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A r m a z e n a m e n to

Distúrbios

Técnicas já disponíveis reduzem


danos causados por frio
Ricardo Alfredo Kluge e Juan Saavedra del Aguila*

O armazenamento sob baixas tempera-


acervo ceagesp

turas tem sido considerado o método


mais eficiente para a preservação das
qualidades da maioria dos produtos
hortifrutícolas, devido aos seus efeitos
na redução da respiração, transpiração,
produção de etileno, amadurecimento,
senescência e desenvolvimento de
podridões. Entretanto, um de seus prin-
cipais problemas é provocar desordens
fisiológicas, conhecidas como “danos por
frio” (outras terminologias têm sido usa-
das para o mesmo fenômeno, tais como
“desordem pelo frio”, “danos pelo frio”,
“injúrias pelo frio”, “injúrias por baixas
temperaturas”, “desordens por baixas
temperaturas” e chilling).
Os distúrbios fisiológicos decorrentes
do armazenamento refrigerado são já
bastante estudados, por afetarem pro-
dutos de altos valores comerciais, como
banana, maçã, abacate, nectarina pêras
e tomate, entre outros. Um agravante
dessa desordem é que geralmente seus
sintomas se manifestam durante a co-
mercialização dos produtos. Além disso,
eles diferem dos causados pelo conge-
lamento, pelo fato de, nesses casos, os
sintomas aparecerem acima do ponto de
congelamento, e por não haver formação
de cristais de gelo. A susceptibilidade aos
danos causados pelo frio depende de
fatores diversos, como a cultivar, a tem-
Balcão refrigerado com frutas diversas em supermercado peratura, o tempo de exposição, o grau de

visão agrícola nº 7 jan | jun 2007 47


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maturação, as características climáticas Tem sido observado que, em tem- ou seja, superiores à TMS. Porém, esse
da zona de cultivo e as temperaturas peraturas demasiadamente baixas, há procedimento pode não ser eficaz em
anteriores à colheita (Saltveit Junior e uma modificação da fluidez da membra- casos de longos períodos de armaze-
Moris, 1990). na lipídica, que passa da fase líquido- namento, quando os sintomas podem
O grau de sensibilidade dos produtos cristalina para a gel-sólida, o que reduz se manifestar, como já observado em
hortícolas às baixas temperaturas está a permeabilidade seletiva das mesmas frutas de clima temperado armazena-
diretamente relacionado à sua capacida- e resulta em uma série de respostas das em temperatura adequada, porém
de de armazenamento. Nesse contexto, secundárias, incluindo os sintomas por períodos demasiados.
produtos de climas temperados são con- característicos. Geralmente, com o de- Entre as demais técnicas existentes
siderados menos sensíveis ao chilling senvolvimento dos danos de frio, há um para reduzir ou aliviar os danos cau-
do que produtos de origem tropical e estímulo na produção endógena de ACC sados pelo frio, algumas já são usadas
subtropical, sendo que os sintomas geral- (ácido 1-aminociclopropano 1-carboxí- comercialmente, outras restringem-se
mente demoram mais para se manifestar. lico) e de etileno, encurtando a vida de ao uso experimental. Elas reduzem os
Essa diferença ocorre, em grande parte, armazenamento do produto. Além dis- distúrbios por meio do retardamento
devido ao mais alto grau de insaturação so, os danos diminuem sua resistência, do desenvolvimento dos sintomas e/ou
dos lipídios que compõem as membranas permitindo a penetração de patógenos pelo aumento da tolerância do produto
celulares dos tecidos dos produtos de causadores de podridões e provocando ao frio. As aplicações de poliaminas,
clima temperado, característica que con- o amadurecimento irregular de algumas jasmonatos e ácido salicílico são exem-
fere maior estabilidade às membranas frutas. O aumento da taxa respiratória plos de tratamentos que podem aliviar
celulares, sítios principais de alterações se deve ao aumento da produção de a manifestação de injúrias pelo frio, em
decorrentes do frio. A sintomatologia piruvato, decorrente da perda na capa- alguns produtos. Porém, entre as téc-
do dano por frio varia de acordo com a cidade de regulação da produção desse nicas mais usadas, destacam-se o con-
espécie, com os tecidos e com o tempo composto, na reação catalisada pela dicionamento térmico, o aquecimento
de permanência abaixo da temperatura enzima piruvato quinase e pela ativa- intermitente e a atmosfera controlada
mínima de segurança (TMS). A TMS é a ção da enzima fosfosfrutoquinase-PPi, (Kluge et al., 2002), que detalhamos a
temperatura limite ou crítica, definida desencadeada pelo etileno. seguir:
como aquela abaixo da qual podem resul- Pode-se dizer que não existem méto- Condicionamento térmico – Con-
tar, em determinado tempo, alterações dos capazes de evitar completamente siste em submeter o produto, por curto
sensoriais irreversíveis, amadurecimento os danos por frio. O método básico período, à temperatura moderada ou alta;
deficiente e alterações fisiológicas. normalmente utilizado para reduzir as em alguns casos, à temperatura baixa,
Nas frutas e hortaliças, os sintomas injúrias causadas pelo frio é o armaze- antes de armazená-lo sob refrigeração. Os
visíveis característicos de dano por frio namento em temperaturas adequadas; efeitos desse condicionamento incluem:
incluem o colapso ou degenerescência de
polpa (internal breakdown), a formação
de depressões superficiais (pitting), a
incapacidade de desenvolvimento de Figura 1 | frutas com injúrias causadas por falta de conservação
coloração uniforme, o incremento da
respiração e da produção de etileno, o
aumento da suscetibilidade ao ataque
microbiano, o escurecimento enzimático
e as mudanças da coloração da polpa (Fi-
gura 1). Essas alterações das membranas
celulares podem promover o contato
entre enzimas e substratos, provocando
alterações sensoriais, como mau cheiro,
descoloração e perda de firmeza, devido à
atividade das enzimas hidrolases da pare-
de celular. O frio afeta tanto a integridade
dos tecidos quanto o metabolismo dos
produtos.

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a) A indução da síntese de proteínas cais livres e impedem a peroxidação
*Ricardo Alfredo Kluge é professor do
de choque de calor, ligadas a meca- dos lipídios das membranas. Departamento de Ciências Biológicas da USP
nismos de termotolerância. Essas Aquecimento intermitente – Consis- ESALQ (rakluge@esalq.usp.br) e Juan Saave-
proteínas se ligam a outras enzimas, te na interrupção do armazenamento refri- dra del Aguila é doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Fitotecnia da USP ESALQ
estabilizando suas atividades em gerado por um ou mais períodos, quando os
(jsaguila@esalq.usp.br).
temperaturas baixas, e também frutos são expostos a temperaturas mais
facilitando a reciclagem dos ami- altas, retornando depois ao frio. Os efeitos
Referências bibliográficas
noácidos que foram degradados, em do aquecimento incluem a remoção de HARDENBURG, R. E.; WATADA, A. E.; WANG, C. Y.
novas proteínas funcionais. substâncias tóxicas que estaria se acumu- The commercial storage of fruits, vegeta-
b) A síntese de poliaminas (putrescina, lando no período de frio, além do aumento bles, and florist, and nursery stocks. Wa-
shington: USDA, 1986. 130 p. (USDA. Agriculture
espermidina e espermina). Essas da síntese de poliaminas e o estímulo da
Handbook, 66).
substâncias podem atuar como atividade de enzimas antioxidativas. KLUGE, R. A. et al. Fisiologia e manejo pós-co-
antioxidantes e retardar a senes- Atmosfera controlada ou modifi- lheita de frutas de clima temperado. 2. ed.
cência, devido à maior estabilização cada – Tem sido verificado em alguns rev. e ampl. Campinas: Livraria e Editora Rural,
2002. 214 p.
das membranas celulares. produtos que as injúrias pelo frio po-
LYONS, J. M. Chilling injury in plants. American
c) O aumento da atividade das enzimas dem ser reduzidas pelo uso de atmosfe- Review of Plant Physiology, v. 24, p. 445-
antioxidativas, como o superóxido ra controlada. O baixo teor de oxigênio 466, 1973.
dismutase, a catalase, a glutationa pode estimular a síntese de poliaminas SALTVEIT JUNIOR, M. E.; MORIS, L. L. Overview of
redutase e o ascorbato peroxidase, e, dessa forma, criar uma proteção às chilling injury of horticultural crops. In: WANG,
C. Y (Ed.). Chilling injury of horticultural
que auxiliam na remoção de radi- membranas celulares. crops. Boca Raton: CRC Press, 1990. p. 5-15.

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