You are on page 1of 15

Canoas, v. 28, n.

3, 2023
http://dx.doi.org/10.18316/recc.v28i3.10818

Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

What Do College Students Think About Academic Procrastination?

Isabela Silva Rodrigues1


Adriana Benevides Soares2
Marcia Cristina Monteiro3

Resumo: O presente estudo teve como objetivo explorar a procrastinação acadêmica na percepção de estudantes
universitários. Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa e exploratória, da qual participaram oito alunos
de diferentes períodos e cursos. Os dados foram obtidos por meio da técnica denominada grupo focal, que foi
processada no software IRAMUTEQ e analisada a partir da Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Os
resultados indicam que os alunos têm consciência da procrastinação, são capazes de compreender o momento em
que ocorre o comportamento, declarando-se conscientes dos motivos e das consequências negativas a nível pessoal,
académico e relacional. Apesar dos grandes transtornos e problemas causados pelo adiamento, eles dizem não
conseguir controlar a procrastinação. O conhecimento produzido pode colaborar com ações institucionais eficientes
sobre o comportamento de procrastinação.
Palavras-chave: Procrastinação acadêmica; Estudantes universitários; Qualitativo.

Abstract: The present study aimed to explore academic procrastination from the perception of university students.
This research is a qualitative and exploratory approach, in which eight students from different term and courses
participated. Data were obtained through the technique called Focal Group, which were processed in IRAMUTEQ
software and analyzed from Descending Hierarchical Classification (CHD). The results indicate that the students
are aware of procrastinating, being able to understand the moment when the behavior occurs, declaring themselves
aware of the reasons and the negative consequences at the personal, academic and relational levels. Despite the
significant discomfort and problems generated by the postponement, they say they cannot control procrastination.
The knowledge produced can collaborate with efficient institutional actions on procrastination behavior.
Keywords: Academic procrastination; University students; Qualitative.

Introdução

O processo de adaptação ao Ensino Superior é marcado por diversas mudanças na vida do aluno.
O estudante será confrontado com novos desafios que irão lhe exigir competências para que se integre
de forma satisfatória à universidade. Essas exigências estão relacionadas às questões pessoais, sociais,

1 Universidade Salgado de Oliveira; <http://orcid.org/0000-0002-1887-9848>.


2 Universidade Salgado de Oliveira e Universidade do Estado do Rio de Janeiro; <http://orcid.org/0000-0001-8057-6824>.
3 Universidade Salgado de Oliveira; <http://orcid.org/0000-0003-2892-1808>.
Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

institucionais, vocacionais e acadêmicas (ALMEIDA; ARAÚJO; MARTINS, 2016). No contexto da


adaptação, o aluno precisa gerenciar seus estudos, conviver com novas regras e espaços institucionais,
novas formas de relações interpessoais e aproveitar sua formação para construir seu projeto de carreira
(ALMEIDA; ARAÚJO; MARTINS, 2016; ARAÚJO, et al., 2016).

Entre as mudanças encontradas nessa modalidade de ensino, estão as relacionadas às exigências de


estudo. As disciplinas são mais densas em conteúdo e exigem do aluno maior entendimento. Ocorrem em
menor tempo, comparado ao Ensino Médio e algumas matérias dependem umas das outras, fazendo com
que reprovar em uma disciplina interfira no seu tempo de formação. Além do conteúdo acadêmico, o aluno
precisa se ajustar às novas demandas do ambiente universitário. Assim, gerenciar sua vida acadêmica e
pessoal pode se tornar um desafio nos primeiros semestres, podendo ser interpretado como um problema
sério nessa nova etapa da vida (ALMEIDA; ARAÚJO; MARTINS, 2016; ARAÚJO, et al., 2016).

Diante dessas mudanças, o posicionamento do aluno pode contribuir de forma positiva ou negativa
nesse processo. Aqueles que buscarem estabelecer novas competências, como desenvolver rotinas de
estudos, serem mais participativos em sala de aula e na instituição, se relacionar com pares e professores
tendem a se adaptar melhor a esse novo ambiente (ARAÚJO, et al., 2016). De forma contrária, evitar ter
que lidar com essas novas exigências pode dificultar a adaptação do aluno à universidade, gerando estresse
e ansiedade.

Um comportamento comum entre alunos universitários que pode ser um obstáculo nesse processo
é a procrastinação. Entre 80% a 95% dos estudantes admitem procrastinar, sendo que 50% dizem ter
problemas persistentes com essa questão. A procrastinação pode ser definida como o adiamento voluntário
de tarefas e decisões importantes para que se alcance metas e objetivos (STEEL et al., 2018). No ambiente
universitário a procrastinação está relacionada ao adiamento de estudos semanais, preparação para exames,
elaboração de trabalhos, participação em eventos, como também atrasos e faltas em aulas (SAMPAIO;
POLYDORO; ROSÁRIO, 2012). Esse adiamento geralmente é acompanhado de sentimentos negativos
como ansiedade, estresse, auto reprovação, culpa e angústia e vem sendo relacionado a diversos fatores,
dentre eles a desmotivação, os baixos níveis de autoeficácia, a pouca capacidade de autorregulação da
aprendizagem, dificuldade em gerenciar o tempo, a depressão, dentre outros (FERRARI, 2018; SAMPAIO;
POLYDORO; ROSÁRIO, 2012).

A procrastinação é a tendência de atrasar o início ou a conclusão de uma tarefa desejada ao ponto


que isso se torne desconfortável (FERRARI, 2018). Esse desconforto é sentido durante o processo ou
próximo aos prazos de finalização das tarefas. HAGHBIN (2015) define a procrastinação como um atraso
desnecessário e irracional de uma atividade pretendida, que vem acompanhada de sentimentos negativos
como culpa e auto reprovação e considerável desconforto psicológico.

Nesse contexto, é importante diferenciar atraso de procrastinação. Nem todo atraso pode ser
considerado procrastinação. Haghbin (2015) afirma que, apesar do indivíduo estar ciente das consequências
de longo prazo em atrasar uma tarefa, constantemente evita o estresse de curto prazo de ter que lidar com
ela no momento presente. Desta forma, a procrastinação não é somente conceituada como um ato de atraso,
mas também como uma falha autorreguladora (COSTA, et al., 2022; STEEL, 2012). De modo oposto,
atrasos não relacionados a procrastinar podem ser intencionais, racionais e produtivos (SVARTDAL;
NENTCAM, 2022). Portanto, é possível atrasar uma ação por priorizar outras tarefas mais importantes ou
quando mais informações são necessárias antes da tarefa alvo ser executada.

2 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

A procrastinação atinge as pessoas em vários domínios de suas vidas, como rotina diária, relações
sociais, casamento, gestão financeira, trabalho e contexto acadêmico (STEEL, et al., 2018). Hen e Goroshit
(2018) estudaram a procrastinação em 11 diferentes domínios (saúde, carreira, educação, família, amigos,
autodesenvolvimento, tempo de lazer, comunidade, relações afetivas, finanças e parentalidade) com 430
adultos israelenses que tinham alta qualificação. Os resultados indicaram que o domínio mais procrastinado
foi a saúde e o menos procrastinado foi a parentalidade. Foi observado que 40,7% dos entrevistados
relataram alta procrastinação na manutenção dos comportamentos de saúde, 27,7% em tempo de lazer,
21,9% em autodesenvolvimento e 25% dos entrevistados relataram alta procrastinação em quatro ou mais
domínios da vida.

Não é incomum que as pessoas procrastinem, porém o conceito pode ser classificado como crônico
se for uma tendência habitual e de longo prazo em diversas tarefas importantes que produzem baixo
desempenho, sofrimento psicológico e prejuízo em vários aspectos na vida (HAGHBIN, 2015). Ferrari
(2018) afirma que pesquisas em diversos países levaram à conclusão de que a procrastinação crônica afeta
inúmeras áreas da vida do indivíduo e é prevalente em 20% da população mundial (alguns dos países
estudados são Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá, Peru, Venezuela, Espanha, Irlanda,
Itália, Polônia, Áustria, Japão, Coréia do Sul, Turquia, Israel e Arábia Saudita). Segundo o autor, há uma
prevalência maior do que muitos transtornos, mesmo não tendo essa classificação tal como identificado
pelos manuais de doenças.

Chen e Chang (2016) foram os primeiros a examinar a origem evolutiva da procrastinação. No


passado, devido às incertezas futuras em que nossos antepassados viviam, as escolhas só poderiam ser
baseadas em aspectos imediatos. A relação custo benefício que era selecionada por poupar energia,
selecionou indivíduos mais impulsivos, que agem irrefletidamente, na busca de atender às necessidades
básicas para nossa sobrevivência, como comer, acasalar, dormir e socializar. Porém, o que no passado
foi selecionado por aumentar as chances de sobrevivência da espécie humana, se mostra disfuncional ao
mundo contemporâneo. Com o passar do tempo, o homem desenvolveu conhecimento e ferramentas que
o tornou capaz de controlar o ambiente em que vive tornando muitas estratégias de sobrevivência focadas
no presente, um problema cotidiano na sociedade atual.

Segundo Haghbin (2015), historicamente, a procrastinação é um fenômeno que não é específico de


uma determinada cultura, época ou tempo. O uso da palavra como uma característica negativa pode ser
rastreado até as civilizações antigas quando os primeiros compromissos sociais foram criados. A descrição
do atraso problemático, a procrastinação, é influenciada por razões sociais e pessoais. Há muitas evidências
sugerindo que a conotação negativa e, portanto, a definição e a prevalência sejam afetadas pelo espírito
dominante de desenvolvimento em uma sociedade e pelo rigor das regras sociais ou ideologias relacionadas
ao cumprimento de tarefas ou deveres.

Nas sociedades atuais existe uma ênfase na produtividade, enfatizando o controle pessoal e
a responsabilidade. Segundo Steel, et al. (2018), devido ao valor que o tempo tem em nossa sociedade,
prejuízos relacionados aos comportamentos procrastinatórios ficam mais evidentes como por exemplo em
problemas de saúde, que são agravados pela demora na busca de tratamento, ou na solução de questões
financeiras, quando o indivíduo evita tomar decisões sobre sua aposentadoria por exemplo, dentre muitos
outros contextos.

Outro fator na sociedade contemporânea é o desenvolvimento da tecnologia, que parece aumentar

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 3


Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

a probabilidade de procrastinar (STEEL, et al., 2018). Nos tempos atuais existem à disposição muitas
atividades em que se obtém prazer de forma rápida e fácil servindo como fuga para atividades entediantes
ou aversivas (H. EFE; EFE, 2018; MOHAMMADI; TAHRIRI; HASSASKHAH, 2015). Segundo Steel (2012),
já é possível visualizar o efeito das mudanças ocorridas na sociedade no comportamento de procrastinar.
Nos anos 1970, o percentual de pessoas que afirmavam ter problemas persistentes com a procrastinação
era entre 4% e 7% como já foi mencionado, atualmente esse número chega a atingir cerca de 20% a 25%
(FERRARI, 2018; HEN; GOROSHIT, 2018).

Mesmo a procrastinação sendo uma questão antiga, só recebeu interesse científico nos últimos 30
anos (STEEL, 2012). Steel, et al. (2018), a partir de uma metanálise, que teve como objetivo explorar de
forma ampla as causas e correlações da procrastinação, constatou que os estudos investigam esse fenômeno
por diversos ângulos. Segundo esse autor, parte das pesquisas sobre procrastinação buscam entender o
fenômeno com base nas diferenças individuais ou visam explorar as características das tarefas, buscando
possíveis causas ambientais. A procrastinação também é entendida a partir da relação com a idade, gênero,
nível educacional, entre outras características demográficas, indicando possíveis moderadores físicos e de
grupos. Também vem sendo associada ao humor, a déficits na autorregulação e ao mau desempenho.

A procastinação é tão comum na universidade, que a maior parte dos estudos buscam entender
suas causas e seus efeitos nessa população (STEEL, 2012). Janssen (2015) constatou que 97% dos 133
universitários americanos estudados relataram procrastinar em suas tarefas acadêmicas, 50% quase sempre
ou sempre procrastinam quando estudam para os exames, 62% procrastinam as leituras semanais e 54%
procrastinam em escrever os trabalhos de conclusão de curso. No Irã, a porcentagem de procrastinação
acadêmica é de 63% (BYTAMAR, et al., 2018).

Essa alta porcentagem, em parte, pode ser explicada pelo fato de que o estudante universitário
lida com diversas exigências e com complexas tarefas durante os seus anos de estudo. Essas obrigações
são de nível maior de complexidade e acabam demandando dos estudantes esforços para que obtenham
bom desempenho acadêmico, consequentemente maiores chances de atender a demanda do mercado de
trabalho. Neste contexto, a procrastinação está associada ao atraso irracional de iniciar ou concluir tarefas
relacionadas as demandas acadêmicas, como leituras, estudo para provas, escrita, rotina de estudo (SAMPAIO;
POLYDORO; ROSÁRIO, 2012; RICHARDS, 2018). Steel e Ferrari (2013) afirmam que a procrastinação em
estudantes universitários está associada à dificuldade da autorregulação do comportamento para atender
às exigências do Ensino Superior. Segundo Schouwenburg (1995), o comportamento procrastinatório
no contexto acadêmico pode se apresentar como falta de iniciativa, podendo ser nas interações e/ou nos
estudos, ter preferência por atividades que competem com as relacionadas a universidade e discrepância
entre a intenção de estudar e o estudo propriamente dito.

Segundo Kandemir (2014), a procrastinação acadêmica é um problema comum entre os alunos e


provoca resultados indesejados, como ansiedade, fracasso, desinteresse pelo curso e baixa satisfação com
a vida. Diversos estudos relatam correlação negativa entre desempenho acadêmico e procrastinação (D.
SILVA, et al., 2016; KAVESKI, et al., 2017; VIEIRA-SANTOS; MALAQUIAS, 2022; MOLETA; RIBEIRO;
CLEMENTE, 2017; SEMPREBON; AMARO, BEUREN, 2017).

Vieira-Santos e Malaquias (2022), em estudo de revisão sistemática, afirmam que a procrastinação


é um fenômeno frequente entre universitários e pode ser motivado por ansiedade e incapacidade diante da
tarefa, percepção de dificuldade da tarefa, quantidade de tarefas a serem realizadas e significado atribuído

4 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

à tarefa. Nos estudos de Moleta, Ribeiro e Clemente (2017) e Semprebon, Amaro e Beuren (2017) também
foi observada influência negativa da procrastinação no desempenho. D. Silva, et al. (2016) observaram que,
além da relação entre baixo desempenho acadêmico e procrastinação, alunos nos períodos finais do curso
tendem a ter maiores índices de procrastinação. Foi também observado uma menor associação entre a
procrastinação e o gênero feminino.

Kaveski, et al. (2017) investigaram os motivos que levam a procrastinação e sua influência na vida
acadêmica de 225 graduandos do curso de Ciências Contábeis. Pesquisaram as relações entre as variáveis
procrastinação, desvio de conduta e desempenho acadêmico. Foram considerados procrastinadores os
discentes que, mesmo com intenção de fazer, não conseguem iniciar a tarefa, são facilmente distraídos
e têm dificuldade de realizar a atividade no prazo. Os resultados apontaram que antecedentes pessoais
e situacionais são fatores que levam os discentes a procrastinar, explicando 52,2% da procrastinação
acadêmica. Os fatores situacionais foram os que obtiveram maior destaque: situações que concorrem com
as tarefas acadêmicas como atividades e compromissos considerados mais importantes, as interações sociais
disponíveis e atividades de menor exigência (navegar na Internet, por exemplo). Esse estudo também indicou
que a procrastinação está positivamente relacionada a desvios de conduta, tais como comportamentos de
colar em provas, copiar atividades de colegas, não fazer as tarefas e leituras semanais são mais recorrentes
em discentes que procrastinam e que o desempenho acadêmico é menor em estudantes que procrastinam.

Para Wypych, Matuszewski e Dragan (2018) a falta de valor e sentido na atividade pode levar
ao desinvestimento da tarefa. Nesse sentido, Steel et al. (2018) apontam que a procrastinação é um dos
mais comuns fracassos motivacionais. Desta forma, a procrastinação acadêmica é entendida como uma
estratégia de evitação (KANDEMIR, 2014).

Visser, Korthagen e Schoonenboom (2018) tiveram como objetivo observar as diferenças entre
os níveis de procrastinação em acadêmicos de um curso de formação de professores. Participaram 22
estudantes que estavam no primeiro ano de estudo e foram divididos em três grupos: baixo, médio e alto
nível procrastinação. Os resultados apontam para seis temas: escolha do programa de graduação, iniciar
atividades de estudo, envolvimentos em atividades de estudo, reagindo ao fracasso, visão de si mesmo e
resultados do estudo. Concluíram que aqueles que são considerados baixos e médios procrastinadores, por
valorizarem e desejarem ser um professor, se mostravam mais motivados, favorecendo assim a realização
de atividades e estudos. Para os alunos do grupo alto nível de procrastinação, a falta de interesse em se
tornar um professor dificultava ter que começar e concluir as tarefas do curso. Em resumo, a resistência
em executar as tarefas acadêmicas estava relacionada ao nível de identificação com o curso escolhido.
Aqueles que fazem escolhas mais motivadas tinham maior interesse nas atividades demandadas pelo curso,
inversamente, os que escolheram o curso por outros motivos, diferentes de suas motivações pessoais,
procrastinavam por falta de interesse e aversão as exigências do curso.

Como apresentado, os universitários convivem com a procrastinação em diversos contextos no


ambiente acadêmico, sendo que alguns estudantes acabam por ter prejuízos devido à dificuldade em evitar
constantemente suas responsabilidades. Esses problemas podem afetar o desempenho e aspectos pessoais
tais como a autoestima, a saúde física e a psicológica. Assim, pretende-se investigar a percepção dos alunos
sobre a procrastinação em sua experiência de estar cursando o Ensino Superior.

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 5


Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

Método

Participantes

A amostra da pesquisa é não probabilística e de conveniência. Participaram do estudo oito estudantes


universitários tendo idade entre 18 e 29 anos com média de 21,25 e desvio padrão de 4,92. Dentre os
participantes, cinco eram mulheres e três homens, cinco de instituições de Ensino Superior privada e
três de pública. Os participantes eram de cursos variados, sendo eles Engenharia Ambiental, Fisioterapia,
Sociologia, Biomedicina, Direito, Administração, Produção Cultural e Ciências da Computação. Em
relação ao período que estavam cursando, um estava no nono período, um no sexto, um no segundo,
um no terceiro e três no primeiro. Todos eram solteiros e sem filhos. No que diz respeito à ocupação, seis
somente estudavam e dois conciliavam estudo e trabalho. Todos estavam cursando o Ensino Superior pela
primeira vez, sendo que cinco não estavam no curso de sua primeira escolha, dois estudantes eram de
primeira geração e seis afirmaram pretender completar sua formação.

Procedimentos éticos

Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo informados


da confidencialidade das identidades e dos objetivos do estudo. O projeto de pesquisa foi submetido e
aprovado pelo Comitê de Ética da instituição de Ensino Superior CAAE: OCULTO.

Procedimentos de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio da técnica denominada Grupo Focal, cujo objetivo é
estimular o debate para se obter relatos sobre as experiências, depoimentos e percepções do grupo em
relação a um determinado tema. Essa estratégia proporciona a integração entre os participantes facilitando
o acesso de dados que não seriam possíveis em entrevistas individuais (LEAL; CAMPOS, 2013). Foi
realizado apenas um grupo focal, considerando o critério de saturação comumente empregado em estudos
qualitativos, ou seja, os grupos se esgotam quando não apresentam novidades em termos de conteúdo e
argumentos (TRAD, 2009).

Os dados sociodemográficos foram coletados por meio de uma folha de rosto que precedeu a
realização do Grupo Focal. O encontro ocorreu em um único momento, com tempo de uma hora e vinte
dois minutos, em uma sala adequada que ofereceu conforto e privacidade. Os alunos foram convidados por
meio de divulgação em sala de aula, tendo como critério de inclusão a percepção do estudante de procrastinar
em suas tarefas acadêmicas e como critério de exclusão não se autoperceber como procrastinando nas
atividades da graduação. Foi agendado local, dia e horário e os participantes foram recepcionados com um
lanche, receberam um crachá de identificação e foram posicionados em círculo para facilitar a comunicação
entre os participantes. O mediador do grupo foi a própria pesquisadora. Foi estabelecido um roteiro prévio
com os principais tópicos para discussão (O que é procrastinação? Compartilhamento de experiências que
digam respeito à procrastinação na universidade e comparação com o Ensino Médio; Quais tarefas são
mais procrastinadas? Existe diferença entre as disciplinas? Disciplinas mais procrastinadas do que outras?
A relação com o professor afeta a procrastinação? As relações sociais interferem na procrastinação?). As
falas foram gravadas em áudio e posteriormente foi realizada a transcrição textual do material coletado.

6 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

Procedimentos de análise de dados

A investigação ocorreu por meio de análise lexical dos dados textuais que tem como unidade de
análise as palavras presentes no texto. Esse material é submetido a cálculos estatísticos em que o vocábulo
é identificado e organizado. Essa análise parte da premissa que se pode identificar o sentido de um objeto a
partir da identificação de um conjunto de palavras que o caracteriza (CAMARGO; JUSTO, 2014).

A análise lexical ocorreu por meio do software IRAMUTEQ (Interface do R pour Analyses
Multidimensionelles de Textes et de Questionnaires) que é um software gratuito e com fonte aberta
desenvolvido na França. A partir de 2013 teve sua adaptação à língua portuguesa o que possibilitou sua
utilização no Brasil (CAMARGO; JUSTO, 2013).

Esse programa permite diferentes formas de análises textuais por meio de lexicografia básica, que
possibilita identificar e reformatar as unidades de textos, identificar a frequência média, a quantidade de
palavras e vocábulos com frequência única (hápax). Outros tipos de análises são o Método da Classificação
Hierárquica Descendente (CHD), a Análise Similitude e a Nuvem de palavras (CAMARGO; JUSTO, 2014).

No CHD os segmentos de textos são classificados em função dos seus correspondentes vocábulos
e o conjunto deles é dividido com base na frequência das formas reduzidas. Essa relação entre as classes
é caracterizada por uma representação gráfica (dendograma - CHD). A análise de similitude viabiliza
reconhecer as coocorrências entre as palavras e a conexidade entre os vocábulos. Já a nuvem de palavras,
apesar de ser uma análise lexical, simples permite a identificação mais rápida das palavras-chaves do corpus,
organiza e reúne os vocábulos em função da sua frequência (CAMARGO; JUSTO, 2014).

Resultados

Na análise do corpus “Procrastinação acadêmica” foram observadas 9004 ocorrências (número total
de palavras contidas no corpus), sendo 874 formas distintas e 374 com uma única ocorrência. Esse corpus
foi divido em 252 unidades de texto elementares, sendo que 207 unidades (82,14%) foram analisadas e
agrupadas por meio de classificações hierárquicas descendentes (CDH). Na Figura 1, pode-se visualizar o
dendograma que demonstra as seis classes advindas do conteúdo analisado.

Vale ressaltar que as seis classes se encontram divididas em duas ramificações iniciais. O
subcorpus “Funcionamento” composto pela classe 2 (Falha autorregulatória) e a ramificação, “Efeitos
do comportamento”, composta pelas classes 3 (Justificativa) e 4 (Consequência). O subcorpus “Contexto
acadêmico”, contém as palavras correspondentes à classe 6 (Fundamentos) e uma outra ramificação,
“Resultado acadêmico”, contida as classes 5 (Estratégia de desempenho) e 1 (Influência docente).

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 7


Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

Figura 1: Dendograma da CHD do corpus Procrastinação Acadêmica

Fonte: Elaborada pelas autoras (2020)

A Classe 2, Falha autorregulatória, reteve 46 segmentos de textos (STs), composto por 22,22% do
corpus. Os vocábulos mais frequentes e significativos presentes nessa classe são: começo, sentir, acabar,
ficar (p < 0,05). Essa classe expressa a dificuldade entre a intenção de agir e a ação de fato, por exemplo nas
falas: “eu sou assim, eu sei que eu deveria estar fazendo isso e que não fazer vai me prejudicar muito, mas
mesmo assim não estou fazendo. Eu sinto ansiedade principalmente nesses momentos antes de prova, eu
começo a ficar bem desesperada” e em “Eu consigo dar conta do que eu planejo o difícil é começar, meu
problema é começar, fico só postergando e estudo em véspera de prova, eu tenho dificuldade de concluir,
eu começo toda hora”. Os participantes relatam que apesar de perceberem que estão procrastinando não
conseguem fazer nada para mudar isso, a ação geralmente ocorre na véspera de provas e prazos finais,
quando estão prestes a se prejudicar ou quando isso já ocorreu e precisam se recuperar.

Segundo os participantes, a intenção de não procrastinar é algo que ocorre no início do semestre,
mas com o passar do tempo não conseguem agir da forma que pretendiam, o que é exemplificado na
fala: “Eu só estudo antes da prova, eu tenho uma rotina no teórico, eu sempre crio uma rotina no começo
do semestre, começo acompanhando e depois fica tudo bagunçado”. Outro relato comum a todos foi a
percepção de que no início da graduação os alunos procrastinavam menos e o adiamento foi aumentando
conforme iam conhecendo as consequências de procrastinar o que pode ser percebido na fala “Eu também
percebi um pouco isso de não procrastinar tanto no começo e depois que eu comecei a me sentir, acho que
confortável, eu comecei a ver que se eu deixasse para depois não ia me prejudicar tanto, eu ia conseguir a
nota que eu precisava”.

A Classe 3, denominada Justificativa, composta por 37 ST, foi responsável por 17,87% do corpus
textual. Os vocábulos mais frequentes e significativos presentes nessa classe são: abrir, preguiça, casa,
trabalhar, ler, computador, saber e estágio (p < 0,05). Mostra as razões que foram associadas a ocorrência
da procrastinação. A preguiça foi uma das principais justificativas apresentadas, o que é exemplificado nos

8 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

trechos: “ não sei se é preguiça, se são os obstáculos até chegar aonde você quer, tem um monte de coisa
para fazer, por isso que falei o negócio do estágio você começa a praticar aquilo, eu acho que aumenta mais
seu interesse”, “No estágio você acaba pesquisando mais sobre aquilo, então eu estudava mais e agora eu
não estou no estágio, não estou fazendo nada e bate aquela preguiça, então eu penso em estudar, mas tem
que abrir o site”, nessas falas o estágio aparece como um estímulo, algo que aumenta o interesse por ser uma
possibilidade de vivenciar a prática da profissão. O cansaço também foi apontado como uma justificativa
para procrastinar como pode ser evidenciado na fala: “saio do trabalho e não estou afim de estudar e fico
enrolando. Tem dias que estou muito cansado, muito estressado, eu não vou chegar em casa e vou abrir o
sistema para fazer uma avaliação, jamais”.

As tecnologias, computador, smartphone, e consequentemente o acesso à Internet, as redes sociais,


também aparecem como facilitadores da procrastinação como pode ser visto na fala: “eu vou me distraindo,
porque tudo que eu faço é pelo computador ou pelo celular. Eu começo a me distrair, com Whatsapp, com
o Facebook, com outras coisas. Eu não consigo parar” e “aí você está lá no computador e vê mil coisas na
sua frente e você prefere abrir a Netflix do que estudar”.

A Classe 4, Consequência, reteve 34 ST, sendo 16,43% do corpus. Os vocábulos mais frequentes
e significativos presentes nessa classe são: dia, entregar, anterior, amanhã, chegar, entrar, ponto, parar e
domingo (p < 0,05). A classe expressa os efeitos de adiar as tarefas acadêmicas, dentre os quais estão:
ter que estudar na véspera das avaliações, a aprendizagem superficial dos conteúdos e as emoções
e pensamentos negativos tais como exemplificados nas falas: “Eu acho que essa responsabilidade, essa
pressão, principalmente no dia anterior da prova, que você tem essa prova para fazer você fica desesperado,
porque tem muito conteúdo, você começa achar que não vai dar conta, então eu vou fazer o que, vou nem
começar a estudar” , “Só que eu não leio nenhum dos textos, chega no dia da prova, no dia anterior no caso,
eu tento achar resenha, resumo dos textos na Internet, para pelo menos saber do que se trata os textos,
e nem sempre isso dá certo, as vezes eu abro o texto e fico tentando caçar partes chaves que vão cair, que
são o conteúdo mais importante” e “O meu principal sentimento é arrependimento, porque que eu não
fiz, porque eu não fiz antes, sabe, porque eu não estudei, porque eu me deixei chegar a esse ponto, eu fico
muito arrependida”.

A Classe 6, Fundamentos, composta por 26 ST, corresponde 12,56% do corpus textual. Os


vocábulos mais frequentes e significativos presentes nessa classe são: área, fisioterapia, Enem, curso, teatro,
escola e questão (p < 0,05). Compreende a percepção dos participantes sobre os motivos que os levaram a
cursar o Ensino Superior e o efeito de suas experiências nessa modalidade de ensino. Alguns trechos que
exemplificam essa ideia: “Assim não sei se era minha primeira opção, mas é algo muito relacionado com
tudo que eu gosto, porque eu gosto muito dessas questões de ciências políticas”, “Mas a questão do direito, é
uma área que me surpreendeu um pouco, não esperava, achei que fosse ser mais maçante, mas é algo que eu
acho que me identifiquei, é que eu acho que estou conseguindo entender, não é só eu vou estudar porque eu
tenho que passar, estou conseguindo entender mais do que aquele raso que só estuda para passar, então eu
acho que estou me identificando” e “Eu não tinha vontade de fazer faculdade, eu era uma menina do teatro
também, ai quando eu fiz o Enem eu tentei passar para artes cênicas, só que artes cênicas só tem no Rio,
eu falei não tem como eu sair daqui agora para ir morar no Rio de Janeiro, e também eram pouquíssimas
vagas e eu também não tinha me dedicado”. Algumas falas demonstram desanimo em relação ao curso,
por exemplo: “acho que muito provavelmente por eu estar fazendo um curso que eu não gosto, que eu
não queria, eu sei que por causa das minhas questões particulares se eu estivesse fazendo cinema eu ia ter

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 9


Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

dificuldade, mas de certa forma acredito que menos porque haveria um interesse da minha parte” e “mas
se eu estivesse fazendo um curso que eu gosto eu ia tentar fazer as coisas pelo menos, eu tentaria fazer as
coisas porque em sociologia eu nem tento mais”.

A Classe 5, Estratégia de desempenho, reteve 26 ST, compondo12,56% do corpus. Os vocábulos mais


frequentes e significativos presentes nessa classe são: nota, tirar, máximo, conseguir e bom (p < 0,05). Aponta
estratégias geralmente utilizadas pelos participantes para lidarem com as demandas acadêmicas. Relataram
que estudam somente na véspera ou no dia das provas. Esse comportamento, segundo eles, era eficaz na escola
e se repete na graduação. Aparece nos trechos: “E isso quando estudava, as vezes eu nem estudava e mesmo
assim, as vezes não tirava a nota máxima, mas conseguia passar e para mim isso já era o suficiente”, “e cinco
minutos da professora entrar na sala eu disse para ele me explicar a matéria, e ele rápido do jeito que deu me
explicou e eu ainda consegui tirar nota máxima”. Os estudantes relatam que no Ensino Superior a estratégia
de deixar acumular as tarefas traz prejuízos no desempenho e preocupações como pode ser exemplificado:
“já aconteceu de eu procrastinar tanto em um semestre, de já saber que em uma matéria eu estava reprovado,
e eu precisava tirar uma nota boa porque senão eu ia perder a bolsa”, “eu falei preciso estudar muito, muito, e
estudei muito né, não tirei nenhum 10, mas tirei notas boas, estava suficiente.”

Por último a Classe 1, Influência docente que foi responsável por 38 ST, compondo18,36% do corpus.
Os vocábulos mais frequentes e significativos presentes nessa classe são: professor, entender, aula, dedicar,
exemplo e matéria (p < 0,05). Está classe destaca a percepção dos participantes sobre o papel do professor
como mediador do interesse do aluno sobre o conteúdo estudado e até mesmo o curso. Nesse sentido, o
docente é indicado como fonte de motivação ou até mesmo de desinvestimento do aluno, podendo afetar
a procrastinação o que pode ser exemplificado nas falas: “Acho que também meus professores influenciam
muito, nas melhores matérias eu considero eles melhores professores, eu consigo entender melhor”, “Mas
também é claro que quanto pior for o professor, na minha opinião, menos eu vou me interessar na aula. Até
porque, se eu não estou entendo o que a pessoa este explicando ou não vou aparecer na aula, ou vou ficar no
celular ou vou dormir”, “Mas eu não levo muito para esse lado, gosto do professor então automaticamente
eu gosto da matéria, é mais tipo, gosto do professor então eu vou me dedicar porque eu acho que tenho que
dá um retorno para essa pessoa” e “Tem uma professora nesse período que a aula dela é muito ruim, tipo
você está falando, ela se perde, faz umas conexões estranhas, para o assunto, e a aula dela para mim está
sendo bem complicada, algumas eu tenho até matado”.

Discussão

Ao que se refere a Classe 2, nomeada Falha autorregulatória, os alunos relataram dificuldade


em agir como o planejado, mesmo percebendo que estavam procrastinando não conseguiam evitar. A
procrastinação é apontada com uma falha autorregulatória por alguns estudos (SAMPAIO; POLYDORO;
ROSÁRIO, 2012; STEEL; FARRARI, 2013; STEEL, et al., 2018; COSTA, et al., 2022), indicando que
estudantes que procrastinam têm maior dificuldade em monitorar de forma ativa sua aprendizagem e se
autorregularem para alcançar os objetivos acadêmicos. Sampaio, Polydoro e Rosário (2012) encontraram
relação negativa entre a procrastinação e a autorregulação da aprendizagem. A dificuldade relatada pelos
estudantes em permanecerem dentro do seu planejamento pode ser explicado por essa falha na regulação
da aprendizagem, de forma semelhante a Sampaio, Polydoro e Rosário (2012) que observaram nos
participantes do seu estudo mais facilidade em planejar e avaliar sua aprendizagem do que colocar em

10 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

execução o estudo em si. Os alunos que apresentam maior dificuldade são mais suscetíveis a distrações
externas, barulhos ou a presença de outras pessoas e distrações internas, como pensamentos e emoções.

No que diz respeito a Classe 3, Justificativa, os participantes relataram que não estão certos sobre o
porquê procrastinam, mas acreditam que pode estar relacionado a preguiça, falta de interesse, cansaço e a
dificuldade de gerenciar as tarefas com outras atividades mais prazerosas. Segundo Svartdal e Løkke (2022),
apesar de se considerar uma predisposição comportamental para o comportamento de procrastinar é mais
provável que a pessoa procrastine diante de contextos específicos, como tarefas e situações que considerem
desagradáveis ou que não sejam estimulantes. Os autores acrescentam que as pessoas tendem a procrastinar
mais em tarefas que percebem como aversivas e punitivas e que não julguem recompensadoras o suficiente,
desta forma, as atividades que são realizadas no lugar das adiadas são mais agradáveis e geralmente trazem
consequências imediatas. Segundo o estudo de Kaveski, et al. (2017), os motivos da procrastinação estão
relacionados à importância dada a tarefa, concorrência com eventos sociais, atividades mais atrativas e o
pouco incentivo.

Com o aumento do acesso à tecnologia o estudante tem em mãos um potente concorrente aos
deveres complexos e muitas vezes poucos instigantes da vida universitária. Mohammadi, Tahriri e
Hassaskhah (2015) encontraram correlação positiva e moderada entre o comportamento de procrastinar e
o uso da Internet, ou seja, quanto mais acessos a Internet mais frequente o comportamento de procrastinar.
De forma semelhante, Kandemir (2014) aponta o vício na Internet como um previsor da procrastinação.

Diante do constante adiamento das tarefas acadêmicas o estudante precisa lidar com as consequências
de procrastinar (Classe 4), os participantes relataram estratégias que acarretam uma aprendizagem
superficial que afeta não só seu desempenho como também sua formação profissional e suas relações
interpessoais. Em relação ao desempenho, estudos como os de Kaveski, et al. (2017); Moleta, Ribeiro e
Clemente (2017); Semprebon, Amaro e Beuren (2017); D. Silva, et al. (2016) encontraram relação entre a
procrastinação e o baixo desempenho acadêmico. Outras consequências da procrastinação são os estados
emocionais desvantajosos ao funcionamento do indivíduo (SAMPAIO; POLYDORO; ROSÁRIO, 2012).
Estudar em cima da hora para provas e a realização de trabalhos feitos na véspera da entrega causam
emoções desconfortáveis como ansiedade, arrependimento e autodepreciação. Não acompanhar a leitura
semanal também é pode ser responsável por se sentirem deslocados dos seus colegas de classe, pois isso
afeta sua interação em conversas sobre o conteúdo. Procrastinar também prejudica a interação com os
professores, visto que diminui a participação em aula. Diante disso pode-se afirmar que a procrastinação
traz prejuízos pessoais e interpessoais (SAMPAIO; POLYDORO; ROSÁRIO, 2012).

Na Classe 6, Fundamentos, os discursos dos participantes revelam suas razões para estarem
cursando a faculdade. Essas razões estão relacionadas a aspectos pessoais e associadas a tarefa em si,
como conseguir se sentir identificado com a futura profissão e os conteúdos aprendidos. Também são
apresentadas justificativas externas como as pressões familiares e sociais. Segundo Visser, Korthagen e
Schoonenboom (2018) estar cursando uma graduação na qual não existe interesse pessoal pelo curso está
associado a maiores níveis de procrastinação. O comportamento de procrastinar pode ser entendido como
um problema no processo de motivação, podendo ser entendido como uma forma de evitar as tarefas
que possuem pouco sentido e valor para o indivíduo (KANDEMIR, 2014; STEEL, et al., 2018; WYPYCH;
MATUSZEWSKI; DRAGAN, 2018). Segundo Visser, Korthagen e Schoonenboom (2018) estar cursando
uma graduação na qual não existe interesse intrínseco pelo curso pode estar associado a maiores níveis de

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 11


Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

procrastinação.

A classe 5, Estratégia de desempenho, apresenta a principal estratégia de estudo utilizada pelos


participantes do estudo. Todos afirmaram que geralmente deixam para o último momento estudar para
provas, a leitura de conteúdos e a elaboração de trabalhos. Esse tipo de estratégia de aprendizagem, que
consiste na memorização de informações basicamente, está associada a uma aquisição superficial do
conhecimento e também tende a ser desfavorável ao desempenho acadêmico (SAMPAIO; POLYDORO;
ROSÁRIO, 2012). Pode estar relacionada ao objetivo de atender unicamente a demanda de aprovação na
disciplina e não ao intuito de aquirir conhecimento ou por sentirem prazer de estudar (MACHADO, 2018).

O papel do docente surge como importante mediador da procrastinação, na Classe 1, Influência


docente, os participantes revelam que aspectos relacionados a figura do professor, afetam o nível de interesse
e investimento na matéria cursada. Segundo Codina (2018) o estilo docente que promove a autonomia e
satisfação do aluno, contribui para o desenvolvimento de competências e afeta positivamente os níveis de
motivação do estudante. Em contrapartida, professores que possuem estilos de controle pessoal excessivo
ou intimidação acabam por impedir o desenvolvimento da motivação e consequentemente levam a maior
procrastinação. A pouca clareza da importância das tarefas apresentadas pelo professor pode ser um fator
que faz com os alunos procrastinem, atividades que não são percebidas como importantes tendem a ser
mais adiadas (MACHADO, 2018).

Considerações Finais

O presente estudo teve como objetivo identificar a percepção dos alunos sobre a
procrastinação em sua experiência de estar cursando o Ensino Superior. De modo geral, os participantes
estavam cientes do fato de procrastinarem as tarefas acadêmicas e conseguiam identificar quando o
adiamento ocorria, como se comportavam e como se sentiam. Apesar de apresentarem as justificativas
para o adiamento, como preguiça, desinteresse, cansaço e uso da Internet, relatam não saber como agir
para evitar a procrastinação.

Os principais achados apontam para dificuldade em seguir o que planejam, consequências como
baixo desempenho, emoções, pensamentos negativos e o uso de estratégias de aprendizagem superficiais,
como a memorização na véspera da prova e estar desmotivado com o curso. Foi possível observar que alguns
participantes relataram ter dificuldade em socializar por não acompanharem o conteúdo ministrados nas
disciplinas e terem prejuízos na sua formação por não se sentirem confiantes para interagir com professores
e iniciar o estágio profissional. O papel do professor apareceu como facilitador do interesse discente.

A pesquisa procurou contribuir fornecendo novas informações sobre como a procrastinação é


percebida pelos estudantes. O conhecimento produzido pode colaborar com ações institucionais eficientes
sobre o comportamento de procrastinação. Porém, os resultados alcançados devem ser interpretados
tendo em vista a limitação de um número reduzido de participantes, não permitido avaliar se as suas
percepções correspondem à realidade das suas experiências e também não sendo possível a generalização
dos resultados obtidos. Assim, sugere-se que futuros estudos explorem aspectos sociais que influenciam e
são também impactados pelo comportamento de procrastinação, como também uma maior investigação
do papel do docente na manutenção e/ou modificação desse comportamento. Outras rotas de investigação
podem buscar a influência da procrastinação acadêmica no processo de adaptação a universidade, visto

12 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

que o adiamento frequente pode fazer com que o estudante não se desenvolva dentro desse novo contexto.

Referências
ALMEIDA, L. S.; ARAÚJO, A. M.; MARTINS, C. Transição e adaptação dos alunos do 1º ano: Variáveis
intervenientes e medidas de atuação. In: Almeida, L. S. Castro; R. V. Seminário Ser Estudante no Ensino
Superior: O caso dos estudantes do 1. º ano, Braga, 2016, p.146-164. <http://repositorium.sdum.uminho.
pt/handle/1822/42318>. Acesso em: 22 dez. 2022
ARAÚJO, A. M., et al. Dificuldades antecipadas de adaptação ao ensino superior: um estudo com alunos
do primeiro ano. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, Braga, v.3, n.2, p. 102-
111, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.17979/reipe.2016.3.2.1846>. Acesso em: 22 dez. 2022.
BYTAMAR, M. J.; ZENOOZIAN, S.; DADASHI, M.; SAED, O.; HEMMAT, A.; MOHAMMADI, G.
Prevalence of Academic Procrastination and Its Association with Metacognitive Beliefs in Zanjan
University of Medical Sciences. Journal of Medical Education Development, Iran, v. 10, n. 27, p. 84-97.
2018. <https://doi.org/10.29252/edcj.10.27.84>. Acesso em: 22 dez. 2022.
CAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas
em Psicologia, v. 21, n. 2, Ribeirão Preto, p. 513-518, 2013. <https://doi.org/10.9788/tp2013.2-16>. Acesso
em: 22 set. 2022.
CHEN, B. B., & CHANG, L. Procrastination as a fast life history strategy. Evolutionary Psychology, Budapest,
v. 14, n. 1, p. 1-5, January-March 2016 <https://doi.org/10.1177/1474704916630314>. Acesso em: 22 set.
2022.
CODINA, N.; VALENZUELA, R.; PESTANA, J. V.; GONZALEZ-CONDE, J. Relations between student
procrastination and teaching styles: autonomy-supportive and controlling. Frontiers in Psychology,
United Kingdom, v. 9, p. 1-7, May 2018. <https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00809>. Acesso em: 12 out.
2022.
COSTA, G. M.; et al. A procrastinação e autorregulação da aprendizagem em estudantes universitários:
um ensaio temático. Research, Society and Development, Vargem Grande Paulista, v.11, n. 12, p. 1-12,
2022. <http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v11i12.34914>. Acesso em: 12 jan. 2023.
D.SILVA, J. M.; et al. Procrastinação e desempenho acadêmico: indícios por meio da análise de
correspondência. Revista Mineira de Contabilidade, Belo Horizonte, v. 17, n. 3, p. 16-31. 2016. Disponível
em: <https://revista.crcmg.org.br/rmc/article/view/354>. Acesso em: 12 dez. 2022.
EFE, H. A.; EFE, R. The Relationship between Academic Procrastination Behaviors of Preservice Science Tachers
and Their Attitudes Toward Social Media. Journal of Education and e-Learning Research, Medan, v. 5, n. 2, p. 102-
109. 2018. <https://doi.org/10.20448/journal.509.2018.52.102.109>. Acesso em: 12 dez. 2022.

FERRARI, J. R. Introduction to “Procrastination, Clutter, & Hoarding”. Current Psychology, Grand Forks, v. 37, n.
2, p. 424-425. 2018. <https://doi.org/10.1007/s12144-018-9803-0>. Acesso em: 11 nov. 2022.

HAGHBIN, M. Conceptualization and operationalization of delay: Development and validation of the


multifaceted measure of academic procrastination and the delay questionnaire. 2015. 781p. These
(Doctoral of Philosophy in Psychology), Carleton University, Ottawa, Canada. Disponível em: <https://
curve.carleton.ca/dc303d5d-aaae-4873-bd46-4d6f1aff24e6>. Acesso em: 12 dez. 2022.

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 13


Isabela Silva Rodrigues, Adriana Benevides Soares, Marcia Cristina Monteiro

HEN, M.; GOROSHIT, M. General and Life-Domain Procrastination in Highly Educated Adults in
Israel. Frontiers in Psychology, Brussels, v. 9, p. 1-8. 2018. <https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01173>.
Acesso em: 12 dez. 2022.
JANSSEN, J. Academic Procrastination: Prevalence Among High School and Undergraduate Students
and Relationship to Academic Achievement. 2015. 24p. These (Doctoral Doctoral of Philosophy),
Georgia State University, United States. Disponível em: <https://scholarworks.gsu.edu/cgi/viewcontent.
cgi?article=1115&context=epse_diss>.
KANDEMIR, M. Predictors of Academic Procrastination: Coping with Stress, Internet Addiction and
Academic Motivation. World Applied Sciences Journal, Giza, v. 32, n. 5, p. 930-938.2014. <https://doi.
org/10.5829/idosi.wasj.2014.32.05.60>. Acesso em: 12 dez. 2022.
KAVESKI, I. D. S., BEUREN, I. M., CARDOZO, M. A., & BARP, A. D. Fatores que levam à procrastinação
e sua influência na vida acadêmica de discentes do curso de Ciências Contábeis. Seminários de
Administração XX SemeAd. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://login.semead.com.br/20semead/
anais/resumo.php?cod_trabalho=1357>. Acesso em: 10 set. 2022.
LEAL, M. L. S.; CAMPOS, P. H. F. Grupo Focal e os processos grupais. In: Motta, K. A. M. B. (Org.)
Trabalhos com grupos: trilhas essenciais. Curitiba: Editora CRV, 2013. p. 79-84,
MOHAMMADI, M., TAHRIRI, A.; HASSASKHAH, J. The Relationship between Internet Use and Academic
Procrastination of EFL Learners across Years of Study. International Journal of Applied Linguistics and
English Literature, Doncaster, v. 4, n. 1, p. 231-241. 2015. <https://doi.org/10.7575/aiac.ijalel.v.4n.1p.231>.
Acesso em: 10 set. 2022.
MOLETA, D.; RIBEIRO, F.; CLEMENTE, A. Fatores determinantes para o desempenho acadêmico: Uma
pesquisa com estudante de Ciências Contábeis. Revista Capital Científico-Eletrônica, Guarapuava-Irati,
v. 15, n. 3, 24-41. 2017. <https://doi.org/10.5935/2177-4153.20170019>. Acesso em: 10 set. 2022.
RICHARDS, S. W. Cognitive Differences Among Academic Procrastination Types. 2018. p.24. These
(Doctoral of Philosophy) Capella University, Minnesota, United States, Disponível em: <https://www.
proquest.com/openview/689595f0e083d4fcd58d49f3a28f591c/1?pq-origsite=gscholar&cbl=18750>.
Acesso em: 10 set. 2022.
SAMPAIO, R. K. N.; POLYDORO, S. A. J.; ROSÁRIO, P. Autorregulação da aprendizagem e a procrastinação
acadêmica em estudantes universitários. Cadernos de Educação, Pelotas, v. 42, p. 119-142. 2012. Disponível
em: <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/2151/1968>. Acesso em 23 jun. 2022.
SEMPREBON, E.; AMARO, H. D.; BEUREN, I. M. A. Influência da Procrastinação no Desempenho
Acadêmico e o Papel Moderador do Senso de Poder Pessoal. Education Policy Analysis Archives, Tempe,
v. 25, p. 1-24, março 2017. <https://doi.org/10.14507/epaa.25.2545>. Acesso em 23 jun. 2022.
SVARTDAL, F.; LØKKE, J. A. The ABC of academic procrastination: Functional analysis of a detrimental
habit. Frontiers in Psychology, 13, 01-18, november 2022. <http://dx.doi.org/ 10.3389/fpsyg.2022.1019261>.
Acesso em: 01 jan. 2023.
SVARTDAL, F., NENTCAM, E. Past Negative Consequences of Unnecessary Delay as a Marker of
Procrastination. Frontiers in Psychology, Brussels, v. 21, n.13, p. 1-18, February 2022. <https http://dx.doi.
org/10.3389/fpsyg.2022.787337>. Acesso em: 01 jan. 2023.
STEEL, P. (2012) A equação de deixar para depois. Rio de Janeiro: BestSeller, 2012.
STEEL, P.; FERRARI, J. Sex, Education and Procrastination: An Epidemiological Study of Procrastinators’
Characteristics from a Global Sample. European Journal of Personality, Tilbug, v. 27, n.1, p. 51-58, 2013.
<https://doi.org/10.1002/per.1851>. Acesso em: 12 set. 2022.

14 RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023.


Que pensam os Estudantes Universitários sobre a Procrastinação Acadêmica?

STEEL, P. et al. Examining procrastination across multiple goal stages: a longitudinal study of temporal
motivation theory. Frontiers in Psychology, Brussels, v. 9, p. 1-16, April 2018. <https://doi.org/10.3389/
fpsyg.2018.00327>. Acesso em: 15 out. 2022.
TRAD, L. A. B. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso
da técnica em pesquisas de saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n.3, p. 777-796,
2009. <https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000300013>. Acesso em: 15 out. 2022.
VIEIRA-SANTOS, J.; RODRIGUES MALAQUIAS, V. N. Procrastinação acadêmica entre estudantes
universitários brasileiros. Educação em Foco, Belo Horizonte, v. 25, n.47, p. 1-24, 2022. <https://doi.
org/10.36704/eef.v25i47.5816>. Acesso em: 15 out. 2022.
VISSER, L.; KORTHAGEN, F. A.; SCHOONENBOOM, J. Differences in learning characteristics
between students with high, average, and low levels of academic procrastination: Students’ views on
factors influencing their learning. Frontiers in Psychology, Brussels, 9, p. 1-15, May 2018. <https://doi.
org/10.3389/fpsyg.2018.00808>. Acesso em: 15 jun. 2022.
WYPYCH, M. W.; MATUSZEWSKI, J.; DRAGAN, W. L. Roles of impulsivity, motivation, and emotion
regulation in procrastination–Path analysis and comparison between students and non-students. Frontiers
in Psychology, Brussels, 9, p. 1-10, June 2018. <https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.00891>. Acesso em: 14
jun. 2022.

Submetido em: 08/02/2023.

Aceito em: 13/10/2023.

RECC (2236-6377), Canoas, v. 28 n. 3, 01-15, Dez., 2023. 15

You might also like