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cegar-nos para elas. Pode admitir-se que os informadores alemaes, os quais com fins egéistas levaram outros a ser punidos no dominio de leis monstruosas, fizeram o que a moral proibia; contudo, a moral pode também exigir que 0 Estado puna sé 0s que, ao fazerem o mal, tenham feito 0 que o Estado nesse tempo proibia. Isto é 0 principio de nulla poena sine lege. Se tiverem de introduzir-se limitagdes a este principio para evitar algo considerado como um mal maior do que 0 seu sacrificio, é vital que as questées em jogo sejam claramente identificadas. Um caso de punicéo retroactiva nao deve fazer-se aparecer como um caso vulgar de punicao por um acto ilegal a0 tempo da sua pratica. Pelo menos, pode ser reivindicado a favor da doutrina positivista simples que as regras moralmente iniquas podem ainda ser direito, e que tal nao mascara a escolha entre males que, em circunstancias extremas, pode ter de ser feita x O DIREITO INTERNACIONAL 1. Fontes de davida A ideia de uma unio de regras primarias e secundarias, a qual foi atribuido um lugar tao importante neste livro, pode considerar-se como um ponto médio entre extremos juridicos. Isto porque a teoria Juridica tem procurado a chave da compreensio do direito, umas vezes na ideia simples de uma ordem baseada em ameagas e, outras vezes, na ideia complexa de moral. O direito tem certamente muitas afinidades € conexdes com ambas as ideias; contudo, como vimos, existe um perigo perene de exagero delas e de deixar na sombra os aspectos especificos que distinguem 0 direito de outros meios de controlo social. Constitui uma virtude da ideia que tomémos como central o facto de que nos permite ver as relagées miiltiplas entre direito, a coer¢ao e a moral como aquilo que sao e considerar de novo em que sentido tais relacdes so necessdrias, se ¢ que existe um tal sentido. Embora a ideia de unido de regras primérias e secundarias tenha estas virtudes, e embora fosse coerente com os usos tratar da existéncia desta unido caracteristica de regras como uma condi¢éo suficiente para a aplicacao da expresso «sistema juridico», no pretendemos que a palavra «direitos deva ser definida através dos seus termos. E precisamente porque nao apresentamos tal pretensio de identificagao ou de regulamentagao deste modo do uso de palavras como «direito» ¢ «juridico», que este livro oferecido como uma elucidacdo do conceito de direito, em vez de uma definicdo de sdireito», a qual poderia naturalmente esperar-se que fornecesse uma regra ou regras para 0 uso destas expressées. De forma coerente com este objectivo, investigamos, no ultimo capitulo, a pretenso sustentada em casos alemies de que o titulo de direito valido devia ser retirado a certas regras em virtude da respectiva iniquidade moral, ainda que pertencessem a um sistema existente de regras primarias e secundarias. No final, rejeitamos tal pretensio: mas fize- mo-lo, no porque estivesse em conflito com o ponto de vista de que ‘as regras pertencentes a tal sistema deviam ser designadas como «direito», nem porque estivesse em conflito com o peso dos usos. Em vez disso, critic&mos a tentativa de restringir a categoria de leis validas através da excluso daquilo que fosse moralmente iniquo, com o fundamento de que fazer isso nao avancava ou clarificava, nem as investigagées tedricas, nem a deliberacao moral. Para tais fins, 0 conceito mais amplo, que é compativel com tantos usos € que nos permitiria considerar como direito as regras, por mais iniquas que fossem do ponto de vista moral, veio a provar-se através de exame que era adequado. 0 Direito Internacional apresenta-nos 0 caso oposto, Isto porque, embora seja compativel com os usos dos ultimos 150 anos a utilizagao aqui da expresséo «direitos, a auséncia de um poder legislativo internacional, de tribunais com jurisdicao obrigatéria e de sangdes centralmente organizadas tem inspirado desconfiancas, pelo menos no espirito dos teorizadores do direito. A auséncia destas insti- tuicdes significa que as regras aplicdveis aos Estados se assemelham Aquela forma simples de estrutura social, composta apenas de regras primérias de obrigacao, a qual, quando a descobrimos nas sociedades de individuos, nos acostumamos a contrastar com um sistema juridico desenvolvido. E na verdade sustentavel, como iremos mostrar, que 0 direito internacional nao sé nao dispée de regras secundarias de alteragéo € de julgamento que criem um poder legislativo tribunais, como ainda lhe falta uma regra de reconhecimento unifi- cadora que especifique as «fontes» do direito e que estabeleca critérios gerais de identificacdo das suas regras. Estas diferencas sio na verdade flagrantes e a questio «é o direito internacional realmente direito?s no pode ser posta de lado. Mas também neste caso, no afastaremos as diividas, que muitos sentem, com a mera lembranca dos usos existentes; nem as confirmaremos simplesmente com 0 fundamento de que a existéncia de uma unio de regras primarias € secundarias é uma condi¢éo nao s6 necessaria, como suficiente, para © uso correcto da expressdo «sistema juridicor. Em ver disso, procederemos a uma averiguacao acerca da natureza detalhada das. diividas que se tém sentido e, como no caso alemao, perguntaremos se 08 usos comuns mais amplos que falam de «direito internacional» sao susceptiveis de constituir obstaculo a qualquer finalidade pratica ou tedrica. Embora the dediquemos apenas um nico capitulo, alguns autores propuseram um tratamento ainda mais reduzido quanto a esta questao respeitante a natureza do direito internacional. Pareceu a tais autores que a questao «o direito internacional é realmente direito?» s6 se tem suscitado € s6 tem sobrevivido, porque se tem erradamente tomado uma questao corriqueira respeitante ao signifi- cado das palavras por uma questo séria acerca da natureza das coisas: uma vez que 0s factos que diferenciam o direito internacional do direito interno sejam claros e bem conhecidos, a unica questao a resolver consiste em saber se deveremos observar a convencao existente ou afastar-nos dela: ¢ tal é uma questdo que cada pessoa ha-de ela propria resolver. Mas este modo sucinto de arrumar a questao é seguramente demasiado sucinto. E verdade que entre as raz6es que levaram os teorizadores a hesitar quanto a extenso da palavra «direito» ao direito internacional, tem desempenhado um certo papel uma visdo demasiado simples e efectivamente absurda daquilo que justifica a aplicagao da mesma palavra a coisas muito diferentes. A variedade dos tipos de principios que comummente guiam a extensao de termos classificativos gerais tem sido ignorada com demasiada frequéncia na ciéncia do direito. Todavia, as fontes de diivida acerca do direito internacional s4o mais profundas ¢ mais interessantes do que estas visdes erréneas acerca do uso das palavras. Além do mais, as duas alternativas oferecidas por este modo abreviado de arrumar a questao («iremos observar a convengéo existente ou afastar-nos-emos dela?») nao so exaustivas; isto porque, além delas, ha a alternativa de tornar explicitos ¢ de examinar os principios que tém de facto guiado os usos existentes. ‘O modo sucinto sugerido seria na verdade apropriado, se esti- véssemos a lidar com um nome préprio. Se alguém devesse perguntar se o lugar chamado «Londres» & realmente Londres, tudo 0 que podiamos fazer seria recordar-Ihe a convengao € deixardhe a op¢io de a acatar ou de escolher outro nome que condissesse com 0 seu gosto. Seria absurdo em tal caso perguntar com base em que principio é que Londres era assim chamada e se esse principio era aceitavel. Tal seria absurdo porque, enquanto a atribuicéo de nomes proprios repousa unicamente numa convencao ad hoc, a extenséo dos termos gerais de qualquer disciplina séria nunca ¢ feita sem certos principios ou sem uma certa base racional"”, embora possa nao ser . ‘Nao iremos discutir os méritos destas e de outras formulacdes disso, poremos em causa a suposicao de que ele deve conter um tal ‘uma suposicao a priori (porque é 0 ‘que ela é) e assim encarar de forma preconcebida a natureza efectiva das regras de direito internacional? Porque é seguramente concebivel. (€ talvez tenha frequentemente sido 0 caso) que uma sociedade possa -viver com regras que imponkam obrigacdes aos seus membros de forma «vinculativa», mesmo que elas sejam encaradas simplesmente ‘como um conjunto de regras independentes, nao unificadas por nenhuma regra mais fundamental, nem derivando desta a sua validade. E claro que a mera existéncia de regras nao envolve a ‘existéncia de tal regra fundamental. Na maior parte das sociedades modernas, ha regras de etiqueta e, embora nao pensemos nelas como impondo obrigacdes, bem podemos falar de tais regras como exis- tentes; contudo, nao iriamos procurar, nem poderiamos descobrir ‘uma regra fundamental de etiqueta, da qual fosse possivel derivar a validade de regras independentes. Tais regras ndo formam um sistema, mas um mero conjunto e, claro, os inconvenientes desta forma de controlo social, quando estéo em jogo assuntos mais importantes do que os de etiqueta, sio considerdveis. J4 foram descritos no Capitulo V. Todavia, se as regras forem de facto aceites como padrdes de conduta e apoiadas em formas apropriadas de do social distintas das regras obrigatérias, nada mais se exige mostrar que sao regras vinculativas, ainda que, nesta forma ura social, nio tenhamos algo que temos efectiva- das regras individuais por referéncia a uma qualquer regra tiltima do sistema. Ha, claro, um certo mimero de questées que podemos par acerca -das regras que nao constituem um sistema, mas formam um simples conjunto. Podemos, por exemplo, formular perguntas sobre a sua ‘origem historica, ou questées respeitantes as influéncias causais que auxiliaram o desenvolvimento das regras. Também podemos fazer perguntas sobre o valor das regras aos que vivem em conformidade com elas € sobre se se consideram a si préprios como vinculados moralmente a obedecer-Ihes ou se obedecem por qualquer outro motivo. Mas ndo podemos fazer, no caso mais simples, um tipo de pergunta que podemos formular a respeito das regras de um sistema enriquecido, como ¢ o direito interno, por uma norma fundamentat ou regra secundaria de reconhecimento. No caso mais simples, ndo podemos perguntar: «De que disposigao ultima do sistema derivam as regras independentes a sua validade ou «forga vineulativa»?». Porque nao ha tal disposigao e nao é necessaria nenhuma, E, por isso, ‘um erro supor que a regra fundamental ou regra de reconhecimento é uma condigéo geralmente necessaria da existéncia de regras de tivas», Isto ndo é uma necessidade, avancados, cujos membros nao s6 chegam a aceitar regras independentes caso a caso, sulados a aceitar antecipadamente categorias gerais de das por critérios gerais de validade. Na forma mais simples de sociedade, devemos esperar para ver se uma regra é aceite ‘como regra ou nao; num sistema com uma regra fundamental de reconhecimento, podemos dizer, antes que uma regra seja efectiva- mente elaborada, que serd ‘se se conformar com as exigéncias, de regra de reconhecimento. © mesmo ponto pode ser apresentado de forma diferente. Quando tal regra de reconhecimento é aditada ao conjunto simples de regras independentes, nao s6 traz com ela as vantagens do sistema ¢a facilidade de identificagao, mas torna possivel pela primeira vez numa nova forma de afirmagao. Sao as afirmagoes internas acerca da validade das regras; porque nés podemos perguntar, agora num sentido novo: «Que disposigao do sistema torna esta regra vincula- tiva?» ou, na terminologia de Kelsen: «Qual é, dentro do sistema, a razio da sua validade?», As respostas a estas questdes novas so fornecidas pela regra fundamental de reconhecimento. Mas embora, demonstrar-se por referénci nao significa que haja qualquer questdo acerca das regras ou da sua forga vinculativa ou validade que fique por explicar. Nao se di o caso de que haja qualquer mistério respeitante a razio por cue as regras sao vinculativas numa estrutura ‘40 simples, 0 qual seria resolvido por uma regra fundamental, se nés pudéssemos descobri-la ‘As regras da estrutura simples so, como a regra fundamental dos sistemas mais avancados, vinculativas, desde que sejam ac funcionem como tal. Estas simples verdades acerca das diferentes formas de estrutura podem, contudo, ser facilmente obscure- cidas pela pesquisa obstinada de unidade e de sistema, quando estes elementos desejaveis de facto nao existem. Ha, na verdade, algo de cémico nos esforcos feitos para moldar uma regra fundamental para as formas mais simples de estrutura social que existem sem ela. E como se insistissemos em que um selvagem nu fivesse de estar realmente vestido com qualquer espécie invisivel de vestudrio moderno. Infelizmente, ha aqui também uma lade permanente de confuséo. Podemos ser i igo que é uma mero facto de que a sociedade em causa (seja de individuos, seja de Estados) observa certos padrées de conduta como regras obrigatérias. Este é seguramente o estatuto da estranha norma fundamental que tem sido sugerida para o direito internacional: «Os Estados devem comportar-se como se tém comportado consuetudinariamentes. Porque nao diz mais do que isto: aqueles que aceitam certas regras devem também observar uma regra exprimindo que as regras devem ser observadas. Trata-se de uma mera duplicacao repetida do facto de que um conjunto de regras € aceite pelos Estados como regras vinculativas. De novo, uma vez que nos emancipemos da suposicdo de que 0 to internacional deve conter uma regra fundamental, a questio a encarar é uma questo de facto. Qual ¢ a natureza efectiva das regras, tais como funcionam nas relacdes entre os Estados? Sio, claro, ossiveis diferentes interpretagdes dos fenémenos a observar; mas afirma-se que ndo ha regra fundamental que atribua critérios gerais internacional e que as regras, que de yram € se aplicam, nao constituem um sistema, mas um ‘conjunto de regras, entre as quais esto as regras que atribuem forca a aos tratados. E verdade que, relativamente a muitas iportantes, as relagdes entre os Estados so reguladas ‘tratados multilaterais, e argumenta-se por vezes com a circunstat validade para as suas regras. Poderia entao formular-se uma regra fundamental de reconhecimento, que representaria um aspecto ‘efectivo do sistema e seria mais do que uma reafirmagao vazia do facto de que um conjunto de regras é efectivamente observado pelos Estados. Talvez que o direito internacional esteja presentemente cdo desta e de outras formas, 10, em termos de estrutura, doras, adquirirdo substancia e as ultimas duvidas dos cépticos acerca da «qualidade» juridica do direito internacional poderdo entdo ser enterradas. Até que este estadio seja alcancado, as analogias so seguramente as de fungao ¢ contetido, e nao de forma. As analogias de fungao emergem de forma mais clara quando reflectimos sobre os modos por que o direito internacional difere da moral, alguns dos ma secgdo. As analogias de conteudo quais examinamos na wventor da expressao «di dizendo simplesmente que ele era «suficientemente a direito interno. Quanto a isto, vale a pena talvez acrescentar dois comentarios. Em primeiro lugar, que a analogia é uma analogia de 10 de forma; em segundo lugar, que, nesta analogia de conteudo € conteudo, nenhumas outras regras sociais esto téo proximas do di interne como as do direito internacional 1 Principles of Morals and Legislation, XVI, 25, (a) 1

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