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Neurobiologia I

2022-2023
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Índice

1. Introdução 2
2. Evolução dos conceitos sobre o sistema ervoso 6
3. Métodos de investigação do sistema nervoso 14
4. A célula 25
5. Genética reprodução e desenvolvimento 35
6. Estrutura microscópica do sistema nervoso 44
7. Sinalização electroquímica 51
8. Estrutura macroscópica do sistema nervoso 58
9. Sistemas motores 74
10. Sistemas sensoriais 84
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1 - Introdução à neurobiologia

Sumário
1. Marcello Malpighi
2. Luigi Galvani
3. Santiago Ramón y Cajal
4. Jean Pierre Lamarck
5. Biologia
6. Neurobiologia

A humanidade tem progredido, em passos lentos, de um mundo cheio de mitos e


mistérios para um mundo de racionalidade científica. Esta evolução tem-se reflectido no
estudo do sistema nervoso que tem intrigado filósofos e cientistas ao longo dos séculos.
Alimenta-se a esperança de vir a compreender os segredos do espírito humana através
do estudo do cérebro.
O sistema nervoso dirige e regula todos os processos corporais e é o mais sofisticado
dos nossos órgãos. É através do cérebro que respondemos ao meio envolvente, que
comunicamos com os outros, que temos consciência de nós próprios e que nos
examinamos.
À primeira vista, o encéfalo é formado por cerca de 1,3 Kg de massa gelatinosa e
enrugada. Contudo esta massa gelatinosa é de uma grande complexidade e é através
dela que nos tornamos humanos. Já se fazem transplantes de vários órgãos como
coração, fígado, rins e até membros mas é impensável fazer um transplante de cérebro.
Se um transplante de cérebro vier a ser tecnicamente possível levantará grandes
problemas éticos.
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Fig. 1- Marcello Malpighi (1628-1694)

O funcionamento do sistema nervoso assenta numa célula, chamada neurónio, que tem
capacidade para produzir e transmitir estímulos. A insuficiência de meios ópticos
dificultou o estudo dos tecidos dos seres vivos ao longo dos séculos. Marcello
Malpighi (1628-1694) anatomista Italiano fez observações microscópicas do cérebro
humano descrevendo as células piramidais (Fig. 1). Os avanços na fixação e coloração
dos tecidos permitiram a Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), histologista Espanhol,
demonstrar que os neurónios não eram uma rede contínua mas que estavam separados
comunicando entre si. A esta zona de comunicação entre os neurónios chama-se sinapse
(Fig. 2).

Fig. 2 - Santiago Ramón y Cajal (1852-1934)

O cérebro tem mais 100.000 milhões de neurónios (1011) e que cada um destes
neurónios pode estabelecer 1.000 a 100.000 sinapses com outros neurónios num total de
(1016) sinapses. Pensa-se que morrem em média 50.000 neurónios por dia que não são
substituídos. Contudo as células do corpo humano estão em constante renovação. Cerca
de 1.000 milhões de células novas substituem hora a hora as células antigas. Isto leva a
que qualquer parte do corpo seja mais nova que o todo.
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Luigi Galvani (1737-1798), médico Italiano, demonstrou a importância da electricidade


na condução nervosa e contracção muscular criando as bases da electrofisiologia (Fig.
3).

Fig. 3 - Luigi Galvani (1737-1798)

Os modernos conhecimentos de informática ajudam-nos a compreender o sistema


nervoso. O funcionamento do neurónio é semelhante ao sistema binário usado nos
computadores. O zero corresponde ao neurónio em repouso e um ao neurónio activo.
Tal como nos computadores podemos dizer que no sistema nervoso existe hardware que
são os neurónios e software que são as ideias. Em 1997 o supercomputador Deep Blue
venceu o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. A vitória foi devida ao
computador conseguir avaliar 200 milhões de jogadas em cada segundo enquanto um
jogador não vai além de três. Contudo um supercomputador pesa mais, ocupa mais
espaço e consome mais energia do que o cérebro humano. Para além das limitações
anteriores o supercomputador é muito inferior ao cérebro humano na resolução de
problemas novos para os quais não foi programado.
Os avanços nas técnicas de imagem durante os últimos anos têm contribuído de uma
forma decisiva para a compreensão do sistema nervoso. A Tomografia axial
computorizada (TAC) e mais recentemente a ressonância magnética (RM) vieram
permitir ver, com grande detalhe, o cérebro em vida. Com a ressonância magnética
funcional é possível ver quais as zonas cerebrais que entram em funcionamento em
diversas actividades. Podemos pois dizer que a ressonância magnética simples está para
a funcional como uma fotografia está para um filme.
Tudo o que contribua para o conhecimento do sistema nervoso, independentemente da
perspectiva em que o estudo é feito, pode ajudar a reduzir o sofrimento daqueles que
padecem de sequelas de acidente vascular cerebral, depressão, esquizofrenia,
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toxicodependência, esclerose em placas, Parkinson, epilepsia ou Alzheimer só para


mencionar algumas das situações que afectam o sistema nervoso.

Fig. 4 - Jean Pierre Lamarck (1744-1829)

O termo biologia foi introduzido em 1802 por Jean Pierre Lamarck (1744-1829),
naturalista Francês que pretendeu escrever um livro sobre Biologia (Fig. 4) . A biologia
é uma ciência que estuda a vida, os seres vivos e as suas relações com o ambiente. A
neurobiologia é um ramo da biologia. O objectivo da neurobiologia é conhecer os
processos biológicos subjacentes ao funcionamento do sistema nervoso. Estuda as
células nervosas, a sua envolvente e a forma como as células se organizam em circuitos
funcionais para processar a informação e determinar o comportamento. Um dos grandes
segredos do sistema nervoso é a base biológica da consciência. A neurobiologia analisa
o comportamento em termos de actividade neuronal. É possível explicar algumas das
reacções dos seres humanos através de neurotransmissores que circulam no sistema
nervoso. Algumas destas substâncias já foram sintetizadas e estão inclusivamente
disponíveis no mercado.
Embora muitos dos mistérios sobre o sistema nervoso estejam por descobrir,
nomeadamente o que nos torna conscientes, os avanços nas últimas décadas foram
extraordinários.
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2. Evolução dos conceitos sobre o sistema nervoso

Sumário

1. Pré-história
2. Antigo Egipto
3. Grécia e Roma
4. Renascimento
5. Séculos XVIII e XIX
6. Século XX
7. Século XXI

A evolução dos conhecimentos sobre o sistema nervoso tem sido muito lenta e com
constantes avanços e recuos. Hoje em dia qualquer pessoa sabe qual a importância do
sistema nervoso. Contudo durante muito tempo discutiu-se qual a parte do corpo
humano ocupada pela mente. Sabemos que o conhecimento do cérebro é difícil porque é
o próprio cérebro que tenta desvendar os seus mistérios.

2. Pré-história
A trepanação consiste na abertura da calote craniana permitindo o acesso ao seu interior.
Sabemos hoje em dia que este tipo de cirurgia começou a ser praticado no Neolítico ou
seja há cerca de 10.000 anos. Para conseguirem cortar o osso da calote craniana usavam
lascas de sílex. Desconhecemos qual o motivo deste acto não só ousado como perigoso.
Sabemos que as pessoas sobreviviam a esta cirurgia porque os crânios encontrados
apresentam sinais de cicatrização evidenciando um calo ósseo (Fig.1). Em Portugal nas
estações neolíticas (Casa da Moura, Gruta das Fontainhas e Gruta da Furninha) foram
encontrados crânios com trepanações incompletas.
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Fig. 1 – Crânio com sinais de trepanação em vida .

3. Antigo Egipto
Os Egípcios, apesar de tentarem preservar o corpo após a morte num estado o mais
perfeito possível, prestavam pouca atenção ao cérebro. Este era retirado através do nariz
com uma espécie de colher. O coração devia ser preservado porque era o órgão mais
importante. Contudo alguns egípcios conheciam a importância do cérebro. Foi
descoberto um papiro egípcio escrito em hieróglifos, provavelmente no Antigo Império,
e que viria a ser traduzido por James Breasted em 1930 (Fig. 2). Este papiro, que fazia
parte de um tratado de cirurgia, descrevia lesões traumáticas cranianas que se
acompanhavam de alterações motoras ou da linguagem. Relacionava também as
fracturas da coluna cervical com a paralisia dos quatro membros.

Fig. 2 – Palavra encéfalo escrita em hieróglifos no


papiro traduzido por James Breasted em 1930

4. Grécia e Roma
4.1. Hipócrates (469-379 a.C.) Ainda hoje existe um grande plátano na ilha de Cós
debaixo do qual os jovens eram iniciados na arte da medicina e prestavam o chamado
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juramento de Hipócrates. Hipócrates e a sua escola sabiam que a epilepsia (doença


sagrada) e a loucura resultavam de lesões cerebrais. “Não só o nosso prazer, a nossa
alegria e riso, como ainda a nossa tristeza, dor, sofrimento e lágrimas decorrem do
cérebro, e só deste. Com ele pensamos e compreendemos, vemos e ouvimos, e
discriminamos entre o feio e o belo, entre o que é agradável e o que não o é, entre o bem
e o mal.” Através destas linhas podemos apreciar a importância dada ao cérebro.
Hipócrates tinha um profundo conhecimento do sofrimento humano e preocupava-se em
demonstrar que a dor podia ser tratada não sendo necessário recorrer a magia. No seu
tratado Corpus Hippocraticum descreve um instrumento chamado trepano que servia
para abrir um orifício no crânio, a chamada trepanação.
4.2. Platão (427 – 347 a.C.) tinha 31 anos quando Sócrates (470 – 399 a.C.) foi
assassinado. Platão estudou com Sócrates e veio a ensinar Aristóteles. Platão rejeitava a
experiência e a observação porque considerava que os sentidos eram fonte de erros. Para
ele o cérebro era a base da vida e do pensamento.
4.3. Aristóteles (384-322 a.C.) desvalorizou a importância do cérebro dando mais
importância ao coração. A função do cérebro era relegada para plano secundário
destinando-se a arrefecer o sangue. O coração era a sede do pensar e do sentir e a sua
importância era tão grande que quando deixava de bater era sinal de morte. A própria
poesia sempre defendeu uma posição semelhante conferindo ao coração a importância
dos nossos sentimentos.
4.4. Galeno (129-200 d.C.) foi um grande anatomista tendo descrito as cavidades
ventriculares em número de quatro no interior do cérebro. Considerou que os lobos
cerebrais eram os destinatários das sensações e que o cerebelo comandava os músculos.
As ideias de Galeno embora com erros prevaleceram perto de 1500 anos.

5. Renascimento
5.1. Leonardo da Vinci (1452–1519) uma das mais importantes figuras do
renascimento italiano interessou-se pela anatomia, biologia e fisiologia. Os primeiros
desenhos sobre o cérebro baseavam-se em textos antigos pelo que o sistema ventricular
era desenhado de uma forma que nada tinha a ver com a realidade anatómica (Fig. 3).
Anos mais tarde os seus desenhos são já fruto das dissecções que realizou e da injecção
do sistema ventricular com parafina. Estes últimos desenhos já se aproximavam muito
da realidade que conhecemos hoje.
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Fig. 3 – Desenhos de Leonard da Vinci sobre o sistema ventricular. O primeiro desenho deve ter sido
feito com base em textos antigos e está incorrecto. O segundo desenho aproxima-se muito da realidade.

5.2. Andreas Vesálio (1514-1563). Foi professor de anatomia e em 1543 publicou De


humani corporis fabrica que foi considerado um escândalo por corrigir alguns erros de
Galeno (Fig. 4). Esta ousadia levou-o a enfrentar numerosas críticas e ameaças
acabando por queimar todos os seus estudos por publicar. Tornou-se médico do
Imperador Carlos V e mais tarde de Filipe II. Enquanto médico de Filipe II operou com
êxito o seu filho D. Carlos. Na sequência de uma queda a criança ficou em coma.
Embora haja poucos pormenores sobre a cirurgia pensa-se que consistiu numa
trepanação para drenagem de um hematoma epidural. Vesálio também cometeu erros
nomeadamente ao descrever os nervos cranianos, considerando que eram sete e não
doze. Pela importância dos seus trabalhos anatómicos é considerado o pai da anatomia.

Fig. 4 – Desenho representando um corte dos hemisférios cerebrais passando


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pelos ventrículos laterais De Humani Corporis Fabrica escrito por Vesalius.

5.3. Hieronymus Bosch (1543-1516) membro de uma família de artistas da Flandres


tem uma obra repleta de visões estranhas em que o céu e o inferno parecem travar uma
batalha. Um dos quadros conhecido pela Excisão da Pedra da loucura, que se encontra
no museu do Prado, representa uma trepanação feita na presença de um padre e de uma
freira (Fig. 5). Este quadro pode ser só uma sátira, mas na realidade, representa uma
prática com milhares de anos.

Fig.5 – A excisão da pedra da loucura é um exemplo de trepanação. Representação de


parte do quadro pintado por Bosch. Museu do Prado, Madrid.

5.4. René Descartes (1596–1650) defendeu o dualismo separando o corpo da alma. A


glândula pineal situada na porção posterior do III ventrículo fazia a ligação entre alma e
corpo (Fig. 6). O líquido existente no sistema ventricular circulava pelos nervos até aos
músculos desencadeando a sua contracção. Escreveu em 1644 O tratado do homem que
é considerado o primeiro tratado de fisiologia.
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Fig. 6 – Descartes considerava que a glândula pineal, aqui representada,


fazia a ligação entre o corpo e alma.
6. Séculos XVIII e XIX
6.1. Luigi Galvani (1737-1798) verificou que a acção dos nervos sobre os músculos
podia ser desencadeada por uma corrente eléctrica. Criou os fundamentos da
electrofisiologia compreendendo que as células nervosas usam a corrente eléctrica para
conduzir os estímulos. Afastou a teoria mecânica de Descartes em que os nervos eram
tubos que conduziam um líquido que produzia o movimento muscular. Os nervos
deixaram de ser comparados a tubos e passaram a ser comparados a fios eléctricos.
6.2. Franz Joseph Gall (1758-1828) era um médico Austríaco que criou uma teoria
chamada Frenologia. Segundo esta teoria cada parte do cérebro correspondia a uma
função que podia ser avaliada através da medição das proeminências ósseas da calote
craniana (Fig. 7). Embora esta teoria estivesse errada teve o mérito de chamar a atenção
para a importância das diferentes áreas cerebrais estabelecendo uma ligação entre
função e localização cerebral.

Fig. 7 – Mapa Frenológico da região craniana posterior. Os números identificam áreas que segundo Gall
depois de medidas davam informações sobre as capacidades do indivíduo.

6.3. Pierre-Paul Broca (1824-1880) foi um médico francês que trabalhou em Paris.
Baseado em dados clínicos e de autópsia identificou uma área na lobo frontal esquerdo
responsável pela linguagem. Esta área ainda hoje conserva o nome de área de Broca.
Era também um antropologista e foi dos primeiros a chamar a atenção para as
trepanações nos crânios pré-históricos, demonstrando que as lesões tinham sido feitas
em vida.
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7. Século XX
7.1. Camilo Golgi (1834-1926) era professor da Faculdade de Medicina em Pádua e
conseguiu corar os neurónios com o auxílio de sais de prata. Defendia que as células
nervosas se encontravam em continuidade formando uma rede nervosa difusa.
7.2. Santiago Ramon y Cajal (1852-1934) foi um histologista Espanhol que usando as
técnicas de coloração de Golgi compreendeu que as células nervosas são unidades
individuais que se articulam entre si. Defendeu a chamada teoria neuronal que viria a
ser comprovada com o aparecimento do microscópio electrónico nos anos 50.
Camilo Golgi e Santiago Ramon y Cajal são dois nomes indiscutivelmente ligados aos
avanços conseguidos na microscopia do sistema nervoso no século XX. O prémio Nobel
da Medicina foi-lhes entregue em 1906.
7.3. Sigmund Freud (1856 -1939) foi professor de histologia tendo publicado obras
sobre neuropatologia e neurologia. Mais tarde dedica-se ao estudo do inconsciente
cerebral criando a psicanálise. Há quem afirme que Freud está de volta porque as
descrições neurobiológicas funcionam com as suas teorias. A amnésia infantil, refente
aos dois primeiros anos de vida, descrita por Freud, é hoje explicada pela
neurobiologia. O processo lento de maturação das estruturas da memória é a explicação
desta amnésia.
7.3. Hans Berger (1873-1924), de nacionalidade Alemã, cria em 1924 um
procedimento que permite registar a actividade do cérebro: o electroencefalograma
(E.E.G.). Através da colocação de eléctrodos no couro cabeludo Berger descreve os
ritmos alfa e beta e as suas alterações nos epilépticos.
7.4. Jame Papez (1883-1958) foi um neuroanatomista Americano que estabeleceu a
ligação entre as alterações emocionais dos doentes com raiva e as lesões provocadas
pelo vírus no sistema límbico. Posteriormente identifica o sistema límbico como o local
das emoções.
7.5. Egas Moniz (1874-1955) desenvolveu um importante trabalho em torno do sistema
nervoso. Idealizou uma cirurgia para acalmar os doentes psiquiátricos. A cirurgia
consistia em seccionar fibras do lobo frontal através de uma trepanação. Foi-lhe
concedido o Prémio Nobel em 1949 por esta técnica conhecida pelo nome de
leucotomia frontal.
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Fig. 4 – Técnica da trepanação bifrontal usada por Egas Moniz para a leucotomia.

Só nos anos 50 surgiria a cloropromazina o primeiro medicamento eficaz sobre o


cérebro. Embora a leucotomia tenha sido abandonada continua a ser usada outra das
suas descobertas a angiografia cerebral. Através da injecção de uma substância
radiopaca é possível visualizar as artérias intracranianas.

8. Século XXI
O desafio do estudo do sistema nervoso não parou e é provável que o século XXI seja o
século do sistema nervoso. Enquanto durante séculos o estudo foi desenvolvido de
forma mais ao menos individual e com meios escassos, actualmente há uma conjugação
de esforços que incluem várias áreas das neurociências. Psicólogos, psiquiatras,
neurologistas, neurocirurgiões, neuroanestesistas, neurooftalmologistas, neurobiólogos,
neurofisiologistas, neuroquímicos, neuropatologistas, neuroanatomistas,
neurofarmacologistas e neuroteologos, dispõem de ferramentas adequadas para ajudar a
tratar as doenças e a desvendar os mistérios do sistema nervoso.
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3. Métodos de investigação do sistema nervoso

Sumário

1. História e observação
2. Análise de sangue e urina
3. Exames de imagem
4. Exames electrofisiológicos
5. Análise do liquor
6. Biopsia de nervo e músculo
7. Biopsia de cérebro

Os métodos de estudo do sistema nervoso destinam-se, em especial, a fazer


um diagnóstico e um prognóstico de forma a utilizar a terapêutica mais
adequada. Contudo, podem ser usados para estudar o funcionamento do
sistema nervoso. Em qualquer dos casos é necessário ter em conta o
interesse do doente e da sua família e respeitar os princípios éticos. Uma
boa regra é pensarmos se estaríamos dispostos a ser sujeitos a determinada
investigação se fossemos nós o doente. Os métodos de imagem, não
invasivos, como a TAC e a RM permitem-nos chegar a conclusões, que no
tempo em que Broca (1824-1880) identificou a área da linguagem, só eram
possíveis com a autópsia.
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2. História e exame do doente


Em primeiro lugar é necessário ouvir a história que o doente conta,
passando-se depois à observação. Após estas duas fases é possível colocar
as hipóteses diagnosticas. Com o auxílio de exames complementares é
possível chegar ao diagnóstico final. Hipócrates (469-379 a.C.) foi um
mestre a valorizar a história e observação do doente.

3. Análises de sangue e urina


Existe hoje em dia um grande número de análises ao sangue, urina e outros
fluidos. Uma situação de coma pode ser esclarecida pelo doseamento da
glicose no sangue. Tanto valores elevados de glicose no sangue como
muito baixos podem conduzir ao coma. Um coma por intoxicação
medicamentosa pode ser esclarecido pelo doseamento da substância tóxica
na urina. Por exemplo o chumbo é um metal tóxico para os nervos
periféricos podendo causar uma neuropatia. O doseamento do chumbo no
sangue pode confirmar o diagnóstico.

4. Exames de imagem
4.1. Radiografia simples (Rx)
A descoberta dos raios X, em 1895, por Wilhelm Röntgen (1845-1923)
veio revolucionar a medicina. Contudo, embora a radiografia simples
(Fig.1) seja boa para ver uma fractura, não permite ver o sistema nervoso.
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Fig. 1 – Radiografia simples de crânio perfil. Não é possível ver o encéfalo.

4.2. Tomografia axial computorizada (TAC)


A TAC foi introduzida nos anos 70 (Fig. 2). Usa um feixe de raios X
disparado em várias direcções num plano seleccionado. A informação
recolhida é tratada por um computador que produz uma imagem
semelhante a uma fatia do corpo humano.

Fig. 2 – Aparelho de tomografia axial computorizada (TAC)

Este exame está muito divulgado e permite ver as lesões do sistema


nervoso quer cranianas quer raquidianas (Fig. 3). A resolução do exame
não é igual para todas as zonas do sistema nervoso. É mais fraca na fossa
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posterior (que inclui o cerebelo e tronco cerebral), na coluna cervical e na


coluna dorsal.

Fig. 3 – Imagem de TAC crânio encefálico. O corte passa pelos ventrículos laterais.

4.3. Ressonância magnética (RM)


A RM permite ver o sistema nervoso com grande detalhe em toda a sua
extensão. Tem a vantagem de não usar raios X. A técnica baseia-se na
utilização de um forte íman cerca de 30.000 vezes superior ao campo
magnético da terra (Fig. 4) .
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Fig. 4 – Aparelho de ressonância magnética (RM).

Este campo magnético orienta os núcleos dos átomos do tecido que se quer
estudar. Em seguida é aplicada uma energia, na frequência das ondas de
rádio, no plano que se pretende estudar (Fig. 5).

Fig. 5 – Imagem de RM crânio encefálico. O corte passa pelos ventrículos laterais.

A ressonância magnética funcional (RMf) está ainda pouco divulgada


mas permite ver qual a área do cérebro que está em funcionamento durante
a estimulação sensorial ou operações cognitivas. Baseia-se na medição do
consumo de oxigénio. A forma oxigenada da hemoglobina tem um sinal
diferente em (RMf) da hemoglobina que doou o oxigénio. Para além do
interesse em investigação sobre o funcionamento do cérebro tem também
interesse terapêutico ao poder mostrar se uma lesão cerebral envolve uma
área nobre.
4.4. Angiografia cerebral
A angiografia cerebral foi descoberta por Egas Moniz (1874-1955) e
permite visualizar os vasos sanguíneos que envolvem o sistema nervoso. É
um método invasivo em que é introduzido um cateter na virilha, através da
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artéria femoral, até ao vaso que se quer estudar. Em seguida é injectado um


contraste iodado que permite visualizar os vasos sanguíneos (Fig. 6).

Fig. 6 – Angiografia cerebral visualizando-se a artéria carótida interna e os seus ramos.

Quer a TAC quer a RM podem substituir em alguns casos a angiografia


com menos riscos para o doente. No chamado teste de Wada, descrito por
Juhn Wada (nascido em 1924) em vez de contraste injecta-se um
barbitúrico no cateter que vai adormecer a zona do cérebro alimentada pelo
vaso. Seguidamente podem fazer-se testes neuropsicológicos para avaliar a
importância da zona que ficou adormecida.
4.5. Tomografia de emissão de positrões (TEP)
A TEP foi desenvolvida nos anos 70 e baseia-se na administração, na
corrente sanguínea, de uma substância radioactiva com átomos que emitem
positrões. Esta substância é ligada a uma glicose que é utilizada pelos
neurónios. Quanto mais activos estiverem os neurónios mais glicose
consomem e mais positrões libertam (Fig. 7).
20

Fig. 7– Tomografia de emissão de positrões demonstrando


actividade na área de Wernicke.

Trata-se de uma técnica pouco difundida e que tem vindo a ser substituída
pela ressonância magnética funcional.

5. Exames electrofisiológicos
5.1. Electroencefalograma (EEG)
O EEG mede a actividade eléctrica e os ritmos do cérebro. É um método
não invasivo e indolor. O impulso eléctrico registado é o somatório de
milhares de neurónios activados em conjunto. Os ritmos do EEG variam
com os níveis de atenção sono ou vigília (Fig. 8).

Fig. 8 – Quatro ondas diferentes no EEG. De cima


para baixo; beta, alfa, teta e delta
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Os ritmos beta, mais de 14 Hz, são os mais rápidos e significam que o


córtex está activado. O ritmo alfa situa-se entre os 8 e 13 Hz e está
associado a situações repouso. O ritmo teta, com frequência entre 4 e 7
Hz, surge durante o sono. O ritmo delta menos de 4 Hz indica o sono
profundo. O EEG tem muito interesse no estudo dos doentes com epilepsia
(Fig. 9).

Fig. 9 – EEG de um doente em que a seta marca


o início de crise epiléptica.

5.2. Electromiograma (EMG)


O EMG inclui o registo da actividade eléctrica muscular e tem interesse no
estudo das doenças musculares. Os testes de condução dos nervos
envolvem a estimulação dos nervos sensitivos e motores. O nervo é
estimulado num ponto e é registada a progressão do impulso ao longo do
seu trajecto. No caso de haver uma lesão da mielina a velocidade de
condução está reduzida. Se pelo contrário a lesão for a nível do axónio a
velocidade é normal mas a resposta é mais fraca.
5.3. Potenciais evocados (PE)
Os PE implicam a estimulação de um receptor (olho, ouvido ou nervo
periférico) e a medição da resposta cortical. Podem ser potenciais evocados
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visuais, auditivos ou somato-sensoriais. O mais usado é visual para o


diagnóstico de esclerose em placas.
5.4. Testes de estimulação cortical
Estes testes ainda pertencem ao domínio da investigação. Baseiam-se na
estimulação do córtex motor e na medição do tempo de resposta do grupo
muscular dependente dessa zona cortical. Têm interesse no estudo da via
piramidal.

6. Estudo do líquido céfalo-raquidiano (LCR)


O LCR é produzido no interior do sistema ventricular e circula à volta do
encéfalo e medula. Normalmente é colhido para análise através de uma
punção na região lombar (Fig. 10).

Fig. 10 – Punção lombar para estudo do LCR. A agulha é introduzida


através da pele da região lombar entre L3 e L4 .

O LCR é incolor podendo ser turvo em caso de meningite ou hemático em


caso de hemorragia. É habitual contar o número de células existentes no
LCR, pesquisar a existência de bactérias e dosear a glicose e as proteínas.
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7. Biopsia de nervo e músculo


Quando se suspeita de uma doença do nervo (neuropatia) ou do músculo
(miopatia) é frequente confirmar o diagnóstico com o EMG e com uma
biopsia. A biopsia de músculo não levanta problemas, mas a biopsia de
nervo tem de ser feita num nervo secundário e de forma parcial não
destruindo a continuidade do mesmo para não agravar as queixas do
doente.

8. Biopsia cerebral
O diagnóstico de lesões que invadem o encéfalo obriga na maior parte dos
casos a fazer uma biopsia da lesão.

Fig. 11 –Imagens obtidas através de um aparelho de neuronavegação usado em neurocirurgia. O trajecto


até à lesão temporal esquerda é assinalado na imagem.

Isto porque os exames de imagem não são suficientemente específicos para


chegar a um diagnóstico de certeza. Os aparelhos de neuronavegação
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permitem localizar as lesões com maior segurança (Fig.11). O material


retirado é observado ao microscópio para identificar a lesão.
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4. A célula

Sumário

1. Teoria celular
2. Tipos de células
3. Variedade de células animais
4. Componentes das células animais
5. Transporte de substâncias
6. Ciclo celular
7. Célula neoplásica e morte celular

1. Teoria celular

A invenção do microscópio no século XVII permitiu ver um mundo até aí


desconhecido. O olho humano consegue ver estruturas até um décimo de
milímetro (Fig. 1) e o microscópio óptico vai até um milésimo do
milímetro (1 mícron). A maior parte das células animais têm cerca de 10 a
30 mícron sendo invisíveis a olho nu. Contudo foi necessário esperar por
Rudolf Virchow (1821-1902) para se enunciar a teoria celular. Até aí
acreditava-se na geração espontânea pensando-se que as células podiam
surgir de detritos. Através da teoria celular clarificou-se que todos os seres
vivos são formados por uma ou mais células, a mais pequena unidade
funcional de um ser vivo é a célula e todas as células resultam de outras
células. Sabe-se hoje em dia que a célula é mais pequena unidade de viva
capaz de existência independente. A célula tem capacidade para absorver
os nutrientes, extrair energia e excretar os detritos desnecessários. Pode
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reproduzir-se, reagir ao exterior e manter uma concentração interna


diferente do meio que as rodeia.

Mícron Nanometro Angstrom Olho Microscópio Microscópio


Milímetro
 nm  Humano Óptico electrónico
mm

1 1.000 _ _ sim sim sim


10-1 100 _ _ sim sim sim
10-2 10 10.000 100.000 _ sim sim
10-3 1 1.000 10.000 _ sim sim
10-4 0,1 100 1.000 _ _ sim
10-5 0,01 10 100 _ _ sim
10-6 0,001 1 10 _ _ sim

Fig. 1- Comparação entre a capacidade do olho humano, do microscópio


óptico e do microscópio electrónico.

2. Tipos de células
As células vivas dividem-se em dois tipos básicos: procarióticas e eucarióticas (Fig. 2).
As células procarióticas são anucleadas sendo representadas pelas bactérias. Nestas
células os cromossomas não estão separados do citoplasma por uma membrana. Pensa-
se que existem na terra há cerca de 3 biliões de anos.

Fig. 2 – Representação de uma célula procariótica à esquerda. Na célula


27

eucariótica à direita os cromossomas estão contidos no núcleo

As células eucarióticas podem existir há cerca de 1,5 biliões de anos e resultaram da


evolução das células procarióticas.. Estas células podem existir como organismos
unicelulares ou pluricelulares. Os seres unicelulares representam mais de metade da
biomassa terrestre.

3. Variedade de células animais

O corpo humano é formado por quatro variedades básicas de tecidos:


epitelial, conjuntivo, muscular e nervoso (Fig. 3). Cada um destes tecidos
apresenta uma variedade de células o que totaliza cerca de duzentas células
diferentes. O tecido epitelial reveste o corpo, o tecido conjuntivo que dá
forma e suporte (inclui o tecido adiposo, o sangue, o osso e a cartilagem), o
tecido nervoso e o tecido muscular. Todas estas células contêm a mesma
informação genética no núcleo mas diferenciaram-se de formas diversas.

Fig. 3 – Tecidos humanos. Da esquerda para a direita: tecido epitelial, tecido conjuntivo, tecido muscular
e tecido nervoso.

4. Componentes das células animais


As células animais têm uma estrutura básica que consiste numa membrana celular que
é o revestimento exterior da célula, o citoplasma que é o local onde ocorrem todas as
reacções químicas e um núcleo que é o centro de controlo da célula.
28

4.1. Membrana celular


A membrana celular isola a célula do meio exterior e é selectiva em relação às
substâncias que permite que a atravessem criando um gradiente electroquímico. A
membrana é formada por uma dupla camada de fosfolípidos que envolve o citoplasma.

Fig. 3 – A membrana celular envolve o citoplasma e


é formada por uma dupla camada de fosfolipidos.
4.2. Citoplasma
O citoplasma é um fluido tipo gel, composto por 75% de água, que contem
os organitos da célula (mitocôndrias, retículo endoplasmático, ribossomas,
complexo de Golgi, e lisossomas), as substâncias de reserva e uma rede de
filamentos e tubos (Fig. 4).
4.2.1. Mitocôndrias
Existem no citoplasma da célula e têm uma forma alongada. Vistas ao
microscópio electrónico têm uma dupla membrana sendo a interior
pregueada. A sua principal função é a produção de energia a partir da
glicose e ácidos gordos. A energia é armazenada sob a forma de moléculas
de ATP.
29

Fig. 4 – Componentes da célula

4.2.2. Retículo endoplasmático


O retículo endoplasmático é formado por um labirinto de cisternas onde se
produzem as proteínas. Divide-se em rugoso que contem ribossomas e liso
que não contem e que é mais escasso
4.2.3. Ribossomas
Actuam na síntese de proteínas e estão associados ao retículo
endoplasmático. O gene que comanda a produção das proteínas é copiado
do núcleo por um mecanismo chamado transcrição e dá origem ao RNA
mensageiro (mRNA). O mRNA que é levado para o citoplasma combina-
se com os ribossomas e com a ajuda do RNA de transferência (tRNA)
produz as proteínas. As proteínas são fundamentais para os seres vivos a
nível da nutrição, estrutura e função.
4.2.4. Complexo de Golgi
Também chamado aparelho de Golgi localiza-se habitualmente perto do
núcleo e é constituído por cisternas empilhadas rodeadas por inúmeras
vesículas. É o local onde se separam e encaminham as proteínas e resíduos
de reacções químicas produzidas na célula.
4.2.5. Lisossomas
30

São sacos delimitados por uma membrana e cheios de enzimas capazes de


digerir todas as moléculas da célula. Digerem macromoléculas
provenientes da endocitose, participam na renovação da maquinaria celular
e degradação de orgnismos patológicos para a célula.

4.3. Núcleo
O núcleo é o centro que controla a célula. Contem o património genético da
célula sob a forma de DNA. O nucléolo é uma estrutura no interior do
núcleo onde são sintetizados os ribossomas. O núcleo está separado do
citoplasma por uma dupla membrana com poros.

5. Transporte de substâncias
A célula, para que possa sobreviver, necessita da entrada de certas
substâncias e da excreção de outras As substâncias podem penetrar no
interior da célula de forma passiva não havendo gasto de energia ou através
de um transporte activo.

5.1. Transporte passivo


O transporte passivo, em geral, pode ser subdividido em três categorias:
difusão, osmose e difusão facilitada. Na difusão há passagem de moléculas
de uma zona de alta concentração para uma de baixa concentração, é o
exemplo de um cubo de açúcar que se deita no café. A osmose é uma
forma especial de difusão em que as moléculas de água se movem através
de uma membrana semipermeável até equilibrar as concentrações. Na
difusão facilitada a célula facilita a entrada de substâncias que lhe fazem
falta e excreta as que são desnecessárias. Para este transporte são usados
31

canais específicos. Este transporte facilitado é específico e não requer


dispêndio de energia porque é feito segundo um gradiente de concentração.
5.2. Transporte activo
No transporte activo pode haver um movimento para dentro e para fora da
célula contra as concentrações ou cargas eléctricas de acordo com as
necessidades da célula. Sem este movimento activo a célula não podia
manter as concentrações dos iões sódio e potássio. O transporte activo
destes dois iões gasta cerca de um terço da energia da célula.
5.3 Endocitose
Trata-se de um processo que permite à célula englobar grandes moléculas,
partículas ou bactérias, que ficam contidas no citoplasma dentro de
vesículas. Os leucócitos participam neste processo para defender o
organismo de bactérias e outras substâncias nocivas.
5.4. Exocitose
É o processo contrário à endocitose em que a célula liberta partículas ou
moléculas que estão contidas no citoplasma. As hormonas e as enzimas são
libertadas por este processo.

6. Ciclo celular
A célula divide-se para permitir não só o crescimento como a reparação
celular. A divisão de uma célula em duas células filhas iguais chama-se
mitose. A informação genética é igual nas três células, a célula mãe e as
células filhas. A mitose ocupa um pequeno sector do ciclo celular. O resto
do ciclo chama-se interfase.

6.1. Interfase
A interfase é composto pelos três períodos G1, S e G2 e corresponde à
actividade normal da célula (Fig. 5).
32

Fig. 5 – Interfase.

Durante o período G1 que se segue à mitose há um crescimento celular, o


que pode demorar de dias a anos. No período seguinte chamado S (síntese)
há uma replicação do ADN. A célula fica com duas colecções iguais de
material genético. No período G2 que precede a mitose há uma
condensação do ADN tornando-se visíveis os cromossomas. Forma-se do
fuso que vai servir para o movimento dos cromossomas durante a divisão
celular e os centriolos dividem-se.
6.2. Mitose
A mitose apresenta as seguintes fase: prófase, metáfase, anáfase e telófase
(Fig. 6). A prófase é a primeira etapa da mitose. Os cromossomas tornam-
se visíveis, o nucléolo desaparece, os centríolos afastam-se e o envelope
nuclear desfaz-se em pequenas vesículas. A metáfase é a segunda fase da
mitose. Os cromossomas colocam-se no centro da célula formando um
equador que marca a linha de separação das duas células filhas.
33

Fig. 6 – Fases da mitose

A anáfase é a terceira fase. Os cromatídeos separam-se e movem-se em


direcções opostas. A telófase é a última fase da mitose. A divisão dos
cromatídeos origina um material genético idêntico para as duas células
filhas. O fuso desaparece e a membrana nuclear surge à volta de cada um
dos grupos de cromossomas. Os cromossomas desenrolam-se voltando ao
seu estado normal e surgem os nucléolos. De certa forma na telófase passa-
se o inverso da prófase. A citocinese consiste na divisão do citoplasma com
a formação de duas células cada uma com seu núcleo, com uma carga
genética igual.
34

7. Célula neoplásica e morte celular


Certos agentes como radiações, vírus e moléculas podem alterar o ADN da
célula e podem levar a célula a multiplicar-se indiscriminadamente
originando uma neoplasia ou à sua morte.

7.1 Célula neoplásica


As células dos órgãos do corpo humano só crescem até o órgão atingir o
tamanho necessário. No caso de lesão as células multiplicam-se para
reparar a lesão e param a sua divisão logo que defeito está reparado. As
células neoplásicas escapam aos mecanismos que controlam o seu
crescimento. São células que sofreram mutações que alteraram o seu ADN.
No caso de neoplasias malignas as células invadem os tecidos vizinhos, os
vasos sanguíneos, os linfáticos e podem desenvolver-se noutros locais
originando as metástases. Nas neoplasias benignas o crescimento mantem-
se localizado.
7.2 Apoptose
A maioria dos tecidos mantêm constante o número de células graças à
continua multiplicação e morte celular. A apoptose é uma morte celular
programada porque usa um programa genético para destruição da célula.
Intervêm nesta morte as caspases, que são enzimas que levam à clivagem
de várias proteínas resultando na destruição da célula.
35

4. Genética reprodução e desenvolvimento


do sistema nervoso

Sumário

1. Leis de Mendel
2. Cromossomas
3. ADN e ARN
4. Cariótipo
5. Reprodução
6. Desenvolvimento embrionário
7. Desenvolvimento fetal
8. Desenvolvimento do sistema nervoso

1. Leis de Mendel
Gregor Mendel (1822-1884) era um monge que em 1865 descobriu os princípios
básicos da hereditariedade. Nessa época ainda não se sabia o que eram
cromossomas. Mendel usou plantas para fazer os seus estudos. As ervilhas de
cheiro têm espécies puras, isto é dentro de uma linha todas as plantas são idênticas.
Ao fazer diversos cruzamentos de plantas com características diferentes foi
possível tirar conclusões sobre a transmissão da informação genética (Fig. 1).
Mendel percebeu que cada traço é transmitido por um par de factores a que
chamamos genes. Cada um dos genes (alelo) é herdado de um dos progenitores. Os
genes podem ser dominantes ou recessivos conforme as suas características surgem
nos descendentes ou parecem ter desaparecido. Mendel descobriu que os
descendentes de linhas puras, na primeira geração (F1), não misturavam as
características aparentando o gene dominante.
36

Fig. 1 – Mendel cruzou sementes lisas com sementes rugosas. Na primeira geração F1 surgem só
sementes lisas embora tenham o alelo rugoso, que não se manifesta. Na segunda geração F2,
resultante do cruzamento entre as plantas de F1, um quarto das sementes são rugosas. Os restantes
três quartos são lisos. Destes um quarto é como a planta lisa original e os outros dois quartos são
como as plantas de F1.

Quando cruzou os híbridos da primeira geração verificou que um quarto da


segunda geração (F2) apresentava as características do gene recessivo. Das
restantes plantas um quarto era puro para o gene dominante e dois quartos eram
semelhantes às plantas da primeira geração (F1).

2. Cromossomas
Cada espécie de animais ou plantas possui um número constante de cromossomas. No
ser humano existem 23 pares em cada célula, no rato existem 20 pares e no centeio 7
pares. Os cromossomas estão contidos no núcleo das células mas só são visíveis quando
a célula inicia a sua divisão. Os cromossomas são constituídos por ADN (ácido
desoxirribonucleico) que contem a informação hereditária e por uma proteína chamada
histona (Fig. 2). O ADN estende-se ao longo de todo o cromossoma sem interrupções e
é o chamado código da vida. Se desdobrássemos o ADN de uma célula humana o
comprimento era superior à altura do seu portador.
37

Fig. 2 – À esquerda está representado um cromossoma. Ao centro encontra-se o filamento de cromatina


enrolado à volta das histonas, que fazem lembrar pérolas. À direita está a cadeia de ADN, a dupla hélice,
que é a base do cromossoma.

Este ADN contem todas as informações referentes ao seu portador como a cor dos
cabelos, cor da pele, cor dos olhos e inclusivamente se ele vai sofrer de certas doenças.
Embora o ser humano tenha diversos tipos de células a nível dos vários tecidos todas
elas têm o mesmo conteúdo em ADN. As células humanas com excepção do óvulo e
espermatozóide apresentam 46 cromossomas que podem ser agrupados em 23 pares.

Fig. 3 – O ser humano possui 23 pares de cromossomas. Na mulher o par 23 contem dois cromossomas
X. No homem o mesmo par 23 contem um cromossoma X e outro Y.

3. ADN e ARN
James Watson e Francis Crick, em 1953, formularam a hipótese de que o ADN era
constituído por uma dupla espiral. Esta dupla espiral é formada por açucares e fosfatos e
é semelhante aos lados de uma escada em caracol. Os nucleótidos representam os
degraus da escada. Estes nucleótidos por sua vez resultam de quatro bases unidas duas a
38

duas (adenina com timina, citosina com guanina, timina com adenina e guanina com
citosina).

Fig.4 – Os constituintes fundamentais do ADN são quatro nucleótidos: adenina, timina, citosina e
guanina. A ordem de sucessão destes quatro nucleótidos determina toda a informação grnética.

A propriedade mais importante do ADN é a capacidade de produzir uma cópia. O ADN


controla a formação de proteínas através de um mensageiro o ARN (ácido
ribonucleico). O ARN mensageiro transporta a informação copiada do ADN contido no
núcleo até ao ribossoma onde se produz a proteína desejada. O ARN de transferência
transporta os aminoácidos necessários para a síntese da proteína no ribossoma.

4. Cariótipo
A análise dos cromossomas tem por base a identificação de anomalias que possam estar
na origem de certas doenças. Em 1969 foi determinada a primeira perturbação dos
cromossomas de um feto a que se chamou síndrome de Down. O cariótipo é uma
classificação dos cromossomas de uma pessoa segundo uma ordem predeterminada que
permite estudá-los.
Podem usar-se células sanguíneas ou do líquido amniótico para o diagnóstico pré-natal.
No cariótipo de uma criança com síndrome de Down identificam-se 47 cromossomas
existindo três cromossomas 21 em vez de dois (Fig. 5).
39

Fig. 5 - Mapa dos cromossomas, cariótipo, de uma pessoa com síndrome de Down.
O círculo assinala a existência de três cromossomas 21 em vez de dois.

5. Reprodução
A capacidade para se reproduzirem é talvez a propriedade mais importante dos seres
vivos. Todas as células têm origem noutras células. A formação de um ser humano
começa com a junção de um espermatozóide e de um óvulo. Os espermatozóides são
formados nos tubos seminíferos que se encontram no interior dos testículos. Os
testículos têm de estar fora da cavidade abdominal porque a temperatura abdominal
impede a maturação dos espermatozóides. Durante a ejaculação o homem liberta cerca
de 100 milhões de espermatozóides. Os espermatozóides amadurecem no epidídimo e
passam no canal deferente antes de atingirem a uretra.
Na mulher os ovários contêm cerca de 1 milhão de oócitos imaturos. Depois da
puberdade uma vez por mês cada ovário liberta o óvulo mais maduro.
Os espermatozóides e os óvulos são gâmetas, ao contrário das outras células do corpo
humano só contêm metade do material genético isto é 23 cromossomas em vez de 46
(Fig. 6). Ao dar-se a junção entre o espermatozóide e o óvulo o novo embrião fica com
os 46 cromossomas e recebe informação genética dos dois progenitores.
40

Fig. 6 – O espermatozóide e o óvulo apresentam só metade dos cromossomas. Quando se dá a fertilização


há uma junção do material genético ficando o embrião com um número de cromossomas igual aos
progenitores.

A meiose é o processo que leva a que os gâmetas tenham só metade do material


genético. Implica duas divisões e leva à formação de quatro células filhas (Fig. 7). A
primeira divisão ou meiose I chama-se reducional porque reduz o número de
cromossomas para metade. Esta primeira meiose apresenta as seguintes fases: prófase I,
metáfase I, anáfase I e telófase I. A segunda divisão ou meiose II chama-se equatorial
por ser semelhante a uma mitose onde se produzem a partir das duas células com
metade do material genético quatro células filhas. A meiose II apresenta as seguintes
fases: prófase II, metáfase II, anáfase II e telófase II.

Fig. 7 – A meiose é formada por duas fases e prepara as células para a reprodução. Na meiose I
formam-se duas células e da meiose II resultam quatro células.
41

O óvulo é captado pela trompa de Falópio que o conduz até ao útero. No caso de o
óvulo ser fertilizado pelo espermatozóide vai desenvolver-se no útero.

6. Desenvolvimento embrionário
Durante o período de formação dos vários órgãos, o embrião é muito sensível a
produtos químicos e vírus. Os diferentes órgão e tecidos do ser humano surgem de três
camadas no embrião (endoderme, mesoderme e ecotderme). O sistema nervoso deriva
da ectoderme. O desenvolvimento embrionário termina por volta das oito semanas de
gestação quando existem os rudimentos de todas as estruturas que vão estar presentes no
nascimento.

7. Desenvolvimento fetal
O desenvolvimento fetal inicia-se quando o futuro ser humano tem os rudimentos de
todas as estruturas que vão estar presentes no nascimento. A cabeça é
desproporcionadamente grande, as orelhas estão implantadas muito em baixo e os olhos
estão muito afastados. Com o tempo as diferentes estruturas vão-se tornando mais
proporcionadas. Durante o desenvolvimento fetal os diferentes órgãos e tecidos
crescem, especializam-se e começam a interagir. Às 12 semanas o feto já chupa no dedo
e dá pontapés, e aos 4 meses tem cabelos e unhas. Cerca de 266 dias após o
espermatozóide ter penetrado no óvulo a criança está em condições de nascer.

8. Desenvolvimento do sistema nervoso


O início do sistema nervoso surge por volta a 3ª semana com a formação da placa
neural na porção dorsal do embrião (Fig. 8).

Fig. 8 – Cinco cortes do embrião mostrando a formação do tubo neural. A placa neural tem origem na
ectoderme e transforma-se em tubo neural.
42

As margens laterais da placa neural elevam-se formando as pregas neurais e dando


origem à goteira neural. Posteriormente as pregas neurais fundem-se dando origem ao
tubo neural. Algumas células das pregas neurais separam-se dando origem às cristas
neurais. O tubo neural fica pronto por volta da 4ª semana. Na porção anterior do tubo
neural surge o encéfalo e na posterior a medula espinhal. A cavidade central do tubo
neural dá origem aos ventrículos do encéfalo. Problemas no encerramento do tubo
neural podem originar anencefalia ou espinha bífida.

8.1 Desenvolvimento do encéfalo


Por volta da 5ª semana surgem na porção anterior do tubo neural três vesículas: o
prosencéfalo, o mesencéfalo e o rombencéfalo. Estas três vesículas vão originar os
hemisférios cerebrais, o tronco cerebral e o cerebelo.

Fig. 9 – Representação das estruturas encefálicas que resultam das três vesículas primárias: prosencéfalo,
mesencéfalo e rombencéfalo.

Na 7ª semana é possível identificar cinco vesículas dado que o prosencéfalo origina o


telencéfalo e o diencéfalo e do rombencéfalo formam-se o metencéfalo e o
mielencéfalo. Do prosencéfalo resultam os hemisférios cerebrais e os gânglios da base.
O diencéfalo origina os tálamos, hipotálamo, porção posterior da hipófise, nervos
ópticos e retinas. O mesencéfalo sofre uma diferenciação pouco marcada originando o
cérebro médio (também chamado mesencéfalo) que é atravessado pelo aqueduto de
43

Sylvius. A protuberância anular e o cerebelo surgem do metencéfalo. O mielencéfalo


forma o bulbo raquidiano.

8.2 Desenvolvimento da medula espinhal


A medula espinhal resulta da porção posterior do tubo neural. Das cristas neurais
resultam os gânglios sensoriais, os nervos cranianos e espinhais e os gânglios do
sistema nervoso autónomo. Durante o desenvolvimento surge um sulco limitante nas
paredes laterais da medula espinhal. Este sulco separa a porção posterior chamada placa
alar que tem funções sensitivas da porção anterior chamada placa basal com funções
motoras.
44

6. Estrutura microscópica do sistema nervoso

Sumário
1. Doutrina neuronal
2. Neurónio
3. Glia
4. Célula de Schwann
5. Barreira hematoencefálica

Há duas classes principais de células no sistema nervoso central: as células gliais,


também chamada glia, que representam cerca de 80% das células do sistema
nervoso e os neurónios que são responsáveis pela produção e condução dos
estímulos nervosos.

2. Teoria neuronal
Os neurónios são pequenas células não observáveis a olho nu. Têm cerca 20 m de
diâmetro sendo necessário colocar 50 lado a lado para formar um milímetro. De
início pensava-se que as células nervosas se fundiam por não ser possível observar
os seus limites (Fig. 1).

Fig. 1 – Ramon & Cajal à esquerda e Camilo Golgi à direita receberam o prémio Nobel em 1906.
Ao centro um desenho de células de neurónios feito por Cajal. Foi graças a uma coloração, para os
neurónios, descoberta por Gogi que Cajal percebeu que os neurónios eram células e não uma rede
nervosa como pensava Golgi.
45

Falava-se então de rede nervosa. Santiago Ramon y Cajal (1852-1934) defendeu a


teoria neuronal considerando que os neurónios eram células individuais que
comunicavam entre si. O desenvolvimento da microscopia electrónica veio
confirmar a teoria de Cajal.

3. Neurónios
Os neurónios são as células mais importantes do sistema nervoso. São formados
por um corpo com prolongamentos que incluem o axónio e os dentritos. Estes
prolongamentos do corpo celular servem para os neurónios comunicarem entre si.
O corpo é formado por uma membrana que envolve o citoplasma que contem o
núcleo no seu interior. Os dentritos são vários por neurónio e trazem informação
para a célula. O axónio, um por célula, conduz informação para fora da célula
(Fig. 2).

Fig. 2 – O neurónio é formado por um corpo celular que apresenta numerosos prolongamentos que
recebem informação dos outros neurónios e um axónio que estabelece a comunicação com o
neurónio seguinte.

A ligação entre estes prolongamentos celulares faz-se através das sinapses (Fig. 3).
A sinapse surge como o local de contacto entre o neurónio e outra célula. No
sistema nervoso central a sinapse situa-se entre os neurónios, no sistema nervoso
periférico e no autónomo a sinapse estabelece a relação com músculos, glândulas
ou outros órgão.
46

Fig. 3 – Tal como defendia Cajal os neurónios são células individuais que comunicam através de
uma fenda chamada sinapse.

Muitos dos neurónios têm os axónios envolvidos por uma bainha de lípidos
chamada mielina que funciona como isolante e permite uma condução mais rápida
dos estímulos eléctricos através da célula. Os oligodendrócitos são células que fazem
parte da glia e produzem a mielina para os neurónios do sistema nervoso central.
As células de Schwan produzem a mielina para os neurónios do sistema nervoso
periférico.

4. Células gliais
As células gliais não participam directamente no processamento da informação do
sistema nervoso. Englobam quatro tipos de células onde se incluem: astrocitos,
oligodendrocitos, células ependimárias e micróglia.
Os astócitos são células que fazem lembrar um astro pela riqueza dos seus
prolongamentos em todas as direcções. Uma das suas funções é o suporte dos
neurónios e dos capilares sanguíneos (Fig. 4). Contribuem para a barreira hemato-
encefálica através dos prolongamentos para a parede dos capilares sanguíneos.
Podem armazenar neurotransmissores levando a uma regulação do funcionamento
dos neurónios.
47

Fig. 4 – Representação de um astrocito que devido aos seus prolongamentos faz lembrar um astro.
À direita está representado um astrocito ligado a um vaso sanguíneo.

Os oligodendrocitos são células mais pequenas que os astrócitos e com poucos


prolongamentos. Produzem a mielina no sistema nervoso central. Um
oligodendrocito pode produzir mielina para vários neurónios (Fig. 5).

Fig. 5 – O oligodendrocito produz a bainha de mielina para os neurónios do sistema nervoso central
e faz parte da glia. As células de Schwann produzem a bainha de mielina para os neurónios do
sistema nervoso periférico. Enquanto um oligodendrocito produz mielina para vários neurónios a
célula de Schwann produz para um só.

As células ependimárias formam uma parede que separa as cavidades ventriculares,


onde circula o líquido cefalo-raquidiano do parênquima encefálico.
48

Fig. 6 – As células ependimárias revestem o sistema ventricular e separam o líquido céfalo-


raquidiano do parênquima cerebral.

Algumas destas células diferenciam-se nos plexos coroideus que se situam no


interior dos ventrículos. É nos plexos coroideus que se produz o líquido cefalo-
raquidiano.
As células da micróglia têm como função a fagocitose de substâncias consideradas
desnecessárias para o funcionamento do sistema nervoso. O número destas células
aumenta nos locais de lesão do sistema nervoso.

4. Células de Schwann
As células de Schwann só se encontram no sistema nervos periférico e são
responsáveis pela formação da mielina. Ao contrário dos oligodendrocitos em que
uma célula produz mielina para vários neurónios a célula de Schwann envolve o
neurnónio produzindo mielina para um só neruónio. Ao longo do axónio de um
neurónio do sistema nervoso periférico existem várias células de Schwann. Os
nódulos de Ranvier são as zonas em que há um estrangulamento da bainha de
mielina ao longo do axónio. A membrana de mielina é responsável pelo isolamento
do axónio o que permite uma mais rápida condução dos estímulos.
49

Fig. 7 – Mielina envolvendo o axónio do neurónio. A mielina é produzida pelas células de Schwann.
Os nódulos de Ranvier representam constrições na bainha de mielina.

5. Barreira hematoencefálica
A barreira hemato-encefálica representa a interface entre o sistema vascular e as
células do sistema nervoso central (Fig. 8). Os capilares sanguíneos do sistema
nervoso têm junções mais apertadas que os restantes capilares do organismo. Estas
junções mais apertadas formam uma barreira que impede a saída das
macromoléculas dos vasos sanguíneos evitando a entrada dessas substâncias no
sistema nervoso central.
50

Fig. 8 – A barreira hemato-encefálica funciona como uma interface entre os capilares e o sistema
nervoso. Contribuem para esta barreira os capilares com fendas mais estreitas e os astrocitos que
aderem às suas paredes.

Os astrocitos que revestem os capilares também contribuem para esta barreira.


Embora a barreira tenha vantagens ao proteger o sistema nervoso de substâncias
nocivas também tem inconvenientes ao impedir a entrada de certos antibióticos e
alguns tratamentos de quimioterapia.
51

7. Sinalização electroquímica

Sumário
1. Membrana celular e canais iónicos
2. Potencial de repouso
3. Condução nervosa
4. Sinapse
5. Neurotransmissores

O sistema nervoso é o mais complexo sistema de controlo e de transporte de informação


dos seres vivos. A sinalização eléctrica e química é usada pelas células para a passagem
dos impulsos. Nos organismos complexos a sinalização é predominantemente química.
Os neurotransmissores servem, como o nome indica, para a passagem de informação de
um neurónio para outro através da fenda sináptica.

2. Membrana celular e canais iónicos


A membrana celular envolve todas as células e é formada por uma dupla camada de
fosfolípidos com elevada resistência eléctrica.

Fig. 1 – A membrana celular é relativamente impermeável à passagem de iões havendo canais iónicos que
funcionam como portas.

A membrana celular controla a passagem de substâncias para dentro e para fora da


célula. No estado normal a membrana é relativamente impermeável à passagem de iões.
Existem canais iónicos que funcionam como portas que permitem a passagem de iões
52

através da membrana (Fig.1). Estes canais estão habitualmente fechados mas podem
abrir-se durante um curto período de tempo para deixar passar os iões. A abertura dos
canais pode ser devida a uma variação no potencial de membrana ou à presença de
neurotransmissores. Existe um gradiente eléctrico entre o interior e o exterior da
membrana celular chamado potencial de membrana. No interior da célula há um
predomínio de iões potássio (K+) e no exterior da célula predominam os iões sódio
(Na+).

Fig. 2 – A bomba de sódio (Na+) e potássio (K+) move estes iões em direcções opostas através da
membrana da célula. A energia para este processo é conseguida através do ATP que passa a ADP. Por
cada três iões de sódio que saem entram dois iões de potássio.

Para manter esta diferença de concentração de iões existe um mecanismo que bombeia
iões de Na+ para o exterior da célula e K+ para o interior da célula, a chamada bomba de
Na+ e K+ (Fig. 2). Este trabalho consome cerca de um terço da energia gasta pela célula
e é fornecido por moléculas de ATP (adenosina trifosfato).

Ião Exterior - e Interior - i Quociente e/i


+
Sódio - Na 150 mM 15 mM 10/1
Potássio - K+ 5 mM 100 mM 1/20
-
Cloro - Cl 150 mM 13 mM 16/1
Cálcio - Ca2+ 2 mM 0,0002mM 10.000/1

Fig. 3 – Concentrações dos diferentes iões no exterior e interior da célula em milésimos da mole (mM). A
mole é uma unidade de quantidade de substância. Dos quatro iões apresentados o potássio é o único que
predomina no interior da célula.
53

Por cada molécula de ATP consumida são bombeados três iões de Na+ para fora da
célula e dois iões de K+ para dentro da célula. No interior da célula há um predomínio
de K+ e no exterior da célula predomina o Na+, o cloro (Cl-) e o cálcio (Ca2+) (Fig.3). O
neurónio, tal como as outras células, possui uma carga eléctrica através da sua
membrana sendo positiva no exterior e negativa no seu interior.

3. Potencial de repouso
Existe uma diferença de potencial de cerca –70mV (milivolts) entre o exterior e o
interior da célula devido às diferentes concentrações de iões e proteínas (Fig. 4).

Fig. 4 – O neurónio possui uma carga eléctrica através da sua membrana, sendo positivo no exterior e
negativo no interior. A carga eléctrica leva a uma diferença de potencial, de cerca de -70 mV, entre o
exterior e o interior do neurónio, quando está em repouso.

Esta diferença de potencial quando a célula não está activa chama-se potencial de
repouso. Nesta fase a célula é relativamente impermeável aos iões. A equação de Nernst
permite calcular a relação entre a concentração de iões e o potencial de membrana (Fig.
5). Segundo esta equação o potencial de equilíbrio para um ião resulta do quociente
entre a concentração do ião dentro e fora da célula.

Eião = 2,303
RT
log
iãoe
zF iãoi

Fig. 5 – A equação de Nernst permite calcular o potencial de equilíbrio para um ião. Eião representa o
potencial de equilíbrio. RT é o produto entre a constante dos gases e a temperatura absoluta. O produto
entre a carga do ião e a constante de Faraday é representado por zF
54

3. Potencial de acção
Uma das principais características do sistema nervoso é a capacidade para produzir e
conduzir estímulos eléctricos. O potencial de acção surge na sequência de um estímulo
químico ou eléctrico que a célula recebe e que origina uma corrente que percorre a
célula. Este potencial de acção é um fenómeno de tudo ou nada. Isto é, logo que a
intensidade do estímulo atinge o limiar, o potencial de acção desencadeia-se. Este
potencial apresenta as mesmas características, mesmo que o estímulo seja superior ao
limiar. O potencial de repouso passa de –70 mV para +30 mV, num ponto da
membrana, e depois segue na direcção da sinapse. Este processo inicia-se com a
abertura dos canais iónicos de Na+ o que permite a entrada de iões de Na+. É a entrada
destes iões com carga positiva que leva à despolarização da membrana. Para retomar o
equilíbrio a célula abre os canais iónicos de potássio e permite a saída de cargas
positivas K+ (Fig. 6). A membrana retoma então um potencial negativo ao fim de cerca
de 2 ms (milisegundo). Após o potencial de acção há um período refractário em que
parte do neurónio não pode ser despolarizado.

Fig. 6 – O potencial de acção. Em (1) os canais de sódio são abertos começando a entrar sódio para dentro
da célula. (2) os canais de potássio abrem-se mais tarde permitindo a saída de potássio para fora da célula.
(3) Os canais de sódio fecham-se, ao fim de cerca de 1 milissegundo, não permitindo a entrada de mais
sódio. A célula atinge um potencial de +30 mV. (4) os canais de potássio mantêm-se abertos permitindo a
saída de potássio. (5) os canais de potássio fecham-se. (6) a membrana volta ao potencial de repouso de –
70 mV
55

4. Condução nervosa
A propagação do potencial de acção é conseguida através da despolarização da
membrana imediatamente à frente, caminhando na direcção da sinapse (Fig. 7). O
período refractário permite que o potencial de acção caminhe numa só direcção
afastando-se do local do estímulo inicial. A velocidade de condução das fibras aumenta
com o seu diâmetro e com o revestimento pela bainha de mielina. As fibras sem mielina
e de pequeno diâmetro são as que conduzem os estímulos mais lentamente. A bainha de
mielina não é contínua, apresentando apertos em anel que têm o nome de nódulos de
Ranvier. A condução nervosa faz-se de nódulo a nódulo e por isso chama-se saltatória.

Fig. 7 – A abertura dos canais iónicos leva a uma mudança na concentração iónica da célula que se traduz
numa despolarização. O interior da célula torna-se positivo. A progressão da despolarização faz-se na
direcção da sinapse.

5. Sinapse
A transferência de estímulos entre os neurónios ocorre na sinapse. As sinapses
estabelecem a ligação não só entre neurónios como entre os neurónios e os músculos. A
sinapse é formada pelo elemento pré-sináptico ou botão sináptico, onde se situam os
neurotransmissores, e que se encontra separado do elemento pós-sináptico, do segundo
neurónio, pela fenda sináptica. Existem dois tipos de sinapses: as químicas e as
56

eléctricas. Na maior parte das sinapses do sistema nervoso a passagem de informação


faz-se através de neurotransmissores, pelo que as sinapses se chamam químicas. No
caso dos astrocitos pode haver apenas a passagem de uma corrente e as sinapses
chamam-se eléctricas. O funcionamento da sinapse baseia-se na abertura de canais de
Ca2+ (cálcio) com a chegada do potencial de acção. A abertura dos canais de cálcio leva
a um aumento da concentração do cálcio, que ocasiona a libertação de vesículas,
contendo o neurotransmissor, para a fenda sináptica. O neurotransmissor é libertado na
fenda sináptica e vai ligar-se aos receptores pós-sinápticos da outra célula
desencadeando um potencial de acção (Fig. 8).

Fig. 8 – O neurotransmissor encontra-se contido em vesículas que o libertam para a fenda sináptica.
Depois de atravessar a fenda vai ligar-se a receptores da célula pós-sináptica e leva a uma resposta desta
célula.

6. Neurotransmissores
São substâncias libertadas a nível da sinapse pelo neurónio e que vão actuar noutro
neurónio ou noutra célula. Para ser classificada como neurotransmissor uma substância
57

tem de apresentar cinco características. Em primeiro lugar ser produzida por um


neurónio, em segundo ser armazenada na sinapse, em terceiro ser libertada na sinapse
quando da estimulação do neurónio, em quarto ligar-se a receptores da célula pós-
sináptica e por último possuir um mecanismo específico para a sua inactivação. O
neurotransmissor é destruído depois de ter actuado. Pode ser hidrolisado ou reabsorvido
pelo botão pré-sináptica para voltar a ser usado.
Existe uma grande variedade de neurotransmissores no sistema nervoso que podem ser
agrupados em famílias. O neurotransmissor mais conhecido e o primeiro a ser estudado
foi a acetilcolina que existe na junção neuromuscular e a nível do sistema nervoso. As
monoaminas formam outra família que inclui a noradrenalina, serotonina e
dopamina. Podem ter origem a nível de neurónios situados no tronco cerebral e que se
projectam no sistema nervoso central mas também existem no sistema nervoso
vegetativo. O glutamato e o GABA (ácido gama-aminobutírico) incluem-se na família
dos aminoácidos. O glutamato é um aminoácido excitatório enquanto o GABA é
inibidor.
58

8. Estrutura macroscópica do sistema nervoso

Sumário
1. Divisão do sistema nervoso
2. Revestimento do sistema nervoso
3. Sistema nervoso central
3.1. Hemisférios cerebrais
3.2. Gânglios da base e tálamo
3.3. Sistema ventricular e LCR
3.4. Tronco cerebral
3.5. Cerebelo
3.6. Medula espinhal
3.7. Vascularização
4. Sistema nervoso periférico
5. Sistema nervoso vegetativo

1. Divisão do sistema nervoso


O sistema nervoso pode ser dividido em três partes principais: sistema nervoso central
(SNC) que inclui o encéfalo e a medula espinhal, o sistema nervoso periférico (SNP)
constituído pelos nervos que ligam o sistema nervoso central às diferentes partes do
corpo e o sistema nervoso autónomo (SNA) que está relacionado com o controlo
involuntário dos diferentes órgãos do corpo.

2. Revestimento do sistema nervoso


O sistema nervoso está envolvido por estruturas ósseas, membranosas e
pelo líquido céfalo-raquidiano (LCR). O encéfalo fica protegido pelos
ossos do crânio e a medula espinhal pela coluna vertebral. As meninges são
três membranas que separam o SNC do crânio e da coluna vertebral. A
mais externa e mais espessa chama-se duramáter, a mais interna é a
piamáter que está aderente ao sistema nervoso, no meio das duas situa-se a
59

aracnoideia (Fig. 1). Entre a aracnoideia e a piamáter circula o líquido


céfalo-raquidiano.

Fig. 1 – Revestimento do sistema nervoso. De fora para dentro encontramos a pele, o osso, a
duramáter, a aracnoideia e a piamáter. As meninges são formadas por estas três membranas
(duramáter, aracnoideia e piamáter). O LCR circula entre a aracnoideia e a piamáter.

3. Sistema nervoso central (SNC)


O sistema nervoso central inclui os hemisférios cerebrais, o tronco
cerebral, o cerebelo, que se encontram localizados na cavidade craniana e
a medula espinhal que se situa no interior da coluna vertebral (Fig. 2). Os
hemisférios cerebrais formam o cérebro e o encéfalo engloba o cérebro, o
tronco cerebral e o cerebelo.
60

Fig. 2 – Componentes do sistema nervoso central

3.1. Hemisférios cerebrais


O cérebro pode ser dividido em duas partes laterais, os hemisférios
cerebrais, que são o maior componente do sistema nervoso. A parte externa
dos hemisférios cerebrais chama-se córtex cerebral e é formada por
neurónios. O córtex cerebral apresenta um aspecto pregueado o que
permite, uma superfície de mais de 1m2 por hemisfério, ocupar um espaço
muito menor. A parte interna dos hemisférios contém a substancia branca
formada pelos axónios revestidos pela mielina e a glia. Na profundidade
dos hemisférios cerebrais situam-se os gânglios da base e os tálamos. Os
dois hemisférios cerebrais estão separados por uma fenda, a fenda inter-
hemisférica que termina no corpo caloso (Fig. 4). Esta estrutura é
composta por fibras nervosas que fazem a ligação entre os dois
hemisférios. Cada um dos hemisférios pode ser dividido em quatro lobos
principais: lobo frontal, lobo parietal, lobo occipital e lobo temporal (Fig.
3).
61

Fig.3 – Face externa do hemisfério cerebral esquerdo, do cerebelo e do tronco cerebral.

O lobo frontal é o mais anterior situa-se por cima do globo ocular. O seu
limite posterior é o sulco central também chamado rego de Rolando. O lobo
parietal fica na continuação posterior do lobo frontal e está dele separado
pelo sulco central. O rego de Silvius separa a porção inferior dos lobos
parietal e frontal da porção superior do lobo temporal. O lobo occipital é o
mais posterior e fica na continuação dos lobos parietal e temporal.

Fig. 4 – Face interna do hemisfério cerebral direito.

3.2 Gânglios da base e tálamo


62

Os gânglios da base são um com junto de massas formadas por neurónios


que se situam na porção inferior dos hemisférios cerebrais. Fazem parte
destes gânglios o caudado, o putâmen e globo pálido que formam o
corpo estriado (Fig. 5). Ao conjunto putâmen e globo pálido também se
chama núcleo lentiforme. A amígdala embora tenha uma origem
embrionária semelhante tem uma função diferente. Está ligada às emoções,
sendo incluída no sistema límbico. O estriado está relacionado com o
controle da postura e movimento.

Fig. 5 – À esquerda observa-se a face interna do hemisfério cerebral direito. Uma linha assinala a zona
por onde passa o corte coronal que se situa à direita.

O tálamo é formado por uma massa de neurónios com a forma de um ovo.


Os tálamos em número de dois situam-se de cada lado do III ventrículo.
Há usualmente uma ligação
entre os dois tálamos, a massa intermédia, que atravessa o III ventrículo. O
tálamo tem uma organização interna complexa com numerosos núcleos.
Toda a informação
63

sensorial com excepção do olfacto passa pelo tálamo. Por sua vez o tálamo
tem ligações com quase todas as áreas corticais, incluindo as zonas da
sensibilidade e motoras. Existem também ligações entre o tálamo e outras
estruturas como: o hipotálamo, os núcleos da base, o cerebelo e o tronco
cerebral.

3.3. Sistema ventricular e LCR


O encéfalo contem um conjunto de cavidades e canais interligados a que se
chama sistema ventricular. No interior de cada hemisfério cerebral existe
uma cavidade, o ventrículo lateral, com um formato que faz lembrar um C
embora com três pontas. Uma das pontas situa-se no lobo frontal, outra no
lobo temporal e a terceira no lobo occipital. A cada uma destas pontas
chama-se respectivamente corno frontal, corno temporal e corno
occipital. Na parede externa do ventrículo lateral situa-se o núcleo
caudado. Cada um dos ventrículos laterais comunica, através do buraco de
Monro com uma cavidade que se situa na linha média, o III ventrículo.
Este ventrículo tem à frente o hipotálamo, atrás a glândula pineal e
lateralmente os tálamos. Comunica através do aqueduto de Silvius com
outra cavidade, o IV ventrículo, que se situa entre o tronco cerebral e o
cerebelo. O líquido céfalo-raquidiano (LCR) é produzido no interior do
sistema ventricular nos plexos coroideus. O LCR sai do sistema ventricular
através de três orifícios existentes no IV ventrículo e vai circular no espaço
subaracnoideu. Este espaço situa-se entre a aracnoideia e a piamáter à
volta do encéfalo e medula espinhal. O LCR está continuamente a ser
produzido pelos plexos corideus e a ser reabsorvido para os seios venosos
através das vilosidades aracnoideias. O volume de LCR existente é cerca
de 150 cc e serve como amortecedor do SNC dos movimentos súbitos.
64

Fig. 6 – O sistema ventricular é formado por quatro ventrículos: dois ventrículos laterais, o terceiro
ventrículo e o quarto ventrículo. Os ventrículos laterais comunicam com o terceiro ventrículo através dos
buracos de Monro e o terceiro ventrículo comunica com o IV ventrículo através do aqueduto de Silvius. À
esquerda está representado o sistema ventricular visto lateralmente e à direita visto de cima.

3.4. Tronco cerebral


O tronco cerebral tem a forma de um tronco de cone invertido que se situa
à frente do cerebelo. É a parte do sistema nervoso compreendida entre o
cérebro, em cima, e a medula espinhal, em baixo. É formado de cima para
baixo por três estruturas em continuidade: pedúnculos cerebrais,
protuberância anular e bulbo raquidiano (Fig. 7). A porção superior do
tronco cerebral, os pedúnculos cerebrais, está ligada aos hemisférios
cerebrais e a porção inferior, o bulbo raquidiano, continua-se com a medula
espinhal. No interior do tronco cerebral situam-se os núcleos de dez dos
doze nervos cranianos. Um vasto número de neurónios forma a substância
reticular que se situa no tronco cerebral. Ela controla o nível da consciência
e os sistemas cardiovascular e respiratório. Passam pelo tronco cerebral
65

vias descendentes que estão relacionados com os movimentos e vias


ascendentes que transportam a informação da sensibilidade.

Fig. 7 – O tronco cerebral situa-se entre os hemisférios cerebrais e a medula. É formado pelos pedúnculos
cerebrais, protuberância e bulbo raquidiano. À esquerda está representado em secções com os núcleos e
feixes nervosos. À direita vê-se as faces anterior e lateral esquerda do tronco cerebral.

3.5. Cerebelo
O cerebelo fica na parte posterior do encéfalo atrás do tronco cerebral. Os
pedúnculos cerebelosos, em número de três, de cada lado ligam o cerebelo
ao tronco cerebral. Os pedúnculos cerebelosos superiores ligam o
cerebelo aos pedúnculos cerebrais, os pedúnculos cerebelosos médios
ligam à protuberância e os pedúnculos cerebelosos inferiores ligam ao
bulbo raquidiano. O IV ventrículo situa-se entre o tronco cerebral e o
cerebelo. O cerebelo é formado por dois hemisférios que se encontram
unidos na linha média pelo vérmis. Tal como nos hemisférios cerebrais a
superfície dos hemisférios cerebelosos é pregueada. O cerebelo pode ser
dividido em lobo floco-nodular que é o mais antigo sob o ponto de vista
66

filogenético e constitui o arquicerebelo, o lobo anterior que também é


antigo e constitui o paleocerebelo e lobo posterior que é o mais recente e
constitui o neocerebelo.

Fig. 8 – O cerebelo apresenta dois hemisférios que se unem na linha média, pelo vérmis. Está ligado ao
tronco cerebral através de três pares de pedúnculos. À esquerda está representado o cerebelo visto
posteriormente e à direita visto pelo lado esquerdo.

A camada externa chama-se córtex cerebeloso e é formada por neurónios,


a porção interna contem substância branca e os núcleos cerebelosos:
fastigial, globoso, emboliforme e dentado. Estes núcleos são formados
por neurónios tal como os núcleos basais no cérebro. O cerebelo coordena
os movimentos e controla a postura, o equilíbrio e o tónus muscular.

3.5. Medula espinhal


A medula espinhal tem a forma de um cordão com cerca de 1 cm de
diâmetro e 45 cm de comprimento. Tem uma consistência gelatinosa sendo
muito frágil pelo que é muito fácil ser lesada nos traumatismos.
67

Fig. 9 – Duas secções da medula. A da esquerda representa uma raiz sensitiva a caminhar pelas vias da
sensibilidade posteriores. A figura da direita representa uma raiz motora que provem das vias motoras.

A medula espinhal é a parte do sistema nervoso central situada no interior


da coluna vertebral. A nível superior nasce do tronco cerebral e a nível
inferior termina a nível da segunda vértebra lombar. Esta zona terminal da
medula chama-se cone medular e dá origem a um conjunto de nervos, a
que se chama cauda equina, porque fazem lembrar a cauda de um cavalo. A
secção transversal da medula é circular apresentando a substância cinzenta
em forma de H envolvida pela substância branca (fig. 9). A medula ao
longo do seu trajecto, na coluna, estabelece ligação com os nervos
periféricos através das raízes. As raízes anteriores são motoras e as
posteriores são sensitivas. No interior da medula existe uma organização
que permite que certas funções se realizem de forma automática.

3.6 Vascularização
Embora o encéfalo represente apenas 2% do peso do corpo humano recebe
cerca de 20% do volume sanguíneo bombeado pelo coração. A interrupção
da circulação sanguínea encefálica durante alguns segundos pode deixar a
pessoa inconsciente. Uma interrupção durante mais de cinco minutos pode
causar danos irreversíveis. Certas situações como a hipotermia podem
permitir que o cérebro resista durante mais tempo à falta de sangue.
68

Fig. 10 – Ramos da artéria carótida interna representados em perfil à esquerda e de frente à direita.

O encéfalo é irrigado por quatro artérias: as carótidas internas direita e


esquerda e as vertebrais direita e esquerda. As artérias carótidas passam
no pescoço lateralmente à traqueia. Ao entrar na cavidade craniana a
carótida interna descreve um S o chamado sifão carotídeo.

Fig. 11 – Irrigação cerebral. A artéria cerebral anterior irriga a porção interna dos lobos frontal e parietal.
A artéria cerebral média irriga a porção externa dos lobos frontal, parietal e temporal. A artéria
cerebral posterior irriga o lobo occipital e a porção posterior do lobo temporal.
69

A carótida atravessa uma estrutura venosa chamada seio cavernoso e entra


no espaço intradural por fora do quiasma óptico. Dá origem a três ramos: a
artéria oftálmica que se dirige para a órbita, a artéria comunicante
posterior que vai estabelecer uma anastomose com o sistema da artéria
basilar e a artéria coróideia anterior que como o nome indica irriga o
plexo coroideu, a porção interna do lobo temporal e a cápsula interna.
Depois de dar estes três ramos divide-se em duas artérias terminais: a
artéria cerebral anterior e a artéria cerebral média (Fig. 10).

Fig. 12 – Ramos da artéria vertebral representados de frente à esquerda e em perfil à direita.

A artéria cerebral anterior caminha ao longo do corpo caloso irriga a


porção interna dos lobos frontal e parietal (Fig. 12). A artéria cerebral
média tem um calibre maior que a cerebral anterior e caminha no interior
do rego Silvius. Irriga a porção externa dos lobos frontal, parietal e
temporal.
As artérias vertebrais têm este nome porque ao passarem no pescoço
atravessam as vértebras cervicais (Fig. 11). Entram no crânio através do
buraco occipital. Dão as artérias espinhais que vão irrigar a medula
espinhal e a artéria cerebelosa póstero inferior que irriga a face inferior
do cerebelo. A artéria basilar que passa à frente do tronco cerebral resulta
da fusão das duas artérias vertebrais entre o bulbo e protuberância. A
70

artéria basilar dá as artérias cerebelosas superiores que irrigam a porção


superior do cerebelo e termina bifurcando-se nas duas artérias cerebrais
posteriores. As artérias cerebrais posteriores irrigam os lobos occipitais
e a porção posterior dos lobos temporais.
O polígono de Willis estabelece uma anastomose entre o sistema carotídeo
e basilar (Fig. 12). As duas artérias cerebrais anteriores ramos das carótidas
anastomosam-se através da artéria comunicante anterior. As artérias
cerebrais posteriores estão ligadas às artérias carotídeas através das artérias
comunicantes posteriores.

Fig. 13 – As artérias comunicantes posteriores estabelecem a ligação entre o sistema carotídeo e basilar.
O polígno de Willis é formado pela artéria comunicante anterior, artérias cerebrais anteriores, artérias
comunicantes posteriores e artérias cerebrais posteriores.
O polígno de Willis apresenta sete lados sendo formado da frente para trás
pela artéria comunicante anterior, artérias cerebrais anteriores, artérias
comunicantes posteriores e artérias cerebrais posteriores. Este polígono tem
a possibilidade de manter a circulação cerebral no caso da oclusão de uma
das artérias principais.
71

Drenagem venosa
As veias cerebrais superficiais drenam para o seio longitudinal superior
que corre entre os dois hemisférios cerebrais. O seio longitudinal superior
divide-se, na região occipital, nos seios transversos direito e esquerdo que
passam entre o hemisfério cerebral e o cerebelo (Fig. 14). A junção entre o
seio longitudinal superior e os seios transversos chama-se lagar de Herófilo
e recebe também o seio recto com a drenagem profunda do cérebro. Os
seios transversos abrem-se nas veias jugulares através dos seios
sigmóides. As veias jugulares passam no pescoço junto das artérias
carótidas.

Fig. 14 – A drenagem venosa cerebral. Os seios venosos recebem as veias encefálicas e drenam para as
veias jugulares.

4. Sistema nervoso periférico (SNP)


O sistema nervoso periférico é constituído pelos 31 pares de nervos
raquidianos que saem da coluna pelos buracos de conjugação. São oito
72

pares de nervos cervicais, doze dorsais, cinco lombares, cinco sagrados e


um coccígeo. Estes nervos têm fibras sensitivas e motoras. As fibras
sensitivas trazem a informação sensorial de todo o corpo e entram na
medula espinhal pela raiz posterior (Fig. 9). As fibras motoras saem da
medula espinhal através da raiz anterior e levam a informação motora da
medula para os músculos. Há um grupo de nervos com origem no encéfalo
e que se chamam pares cranianos. Estes nervos são em número de doze e
saem do crânio pelos buracos da sua base . Dez dos doze nervos cranianos
estão ligados ao tronco cerebral.

5. Sistema nervoso autónomo (SNA)


Como o nome indica é autónomo não estando dependente da vontade. É
responsável pelo controlo das glândulas e dos órgãos internos. Divide-se
em sistema nervoso simpático e parassimpático (Fig. 15).
73

Fig. 15 – Sistema nervoso autónomo. À esquerda está representado o sistema nervoso simpático e à
direita o sistema nervoso parassimpático.

O sistema nervoso autónomo é formado por um conjunto de fibras nervosas


que estão ligadas ao sistema nervoso central. O sistema nervoso simpático
está associado aos nervos raquidianos (dorsais e lombares). O sistema
nervoso parassimpático está associado aos pares cranianos (III, VII, IX, X)
e aos nervos raquidianos sagrados.
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10. Sistemas sensoriais

Sumário
1. Sistema sensorial somático
2. Receptores
3. Nervos periféricos
4. Vias da sensibilidade
5. Dor
6. Placebo

A sensibilidade, a visão, a audição, o gosto e o olfacto são os cinco sentidos


tradicionais. Nos sistemas sensoriais inclui-se o estudo do tacto, da temperatura e da
dor. Aristóteles não considerava a dor como uma sensação mas sim como uma emoção.

1. Sistema sensorial somático

A sensação é um meio de conhecer e avaliar o mundo. Resulta da


consciencialização de um estímulo. O sistema sensorial transporta não só
informação do meio externo (calor, frio, tacto) como do interior do organismo
(posição de uma articulação). Esta informação é captada por receptores
especializados e caminha através dos nervos periféricos que a levam até à
medula. Da medula ascende até ao tronco cerebral, passa no tálamo e é sujeita
a uma análise no córtex cerebral. Pode também entrar directamente para o
tronco cerebral ou cérebro através dos nervos cranianos. A informação
sensorial pode ser dividida em várias categorias: somática, visual, gustativa,
olfactiva, auditiva e equilíbrio. Por sua vez a informação somática pode ser
subdivida em: dor, temperatura, propriocepção (posição de uma articulação) e
tacto.

2. Receptores

Os receptores são estruturas destinadas a detectar estímulos específicos.


Transformam o estímulo num sinal eléctrico que percorre o sistema nervoso. A
84

pele possui vários receptores que são específicos na detecção de determinados


estímulos. Muitos destes receptores têm o nome da pessoa que os descreveu em
primeiro lugar (Fig. 1).
2.1. Os corpúsculos de Meissner (George Meissner, 1829-1905, histologista, Alemão)
estão relacionados com as sensações tácteis finas e são muito numerosos na polpa dos
dedos.
2.2. Os corpúculos de Merkel (Friedrich Merckel 1845-1911, anatomo-fisiologista
Alemão) são sensíveis a estímulos tácteis fracos.
2.3 Os corpúsculos de Pacini (Filippo Pacini, 1812- 1883, anatomista Italiano) situados
no tecido subcutâneo são sensíveis à pressão profunda e vibração, situam-se nas mãos,
pés, glândulas mamárias e genitais.
2.4. Receptores dos folículos pilosos que envolvem a base do pêlo e respondem a
qualquer estímulo que deforme o pêlo.
2.5. Os corpúsculos de Ruffini (Ângelo Ruffinni, 1864-1929, anatomista Alemão) são
receptores para detectar grandes pressões, estiramento da pele e movimento das
articulações.

Fig. 1 – Receptores cutâneos

2.6. Terminações nervosas livres localizam-se na epiderme e no tecido conjuntivo e


reagem ao calor, frio e dor.
Os receptores não se distribuem de forma homogénea. Há zonas como a face e os dedos
em que são muito mais numerosos.
85

3. Nervos periféricos
A informação captada pelos receptores é transportada pelos nervos raquidianos que
contêm fibras nervosas sensoriais e motoras. O nervo periférico está ligado à medula
através das raízes. A raiz anterior ou motora e raiz posterior ou sensitiva. Os neurónios
motores têm o corpo celular no interior da medula espinhal a nível do corno anterior.
Pelo contrário os neurónios sensitivos têm o corpo celular fora da medula espinhal, no
gânglio que é uma dilatação da raiz posterior. Os neurónios que conduzem a informação
sensitiva podem ter diâmetros diferentes e ser ou não mielinizados. As fibras C não são
mielinizadas e transportam a informação de dor e temperatura. As fibras Aδ são
mielinizadas e transportam informação referente a dor e temperatura. As sensações de
tacto são transmitidas pelas fibras Aβ. Quanto ao diâmetro as fibras C são as mais finas
0,2 a 1,5 μm, seguido das Aδ com 1 a 5 μm e por fim as Aβ com 6 a 12 μm (Tabela -1).

Receptor Axónio associado Localização Função


C. de Meissner Aβ Pele sem pelos Tacto
C. de Merkel Aβ Toda a pele Tacto e pressão
C. de Pacini Aβ Tecido subcutâneo Tacto e vibração
R. folículos pilosos Aβ Pele com pelos Pressão no pelo
T. Ruffini Aβ Toda a pele Pressão
T. nervosas livres Aδ e C Toda a pele Temperatura e dor

Tabela 1 – Principais receptores cutâneos e axónios associados

Cada uma das raízes sensitivas está ligada a um nervo raquidiano que por sua vez é
responsável pela sensibilidade num determinado território cutâneo a que se chama
dermatoma. O conhecimento destes territórios é fundamental para perceber qual o nível
de uma lesão medular. (Fig. 2).

Fig. 2 – À esquerda estão representados os territórios cutâneos (dermatomas) que correspondem a cada
nervo raquidiano. Os mamilos situam-se no dermatoma do 5º nervo dorsal. No caso de uma lesão medular
a nível da quinta vértebra dorsal pode haver uma perda de todas as sensibilidades abaixo dos mamilos.
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4. Vias da sensibilidade
A informação sensorial atinge o córtex na área sensitiva que fica na região anterior do
córtex parietal atrás do sulco central. A distribuição das várias zonas sensitivas é
semelhante à do córtex motor que se situa à frente do sulco central (Fig. 3). Existem
duas vias principais que conduzem a informação sensorial até à área sensitiva que fica
na região anterior do córtex parietal: feixe dos cordões posteriores e feixe espino-
talâmico. Estas duas vias passam no tálamo e cruzam a linha média a níveis diferentes.

Fig. 3 – O córtex sensitivo situa-se atrás do sulco central e na porção anterior do lobo parietal. Cada
região do córtex recebe informação sensitiva de uma zona do corpo. A distribuição das diferentes zonas é
semelhante à do córtex motor.

Feixe dos cordões posteriores – Os impulsos proprioceptivos, tácteis e vibratórios


entram na medula e ascendem ao longo dos cordões posteriores mantendo-se do mesmo
lado (Fig. 4). A nível do tronco cerebral cruzam para o lado oposto, atingem o tálamo e
terminam no córtex cerebral. Uma lesão a nível dos cordões posteriores leva a uma
perda da sensibilidade proprioceptiva, táctil e vibratória, ipsilateral, abaixo da lesão.
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Fig. 4 – O feixe dos cordões posteriores transmite as informações proprioceptivas, tácteis e vibratórias.
Cruza a linha média no tronco cerebral.

Feixe espino-talâmico - Os impulsos nervosos referentes à dor e temperatura entram na


medula espinhal ascendem um ou dois níveis e cruzam-na para o lado oposto. Mantêm-
se do lado oposto até atingirem o tálamo e depois o córtex cerebral.

Fig. 5 – O feixe espino-talâmico transmite as informações da dor e temperatura. Cruza a linha média na
medula.

Uma lesão da medula que envolva a via espino-talâmica leva a uma perda contralateral
da sensação dolorosa e térmica abaixo do nível da lesão.
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Fig. 6 – Representação conjunta do feixe espino-talamico e feixe dos cordões posteriores. Ambos passam
no tálamo e atingem o córtex sensitivo na região parietal anterior do lado contrário ao que entraram na
medula.

5. Dor

A dor não é apenas uma estimulação excessiva dos receptores sensoriais.


Existem receptores específicos para a dor. Embora estes receptores estejam
espalhados por todo o corpo não existem no encéfalo e medula espinal. A dor
tem a vantagem de nos proteger de situações perigosas. As fibras que
transportam a informação dolorosa podem ser de grande diâmetro e
mielinizadas. Neste caso transportam uma informação de dor imediata à
velocidade de 10 a 30 m/sec. No caso de serem de pequeno diâmetro e não
mielinizadas transportam uma informação de dor difusa à velocidade 0,5 a 2
m/sec.

A intensidade da dor não é só função da extensão de uma lesão. O sistema


nervoso central pode modular essa dor. O ópio, a morfina e a heroína são
semelhantes aos opióides endógenos. Estes são produzidos pelo organismo
durante o parto ou durante esforços violento para reduzir a intensidade da
dor.
A dor referida consiste na percepção da dor numa região diferente daquela onde existe
a lesão. É o caso da isquemia cardíaca que pode desencadear uma dor no membro
superior esquerdo. Esta situação tem a ver com o desenvolvimento embrionário que
levou a uma enervação comum das duas estruturas.
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A dor fantasma surgem em cerca de 10% das amputações. O doente refere dor numa
parte do membro que foi amputado. Pode dever-se a uma reacção a nível do nervo
seccionado que é interpretada pelo cérebro como um processo doloroso.

6. Placebo
O placebo é uma substância sem acção farmacológica. É usado para o doente pensar que
está a tomar um medicamento real. Emprega-se em ensaios clínicos para testar a
eficácia de um medicamento novo. Após consentimento os doentes são divididos em
dois grupos, um que toma o placebo e outro que toma o medicamento real. Se os
resultados forem semelhantes significa que o medicamento não é eficaz.
Sabe-se que o placebo pode levar à libertação de mediadores cerebrais que combatem a
dor. O doente ao pensar que está a tomar um medicamento analgésico acaba por levar o
seu cérebro a produzir substâncias que combatem a dor.

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