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ARTITEXTOSO2. SETEMBRO 06 129 Ajuda. Evolugao Histérico-Urbana Isabel Rosa Arquitecta, Professora Auxilior da FALU-TL. iroso@fo.utl.pt Correspondendo a uma érea de forte enraizamento histérico e cultural, periferia de uma cidade que se expandiu o partir do século Xill, a zona da Ajuda é consequéncia de um processo histérico que resulta do expanséo portuguese olém-mar, local de assento das ‘taracenas’ ou estoleiros navois, da actividade piscatéria, da construgéo do Mosteiro dos Jerénimos ¢ do posterior locolizagéo ico terramoto de 1755, proceso esse que se traduziu numa estrutura de edificado notével construido ao longo dos da corte em tomo da ‘Real Baraca’ apés o fot séculos XVI a XIX, como so os casos do Mosteiro dos Jerénimos, Palacio Nacional do Ajuda, Palacio de Belém, Museu dos Coches, Igreja da Meméria, etc. res a0 século XMIl, referentes a esta zona. Nas gravuras e na cortografia existente referente & cidade de Lisboa, designadamente no levontamento efectuado pelo engenheiro Augusto Vieira da Silva, e cuja planta mais antiga remonta ao século XVII, nao se vislumbram quaisquer referéncios € Grea objecto deste estudo. No verdade, as plantas conhecidas da cidade de Lisboa dos séculos XVII « XVI finalizam, @ Ocidente, na zona de Alcéntara. ‘S60 muito parcos os registos, anter E, pois, dificil imaginar uma estrutura urbana que nado seja a testemunhada pelos acontecimentos singulares que entretanto foram surgindo e que justificam © crescimento desta zona, de tal forma que permitem entender por que, apés 0 ferramoto de 1755, o rei D. José entendeu aqui ‘acampar’. Acampar, alids, no seré 0 termo exacto, néo s6 porque a «Real Baraca» deve 0 seu trago a0 famoso arquitecto e cendgrafo Bibiena mas também porque a zona era, desde hé muito, um local de estadia sazonal e de visitagdo da Corte. E disso testemunho a circunstancia de esta zona ser uma das preferidas da romaria gue a rainha D. Cotarina, mulher de D. Jodo Ill, fozia com frequéncia & ermida do Nossa Senhora de Ajuda (erguida no que é hoje o Largo da Ajuda, mois precisamente no esquina da actual Travessa da Ajuda}, levando consigo seu séquito e, mais tarde, alguns nobres que aqui comecaram a construir cosas com guintas & volta, orrastando servicais da lavoura, homens de oficios’ que também por aqui se comecaram a instalar. Acreditamos que a zona desde sempre fosse (como ainda hoje é) bastante apetecivel. Nao teré sido, alids, por acaso que na Tapada da Ajuda se instolou um dos mais expressivos povoados do Bronze Final identficados, aié oo presente, em Portugal. Ajuda. Evolugée Histérico-Urbana 130 Fig. 1 Usboo - Ajuda em 1807 Fig 2 Utboo - Ajuda em 1812 Fig. 3 Laboa- Beam e Auda em 1834 Um sistema orogréfico complexo, coberto de vegetacdo e percorrido por um significativo nmero de cursos de 6gua que deslizavam de Monsanto até ao Tejo, alternando com terragos que possibilitavam apraziveis zonas de estadia com amplas Vistas sobre © rio, constitula o ambiente natural apetecivel e requerido pela Corte. Dessa aprazibilidade toma consciéncia o rei D. Jodo IV, de tal modo que em 1645 determina por escritura a criagéo da entéo designada ‘Tapada real de Alcéntara’: “A propriedade real, livre e desemboragada de quaisquer encorgos, ficou compreendido, além de densas malas com aialhados e estagées de espera de cago, olivais, pomares, fontes, aquedutos, tanques, estradas marginadas de rvores silvestres, etc.” Esta zono serviv sobretudo como porque de cage e logradouro privado da familia real, actividades para os quais se prestava, por possvir matos de carrasco, extensos zambujois e excelentes vistas panorémicas.” (Coutinho,1956) e assim permaneceu, como parque de caca privado da familia real, até ao reinado de D. José, altura em que sofre ume série de reformas *..., tendo sido palco de numerosas obras e plantacées e povoada com diversas espécies cinegéticas, incluindo games e javalis” (C.M.Lisboa, 1997), passando eniéo a designar-se por Topode da Ajudo. Estamos em crer que data do reinado de D. Jodo IV a edificagéo dos primeiras instolagées militares no zona. O ‘Restaurador’, grande reformador do sistema defensive nacional, néo iria descurar, por certo, « importncia geo-estratégica do zona, uma das entradas vulneréveis da cidade de Lisboa. ‘Agradado ou néo do sitio, 0 rei D. Jodo V, apercebendo-se precisamente do que viria @ ser um dos locais estratégicos de defesa da Capital, inicio um conjunto de acces tendentes @ controlar todo o territério do zona da Ajuda, que passa pela Fig 4 Usboo - Aud em 1856.58 [ARTITEXTOSO2. SETEMBRO 06 sua transferéncia para @ posse da Coroa. Para 0 efeito comprou em 1726, ao Conde de Aveiras, 0 Quinta de Baixo, com 0 Palécio de Belém; ao Conde de S. Lourengo, em 1727, a quinte contigua @ anterior, que terminava na margem do rio; ainda em 1726, adquiriu ao Conde de Calheta a Quinta do Meio, onde se encontra, na actualidade, o Igreja da Meméria, e ao Conde de Obidos o Quinta de Cima ou do Alto da Ajudo. Inicia o seguir um programa urbanistico & escala do seu imaginério - megalémano. Rectifica © prim designeda por Calgada da Ajuda, com dimensdes bastante desojustadas para a &poca, dé inicio &s obras de um cais monumental destinado posseios fluviais, longo da que vio @ ser manda construir amplas cocheiras e cavalarigas no Palécio de Belém e, no lugar mais estratégico de toda esta intervengéo mega-urbana, constréi ou reconstréi um novo aquartelamento no local onde esté hoje instalado o quartel da G.N.R, em plotaforma, altoneira, controladora das entradas e saidas da ‘Copital’. Destas reformas resultou uma ocupacéo cada vez mais intensa desta zona. Surge novo edificado que gradualmente voi acompanhando os terrenos devolutos no envolvente préxima das Quintas de Recreio e da recém recificada Calgada da Ajuda. A fase posterior de ocupacée urbane da Ajuda corresponde oo periodo pés terramoto, com a vinda da Corte para a Ajuda e posterior urbanizacdo dos terrenos no envolvente préxima do entéo denominada ‘Real Borraca’, os Pacos Reais de D. José, construcéo efémera, em madeira, localizada no sitio do actual Palacio da Ajuda. Da entéo precéria ocupacéo real subsiste algum edificado: a nascente do Largo da Torre, consirugées que se supéem terem estado afectas as instalacées das cozinhas do Paco e as habitacées dos servicois, e o prépria Torre do Galo que teria integrado uma Igreja, do qual resiam poucos vestigios. Da urbanizagéo des terrenos envolventes 60 indmeros os testemunhos revelados na malha urbana, sobretudo na zona poente, adjacente & Calcada de Ajudo. = ‘ Fig, 5 Usboo -Ajudo em1 875 131 132 Ajuda, Evolugio Histérico-Urbona © desenho dos novos quarteirées € © tracado dos arruamentos séo réplico do tragado pombalino: plano reticulade, malha ortogonal e perfil dos arruamentos. Plégio ou nao, os novos quarteirées tém dimenses muito semelhantes aos da Baixa Pombalina, assim como © edificado estobelece com a rua frentes hierarquicamente orgonizodos. Edifcios com maior volumetrio (trés 5 pisos) orientados para a via principal ~ Colgada da Ajuda — e gradualmente volumetria mois reduzida com edificado de dois e um pisos nas vias que sistematicamente se distanciam do eixo principal de distribuicéo, Calgada da Ajudo. A vinda de novos aquartelamentos para © zona, deu lugar a novas construgées destinadas @ olbergor os militares e © novos Bairros que vieram preencher os vazios, espacos livres, em redor dos quaris. Com uma malha de alguma forma regular, respeitando preexisténcios e a orografia do terreno, os novos quarteirSes, assim como os novos arruamentos, apresentam dimensées mais generosos que os anteriores pombalines. Também © novo edificado, de maiores dimensées, revela moior volumetric e uma orquitectura bastante relacionada com os tempos, modos compositives, da arquitectura portuguesa: indmeras construcées, dos fincis do século XXX e principios do sécule XX na Calgada do Ajuda e envolvente préxima, edificado posterior do segundo quartel do século XX na Travessa da Boa Hora, Travessa D. Vasco, Travessa Paulo Martins e Travessa da Meméria, convivendo com outro edificado construido nos finais do primeira metade e inicios do segunda metade do século XX. Deste modo construtivo, arquitectura dos anos cinquenta, os melhore exemplos esto, sem divide, ilustrados na Rua Nova do Calhoriz. Apesar de algum edificado singular, toda esta dltima zona apresenta francas descontinvidades, quer no tragado da malha, com arruamentos desproporcionados em relacéo & escala dos edificios, quer nas linguagens arquitecténicos muito diversificadas criando frentes de rua bastante heterogéneas, quer ainda pelos préprios espagos exteriores que néo estabelecem uma relacéo infimista entre residente, edificio e exterior, a0 contrério do que acontece com os espacos exteriores afectos & primeira malha de feicéo pombalina. ARTITEXTOSO2. SETEMBRO 06 No caso do Largo da Meméria € notério o desequilibrio existente na envolvente da Igreia do Meméria, quer no que se refere ao desenho dos espacos exteriores quer na sua envolvente préxima construida, que em nada é qualificadora da imagem do Igreja Barroca que Ihes dev origem No Barroco é tao importante o espago edificado (cheio) como a sua envolvente néo construida (vazio), os dois, edificado e envolvente, funcionam num todo sistémico. © movimento e acco expressos na plasticidade teatral da arquitecura barroca opelam sempre a um espaco exterior com equivalente expresséio cénica, que no caso presente ndo existe, ‘A arquitectura Barroca tem o seu equivalente musical na Opera: accéo, movimento, exagero, exuberdncia, teatralidade, espago cénico, ... E é dessa ‘Opera’ que carece a Igreja da Meméria: temos actores, temos espectadores, ndo temos paleo. Um escosso metro e meio separam a entrada principal da Igreja da Calgada da Meméria. Aescadaria que deveria projector 0 edificio para o exterior é inexistente. Os enfiamentos perspécticos to caros a Miguel Angelo (Praca de Capitlic) e a Bramante (Praca de S. Pedro) néo acontecem na envolvente da Igreja da Meméria © desenho dos pavimentos em correspondéncia pléstica com o desenho da fachada, assim come © desenvolvimento das escadarias apelando & entrada no Templo jé no buscando exemplos italianos, mas referindo trés exemplos nacionois: Convento de Mafra, Basilica da Estrela e St? Engricia ~ néo passam de meros apontamentos que confundem pavimentos betuminosos com calcada & portuguesa intercalados por relvades, érvores e arbustos De tudo isto corece a envolvente 2 lgreja do Meméria: enfiamentos perspécticos induzides por edificado envolvenie; desenho de espacos exteriores reflexo da arquitecura da Igreja, palco, cenério, etc. Fig. 8 Lisboa -Ajude em 1910 133

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