser ou não titular de outro prédio.
• Titular do direito de servidão não é o prédio dominante, mas obviamente a
pessoa que seja seu titular – não necessariamente o proprietário, podendo ser
usufrutuário (art. 1575º) ou superficiário (art. 1529º).
• Ligação imprescindível, dado que apenas as utilidades que possam ser
suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante é que podem
ser objeto da servidão (art. 1544º).

2. Atipicidade do conteúdo (art. 1544º) – constituem direito atípico e o seu objeto


pode ser variado.
• No Direito Romano a servidão consistia apenas numa sujeição (pati) do prédio
serviente e a exceção era a servidão de apoio a edifício, em que o proprietário
do prédio serviente tinha o dever de permitir o apoio a construção alheia sobre
a sua, mas também o dever de reparar a coluna ou muro sempre que esse apoio
estivesse em causa.
i. Direito atual não tem esta regra a título supletivo mas é admitido que o
proprietário do prédio serviente se obrigue a custear obras embora se
possa eximir (art. 1567º/4) – mas é apenas obrigação propter rem, a
título acessório, que não se confunde com o conteúdo da servidão.
• Da classificação romana ficaram as servidões: de passagem (permite transitar
por prédio alheio), de aqueduto (permite encanar a água sobre prédio alheio),
de aproveitamento de águas (permite recolher água de fonte alheia), de
estilicídio (permite fazer gotejar as águas pluviais sobre prédio alheio), de apoio
do edifício (permite apoiar o próprio edifício sobre edifício alheio), de
introdução de traves (permite introduzi-las na parede do edifício vizinho), de
varandas (permite construí-las sobre prédio vizinho), de não perturbação de luz
(impede que as obras do vizinho diminuam a luz da casa), de não afetação de
vista (impede que que se retire a vista a partir de um prédio), de vistas (permite

74
Resulta da definição legal que os dois prédios devem pertencer a proprietários distintos, não podendo
constituir-se uma servidão entre dois prédios pertencentes ao mesmo proprietário – o proprietário tem
naturalmente o direito de afetar utilidades de um dos seus prédios em benefício do outro, mas essa
afetação resultará do exercício da propriedade e não da servidão.
➢ Se a propriedade não for exclusiva, já se constitui servidão

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abrir janelas em parede própria sem respeitar a distância), de não edificação


(impede vizinho que construa no seu prédio), de limitação em altura (impede
que vizinho levante o seu prédio acima de certa altura), de apascentamento
(permite levar gado a passear no prédio vizinho), de retirar bens do prédio
vizinho (minerais, areais, argila, lenha ou mato e etc.).

3. Inseparabilidade (art. 1545º) – em relação ao prédio sobre que incide, sendo


corolário da regra de que as utilidades do prédio serviente devem ser gozadas através
do prédio dominante.
• Guilherme Moreira: utilidades que abrangem a fruição não podem ser objeto
de servidão pois o seu exercício pressupõe, por definição, a separação dos
frutos.
• PL / AV: discordam. Inseparabilidade exige apenas que, em concreto, o direito a
essas utilidades esteja ligado a um prédio dominante, sendo característica
meramente legal da servidão.
• Servidão é intransmissível e não pode, per si, ser objeto de alienação ou
oneração – não pode ser destacada de um prédio75.
• Servidão acompanha o prédio se ele for alienada ou onerado.

4. Indivisibilidade (art. 1546º) – não são suscetíveis de serem repartidas por partes,
incidindo sobre a totalidade do prédio serviente e não sobre apenas uma parte deste,
sendo sempre exercidas por intermédio de todo o prédio dominante e não apenas sobre
uma sua parte.
• Mesmo que seja limitado, por local, dias ou horas, há sempre uma utilidade
total da servidão.
• Divisão dos prédios não implica a multiplicação das servidões e ou cada fração
onde recaía a servidão mantem-se ou há contitularidade da mesma.

Modalidades de Servidões
Servidões positivas, negativas e desvinculativas
• Positivas – atribui ao titular do prédio dominante o poder de realizar certos atos sobre
o prédio serviente. Ex: passagem, apascentamento
• Negativas – titular do prédio serviente fica obrigado a abster-se da prática de certos
atos, de forma a incrementar as utilidades do prédio dominante. Ex: não edificação,
limitação da edificação em altura
• Desvinculativas – ocorre a libertação do prédio de uma restrição legal imposta em
benefício do prédio serviente. Ex: escoamento, estilicídio

Servidões Aparentes vs. Não Aparentes


• Aparentes – revelam-se por sinais visíveis e permanentes relativos à existência de uma
servidão, devendo manifestar a servidão erga omnes, podendo não apena o dono do
prédio serviente mas também qualquer pessoa observar tais sinais.

75
Haverá sempre constituição de nova servidão (art. 1545º/2).

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• Não aparentes – não se revelam por sinais (art. 1548º/2). Não podem ser adquiridas por
usucapião (art. 1548º/1 + 1293º/1/a) e também não permitem a constituição por
destinação do pai de família (art. 1549º).
o Não tem nada a ver com o caráter público ou oculto da posse – pode haver posse
pública em servidões não aparentes (servidão de aproveitamento de águas) e
posse oculta em servidões aparentes (servidão de passagem).

Servidões Contínuas e Descontínuas


• Contínuas – aquelas que se exercem permanentemente, independentemente de
qualquer ação do homem. Ex: servidão de aqueduto, de estilicídio ou de vistas
• Descontínuas – aquelas cujo exercício é intermitente, dependendo de ação humana. Ex:
servidão de passagem, de aproveitamento de águas ou de apascentamento
o Não se confunde com a servidão ser aparente ou não.

Servidões Voluntárias vs. Legais


Distinção com base no facto de poderem ser ou não coercivamente constituídas
Servidões Voluntárias – exige o consentimento do proprietário do prédio serviente para se
poder constituir.

Servidões Legais
Pode ser constituída sem o consentimento do proprietário do prédio sujeito à servidão.
• Art. 1547º/2 – podem ser objeto de constituição voluntária por NJ ou através de
sentença judicial ou decisão administrativa.
• Art. 1569º/2, 3 e 4 – causas de extinção particulares.

SERVIDÕES LEGAIS DE PASSAGEM


1. Servidão de passagem em benefício de prédio encravado – art. 1550º - prédios que
não tenham comunicação com a via pública têm de estabelecer essa comunicação
através de uma servidão de passagem por outro prédio, pelo modo e lugar menos
inconvenientes (art. 1553º).
• Podem adquirir o prédio encravado por justo valor (art. 1551º).
• Pode ter de indemnizar se o encrave for voluntário (art. 1552º).
• Constituição de servidão pode levar a pagamento de indemnização (art. 1554º).
i. Manuel Rodrigues: abrange-se não só a desvalorização sofrida pelo
prédio vizinho, mas também o valor de uso da passagem, em termos de
benefício adquirido pelo prédio dominante.
ii. PL / AV: no conceito de prejuízo insere-se a desvalorização do prédio
vizinho e os lucros cessantes perdidos pelo seu titular, mas não os
benefícios recebidos pelo prédio dominante76.
• Direito de preferência só é atribuído no caso de a servidão legal de passagem já
estar constituída, não bastando a mera possibilidade (art. 1555º).

2. Servidão de passagem para o aproveitamento de águas – art. 1556º

76
ML: é o que faz mais sentido dada a subsidiariedade da ação de enriquecimento (art. 474º).

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3. Atravessadouros e caminhos públicos – não constituem servidões mas há alguma


semelhança e conexão!
• Atravessadouros: caminhos pelos quais o público faz passagem através de
prédios particulares, com o fim essencial de encurtar o percurso entre
determinados locais, sendo os seus leitos partes integrantes desse prédio.
Regime nos art. 1383º e 1384º
• Caminhos públicos: destinam-se a estabelecer ligações de maior importância
entre povoações e os seus leitos fazem parte integrante do domínio público,
apesar de atravessarem prédios particulares eles são desde tempos imemoriais
usados diretamente pelo público com fins de utilidade pública e visando
satisfazer interesses coletivos.

SERVIDÕES LEGAIS DE ÁGUAS


1. Servidão de aproveitamento de águas – art. 1557º e 1558º - atribuída a titular de um
prédio que não tenha água suficiente para as suas necessidades e não a possa obter sem
excessivo incómodo ou dispêndio, sendo-lhe reconhecido o direito de constituir
servidão para aproveitar as águas existentes no prédio vizinho.
➢ Pode ser para fins domésticos ou agrícolas.

2. Servidão de presa – art. 1559º e 1560º - não se limita a recolher águas em prédio alheio,
atribuindo antes a faculdade de represar a água e a fazer derivar desse prédio.
➢ Pode ser águas particulares ou águas públicas.

3. Servidão de aqueduto – art. 1561º e 1562º - faculdade de conduzir sobre prédio alheio
as águas a que o titular da servidão tenha direito.
➢ Pode ser águas particulares ou águas públicas.

4. Servidão de escoamento – art. 1563º - faculdade de fazer escoar sobre prédio vizinho
as águas que existem em excesso em determinado prédio.
➢ Não se confunde com o art. 1351º.

Constituição, Conteúdo e Mudança


Art. 1547º estabelece como podem ser constituídas as servidões prediais:
1. Contrato – proprietários acordam em atribuir, por intermédio de um dos prédios
determinadas utilidades ao outro prédio.
➢ Deve ser celebrado por escritura pública (art. 22º/a DL 116/2008) e sujeito a
registo (art. 2º/1/a Cód RP).

2. Testamento – legado de prédio a favor de outrem, constituindo simultaneamente uma


servidão a favor de terceiros.
➢ Deve respeitar a forma dos testamentos (art. 2204º).

3. Usucapião (art. 1548º) – apenas no caso das servidões aparentes (art. 1548º/1 +
1293º/a).
➢ Devido ao facto das servidões não aparentes não se revelarem por sinais visíveis
e permanentes, estas podem ser exercidas na ignorância do proprietário do
prédio serviente ou são confundidas com atos de mera tolerância.

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4. Destinação do pai de família (art. 1549º) – ocorre sempre que em dois prédios do
mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinais visíveis e permanentes,
postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com o outro.
➢ 4 requisitos:
i. Dois prédios ou duas frações de um prédio tenham pertencido ao
mesmo dono – o uso anterior dos prédios foi por antigo proprietário
comum;
ii. Existam sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação
estável de serventia de um dos prédios em relação a outro – sinais
inequívocos em relação à vontade ou consciência do antigo proprietário
de criar uma situação estável e duradoura de afetação das utilidades de
um prédio em benefício de outro;
o Relativamente à servidão de águas, não depende da existência
de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário (art.
1390º/2) – caso particular de constituição por destinação do pai
de família que dispensa este requisito.
iii. Dois prédios ou frações tenham vindo a ser separadas do mesmo
domínio;
iv. Não haja no documento relativo a essa separação nenhuma declaração
contrária à existência desse encargo – esta figura tem caráter supletivo
pelo que as partes podem dispor em sentido contrário no respetivo
documento.

5. Sentença judicial ou decisão administrativa – na falta de constituição voluntária pode


ter de se recorrer a esta figuras, e sempre que se verifiquem os pressupostos de uma
servidão legal, a mesma deve considerar-se sujeita a esse regime, mesmo que tenham
sido constituídas voluntariamente.
➢ Sentença judicial: sempre que proprietário do prédio sujeito à servidão legal não
decida voluntariamente constituí-la.
➢ Decisão administrativa: como o caso das águas, ligadas a concessões de águas
públicas.

Após a sua constituição, as servidões são exercidas, atendendo ao seu conteúdo, nos termos
dos art. 1564º e ss.
 Disposições supletivas, tendo em conta que o Título Constitutivo é o elemento
modelador determinante em relação ao exercício da servidão.

Art. 1565º - extensão da servidão


Art. 1566º - poderes do proprietário do prédio dominante
Art. 1567º - encargos com as obras

Art. 1568º - Mudança de Servidão


• Possibilidade de mudança da servidão para sítio diferente do primitivamente assinado
ou para outro prédio, o qual pode inclusivamente pertencer a terceiro, se existir acordo
deste – possibilidade do proprietário do prédio serviente (art. 1568º/1)
• Também pode ser pedido pelo proprietário do prédio dominante (art. 1568º/2)

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• Verificados certos pressupostos, pode alterar-se o modo e tempo de exercício (art.


1568º/3)
• Esta faculdade de mudança justifica-se da “lei do mínimo meio”, segundo a qual a
servidão deve implicar as maiores vantagens para o prédio dominante com menor
prejuízo possível para o prédio serviente.
o Assim, se isto não estiver neste equilíbrio, justifica-se a alteração da servidão.

Extinção das Servidões – art. 1569º


a) Confusão de propriedades – pode ocorrer quando o titular de um prédio adquire o
outro ou quando um terceiro adquire ambos.
• Pode resultar de contrato ou de usucapião.
• Tem de ser a aquisição de propriedade, se for usufruto a servidão mantém-se.
• Se se adquirir a compropriedade ou parte especificada de outro prédio, a
servidão mantém-se dado o princípio da indivisibilidade da servidão.

b) Não uso durante 20 anos – extingue todas as servidões77.


• Impossibilidade de exercício da servidão não extingue enquanto não passar o
prazo – art. 1571º.
• Prazo inicia-se à luz do art. 1570º, seguindo-se as regras da caducidade (art.
298º/3).
• Não se extingue quando há mera utilização de uma de várias faculdades da
servidão – art. 1572º.
• O exercício em época diversa pode levar à extinção pelo não uso – art. 1573º.

c) Usucapio libertatis – art. 1574º

d) Renúncia – que não requer aceitação do proprietário do prédio serviente (art. 1569º/5).
• Pode haver renúncia liberatória à servidão para o proprietário de um dos
prédios dominantes se eximir do encargo de custear obras (art. 1567º/2).

Desnecessidade – caso das servidões constituídas por usucapião e as servidões legais


➢ Art. 1569º/2 e 3 – não extinguem as feitas por contrato, testamento e destinação do
pai de família.
➢ Razão para a extinção é a manutenção desta servidão desvalorizar os prédios servientes,
sem beneficiar os prédios dominantes.
➢ Tem de resultar de uma alteração das circunstâncias verificada em relação ao prédio
dominante após a constituição da servidão78.
➢ Não há extinção automática e atribui-se ao proprietário apenas o direito de a requerer
judicialmente.

77
Positivas – proprietário do prédio dominante deixa de gozar o direito adquirido;
Negativas – titular não se ter oposto à violação do dever de non facere;
Desvinculativas – volta-se a observar as restrições habituais nos prédios.
78
Implica que a servidão perca toda e qualquer utilidade que até aí vinha tendo para o prédio dominante,
uma vez que se se verificar a manutenção de utilidades, ainda que por forma mais reduzida, não se
justifica a extinção.

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Remição – no caso das servidões legais de aproveitamento de águas


➢ Art. 1569º/4

Natureza
• Teoria do Desmembramento da Propriedade – Teixeira de Abreu, José Tavares –
desmembra-se a propriedade pelo que a servidão é um direito real que incide, não sobre
coisa alheia, mas antes sobre coisa própria, sendo a servidão frações da propriedade.
o ML: teoria ultrapassada pois não há desmembramento da propriedade, apenas
a sua compressão.
• Teoria da Propriedade Especial – Neuner – é faculdade integrante da propriedade sendo
uma parte que foi retirada da extensão do direito de propriedade e que seria atribuída,
como propriedade, em exclusividade a outrem.
o ML: falha pois não é, ao contrário da propriedade um direito exclusivo
• Teoria da Limitação do Exercício do Direito – Windscheid, Guilherme Moreira, PL / AV
– limitação ao exercício do direito do proprietário do prédio serviente, que não afeta o
seu conteúdo, mas que permite ao titular do prédio dominante aproveitar-se de certas
utilidades proporcionadas por coisa alheia.
o ML: está de alguma forma presente no art. 1543º quando qualifica a servidão
como encargo, mas, só qualifica o lado passivo e a servidão tem um lado ativo.
• Teoria Dualista – próximo de JAV – desmembramento nas servidões positivas e
limitação nas servidões negativas.
o ML: a servidão tem um conceito unitário.
• Teoria do Direito Real Menor – OA, Carvalho Fernandes, ML – direito real de gozo
incidente sobre coisa alheia, ainda que o gozo que a servidão proporciona incida
sobre coisa diferente daquela que constitui o seu objeto.

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DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA


Instituído de forma a potenciar um aproveitamento mais intensivo dos empreendimentos com
fins turísticos – como os proprietário só utilizavam para certos períodos do ano, pretendeu-se
estabelecer direitos sobre os prédios que apenas permitissem a sua utilização periódica
durante certo período de tempo.

DL 275/93, de 5 de agosto
Tendo em conta a republicação pelo DL 37/2011

Art. 1º - objeto é coisa imóvel específica: unidades de alojamento integradas em hóteis-


apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos.
➢ Poderia aproximar-se da propriedade horizontal pois as exigências das unidades de
alojamento são semelhantes às das frações autónomas (art. 4º) e há a faculdade de
utilização das partes comuns (art. 21º/1/b).
o Difere deste outro direito real pois ainda há subsistência de um direito do
proprietário sobre o empreendimento (art. 4º/1/b) – não esgota a totalidade de
direitos sobre o edifício, não sendo por isso a administração do
empreendimento atribuída ao conjunto desses titulares, mas antes ao
proprietário (art. 25º/1).

Art. 3º/1 – duração é tendencialmente perpétua, mas o título constitutivo pode limitá-la a um
prazo, que tem de ser no mínimo de 1 ano.
Art. 3º/2 – permite apenas uma utilização temporária e periódica dos apartamentos. Extensão
temporal limitada, ainda que se renove anualmente.

Art. 5º - direito constitui-se após afetação do empreendimento à exploração em regime de


direito real de habitação periódica, tendo em conta o disposto no artigo.

Art. 6º - constituído por escritura pública ou documento particular autenticado.


Art. 8º - está sujeito a registo (art. 2º/1/b Cód RP), fazendo-se descrições subordinada para
todas as unidades de alojamento (art. 83º/2 Cód RP) bem como para as frações temporais (art.
83º/3 Cód RP).

Art. 10º e 11º - tem de ser emitido um certificado predial com determinados requisitos

Poderes do titular do Direito Real de Habitação Periódica


• Art. 21º
• Fruição da coisa durante o período a que respeita o direito
• Disposição e oneração do direito (art. 12º)
• Voto nas deliberações em assembleia geral de titulares de direitos de habitação real
periódica (art. 35º)

Limitações – art. 21º/2

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Obrigações do titular do Direito Real de Habitação Periódica


• Pagar prestação periódica (art. 22º) – sendo obrigação propter rem
o Falta de pagamento leva às consequências do art. 23º

Obrigações do proprietário do empreendimento


Há uma oneração do direito de propriedade do proprietário do empreendimento que não pode
constituir mais direitos reais sobre as unidades de alojamento (art. 2º) e estando sujeito a uma
série de deveres:
• Art. 25º-33º
• Art. 36º, 37º, 40º

Transmissão do Direito Real de Habitação Periódica


Art. 12º - permite a transmissão e oneração do direito real de habitação periódica por ato entre
vivos ou por sucessão por morte
➢ Deve dar-se informação contratual prévia, nos termos do art. 9º
➢ Há possibilidade para resolução do contrato – art. 16º
➢ Podem fazer-se contratos-promessa – art. 17º e 18º

Extinção do Direito Real de Habitação Periódica


• Sujeito às causas de extinção gerais dos direitos reais que lhe sejam especificamente
aplicáveis.
• Renúncia ao direito – art. 42º

Natureza
Doutrina tem qualificado, pacificamente, como um direito real de gozo menor, não sendo uma
forma de propriedade, na medida que não se trata de um direito exclusivo, já que coincide
necessariamente com a propriedade do titular do empreendimento.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

DIREITOS REAIS DE GARANTIA


Garantias Pessoais: além do património do devedor, com vista à satisfação do credor, há um
terceiro que garante. Ex: fiança
Garantias Reais: há uma afetação de uma coisa ao pagamento de uma dívida – afetação dos
bens do devedor ou de terceiro ao pagamento preferencial de uma dívida.
➢ São mais eficientes que o Direito geral de garantia e reduz o risco, mas, são menos
flexíveis e tem um processo mais complexo na sua modificação e extinção.

Diferem dos Direitos Reais de Gozo pois não visam proporcionar aos titulares retirar uma
utilidade imediata (retirar vantagens da coisa). As vantagens são indiretas.

Não são autónomos e destinam-se a assegurar o cumprimento de uma obrigação, sendo


acessórios relativamente a uma obrigação.
➢ Esta falta de alguma autonomia explica que os direitos reais de garantia estejam no CC
na parte das obrigações, pois eles visam assegurar o cumprimento de uma obrigação.

Estes direitos são figuras que têm as características e os princípios dos Direitos Reais.
➢ Nomeadamente o princípio da tipicidade e se não se respeitar há garantia mas
meramente obrigacional.

Consignação de Rendimentos (art. 656º-665º)


Não se confunde com a obrigação de consignação de receitas
Afetação dos rendimentos de determinados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo à
garantia do cumprimento de obrigações, sejam estas principais, de juros ou ambas, e podendo
ser presentes, futuras ou condicionais – art. 656º
➢ Permite ao credor pagar-se através dos rendimentos de uma coisa ou pelo uso dela, e
já não pelo valor da mesma.
➢ Incide só sobre os rendimentos, mas só os do estabelecidos no art. 656º

Legitimidade para a constituição da consignação de rendimentos – art. 657º e 658º/2


Quer pelo devedor quer por terceiros, garantias reais não têm de ser sempre prestadas pelo
devedor (ex: pode ser um pai a consignar rendimentos de um prédio que tem para o credor do
seu filho)

Modalidades – art. 658º/1


• Voluntária: constituída pelo devedor ou por terceiro que resulte de negócio entre vivos
ou de testamento.
o Forma no art. 660º
• Judicial: resulta de decisão de tribunal (art. 803º e ss. CPC)

Prazo – art. 659º


Não pode exceder os 15 anos pois a oneração que representa a consignação de rendimentos de
um imóvel prejudica a alienação do bem.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

No caso de bem móvel não sujeito a registo, é possível constituir um penhor e afetar os
respetivos frutos ao pagamento do capital em dívida (art. 672º) – permite, por essa via, que seja
obtida uma função idêntica à da consignação de rendimentos.

Regime
Atribui ao credor, na execução, a preferência sobre os demais credores pelos rendimentos do
bem sobre que incide e permite exigir esses rendimentos mesmo que o bem seja alienado a
terceiro.

Figura maleável quanto ao poder em que ficam os bens – nos termos do art. 661º
a) Bens continuam em poder do concedente: credor tem direito de exigir dele a prestação
anual de contas (art. 662º/1). Concedente mantém os bens em seu poder e tem o dever
de entrega dos rendimentos ao credor.
b) Bens passam para o poder do credor: credor fica equiparado ao locatário79,
administrando-os para obter os rendimentos que são objeto da garantia. Concedente é
que pode exigir contas do credor (art. 662º/2)
c) Bens passam para poder de terceiro: colocados na posse de terceiro através de título
específico, cabendo-lhe a faculdade de gozo desses bens mediante contrapartida de
uma prestação que é entregue ao credor a título de garantia

No caso de garantir cumprimento da obrigação e pagamento dos juros, os frutos da coisa são
imputados primeiro nos juros e só depois no capital (art. 661º/2) – extinção da obrigação
garantida vai assim ocorrendo através da entrega desses rendimentos ao credor, a qual não
implica novação e como que se reconduz a dação em cumprimento.

Titular da consignação não tem a faculdade de executar a coisa – apenas pode pagar-se através
dos seus rendimentos, que obtém gradualmente sem necessidade de aguardar que o devedor
incumpra a obrigação garantida.
• É oponível a terceiros.
• Não sobrevive à venda executiva – art. 824º/2

O art. 665º aplica à consignação de rendimentos o regime da hipoteca: art. 692º-696º, 701º,
702º

Extinção (art. 664º e 730º)


• Decurso do prazo – se as partes estipularem, decurso do prazo faz extinguir a
consignação, mesmo que a dívida não esteja paga.
• Extinção da obrigação – é garantia acessória pelo que a extinção da obrigação, extingue
a garantia.
• Perecimento da coisa consignada – desaparecimento do objeto de um direito real
extingue esse direito80.
• Renúncia do credor – garantia é estabelecida em seu benefício, não justificando mantê-
la contra a sua vontade.

79
Ele não fica locatário (pois sendo assim teria de pagar renda) mas fica equiparado a tal
Está sujeito ao art. 663º
80
Manifestação da inerência

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Natureza
• Pinto Duarte – não tem natureza real completa, na medida em que ao credor é retirada
a possibilidade de executa o bem, e a garantia não sobrevive à venda executivo.
• Andrade Mesquita – não tem caráter de garantia e é meio de realização atual do
crédito, reconduzível à datio pro solvendo.
• ML – garantia real das obrigações por força da qual o credor se paga pelos rendimentos
de certos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.
o Embora, além de garantia real, possa funcionar como meio que permite
satisfazer o crédito (mas isso depende da vontade do devedor que pode, em
qualquer altura, optar por cumprir a obrigação garantida extinguindo a
consignação).

Penhor (art. 666º-685º)


Também existe no CCom (art. 397º e ss.) e é figura que remonta ao Direito Romano.

Art. 666º/1 – penhor constitui uma garantia real, dado que atribui uma preferência sobre
bens determinados, cuja especificidade consiste em ter por objeto os bens não suscetíveis de
hipoteca (bens móveis desde que não suscetíveis de hipoteca).
• Tradicionalmente não se admitia um penhor sobre universalidades de facto, mas, a
prática tem admitido que certas universalidades podem ser objeto de penhor –
estabelecimentos comerciais e o penhor irregular do art. 666º/2.
• Garantia acessória e não há limites legais à obrigação garantida, podendo abranger
capital e/ou juros (não se aplica o mesmo que no art. 693º/2).
• Resulta sempre de um contrato que pode ser celebrado pelo devedor e por terceiro –
legitimidade para constituir o penhor (art. 667º) sendo forma legal não exigida (excepto
para o penhor de direitos – art. 681º).

No caso do penhor de créditos81 (art. 679º e ss.), dado que estes não podem ser objeto de
direitos reais, o penhor perde a natureza real e é garantia de outro tipo.

Modalidades
• Penhor com desapossamento: exige a entrega da coisa ou de documento que atribua a
exclusiva disponibilidade dela ao credor ou a terceiro (art. 669º/1).
o Pode ser a atribuição de composse (art. 669º/2).
o O essencial é que o credor seja privado da disponibilidade material da coisa, o
que desempenha uma função de publicidade, visando-se com ela assegurar que
os terceiros possam ter conhecimento da existência do penhor, e que terão de
suportar o exercício do direito do credor pignoratício, caso a coisa seja objeto de
alienação.
• Penhor sem desapossamento: há outros casos em que noutros diplomas legais se
dispensa o desapossamento. Ex: caso do penhor mercantil e da garantia de créditos por
estabelecimentos bancários autorizados.

81
Sempre que estes créditos têm por objeto coisas móveis e sejam suscetíveis de transmissão.

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Constituição – art. 669º


• É essencial ao penhor com desapossamento a atribuição da posse sobre a coisa ao
credor pignoratício, devendo tal resultar da tradição da coisa – quer material, quer
simbólica, quer traditio brevi manu.
• A posse do credor pignoratício é uma posse em nome próprio, nos termos do seu
direito de penhor.

Direitos do credor pignoratício


• Direito de obter a satisfação do seu crédito e eventuais juros, com preferência sobre
os demais credores do devedor, pelo valor da coisa objeto do penhor (art. 666º/1).
• Faculdade de dar execução à coisa empenhada, pagando-se o credor pelo produto da
venda judicial da coisa empenhada (podendo ser feito extraprocessualmente – art.
675º)82
• Faculdade de obter preferência especial, em que credores comuns só podem obter
pagamento após a integral satisfação crédito do credor pignoratício.
• Art. 670º
• Faculdade restrita de uso da coisa empenhada – art. 671º/b a contrario
• Poder de fruição – art. 672º

Deveres do credor pignoratício


Art. 671º
a) Se a coisa empenhada perece ou se deteriora, credor pignoratício é responsável
obrigacionalmente (art. 798º) tendo uma culpa que se presume (art. 799º)
b) Não pode exceder os limites do uso, que implicam uma desvalorização da coisa

Direitos do autor do penhor/devedor


Ele continua proprietário da coisa empenhada e continua com todas as faculdades que não
sejam incompatíveis com o direito atribuído ao credor pignoratício.
➢ Pode alienar ou onerar a coisa empenhada, em que credor pignoratício pode opor
eficazmente o seu direito ao novo proprietário.
➢ Há até limites da lei – art. 695º ex vi art. 678º
➢ Há outros direitos, aplicáveis por força do art. 678º - art. 697º, 698º

Extinção – art. 677º

Natureza
• Penhor como figura processual
• Penhor como direito de crédito
• Penhor como direito misto
• Penhor como direito real de garantia – ML – faculdades de execução e venda da coisa
e de preferência no pagamento sobre o produto desta à frente dos credores comuns
correspondem claramente a um direito real que, por ter por função garantir a satisfação
de um crédito, representa um direito real de garantia.

82
Se houver fundado receio, pode haver venda antecipada (art. 674º)

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Hipoteca (art. 686º-732º)


Figura que remonta ao Direito Romano

Art. 686º destaca o traço distintivo desta garantia: o seu objeto, na medida em que se restringe
às coisas imóveis ou equiparadas (automóveis, navios e aeronaves), mais precisamente certos
bens registáveis, bem como o facto de ter que ser registada sendo isso que confere a
propriedade.
➢ Caracteriza-se por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção
à causa do crédito, vigorando o princípio da prioridade na constituição.

Constituição
Art. 703º estabelece distinção entre hipotecas:
1. Hipoteca Legal
Definida no art. 704º como resultante imediatamente da lei, mas só se constitui mediante o
registo (art. 687º e art. 4º/2 Cod RP).
• Registo é efetuado com base em certidão de título de que resulte a garantia e em
declaração que identifique os bens, se necessário.
• Podem ser registadas em relação a quaisquer bens do devedor – art. 708º

Credores que beneficiam da hipoteca legal – art. 705º


Registo a favor de menores e incapazes – art. 706º
Substituição da hipoteca por outra caução – art. 707º
Possibilidade de reforçar a hipoteca – art. 709º

2. Hipoteca Judicial
Definida no art. 710º como resultante de sentença que condena o devedor à realização de uma
prestação em dinheiro.
➢ Funciona como uma penhora antecipada, podendo recair sobre quaisquer bens do
devedor suscetíveis de penhora, admissível independentemente do trânsito em julgado
da decisão condenatória, bastando que ela tenha sido proferida.

3. Hipoteca Voluntária
Definida no art. 712º como resultante de contrato ou declaração unilateral.
➢ Pode ser pelo devedor e por terceiro (art. 717º) sendo a legitimidade aferida pelo art.
715º.
➢ Forma de escritura pública – art. 714º

Registo da Hipoteca
Art. 687º exige que seja registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às
partes – Registo Constitutivo (art. 4º/2 Cód RP).
➢ Podem ser registadas provisoriamente antes de titulado o negócio – art. 47º, 92º/1/i
Cód RP

Objeto da Hipoteca
O crédito garantido pela hipoteca pode estender-se aos acessórios deste crédito que constem
do registo – art. 693º/1 – como os juros moratórios e remuneratórios, clausulas penais,
despesas de constituição de registo e etc.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Como direito real de garantia, a hipoteca só pode incidir sobre os bens determinados,
pertencentes ao devedor ou a terceiro – no caso das hipotecas voluntárias art. 716
➢ Quanto às hipotecas legais, o art. 708º, sem prejuízo do direito de redução, estabelece
que podem ser registadas em relação a todos os bens do devedor (tal como nas judiciais
– art. 710º).

Elenco dos bens suscetíveis de hipoteca – art. 688º


➢ Pode ser estendida pelo art. 691º

Hipoteca é indivisível – art. 696º


• Hipoteca é una, mesmo que abranja uma pluralidade de coisas e subsiste
indiferenciadamente sobre cada uma das coisas que abrange;
• Não há qualquer limitação do direito hipotecário, em virtude da amortização parcial da
obrigação a que serve de garantia.
• Há alguma atenuação deste princípio no art. 689º/2.

Vicissitudes da Hipoteca
Modificação da Garantia
• Alteração do objeto – art. 692º
• Tem subjacente uma ideia de sub-rogação real mas pode ter por objeto algo diferente,
moldado sobre o regime do penhor de créditos (art 681º/2).
• Reforço da hipoteca – art. 701º
• Redução da hipoteca – art. 718º, 719º, 720º
• As hipotecas voluntárias não são normalmente redutíveis, o que é coerente com o
princípio da indivisibilidade da hipoteca (art. 696º).

Transmissão dos bens hipotecados


• Efeitos da alienação sobre o crédito hipotecário – bens não estão subtraídos do
comércio jurídico pelo que podem livremente ser transmitidos para terceiro.
• Lei proíbe a inalienabilidade (art. 695º)
• Possibilidade de expurgação da hipoteca – art. 721º, 722º, 723º
• Renascimento dos direitos em caso de venda judicial ou expurgação da hipoteca – art.
724º
• Equiparação do terceiro adquirente ao possuidor de boa fé – art. 726º

Transmissão da hipoteca
• Cessão da hipoteca – art. 727º, 728º
• Cessão do grau hipotecário – art. 729º
• Ambas estão sujeitas a registo – art. 2º/1/h Cód RP (por averbamento à inscrição
hipotecária – art. 101º/1/c Cód RP).

Execução
Não pode ser dispensada – lei proíbe o pacto comissório no art. 694º
➢ A defesa do proprietário da coisa hipotecada na execução varia consoante ele seja o
próprio devedor ou um terceiro, em relação à obrigação garantida – art. 697º, 698º

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Extinção
• Art. 730º
o Alínea a) Pode ocorrer renascimento se se conhecer o vício na data em que teve
conhecimento da extinção da obrigação (art. 766º, 839º, 856º, 860º/2, 866º/3,
873º/2) – se no registo tiver sido cancelado só renasce na nova inscrição (art.
732º).
o Alínea d) Pode ser renúncia ao crédito ou à própria hipoteca – ML diz que a
melhor interpretação é como referindo-se apenas à hipoteca
• A expurgação da hipoteca também pode ser uma causa de extinção
• Art. 717º/1
• Caducidade
• Extinção do direito sobre que a hipoteca incide

Natureza
Hipoteca limita-se às faculdades de executar a coisa e de obter pagamento sobre o seu valor,
com preferência em relação aos demais credores do devedor.
➢ Hipoteca pode ser caracterizado como direito real de garantia e efetivamente possui
caráter absoluto, inerência, sequela e prevalência.

Privilégios Creditórios (art. 736-753º)


Art. 733º - representam uma atribuição legal de preferência no pagamento, tendo em atenção
a valoração que o legislador faz da fonte do crédito, considerando que esse crédito deve ser
pago à frente dos outros.
➢ Só podem ser atribuídos por lei e partes não os podem criar através de NJ, dispensando
qualquer publicidade (mesmo a resultante do registo).

Privilégios Gerais vs. Privilégios Especiais (art. 735º/2, 3)


Privilégios Mobiliários vs. Privilégios Imobiliários (art. 735º/1)
Mobiliários especiais: art. 738º e ss.
Imobiliários especiais: art. 743º, 744º
Mobiliários gerais: art. 736 e ss.
Imobiliários gerais: art. 738º e ss.

O privilégio garante naturalmente o crédito que dele beneficia, podendo, nos termos do art.
734º, garantir igualmente os juros relativos aos últimos dois anos se forem devidos.
Extinguem-se pelas mesmas causas da hipoteca – art. 730º ex vi art. 752º
Há outras disposições da hipoteca que se aplicam – art. 753º

Têm o regime definido nestes artigos do CC.

Natureza
Privilégios especiais são direitos reais, uma vez que incidem sobre coisas determinadas, e
gozam de sequela, sendo oponíveis a terceiros, conferem preferência no pagamento ao credor
que deles beneficia – assemelha-se ao penhor e hipoteca.
Privilégios gerais não podem ser considerados como direitos reais de garantia pois não incidem
sobre coisas determinadas nem gozam de sequela, só podendo ser exercidos em relação aos

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bens que se encontrem à data da penhora no património do devedor. São garantias especiais
sobre universalidades.

Direito de Retenção (art. 754º-761º)


Existe nos termos do art. 754º CC mas fora do Código Civil há inúmeros outros exemplos de
direito de retenção.

Pressupostos – art. 754º, 755º, 756º


• Devedor esteja obrigado a entregar uma coisa suscetível de penhora
• Seja simultaneamente titular de um crédito sobre a pessoa a quem esteja obrigado a
entregar a coisa, crédito esse exigível, ainda que com base na perda do benefício do
prazo, mas não necessariamente líquido
• Exista conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que a deva receber,
podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela
causados (art. 754º) ou de relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção
da coisa, a cuja garantia que a lei atribua esse efeito (art. 755º)
• Nem a aquisição da detenção da coisa tenha resultado de meios ilícitos, com o
conhecimento do adquirente, nem a constituição do crédito tenha resultado de
despesas efetuadas de má fé
• A outra parte não preste caução suficiente

Direitos do retentor – art. 758º, 759º

Transmissão do direito de retenção – art. 760º

Extinção do direito de retenção – art. 761º

Natureza
Moldado sobre o regime do penhor ou da hipoteca constitui um verdadeiro direito real de
garantia, na medida em que, tal como aqueles direitos, possui as características do caráter
absoluto, inerência, sequela e prevalência.

É garantia muito forte e pode prevalecer sobre hipoteca constituída anteriormente (art. 759º/2)
mas assume cariz provisório, na medida em que pode ser excluído pela prestação de caução
suficiente (art. 756º/d).

Tem também uma função compulsória, visando compelir o devedor a realizar a prestação em
dívida, de forma a recuperar o objeto retido.

Penhora
Consiste numa apreensão dos bens do executado (seja ele o devedor ou terceiro) afetos à
garantia da obrigação exequenda, em ordem a que eles possam ser sujeitos aos fins da ação
executiva, a saber, a satisfação do direito do credor exequente e, eventualmente, do dos
outros credores com garantia real sobre esses bens.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

➢ É ato judicial mas resulta, em termos substantivos, numa garantia das obrigações, na
medida em que, além de impedir o executado de continuar a dispor dos bens
penhorados, atribui ao exequente preferência na satisfação do seu crédito sobre esse
bens, preferência essa que apenas cessa no caso de insolvência do executado.
o Integra-se entre as garantias reais das obrigações, pois atribui ao exequente um
direito sobre uma coisa corpórea, oponível erga omnes, que lhe atribui
preferência no pagamento sobre a venda desse mesmo bem.

Regras dos art. 601º, 817º, 818º CC e 735º CPC (muito mais regras do CPC que disciplinam o
regime processual da penhora e os seus efeitos).

DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO


Promessa Real
Consiste num contrato-promessa (art. 410º) a que não é atribuído eficácia meramente
obrigacional, a qual se traduz na possibilidade de execução específica (art. 830º) e na
responsabilidade obrigacional por incumprimento (art. 798º e ss.), mas, atribui-se eficácia real
(art. 413º), o que permite opor eficazmente a promessa perante terceiros, sendo adquirido,
por esta via, um direito real de aquisição.

A promessa real, embora pressuponha um direito de caráter relativo (o direito à celebração do


contrato prometido), acaba por extravasar desse direito, na medida em que atribui uma
faculdade absoluta de aquisição da coisa, que a ela inere, beneficiando da sequela e
prevalência que caracterizam os direitos reais.

Preferência Real
Faculdade de adquirir um bem, suportando as mesmas condições de outro adquirente, que
celebrou um contrato relativamente àquele bem.

Pode resultar na atribuição de eficácia real ao pacto de preferência, nos termos do art. 421º,
assim como da concessão legal de direitos de preferência.

Há também preferências legais: direito de preferência do arrendatário urbano, direito de


preferência dos proprietários de terrenos confinantes.

O direito de preferência tem eficácia erga omnes e não está sujeito a registo83, podendo o
titular do direito de preferência opor eficazmente o seu direito não apenas ao adquirente como
a eventuais sub-adquirentes do bem.

83
Mas a ação está sujeita a registo: art. 3º/1/a Cód RP

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