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V. 1 9 N . 57 {1992):223-248
"W T" ma discussão sobre o direito divino que se elevasse a 1 Achamos preferível, por
mais adequado, o uso do
u m bom nível de reflexão se defrontaria com uma série conceito de "doutrina" em
de dificuldades. O primeiro e intransponível entrave detrimenli) do de "teoria".
E correto que i>s dois con-
estaria dado pelo próprio "black-out" historiográfico em torno ccilos guardam sentidos
da temática. Em u m levantamento bibliográflco relativamente comuns — G r a m s c i , por
exemplo, utilizou igual-
exaustivo, encontramos uma única monografia referente a nos-
mente as duas expressões
so interesse: £/ Derecho Divino de los Reyes, de John Neville Figiis, ao se referir em sua obra à
cuja primeira edição inglesa data de 1896. "doutrma d.i práxis", ou à
"teoria da práxis". Na ver-
dade, ambas as expressões
A escassez bibliográflca reinante, ao que nos parece, advém de confundem-se em um mes-
u m injustificado preconceito de estudiosos e comentadores do mo conceito Entretanto, ao
aludir ao direito divino dos
pensamento político, a maioria dos quais estuda as grandes reis, a nuança que quere-
expressões da teoria política respondendo a interesses mais mos ressaltar é a de que
entendemos "doutrina"
imediatos do mundo contemporâneo. As doutrinas do direito como um conjunto de prin-
d i v i n o ' não correspondem bem a u m certo caráter presentista^ cípios mais "conexos com a
açào" que servem de esteio
da ciência política.
a um sistema político, en-
quanto "teoria" situar-se-ia
Dessa forma, estudam-se os pensadores políticos quase exclusi- mais para um campo de
construção inlelectiva do
vamente em função de suas contribuições em torno de proble-
espírito,
máticas que estão sendo vivenciadas. N o mesmo sentido, os
programas universitários são montados a partir de expressões 2. A expressão comporta
da ciência política secularizada do século X V I . Assim é que, ambigüidades. No presen-
te caso, tanto pode ser en-
comumente, deparamos com expressões do tipo " t u d o começou tendida em u m sentido
com Maquiavel" ou "a política de Maquiavel a nossos dias". mais vulgar como em sua
dcepçào historiográfica: o
Perdem-se, nessa longa temporalidade, alguns entretons impor- de que li>da história, em
tantes, algumas noções de interesse para a história das idéias última instância, é história
contemporânea. Vale dizer,
políticas, mesmo que submersas em uma roupagem teológico- quer os objetos da análise
-religiosa. h i s t ó r i c a se e n q u a d r e m
dentro de uma expi-riência
temporal mais imediata,
O alheamento ante as doutrinas do direito divino^ expressa-se quer derivem de um passa-
mais nitidamente no plano da maioria das coleções st>bre a his- do de maior protundidade,
a operação histórica a que
tória do pensamento fwlítico disponíveis; raramente encontra- procede o cientista político
mos referências mais abrangentes em obras de caráter geral como geralmente se pauta por
pretKupações relativas ao
as pequenas coleções de historiadores franceses do pensamento vivido, à ép<x:a em que se
político como M . Prélot, J. Jacques Chevalier, F. Chatélet ou inscreve o sujeito.
mesmo Jean Touchard, a qual, dentre todas, parece-nos a me-
3, A darmos crédito a P,
lhor. Os teóricos do direito divino — às vezes com exceção de Anderson, diversas furam
Bodin e Bossuet — são tratados com brevidade, sem maior as teorias formuladas á épo-
ca tentando justificar um
preocupação de verticalidade. p<xler que só se submeteria
a Deus. r a / ã o última da
Achamos que uma abordagem da temática justifica-se por dois própria existência do go-
vernante. IX-ssa forma, ao
fatores de relevância: p r i m e i r o , por se tratar de todo u m invés da "doutrina" ou da
arcabouço teórico, bem fundamentado e conseqüente, que se "teoria" do direito divino.
27H,
Conclusões
Antes de concluirmos esse nosso esforço — realizado no senti-
do de restituir a doutrina à sua própria época —, é preciso fixar
algumas noções já diluídas ao longo do texto: tratou-se de u m
pensamento político de ampla ambiência, proclamado nos pül-
pitos das igrejas, apregoado nas praças públicas e defendido
nos campos de batalha; desde os grandes vultos políticos até o
mais comum dos súditos nele creram com fervor religioso, o
que fez do poder por ascendência divina uma crença profunda
de acepção geral; se o enquadramos em meio ao processo de
crise geral do feudalismo, da centralização do poder político e
da consolidação do Estado Moderno, ficará compreensível que
se tratou muito mais de uma resultante de necessidades práti-
cas de circunstâncias históricas que propriamente da atividade
pura e simples de uma intelectualidade áulica. A dizer verdade,
nenhum entusiasmo por projetos políticos idealistas, nenhuma
discussão desinteressada sobre a natureza do governo e nenhu-
ma mentalidade religiosa abstrata seriam suficientes para en-
gendrar uma fé tão apaixonada. Como ocorreria com as teorias
contratualistas, só a tensão de circunstâncias históricas e o cor-
po-a-corpo com as condições objetivas da realidade poderiam
produzi-lo nas formas que o conheceram os séculos X V I e XVII.
Referências Bibliográficas ^
BLITZER, Charles, A era dos reis, Rio de Janeiro, José Olympio, 1971.
Endereço do autor:
R. Wenceslau Braz, 485
31.540-670 — Belo Horizonte — MG