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Dos barcos leves da Antiguidade aos transatlânticos, o homem convive com o perigo
dos naufrágios. Hoje, cada embarcação que repousa no fundo do mar conta uma parte da
história das navegações
É provável que os primeiros a explorar o mar longe da costa tenham sido moradores das
ilhas do Pacífico, viajando em pequenas embarcações em busca de novos locais de
pesca. Na Antiguidade, algumas civilizações se tornaram verdadeiros impérios navais,
como a dos fenícios. Naquela época, as navegações costumavam ser costeiras, e o
perigo maior estava em ser jogado pelas ondas contra os rochedos.
Durante a Idade Média, as nações mais poderosas da Europa deixaram as águas e seus
perigos um pouco de lado. “O mar era secundário porque o poder estava nas mãos de
quem tinha terras, nos feudos”, diz Leandro Domingues Duran, pesquisador de História
Marítima da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O fim do período
medieval, no século 15, foi marcado pela chegada das grandes navegações. Portugal e
Espanha saíram na frente, colocando a América nos mapas e nas rotas marítimas.
Mesmo com incêndios, tempestades e a ameaça de ataques de militares inimigos e
piratas, navegar era preciso. Até o século 20, os navios seguiram como protagonistas
das relações entre os países. A maré começou a mudar em junho de 1919, quando os
ingleses Arthur Whitten Brown e John Alcock se tornaram os primeiros a cruzar o
Atlântico pelo ar sem escalas, saindo do Canadá e pousando na Irlanda. O glamour dos
transatlânticos foi ofuscado pela agilidade do avião – que, além de transportar pessoas e
carga em tempos de paz, mostrou-se mortal em tempos de guerra. Hoje, para estudar os
milênios em que os navios dominaram o mundo, os arqueólogos têm que olhar para o
fundo do mar. Veja, a seguir, oito casos que contam um pouco da história das
navegações.
Mistério mediterrâneo
Réplica em tamanho real do Uluburun – Museu de Arqueologia Subaquática de Bodrun
Navio: Uluburun
Origem: Síria
Carga: lingotes de cobre e estanho, vidro, jóias e frascos de perfume
Comprimento: 16 metros
Data do naufrágio: cerca de 1300 a.C.
Localização: costa da Turquia, próximo à cidade de Kas, (encontrado em 1983)
Muita coisa mudou nos últimos 3 mil anos – mas o inverno na costa mediterrânea da
Turquia continua hostil aos marinheiros. Provavelmente foram as chuvas e os ventos
fortes dessa estação que fizeram o Uluburun naufragar, por volta de 1300 a.C. Ele foi
achado em 1983, quando um pescador de esponjas notou algo estranho no fundo de um
precipício marinho. Com suas 24 âncoras de pedra, o barco foi batizado com o nome da
região em que foi encontrado, perto da cidade turca de Kas.
Mais antigo naufrágio já estudado, o Uluburum ainda é um enigma para a arqueologia
marinha. “O mais provável é que ele estivesse em missão diplomática e comercial em
direção a Micenas, na Grécia”, diz Julio Gralha, professor de História Antiga da
Unicamp. Acredita-se que o barco levasse presentes de um soberano sírio para um
dirigente grego.
As pesquisas no Uluburun começaram ainda em 1983, lideradas pelo arqueólogo
americano George F. Bass. No barco foram achadas 10 toneladas de cobre e estanho,
provenientes do Chipre – provavelmente uma das escalas da viagem. Também foram
resgatados objetos de vidro característicos da Síria e da Palestina. Entre os artigos de
luxo encontrados havia um escaravelho dourado com o nome da egípcia Nefertiti, que
reinou no Egito na segunda metade do século 14 a.C.
Imagem Wikicommons –
afresco fenício
Navio: Melkarth
Origem: Fenícia
Carga: ânforas (vasos de cerâmica) com produtos variados
Comprimento: 15 metros
Data do naufrágio: meados do século 5 a.C.
Localização: região oeste do Mar Mediterrâneo (encontrado em 1998)
Caravela pioneira
Morte na armada
A derrota para os ingleses freou a expansão do Império Espanhol, mas não o impediu de
continuar explorando suas colônias na América. Galeões voltavam para a Espanha
cheios de prata, ouro, pedras preciosas e produtos agrícolas. Normalmente, viajavam em
comboio por questão de segurança. Em 4 de setembro de 1622, junto a outros 27 barcos,
o Nossa Senhora de Atocha zarpou de Havana (hoje capital de Cuba) com a missão de
proteger a retaguarda da frota.
Após a partida, o clima começou a piorar. O mar ficou revolto e, no dia seguinte, o
Atocha e outras quatro embarcações entraram numa grande tempestade. Era um furacão.
Com as velas danificadas e os mastros partidos, o galeão já não podia manobrar. Em 6
de setembro, foi lançado contra recifes e afundou rapidamente. Das 265 pessoas a
bordo, apenas cinco se salvaram.
A carga submersa ficou conhecida como o Tesouro das Américas: incluía 24 toneladas
de prata e 125 barras de ouro. Os esforços para encontrar o Atocha só cessaram em
1985, quando a equipe da Treasure Salvours, empresa americana especializada em
buscas submarinas, o localizou no sul da Flórida, recuperando parte do tesouro.
Armas inúteis
Pintura de Thomas Luny (1759–1837) - British Library, foto em Wikicommns
Navio: Earl of Abergavenny
Origem: Inglaterra
Carga: metais (como prata, cobre e estanho), porcelana, bebidas e vidro
Mortos: cerca de 260 pessoas
Comprimento: 176 metros
Peso: 1400 toneladas
Data do naufrágio: 5 de fevereiro de 1805
Localização: sul da Inglaterra
“O desejo de Deus será cumprido.” Foi o que o capitão inglês John Wordsworth disse
ao saber que o seu Earl of Abergavenny afundaria em minutos. O navio era um dos
maiores da Companhia Inglesa das Índias Orientais – organização comercial fundada
em 1599 que, após dois séculos de disputa contra holandeses, conseguira dominar as
rotas que levavam à Índia e à China. A embarcação tinha zarpado de Portsmouth, na
Inglaterra, em 1º de fevereiro de 1805, rumo à China. Levava uma fortuna em moedas
de prata e mercadorias.
No século 19, mesmo os navios mercantes ingleses eram fortemente armados com
canhões – o Earl of Abergavenny tinha 30. Naquela época, por causa dos ataques de
piratas, essa precaução era necessária (entre 1805 e 1815, nada menos que 5314
embarcações britânicas foram capturadas por corsários). Mas isso nada adiantou contra
as forças da natureza. Após quatro dias de mau tempo, ventos danificaram os mastros e
o comandante decidiu voltar. Na noite do dia 5 de fevereiro, a embarcação chocou-se
contra rochedos no cabo de Portland, ao sul da Inglaterra. Os porões se encheram de
água e, às 23h, o navio afundou. Das 402 pessoas a bordo, pelo menos 260 morreram.
No final de 1805, após tentativas fracassadas de resgatar as mercadorias, entrou em cena
o inglês John Braithwaite. Para descer até o Earl of Abergavenny, ele usou um sino de
mergulho – uma espécie de escafandro primitivo, com uma mangueira de ar ligada à
superfície. Com a engenhoca, ele recuperou boa parte da carga.
O fim do mito
A gota d’água
RMS Lusitania coming into port, possibly in New York, 1907-13, foto de George
Grantham Bain
Navio: Lusitânia
Origem: Inglaterra
Carga: passageiros e munição
Mortos: 1198 pessoas
Comprimento: 240 metros
Peso: 31550 toneladas
Data do naufrágio: 7 de maio de 1915
Localização: litoral sul da Irlanda
Quando a companhia White Star Line encomendou o Titanic, um dos objetivos era
superar o Lusitânia, orgulho da rival Cunard Line. Esse luxuoso transatlântico de 1906
fazia uma vez por mês o trajeto entre Liverpool, na Inglaterra, e Nova York, nos
Estados Unidos. Ele conseguiu sobreviver aos icebergs do Atlântico Norte, mas não
escapou de um destino trágico.
Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, submarinos alemães saíram à
caça de barcos britânicos. Mesmo sabendo do perigo, no dia 1º de maio do ano seguinte,
1962 pessoas embarcaram no Lusitânia e saíram dos Estados Unidos rumo à Inglaterra.
Nos seis primeiros dias da viagem, 23 navios mercantes foram atacados no Atlântico
Norte. O Lusitânia quase escapou, mas, perto da Irlanda, foi atingido por um torpedo
alemão. Em 18 minutos, foi a pique.
Foram resgatados 764 sobreviventes. Entre os mortos, estavam 128 cidadãos
americanos. O naufrágio acabou sendo um dos argumentos para que, em 1917, os
Estados Unidos decidissem entrar na Primeira Guerra – ao lado dos ingleses e contra os
alemães. O primeiro a explorar os destroços foi o mergulhador americano John Light,
em 1960.