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A Participação Social em Políticas Públicas Explicada em 9 Questões
A Participação Social em Políticas Públicas Explicada em 9 Questões
Por sua vez, as escolhas remetem a aspectos do desenho institucional que definem quem
e para que participa. Se o desenho das iniciativas de institucionalização não cuida de
definir claramente qual o perfil dos participantes a serem recrutados, a participação
ocorrerá por “autosseleção”, produzindo uma composição socioeconomicamente
enviesada (ver pergunta 1). Contudo, essa composição pode não ser desejável para os
propósitos da iniciativa, que poderia atingir melhor seus objetivos recrutando
participantes com outros perfis: especialistas, pessoas de grupos específicos —
definidos por raça, religião, faixa etária, sexo ou outros atributos relevantes —,
especialistas com expertises de interesse, atores coletivos ou uma combinação dessas
possibilidades.
A definição depende de uma escolha prévia: participação para quê? Novamente, não
existe um propósito único, mas o caminho mais curto para colher desapontamentos é
sobrecarregar as iniciativas de institucionalização com expectativas variadas que não
respondem a um objetivo claro. A depender dos propósitos, o bem a ser produzido pela
participação pode ser informação, decisão ou cogestão/coprodução. A esse respeito,
mais participação e mais potência a ela associada não são necessariamente superiores.
No combate à corrupção e ao crime organizado, por exemplo, dispositivos de disque-
denúncia objetivam produzir informação valiosa preservando o anonimato da fonte,
enquanto as conferências nacionais envolvem presencialmente milhares de participantes
e visam a produzir decisões sobre diretrizes consensuais para políticas setoriais — as
quais, dadas suas características, não são de observância obrigatória para o poder
público.
Por diversos motivos, essa dupla convergência não ocorre na maioria das mais de 30
áreas de políticas em que existem conselhos, fazendo com que eles se encontrem
presentes em um número reduzido de municípios (entre 2% e 20%, a depender da área)
e acusem tendência elevada à inatividade ou não emissão de resoluções. Esse é o caso,
por exemplo, dos conselhos de agricultura, ciência e tecnologia, defesa do consumidor,
deficiência, desenvolvimento econômico, patrimônio, desenvolvimento urbano, direitos
humanos, esporte, juventude, mulher, raça, saneamento, segurança, segurança alimentar,
transporte e turismo. Por fim, entre a maioria numérica dos conselhos altamente
universalizados e ativos, que reúne ambas as condições, e a minoria numérica e pouco
ativa de conselhos inscritos em um leque amplo de áreas de políticas, existe um
conjunto de conselhos que reúne parcialmente as duas condições, apresentando graus
variáveis de atividade e presença territorial (entre 20% e 80% dos municípios). Esse é o
caso dos conselhos de educação, Bolsa Família, cultura, drogas, habitação, idoso, meio
ambiente e trabalho e emprego.
Uma parte das cadeiras dos conselhos são ocupadas por representantes do governo,
comumente originários da secretaria correspondente e de órgãos afins e destinados a
ocupar até 50% das vagas. Por regra geral, a outra parte das cadeiras que é reservada a
conselheiros provém de organizações da sociedade civil especializadas ou com histórico
reconhecido de trabalho na área dos conselhos. Assim, a participação social nos
conselhos não foi institucionalmente desenhada para selecionar cidadãos, mas atores da
sociedade civil ou partes interessadas (stakeholder participation) às quais se reconhecem
qualidades para agir em nome de grupos sociais mais amplos do que suas organizações.
Por isso, conselhos têm sido caracterizados acertadamente como instâncias de
representação extraparlamentar. Dada sua composição, conselhos reúnem expertise,
conhecimento formado por experiências de vida pertinentes para a respectiva área e
diversidade de perspectivas, constituindo um colegiado em condições de examinar,
deliberar e decidir com ganhos de conhecimento sobre os aspectos da política sobre os
quais têm competência.
Considerando apenas as decisões de conselhos que incidem sobre outros atores, ou seja,
excluídas aquelas orientadas à autorregulação, é possível afirmar que na sua maioria,
acima de um terço, estão destinadas a controlar as funções desempenhadas por
organizações civis nas políticas. Esse primeiro conjunto é seguido por decisões
orientadas a controlar agentes de mercado cujas ações produzem externalidades
negativas sobre o meio ambiente e sobre o patrimônio ou o espaço urbano.
Aproximadamente um quarto das decisões incide sobre esses agentes. Os dois conjuntos
constituem a maioria das decisões e, note-se, estão orientados ao controle de atores não
estatais. Em terceiro lugar, e em volume notavelmente inferior, aproximadamente um
décimo das decisões tomadas por conselhos visa a reger ações do Poder Executivo,
especialmente aquelas que afetam bens tutelados pelos conselhos. Também neste caso,
o Estado é submetido a controle como produtor de externalidades negativas. O conjunto
menor de decisões visa a controlar a administração pública na implementação de
políticas — o Estado como tomador de decisões e implementador direto — e outras IPs.
Porém, a maioria dos conselhos municipais que reúnem as condições para incidir sobre
a provisão de políticas são antecedidos pela criação de conselhos nacionais na
respectiva área, normalmente criados por lei e, por conseguinte, aprovados pelo Poder
Legislativo. Sua expansão ocorreu não contra, mas graças à anuência dos representantes
eleitos. Ademais, é amplamente conhecido que o processo de implementação das
políticas é longo e envolve múltiplas instâncias que escapam ao âmbito de atuação e
controle dos legisladores. É precisamente no processo de implementação ou operação
das políticas que incidem os conselhos, permitindo que interesses de grupos
eventualmente afetados por elas sejam ouvidos e avaliados. Como instância colegiada
composta por diversidade de perspectivas, conhecimentos e expertises, conselhos
contribuem aliando inclusão política ao aprimoramento da provisão de políticas
públicas — realizando regularmente funções que, na sua maioria, precisariam ser
desempenhadas por algum órgão da administração pública caso eles não existissem.
Assim, do ponto de vista da representação, conselhos ampliam-na e complementam as
instituições da democracia no país. Já foi dito acima: a participação social não é
“remédio para todos os males”, e conselhos não são a exceção, mas as políticas em que
eles são ativos só tem a perder com sua desinstitucionalização. Como parte das
capacidades estatais nos municípios, conselhos ampliam a capilaridade do Estado,
geram ganhos cognitivos — ao permitir uma relação mais granulada com aqueles que
implementam a política na ponta e por ela são afetados — e melhoram a governança da
política.
BIBLIOGRAFIA
Se quiser se aprofundar no conteúdo da pergunta 1: