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A boa professora ou o bom professor: O FILME

Reflexões a cerca de como diferentes sociedades veem a figura docente e a expressam


por meio de suas obras cinematográficas
(Este artigo contém spoilers)
Ana Paula da Silva Pena

Uma breve prosa sobre cinema


O que seria de nós sem o cinema? Provavelmente, talvez, levaríamos uma vida nem um
pouco parecida com essa. O que seria de nós sem os nossos amados filmes da infância?
Que sempre recordamos com muito carinho ao conversar com a alguém de nossa idade
ou ao indica-lo à alguém mais novo ou mais nova. Os filmes de amor, os documentários,
os biográficos, os reflexivos. Filmes de mil formas distintas, linguagens, câmeras. Ouso
dizer que existe cinema para todos os gostos e existe cinema que nem imaginamos que
existe. Neste momento, agradeço ao querido Riccioto Canudo que em 1923, escreveu o
Manifesto das Sete Artes, incluindo o cinema. E convido, você leitor ou leitora a assistir
o encantador Cinema Paradiso, um belíssimo filme de 1988 que retrata a relação de uma
cidade com seu único cinema de rua.
Lembro-me lucidamente, a primeira vez que assisti à um filme brasileiro. Não devia ter
mais que onze anos. O clássico “2 Filhos de Francisco”. Todo brasileiro e toda brasileira
mesmo que não tenha assistido, sabe do que se trata este filme, está introjetado em nossas
veias. Uma das cenas mais marcantes e inusitadas de um pai quebrando ovos de galinha
em um copo americano e oferecendo para seus filhos beberem. Acreditando, que o ovo
cru os faria cantar tão bem quanto o galo que possuíam na roça onde viviam no interior
do Goiás.
Filmes, suas narrativas, suas formas de contar, seus closes, seus artifícios tem o poder de
nos marcar, de nos provocar a reflexão e dessa maneira transformam nosso modo de agir
no mundo, nossos comportamentos e etc. Principalmente, se estamos abertos, e dispostos
a viver a experiência proposta ali.
Tudo isso pra dizer que, o poder do cinema também pode ser perigoso. Desde
propagandas nazistas à heroicização estadunidense, temos filmes que glamourizam a
guerra, a violência e que reforçam preconceitos identitários e a xenofobia. Quando eu
disse acima que existem cinemas para todos os gostos, não foi exatamente um elogio à
diversidade, mas uma constatação que pode desagradar alguns, como me desagrada.
Quando falo de um perigo não estou dizendo que esses filmes ferem fisicamente alguém
ou tenham matado fisicamente alguém. Mas constroem imaginários coletivos acerca de
determinadas civilizações, grupos sociais, gêneros e esses imaginários coletivos acerca
dessas questões podem sim gerar (e geram) violências e diversas outras consequências
para essas civilizações e para grupos sociais retratados.
Por exemplo, a maioria dos filmes estadunidense que retrata algum país africano sempre
foca na pobreza, na miséria, nas guerras, em como tudo está em desordem até a chegada
do estrangeiro, e este estrangeiro é sempre retratado como um suposto salvador, e
normalmente, é branco ou branca. Os filmes Diamante de Sangue (2006) e Amor sem
Fronteiras (2003), são dois exemplos bem famosos.
Filmes como Timbuktu (2014), apesar de ter sido aclamado pela crítica dos festivais de
cinema e concorrido ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015, não chegou nas
telas da maioria dos países, se tornando um filme apenas para o nicho interessado. Isso
tem um impacto imediato em como o mundo olha para os países africanos e como os
trata.

O cinema e a docência
A sala de aula está nos filmes tanto quanto qualquer outra temática ou cenário, de diversas
maneiras e em diversos gêneros. Temos os infantis, como Matilda (1997), um clássico da
Sessão da Tarde (Rede Globo). Temos os juvenis como High School Musical (2006) e o
Clube dos Cinco (1985). Filmes que normalmente misturam a comédia, a música e um
toque de encantamento para divertir e excitar o público.
De outro lado, existem os filmes estadunidenses que retratam a sala de aula sob outro
ponto de vista, e se podemos categorizá-los, eu os colocaria na fileira de “filmes
inspiradores”. Estes filmes normalmente são do gênero dramático, e costumam retratar a
jornada de uma/um docente na sala de aula. Normalmente, este docente é novo na escola,
e esta escola é dotada de uma série de problemas organizacionais ou existe um “aluno-
problema” com quem o/a professor/a vai desenvolver uma relação no decorrer do longa-
metragem.
A pesquisadora Mary Dalton, descreve muito bem em seu artigo “Currículo de
Hollywood: quem é o bom professor?” o arquétipo desses/dessas personagens:
Quem é o professor/a exaltado/a na tela prateada? Tipicamente ele ou
ela é um outsider que usualmente não é benquisto/a pelos outros
professores, os quais, por sua vez, são tipicamente hostilizados pelos/as
estudantes, temem os/as estudantes ou estão ansiosos por dominá-
los/as. O/a "bom/boa" professor/a envolve- se com os/as estudantes
num nível pessoal, aprende com eles/as e usualmente não se dá muito
bem com os/as administradores/as. Algumas vezes esses "bons"
professores ou "boas" professoras têm um agudo senso de humor. Eles/
elas também freqüentemente personalizam o currículo para atender às
necessidades cotidianas das vidas de seus/suas estudantes.
(DALTON, 1996, pg.102)

A autora ainda aponta uma característica muito comum na maioria desses filmes retratam
professores do gênero masculino ou que desenvolvem relações com estudantes do gênero
masculino. Com exceção dos filmes Sorriso de Monalisa (2003) e Preciosa – Uma
História de esperança (2009), filmes com professoras mulheres que se relacionam
majoritariamente com estudantes do gênero feminino, onde os filmes exploram as
questões dos gêneros e das violências que as mulheres estão submetidas.
Você pode estar se perguntando neste momento: “Por que problematizar filmes tão
lindos, com histórias tão comoventes?”
Justamente pelo que falei mais acima: o imaginário coletivo criado ou reforçado por esses
filmes.
Estamos falando de professores incríveis, sempre dispostos, que vão contra todas as
regras, que se relacionam pessoalmente em um nível quase anti-ético com os/as
estudantes. Esse imaginário coletivo criado e alimentado por essas obras é prejudicial
tanto para o público em geral, que passa a idealizar um tipo de docente e que se frustrará
quando não for essa figura em sua sala de aula, quanto para os aspirantes à docência, que
idealizarão um campo profissional que na realidade é muito diferente do retratado nas
telas de cinema.
Entretanto, não vou apresentar uma visão maniqueísta sobre as obras, pois, várias delas
estão na minha lista e eu as aprecio. Esses filmes também apresentam diversas
experiências propostas por esses/essas professores/as em sala de aula, que são incríveis e
bastante motivadoras.
E para falar sobre isso eu escolhi o Sociedade dos Poetas Mortos, que por muito tempo
foi meu filme favorito, e que hoje, consigo olhar pra ele mais criticamente, sem ser ingrata
pelas motivações que ele me proporcionou.

Relação professor-estudante-conhecimento em Sociedade dos Poetas Mortos


Sociedade dos Poetas Mortos é um filme estadunidense de 1989. Protagonizado por
Robin Williams no papel do professor John Keating, e co-protagonizado por Robert Sean
Leonard e Ethan Hawke, que respectivamente interpretam os estudantes Neil Perry e
Todd Anderson. O novo professor de Inglês John Keating é introduzido a uma escola
preparatória de meninos que é conhecida por suas antigas tradições e alto padrão. Ele usa
métodos pouco ortodoxos para atingir seus alunos, que enfrentam enormes pressões de
seus pais e da escola. Com a ajuda de Keating, os alunos Neil Perry, Todd Anderson e
outros aprendem como não serem tão tímidos, seguir seus sonhos e aproveitar cada dia.
Como Keating lida com o conhecimento e com o conteúdo de literatura inglesa e com
seus estudantes simultaneamente?
Ele cava um lugar muito mais profundo sobre poesia, ele propõe experiências inusitadas
dentro de um colégio absurdamente rigoroso, a ponto de despertar nos estudantes um
desejo de uma vida muito mais significativa, os jovens literalmente passam a ser jovens
e não pequenos robôs estudando para se candidatarem a medicina. Uma relação com o
mundo para além das posses materiais, mas uma relação que valorize a boniteza de um
dia sem nuvens e todas as outras pequenezas do nosso cotidiano.
O filme apresenta dois co-protagonistas bem diferentes e que são extremamente impactos
pelo método do professor Keating. Neil Perry não é um novato, ele é um dos alunos mais
prestigiados do colégio, possui notas altíssimas e é bem conhecido entre os colegas de
turma. Mas fica extremamente intrigado e curioso com as aulas do professor, e
voluntariamente, funda a Sociedade dos Poetas Mortos, com outros colegas. Todd
Anderson é um novato, além de sua exacerbada timidez não se sabe muito sobre ele. Mas,
ele também aparece na primeira reunião da Sociedade dos Poetas Mortos, e o grupo
respeita seu momento de timidez, ele não faz nenhuma leitura ou declamação.
Keating encoraja seus estudantes o tempo todo, propõe atividades ao ar livre, com
declamações de poesia junto a chutes de bolas de futebol. E logo em sua segunda aula,
ele propõe que um dos estudantes faça a leitura da introdução de um livro didático de
poesia. Ao fim da leitura, ele exclama: “Excremento! É o que penso sobre a introdução
deste livro.” E logo após encoraja os estudantes a rasgar a primeira página do livro
didático que descrevia a poesia matematicamente. Como a jovem Paula de 13 anos, vendo
este filme pela primeira vez descreveria essa cena:
“Perfeita! Memorável! Revolucionária!”
O que a ainda jovem Paula de 23 anos vendo esse filme descreve essa cena:
“Eu adoraria fazer isso, mas com certeza seria demitida uma hora após. Como eu
consigo lidar com essa situação de um jeito que eu não venha a ter problemas com a
administração escolar e ao mesmo tempo não trabalhe com um livro tão conservador e
duro?”
O que o Keating faz de memorável durante sua breve passagem na Welton Academy é
propor experiências para os estudantes onde eles possam vivenciar a poesia. O famoso e
icônico “Carpe Diem” é mais do que tomar atitudes sem pensar nas consequências (como
o próprio professor fala em um momento do filme, após um dos alunos pregar uma peça
em toda a escola) é aproveitar o dia em sua pura essência. Como no momento em que ele
propõe que os estudantes subam em sua mesa para ver o mundo de outro ângulo, fazendo
uma metáfora com o modo como vemos o mundo e sempre podemos vê-lo de um jeito
diferente. Em um momento do filme, o professor se coloca entre as carteiras e pede que
os estudantes se aproximem porque ele contará um segredo e diz:
“Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para manter a vida. Mas
poesia, beleza, romance e amor são razões para ficar vivo.”
Essa é uma das frases que mais toca nesse filme, e que com certeza foi extremamente
motivadora para o co-protagonista Neil Perry decidir se aventurar no teatro, o que o leva
a fazer o teste para o personagem Puck, em uma montagem local da peça “Sonho de uma
noite de verão” de William Shakespeare. O que gera um conflito desastroso com sua
família.
Durante todo o filme, as aulas de Keating, ocasionam em atitudes dos estudantes, desde
atitudes que envolveram problemas para toda a escola, como quando Charles Dalton cola
um cartaz dizendo que deveriam haver meninas no colégio e é punido fisicamente pelo
diretor, até a primeira vez que Todd Anderson compõe uma poesia em frente sua turma
(que é também uma cena belíssima).
Mesmo assim, o filme tem um final muito trágico, ainda que apresente uma pontinha de
esperança com seu último quadro, a obra termina com uma certa derrota, fazendo uma
crítica ao “sistema”.
Quando Neil Perry se inscreve para o teste da peça e consegue o papel, ele tem uma
conversa com o professor Keating. Ele diz que tem medo que seu pai não aceite seus
sonhos, e o professor o aconselha a ter uma conversa franca e sincera com seu pai. Alguns
dias depois, Keating aborda Neil perguntando como foi a conversa com o pai. O jovem
diz que o pai não ficou feliz, mas o deixará participar da peça. Mas Neil mentiu, ele não
teve coragem de abordar o patriarca, que é uma figura extremamente conservadora
comum dos anos 1950 nos EUA. Neil estreia no espetáculo, escondido do pai, a peça é
aplaudida de pé pela plateia, mas na saída do teatro Neil vê seu pai, que descobriu sobre
a participação do filho no espetáculo por meio de uma vizinha. A situação é vergonhosa
para o jovem, o homem o leva para casa e lá o informa que o desmatriculou da Welton e
o transferiu para o um colégio militar onde ele estudará medicina e será médico. O jovem
só chora, ele tenta argumentar, mas não consegue. No meio da noite, Neil pega a arma de
seu pai em um armário de fácil acesso e atira contra a própria cabeça. A notícia do suicídio
do rapaz chegou rápido a seus amigos da Welton e consequentemente ao professor
Keating e a administração da escola. A escola demite o professor e o culpa por toda a
situação gerada com a família de Neil e inclusive pelo suicídio. Nos últimos minutos do
filme, vemos que nem tudo foi perdido, um dos professores que conversa com Keating
ao longo do filme e parece desaprovar seus métodos, está ao ar livre ensinando latim, o
que mostra que todas as suas atitudes tiveram um pequeno impacto. Além disso, o quadro
final mostra o diretor rigoroso da escola assumindo o posto de professor de literatura,
enquanto Keating recolhe seus pertences na sala de aula. E antes de sair, os estudantes
um a um, a começar por Todd Anderson, sobem nas carteiras e declamam a expressão
utilizada por Keating ao longo do filme: “Oh capitan! My Capitan!” e assim finaliza a
obra.
A sacada hollywoodiana desse filme é a seguinte: Nós te apresentamos um herói, um
professor incrível, um homem a frente do seu tempo, mas olhe o que o sistema fez com
ele. O sistema o destruiu e o sistema matou o jovem Neil Perry.
De modo algum pretendo relativizar o conservadorismo imposto pela escola e vivenciado
pelos jovens. Mas, seria John Keating realmente esse professor perfeito?

Mesmo sendo um professor que valoriza e ouve seus estudantes, raramente o vemos
conversando com seus colegas professores e em nenhum momento ele propõe algo que
integre a escola completamente. Nunca o vemos em reuniões de conselho de classe ou
debatendo questões que vão além do seu conteúdo e do seu método. É como se a escola
fosse um espaço e a aula de literatura fosse outro espaço, e ambas não estivessem
conectadas ou dependessem uma da outra. Obviamente, Hollywood não venderia um
filme onde professores debatem em conselho de classe, meus questionamentos são
puramente para problematizar o imaginário coletivo sobre o professor perfeito. E ai a
grande crítica não é ao filme ou as personagens, mas, a todo imaginário cultural
estadunidense que serve de base para essas narrativas heroicas. A maneira como este país
constrói essas figuras representativas impacta diretamente nos consumidores de filmes
hollywoodianos.
Como estrelas na Terra: Como outra cultura desenvolve a narrativa do docente em
uma obra cinematográfica
Como Estrelas na Terra é um filme indiano de 2007, dirigido e estrelado por Aamir Khan,
este filme é um pouco mais popular entre professores e estudantes de licenciatura, mas
não é um filme de Sessão da Tarde, que faz sucesso entre todos os públicos.
Como Estrelas na Terra faz parte da chamada Bollywood, que é a indústria de cinema de
língua hindi, a maior indústria de cinema indiana, em termos de lucros e popularidade a
nível nacional e internacional. O nome Bollywood surge da fusão de Bombaim (antigo
nome de Mumbai, cidade onde se concentra esta indústria), e de Hollywood. Contudo
este nome é utilizado por vezes para designar todo cinema indiano o que se trata de uma
utilização incorreta. Filmes da Bollywood costumam ser musicais e apresentar diversas
questões dentro de um mesmo enredo e também apresentam uma duração muito mais
extensa que os filmes estadunidenses que estamos acostumados. Este filme conta a
história de uma criança que sofre com dislexia e custa a ser compreendida. Ishaan
Awasthi, de 9 anos, já repetiu uma vez o terceiro período (no sistema educacional indiano)
e corre o risco de repetir de novo. As letras dançam em sua frente, como diz, e não
consegue acompanhar as aulas nem focar sua atenção. Seu pai acredita apenas na hipótese
de falta de disciplina e trata Ishaan com muita rudez e falta de sensibilidade. Após serem
chamados na escola para falar com a diretora, o pai do garoto decide levá-lo a um
internato, sem que a mãe possa dar opinião alguma. Tal atitude só faz regredir em Ishaan
a vontade de aprender e de ser uma criança. Ele visivelmente entra em depressão, sentindo
falta da mãe, do irmão mais velho, de casa. E como se não pudesse ficar pior, a filosofia
do internato é a de disciplinar cavalos selvagens.
Inesperadamente, um professor substituto de artes entra em cena e logo percebe que algo
de errado estava pairando sobre Ishaan. Não demorou para que o diagnóstico de dislexia
ficasse claro para ele, o que o leva a por em prática um ambicioso plano de resgatar aquele
garoto que havia perdido sua réstia de luz e vontade de viver.
A sinopse do filme, resumidamente, pode parecer que do outro lado do mundo, estamos
mais uma vez contando a mesma história dos filmes hollywoodianos: de um professor
salvador que aparece e resolve tudo. Não é bem assim.
O professor Nikumbh só consegue perceber os sintomas de dislexia em Ishaan porque ele
também é professor em uma escola para crianças especiais e está o tempo todo em
conversa com uma professora dessa escola sobre sua vivência nesse colégio interno.
Nikumbh é muito parecido com Keating, ele chega em sua primeira aula cantando e
dançando e fazendo a sala de aula se contagiar de tanta alegria, mas nenhuma de suas
graças cativa Ishaan que já está completamente angustiado. O professor junto à outro
estudante (amigo de Ishaan) e em diálogo com outros professores inicia um busca pelo
estudante, ouvindo-o, reconhecendo seus limites e lhe dando a atenção necessária, para
que aprenda em seu tempo e do seu jeito. Em um momento do filme, é possível ver o
professor Nikumbh indo visitar a família de Ishaan, para conversar com os pais sobre a
situação da criança. Eu não sei dizer se isso é uma coisa comum na cultura indiana, mas
certamente, uma parte do diálogo com certeza é um pouco irreal. O professor dá uma
lição de moral no pai do menino, tentando fazer com que ele entenda a situação do filho.
Ainda em diálogo com professores da escola para crianças especiais, Nikumbh percebe
que falta coisa no colégio interno e propõe então um concurso de pintura para toda a
comunidade escolar. E então, acontece uma das cenas mais lindas do filme, onde estão
estudantes e professores juntos sentados nas escadarias pintando. Ishaan chega um pouco
atrasado, mas se ajeita entre os colegas. No final, de todas as pinturas uma seria escolhida
para ser a capa do anuário da escola, na banca de decisão estava uma artista convidada e
o diretor do colégio. Quando Ishaan termina sua pintura, ele desce a escada e vai até o
professor Nikumbh que está finalizando a sua também, e novamente temos uma cena
lindíssima, onde Ishaan vê que o professor o retratou em sua pintura. E Nikumbh se
emociona com a pintura do estudante que é seu mundo, cheio de cores e formas.
Ao final do filme, a competição fica empatada entre os dois, e as duas pinturas vão para
o anuário, uma como capa e a outra como verso. Ishaan volta a ser uma criança normal,
segue feliz e serelepe, e Nikumbh é contratado como professor efetivo do colégio.
Alguns vão dizer que o conteúdo de artes dá tal liberdade para o professor atuar dessa
forma. E eu concordo com isso, mas não acredito que a metodologia esteja associada
apenas ao conteúdo.
O que os dois filmes tem em comum e no que se diferem e o que podemos aprender
com eles?
Primeiro, muitos homens. Os dois filmes se passam em colégios internos masculinos para
classe média-alta e as figuras docentes são masculinas. E as mulheres são quase invisíveis.
Em Como Estrelas na Terra, algumas figuras femininas aparecem mais, mas nunca em
algum destaque específico. Segundo, os dois filmes apresentam professores com
metodologias não convencionais que cativam estudantes e apresentam uma nova forma
de aprender e viver a aprendizagem e a escola. Mas, como eles podem ter finais tão
diferentes tendo quase o mesmo arquétipo da figura do docente?
Em Sociedade dos Poetas Mortos, Keating é um professor incrível, e tudo é centrado nele
e apenas nele. No seu método, nas suas falas, na sua presença. Ele é o nosso herói. Mesmo
com todas as questões do colégio, ele nunca as aborda com a direção ou com colegas
professores, ele se rebela contra elas com os alunos, e os encoraja a se rebelar também. E
como sabemos, isso não termina bem nem pra ele e nem pros alunos.
Em Como Estrelas na Terra, apesar do filme lidar com uma questão que envolve a
dislexia. Nikumbh não é o nosso herói perfeito. Ele sofre e em diversos momentos não
sabe o que fazer e até tem um surto de raiva com o pai de Ishaan. Ele está sempre em
diálogo com colegas professoras, desabafando e refletindo junto sobre possíveis soluções.
Em um determinado momento, ele dialoga com a direção do colégio interno e assume que
se responsabilizará por aulas individuais de alfabetização para Ishaan, bem como
atividades que trabalhem a coordenação motora e atividades que ajudem a melhorar a
autoestima da criança. Fica óbvio, que Nikumbh se propõe a isso porque fica
particularmente tocado da maneira de como o garoto é tratado no colégio, inclusive
quando ele fala com os pais e com o diretor sobre a condição de dislexia e é surpreendido
com falas do tipo: “Meu filho não é um retardado mental.” “Mas esse aluno não tem
condições de estudar aqui, ele tem que ir pra escola de retardados mentais”. Sendo ele
também um professor de uma escola para crianças com necessidades especiais, naquele
momento ele se viu apto a desenvolver as atividades com o garoto e de inclusive mostrar
aos pais e a direção que com a atenção adequada, o garoto poderia ser apresentar
progressos. E ao longo na narrativa, percebemos que ele propõe atividades para todo o
colégio, como o campeonato de pinturas, integrando professores e educandos. O final é o
melhor possível, que alivia muito nossos corações depois de duas horas de muita angústia
(sim, é um filme longo!), Ishaan depois de um longo processo já sabe ler e escrever, se
tornou novamente um menino ativo e bastante animado.
E aqui, podemos retornar no texto de Mary Dalton, onde ela finaliza dizendo que
professores de hollywood propõe mudanças que não são efetivas nas vidas dos estudantes
e nem nas escolas. Dado o fato, que normalmente esses professores retratados nos filmes
são demitidos das escolas ou acabam pedindo demissão.
O caso de Como Estrelas na Terra é diferente porque o filme está incluído em outro
imaginário coletivo sobre o ser-professor e em outra cultura, e apesar das semelhanças, o
filme não deixa de retratar o ser humano, o professor que tem dúvidas, que se sente
perdido, que sofre e que erra e acerta. Mas sempre em diálogo com outros docentes e seus
feitios se expandem para toda comunidade escolar, ele assume uma postura firme em
relação ao que defende, mas nunca de desrespeito aos outros colegas ou à direção do
colégio.
Nas relações de aluno-professor-conhecimento vemos que por mais que os métodos de
Keating sejam inovadores e bem incomuns para a época é algo que vem dele, ele não
constrói na escola em sintonia com as necessidades de seus estudantes, não há um
momento diagnóstico inclusive, as aulas, por mais legais e incríveis que parecem, são
meio soltas no ar e sempre terminam com uma frase de efeito magnífica. Não vemos o
professor pensando A escola, ele sempre está envolvido com A SUA aula. E faz parte do
filme hollywoodiano na construção do herói e depois na criação do vilão, no caso o
sistema educacional. Mas veja bem, em Como Estrelas na Terra, também temos um
sistema educacional conservador que incentiva a competição e mesmo assim tivemos
finais diferentes, porque a construção e o desenvolvimento dos personagens docentes nos
filmes são completamente diferentes. Minha intenção não é condenar um professor
fictício em detrimento a outro, mas analisar como essas culturas diferentes representam
as figuras docentes e como essas representações nos impactam enquanto público.

Como ser uma boa professora ou como ser um bom professor?


Em breve nos cinemas, após o fim da pandemia
Não tem receita e nem arquétipo que responda a essa pergunta. Os dois filmes nos
mostram muitas coisas: o que fazer e o que não fazer. A boa professora ou o bom professor
existe na escola para além de sua aula. Ele ouve, ele vê e planeja com base no que ouve
e no que vê. Ele se cansa, ele começa tudo de novo, ele erra. São humanos que não são
dotados superpoderes resolvedores de problemas ambulantes.
O que eu puder observar em A Sociedade dos Poetas Mortos: Nossa metodologia pode
ser incrível, mas se ela não é fruto do diagnóstico de necessidades, então ela não vai ser
duradoura. Nós não somos o centro do universo, nem tudo é sobre a nossa aula. Nós
podemos sempre encorajar, mas com bastante responsabilidade e sempre que possível em
contato com a família.
O que eu pude observar em Como Estrelas na Terra: Metodologias inusitadas não
chamam atenção de todo mundo, e tudo bem! Mas descobrir o porquê é interesse. Não
somos heróis, a escola é uma comunidade que se constrói junto e muitas vezes em parceria
com professores de outras escolas e de outras realidades. O cuidado com o estudante vai
além de somente propor coisas novas para ele. E por mais batido que possa ser dizer isso:
O caminho pautado no diálogo e em um trabalho contínuo tende a dar mais frutos e durar
por mais tempo.
Dito tudo isso, devemos parar de ver filmes hollywoodianos sobre docentes? Eu acho que
não, eu não vou parar. Mas abrir o leque é uma boa opção, buscar por outros cinemas,
outras culturas, outras formas de narrar a docência pode ser muito interessante para
observamos como as culturas de diferentes civilizações enxergam a profissão de
professor/a e refletirmos sobre isso. Afinal de contas, o que está no hype pode ser cobrado
de nós em algum momento. Imagine você entrando no seu primeiro dia de aula na escola
e os alunos te indagam: “Você não vai entrar cantando e soltando fogos de artifício? Eu
vi em um filme que professores novos fazem isso.”

Referências
DALTON, Mary. O currículo de Hollywood: quem é o bom professor, quem é a boa
professora? Educação e Realidade, v. 21, n. 1, jan./jun. p.97-122, 1996.
FERREIRA, Susana C. Professores e professoras nos filmes, história e papéis sociais.
Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.4, n. 1, p.85-96, jan./jun. 2009.
SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção de Peter Weir. Estados Unidos, 1989. 1 DVD
(128 min.).
COMO Estrelas na Terra. Direção de Aamir Khan. Índia, 2007. 1 DVD (165min)

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