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4º Painel Temático – Sexualidade, Gênero e Identidade

Anchyses Jobim Lopes

Transexualidades:
desafio à psicanálise do século XXI
Transexualities:
a challenge to XXI century psychoanalysis
Anchyses Jobim Lopes

Quando duas verdades são incompatíveis,


como a de que os cromossomas são masculinos,
mas a identidade está fixada no feminino,
com um sentimento de feminilidade,
a verdade da identidade deve prevalecer.
Robert J. Stoller, 1975.

Resumo
As transexualidades como desafio à psicanálise do século XXI. Conceituação e diferenças en-
tre: identidade de gênero, expressão de gênero, escolha objetal e investimento genital. A pato-
logização das transexualidades a partir da maioria das explicações que utilizam as noções de
estrutura: neurótica, psicótica ou perversa. Uma compreensão não patologizante a partir da
denegação. Construção do núcleo de identidade de gênero a partir: da feminilidade primária,
da identificação feminina primária, do complexo edípico e do investimento genital. Constru-
ção do corpo pela linguagem. A pulsão invocante enquanto libidinizadora do corpo do bebê.
Um exemplo através da voz e do olhar da mãe juntos com o brincar com as mãos e os pés do
bebê.

Palavras-chave: Transexualidades, Núcleo de identidade de gênero, Feminilidade primária,


Pulsão invocante, Lacan, Stoller.

Introdução – de um texto ao outro o desafio do tema à psicanálise, o desdobra-


O presente artigo baseia-se na exposição mento da sexualidade desde Freud em qua-
preparada para o XXII Congresso do Cír- tro itens e uma proposta explicativa das tran-
culo Brasileiro de Psicanálise, apresentada sexualidades a partir do aprofundamento do
no painel temático Sexualidade, Gênero e conceito de núcleo de identidade de gênero
Identidade. Teve por base o texto publicado proposto por Stoller.
no número 47 desta revista (Lopes, 2017). Desde que o artigo anterior ficou pronto
Contudo, foi deixada de lado a extensa pes- e foi enviado para publicação, assistimos a
quisa sobre mitologia grega, que foi o motor palestras e tivemos acesso a outros artigos
principal daquele texto, mas que se tornou sobre transexualidades, a maioria pelo viés
tão extensa que deveria ter sido publicada lacaniano. Alguns apresentaram abordagens
como trabalho à parte. Do trabalho anterior diferentes e enriquecedoras. Foram poucos.
aproveitamos para o painel os trechos sobre A maioria nos causou perplexidade. Decidi-
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Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

mos acrescentar para a apresentação no con- transexualidades. Nos três ensaios sobre a
gresso um resumo e uma apreciação dessas teoria da sexualidade Freud ([1905] 1978)
abordagens. Principalmente as que o fizeram propôs uma visão da sexualidade que mesmo
a partir das três estruturas: neurose, psicose hoje é subversiva. Contudo, ainda durante a
e perversão. sua vida, a revisão do modelo de pensar pri-
E para não ficar apenas numa crítica ne- meiro a sexualidade masculina e dela derivar
gativa, resolvemos apresentar algumas ideias as explicações para a sexualidade feminina
nossas sobre gênero e transexualidades, a era exigido por muitos. Com o crescimento
partir de certas proposições feitas por Lacan. do movimento feminista a partir da segunda
Por questão de tempo, esta parte final não metade do século XX, as considerações de
pôde ser incluída na apresentação oral do Freud sobre o feminino passaram a ser vistas,
painel, portanto é inédita no presente artigo. na definição mais branda, como patriarcais.
Com o advento das pesquisas sobre transe-
Indagações para a psicanálise xualidades, tornou-se ainda mais urgente
As questões colocadas à psicanálise pelas repensar a sexualidade feminina, na medida
produções mais importantes sobre gênero e em que as estatísticas sobre a passagem para
sobre a clínica das transexualidades colocam o sexo feminino de pessoas nascidas no sexo
em xeque parte da herança freudiana. Em masculino são em torno até de quatro a sete
primeiro lugar, como foi apresentado por vezes mais frequentes que do a passagem das
Ana Maria Sigal há dois anos em palestra na nascidas no sexo feminino para o sexo mas-
jornada anual de 2015 do CBP-RJ e publica- culino. Esse fato nos leva à conclusão de que
do no número anterior da Estudos, se consi- é a sexualidade masculina que é construída
derarmos que as transexualidades são em sua e deve ser pensada como uma diferenciação
esmagadora maioria ego sintônicas, a função da feminina. E não ao contrário como pensa-
do psicanalista reduz-se a uma terapia de ego va o pai da psicanálise.
(Sigal, 2017). Nesse caso, o psicanalista dei- Apesar disso, a discussão e os avanços na
xaria seu ofício. Seu papel seria reduzido ao compreensão das transexualidades, necessi-
assistencialismo, para lidar com sofrimento tam ser reconhecidos como o mais recente
psíquico causado por discriminação social, desdobramento da revolução sobre o co-
rejeição pela família, condenação de religio- nhecimento da sexualidade humana inicia-
sos e outros mais. Função que pode ser exe- do por Freud. Separando prazer e desejo de
cutada bem melhor por outros profissionais, reprodução, tudo mais no que concerne aos
Em segundo lugar, se a identidade de gê- vários componentes da sexualidade humana
nero se estabelece num momento pré-edípi- pode ser descolado de qualquer naturalismo
co muito precoce e muito antes da escolha de biologizante. Se no passado esse naturalismo
objeto, ela põe em xeque o modelo psicana- mascarava uma origem religiosa, hoje é uma
lítico clássico calcado no Édipo. Mais do que opção ideológica usualmente travestida do
isso, em vez de ao nascer, seja pela escolha de rótulo de “neurocientífica”. E em que pese
alguma divindade, seja pelo acaso, automa- haver grupos de pesquisadores sérios nessa
ticamente pertencermos ao sexo masculino área, em sua maior parte sempre conduz a
ou ao sexo feminino, recebendo dos pais um ideias de darwinismo social embasando téc-
nome próprio que por si também identifi- nicas comportamentais.
ca a qual sexo se faz parte, o(a) transexual
cria seu sexo e se autonomeia conjuntamente Transexualidades:
com seu médico (Birman, 2017). histórico e conceituações
Há um terceiro desafio à psicanálise, an- O médico e sexólogo alemão Magnus Hirsch-
terior a ampla divulgação pela mídia sobre feld cunhou o termo “travesti” em 1910 para

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pessoas que se vestem ocasional ou regular- Com mais de um século de distância é


mente como membros do sexo oposto. Em possível interpretar que o nascimento e a
1923, na mais recente edição de seu Anuário confusão conceitual dos três termos – bis-
sobre intermediários sexuais [Jahrbuchs für sexualidade, travestismo e transexualidade
sexuelle Zwischenstufen] Hirschfeld descreve – revelava algo muito mais profundo que
o transexualismo psíquico [seelischen Trans- aberrações causadas por erros biológicos.
sexualismus] como uma “forma de travestis- E Freud tinha objetivos opostos aos de seu
mo particularmente pronunciada [...]” mas contemporâneo Hirschfeld, ou dos sucesso-
diferente do hermafroditismo físico (Ghe- res Caudwell e Benjamin. Desde sua clínica
rovici, 2010, p. 28; Trans-Infos.De, 2017). sobre histeria ao final do século XIX, comba-
Hirschsfeld já fora mencionado por Freud tia as explicações organicistas. Sabia que to-
em 1905 nos Três ensaios sobre a teoria da se- das terminam por descambar na ideologia da
xualidade ([1905] 1996). O texto de Freud degenerescência. Que apesar das boas inten-
Fantasias histéricas e sua relação com a bisse- ções daqueles sexólogos, acaba por rotular
xualidade (1908) fora escrito originalmente o que é minoritário em inferior e impor em
para uma das edições do Anuário sobre inter- nome da medicina falsos procedimentos te-
mediários sexuais, de Hirschfeld, sendo trans- rapêuticos, ou até mesmo o extermínio físico.
ferido para um novo periódico recém-lança- Como já propusera Freud nos Três en-
do pelo mesmo editor. Juntamente com Karl saios, a compreensão psicanalítica da psico-
Abraham, o sexólogo alemão foi em 1908 um patologia era a porta de entrada para uma
dos fundadores da Sociedade Psicanalítica nova psicologia e um entendimento muito
de Berlim. Mas três anos depois se desligou. mais abrangente da sexualidade humana.
Não estava interessado no cerne das ideias Coube ao psiquiatra e psicanalista america-
psicanalíticas e defendia a origem biológica no Robert Stoller reconduzir os fenômenos
para a diversidade do comportamento se- transexuais de volta à trilha dos Três ensaios.
xual humano. Também há sempre os relatos Com sua vasta experiência e empatia clíni-
da homofobia e da oposição de Carl Jung cas, Stoller retornou a um dos termos mais
frente ao ativismo político de Hirschfeld. universais de toda linguagem verbal e de
O cirurgião e psiquiatra David Caudwell múltiplos usos: gênero. Já em 1955 o con-
usou palavra “transexual” pela primeira vez troverso sexólogo John Money mostrara em
em um artigo de 1949. Para ser mais exato, muitos seres humanos o descolamento entre
usou a expressão em latim psicopathia tran- o sexo biológico e gênero, da distinção entre
sexualis, tomando por modelo o título do diferença sexual e diferença de gênero. Cou-
famoso livro de 1896 publicado por Kraff- be a Stoller em um artigo de 1964, publicado
t-Ebing Psicopathia Sexualis. Nas décadas de num livro de 1968, criar a expressão “núcleo
1950 e 1960 “transexual” foi difundido por de identidade de gênero” [core gender iden-
Harry Benjamin, sexólogo de origem ale- tity] (Stoller, 1984, p. 29).
mã radicado nos Estados Unidos. Benjamin
conduziu diretamente ou orientou com co- Quase todo mundo começa a desenvolver, a
legas tratamentos hormonais e cirurgias de partir do nascimento, o sentido de pertencer
redesignação sexual. Assim como Hirschfeld a um sexo. Esta expressão de uma identida-
e Caudwell, Benjamin acreditava nas origens de acima de tudo mais pode ser conceituada
genéticas, endócrinas e hormonais. Desa- como núcleo de identidade de gênero, produ-
conselhava veementemente tratamentos psi- zido pela relação do bebê com seus pais, pela
cológicos. O que faz sentido se pensarmos percepção de sua genitália externa, e pela for-
nas crenças patologizantes da psiquiatria e ça biológica que brota das variáveis biológicas
na psicanálise americana e europeia. do sexo. Os dois primeiros fatores são quase

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sempre cruciais para a determinação final da sexuais. Pelo menos aqueles que fascinam o
identidade de gênero (Stoller, 1984, p. 29- grande público e tornaram-se famosos pela
30, tradução nossa, itálico do autor). mídia.
Mas trata-se de uma lógica subjacente a
Para Stoller, além de terminar colocando um conceito idealizado de transexualidade.
o biológico em segundo plano, ameaças ao Há os que não desejam cirurgias de rede-
núcleo de identidade de gênero constituem signação genital e não somente os que não
ameaças ao self e causam defesas conhecidas a realizam devido aos limites das técnicas
como perversões. Mas as transexualidades cirúrgicas atuais. Mendes (2017) longamen-
em si mesmas não seriam neuroses, psicoses te descreve um dos exemplos mais famosos.
nem perversões. Apenas seres humanos que Um homem trans (mulher para homem),
se desenvolveram sua identidade de gênero que, além de não ter seios ou formas femini-
a partir de um núcleo diferente ao do sexo nas, se tornou possuidor de todas as caracte-
biológico. rísticas e estereótipos masculinos. Contudo
Nos Três ensaios sobre a teoria da sexua- manteve genitais femininos. Apesar do ad-
lidade Freud ([1905] 1996) demonstra que a vento e do progresso da biotecnologia, hoje
sexualidade humana se descola da reprodu- sabemos que nem todos os transexuais de-
ção da espécie. O número e a intensidade de sejam cirurgias de redesignação sexual, fato
relações sexuais infinitamente ultrapassa o que juridicamente já é aceito em vários paí-
necessário para que se gere filhos. A segun- ses.
da grave separação é entre sexo biológico e o Contudo, a maioria dos transexuais ca-
que é popularmente conhecido como orien- racteriza-se por ter horror e nenhum prazer
tação sexual e que Freud denominou de es- com seus genitais de nascimento e buscam
colha objetal. Isto é, a escolha de parceiros avidamente a cirurgia. De modo que, além
ou parceiras que podem ou não ser do sexo de ‘identidade de gênero’ (se alguém se con-
oposto. Freud defende a bissexualidade ina- sidera homem ou mulher), de ‘expressão de
ta, demonstrando também que “[...] há entre gênero’ (o quanto e de que modo alguém se
a pulsão sexual e o objeto sexual apenas uma considera e socialmente se comporta como
solda” (Freud [1905] 1996, p. 140). Nesse masculino ou feminino), ‘orientação sexual’
texto Freud também já chama a atenção para (o quanto alguém ama e tem prazer com o
o que mais tarde será denominado “expres- sexo oposto, com o mesmo sexo, ou os dois),
são de gênero”. Ou seja, as características da também hoje foi incluída a qualificação do
personalidade, a aparência e os gostos consi- ‘sexo biológico’; melhor seria ‘sexo genital’
derados masculinos ou femininos. (preferir os próprios genitais como mas-
Além das escolhas objetais e das expres- culinos ou femininos). Não se trata de um
sões de gênero, o advento stolleriano, com o sintoma psicótico, porque claramente reco-
que denominou núcleo de identidade de gê- nhecem sua realidade anatomofisiológica.
nero, foi acrescentar que mesmo o conheci- Não há delírios ou alucinações nem mesmo
mento íntimo de que se é homem ou mulher negativas. Algo ocorreu muito precocemen-
também não é necessariamente conforme te na construção do corpo libidinal do bebê.
o sexo biológico. Soma-se um outro dado. Quem melhor descreveu a relação entre a
Há um quarto item. Quando se fala de sexo maior parte dos transexuais e seus genitais
biológico, fala-se de cromossomas e genitais. foi Ceccarelli (2013):
Mas se os cromossomas não podem ser mu-
dados, os genitais podem ou não. A lógica A realidade anatômica, por sua vez, é inves-
binária de um corpo feminino ou masculino tida de forma bastante singular. Ocorre um
perfeitos é desejada pela maioria dos tran- investimento que pode ser chamado de “nar-

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cisismo negativo”: uma repugnância pelos p. 308). Concordamos que em sua necessi-
órgãos genitais, como se eles fossem apêndi- dade de público e lucro que a mídia torna
ces desprezíveis, vergonhosos, que devem, a tudo em espetáculo. Usualmente de modo
qualquer preço, ser extirpados (Ceccarelli, superficial, agressivo e erotizante.
2013, p. 127). Entretanto, não se pode esquecer que
tudo que é condenado pela moral do senso
Em síntese: prazer pelo prazer ou repro- comum, pela religião, muitas vezes com o
dução, identidade de gênero, expressão de beneplácito do saber médico, torna-se in-
gênero, objeto sexual, prazer genital, todos visível. Sem dúvida a biotecnologia desen-
são soldados ou não ao sexo biológico e volvida nos últimos cinquenta anos tornou
podem se reunir de formas e intensidade viáveis as mudanças corpóreas da mudança
diversas. em oposição ao sexo biológico. Contudo, há
Sintetizou Sigal (2015, p. 7): pouco mais de uma ou duas décadas, condu-
tas como a homossexualidade, especialmen-
Em relação à sexualidade, termo que nos ocu- te a feminina, além de ser tornadas invisíveis
pa neste momento, podemos pensar em um para o público em geral, infelizmente o eram
mundo de diversidades, no qual traços iden- ainda mais para a maioria dos psicanalistas.
tificatórios vão formando conjuntos, ensem- O mesmo ocorre ainda de modo mais inten-
bles, que permitem tantas combinações quan- so com as transexualidades. O que não se tem
tas singularidades existirem. ouvidos para escuta não aparece na clínica.
A mudança não veio de dentro da área mé-
Crítica a algumas dica ou da psicanalítica (!) que, ao contrário,
interpretações lacanianas foram baluartes contra a mudança. Pelo con-
À primeira vista é bastante razoável propor trário, a psicanálise, tanto na maior parte de
para a compreensão psicanalítica das transe- sua vertente americana, quanto por grande
xualidades o modelo clínico mais antigo, que parte da lacaniana francesa, ficou aquém da
originou o paradigma freudiano: a histeria. despatologização do homoerotismo pela psi-
As transexualidades pela via da histeria são quiatria, ou opôs-se ao reconhecimento legal
tema abordado por vários autores. Selecio- das uniões estáveis e casamento entre pes-
namos o artigo até o presente considerado soas do mesmo sexo (LEWES, 1998; MAYA,
de maior peso em nosso meio psicanalítico, 2008). A mudança veio impulsionada pelos
por sua divulgação acadêmica, bem como grandes movimentos políticos e sociais: fe-
pelo conhecimento e seriedade de seu prin- minismo, rebeliões de 1968 e Stonewall, en-
cipal autor: A epidemia transexual: histeria tre outros. Em todos a difusão pela imprensa
na era da ciência e da globalização? (Jorge; livre foi essencial.
Travassos, 2017). No artigo A epidemia transexual, toma-se
Ao qualificar a transexualidade com o por base que para Lacan a histeria é a estru-
termo médico “epidemia”, o artigo já a clas- tura discursiva de base do sujeito. Tal con-
sifica como patológica e grave, mas, feliz- cepção, por um lado, despatologiza a histeria,
mente, passageira como o foram todas as por outro, não é a tônica do artigo quando
epidemias ao longo da história. Contrário se refere à transexualidade. E se fosse apenas
à prudência diante das variantes observa- casos de histeria (delas os psicanalistas en-
das nessas pessoas, o termo “transexual” é tendem desde seus primórdios da história da
sempre usado no singular. Os autores de- psicanálise), se consistisse o problema clíni-
claram que se trata de “[...] um raro quadro co em algo simples assim, a transexualidade
psiquiátrico tem agora sua presença espeta- seria tratada com relativa facilidade. Talvez
cular pela mídia” (Jorge; Travassos, 2017, apenas com um pouco menos de sucesso

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daqueles que propagandeiam a vitória das também não são desejadas e/ou realizadas
terapias de reversão sexual, popularmente em um número crescente de transexuais) e
conhecidas como ‘cura gay’. Contudo, já em os de casos de arrependimento. A menção
1975, no tratado de psiquiatria mais utili- ao termo “destransição” pode fundamen-
zado pelos alunos do curso de medicina no tar objetivos que seguramente são o oposto
Brasil durante os anos 1970, Stoller propu- daqueles dos autores do artigo mencionado.
nha no capítulo por ele escrito – Identidade Curiosamente o argumento da destransição
de gênero – que: e do remorso já nos fora previamente trazido
através de alunos de graduação em psicolo-
[...] Quando duas verdades são incompa- gia, tirado de material de páginas religiosas
tíveis, como a de que os cromossomas são das redes sociais. No que nos foi possível
masculinos, mas a identidade está fixada no checar, inclusive, material falsificado sobre
feminino, com um sentimento de feminilida- um dos casos mais conhecidos de transexua-
de, a verdade da identidade deve prevalecer lidade masculina no Brasil.
(Stoller, 1975, p. 1408). Lewes (1998) e Maya (2008) descrevem
com detalhes como no caso das homosse-
Coerentemente com a defesa enquanto xualidades, a teorização psicanalítica racio-
histeria, propõem os autores que a gravida- nalizava argumentos biológicos e religiosos.
de da atual epidemia também se dá porque As transexualidades não são explicáveis e
o conflito da demanda histérica não pode tratáveis quando colocadas sobre o prisma
ser apaziguado pela mudança corporal e da estrutura neurótica e do recalque (Ver-
que drandung). Mas os autores do artigo de A
epidemia transexual tiveram o mérito de
[...] a frequência igualmente crescente de su- não enfatizar o discurso lacaniano mais
jeitos de buscam a destransição após terem antigo, que coloca as transexualidades no
mudado de gênero fala a favor da perene in- campo das psicoses e da foraclusão (Ver-
satisfação que condiciona o desejo na histeria werfung).
(Jorge; Travassos, 2017, p. 318). Em O seminário, livro 18: de um discur-
so que não fosse do semblante, indica Lacan
Desse modo a desqualificação das transe- ([1970-1971] 2009, p. 30):
xualidades como fenômeno histérico criado
pela medicina e pela mídia, conjuga-se com [...] talvez vocês tenham tempo de ler algu-
a afirmação do aumento das tentativas de ma coisa. Visto que estou recomendando
destransição e de que “[...] há um pacto si- um livro, para variar, isso fará aumentar sua
lencioso com a mídia de evitar veicular notí- tiragem. Chama-se Sex and Gender [Sexo e
cias sobre suicídios [...]” (Jorge; Travassos, género], de um certo Stoller. E muito interes-
2017, p. 324). sante de ler, primeiro porque desemboca num
Se o número de cirurgias tem aumenta- assunto importante – o dos transexuais, com
do muito, é razoável que aconteça o mesmo um certo número de casos muito bem obser-
com os casos de arrependimento. Para que vados, com seus correlates familiares. Talvez
isso seja evitado, deve haver o longo acom- vocês saibam que o transexualismo consiste,
panhamento psiquiátrico, conforme nos precisamente, num desejo muito enérgico
foi relatado pelo psiquiatra que avaliava e de passar, seja por que meio for, para o sexo
acompanhava as solicitações cirúrgicas de oposto, nem que seja submetendo-se a uma
redesignação sexual no Hospital Universitá- operação, quando se está do lado masculino.
rio da UFRJ. A estatística importante seria a No livro vocês certamente aprenderão mui-
comparação entre o número cirurgias (que tas coisas sobre esse transexualismo, pois as

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observações que se encontram ali são abso- sintomas esquizofrênicos semelhantes aos
lutamente utilizáveis. Aprenderão também o apresentados por Schreber, exceto em um
caráter completamente inoperante do aparato único caso de que tivemos notícia. Sinto-
dialético com que o autor do livro trata essas mas que não possuíam relação direta com
questões, o que o faz deparar, para explicar a transexualidade. Nos transexuais que di-
seus casos, com enormes dificuldades, que retamente observamos ou acompanhamos,
surgem diretamente diante dele. Uma das não ocorrem alucinações auditivo-verbais
coisas mais surpreendentes é que a face psi- ou de quaisquer outros tipos, ou transtor-
cótica desses casos é completamente eludida nos da linguagem ou da consciência do eu,
pelo autor, na falta de qualquer referencial, já comprometimento da vontade, pragmatis-
que nunca lhe chegou aos ouvidos a foraclu- mo ou psicomotricidade, e aí por diante
são lacaniana, que explica prontamente e com quaisquer outras alterações patognomôni-
muita facilidade a forma desses casos. Mas cas de psicose em todo o elenco da psicopa-
não tem importância. tologia clássica.
Poucos meses antes da publicação de A
A citação de Lacan em 1971 refere-se ao epidemia transexual, foi editado o livro O
primeiro Sex and Gender (I) - The Develop- corpo na psicose: hipocondria, Cotard, tran-
ment of Masculinity and Femility, publicado sexualismo (Czermak; Jesuino, 2016), com
em 1968, precursor de Sex and Gender II - artigos da publicação de 2006 O corpo: hipo-
The Transexual Experience. O percurso stol- condria, Cotard, transexualismo (Czermak;
leriano foi a despatologização das transexua- Thibierge), com o acréscimo de “psicose”
lidades. Mas a descrição de Lacan tornou-se no título. Na publicação de 2016 há vários
quase um imperativo de que a maioria de artigos sobre transexualismo (não o termo
seus seguidores – alguns bastante conheci- mais correto e usual hoje: “transexualida-
dos – as caracterizassem como psicose. Essa des”), escritos a partir das premissas da psi-
tendência foi associada a termos ou concei- cose e da foraclusão. Encerra o livro uma
tos tais como o empuxo à mulher e não ins- coletânea de textos de Lacan sobre os temas
crição do Nome-do-Pai. do título. Em relação ao transexualismo são
O caso Schreber quase sempre é lembra- transcritos vários trechos de Lacan em O se-
do como exemplo. Passando por cima de minário, precedidos de um extenso trecho
que o autor do célebre livro interpretado dos Escritos, de Lacan, sobre Schreber. Todos
por Freud, na primeira fase de sua psicose subscrevendo a vertente da psicose.
vivenciou sua transformação como imposta Uma vez que as transexualidades não po-
de fora e absolutamente maligna, e na se- dem ser explicadas pelas estruturas da neu-
gunda fase só se conformou porque era um rose e da psicose, resta a terceira estrutura: a
destino inexorável imposto pela ‘ordem das das perversões. Tanto na psiquiatria quanto
coisas’. Schreber sofria de alucinações cor- na psicanálise, esse terceiro grande grupo ca-
porais extremamente regredidas e concre- racteriza-se por uma série de problemas. O
tas. Tal como mencionado acima, os tran- termo “perversão” é sinônimo de maldade. E
sexuais estudados por Stoller e os que pes- a partir da medicalização do comportamen-
soalmente conhecemos ou acompanhamos to criada com o surgimento da psiquiatria e
em supervisão reconhecem sua realidade da psicanálise, ao termo associou-se a ideia
anatomofisiológica. Não há nenhuma aluci- de aberrações sexuais. É um grupo clíni-
nação ou delírio que estejam corporalmente co que, além de receber dejetos do que não
mudando de sexo. Tanto que a solicitação pode ser classificado como neurose ou psi-
é que os médicos produzam essa altera- cose, agrupa desde comportamentos e traços
ção. Assim como não há outros dos muitos de conduta isolados, até tipos inteiros de per-

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Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

sonalidades (que um tempo Freud designou mente,1 outra parte mantém um eu realidade
como ‘neurose de caráter’). E, como se não e observador.
bastasse, o rótulo de ‘perversões’ foi utilizado Contudo, o conceito de denegação, se-
para todas as práticas e escolhas sexuais não gundo Cossi (2011), pode ser utilizado para
reprodutivas proibidas pelo Velho Testamen- a compreensão não patologizante e discrimi-
to, portanto também execradas pelos três natória das transexualidades. No que con-
grandes monoteísmos. Muito naturalmente cordamos. Segundo o autor:
as transexualidades, embora muito pouco
conhecidas e estudadas até poucas décadas, O sujeito transexual reconhece sua realidade
foram encaixadas no rótulo patologizante e anatomofisiológica e não distorce tal percep-
moralista das perversões. ção. Contudo, esta traz à tona afetos intole-
O conceito psicanalítico central, para ten- ráveis – daí a tentativa de negar sua presen-
tar agrupar esse aglomerado heterogêneo ça. Um dos mecanismos em jogo pode ser a
numa estrutura perversa foi o de Verleug- Verleugnung, entendida como desmentido,
nung, que pode ser traduzido como recusa, elemento que se ergue a partir da clivagem do
desmentido, denegação ou renegação. Desde Eu, recurso que faz parte do funcionamento
1905 Freud observou nos meninos o horror psíquico de todos (Cossi, 2011, p. 129).
diante da ausência do pênis nas mulheres. Em
1927 no artigo sobre Fetichismo, Freud carac- Os conceitos teórico-clínicos de recalque,
terizou a denegação como a simultaneidade foraclusão e denegação, fundamento das es-
de uma percepção traumática, tendo por base truturas neurótica, psicótica e perversa têm
a da castração, com a crença de que a mulher o mesmo problema quanto ao núcleo de
possui um falo, outorgado alucinatoriamente identidade de gênero. Todos os três se refe-
ou por um objeto que o simbolize – o fetiche. rem a sintomas posteriores à formação desse
Não foi apenas na clínica psiquiátrica e núcleo. Se a identidade nuclear foi recalca-
psicanalítica que ocorreu uma mistura de da, foracluída ou denegada, é porque de al-
quadros e definições, mas na própria obra de gum modo ela já existia. Mesmo no caso dos
Freud. Já em 1924 ele utilizara a denegação pacientes psicóticos. Assim como Schreber,
para compreender as psicoses. Só que o de- ninguém pode se sentir sendo transforma-
senvolvimento do conceito na obra de Freud do em mulher contra a sua vontade, se não
seguiu no rumo da despatologização. E em se considerasse previamente homem, ou vi-
seus últimos escritos, de 1938, universaliza ce-versa. O(A) histérico(a) pode recalcar e
a denegação como mecanismo psíquico de produzir sintomas a partir suas fantasias bis-
todos os seres humanos, provocando um es- sexuais recalcadas. O que implica dizer que
treitamento ou até uma cisão (clivagem) do se considera de um sexo e teme a atração e
eu em dois: um eu realidade e um eu prazer. as fantasias sexuais com objetos do mesmo
Por uma leitura kleiniana a tendência à cisão sexo. Logo, sabe qual é sua identidade de gê-
do eu não só é necessária como também for- nero, por mais que tema por ela. Mesmo se
madora da psique de todos os bebês, como considerada perversão, só pode ser denega-
se mantém em todos nós, principalmente em do o que ameaça uma crença prévia do sexo
situações de crise. A patologia ocorre pelo ao qual se pertence.
grau e pela irreversibilidade da cisão. Em
um artigo (Lopes, 2010), expusemos como
a cisão é necessária ao trabalho de todos os 1. Apreciamos a expressão “transferência recíproca” para
designar contratransferência, usada nas Obras Completas de
tipos de cuidadores de pessoas, em especial Sigmund Freud, 10 volumes, Editora Delta, 1958. Coleção
para o ofício de psicanalista. Enquanto uma foi usada antes do surgimento das Obras Psicológicas Com-
parte do eu do terapeuta transfere reciproca- pletas de Sigmund Freud, pela IMAGO.

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Anchyses Jobim Lopes

O encaixe das transexualidades em qual- pelo menos três dos quatro itens: identidade
quer uma das três estruturas também suben- de gênero, expressão de gênero e sexo geni-
tende que, para aquele que faz essa classifi- tal. Mesmo não sendo um resto de subordi-
cação, o correto seria uma subjetividade de nação ao biológico, isso ainda implica em
acordo com o sexo biológico. A subordinação limitações a todas as combinações possíveis
da sexualidade humana a um tipo específico que a desconstrução do binarismo permite
de coito, em vez da definição mais acurada, pensar. Isto é, limita as possibilidades com-
inclusive para fins legais, de duas pessoas binatórias dos ensembles possíveis. Talvez a
que concomitantemente (ou quase) atingem reflexão sobre a questão da linguagem para
o orgasmo. Acrescentamos ao que foi profe- constituição do infans humano, permita uma
rido pelo psicanalista Ricardo Goldenberg, maior radicalidade para que se pense as tran-
em palestra neste XXII Congresso do CBP, sexualidades por meio de instrumentos do
de que o real e o gozo ainda possuem restos arsenal lacaniano.
biologizantes no pensamento de Lacan, que Para que haja linguagem, é necessário que
também acreditamos que há muitos desses desde amplas áreas corticais até a sofistica-
restos nas ideias sobre homoerotismo e tran- díssima laringe humana existam, o que não
sexualidades do autor dos Seminários e dos significa que a linguagem se restrinja ao bio-
Escritos. lógico. O biológico é uma condição necessá-
Além da abordagem a partir das estrutu- ria, mas não suficiente. Pelo contrário, todos
ras, assistimos palestras ou lemos sobre duas os conceitos psicanalíticos, principalmente
outras explicações para as transexualidades lacanianos, partem da autonomia de uma
através das abordagens lacanianas. Acredita- superestrutura da palavra que infinitamente
mos a mais interessante a abordagem pelas ultrapassa as pré-condições biológicas.
ideias de véu, mascarada e semblante por A experiência clínica que tivemos há mui-
Cossi (2011, 2016). Assim como na questão tos anos com pacientes em estupor catatôni-
da denegação, o autor seguiu um viés despa- co, seja na entrada, seja na saída desse qua-
tologizante. dro extremo de esquizofrenia, muito nos fez
Outra abordagem lacaniana é através da pensar sobre o conceito de regressão. Nesses
fórmula da sexuação, também apresentada pacientes, em que desaparece qualquer for-
nesta mesa e, de modo igualmente compe- ma de linguagem, toda vida de relação com
tente, por Antonio Quinet na conferência o meio é perdida. Não falam nem se comuni-
Suplências da falta da relação sexual2. Por cam por qualquer outro modo, não ingerem
último lemos as obras de Millot (1992) e de alimentos, não há qualquer motilidade, ou
Gherovici (2017), propondo a análise das então ficam indefinidamente na posição em
transexualidades através do sinthoma, calca- que forem colocados; além do mais, podem
do no Seminário 23. A sexuação e o sinthoma não realizar as funções excretoras básicas.
podem se orientar num viés patologizante ou Antes do surgimento da primeira forma de
não. Contudo, nossa observação é que todas terapia eficiente na década de vinte do século
essas tentativas de compreensão, além de se passado – a eletroconvulsoterapia (choque
referirem ao que consideramos um estágio elétrico) – faleciam de inanição e infecções
posterior à formação do núcleo de identida- várias. Essa condição levou à conclusão de
de de gênero, pressupõe a concordância em que, quando falamos de regressão, se os se-
res humanos ficassem semelhantes a chim-
panzés, cães ou gatos, não haveria problema.
2. XXXV Jornada de Psicanálise do Círculo Psicanalítico Todos eles se alimentam, excretam, se defen-
de Minas Gerais A falta está fazendo falta, Belo Horizonte dem, copulam e geram. Os seres humanos,
(MG), 22-23 set. 2017. se levados à regressão extrema, sem nenhum

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 48 | p. 107–126 | dezembro/2017 115


Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

vestígio de linguagem, mesmo a de um bebê completa e até castrada da masculina. Muti-


de pouco mais de três ou quatro meses, não lação da qual a menina acusa sua mãe de não
apenas deixam de ser humanos: deixam tam- a ter defendido. E da qual meninos e homens
bém de ser qualquer coisa. passam o resto da vida se protegendo. Embo-
A observação direta de transexuais, além ra tenha sempre defendido a bissexualidade,
de mostrar em algumas dezenas de observa- para Freud, o único órgão sexual reconheci-
ções um único caso de psicose, revela que o do pela criança nos dois sexos era o órgão
núcleo de identidade de gênero é algo ante- masculino. A menina apenas descobre que
rior à formação das três estruturas psíquicas. é um menino com um pênis muito peque-
Ao mesmo tempo esse núcleo é coetâneo ao no. Durante décadas Freud também postu-
surgimento de uma base segura para a lin- lou que a libido, por ser uma força ativa, era
guagem e a subjetividade. E a partir dessa masculina, mesmo na mulher. Mas o impac-
base, seria como a inscrição de um ‘segundo to da leitura do artigo de Melanie Klein so-
corpo’, construído pela linguagem, necessá- bre o Édipo precoce abalou suas convicções.
ria para que o corpo físico realize até mesmo O que se reflete nos seus textos Sexualidade
algumas funções básicas para sua sobrevi- feminina (1931) e Conferência XXXIII: Femi-
vência biológica. Em um livro escrito para nilidade (1933 [1932]). Na conferência ad-
acompanhar a leitura do Seminário 11, do mitira que a equação entre atividade e mas-
artigo A relação entre a voz e o olhar retira- culinidade, bem como seu correlato lógico,
mos a citação de que: feminilidade e passividade, não procedia. E
que:
[...] não há uma relação fixa entre o gênero de
alguém e seu sexo biológico no inconsciente. Existe apenas uma libido, que tanto serve às
O que tomamos por relacionamentos depen- funções sexuais masculinas, como às femini-
de do mito de uma relação “natural” entre os nas. À libido como tal não podemos atribuir
sexos. Mas no inconsciente, no reino da fan- nenhum sexo (Freud, [1932] 1996, p. 130).
tasia, nós nos identificamos, não com o gêne-
ro, mas com o olhar que primeiro estrutura Se a libido não é privilegiadamente mas-
alguém como sujeito do desejo, procurando culina e se o objeto primeiro kleiniano é o
reencontrar um gozo perdido (Ragland seio materno, é fácil compreender a dedução
apud Feldstein, Fink, Janus, 1995, p. 197). de Robert Stoller de que:

Foi nesse mesmo Seminário 11 que Lacan Consideremos agora essa possibilidade: o
enunciou ser a “[...] pulsão invocante, que é a que Freud pensou que fosse uma qualidade
mais próxima da experiência do inconscien- elementar, “protesto masculino” ou “repúdio
te” (Lacan, 1973, p. 96, tradução nossa). Nas à feminilidade” nos homens, ao invés de ser
explicações para as transexualidades através o reflexo de uma força biológica, é uma ma-
das muitas propostas lacanianas, não encon- nobra defensiva, inteiramente não biológica,
tramos referências à pulsão invocante. En- contra um estágio primitivo de proximidade
tão, depois de desdobrar as ideias de Stoller, e identificação anterior com a mãe. Compa-
retornaremos a essa pulsão. rativamente em mulheres, anterior à inveja
do pênis em meninas, existe um estágio de
Do primado do falo feminilidade primária (Stoller, 1982, p. 11,
ao feminino primário grifos e itálicos do autor).
Freud foi sempre acusado de falocentris-
mo. De ter construído sua interpretação da E assim, ao contrário do primado freudia-
sexualidade feminina como uma versão in- no do masculino, Stoller retira um termo da

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etologia, e defende o oposto: um imprinting nomeiam seu uso, mas primeiro tem de ser
feminino primário. Contudo, embora seus feito bem sólido para ser utilizado. Se não se
livros se fundamentem em vasto material consolidar a feminilidade primária, teremos
clínico, Stoller deixou em aberto vários as- o âmago para as psicoses e os autismos. Tal
pectos teóricos de sua descoberta. qual uma bandeira ou estaca, o falo não pode
A leitura de outros autores permitiu que ser fincado no barro. Não há significante que
separássemos feminilidade primária de se estabilize. Não há totem que fique em pé.
identificação feminina primária. Também O que dá para entender, mas não para justi-
desdobramos o conceito de imprinting, ter- ficar, a confusão de tantos psicanalistas, seja
mo cuja tradução correta em português seria por preconceito disfarçado, seja por falta de
‘cunhagem’, como ocorrendo em dois mo- observação clínica, entre casos de transe-
mentos. Repetimos aqui a descrição do pri- xualidade e sintomas de um psicótico como
meiro momento. Schreber.
O segundo momento seria o da identifica-
Por feminilidade primária incluímos tanto o ção feminina primária, compreendendo uma
seio bom kleiniano, mas ainda como pré-ob- etapa posterior ao feminino primário. Aos
jetal ou mesmo anobjetal, que se alterna com poucos, aumenta a alternância com momen-
a descrição de Winnicott de que através dessa tos cada vez mais longos, em que já existe um
forma de relação, denominada de elemento contato de pele entre duas individualidades
feminino puro, mãe e bebê em conjunto estão separadas. E o seio bom inicia a constituição
sendo, e o bebê crê que o seio é criação sua. do núcleo inicial do ego. Já ocorre um reco-
Por longos momentos não há o contato de nhecimento de que o contato de pele prolon-
duas peles, porque ainda através dessa forma gado é entre dois seres distintos. Como des-
de relação mãe e bebê em conjunto estão sen- creveu Freud, já que não se pode ter, passa-se
do. Não há separação entre dois seres diferen- a ser como. O objeto metamorfoseia-se em
tes. Ser é conter dentro de si e gestar, depois identificação. Núcleo inicial da identidade de
uma alternância entre um cuidar ativo e uma gênero feminina: ‘ser como a mãe’. Primeiro
passividade criativa (Lopes, 2017, p. 65). momento do imprinting feminino primário.
Momento em que é colocada a placa no ca-
A função materna é colocar-se como es- rimbo, antigamente de metal, hoje de plásti-
pera que permita ao bebê desabrochar sua co, que doravante marcará todo o ser e todo
singularidade: ser em oposição a um poste- o fazer. Mas agora em direção oposta à fusão
rior fazer. Conter, gestar, cuidar, qualidades materna original, e sim na direção de um fe-
que serão sempre vistas como femininas. minino como possibilidade de conter e gerar
De um feminino que surge como protetor e a diferença, bem como aprofundar a singula-
guardião da pulsão de vida, que possui aces- ridade e a interioridade.
so privilegiado a tudo que é interior, como ao Em um terceiro momento, após o ápi-
sentir dentro de si a subjetividade. Caracte- ce da identificação feminina primária, há o
rísticas que serão sempre depois associadas aumento de algo que se intromete cada vez
ao feminino, embora não se trate ainda de mais entre a relação mãe/bebê: a função
um feminino binário, isto é, que exista em paterna. Este terceiro momento constitui o
oposição a um masculino. início do processo edípico clássico e inicia
Para explicar o primeiro momento de a desidentificação com o feminino primá-
constituição do imprinting, temos a metá- rio. Nesse terceiro momento também ocorre
fora da fabricação da matéria de que é feito um segundo tempo do imprinting, em que
um carimbo, que ainda não possui a pla- a identificação feminina primária pode ser
ca de metal ou plástico com os dizeres que recalcada e ressignificada em identificação

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 48 | p. 107–126 | dezembro/2017 117


Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

masculina, transformando a identidade de Citamos Márcia Arán, precocemente


gênero feminina em identidade de gênero falecida e uma das principais pesquisado-
masculina. Mas também pode ocorrer refor- ras brasileiras sobre transexualidades, para
çando a identidade de gênero feminina. As- responder como pode a compreensão das
sinale-se que esse terceiro, essa função ‘pai’, transexualidades superar um dos desafios à
não se refere necessariamente ao pai biológi- psicanálise neste século XX, tema deste con-
co. Pode ser realizada por alguém do mesmo gresso:
sexo biológico da mãe, ou até mesmo pela
própria mãe, igualmente biológica ou não, Se antes a primazia do pênis/falo era conside-
através da imago consciente e inconsciente rada o eixo pelo qual se definia o simbólico, ou
que dentro de si traz da função paterna. mesmo uma trajetória subjetiva, agora a crise
Trata-se de um segundo tempo do imprin- desse fundamento exige um novo arranjo te-
ting em que a primeira cunhagem da placa órico que dê conta do que está por vir. [...] A
do carimbo pode ser reforçada ou substituí- própria escolha do falo como significante do
da. E um primeiro momento da triangulação desejo indica uma posição sexuada de quem
edípica. Importante para a explicação das só pode conceber o feminino em função da
transexualidades de pessoas do sexo bioló- exclusão. [...] A feminilidade surge então
gico feminino para o masculino. Explicando como uma potencialidade para o pensamento
também o porquê da sua frequência estatisti- psicanalítico, sugerindo um percurso teórico,
camente bem menor.3 Mas sem dúvida, tanto que a partir do feminino, incide sobre a sin-
o reforço da identidade de gênero feminina gularidade (Arán, 2003, p. 253-254).
quanto a translação em identidade de gêne-
ro masculina seriam fruto do primeiro mo- O quarto momento do conjunto de traços
mento de entrada na triangulação edípica. e identificações da sexualidade humana é do
Aqui podemos responder à questão colo- segundo momento edípico, o da entrada no
cada ao início do texto por Birman, de que complexo freudiano clássico. Em realidade
estaria ameaçada a psicanálise pela contesta- propomos que, depois do primeiro tempo
ção ao núcleo de seu paradigma, o complexo da triangulação edípica, em que se firma a
de Édipo. O terceiro do triângulo edípico se identidade de gênero, seja este segundo tem-
trata de uma função que independe do sexo po do Édipo o definidor da prevalência de
biológico de quem a traz. E que se ancora so- uma escolha objetal. Com todas as variações
bre uma constituição do ser e de uma iden- possíveis, desde a bissexualidade freudiana,
tificação feminina primárias, que também até muitas crianças que antes dos dois ou três
podem ter sido exercidas por pessoas que anos, que já apresentam escolhas objetais de-
pertençam a qualquer um dos ensembles que finidas para a vida inteira. Escolhas que tam-
constituem a sexualidade. As transexualida- bém podem ser confirmadas ou refeitas na
des nos mostram que falo se separa realmen- adolescência ou no início da idade adulta.
te da confusão concreta com pênis. Desse Um modelo com vários momentos de fazer e
modo, além do real e do gozo, o falo prescin- refazer a escolha objetal facilita a compreen-
de de qualquer resto biologizante, mesmo o são dos vários graus da bissexualidade pro-
do aforisma kleiniano de que “o pênis do pai posta por Freud e pesquisada por Kinsey.
é herdeiro do seio da mãe”. Dessa forma, as escolhas objetais podem
apresentar todas as combinações possíveis
em relação à identidade de gênero. Da mes-
3. Stoller levantou a questão desta frequência muito menor,
o que também resulta em menos casos a ser estudados. Sua
ma forma que podem até mesmo se expres-
explicação para tais casos é factível, mas não pode ser trata- sar de modo variável ao longo da vida em
da como exclusiva. pessoas cuja identidade de gênero está em

118 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 48 | p. 107–126 | dezembro/2017


Anchyses Jobim Lopes

concordância com o sexo biológico, também necessárias à higiene do bebê. Desse modo,
podem ou não mudar no caso de transexuais. a preferência de sexo genital, bem como o
Em paralelo ao feminino primário, à erotismo de todo o resto do corpo, torna-se
identificação feminina primária e às esco- um quarto item em todas as combinatórias
lhas objetais, existe um quarto item: o inves- possíveis com a identidade de gênero, a ex-
timento narcísico e traumático nos genitais. pressão de gênero e a escolha objetal. Sur-
Apesar de os genitais biologicamente serem ge o mundo de diversidades, no qual traços
passíveis de alto grau de sensibilidade no identificatórios vão formando conjuntos, en-
bebê, esta pode ser incentivada ou recalca- sembles, que permitem tantas combinações
da tanto pela manipulação concreta quanto quantas singularidades existirem.
pelas fantasias inconscientes da mãe e outros
cuidadores. Do feminino primário à pulsão invocante
Proporemos uma interpretação das transe-
André (1996) escreveu muito sobre a mani- xualidades e da formação do núcleo da iden-
pulação concreta de adultos não perversos, tidade de gênero a partir da
francamente ativa e necessária para limpeza
e higiene de bebês e crianças pequenas. Cui- [...] pulsão invocante, que é a mais próxima da
dados exacerbados por muitos que cuidam de experiência do inconsciente (Lacan, 1973, p.
crianças, colocando-as em total posição de 96, tradução nossa).
passividade, desde seios e mamadeiras que
literalmente invadem o bebê até cuidados de Embora pouco tenha sido falado nos Se-
limpeza em que ele sofre de uma manipula- minários, Lacan acrescenta um pequeno,
ção tão intensa que literalmente ele é arrom- mas importantíssimo detalhe sobre o ouvido
bado (tradução correta de effraction, termo e a escuta:
muito usado por André). Passando por tru-
ques como fechar com os dedos o narizinho [...] a pulsão invocante que tem, como inci-
do bebê turrão, obrigando-o a abrir a boca, dentemente já lhes disse [...], o privilégio de
para enfiar-lhe uma colherada de comida. A não poder se fechar (Lacan, 1973, p. 182, tra-
tudo isso soma-se a “confusão de línguas” tão dução nossa).
famosa descrita por Ferenczi. Sempre se refe-
rindo a adultos não perversos, André coloca A partir dos textos de Didier-Weil sobre
como inevitável, e em sua esmagadora par- essa pulsão e a música, escrevemos dois ar-
te inconsciente, que a sexualidade adulta do tigos sobre o mesmo tema (Lopes, 2006,
adulto seja percebida e traumática ao bebê ou 2013). A pulsão invocante tem sido muito
criança pequena (Lopes, 2017, p. 67). trabalhada na clínica com crianças do es-
pectro autista. E também podemos pensar o
Apesar da enorme sensibilidade orgânica seu uso na releitura do tratamento de um pa-
dos genitais, fato biológico que ocorre desde ciente adulto em caso grave de esquizofrenia
o bebê, a ela se superpõe uma combinação catatônica (Karlin, 2014).
inevitável de narcisismo e trauma. Os genitais Retornamos ao ponto de que, se a invo-
e todas as protuberâncias do corpo (Freud) e cação não consolidar o ser, teremos o âma-
as bordas de todos os orifícios (Lacan) po- go das principais causas das psicoses e dos
dem ser investidas em vários graus ou não. autismos. Porém, duas condições resultam
Todas dependem de investimento narcísico e de uma inscrição deficiente ou uma não ins-
fantasias inconscientes e conscientes da mãe crição primordial do traço unário, em que
e cuidadores, sendo reforçada por manipu- o sujeito do inconsciente não advém plena-
lações genitais diretas, em ambos os sexos e mente. Nas transexualidades ele advém, mas

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 48 | p. 107–126 | dezembro/2017 119


Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

por um resultado final de inscrição e de um a mediação do imaginário, do simbólico no


significante em que se articula um núcleo de real, somos levados a reconhecer o Traço uná-
identidade de gênero diverso ao convencio- rio de Lacan. Assim somos levados a localizar
nal do sexo biológico no Traço unário o surgimento desse elemento
Os adultos cercam de sons o bebê e usam musical mais “simples” que é uma nota escan-
da musicalidade das palavras para chamar- dida. A nosso ver, o infans percebe esta nota
lhe a atenção. O ‘manhês’ nomeia o idioma na música da voz da mãe antes de perceber o
muito particular e diferente para cada bebê, sentido dos fonemas (Didier-Weil, 1997, p.
com o qual a mãe cria uma comunicação 237, 238, 240-241).
de sons, palavras e expressões, combinados
com olhares, toques e cheiros. Façamos a res- A pulsão invocante explica de maneira
salva de que a função materna não é neces- muito mais profunda o que descrevemos da
sariamente ocupada pela mãe biológica, nem construção do ser antes do fazer no bebê: a
exclusiva do sexo feminino. Pais, tios, avós, feminilidade primária. A criação da matéria
todos se dirigem ao bebê através de dialetos com a qual é feita o carimbo para o imprin-
desse idioma. A partir de algumas semanas ting. O psicanalista José Outeiral, grande
o bebê começa a inventar e expandir sua conhecedor da obra de Winnicot no Brasil,
versão: a ‘lalação’. O ‘manhês’ e seus dialetos já falecido, em palestra no CBP-RJ muito
devem ser prenhes da pulsão invocante, que discorreu sobre a necessidade de a mãe e as
ativa a cadeia significante no processo de for- pessoas no entorno do bebê o investirem de
mação do sujeito. libido. Lembramos de suas palavras: “O bebê
Segundo Didier-Weil antes daquilo que acabou de sair do nada, há uma força e uma
chamamos de trauma, o sujeito ‘fala’ e ainda tendência muito fortes que o atraem de vol-
não é sexuado. ta”.
Quando e qual seria o momento em que
Ele tem, na origem, uma relação à palavra haveria a passagem do feminino primário
que vem do Outro, e que não tem o caráter para a identificação feminina primária? Tal-
do sexo porquanto o Outro não é sexuado vez a identificação com a mãe, já reconheci-
(Didier-Weil, 1998, p. 41). da como um objeto parcial mais integrado e
já nomeado com o significante ‘mã’, relatado
A pulsão invocante tem uma função fun- como o primeiro em todos os idiomas. Mo-
dante e originária, que será sempre comemo- mento em que o movimento labial de sucção
rada pela música ao longo da vida. Apesar de do seio, que se afasta ou se recusa, e cuja au-
advinda do único orifício que não pode ser sência é reconhecida e preenchida pelo bebê
fechado, ela é não invasora, e sim produtora por um som. Que procede da ‘lalação’, for-
de um sim absoluto, que ainda não concebe mando o primeiro significante claramente
nenhum ‘não’ porque, como Freud ([1925] reconhecível pelos adultos. E hoje vemos a
1996) descreveu em sua primeira tópica e identificação feminina primária quando da
no artigo da A negativa, ainda não existe re- observação de um bebê de três meses e meio,
calque que produza este ‘não’. E segundo Di- que ficava longo tempo brincando com sons
dier-Weil, e gritinhos, que não se dirigiam a ninguém
no meio ambiente.
[...] coloca-nos sobre a pista do que é o sen-
tido verdadeiro da Bejahung. [...] ela liberta E os gritinhos o que eram? Talvez um pouco
o enunciador desse ‘sim’, o sujeito do incons- autoeróticos, pelo puro prazer na produção
ciente, do não-ser, para fazê-lo advir à exis- de sons pela faringe, [...]. Talvez um tanto
tência [...] uma inscrição primordial, sem narcísicos por esboçarem o início da unida-

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de de um eu corporal (os movimentos asso- mais profundo na primeira metade do sé-


ciados do corpo todo) que, como postulou culo XX pelo neurocirurgião Wilder Pen-
Freud, é o modelo para o eu psíquico. Uma field, é um mapa das áreas corticais dedicas
espécie de autonarcisamento auxiliando a à sensibilidade e ao controle motor do cor-
constituição de um todo. E como para Klein o po. Uma imagem corporal inconsciente que
desenvolvimento do eu e do objeto é paralelo, o ser humano tem de si mesmo. Colocado
os gritinhos também seriam um pouco obje- em desenho, forma um ser muito disforme
tais por já conter em si um tanto da pulsão in- semelhante aos elfos e anões dos contos de
vocante, isto é, um tanto da mãe internaliza- fada ou filmes de fantasia contemporâneos.
da. Não mais mero som, mas produto de uma Há dois desenhos: um do homúnculo senso-
voz, isto é, de uma subjetividade, já um pouco rial e outro do motor. E ambos formam figu-
objetal, e não mais apenas pré-objetal, uma ras com uma cabeça muito grande em rela-
vez que mãe já não seria apenas o seio klei- ção ao resto do corpo, contudo o que chama
niano ou uma função, mas percebida como mais atenção é como os lábios são enormes,
um alguém coemissor da pulsão [invocante] e as mãos, gigantescas em relação ao resto
(Lopes, 2013, p. 18-19). do corpo, formando uma imagem grotesca.
Não fica muito atrás a área motora necessá-
Em o Ego e o Id, Freud fez uma menção ria para a vocalização.
direta ao homúnculo, vestígio de seus estu- No homúnculo sensorial a faringe e a
dos de medicina, e estabeleceu um vínculo língua ocupam uma grande área. E se pen-
entre o eu corporal e o eu psíquico sempre sarmos nas diversas outras áreas cerebrais,
muito mencionado: além das do homúnculo, implicadas na lin-
guagem, compreende-se por que os vários
O eu é, primeiro e acima de tudo, um eu componentes da linguagem são os que, em
corporal; não é simplesmente uma entidade funcionamento, mais unificam o funciona-
de superfície, mas é, ele próprio, a projeção mento simultâneo de várias áreas corticais.
de uma superfície. Se quisermos encontrar Contudo, no homúnculo os lábios e as bo-
uma analogia anatômica para ele, poderemos chechas e as pontas dos dedos são as que
identificá-lo melhor com o ‘homúnculo cor- aparecem com maiores áreas, uma vez que
tical’ dos anatomistas, que fica de cabeça para refletem as partes mais sensíveis do nosso
baixo no córtex, estira os calcanhares, tem o corpo. São dotadas de mais receptores senso-
rosto virado para trás e, como sabemos, pos- riais por centímetro quadrado do que qual-
sui sua área da fala no lado esquerdo (Freud, quer outra superfície do corpo, ocupando,
[1923] 1978, p. 26, tradução nossa). portanto, uma área desproporcionalmente
maior do córtex (Sabattini, 2017).
Observações pessoais de bebês fornece- O homúnculo sensorial é muito bem-
ram um exemplo, entre centenas de outros dotado por um grande pênis e testículos.
possíveis, de como experiências ao início Apesar de grande área sensorial, os genitais
da primeira infância formam o enredamen- masculinos não excitados representam uma
to das imagens, do simbólico e do real para superfície muito inferior à das mãos. Não
a construção e do elo entre o self e o corpo descobrimos nenhum relato ou descrição do
bebê. Podem inclusive ilustrar uma das mui- homúnculo sexualmente excitado. Curiosa-
tas possibilidades, conjugada com muitas mente, entre dezenas de figuras consultadas,
outras, que explique a criação da identidade também não há quaisquer representações se-
e as expressões de gênero. xuais femininas.
O homúnculo sensório-motor ou “ho- Muito se fala há mais de século das fases
múnculo de Penfield”, descrito de modo oral, anal e fálica. Mas não conhecemos nada

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 48 | p. 107–126 | dezembro/2017 121


Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

de uma psicanálise que disserte sobre a onto- co do maior número possível de baboseiras
gênese e a filogênese da mão. A diferenciação ditos em ‘manhês’ e ‘lalação’. Num dizer que
e a oposição completa do polegar aos demais é mais canto que prosa. Um nome conhecido
dedos constitui um dos grandes diferenciais na clínica psicanalítica de bebês e no estudo
evolutivos em relação aos nossos primos pri- de crianças autistas corrobora as observa-
matas. Observa-se em bebês e crianças em ções acima, com um adendo essencial:
todas as fases clássicas do desenvolvimento,
que a mão é um auxiliar intensamente usado Na clínica dos bebês isso é muito evidente, o
em todas fases do desenvolvimento psicos- “se fazer chupar” é um jogo que bebês gostam
sexual. Se a linguagem é a função que ocupa muito: de dar o pezinho e a mãozinha para
o maior número e espaço de áreas corticais, ser chupado pela mãe, ou empurrar a barri-
pouco é lembrado que a mão não fica atrás. guinha para cima, para a mãe dar um beijo,
Pensemos no uso das mãos do bebê, já mordiscar o bebê, como se diz. Mas é muito
corticalmente predispostas, para formação importante destacar que o que interessa ao
do homúnculo, desenho que é popularmente bebê é se ele fisgou ou não o gozo do Outro
descrito como ‘o mapa cortical de nossa hu- (Laznik, 2013, p. 193).
manidade’. As mãos, ao início da vida, pouco
mais são do que uma extensão da superfície Temos aqui um exemplo mais claro da
de pele e toque do bebê, ampliando o conta- pulsão invocante. Com a libido do adulto
to sensorial de todas as formas no momen- doando o ‘tesouro de significantes’ a uma
to que denominamos de feminino primário. parte importantíssima do corpo do bebê. O
Toques junto com a troca de olhares, sons, que era só corpo biológico recebe seu traço
odores entre o adulto e o bebê. Seja pela mãe, unário. Investimento direto nas mãos, órgão
seja por outros, que também sempre invo- que nos diferencia de nossos primos prima-
cam a pulsão pela fala. tas, pela completude da apreensão feita pelo
Em algum momento mítico a simbiose dá polegar, completamente diferenciado e opo-
maior lugar à alteridade. Ficam mais reco- sitor dos demais dedos. Além do uso prático,
nhecíveis as brincadeiras entre dois seres, que há o uso erótico e autoerótico das mãos, que
iniciam a dialética de aos poucos se reconhe- perdurará a vida inteira. Contudo, o uso para
cer como separados e da construção de ob- os interesses do eu tanto quanto o uso libidi-
jetos e identificações. Um momento mítico nal (outro ponto de anáclise) se torna possí-
em que o feminino primário vai se tornando vel pela confluência dos três registros do nó
uma identificação feminina primária. Des- borromeano. O puro registro do real do cor-
se jogo podemos dar o exemplo das mãos. po não funciona se não for dotado de uma
É uma brincadeira comum das mães e totalidade especular pelo imaginário e reves-
muitos outros cuidadores pegar as mãozi- tida (ou duplicada?) por significantes. Estes
nhas ou os pés fechados do bebê e envol- passarão sempre a tentar apreender entre os
vê-los apertando dentro das próprias mãos dedos do corpo concreto uma quantidade
do adulto. E também a brincadeira oposta: o infinita de objetos, que jamais recuperarão
adulto colocar à disposição do bebê os dedos aquele primeiro perdido para sempre: o som
indicadores, para o que o bebê os contenha da voz, o toque da pele, algum cheiro sentido
e aperte dentro de suas mãozinhas. Às vezes ao mesmo tempo, a inscrição feita pela força
o adulto coloca as mãos ou os pezinhos do da mão materna e dos outros que a cercaram.
bebê dentro de sua boca e brincar de que A brincadeira com as mãos ou os pés do
vai comê-los. Ao invés de pânico, o bebê se bebê repete-se inúmeras vezes. Desde os tex-
contorce todo em risos. Claro que nada disso tos sobre histeria na década de 1890, Freud
ocorre em silêncio. Constitui exemplo clássi- discorre que não é um único episódio trau-

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mático – bom ou mau – que causará algu- Desse modo, também podemos criar hi-
ma marca ou sintoma. Eles se encaixam uns póteses sobre a simbologia das mãos, que
dentro do outro como bonecas russas. E por deslocamento pode ser extrapolada
muitas vezes só se tornam significativos com aos genitais. Ter a mão inteira contida pela
ressignificações posteriores da criança. Po- oposição do outro. Conter e apertar todo o
demos reler Freud nos Três ensaios. No ter- dedo do outro em sua mão. Penetrar e ser
ceiro ensaio Freud amplamente disserta so- contido, inclusive a ter a própria agressivi-
bre a função que usualmente é atendida pela dade refreada. Possuir dentro de si e conter,
mãe ainda na fase oral do bebê, que para ele sem destruir ou devorar. Simbologias do
é uma fonte incessante de excitação e satisfa- masculino e do feminino. Não se trata de
ção sexuais vindas das zonas erógenas, ainda uma simbologia tão somente, e nem mes-
mais que essa pessoa, usualmente, a mãe mo primordialmente, determinada pelo
sexo biológico. Nem mesmo feita apenas
[...] o encara com os sentimentos derivados de significados vindos do Outro, que foram
de sua própria vida sexual: ela o acaricia, beija arbitrária e precariamente unidos a signifi-
e embala, e claramente o trata como o subs- cantes, por mais fortes e estáveis que criem
tituto de um completo objeto sexual. [...] A a ilusão de ser. E sim uma construção feita
mãe está apenas cumprindo seu ofício de en- por inúmeras repetições, de significados e
sinar o filho a amar. (Freud [1905] 1996, p. significantes moldados pela sexualidade
120, tradução do autor). adulta e infantil da mãe e outros cuidado-
res, pelas suas oralidades amorosas e agres-
O jogo com mãos e pés do bebê é um dos sivas. Pessoas que também foram moldadas
muitos exemplos que podem ser diretamente pelo contexto sociocultural de sua infância
observados. Assim como nessa brincadeira, e que sofrem as vantagens e as vicissitudes
em todas as demais, mesmo quando despra- do meio ambiente.
zerosa, qualquer excitação infantil e adulta O exemplo da brincadeira com as mãos
de maior intensidade, a curto ou médio pra- de um bebê é apenas um entre os muitos
zo, sempre transborda para excitação genital. que podem ser pesquisados na observação
E que a pulsão invocante forma uma série prática. Um vasto conjunto que estabilize o
complementar, em que sendo todo gozo se- sentimento de ser e do self por meio da iden-
xual traumático por não encontrar signifi- tidade de gênero nuclear. No ofício analítico
cantes e significados prévios, complementa com frequência se esquece de que análise é a
aqueles doados pela mãe com aqueles pre- análise da primeira infância.
viamente inseridos no bebê a partir do trau-
ma do nascimento, quiçá antes. Podemos Conclusão – além do binarismo
conceituar dezenas de exemplos de como a e da transcendência
imagem corporal, revestida de significantes, É provável que Melanie Klein ou algum de
corporifica-se em significados. Que formam seus discípulos indagasse: e como tudo isso
a representação inconsciente do corpo. Lem- se encaixa na luta entre a pulsão de vida e a
brando que a colagem entre significante e pulsão de morte dentro do bebê? Antes de
significado é construída de modo arbitrário uma resposta, winnicotianos responderiam:
social e individualmente. Pode-se, assim, a pulsão de morte não existe. Mas ainda te-
observar e pesquisar o modo como nosso mos o primeiro dos binarismos pulsionais,
corpo inconscientemente se constrói para o o primeiro do próprio Freud, que em pouco
mundo, com a predominância da linguagem tempo, ele mesmo viu que não funcionava
inconsciente inscrita no corpo acima dos fe- plenamente. E toque-se o conceito de apoio
nômenos fisiológicos ou anáclise (anlehnung).

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Transexualidades: desafio à psicanálise do século XXI

Pensemos nestes e em outros binaris- Abstract


mos quando aplicados à sexualidade huma- Transexualities as a challenge to twenty-century
na como construções semelhantes a partir psychoanalysis. Conceptualization differences
montagem de ensembles: ter ou ser o falo, between gender identity, gender expression, object
gozo feminino e gozo fálico, ativo e passivo, choice and genital investment. Transexualities
conter ou ser contido, sadismo e masoquis- pathologization throught most explanations
mo. Conjuntos que podem se inscrever na using structural concepts of neurosis, psychosis or
predisposição orgânica binária de um corpo pervertion. A non pathologizing understanding
que é ser XX ou XY. Ou não. Binarismos que through denegation. Construction of core gender
didaticamente são descritos como essências indentity from: primary feminility, primary
transcendentes e opostas. Como se fossem femine identification, edipian complex and
dualidades perfeitas, cada um dos lados em genital investiment. Body’s construction through
oposição perfeita ao outro. Só que nenhum language. Invocatory drive libidinizing the baby’s
ser humano situa-se na combinação perfei- body. An example through the mother’s voice
ta de todos esses extremos didáticos. Fixar and gaze combined play with the child’s hands
o humano em leis e dualismos transcen- and feet.
dentes é papel das religiões monoteístas. A
mesma lógica transcendente usada quando é Keywords: Transexualities, Core gender
afirmado que tal ou qual comportamento é identity, Primary feminity, Invocatory drive,
“natural” ou “contra natureza”. Lógica trans- Lacan, Stoller.
cendente que – até graficamente - embasa a
fórmula da sexuação. Aos psicanalistas cabe
refletir sobre que transferências recíprocas
causam que fundamentos transcendentes se- Referências
jam aplicados à clínica. Agora a crise desses
fundamentos exige um novo arranjo teórico ARÁN, M. Feminilidade: uma abertura para a
que dê conta da sexualidade humana. diferença. In: ARÁN, M. (Org.). Soberanias. Rio de
Para terminar, podemos em parte tirar Janeiro: Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos;
Contra Capa Livraria, 2003. p. 252-258.
algumas palavras de Arán de seu contexto e
propor que o desafio da psicanálise do século BIRMAN, J. Sexo e gênero. Conferência pronunciada
XXI, saber muitas vezes acusado de ser uma na XV Jornada - O sexo que habito, do Espaço
vertente laica para perpetuação do patriarca- Brasileiro de Estudos Psicanalíticos. Rio de Janeiro:
do ocidental, EBP-RJ, 21 jun. 2016. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=kaNHGzI56Xc>. Acesso em:
26. fev. 2017.
[...] exige um novo arranjo teórico que dê
conta do que está por vir [...] pensar um es- CECCARELLI, P. R. Transexualidades. São Paulo:
paço do simbólico que não se constitua por Casa do Psicólogo, 2013.
nenhuma forma de elevação em relação ao
COSSI, R. K. A diferença dos sexos: Lacan e o
mundo sensível e não exclua a diferença exige
feminismo. 2016. 276 f. Tese (Doutorado em
pressupor o exercício da alteridade no plano psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade
da imanência (Arán, 2003, p. 253, 256). de SP, São Paulo, 2016.

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Recebido em: 17/11/2017


Aprovado em: 05/12/2017

Sobre o autor

Anchyses Jobim Lopes


Médico e bacharel em filosofia pela UFRJ.
Mestre em medicina (psiquiatria)
e em filosofia pela UFRJ.
Doutor em filosofia pela UFRJ.
Psicanalista e membro efetivo do Círculo Brasileiro
de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro (CBP-RJ).
Professor do curso de formação psicanalítica
do Centro de Estudos
Antonio Franco Ribeiro da Silva do CBP-RJ.
Supervisor clínico do Centro
de Atendimento Psicanalítico (CAP) do CBP-RJ.
Coordenador do Grupo de Trabalho Sobre Neo
e Transexualidades (GTNTrans) do CBP-RJ.
Um dos editores da revista Estudos
de Psicanálise, do CBP.
Presidente do CBP-RJ 2000-2004,
2008-2012 e 2014-2018.
Presidente do Círculo Brasileiro
de Psicanálise (CBP), 2004-2006 e 2017-2019.
Ex-professor assistente do quadro principal
do Departamento de Psicologia da PUC-RJ
e adjunto da Faculdade de Educação da UCP.
Professor titular III dos cursos de graduação
em psicologia e de especialização
em teoria e clínica psicanalítica da UNESA.

Endereço para correspondência

E-mail: <anchyses@terra.com.br>
Página: <http://www.anchyses.pro.br>

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