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ZA ATER ~ CONFEDERAGAO EVANGELICA DO BRASIL Setor de Responsabilidade Social da Igreja A HUMANIZACAO DA REFORMA AGRARIA. Como parte de seu programa de estudo, cujo tema geral - A TAREFA DA IGREJA NA HUMANIZACAO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL - abrange todo o campo das reformas de base, 0 Setor de Responsabilidade Social da Igreja, do Departamento de Estudos, da Confederacao Evangélica do Brasil, depois de pesquisas e debates, formulou o presente documento sdbre a refor- ma agraria, na esperanca de oferecer subs{dios para novos estudos e elemen- tos para reflexdo e aco da Igreja e dos crentes nessa area especifica de nos- sa responsabilidade. © método de trabalho adotado parece haver correspondido a uma real possibilidade de estudo desta e de outras matérias. Ouviram-se, inicial- mente, elementos representativos de varias correntes ou posigées oficiais e ndo oficiais sdbre 0 assunto; a seguir, uma comissio do Setor, acompanhada de elementos técnicos, pastéres e tedlogos, levantou os primeiros dados que deveriam servir para o documento definitivo; finalmente, criaram-se di- ferentes comissdes, inclusive uma incumbida de preparar liturgia adequada ao tema e outra para fazer sugestées das formas de encaminhamento poli- tico das sugestées aqui mencionadas. Do relatério final dessas comissées surge o presente trabalho, que ora encaminhamos & Diretoria da Confedera- do Evangélica do Brasil. Bste documento sébre a reforma agraria, entretanto, ndo é final. Os projetos que podem mudar a atual estrutura agraria permanecem em discussao no momento. Cumpre as Igrejas manterem-se vigilantes. Aqui estao alguns elementos basicos, que servem de critério mais ou menos per- manente & andlise e tomada de posicao. A estrutura do documento é, em si mesma, uma forma de entrar no estudo de problemas de natureza técnica, sejam éles politicos, econdmicos ou culturais. , como adiante se dira, fazemo-lo em ato de obediéncia e grati- dao a Deus. Waldo A, Cesar Secretario Executive do SRSI Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1963 A HUMANIZACAO DA REFORMA AGRARIA Nao é possivel a Igreja ficar indiferente ou silenciosa diante da gravidade dos problemas sociais de nossa Patria. A sua missao e teste- munho dizem respeito ao individuo, mas também nao podem ignorar as forgas e movimentos que se manifestam na sociedade e que, pela sua na- tureza tantas vézes egoistica, desumanizante e até totalitdria, desfiguram criaturas feitas 4 imagem e semelhanga de Deus. Sobretudo num pafs como 0 nosso, conhecido como cristdo, nasci- do sob o signo da cruz, nao é o amor a Deus e ao proximo a expressao da fé crista? Como pode, pois, coexistir com ésse sentimento a exploragao do homem pelo. homem, em tdo diferentes e multiplas formas? Isafas pro- fetizou que um dia "o homem valera mais que o ouro puro", Era de esperar que ésse dia tivesse surgido nestes 2 mil anos de Cristianismo. No enian- to, tais sao as injustigas desta mesma hora, que é de nosso dever, como Igreja, analisar a situagdo e descobrir meios de agdo para redimir o tempo e dar ao Cristianismo o seu legitimo lugar de continuador da obra do Mestre. Ao examinar especificamente a situagdo agraria brasileira, encon- tramos algumas dessas condigdes de desumanizagao.- e vimos denuncia-las aos evangelicos, ao povo em geral e ao Govérno. Outros o tém feito, sob os mais diferentes motivos, e inspiragdes; nds também, como Igreja de Jesus Cristo, uisante no mundo, em obediéncia a Ble e em espirito de servigo a Patria, trazemos a nossa contribuigdo. Se alguma coisa especial deve ca- racterizd-la, dirfamos que nao se curvara a nenhuma exigéncia que no seja ada Justiga e do bem do povo; que tomar por base dados concretos e atuais da situagdo agraria brasileira; e procurara os caminhos da reconstrugao e da reconciliagdo como testemunhas do que Deus féz em Cristo reconciliando "'consigo mesmo tédas as cousas, quer sébre a terra, quer nos céus". (Co- lossenses 1. 20). © SENSO DE 1960 REVELA QUE A INIQUIDADE SE MULTIPLICOU Enquanto no decénio 1950-1960 fatéres novos, decorrentes da ace- leragdo do processo de transformagio social acentuaram o desenvolvimento brasileiro nos grandes centros urbanos, a zona rural continrc:A margem da vida social, econdmica, politica e cultural. Os dados clamam ~-e devemos examina-los nao sémente para compreender com certa precisao o que estd acontecendo, mas para lutar pelas medidas que mudem esta situagao de in- justiga. Entre 1950 e 1960, segundo dados oficiais (I.B.G.E.), ao lado de grande expansao verificada na agricultura em geral, persistiram os velhos vicios de nossa estrutura agraria. Assinalamos os mais evidentes: o crescimento dos latifindios improdutivos; a persisténcia de varias formas de especulagdo; © aumento dos minifiindios; o agravamento das diferengas entre as regides do pais e as relacdes sécio-culturais decorrentes da atual estrutura, No meio dis- to, situagdes jurfdicas e humanas, extremamente diffceis (como a dos possei- ros), mostram a necessidade de leis novas e realistas. De modo geral o mimero de estabelecimentos agricolas do pais ele- vou-se de 62%.no decénio. Passamos de 2.064. 642 para 3. 349. 484 estabele- cimentos, sendo que a area total désses estabelecimentos se elevou somente de 11% (265. 450. 800 hectares contra 232, 211.106 em 1950), Isto significa “2 que j4 entramos para certa fase em que a expansdo da agricultura se realiza com a intensificagdo da exploragao de areas jé ocupadas, e ndo preponderan- temente pela incorporagio de novas regides, pois estas se localizam dema~ siadamente afastadas dos grandes centros consumidores, nao contando com vias de comunicagao suficientes - para justificar atividades econdmicas. Nes- se mesmo perfodo a drea total da lavoura do pafs elevou-se de 56% (de 19.095, 057 para 29, 759, 785 hectares), ‘Se olharmos agora para o primeiro problema citado, o de Latif dio, vemos que os estabelecimentos agricolas, com mais de 10,000 hecta res, aumentaram em drea, e reduziram relativamente o seu niimero. (Con- vém lembrar que isto é grande latifiindio, pois, dependendo da regiao, po- demos considerar como tal no Brasil, areas de 500 a 1,000 hectares para cima), Assim, houve maior concentragdo da grande propriedade: se em 1950 éste grupo contava com 0, 08% dos estabelecimentos e com 19, 38% da area total, em 1960 passaram a compreender menor percentagem de esta- belecimentos (0, 05%) e maior percentagem da Area total (19, 87%). Em outras palavras: o numero de estabelecimentos agricolas de mais de 10.000 hectares, que era de 1.611 em 1950, passou a 1.710 em 1960, Entre outros Estados, no Amazonas ésse nimero aumentou de 57 para 123; em Alagoas de 1 para 4; em Séo Paulo, 60 para 62; em Santa Catarina, 7 para 13. Em alguns (Sao Paulo, Santa Catarina, Alagoas e outros) “ é de surpreender que ésse nimero aumen- te, uma vez que sdo regides de grande densidade demografica. Ocorrem fa- tos estarrecedores, como o do Estado de Sdo Paulo, onde nao é nas regides mais interiores que aparecem os:grandes estabelecimentos, mas bem pré- ximo & capital, ém municfpios vizinhos como Guarulhos, Mainrinque e Sale- sépolis. Em 1950 ndo havia nesses muniefpios nenhuma propriedade de mais de 10,000 hectares; o censo de 1960 revela a existéncia de 6 delas abrangendo um total de 277,368 hectares. Se ésses estabelecimentos aumentassem as suas éreas em regides afastadas das dreas de grande concentracao demogréfi- ca, ou em solos pobres (onde a exploragio agricola em grande escala seria mais adequada), o fenémeno ndo seria tao grave. Mas, a maior parte désse acréscimo de grandes propriedades se faz nas 4reas mais densamente povoa- das (em geral por simples e pura especulagao imobiliéria), ao Jado da multi- plicagdo de pequenfssimos estabelecimentos, aumentando consideravelmente as tensées sociais nessas regides. E é bom notar que os niimeros acima. se referem a estabelecimentos agricolas, uma vez que ndo existem dados sdbre propriedades agricolas. Co- mo muitos proprietarios tém. mais . de um estabelecimento agricola, cada- uin, é facil concluir que a concentrag4o da propriedade fundiaria é mais acen- tuada do que a concentrago das areas totais dos estabelecimentos agricolas. Isto nos leva a perguntar 0 que acontece com os pequenos estabele~ cimentos. Se tomamos aquéles com 4rea menor que 10 hectares (que ndo per- mite a manutengdo de uma famflia secuer em condigées minimas, a nao ser com horticultura ou fruticultura) veremos que o aumento do seu niimero foi bem maior que 0 total dos estabelecimentos agricolas. Enquanto aquéles se eleva- ram de 111% no decénio (710, 934 para 1,499,545) e a sua area em 95% (3.025.372 para 5, 923.077 hectares), Estes estabelecimentos agricolas passa- ram de 2,064,642 para 3.349.484 (aumento de 62%) e a sua rea total aumentou em 11% (232.211, 106 hectares para 265.450. 800). Por outro lado, em outro extremo, o grupo de estabelecimentos de mais de 100,000 hectares (!) mostra a acentuada tendéncia de mesmo fenémeno de concentragdo. Eram sémente 60 em 1950, compreendendo apenas 0,00029% dos estabelecimentos: em dez anos passaram para 65, enquanto reduziram a sua participacdo no total de estabelecimentos para 0,00019%. Os 65 estabe~ lecimentos referidos (com Area total de 17. 646,629 hectares) possuem Area superior a de mais de 2 milhées (2, 046, 381) de estabelecimentos menores {com 13, 603,541 hectares). Assim, reduzidissimo niimero de latifundidrios {menos de 3, 38% dos proprietérios) detém mais da metade das propriedades agricolas do Brasil (58%). Em o Nordeste, porém, 6 que os dados mais evidenciam a trégica situagdo do homem rural brasileiro, No agreste pernambucano esta o maior aglomerado de pequenas propriedades, em nimero dez vézes superior as do vale do Itajaf, no Sul, famoso pela predomindncia do minifindio. E ao lado do aumento do minifiindio, cresce o latifindio, De 85.108 pequenos es- tabelecimentos existentes em 1950, passou-se para 156.144, que correspon- dem & elevacao de mais de 80%, A drea média baixou de 3, 5 para 2, 7 hecta- res. No mesmo perfodo os latiffindios, embora diminuissem de 6 para 5, aumen- taram a sua 4rea, fic ndo com a média de 117, 056 hectares cada latifiindio. Comparativamente, os dados mostram que o tamanho médio das grandes propriedades quadruplicout Bstes dados séo suficientes para que se verifique a prevalecente tendéncia da concentragéo fundidria no Brasil. Ao lado désse problema da propriedade da terra e do seu uso, que torna a desigualdade social uma espé- cie de instituigdo inomin4vel, temos ainda a completa deficiéncia do sistema creditfcio ao camponés; a inexisténcia de assisténcia técnica; auséncia da ga~ rantia de pregos, exploragdo imposta pelo atual sistema de comercializagao; relagées pré-capitalistas de trabalho ~ tudo isto acentuando a marginaliza- cdo da grande massa camponesa na participagdo dos beneficios do desenvol- vimento econémico e social. : Destacamos pois éstes dados, por que éles nos chamam & responsa- bilidade. Foi para que os dirigentes do povo fizessem justiga que o Senhor man - dou contar, ordenando a Moisés: "A éstes se repartira a terra em heranga, segundo o censo" (Nimeros 26.53), © ESSENCIAL DA REFORMA AGRARIA: INTEGRAR 0 HOMEM DO CAMPO NA TOTALIDADE DA VIDA NACIONAL ‘Temos a convicgao, justificada pelos dados acima e pela visdo da complexidade dos problemas de um pais sob as tensées de um crescimemo desordenado, que a reforma agraria nao pode vir isolada de outras. A reforma eleitoral, a banc4ria, a tribut4ria, a administrativa, a universitéria, a urba- nae a agraria sdo capftulos intimamente relacionados. Fazer apenas uma re- forma sera acentuar 0 conflito entre o velho e o névo, entre a massa que sofre © 0 pequeno nimero de privilegiados, seré a continuidade da estrutura dualis~ ta do Brasil, cuja rafz se perde nos tempos da Colénia. A histéria agraria do Brasil mostra ésse desenvolvimento doentio, subordinado a interésses mer cantis politicamente e protegidos por uma estrutura patriarcal ¢ ndc~democra. tica. Tal estrutura, embora abalada por alguns surtos de desenvolvimento econémico e social, tem acompanhado e marcado as nossas instituigées pol{- ticas. Nao se pode, pois, deixar de olhar a totalidade da situagdo brasileira, nem, to pouco, de examinar criticamente a fase atual de nossa vida piiblica, na qual se dé mais tempo ao jégo politico das eleigdes do que as necessidades do povo. Qualquer reforma sér .. teré de levar em conta alguns aspectos mar- cantes da experiéncia histérica do homem rural brasileiro, Houve exemplos de superagao da economia agricoia tradicional por uma participagdo mais ampla dos lavradores na utilizacdo da terra e nos seus frutos. Isto é espe- cialmente importante onde a estrutura paternalista foi quebrada e onde se ar- ticulou uma relagdo de carater mais eficiente e 4s vézes menos espoliativo entre as unidades rurais de produgdo e o mercado consumidor. Por outro lado, porém, em muitos casos, o declinio da economia rural tradicional e a sua perpetuagao em niveis econémicos muito baixos, deram carater de fuaildade a vida de milhoes de brasileiros entregues 4 estagnagao econémica, isolamen- to extremo e abandono, Ora, férga é reconhecer que em outros paises da América Latina. j& no século passado, se reconheceu a necessidade de rever as instituigoes ju- ridicas, para adaptd-las as exigéncias de uma relagao mais justa na vida agraria, Foi o cago da Argentina e do Uruguai_merecendo referéncia, ape- sar de tédas as criticas a que se expés, 0 esfdrco feito neste sentido pelo México ainda antes da primeira guerra mundial. No Brasil, contudo, frustra- ram-se todas as tentativas de reformulacao das relagoes de ordem econémi- ca @ social que prevalecem no meio rural. O exame atento dos projetos que nestes tltimos vinte anos tém sido propostos, revela a sua timidez e fraqueza. Na verdade. nao fazem muito mais do que sugerir meras formas de regulamentagao das praticas vigentes. Se adotadas viriam contribuir para institucionalizar os graves e velhos defeitos da estrutura agréria brasileira. O mesmo vicio esta presente nos projeos mais recentes, inclusive no que esta em tramitacgao no Congresso Nacional (projeto do Dep. Anis. Badra). fiste tiltimo nao consegue penetrar no proble- ma em tdda a sua extensao e profundidade, Afora a tsbieza dos criterios que disciplinam a distribuigdo da terra, ndo hd verdadeira preocupagdo com a urgéncia das medidas necessarias para por fim a agdo dos atravessadores e agambarcadores. Tambem o projeto em andamento nao oferece formulas fem instituigdes adequadas a defesa. seja do produtor, seja do consumidor: muito menos trata de legitimar as atividades de mediagao, mantendo atraves sadores de varios niveis e categorias. © ma‘s grave é que 0 projeto, como conseqiiéncia de sua indecisao, limita os objetivos da reforma agraria a mera preocupacao com 0 aumento da produtividade. Por outro lado, os dispositivos dedicados a regulamentar as formas chamadas indiretas de exploragao agré- ria, isto é, os arrendamentos e a parceria, mostram tal descrenca numa re- forma agraria real, que antecipadamente tratam de remediar os males cuja eliminagao nao se sentem capazes de promover. Também o Goyérno, em margo de 63, divulgou o seu projeto de re- forma agréria. Ao indicar os objetivos da teforma, mostra certa preocupa- cao em "corrigir os defeitos da estrutura agrdria", ¢ fala em "elimiar as for- mas indesejaveis, nas relacées de trabalho entre proprietarios rurais e seus trabalhadores". O projeto, ao contrario do anterior, pressupde a emenda do artigo 147 da Constituigao, mas o Govérno também parece hesitante quando trata de regulamentar os objetivos da reforma agraria que propée. Além dis- to, ha falta de confianga generatizada nas suas iniciativas. Enquanto isto, novos elementos vém agravando a situagéo do homem do campo. Nota-se a desagregacdo do sistema paternalista sem a correspon- dente organizagao de um sistema capitalista que possa substitui-lo. Decorre dai a evidente migragao da populagao rural para as dreas urbanas. Por mais violentamente explosivo que seja 0 desenvolvimento industrial, néo Ihe é pos- sivel absorver a mao de obra oriunda do campo. A extrema competigao no mercado de trabalho - conseqiléncia dessa migracdo - permite a manutengao dos saldrios em niveis extremamente baixos. E é preciso lembrar que sendo 0 pro- dutor agrario espoliado do produto do seu trabalho, ndo pode ter acesso A proprie- dade e aos instrumentos de produgéo. Como resultado éle é mantido & margem do processo politico e cultural. ‘Téda essa hesitagdo em mudar de vez a situagdo reconhecidamente insustentavel, provém de um conceito erréneo do homem. Nao se pode fazer reforma agréria sémente «. para melhorar os indices econdmicos de produgao (o que, embora necessario, néo redunda autom&ticamente em diminuigdo da injustiga); nem se pode fazer um mfnimo de reforma agraria, simplesmente para evitar greves e violéncias. A acumulagdo de capital, o disciplinamento dos investimentos ¢ um comportamento econémico racional e produtivo so indiepensaveis para a pro- dutividade da economia moderna, Também sao indispensaveis estruturas que permitem a descoberta, o aprimoramento e a recompensa das aptiddes e qua- lidades de téda a populagao, pois todos tém direito ao trabalho e a0 gézo do fruto do seu trabalho. Outra contingéncia da vida humana, no Brasil em de- senvoivimento, é a crescente importdncia das instituigdes politicas. Tédas essas contingéncias do desenvolvimento ndo séo, em si mesmas boas ou mas, servem, e tém servido, conforme o seu uso, para humanizaco ou para de- sumanizagao, para bem de todos ou para opressao de uma parte. Diante da marginalidade social, econdmica e politica da maior parte dos lavradores, que so parcela consideravel do povo brasileiro (con- forme ge viu na primeira parte déste documento) tém os cristdos a responsa- bilidade cristé de denunciar essa injustiga e, por outro lado, de ajudar na tarefa dificil de interferir nos processos sociais e politicos, especialmen- te, no momento, em esforgos de reformulagao das instituigdes legais que criem condiges para uma vida social mais justa e produtiva, A RESPONSABILIDADE DA IGREJA E DOS CRISTAOS Nossa tarefa primordial no mundo, como Igreja ¢ como cristéosi.: é testemunhar o que Deus féz em Cristo e est fazendo no sentido da recon- {liagdo do homem com Deus e do homem com homem, E como decorréncia dease obrigagdo, temos de nos manifestar sempre que as condigdes humanas sociais se oponham a éste movimento de Deus na hisiéria, A estrutura agra- ria que acabamos de examinar mostra uma situagdo que produz homem em re- volta. Revolia contra os outros, revolta contra a terra que antes amava, Até contra Deus éle parece revoltado. & impossivel, pois, que nos calemos. E conclamamos todos os cristdos - sejam politicos, administradores, mestres, profissionais em ge- ral, estudantes ou empregados - ° a que vivam a realidade da vida crista,. nao aceitando nem admitindo situagées que impliquem - individual ou coletivamen- te = a quebra do amor cristo. Ao mesmo tempo, devemos empenhar-nos na promogdo de justiga social efetiva, colaborando com todos quantos se esforgam com ésse mesmo propésito. O momento exige esta posicdo de adverténcia e de deniincia ~ que deve estar presente em cada Igreja, em cada pillpito. E os cristdos evangélicos, individualmente, devem assumir o seu papel de testemunhas na comunidade onde vivem - no emprégo, na escola, nos contactos com as instituigdes e autoridades respons4veis - na defesa constante e firme da integra- cdo dos menos favorecidos ne vida nacional. Nao estdo os meios de educagao fo- ra do alcance do homem do campo? Nao crescem os seus iilhos analfabetos e sem saiide? Pode éie viver com alegria se o seu trabalho ndo é recompensa- do, se nao iém acesso aos meios diretos de venda do seu produto? Queremos agora, ao encerrar estas declaracées necessariamente minuciosas, deixar bem claro que a nossa interyengdo em assuntos politicos € econémicos esta relacionada com o duplo ministério da Igreja - a pregagao e © servigo - e que a sua ética tem como fundamento a pessoa ¢ a cra de Jesus Cristo. As implicagdes déste evento séo imensamente sérias e praticas pa- raa aco crista no mundo. Jesus Cristo é 0 Senhor vivo, cuja segunda vinda marcaré o cumpri- mento dos tempos ¢ o estabelecimento do Reino de Deus, A Igreja aguarda a vinda désse Reino de Justiga ¢ de paz, que se aproximou de nés em Jesus Cris- to. O Reino, em sua iminéncia, introduz na vida humana uma nova dimensio. A histéria ja ndo esta inicamente dominada pelas fatalidades e determinismos do passado, mas aberta ao futuro e & esperanga. Conseglentemente, a prega- gdo do Reino de Deus ndo tera seriedade se nao fér acompanhada de esférco para edificar neste mundo pecador sinais do Reino. Como Igreja intervimos para obter mais justia, mais liberdade, mais solidariedade entre os homens, e tudo isso porque, consciente das exigéncias do Reino de Deus, ndo podemos esperar sua vinda sem qualquer tipo de agdo. Qualquer esperanga escatolé- gica que ndo se traduza em ética concreta degenera em falso messianismo e em mitologia, Jesus Cristo é também, até 0 fim dos tempos, o Senhor crucifi- cado, aquéle que deu sua vida para que nés tenhamos paz com Deus. Nao po- demos guardar para nés @ paz que Cristo nos deu. Anunciamos aos homens que éles esto reconciliados; e, mais ainda, trabalhamos para tornar evidente esta reconciliagéo. Mesmo que esta reconciliagao signifique apenas apazigua- mento provisério, armisticio, ou ordem de cessar fogo, ela tem o sabor de indfcio da reconciliagdo realizada uma vez por t6das na Cruz. No plano po- Litico, esta reconciliagdo pode tomar particularmente 0 aspecto do direito, isto é, 0 conjunto de garantias jurfdicas destinadas a assegurar a ordem e a tranqililidade, e a reprimir os atentados contra a justica. Jesus Cristo 6, ainda, o Senhor encarnado, aquéle que, rico se féz pobre, aquéle que ndo quis prevaiecer-se de sue igualdade com Deus, "antes, a si mesmo se esveziou,, assumiv a forma de servo, tornando-se em seme- lhanga de homem'" (Filipenses, 2.7), A encarnagdo e a humilhagao de Cristo obrigam a Igreja a ficar do lado daqueles que siio humilhads, do Jado dos pobres e de todos os maltratados pela vida. Nao se trata aqui de afirmacado de princfpios, que ligaria a Igreja a determinada classe social, Tendo em. mente a narrativa do julgamento final, expressa em Matevs 25, compreende- mos que é nosso dever esforgarmo-nos por discernir os verdadeiros necessi- tados, os antigos e os novos pobres: todos aquéles que estdo abandonados, doentes, perseguidos, em prisao; qualquer que seja « origem de sua miséria, tém direito A nossa solidariedade. Se, por um lado, a igreja deve lembrar sempre aos poderosos e 20s vencedores do momento as exigéncias da justiga verdadeira, por outro lado, ela mesma deve anunciar aos fracos e aos ven- cidos a graga e a misericérdia de Deus. A uns e a outros deve ensinar que a lei é sempre uma das faces do Evangelho da Graga. Além disso, a vinda do Filho de Deus encarnado confere valor inestimavei a téda criatura humana. ‘A Igreja incessantemente lembraré o valor que 0 ser humsno tem, ¢ intervi- ra tédas as vézes que éste valor fér ameacado, ou pelo poder arbitrario, ou por instituigées desumanas. Em resumo, a ética crista deve estar colocada no sob a autorida- de de princfpios abstratos, mas no trfplice foco da escatologia, da reconcilia cao pela cruz e da encarnagio. Tudo isto significa que a agdo erftica ¢ construtiva que exercemos ao analisar o problema assaz complexo, que é 0 dareforma agrria, ndo é mais do que a nossa resposta, em gratiddo, aquilo que Deus f€z por nés em Cristo, B expressdo da seriedade de nossa fé, manifesta na forma de ser- vigo conereto ao povo brasileiro. Oramos pelo Govérno e pelas instituigdes sociais ¢ politicas de nossa Patria, em submissdo ao nosso compromisso maior e & nossa obe- digneia primeira - que é a vontade de Deus. Nota: As fontes utilizadas para os dados aqui apresentados sao do L.B.G.E., cujos resultados do | Censo Agricola de 1960 aca bam de ser divulgados. A forma de apresentacdo e a compa- ragdo com os dados de 1950, sao do economista Paulo Yokota. A medida base utilizada foi, como é costume nestes casos, o hectare (10,000m2). & preciso notar que os niimeros ci- tados se referem a estabelecimentos agricolas, uma vez que ndo existem dados sdbre propriedades agricolas . Parte da formulagio teolégica que aparece no final se baseou num do- cumento recente da Federagao Pretestante Francesa, intitu- lado "Elementos permanentes de uma ética social cristé".

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