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CAPÍTULO BÔNUS

Ciência De Araque
(e como você é enganado)
Este capítulo é um complemento bônus ao livro ​"Este não é mais um livro de dieta"
de Rodrigo Polesso, publicado pela editora Gente.

Para mais informações sobre esta obra, visite:


http://estenaoemaisumlivrodedieta.com.br

Todos direitos reservados ao ator e editora.


“O real propósito do método científico é nos certificar que a natureza não nos levou a pensar
que sabemos algo que na verdade não sabemos.” - Robert M. Pirsig

Bem vindo a este capítulo especial que te dará uma espécie de superpoder. Superpoder de se
proteger contra as balelas ditas por aí sobre saúde, nutrição e emagrecimento.

Veja, uma das coisas que mais me enfurece e entristece é ver pessoas bem intencionadas que
querem melhorar suas vidas e corpos e acabam alterando seus hábitos na forma oposta do
que deveriam simplesmente porque ouviram ou viram falar por aí que isso seria o correto.

É a tristeza que sinto em ver uma quantidade enorme de força de vontade e dedicação sendo
jogada absolutamente no lixo ao mesmo tempo em que estas pessoas se movem para cada
vez mais longe de seus objetivos e não mais perto, tipicamente sofrendo mais, tendo piora dos
sintomas e pior, perda de esperança de que elas um dia poderão atingir seus objetivos e
sonhos de saúde, vitalidade e boa forma.

Ciência existe justamente para que os fatos não dependam de opinião.

Hoje em dia é comum vermos por aí em manchetes nos maiores canais de mídia que "estudo
tal" mostrou que tal coisa é verdade ou que novo "estudo tal" semeia o medo sobre certa
doença, ou ainda que tal estudo mostrou que tal alimento pode ser a solução para o
emagrecimento, etc, etc.

Parece que quando temos um "estudo" por trás de uma manchete, imediatamente baixamos
nossa guarda e tendemos a aceitar aquilo como verdade e cá entre nós, provavelmente em um
mundo perfeito isso poderia ser assim.

Ninguém tem tempo hoje em dia, além de aficionados teimosos pelo assunto como quem vos
escreve, de ir revisar em detalhes a literatura científica em jornais do ramo ou de sentar na
praia com uma nova meta-análise de ensaios clínicos randomizados na mão para degustação e
relaxamento.

As pessoas só querem saber se tal hábito irá ajudar ou não elas chegarem mais perto de seus
objetivos. Como isso pode ser tão difícil de se dizer claramente?

Uma hora vemos que gordura faz bem, depois vemos que gordura faz mal, que colesterol vai
nos matar e depois que precisamos de mais colesterol, como pode?

Esse show de contradições só acaba por deixar as pessoas mais confusas e menos crédulas
nas diretrizes de saúde no geral, como mostra um estudo (1) publicado em 2014 onde 71% das
pessoas pesquisadas disseram já ter ouvido informações altamente conflitantes na mídia sobre
nutrição.
Por exemplo:

Ouvimos por décadas que ovos são danosos a saúde por causa do colesterol, mas agora
sabemos que eles são absolutamente saudáveis e que o colesterol não tem nada a ver com a
história.

Por décadas nos disseram que margarina é a solução saudável e agora estamos voltando a
louvar a manteiga e a condenar a margarina.

Milhões de pessoas foram persuadidas a parar de usar banha e outras gorduras naturais para
cozinhar (inclusive o Mc Donald's na época) e a começar a usar óleos vegetais, só para que
agora, décadas depois sabermos incontestavelmente que eles são danosos a saúde,
pró-inflamatórios e associados a uma variedade de problemas.

Por décadas acreditamos que a solução para o emagrecimento é o corte calórico, aumento de
exercícios e limite de gorduras na dieta só para agora sabermos conclusivamente com várias
dezenas de ensaios clínicos randomizados por trás que esta é provavelmente a estratégia mais
ineficiente e ineficaz de se atingir este objetivo.

O consumo de sal foi (e ainda é) demonizado por décadas sugerindo as recomendações


oficiais que nós mantenhamos o consumo baixo, só para vermos evidências incontestáveis de
que este tipo de diretriz não tem embasamento científico algum e pior, sendo o consumo baixo
de sal ainda potencialmente mais perigoso que o consumo exagerado como documentado
brilhantemente no livro ​The Salt Fix​ do americano Dr. James DiNicolantonio.

No dia 17 de Março de 2017 o portal jornalístico da BBC (5) publicou um artigo com o título
"Enorme avanço na luta contra a maior causa de mortes no mundo", seguido de "uma nova
droga inovativa pode prevenir ataques cardíacos e infartos cortando o mau colesterol a níveis
sem precedência, dizem médicos.".

Tudo isso para que menos de dois meses depois, no dia 6 de Maio de 2017, no portal do jornal
The Telegraph (6), referindo-se ao mesmo assunto, a manchete fosse: "Nova droga
extremamente cara para colesterol prescrita pelo Sistema Nacional De Saúde (NHS) não
previne ataques cardíacos fatais ou infartos, dizem experts.".

Esta conclusão inversa foi baseada em uma análise mais criteriosa do estudo que tinha sido
feito sobre a droga, análise esta que elucidou que a nova droga nao fornecia benefícios
nenhum aos pacientes, pelo contrário, tendo acontecido 18 mortes a mais no grupo que a
consumiu. Chocante ou não?

Isso tudo além de outras centenas de exemplos por exemplo de alimentos que geram
informações contraditórias quase que semanalmente com estudos apontando em direções
opostas, como por exemplo (2): café, vinho tinto, suco de laranja, cerveja, azeite de oliva, soja,
salmão, batatas, etc.

Como é possível tanta informação conflitante e oposta? Parece que ninguém de fato sabe do
que está falando, não é verdade?

Veja, este tipo de calamidade científica só é possível com a combinação explosiva de duas
coisas:

● Estudos falhos e mau conduzidos.


● Má interpretação ou interpretação tendenciosa deles.

Veja, a ex-editora de um dos jornais científicos mais respeitados do mundo, o ​New England
Journal of Medicine​, Marcia Angell, quem editou o jornal por mais de 20 anos, concluiu (8) em
uma palestra em 2012 que não era mais possível confiar na maior parte da literatura que era
pública ou confiar na autoridade dos médicos ou diretrizes médicas.

Eu fico absolutamente chocado ao ver o número de falhas e erros grosseiros em estudos


supostamente reputáveis, revisados e publicados em jornais científicos de renome.

Mais chocado ainda, na verdade, furioso, fico ao ver as interpretações inconsequentes e


simplesmente falsas que são tiradas deles e depois disseminadas para toda a população
através da mídia, internet, mídias sociais, etc.

No final das contas, milhões de pessoas acabam acreditando naquela mensagem e alterando
seus hábitos de acordo só para saberem depois de meses ou anos que aquilo na verdade é
algo danoso e errado.

Considere um relatório (4) feito pelo escritório de ciência e tecnologia do parlamento Britânico
baseado em uma pesquisa internacional com respondentes de instituições de ensino superior
que diz que 14% deles admitiram saberem de um colega que fabricou, falsificou ou modificou
dados e 34% dos cientistas reportaram métodos e práticas questionáveis que incluem reporte
seletivo de desfechos clínicos em estudos publicados e também omissão de conflitos de
interesses.

A situação é preocupante!

Uma coisa é certa, se você colocar sua saúde e bem-estar na mão de terceiros e depositar sua
confiança para tomar decisões neste sentido no que você vê por aí, você estará fadado a uma
vida de amargura e pior é que a culpa não é nem sua.

É para te empoderar contra tudo isso, para que você possa tomar as rédeas da sua saúde e
estilo de vida que quero compartilhar o que julgo serem os conceitos-chave para que a partir de
hoje você não caia mais no conto do vigário científico e já adianto, algumas coisas que você
está prestes a ver podem te deixar de boca aberta.

Como Você é Enganado

Segure as pontas aqui comigo enquanto damos uma leve explorada no abismo escuro da
ciência e entendemos uma das principais formas, através, da qual você é enganado seja de
propósito ou não.

Veja, evidência científica não é uma coisa só. Estudos científicos se diferem drasticamente em
relevância e significância. Logo, não é por algo ser chamado de "estudo científico" que merece
credibilidade imediata, longe disso.

Enquanto alguns estudos realmente elucidam aspectos interessantes e significativos, outros


não deveriam nunca ter sido publicados e sidos direcionados, ao invés, diretamente ao saco de
lixo mais próximo.

As diferenças entre os tipos de estudos podem ser complexas e poderíamos escrever uma
enciclopédia sobre o assunto, no entanto, este não é nosso objetivo, logo, vamos ver uma das
principais diferenças no aspecto que nos toca aqui.

OBS: Você pode ver meu vídeo chamado "Um Guia Completo Para Entender Estudos
Científicos De Nutrição" onde explico em mais detalhes as diferenças entre diversos tipos de
estudos no Youtube (Canal "Emagrecer De Vez").

Agora, relaxe na cadeira a medida que uso de uma linguagem um pouquinho mais técnica, mas
que logo ficará clara como água pra você. Isso vai mudar a forma como você lê as notícias por
aí.

A diferença crucial que você precisa entender é entre estudos observacionais (epidemiológicos)
e ensaios clínicos randomizados.

A principal característica que os difere é que estudos observacionais só podem no máximo


levantar hipóteses e jamais provar causa e efeito de nada.

Já os ensaios clínicos randomizados podem testar estas hipóteses e eles, sim, podem
comprovar causa e efeito.

Em outras palavras, estudos observacionais, apesar de constituírem a maioria dos estudos


publicados no mundo, jamais podem gerar manchetes do tipo "café causa emagrecimento" ou
"gorduras saturadas causam problemas cardíacos", mas, sim, manchetes do tipo "o consumo
de legumes está associado a uma maior longevidade", "exercícios físicos estão associados
com menor risco cardíaco.", etc.
Este tipo de estudo pode somente mostrar associações entre fatores e no máximo levantar
uma hipótese que depois precisa ser testada de acordo.

No entanto, ensaios clínicos randomizados podem concluir causa e efeito do tipo "excesso de
frutose em ratos causa inflamação no fígado", etc.

Agora, quer saber o porque disso?

Para você entender claramente porque isso faz total sentido, basta que você entenda de forma
simplificada como cada um destes tipos de estudos é conduzido.

Veja, estudos observacionais geralmente são baseados em questionários, pesquisas e na


manipulação e filtragem de uma grande quantidade de dados coletadas de alguma forma de
uma população em particular.

Por exemplo, poderíamos conduzir um estudo observacional para sabermos mais se o


vegetarianismo é bom ou não para a saúde.

A forma como isso seria feito neste tipo de estudo seria a seguinte:

Vamos selecionar uma amostragem da população, por exemplo, vamos conduzir uma pesquisa
em São Paulo, selecionando 50 mil pessoas de 50 a 70 anos de idade para responderem a
uma pesquisa alimentar.

Nesta pesquisa que será distribuída a estas 50 mil pessoas nós vamos pedir se a pessoa é
vegetariana ou não, pedir detalhes sobre problemas de saúde, como diabetes, eventos
cardíacos, peso, circunferência abdominal, hábitos alimentares cotidianos, etc.

No final do estudo, depois de coletarmos os 50 mil formulários preenchidos é hora de digitalizar


tudo isso e começar a analisar dos dados.

Podemos verificar que destas 50 mil pessoas, por exemplo, 20% delas disseram serem
vegetarianas, enquanto os outros 80% disseram ser não vegetarianas.

Agora, podemos analisar a incidência de problemas de saúde entre os dois grupos.

Com uma análise rápida, poderíamos ver que o grupo dos vegetarianos teve somente metade
dos problemas de saúde comparado ao grupo dos não-vegetarianos.

De posse destes dados e análise poderíamos publicar o estudo dizendo que "ser vegetariano
está associado a uma incidência 50% menor de problemas de saúde.".
Agora, jamais poderíamos dizer baseado nestes dados que ser vegetariano é a causa desta
redução de problemas de saúde. Estudos observacionais jamais podem provar causa e efeito,
somente associação.

Sabe porque?

Veja, depois de publicar estes dados dizendo que o vegetarianismo está associado com menor
incidência de problemas de saúde, nós continuamos a análise dos dados e vemos que os
vegetarianos também tendem a se exercitar duas vezes mais e a fumar 5 vezes menos que os
não-vegetarianos.

Então, espera aí. Será que é o vegetarianismo que colabora para a maior saúde ou o fato de
estas pessoas se exercitarem mais e fumarem menos? Impossível de sabermos ao certo.

Continuamos em frente com a análise dos dados e agora fazemos uma análise mais
específica.

Comparamos os vegetarianos não fumante e que dizem se exercitar pelo menos 3 vezes na
semana com o grupo de não-vegetarianos que também disseram ser não fumante e também se
exercitarem 3 vezes na semana.

Os resultados nos deixam de boca aberta, porque agora os dados mostram que o grupo de
não-vegetarianos têm 30% menos problemas de saúde do que os vegetarianos.

Qual é a conclusão disso tudo? A conclusão é que não podemos tirar conclusão alguma deste
tipo de estudo justamente devido a todas estas variáveis sob as quais não temos controle. Não
temos como saber o que causa o que de fato.

Agora veja, caso este estudo observacional fictício que fizemos acabe colocando uma pulga
atrás da nossa orelha, nós podemos agora conduzir um outro para sabermos se
vegetarianismo em si é o responsável por menos problemas de saúde e não as outras
variáveis.

A forma como poderíamos fazer isso é através de um ensaio clínico.

De forma simples, poderíamos pegar um grupo de 500 vegetarianos e 500 não-vegetarianos da


mesma faixa etária, com atividade física semelhante e hábitos de estilo de vida semelhantes
sendo que a única grande diferença entre os 2 grupos é o fato de um ser vegetariano e o outro
não.

Isolando-se todas as potencias variáveis de influência e focando na única diferença entre os


grupos, poderíamos seguir estes 2 grupos por 40 anos e no final analizarmos os dados.
A conclusão deste estudo poderia ser do tipo "uma dieta vegetariana aumenta em 25% os
riscos cardíacos de homens e mulheres adultas, ativas e não fumantes que vivem na cidade de
São Paulo."

Veja, como teoricamente a única diferença entre os dois grupos analisados foram seus hábitos
alimentares, podemos concluir que qualquer diferença na incidência de problemas de saúde
será potencialmente causada por eles e não outros fatores.

Agora, claro, este é somente um exemplo, uma vez que tal estudo seria bastante difícil (e caro)
de ser conduzido em vista da colossal dificuldade de se categorizar seres humanos de forma
tão precisa e a fim de isolar todas possíveis variáveis de estilo de vida potencialmente
influentes.

Veja um outro exemplo rápido que pode elucidar a diferença em um cenário mais realista.

Queremos por exemplo testar se o uso de uma droga X para insônia é boa ou não para saúde.

Se fizermos um estudo observacional, podemos submeter uma pesquisa a um grupo grande de


pessoas pedindo se elas tomam a droga X e também pedindo mais detalhes sobre seus
problemas de saúde. Podemos fazer isso anualmente por uns 10 anos, por exemplo.

No final do estudo, analisamos os dados e podemos concluir que "o uso da droga X para
insônia é associado com uma redução de 50% no risco cardíaco.".

Interessante, portanto, jamais poderemos dizer com este tipo de estudo que a droga X está
causando esta redução.

Quais outros hábitos destas pessoas que tomam esta droga poderiam estar influenciando
nestes resultados.

Talvez as pessoas que tomam a droga X sejam pessoas que estão acostumadas a tomar
outras drogas e comprimidos, como por exemplo um multivitamínico que pode colaborar para
sua saúde.

Podemos fazer uma análise mais detalhada dos dados que mostra que ao filtrarmos somente
as pessoas que tomam a droga X e também tomam um suplemento vitamínico e compararmos
com um grupo de pessoas que também toma suplemento vitamínico mas que não tome a
droga X, vemos que as pessoas que tomam a droga, agora, tendem a ter 50% mais problemas
cardíacos, não menos, ao invés.

Então, que tipo de conclusão podemos tirar disso tudo? Conclusão nenhuma.

Podemos apenas tirar hipóteses para serem testados de fato por ensaios clínicos.
Se quisermos testar a primeira hipótese que tivemos de que a droga X reduz em 50% os
problemas cardíacos destas pessoas, podemos estruturar o que chamamos de "padrão ouro"
de evidência científica que é um ensaio clínico randomizado.

Para testarmos a hipótese nós pegaríamos um subgrupo específico da população, por


exemplo, homens de 50 a 55 anos que sofrem com insônia, não obesos, não diabéticos e não
fumantes e dividiríamos eles aleatoriamente (de forma randomizada) em dois grupos:

Um grupo 1 de homens iria tomar a droga X diariamente por 5 anos e o grupo 2 (grupo
controle) não iria mudar em nada seus hábitos, podendo somente tomar uma pílula placebo ao
invés da droga X.

No final dos 5 anos podemos analisar todos os pontos que irão diferir estes 2 grupos.

O estudo poderia concluir que "tomar a droga X diariamente causa um aumento de 50% (e não
redução) de incidência de problemas cardíacos em homens de 50 a 55 anos não obesos,
diabéticos ou fumantes.".

Logo, apesar de o estudo observacional anterior que fizemos ter concluído que a droga X está
associada com uma redução de riscos, o ensaio clínico randomizado que de fato testou esta
droga concluiu o contrário, que a droga aumenta os riscos.

Logo, a qual dos dois estudos você daria mais importância se estivesse baseando a sua
própria decisão de tomar ou não a droga X?

Ao ensaio clínico randomizado, com certeza. Este é o único que pode comprovar causa e efeito
e não meramente associação.

Ufa, cabeça fervendo por aí ou ainda estamos juntos?

Veja, estou batendo nesta tecla porque a literatura científica está infestada de estudos
observacionais, muito mais que ensaios clínicos.

E pior, rotineiramente a mídia e até os próprios condutores destes estudos extrapolam suas
opiniões e dão a entender que seus estudos observacionais comprovam qualquer coisa ou pior,
mostram relação de causa e efeito, quando a verdade pode ser completamente oposta.

Com estudos observacionais, por serem tão fracos e "flexíveis" como método científico,
podemos praticamente mostrar qualquer associação que quisermos, até mesmo as mais
bizarras, como estes exemplos reais (3):

● O consumo de sorvete é associado ao aumento de assassinatos.


● A diminuição do número de piratas é associada com maior aquecimento global.
● A importação de limões mexicanos ajuda a prevenir mortes nas rodovias.

Todas estas associações bizarras e ridículas seguiram o mesmo rigor de evidência de muitos
dos estudos observacionais que são divulgados por aí como referência de qualidade.

Estudos observacionais só podem mostrar correlação (associação) e jamais, em hipótese


alguma podem mostrar causa e efeito.

Agora, existe um outro ponto em que estudos observacionais podem ser úteis além da mera
geração de hipóteses.

Por exemplo, imagine por um momento que nós suspeitamos que consumir arroz cause
câncer.

Agora, imagine que temos um estudo observacional grande conduzido no Japão com pessoas
que comem arroz diariamente e que este estudo não mostra associação nenhuma entre se
comer arroz e a incidência de câncer.

Veja, o resultado negativo deste estudo, ou seja, a ausência de qualquer correlação entre arroz
e câncer prova que o arroz jamais pode ser a causa do câncer, porque se fosse, com certeza
absoluta o estudo mostraria uma associação positiva entre seu consumo e este mal.

Em outras palavras:

Se A está associado a B, isso não significa que A seja a causa de B.

Agora, se A não está associado a B, é impossível que A seja a causa de B.

Ótimo, então vimos que a nível de evidência científica os ensaios clínicos bem conduzidos são
os únicos que podem potencialmente mostrar causa e efeito.

Agora, isso não significa que todos ensaios clínicos são igualmente bons, não.

Um dos erros mais básicos é se conduzir ECR (ensaios clínicos randomizados) em animais,
como ratos, porcos, macacos ou até mesmo em vermes e em tubos de ensaio e se extrapolar
isso como válido também igualmente para seres humanos.

Não, não. Lembre-se, se uma coisa não está provada, ela não está provada, por mais que
possa fazer sentido. Se algo não está comprovado, este algo é ainda uma hipótese meramente
e não um fato. Uma coisa é bastante distante da outra.

Por isso, cuidado também com estudos que extrapolam suas interpretações.
Agora, quer ver uma outra forma como somos enganados?

É com o uso do que chamamos de "risco relativo" nos estudos e nas interpretações deles.

Risco relativo é um artifício estatístico usado para maximizar a impressão dos resultados
mesmo que em muitas vezes eles sejem estatística e clinicamente insignificantes.

Relaxe e veja comigo agora um exemplo fictício que exemplifica o grande poder de
"enganação" deste artifício.

Suponhamos que o número total de mortes no trânsito em São Paulo em um determinado ano
foi de 25000 pessoas e que uma análise mais detalhada viu que 5000 destas mortes foram de
pessoas dirigiam um carro da marca Fiat e 3530 de pessoas que dirigiam um carro da marca
BMW.

Com base nestes números podemos dizer que 20% (5000/25000) das fatalidades estavam em
carros Fiat e 14.1% (3530/25000) estavam em carros BMW.

Agora, imagine que nós trabalhamos na BMW e queremos tirar vantagem destas estatísticas.

Nós podemos utilizar do risco relativo para maximizar a impressão dos resultados e comparar
relativamente um número ao outro, por exemplo, dizendo que os carros BMW são 41% mais
seguros (20/14.1) que os carros Fiat.

Com isso, podemos inundar a mídia por aí com marketing a nosso favor dizendo que as
estatísticas mostram que dirigir um BMW em São Paulo reduz em 41% sua chance de morrer
no trânsito. Uau, quase a metade do risco!

Agora, ao analisarmos os riscos absolutos (os únicos que importam) vimos que na realidade a
diferença entre dirigir um BMW e um Fiat foi de apenas 5.9% (20% - 14.1%).

Concorda que uma diferença de 5.9% neste sentido pode ser até descartável no mundo real
tendo em vista todos fatores que podem influenciar os resultados, não é verdade?

Logo, a minha conclusão realista destas estatísticas seria que os riscos de se dirigir um BMW
ou um Fiat em São Paulo são basicamente os mesmos e eu provavelmente não iria me forçar a
investir 3 vezes mais dinheiro em uma BMW do que em um Fiat se este fosse o meu único
critério de decisão.

Vejamos um exemplo real do estudo JUPITER (8) publicado em 2008 no respeitado ​New
England Journal of Medicine​ que testou uma nova droga (estatina) para abaixar o colesterol e
que concluiu que "as taxas de eventos cardiovasculares grandes e morte de todas as causas
foram significantemente reduzidas nos participantes que receberam a droga rosuvastatin
comparando-se aqueles que receberam o placebo.".

Estes resultados ganharam a mídia mundial que reportou os "incríveis" resultados, como o ​The
New York Times​ que publicou na página principal (9): "milhões de pessoas podem se beneficiar
[..] a droga pode significantemente diminuir o risco de ataques cardíacos, infartos e morte.".

O conhecido médico americano Steven Nissen (10) disse em comentário "a quantidade de
redução em mortes, ataques cardíacos e infartos é a maior que já vimos em todos estudos que
eu posso lembrar. Eu não sei como seria possível ser ainda mais.".

Agora vejamos o que os dados do estudo (8) de fato dizem e como eles podem enganar.

A taxa de mortes de todas as causas (que é o que de fato mais importa) foi de 1 pessoa a cada
100 no grupo que tomou a droga e de 1.25 pessoas no grupo placebo.

Usando-se risco relativo poderíamos dizer para maximizar a impressão dos resultados que a
droga diminuir em 25% o risco de morte. Soa como algo impressionante, não é?

Agora veja, sem o artifício do risco relativo, ou seja, sem comparar a diferença de um número
para o outro relativamente e analisando a diferença e significância absoluta dos resultados
vimos que tomar a droga, apesar de todos efeitos colaterais, custos., etc, teoricamente diminui
as mortes de 1.25 pessoa a cada 100 pessoas para 1 pessoa a cada 100.

Ou seja, o risco absoluto verdadeiro de morte teoricamente caiu de 1.25% para 1%, ou seja, a
real diferença entre tomar a droga e não tomar é de uma redução de risco teórica de 0.25% e
aqui nem estamos entrando em todos os pontos falhos do estudo (e existem vários).

Em suma, com uso do risco relativo podemos dizer que houve uma queda de 25% de
mortalidade, agora, com números absolutos (que é o que importa) vimos que a diferença foi
cem vezes menor, ou seja, 0.25%, ou seja, clinicamente insignificante.

Para infartos a diferença foi ainda menor, 0.16%.

Bom, espero que tenha entendido que a diferença entre se usar risco relativo e risco absoluto é
praticamente a diferença entre se falar a verdade e se mentir e os danos potenciais disso em
se tratando da área de saúde são monumentais.
Com isso, espero que você tenha ganho mais um superpoder, ou seja, mais um escudo para
se proteger contra artifícios utilizados por aí para nos enganarem.

Agora, quer ver comigo ainda mais um artifício que usam para tentar "esconder" as verdadeiras
conclusões e focarem nas interpretações que mais lhe convêm?
É o que chamamos de desfecho clínico e desfecho substituto.

É como se desfecho substituto fosse um meio para o fim e o desfecho clínico fosse o fim, de
fato.

Veja este exemplo simples comigo:

É como se estivéssemos analisando as probabilidades de adolescentes irem para um bar no


sábado a noite.

Podemos fazer dois estudos, um mais fácil que acompanharia o desfecho substituto para tirar
as conclusões e um outro mais criterioso que acompanharia o desfecho clínico para concluir.

O primeiro estudo que foca no desfecho substituto é medir o número de adolescentes que
chamam um táxi no sábado a noite e o segundo estudo irá de fato medir nos bares quantos
adolescentes entram pela porta.

Veja, suponhamos que o segundo estudo, este que analisou exatamente quantos adolescentes
chegaram em bares, conclua que baseado nos dados analisados 30% dos adolescentes
tendem a ir para o bar no sábado a noite. Este é um número confiável, certo?

Agora, o primeiro estudo que acompanhou o número de adolescentes que chamam um táxi no
sábado a noite e supôs que o táxi era pra levar eles para o bar, pode concluir que o número de
adolescentes que vão ao bar no sábado a noite é de 55% e não 30%.

Veja, chamar um táxi é um desfecho substituto, afinal, isso não significa de fato que este taxi é
para ir para o bar. Eles podem estar indo para alguma festa, cinema, shopping, etc.

Agora, entrar pela porta do bar é de fato um desfecho duro/clínico, afinal, os adolescentes
estão lá, ou seja, é o que realmente importa.

Isso é exatamente o que acontece em muitos estudos na área da medicina e nutrição.

Os pesquisadores assumem que certo fator intermediário influencia em um certo resultado e


extrapolam suas interpretações nesse sentido passando uma idéia potencialmente falsa as
pessoas.

Não precisamos procurar muito para achar um bom exemplo real disso, afinal, isso aconteceu
no próprio estudo JUPITER (8) que mencionei há pouco.

Aliás, todo o esforço e investimento da indústria farmacêutica em questão foi focado no


desenvolvimento de uma droga (estatina) que diminuísse os níveis do "mau" colesterol (LDL)
no sangue porque eles acreditam que a diminuição deste LDL irá resultar em diminuição de
mortes no final.

Veja, redução de LDL é o desfecho substituto e mortes é o desfecho clínico.

O estudo orgulhosamente exibiu os números de que a droga cortou em 50% os níveis de LDL
no sangue das pessoas, porém, como vimos, o número de mortes (que é o que importa) no
grupo que tomou a droga foi de 18 pessoas a mais e não a menos.

A pergunta é, em qual destes desfechos você basearia a sua decisão de tomar ou não a droga
na esperança de viver uma vida mais longa?

Pouco importa se o LDL caiu ou não, certo? A dura realidade é que a diferença em mortes nos
dois grupos foi clinicamente insignificante.

Sobre isso existe uma máxima que diz que "a realidade tem supremacia sobre os
mecanismos.".

Em outras palavras, por exemplo, se 30% de todas pessoas que pulam de paraquedas acabam
se esborrachando no chão, pouco importaria pra você saber que os paraquedas amarelos são
mais seguros que os vermelhos, afinal, a realidade é que 30% se esborracham de qualquer
forma, apesar de existir uma diferença na forma como isso acontece (mecanismos).

O ponto aqui é precisamos focar mais no que realmente importa quando estamos analisando
resultados de estudos e ter muito cuidado com todos os tipos de assunções feitas.

Por exemplo, por décadas a fio se acreditou que ao se abaixar o LDL, as pessoas morreriam
menos, porém, agora sabemos que o LDL é um marcador extremamente fraco de risco
cardíaco, tanto que as metas de consumo de colesterol foram até removidas (finalmente) das
diretrizes alimentares oficiais americanas.

Acho que com isso nós vimos alguns dos principais artifícios usados por estatísticos e
cientistas para tentar te enganar, seja isso feito de forma proposital ou não.

Agora, algo que acredito que pode te ajudar também a avaliar a credibilidade da informação
que você vê por aí na área de saúde é conhecer o que chamamos de pirâmide da qualidade de
evidências científicas

NS 3060 Nutrition and Global Health: Evidence-based Research (11)

Lembrando, a maior parte de tudo que estamos vendo aqui é desconhecida pela grande
maioria da população e por isso que, tristemente, milhares de pessoas continuam a ser
enganadas diariamente. Você agora faz parte de uma pequena minoria que irá ajudar a mudar
esta situação.

Bom, voltando a pirâmide, na base dela temos os níveis de evidência de menor significância e
no topo, os de maior significância.

Os níveis de evidência mais fracos, os quais estão na base, são como editoriais publicados por
aí e opiniões de experts nas áreas em questão.

Logo acima, temos estudos de caso. Estudos de caso costumam analisar casos isolados de
sucesso ou fracasso em alguma intervenção. Por exemplo, estudar a alimentação de uma
pessoa que emagreceu 50kg em 6 meses é fazer um estudo de caso desta pessoa.

Veja que os resultados e métodos desta pessoa isolada jamais poderiam ser disseminados
como regra para uma população inteira, afinal, esta é uma evidência fraca que pode no máximo
levantar uma hipótese a ser melhor investigada.
Logo após temos estudos do tipo caso-controle onde analisamos 2 grupos retrospectivamente
no tempo tentando analisar quais hábitos levaram a um certo desfecho atual.

Em seguida temos os famosos estudos observacionais (epidemiológicos), os quais se dividem


em várias categorias como estudos de cohort (grupos), estudos prospectivos, etc.

A principal características destes estudos é como já vimos aqui antes, eles podem no máximo
levantar uma hipótese, mostrando correlação e jamais provando causa e efeito de nada.

Os estudos observacionais são tipicamente baseados em análises estatísticas de grande bases


de dados coletados de formas variadas, como por exemplo, através de questionários de
frequência alimentar.

Estas análises poderão mostrar associações positivas ou negativas entre fatores analisados,
mas nunca poderão inferir causa e efeito.

Mais acima perto do topo do pirâmide temos os ensaios clínicos e os ensaios clínicos
randomizados que são hoje considerados o "padrão ouro" de nível de evidência.

Estes estudos, ao contrários dos estudos observacionais, podem, sim, inferir causa e efeito,
pois, tendem a analisar criteriosamente com controle de variáveis de influência o efeito de uma
intervenção em particular.

O fluxo correto de estudo seria levantarmos uma hipótese através de um estudo observacional
e depois testarmos esta hipótese com um ensaio clínico randomizado. Só assim aquela
hipótese pode se tornar um fato, uma verdade e não só uma possibilidade ou especulação.

No topo da pirâmide estão as revisões sistemáticas e meta-análises que são investigações de


um conjunto de diversos estudos que analisaram um tema específico.

Logo, por exemplo, uma análise de 10 ensaios clínicos randomizados sobre estatinas tende a
ter mais valor do que um único ensaio clínico randomizado, assim como este ensaio clínico terá
mais valor que quaisquer estudos observacionais e assim por diante.

No entanto, é muito importante termos em mente que um alto nível de evidência não significa
que ele é imune a falhas, longe disso.

Existem incontáveis ensaios clínicos randomizados que apesar de serem conduzidos desta
forma possuem várias falhas metodológicas críticas que denigrem, e as vezes até inutilizam, a
credibilidade dos achados.

Agora que você sabe disso, toda vez que ouvir dizer por aí quem "um estudo" mostrou isso e
aquilo você já pode imediatamente questionar: "Tudo bem, mas que tipo de estudo?", afinal,
você sabe que a qualidade de evidência varia de forma tão drástica como o clima de Curitiba
em um dia qualquer.

Crise De Confiabilidade (Incompetência)

Além de uma crise de credibilidade científica, nós estamos vivendo em uma era com uma
epidemia de incompetência profissional.

Enquanto é óbvio que esta incompetência não se resume a área da saúde e nutrição, as
possíveis consequências neste escopo são fatais.

Ao meu ver, os principais fatores que contribuem para esta terrível situação hoje são:

● Formação acadêmica desatualizada e com docentes inflexíveis.


● Falta de atualização constante pós-formação acadêmica.

Sobre o problema na formação de novos profissionais da saúde, a situação é deverasmente


séria.

Um exemplo disso veio no podcast (12) da Tribo Forte de número 102 onde recebemos um
apelo desesperado de uma estudante de nutrição em uma universidade conhecida no Brasil, a
qual, não sabia mais o que fazer para poder continuar em frente com seus estudos.

Ela reclama das informações arcaicas e já comprovadamente falsas que são ainda passadas
nas suas aulas diárias como verdades vigentes e que a forçam, segundo ela, "a fingir
demência" ao ser obrigada a responder nas provas do curso coisas que ela sabe que são
falsas na esperança de obter as notas necessárias.

Ao serem contestados, os docentes se mostram reativos e inflexíveis, lembrando que eles


estão formando novos profissionais que atuarão no mercado por décadas e mais décadas.

Quando as raízes de uma árvore estão comprometidas, quão bons serão seus frutos?

Este problema no meio acadêmico é compartilhado por milhares de outros estudantes ao redor
do Brasil que hoje tem acesso direto a informações atualizadas e são obrigados a ouvirem e
aprenderem informações ultrapassadas (e muitas vezes danosas) durante suas formações.

Há poucas décadas atrás o acesso a informação científica atualizada era extremamente


limitado e sua disseminação absurdamente lenta. Um novo achado científico tipicamente
poderia levar mais de uma década até fazer parte dos livros-texto utilizados nas universidades.

Hoje a situação mudou drasticamente e o meio acadêmico ainda não se ajustou.


Hoje, o acesso a novos achados científico é imediato e aberto a todos que tenham acesso a
internet.

A velocidade com que as coisas mudam e evoluem é maior do que nunca antes visto na
história e não existem mais barreiras de acesso a esta informação, somente barreiras
intelectuais de capacidade de interpretá-las.

Por exemplo, já há décadas existe um forte corpo de evidência mostrando que, ao contrário do
que achávamos anteriormente na época de Ancel Keys, a ingestão de colesterol através da
nossa dieta alimentar pouco tem a ver com os níveis de colesterol no sangue e que até mesmo
estes níveis de colesterol "ruim", LDL, no sangue pouco tem a ver com a causa raíz dos
problemas cardíacos.

No entanto, hoje em 2018 ainda é ensinado em várias universidades que o consumo de


alimentos que sempre consumimos ao longo da histórica, ricos em colesterol e extremamente
nutritivos, como ovos, são desaconselhados.

O meio acadêmico, principalmente, os docentes precisam se ajustar a esta nova realidade, se


atualizando constantemente para se certificarem de estarem formando novos profissionais
capazes que sairão da academia com conhecimento de ponta e com as melhores habilidades
possíveis para ajudar seus pacientes.

Albert Einstein parecia também já ter boa ciência deste problema quando disse que "educação
é aquilo que sobra quando alguém esquece tudo que aprendeu na escola."

Logo, uma boa forma de melhorar esta crise de incompetência profissional de hoje seria
melhorar a competência e qualidade do ensino acadêmico que forma novos profissionais
atuantes.

Agora, a segunda parte do problema acontece quando novos profissionais se formam e param
no tempo, ou seja, param de se atualizar constantemente.

É compreensível que a vida de um profissional de saúde hoje seja extremamente ocupada, no


entanto, como poderia ele exercer a sua profissão com a melhor de suas habilidades caso não
se atualizar constantemente?

É como se um especialista em televisores tivesse parado de aprender há 20 anos atrás quando


só existiam televisores de tubo. Ele pode até tentar consertar sua nova TV Flat com imagem 3D
de 50 polegadas, mas os resultados não são garantidos e, pior, potencialmente desastrosos.

A população geral caiu muito no que chamamos de "falácia da autoridade", que é basicamente
a armadilha de se confiar plenamente em algum profissional simplesmente porque ele é
licenciado na sua área de atuação (exemplo, confiar cegamente em um médico por causa de
seu jaleco branco.).

Se esta autoridade, seja médico, nutricionista, eletricista ou mecânico, não estiver atualizada
segundo as melhores práticas no seu ramo, suas sugestões e atuação será comprometida.

Todos nós profissionais, seja em qualquer área de atuação, deveríamos ter o dever de
atuarmos exercendo nossa profissão com a melhor de nossas habilidades e isso só é possível
não se parando no tempo e com atualização constante. É uma simples questão de ética
profissional.

Recentemente meu pai precisou, segundo seu médico oftalmologista, de uma cirurgia para
corrigir uma distorção na visão causada por um suposto problema na mácula.

Quando meu pai questiona sobre a necessidade e os potenciais benefícios da cirurgia, eis que
o médico diz: "Bom senhor, após a cirurgia sua visão pode ficar pior, igual ou melhor,
depende.".

Isso é inaceitável. Imagine você levando seu carro ao mecânico e ele dizendo que depois de
pagar os 2 mil reais do conserto, seu carro pode ficar pior, igual ou melhor, depende. O que
você faria?

Meu irmão quando foi consultar um médico devido a um problema no joelho acabou recebendo
recomendações nutricionais como bônus. Segundo o médico, o fato de meu irmão não tomar
café da manhã é a primeira coisa a ser corrigida. Este tipo de sugestão não tem embasamento
algum em evidências e é potencialmente perigosa.

Caso meu irmão não tivesse atualizado segundo as evidências neste assunto, ele poderia se
sentir mal por pular o café da manhã e se forçar a fazer isso porque o médico recomendou
fortemente.

Antes de eu começar a estudar sobre ciência nutricional há quase 10 anos atrás, fui a uma
nutricionista em Curitiba em busca de ajuda para emagrecer. A prescrição que recebi foi de
comer a cada 3 horas e fazer uma dieta baixíssima em gorduras e ricas em grãos integrais,
como pães.

Mal eu sabia na época que esta estratégia é a pior de todas alternativas possíveis para atingir o
meu objetivo comprovado por um corpo esmagador de evidências científicas, como vimos em
um capítulo anterior.

Esta crise de incompetência profissional tanto no meio acadêmico quanto na prática diária das
profissões podem ter consequências desastrosas, como por exemplo, mostra uma análise (13)
publicada em 2016 no ​British Medical Journal​ que diz que erros médicos são a terceira maior
causa de morte nos Estados Unidos, atrás somente de doenças cardíacas e câncer.

Aqui quero deixar algo claro que, na minha opinião, absolutamente todas as profissões são
louváveis e merecem nosso maior e sincero respeito, sem exceções. Agora, o que não merece
nossa confiança cega e celebração são profissionais desatualizados e incompetentes,
independente de suas profissões.

Em meio a tudo isso, existe um último superpoder que podemos utilizar para nos protegermos
da balelas por aí e aumentarmos nossas chances de absorver conhecimento verdadeiro e de
grande valia, vejamos a seguir.

O Ceticismo Inteligente

Uma forma de vivermos nossas vidas diminuindo drasticamente as chances de sermos


enganados e de cairmos em armadilhas ou falácias de autoridade é sermos céticos de forma
inteligente.

Veja que enfatizo que este ceticismo precisa ser inteligente, caso contrário, o mero hábito
inconsequente de refutar e questionar as coisas pelo simples prazer de questioná-las pode ser
ainda mais danoso no final das contas.

Agora, praticar um ceticismo inteligente no dia-a-dia, ou seja, não acreditar cegamente no que
ouve, vê ou lê, sempre ponderando de forma racional de tais informações merecem
credibilidade ou não, só é possível quando possuímos o conhecimento necessário para
fazermos tal julgamento.

É justamente por isso que o foco do meu trabalho desde que comecei a divulgar informações
sobre saúde e nutrição sempre foi em instruir as pessoas, em ajudar as pessoas a
compreenderem elas próprias, com base em informações relevantes, o porquê das coisas.

É somente entendendo-se o porquê das coisas que podemos ter confiança em nossos hábitos
e criarmos mudanças duradouras. Informação é poder!

Logo, agora que você absorveu todos estes conhecimentos sobre a forma como o método
científico é praticado por aí, sobre os níveis de evidências, o perigo das interpretações e os
artifícios estatísticos que podem distorcer os fatos, sinta-se a vontade para seguir seus dias
praticando um ceticismo inteligente.

Este "filtro" adicional (ou escudo, como preferir) irá lhe servir ao longo de toda sua vida.
Espero que tenha achado útil esta nossa discussão e, por favor, sinta-se a vontade para reler
este capítulo, uma vez que muitos dos conhecimentos compartilhados aqui podem ser difíceis
de serem completamente entendidos no primeiro contato.

Mensagens principais

Em suma, algumas das principais mensagens que vimos neste capítulo são:

● Informações contraditórias são espalhadas rotineiramente pela mídia e profissionais e


isso só é possível quando a fonte de informação é questionável.
● Estudos observacionais podem somente mostrar correlação e jamais podem inferir
causa e efeito.
● Ensaios clínicos randomizados são o "padrão ouro" de evidência científica e estes, sim,
podem mostrar relação de causa e efeito.
● Qualquer estudo científico conduzido, independente da metodologia utilizada, está
sujeito a falhas e pontos de conflito.
● Risco relativo é um artifício comum muitas vezes usado de forma desonesta para
maximizar resultados que na realidade não são expressivos e muitas vezes
insignificantes. Foque em números absolutos e não em números relativos.
● Desfecho clínico é o que importa enquanto desfechos substitutos podem gerar
interpretações erradas.
● A pirâmide de força de evidência científica serve como guia de credibilidade de estudos.
Evidências mais fortes sempre terão preferência sobre evidências mais fracas.
● Formação acadêmica desatualizada e falta de atualização constante depois da
formação são dois grandes fatores que colaboram para a crise de incompetência
profissional em que vivemos.
● O ceticismo inteligente é uma arma poderosa que você pode utilizar no seu dia-a-dia
para avaliar a credibilidade das informações que você vê.
REFERÊNCIAS

1 - "Adverse outcomes associated with media exposure to contradictory nutrition messages." -


https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4353569/

2 - "10 foods touted as health miracles, then vilified as health hazards" -


https://www.salon.com/2014/05/22/10_foods_touted_as_health_miracles_then_vilified_as_health_hazards_partner/
(acesso em 14/02/2018)

3 - Buzzfeed, "The 10 Most Bizarre Correlations".


https://www.buzzfeed.com/kjh2110/the-10-most-bizarre-correlations?utm_term=.ofz2yd8G0#.vqzYDxQgj​ (acesso em
14/02/2018)

4 - "Integrity in Research". ​http://researchbriefings.files.parliament.uk/documents/POST-PN-0544/POST-PN-0544.pdf

5 - BBC. "'Huge advance' in fighting world's biggest killer". ​http://www.bbc.com/news/health-39305640​ - acesso


15/02/2018

6 - The Telegraph. "'Hugely expensive' cholesterol drug prescribed on NHS does not prevent fatal heart attacks or
strokes, say experts".
http://www.telegraph.co.uk/news/2017/05/06/nhs-wasting-tens-thousands-year-wonder-drug-stroke-heart-attacks/​ -
acesso 15/02/2018

7 - "The Truth About the Drug Companies Lecture - Dr. Marcia Angell".
https://www.youtube.com/watch?v=uDbQNBla6aU​ - acesso 15/02/2018

8 - "Rosuvastatin to Prevent Vascular Events in Men and Women with Elevated C-Reactive Protein".
http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa0807646

9 - The New York Times. "Cholesterol-Fighting Drugs Show Wider Benefit"


http://www.nytimes.com/2008/11/10/health/10heart.html?_r=1&oref=slogin​ (acesso 15/02/2018)

10 - Dr. Michael Eades blog. "Truth versus hype in the Jupiter study".
https://proteinpower.com/drmike/2008/11/10/1853/​ (acesso 15/02/2018)

11 - Cornell University Library. NS 3060 Nutrition and Global Health: Evidence-based Research.
http://guides.library.cornell.edu/c.php?g=373526&p=2525057​ (acesso 15/02/2018)

12 - Episódio de número 102 do Podcast da Tribo Forte. ​http://emagrecerdevez.com/tribo-forte-102/​ (acesso


15/02/2018)

13 - "Medical error-the third leading cause of death in the US." https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27143499

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