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Despedido

Ainda me recordo da despedida interiorana,


daquela rodoviária decrépita em seus tons marrons
Aquela criatura se desfazendo ante o vidro do ônibus,
e eu atrás em prantos sem me importar com os olhos
Afinal, estes olhos em lágrimas (seus ou meus?), me eram mais
grandiosos e lânguidos que a negação pública dos olhos ferozes
Foi de fato um espinho adentrando alma, que sem motivo
espetou a razão, estourou a bolha da força, e o balão da sabedoria
Tudo em eterna explosão daqueles segundos do motor
ser ligado, da explosão combustível, ardente, barulhenta
Já não sabia se era eu ou o motor que rugia, queria
uma própria explicação para o andar, para o seguir
Foi tal sofrimento como se sentar só num corredor universitário,
recostar as costas com uma mochila esperando alguém
Encaram-me como um estúpido que não fala,
um jovem sem seu valor, um indigente por entre a gente
Fui vagarosamente despedido da vida, despejado,
mandaram-me correr dali, e todos se riam contentes
Falavam coisas inúmeras, sabe-se lá o que, mas nada de Direito,
Estado, Sociedade, cursos da História humana, que nada, só tonteiras
Podem até falar, não me importo, mas fingir que se empenham
no ar cá das gentes? Do povo? Nada querem saber...
Que relação estabelece a ordem do despejo público,
com a despedida fulminante?
Aqueles pedaços humildes de dor que me constroem,
a fé não dá meu amor
Basta incorrer em vocábulos poéticos que se tem,
uma bela construção ornamental?
Amor, paixão, juventude, vida, existência,
todas já valem a humanidade de um poema furioso?
Não uma fúria de dentes afiados, mas aquela fúria
que é estopim do ser, que choca até a visão real dos homens
Ser homem e amando é tudo?
Jovem em paixão sem existência é adoração de faculdades?
Faculdades essas que me privam, me odeiam, me veneram,
me condenam, é tudo que me resta?
Oh queria saber, pois olhando pela noite os corredores
vivos, as salas rebuscadas em detalhes dourados, ou conversas desmedidas
tornam o que minha percepção diz ser absurdo,
talvez até mentiras gigantescas que me formam
Não sei se aquele pequeno ser na rodoviária, realmente pranteava
por mim, por ela, por outras coisas, sei que era choro comovente
Não há como negar a comoção interior, faminto e sedento
do corpo fabuloso, sei que não me é uma verdade incontestável
Inconteste é a miséria, o universo kafkiano da realidade,
tudo é tão desproporcional que de tanta coisa comum, torna-se vexame
Não um vexame para mim, que estou de fora observando,
mas um vexame pessoal, que pouquíssimos percebem
Perceber é a palavra-chave da ordem atual, não que seja
uma ordem efetiva, um verdadeiro caos humano
Ainda assim me prostro no poste posto da parede,
alumiando o centro da escuridão do pátio
Não há chuva, não gramados, só pedras e mais pedras,
agora restauradas e brancas para mentir que são humanas
São pedras! Jazem junto ao meu ser, não me questionam
muito o que vim fazer por ali, só me olham consternadas
As próprias pedras se condoem de mim, e nem eu sinto
pena de mim, pelo contrário, me considero a suma da grandeza
Porém grande é a construção, não eu, apenas me finjo assim,
na verdade sei da pequeneza, e só sinto me olharem
Olham e comentam, burburinhos escandalosos,
como um poema deveria ser, um burburinho escandaloso
Mas não é poético se ver ardendo na fogueira das opiniões,
ainda que nada tenha feito para tal
Jamais recobrarei os sentidos tal como na infância,
das brincadeiras sem discriminações, sem outros problemas
Daquelas correrias que todos participavam, daqueles pezinhos
tranqüilos que eram minha base e sustentação fundamental
Ainda que na delicadeza do pé infantil, qualquer brutalidade
maior pudesse fazer ruir, não fez, e foi infância sem tormentos
Ou foi nefasta e quero apaziguar? Foi doentia e quero
escrever mentindo que tudo é mar de rosas na infância?
Já nem tenho mais verdades a que me socorrer,
e digo que alguns momentos são terríveis
Outros são piores, e ainda assim lembro em todos os detalhes,
todos os entornos, daquela digníssima chorando e me mirando
Ela também, eu me recordo, se prostrou no poste,
algumas crianças a observavam com espanto, pois chorava
Ora, como pode um ser tão insensível? Algo impossível,
afinal, era (e é) um amor, um sentimento outro de ódio comedido
Essa talvez seja a definição suprema de amor,
um ódio comedido, que nos traz terríveis e grandes sensações
As indefinições, as circunstâncias, os países, nações,
tudo não queria nem saber daquela pequena fragilidade
Uma fragilidade de mãos de movimentos leves e harmoniosos,
uma fragilidade da constituição fecunda da personalidade
E uma semana agora em faculdade, livre e preso
pelo que se diz ser social...
Livre por não ter cometido ato ilícito algum,
e preso pela atenção daqueles que me odeiam
E talvez sim, um ato ilícito, de eu odiar a tudo e todos,
sim, pois o que me resta em discussões tolas de politicagens?
Se devem ou não liberar músicas, devem ou não liberar pesquisas,
que todos discutam essas incongruências estúpidas, mas não eu
Não quero me perder em políticas, em discussões improdutivas,
afinal o tempo é realmente curto, e ter vivido mais dói menos
Não vivido mais em tempo, mas em experiências formadoras,
em pequenas esferas de gravidade
É grave o tom da música, é um Beethoven engolindo tudo,
uma quinta sinfonia retumbante da alma
Perder esses momentos, no entanto, não me são escolhas,
pois é tudo essência da minha própria vida errante
Mas se erro é por prazer também, e isso me torna
um despejado de mim mesmo
Entendo e vejo, porém, que um dia todos se despejam,
com vontade de procurar lugar melhor...

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