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Peto aaa ncaa Oa a NOSSO TOL en ee a ogee aif CAPITULO VI Ir ssa tem sido nossa experiéncia desde o ini- io, € esses sf os termos em que sua rigo- rosa uniformidade nos levou a formar uma idéia sobre o Estado. Essa uniformidade também explica muito o desenvolvimento de uma prostra- Go moral peculiar em relagdo ao Estado, equi- valente ao que prevaleceu em relacdo a Igreja na Idade Médi .! A Igreja controlou a distribuigao de 1 Pouco tempo atris, o professor Laski comentou sobre a prevalén= ‘05 nossos jovens, especialmente entre Hi varias causas que contcibuem pa isso, mas, penso, € principalmente pela uniformidade inv de nossa expetincia. As pretens6es do Estado foram to extrava- gantes, a disparidade entre eles e sua conduta tio manifesta, que dlifcilmente se poderia esperar outta coisa. Provavelmente 0 pro- testo conteao imperilismo no Pacifico e no Caribe, apés a Guerra Espanhola, marcou 0 iltimo grande esforgo de uma decadéncia impotentee moribunda. As comparagées do St. Laski com os ddantes na Inglaterca e na Europa perdem forga quando se lembra vel 457 certos privilégios e imunidades, e, se a abordasse corretamente, beneficios poderiam ser obtidos. Era algo a se recorrer em caso de emergéncia, tempo- ral ou espiritual, para satisfazer a ambicao e a ga- nancia, bem como as garantias menos convincentes que oferecem contra varias formas de medo, diwvida ¢ tristeza, Enquanto fosse assim, as anomalias deri- vadas do seu auto-engrandecimento foram mais ou menos consentidas; e, dessa forma, uma prostracao moral crénica, muito negativa para se chamar de cinica, desenvolveu-se a partir de suas intervengdes € extorsdes, e para a vasta edificagao de sua estru- ura matei Uma prostragdo semelhante, e por razées seme- Ihantes, é difundida em nossa sociedade em rela- 40 ao Estado. Isso afeta especialmente aqueles que tomam as pretensdes do Estado ao pé da letra consideram-no uma instituigio social cujas politi- cas de intervengao continua sio justas ¢ necessé- rias; e isto também afeta a grande maioria que nao tem uma idéia clara do Estado, mas simplesmente © aceita como algo que existe, sem nunca pensar nele exceto no caso de uma intervengio desfavo- ravel aos seus interesses. Nao ha necessidade de {que os mecanismos de um termo fxo e um Executivo ieesponsivel tomnam o Estado americano particularmente insensivel ao protesto e inacessivel a censura efetiva. Como disse o Se. Jefferson, o tnico recurso do impeachment & “nem sequer um espantalho”. 2 Como exemplo dessa construsio maciga, tum quinto da terra da Franga era de props ‘mantida principalmente por insttuigdes mon: fo do século XVI lade da Igreja; e era 158 se preocupar em excesso pelo grande impulso de auto-engrandecimento que recebeu dese modo 0 Estado, ou para mostrar em detalhes como essa apatia promove a politica firme de intervensao, exagio e edificacao do Estado. Toda intervengao do Estado provoca outra, € esta, por sua vez, outra, e assim por diante, indefi- nidamente; ¢ o Estado esta sempre pronto e ansioso para realiz4-las, muitas vezes por iniciativa prépria, tornando-se plausivel pela sugestdo capciosa de pessoas interessadas. As vezes, 0 assunto em ques- tao € simples, necessario do ponto de vista social e desprovido de qualquer caréter politico.‘ Por con- 3 Pode-se observas, 0 entanto, que o simples uso nao interfer com 4 nossa visio da estrutura original do Estado americano, com seu ‘cobrar impostos direa ou indiretamente, ou ambos, e como todos sabernos, 0 tinico limite para o exerecio desse poder € 0 que pode chegamos 20 principio formulado 10 senador de Utah ¢, As vezes, do governo de Smoot” — 0 jo, como ele disse, de que o custo do governo tende a au- ‘mentar de ano para ano, nio importa qual partido esteja no poder. Seria interessante conhecer 2 distribuigio exata do peso dos em- pregados e dos politicos mendicantes aderentes — pois no se deve esquecer que 0s “desempregados” subsidiados slo agora um corpo permanente de patrocinio — entre os cidadios recepcores de ren- dla, Contando impostos indiretos e contribuigoes voluntérias, bern ‘coma impostor diretos, provavelmente nio esta longe da realidade dizer que cada dois cidadios carregam um terceiro. 4 Porexemplo, os processos bisicos de troca so necesscios, cos € tio simples como qualquer outro no mundo. O mais hurnilde janque que troca ovos por Bacon no armazém ou um dia de tra- bho por batatas no campo de um vizinho, entende-os completa 159 ALBERT J. Nock veniéncia, no entanto, surgem outras complicagées, que também sao exploraveis imediatamente, 0 que se faz uma ver, de novo, até que as rivalidades conflitos de interesse causem uma desordem quase geral. Quando isso acontece, o aspecto légico, ob- viamente, é recuar e deixar que a desordem se acal- me de maneira lenta e menos problematica, embora com eficacia, deixando as leis naturais seguirem seu curso. Mas, em tais circunstancias, nao se considera uma mudan¢a em nenhum momento. A menor su- gestdo seria considerada pura loucura. Em vez disso, 6s interesses desfavorecidos — talvez pouco cons- cientes de que o remédio é pior que a enfermida- de, ou, em todo caso, pouco preocupados com isso — imediatamente pedem que o Estado intervenha arbitrariamente entre a causa ¢ 0 efeito ¢ solucione 0 problema.’ O Estado entao intervém, impondo ou- mente © administra-os com comperéneia. Sua formal & bens ou servigos em troca de bens ou servigos. Nio existe, nunca existiu e nunca existié uma dnica transagio em qualquer parte do dominio ddo “negécio” — nao importa qual seja sua magnitude ov com- plexidade aparente — que no Formula. Por conveniéncia em ito & uma complicagio, etam- bbém as outras evidencias de divida, como cheques, saques, not contas,titulos, cerificados de ages, que foram introduzidos pel ssbes foram consideradas explor ance das intervengSes do Estado para “regular” e “supervisionac” a sua explorasio parece infnito, 5 Euma das coisas mais extraordingrias do mundo que os interes- ses que aborrecem e temem o coletivismo sio os que mais exorta- ram o Estado a tomar cada um dos passos sucessivos que leva, dlireramente a0 coleivismo. Quem pediu para formar a Comissio Federal de Comércio; expandir © Departamento de Cométcio; formar a Comissio de Comércio Interestadual e o Federal Farm Board; passar as leis anti-trust; construir rodovias, escavar canais, 160 Nosso tros tipos de complicagées sobre as primeiras. Essas complicagées, por sua vez, so faceis de explorar, e surge outra demanda, e com ela outro tipo de com- plicagdes, ainda mais complexas, que sio impos tas as duas primeiras;* e assim por diante até que © transtorno recorrente torna-se agudo o suficiente para abrir 0 caminho as trapagas de um oportunista politico, sempre alegando “necessidade, o argumen- to do tirano”, para organizar um golpe de Estado.” No entanto, o mais normal é que o assunto em questo seja resolvido por meio de uma intervencio original do Estado, uma distribuigéo original dos meios politicos. Cada redistribuigdo, como ja vimos, representa uma tentativa de assalto a mao armada, uma licenca para apropriar os produtos do trabalho de outros. Portanto, é légico que, na natureza das coisas, 0 Estado apéie esse tipo de licencas quando essas se apresentem por meio de uma série indefinida de intervengdes para sistematizar e “regular” o seu uso. As constantes ¢ interminaveis intrusdes do Es- tado registradas na historia das tarifas, sua idiossin- omecer servigos de via aérea, subsidiar o transporte maritimo? Se esses passos nio levam diretamente a0 coletivismo, a que ca- minho levam? Além disso, quando os interesses que levaram 0 Estado a fazé-los fcaram horrorizados com o surgimento do co- rmunismo ea ameaga dos vermelhos, quais sio seus protestos? 6 O texto da lei bancitia proposta pelo Senada, publicado em 1° de julho de 1935, quase preenchia quatro paginas do Wall Street Journal. Realmente agora — agora mesmo — pode-se conceber algo mais absucdo? 7 Como aqui em 1932; na Ilia, Alemanha ¢ Ressia ultimamente; 1a Franga apés 0 colapso do Diretério; em Roma apés a morte de Pertinax e assim por diante, 161 [ALBERT J.NOCK crasia impudente e desagradavel e 0 enorme e pro- digioso aparelho necessario para realiz4-las ilustram claramente 0 ponto em questo. Outro exemplo é fornecido pela histéria da regulamentacio ferrovi- dria, Atualmente é moda, mesmo entre aqueles que deveriam estar mais informados, culpar o “individu- alismo feroz” ¢ 0 laissez-faire responsdvel pela dilui- go do capital, reembolso, corte tarifario, faléncias fraudulentas e similares que prevaleceram em nossa pratica ferrovidria apés a Guerra Civil, mas eles ndo tinham nada que ver com isso mais do que tinham que ver com a precessao dos equinécios. O fato é que nossas ferrovias, com poucas excegGes, nfo cres- ceram em resposta a qualquer demanda econémica real. Elas eram empreendimentos especulativos habi- litados pela intervengao do Estado, mediante a atri- buicao de meios politicos sob a forma de subsidios e concessées de terra, e, de todos os males atribuidos a nossa prdtica ferrovidria, no h4 um que tenha esta intervengo primaria como origem.* 8 A ignorincia alo conhece limites. Quando se ouve que nossas tempcesas ferrovitras sio chamadas de expécimes de um indivi- dlualismo feroz,¢ preciso considerar sea sanidade do falance deve set questionada — ou sua integridade. Nossas empresas trans- continentais, em particular, difcilmente podem ser chamadas de lempeesas ferroviirias, uma vez que o transporte era pucamente acessério para 0 seu verdadeiro negécio, oda especulacio de ter- ras e a busca a0 subsidio. Lembro-me de rer visto a declaragio hd alguns anos — nfo geranto isso, mas néo pode estar longe do momento da redagio, o valor arual dos yuidos & Northern Pacific Company permit tipo de coisa representa um individualism feroz, que os Futaros lexicégrafos se encarreguem disso. 162 O mesmo acontece com o transporte. Faltava uma demanda econémica valida de especulago no comércio de transportes; de fato, toda considera- ¢40 econémica sensata era totalmente contra ela. Foi feita por intervencao do Estado, instigada pelos construtores navais € seus interesses relacionados; € a bagunga gerada pela manipulagao dos meios politicos € agora a desculpa necesséria para exigir maior interveng4o coercitiva. O mesmo aconte- ce com o que chamamos de agricultura,? devido a tum giro inconsciente da linguagem. Normalmente, existem poucas complicagées relacionadas a essa forma de empresa, a menos que estejam relacio- nadas & intervengao primaria do Estado e ao seu sistema de posse de terras com base no monopélio dos valores de aluguel ¢ seu uso; e, enquanto esse 9 Um agricultor, propriamente falando, & um proprietério que dici- ae suas operagdes, primeiro, para a formagio de uma familia, na ‘medida do possivel, uma unidade independente, economicamente auténoma. O que ele produz além desse requisito se converte em ‘uma cultura comercial. Hi um segundo tipo de agricultor, que ‘no € um fazendeiro, mas um fabricante, como 0 que fabriatéx- teis del, algodio ou sapatos de couro. Ele tem apenas um tipo de colheita — leite, milho, trigo, algodio ou o que quer que seja — apenas para fins comerciais; ¢, se 0 mercado cair abaixo do custo de produsio, ee tem a mesma sorte do fabricante de automéveis, fu sapatos ou calgas, que produz mais do que seu tipo de bens do que o mercado suportars. Sua familia nao é independente; ele ‘compra tudo de que precisa em sua casa; seus filles no podem viver com algodio ou leite ow milho, assim como os filhos do sapateiro no podem viver de sapatos. -a como tuma espécie de io em valores de terras ses que clamam s veres de maneicas ruins; mas no & a agricultura que leva a isso. 163 ALBERT J.NoCK sistema estiver em vigor, iniimeras aces coercivas sdo necessérias para sustenté-lo."® 1 Assim, vemos como a ignorancia ¢ a ilusio quanto @ natureza do Estado se combinam com a extrema debilidade moral € 0 egoismo miope — o que Ernest Renan chama acertadamente la bassesse de Vhomme intéressé — para permitir a conversio acelerada do poder social no poder estatal desde © inicio da nossa independéncia politica. Teata-se de uma anomalia curiosa. O poder do Estado tem um histérico ininterrupto de ser incapaz de fazer qualquer coisa de forma eficiente, econémica, de- sinteressada ou honesta. No entanto, quando sur- ge a menor insatisfago com qualquer exercicio de poder social, pede-se imediatamente 0 auxilio do agente menos qualificado. O poder social adminis- tra mal a pratica bancéria nesse caso, ou em ins- tncias especiais — entéo deixemos que o Estado, 10 © proprio limite da particularidade neste curso de intervengdo coeretiva parece ter sido alcangado, de acordo com rlatios de imprensa, no estado de Wisconsin, Em 31 de aio, elatSrio dia aque 0 governador La Follete assinow um projto de lei ex do que todos os rertaurantes pablicos sirvam queijo e mantciga feivos em Wisconsin e cada refegdo deve custar mais de vi quatro centavos. Para combinar isso com a particulaidade, mos de recorrer a alguns dos atos comerciaisbriténicos do século XVIII, e mesmo assim seria di encontrar uma correspondén- ia exata. Se iso acontecer de acordo com a eléusula do “devido pprocesso da lei” — se os restaurantes pagarem esses suprimentos ‘ou passarem seu custo ao consumidor — néo se pode fazer nada para evitar que 2 legislatura de Nova York, por exemplo, e que cada cidadio compre anualmente dois chapéus fetos pela Knox e dois ternos fetos pela Finchley. 164 que nunca se mostrou capaz de evitar que as suas proprias financas se afundem no lamagal do abu- s0 de poder, desperdicios ¢ corrupgao, intervenha para “supervisionar” ou “regular” todo o sistema bancério, ou mesmo controlé-lo por completo. 0 poder social, neste ou no outro caso, é 0 negécio da gestdo ferrovidria — entao deixemos o Estado, que prejudicou todos os negécios que teve em suas da operacio ferro- vidtia. O poder social de vez em quando envia um navio nao apto a navegar para o desastre — en- to deixemos 0 Estado, que inspecionou e permi- tiu 0 Morro Castle, dispor de maior liberdade no controle do comércio maritimo. Se © poder social maos, intervir na “regulagio exerce um monopélio opressivo sobre a geracao € distribuigio de energia elétrica — entao deixemos 0 Estado, que permite ¢ mantém os monopélios, entrar e intervir com um esquema geral de fixacao de pregos que causard mais tristezas do que glé- rias, ou, de outro modo, compeétiré livremente; ou, como exigem os coletivistas, deixemos que exerca © monopélio em pessoa. “Desde que a sociedade existe”, diz Herbert Spencer, “a frustracao tem rei- nado. ‘Nio confie na legislagao’, e ainda assim a confianga na legislagao nao parece ter diminuido”. Mas a quem podemos recorrer para nos livrar- mos dos abusos do poder social, se no ao Estado? Que outro recurso temos? Se admitimos que, sob nosso modo existente de organizagio politica, nao temos nenhum outro recurso, devemos ressaltar 165 [ALBERT NOCK que essa questo se baseia no velho erro tipico de apreensio da natureza do Estado, quando se presu- me que o Estado é uma instituigao social, enquanto que é uma institui¢ao anti-social. Ou seja, a ques- to baseia-se no absurdo." E verdade que a fungao. do governo de manter a “liberdade e seguranca” e “garantir esses direitos” € recorrer a uma justica gratuita, facil e informal; mas 0 Estado, pelo con- trério, preocupa-se principalmente com a injustiga, sua fungao é manter um regime injusto; portanto, como vemos diariamente, sua tendéncia é separar a justiga tanto quanto possivel e torné-la dispendiosa ¢ inacessivel. Pode-se dizer que, embora 0 governo, dada a sua natureza, esteja preocupado com a ad- ministracao da justica, o Estado est, por sua natu- reza, preocupado com a administragao da lei, que © proprio Estado projeta para seus préprios fins. Portanto, nem adianta apelar ao Estado baseando- -se na justia," pois qualquer ago que o Estado puder tomar em resposta seria condicionada por seus interesses mais primordiais e o resultado seria, portanto, uma grande injustiga, to grande como 11 Se admitimos que 0 cordeiro na fabula néo tivesse outra opei0 além do lobo, pode-se ver que 0 seu apelo ao lobo era uma perda de tempo. 12 Isto agora é to bem compreendido que ninguém vai a um tibu- nal em busca de justiga; vai por inteesse ou vinganga.E interes sante observa que alguns fidsofos da lei agora dizem que a lei no temrelagio coma justia e nem pretende tex. Na sua opinio, © dlreit representa apenas um regsto progressvo das formas fem que a expectncia nos leva a acrediar que a sociedade pode funcionat. Pode-se hesiar em aceitar a nocd do que € a lei, mas 6 preciso valorzar sua afiemagio sincera do que no é le 166 NOSSO mMIGo, ESTADO a que pretende corrigir, ou, como de costume, ain- da maior. A questdo supde, em suma, que o Esta- do possa, ocasionalmente, ser persuadido a agir de modo diferente; e isso é leviandade. Deixando essa questo para trés considerando-a de um ponto de vista mais geral, vemos que ela real- mente representa um apelo 4 interferéncia arbitréria na ordem da natureza, um atalho para evitar a pu- igo que a natureza impde em face do erro, pre~ meditado ou nao, voluntério ou involuntario — e a verdade é que nenhuma tentativa de seguir esse caminho foi facil. Qualquer violagao da lei natural, qualquer alteragdo da ordem natural das coisas, deve ter suas conseqiiéncias, € a tinica maneira de escapar disso comporta conseqiiéncias ainda piores. A natureza no distingue entre intengdes boas e mas; a iinica coisa que nio tolera é a desordem, ¢ ela é muito particular ao lucrar por qualquer tentativa de criar desordem. Ela consegue isso &s vezes por méto- dos indiretos, freqiientemente por formas sinuosas ¢ imprevistas, mas sempre é bem-sucedida. “As coisas e as agdes que fazemos s4o 0 que sao, e as conse- qiiéncias sero o que devem ser; por que, entdo, que- remos ser enganados?”. Parece que nossa civilizagao € intensamente dada a esse vicio infantil — muito dada a persuadir-se de que pode encontrar alguns meios que a natureza tolerar4, um mundo onde se pode ter tudo; e ressente-se profundamente do fato irrefutdvel de que essa opcao nao existe." 13. Esse ressentimento € mui notivel. Apesar de fracassarmos no 167 ALBERT J. HOCK. Est claro, para quem se preocupa em refletir so- bre esse tema, que, sob um regime de ordem natu- ral, isto é, sob 0 governo, que nao faz intervengdes positivas no individuo, mas apenas intervencdes negativas em favor da simples justica — nao lei, mas justiga — os abusos do poder social poderiam ser corrigidos; enquanto sabemos por experiéncia que as intervengées positivas do Estado nao 0s cor- rigem. Sob um regime de individualismo real, livre concorréncia real e laissez-faire real — um regime que, como jé vimos, nao pode coexistir com o Esta- do —, um abuso sério ou continuo do poder social seria praticamente impossivel."* "experimento ambicioso da intervengio do Estado, ouso dizer que ainda havia um grande ressentimento contra a famosa abscrva: Gio do Professor Sumner de que, quando as pessoas conversavam em lgrimas sobre “o pobre bébado na sarjeta”, no perceberam que a sarjeta pode ser o lugar certo para ele estar; ou contra a eclaracio do bispo de Peterborough de que preferia ver a livre do que s6bria. No entanto, ambas as observagSes sim- plesmente reconhecem a grande verdade que a experiéneia mostra todos os dias, que as tentativas de interferir na ordem natural das coisas esto predestinadas, de uma forma ou de outra, a saie tal 14 Os horrores da vida industrial da Inglaterra no séoulo passado so um bom exemplo para os que se dedicam & intervengia posi ‘iva. Trabalho infantile trabalho feminine nos moinhos e minas; Cokerown ¢ 0 Se. Bounderby;salérios de forme; horas excessivas de ‘trabalho; condigées penosas e perigosas de trabalho; navios como caixdes dirigidos por rufides — tudo isso é deslumbrado pelos re- formadores e publicistas para um regime de individualism feroz, competicdo irestritae lasses faire, Isso € claramente absurdo, pois snunca houve regime semethante na Inglaterra. Eles ocorreram de- vido a interveneio primécia do Estado pela qual a populagio da Inglaterra foi expropriada da terra; porque o Estado substeuiu 0 fornecimento de mlo-de-obra do campo para a industria. Nem 0 sistema de fabrica nem a “revolugio industrial” tinham a ver com a criagdo dessas hordas de seres miserveis. Quando o sistema da f= brica entrou em vigor, aquelas hordas j estavam li, expropriadas, 168 Hosso ninco, 0 ESTADO Nao vou me deter nesses pontos porque, em primeiro lugar, isso jé foi feito por Spencer em seus ensaios intitulados The Man versus the State; e, em segundo lugar, porque o que mais quero é evi- tar a sugestao de que o regime sob essas condigSes, € viavel, ou que estou instigando secretamente al- guém a pensar de tal modo. Talvez, em um futu- ro mais ou menos distante, se o planeta ainda for habitavel, se decrete que os beneficios decorrentes, da conquista ¢ confisco custam muito; podendo assim substituir 0 Estado pelo governo, suprimir ‘0s meios politicos € os fetiches que imprimem no nacionalismo e no patriotismo esse cardter execra- vel. Mas isso parece to remoto e improvavel que nos leva a considera-lo fétuo, e a considerar iniitil qualquer preocupagio a esse respeito. Uma medi- da aproximada desse futuro pode ser estimada a partir das forgas que operam contra ele. A igno- rncia e 0 erro, que so aquilo no que o Estado se apéia para aumentar seu prestigio, estao contra ele; la bassesse de homme intéressé, que coloca seus propésitos diante de si da maneira mais des- prezivel, esté contra ele. A depressiio moral, que conduz firmemente a um ponto de insensibilidade « entraram nos moinhos em busca do valor que 0 Se Gradgrind eo St Plugson de Undershor thes dessem, porque nio tinham escolha ‘20 nao exavam & porta do individualismo; eles nfo ficam em {gar algum, mas a porta do Estado. economia de Adam Smith nfo €a economia do individualismo, € a economia dos latifundisrios ce dos moleiros. Nossos fandticos de intervencio posiiva fariam bem em ler a histria dos cercamentos ingleses e 0 trabalho dos ‘Hammonds e ver 0 que podem aprender com ele. 168 absoluta, est contra ele. Pode-se imaginar uma combinagao mais poderosa de influéncias, e o que pode ser feito a respeito dessa combinacao? Junto a tudo isso, que pode ser chamado de “in- fluéncias espirituais”, pode-se acrescentar a forga fisica exagerada do Estado, pronta para entrar em ago contra qualquer afronta ao seu prestigio. Pou- cos percebem o alcance e a velocidade com que nos Uiltimos anos 0 Estado construiu todo 0 seu aparato militar e forgas policiais. O Estado aprendeu a lico estabelecida por Septimius Severus em seu leito de morte. “Permanegam unidos”, disse ele aos seus su- cessores, “paguem os soldados e nao se preocupem com mais nada”. Agora qualquer pessoa inteligente sabe que néo pode haver uma revolugao enquanto esse conselho for seguido; de fato, nao houve nenhu- ma revolugdo no mundo moderno desde 1848 — toda a chamada revolugao foi apenas um golpe de Estado.' Tudo o que se diz na América sobre a pos- sibilidade de uma revolugo é, em parte, ignorancia, mas sobretudo mentira. Trata-se simplesmente “dos clis e sofismas interessados” de individuos seus in- teresses pessoais. Mesmo Lénin reconheceu que uma revolugao nao é possivel em lugar algum enquanto as forcas militares e policiais estejam insatisfeitas; 0 15 Quando Sir Robert Peel props organizar a forca polical de Lon- des, os ingleses disseram abertamente que meia dizia de degol dos em Whitechapel todos os anos seria um prego baixo a pagar ‘por manter o instrumento de potencial tirania fora das mos do Estado. Todos comecamos a perceber agora que hé muito a ser dito sobre o assuato, 170 Nosso waco, 0 ESTADO que indica que a América € provavelmente © pior lugar onde procurar. Todos jé testemunhamos mani- festages de uma populago desarmada, ou as armas rudimentares de conflito local, e também vimos como cles terminaram, como em Homestead, Chicago e os distritos mineiros de West Virginia, por exemplo. O exército de Coxey marchou em Washington — e os manteve & distancia. Somando a forca fisica do Estado a forca das poderosas influéncias espirituais que o sustentam, uma vez mais se pergunta: 0 que pode ser feito contra o crescimento do Estado? Simplesmente nada. Longe de aspirar ao inalcangavel, quem es- tuda 0 homem civilizado nao chegard a qualquer conclusio além de que nada pode ser feito. Ele sé pode contemplar o curso da civilizagao na mesma medida em que pode contemplar o destino de um homem preso em um barco na parte inferior do Niagara — como um exemplo da intolerancia in- questionavel da natureza e, no final, um exemplo da punicao que inflige todas as tentativas de inter- ferir com a ordem natural das coisas. © fato de que, inicialmente, nossa civilizagdo conseguiu adotar 0 estatismo, seja por ignorancia, seja deliberadamen- te, nao importa. A natureza nao se importa com © motivo ou a intengao, ela $6 esta interessada na ordem, punindo quem ignora seu desagrado pela desordem e assegurando que a ordem natural dos acontecimentos, no final, siga 0 seu curso. Emerson, em um de seus grandes momentos de inspiracao, personificou a causa ¢ 0 efeito como “os ministros wv ALBERT J.NOCK de Deus”; ¢ a experiéncia mostra que a tentativa de anular, desviar ou invadir sua ordem tem suas préprias conseqiiéncias. “Tal foi o destino lamentavel da civilizagdo an- tiga”, diz o professor Ortega y Gasset. Uma diizia de impérios terminaram 0 curso que comecou o nosso ha trés séculos. O ledo e o lagarto mantém os vestigios de sua passagem sobre a Terra, vestigios de cidades que, nos seus dias, eram to orgulhosas € poderosas quanto a nossa — Tadmor, Persépolis, Luxor, Baalbek —, algumas de fato esquecidas por milhares de anos e trazidas de volta a meméria gra- gas & escavadeira, como os maias e os que foram enterrados nas areias do Gobi. Os locais que agora ocupam Narbona e Marselha alojaram quatro civili- zaces anteriores, cada uma delas, como diz Sao Tia- g0, como um vapor que aparece por pouco tempo e, depois, desaparece. O curso de todas essas civiliza- ges foi o mesmo. Conquista, confisco, a construgao do Estado; entdo, as seqiiéncias que rastreamos no decurso da nossa propria civilizacao. Entao, a agita- gio derivou de algum evento do qual a fraqueza da estrutura social nao podia superar e era desorganiza- da demais para ser recomposta; e depois o fim. Nosso orgulho se ofende ao pensar que as gran- des rodovias da Nova Inglaterra estarao um dia de- baixo de camadas profundas de vegetacao, como as principais rodovias romanas da Inglaterra antiga, que apenas um grupo de colinas espessas permane- cerd para chamar a atengao do arquedlogo para as ruinas de nossos arranha-céus. No entanto, sabemos 172 que a nossa civilizagao chegaré a isso; e nés a conhe- cemos porque sabemos que nunca houve, no hé nao pode haver, qualquer desordem na natureza — porque sabemos que as coisas € as ages so 0 que sdo, € as conseqiiéncias delas serdo 0 que serio. Mas nao nos desanimemos diante das circuns- tancias provaveis de um futuro tao distante. O que rnés € nossos descendentes imediatos veremos é que um progresso constante no coletivismo levou a um despotismo militar severo; a uma maior centrali- zagio; uma burocracia crescente; a0 aumento do poder ¢ da fé do Estado em seu poder crescentes a perda da f€ no poder social e sua decadéncia. O Estado absorve uma proporgao cada vez maior da renda nacional; a produgio definha, o Estado, em conseqiiéncia, assume uma sucessiva “indistria es- sencial”, administrando-a com corrupgao, inefici- éncia e desperdicio cada vez maiores, ¢, finalmente, recorrendo a um sistema de trabalho forcado. En- tGo, em algum momento desse progresso, surgirio alguns conflitos de interesse estatais, a0 menos tio intensos e gerais como os de 1914, 0 que levard a uma revirayolta industrial e financeira muito severa para a estrutura social suportar. A partir disso, 0 Estado estard nas maos da “morte enferrujada da mdquina”,e as forgas anénimas que irdo forcar sua dissoluco sero insuperdveis. Ut Mas pode-se questionas, adequadamente, se nés, como resto do mundo ocidental, tivéssemos 173 sido arrastados para o estatismo inevitavel, qual é a utilidade de um livro que simplesmente mostra 0 inevitavel? De acordo com essa hipétese, este liveo é inditil. O mais provavel é que nao consiga alterar a opiniao politica de ninguém e nem mudar a nossa atitude pratica em relagio ao Estado. Se 0 fizesse, se levarmos em conta as préprias premissas do livro, que bem ele poderia fazer? Certamente nao espero que este livro mude as opinides politicas de ninguém, pois essa no é a intengao. Pode ser que um ou dois, aqui e ali, se- jam atormentados pela diivida e decidam investi- gar algo mais sobre © assunto por conta prépria, ¢, portanto, talvez. suas opinides percam um pou- co de firmeza, mas isso é 0 maximo que poderia acontecer. Em geral, eu também seria o primeiro a reconhecer a inutilidade prética de um livro desse tipo, e, ainda que alguém escrevesse outro muito mais convincente que 0 meu — de nada adianta- ria; no maximo poderia interromper 0 progresso do Estado em tamanho e, portanto, modificar as suas conseqiiéncias negativas, e assim modificaria as conseqiiéncias do curso do Estado. No entanto ha duas razdes, uma geral e outra particular, que apéiam a publicagao de um livro deste tipo. A razo geral é que, em qualquer departamento de pensamento, quando uma pessoa tem, ou pensa que tem, uma idéia clara sobre a ordem inteligivel das coisas, deve torné-la piiblica, sem pensar nas conseqiténcias praticas — ou na falta delas — que 174 podem resultar do seu ato. Pode-se sentir obriga- da a empreender a tarefa como um tipo de dever abstrato, ndo para propagar ou impor a sua visio — longe disso — mas simplesmente para expor a idéia. Isto, que pode ser considerado um dever diante da verdade das coisas, e que acima de tudo é um direito, é totalmente admissivel. A razo particular tem a ver com o fato de que, em todas as civilizagSes, por mais prosaicas ou de curta duragéo que sejam na avaliagdo dos assuntos humanos, sempre hé espiritos alheios que, embora aparentemente aceitem os requisitos sociais que os cercam, mantém uma preocupago desinteressada pela lei inteligivel das coisas, independentemente de qualquer fim prético. Sao pessoas com curiosi- dade intelectual, as vezes imbuidas de emogio em relagdo a ordem augusta da natureza. Essas pessoas ficam impressionadas com a contemplacao da na- tureza € gostam de saber tudo sobre ela, mesmo em circunstdncias desfavoraveis as suas melhores esperancas e desejos. Por isso, um trabalho como este, embora em geral seja impraticavel, nao é int- tils e aqueles que o lerem perceberao que foi escrito tinica e exclusivamente para eles. FIM “Nao hd nada escondido que niio serd revelado”. ws

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