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JULIANA CASSAB LOPES

O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO


DO ESTUDO DO DESENHO DA CRIANÇA

Monografia apresentada à Universidade


de Franca para a aprovação no Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu (Área de
Concentração: Arte e Criatividade,
Modalidades de Criação).

FRANCA
2001
1

JULIANA CASSAB LOPES

O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO


DO ESTUDO DO DESENHO DA CRIANÇA
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JULIANA CASSAB LOPES

O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO


DO ESTUDO DO DESENHO DA CRIANÇA

Monografia apresentada à Universidade


de Franca para a aprovação no Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu (Área de
Concentração: Arte e Criatividade,
Modalidades de Criação).

FRANCA
2001
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DADOS CURRICULARES

JULIANA CASSAB LOPES

NASCIMENTO 07/10/1976 - ITUIUTABA/MG.

FILIAÇÃO José Cassab.


Orlanda Rosendo da Silva.

1994 - 1998 Curso de Graduação.


UNIRP – Centro Universitário de Rio Preto
Licenciatura Plena em Educação Artística com
Ênfase em Desenho.

2002 Professora de Editoração Eletrônica do


Departamento de Informática do SENAC de
Ribeirão Preto.

2002 Professora de Laboratório Digital do Curso Técnico


de Produção Gráfica - SENAC de Ribeirão Preto.
4

A professora Lindalva Barbosa de Lorga

Professora de educação artística consciente da


linguagem utilizada no desenho pelos seus alunos,
que lia os meus de uma maneira que me assombrava
e deslumbrava, e que me estimulou a buscar o
conhecimento para que eu entendesse, como ela e
tantos outros, essa língua maravilhosa e misteriosa
que é o desenho.
5

AGRADECIMENTOS

A meu marido, Rodolfo, pela força, carinho,


compreensão e apoio durante todo o processo de meu
envolvimento com a pesquisa e execução deste trabalho. Obrigada
hoje e sempre;
a minha mãe, Orlanda, pelo amor incondicional,
pela sabedoria e maneira irrepreensível com a qual norteou minha
educação, a formação de meu caráter e valores ensinados, entre os
quais a certeza que a paciência e a busca do conhecimento só
farão somar benefícios as nossas vidas;
a Prof. Dra. Susana Maria Moreira, pela atenção em
ler, criticar, apontar os pontos a serem melhorados neste trabalho
de pesquisa e se mostrar francamente aberta e disposta a ajudar;
aos professores e funcionários da Universidade de
Franca, pela colaboração e pronta atenção demonstradas nos
momentos em que a ajuda foi solicitada;
agradeço profundamente a todos, e em especial,
mais uma vez, a meu marido, sem a colaboração e a atenção
dispensadas, não teria sido possível a realização desta conquista
que foi a finalização desta monografia;
minha mais sincera gratidão.
6

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ...............................................................................................................7


LISTA DE QUADROS .............................................................................................................9
RESUMO ................................................................................................................................10
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
I - DESENHO DA CRIANÇA, OS PRECURSORES DA DESCOBERTA DE UM
NOVO UNIVERSO ................................................................................................................14
II - O DESENHO E AS TEORIAS DOS GRANDES FORMULADORES DOS
ESTUDOS SOBRE A INTELIGÊNCIA, O DESENVOLVIMENTO E A
PSICOLOGIA DA CRIANÇA................................................................................................25
III - A EDUCAÇÃO PELA ARTE, A VISÃO DE UM TEMPO ..........................................39
IV - MEIO SÉCULO DE ESTUDO DO DESENHO .............................................................50
V - ABORDAGENS DAS PRIMEIRAS ASSOCIAÇÕES ENTRE OS
ESTUDOS DO DESENHO E DA ESCRITA.........................................................................53
VI - ABORDAGENS PSICOLÓGICAS DO DESENHO ..................................................... 58
VII - O DESENHO DA CRIANÇA POR DIVO MARINO ..................................................61
VIII - A INTERPRETAÇÃO DO DESENHO INFANTIL POR JOSEPH DI LEO..............81
IX - NOVAS PERCEPÇÕES DO PAPEL DO DESENHO ...................................................86
X - O DESENHO DA CRIANÇA POR FLORENCE DE MÈREDIEU ................................96
XI - ABORDAGENS ATUAIS ............................................................................................107
XII - O DESENHO DA CRIANÇA POR MAUREEN COX ..............................................114
CONCLUSÃO.......................................................................................................................142
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................150
7

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Desenho criança de dois anos – garatuja


desordenada 41

Figura 2 – Desenho criança de três anos – garatuja


controlada 41

Figura 3 – Desenho criança de dois anos – garatuja


controlada 41

Figura 4 – Desenho criança de quatro anos, Um


Homem 42

Figura 5 – Desenho estudante sete anos, Minha


Família 43

Figura 6 – Desenho Apanhando flores 43

Figura 7 – Desenho estudante nove anos, Cena da


Cidade 44

Figura 8 – Desenho estudante nove anos, Jogando


pegador no pátio da escola 44

Figura 9 – Desenho estudante treze anos, Pensando 45

Figura 10 – Desenho estudante, Segundo Grau 46

Figura 11 – Traçado circular, criança de vinte meses 55

Figura 12 – Aparecimento de formas isoladas 55

Figura 13 – Traçado em forma de dentes de serra 56

Figura 14 – Desenho Salim N. Abdala, oito anos 65

Figura 15 – Desenho Walter Martins, nove anos 65

Figura 16 – Desenho Elísio Ventura, sete anos 65

Figura 17 – Desenho Magda Triani, dez anos 66

Figura 18 – Desenho Jair Martins, sete anos 67

Figura 19 – Desenho Wilma Barbosa, dez anos 68


8

Figura 20 – Desenho Lília Sanches, sete anos 68

Figura 21 – Desenho Felipe Petranu, oito anos 69

Figura 22 – Desenho Aracy H. Galdo, três anos 70

Figura 23 – Desenho Suely A. Pisani, quatro anos 70

Figura 24 – Desenho Luis E. Ciampo, cinco anos 70

Figura 25 – Desenho Ayrton Gallo, seis anos 71

Figura 26 – Desenho Antonio D. Gallo, sete anos 71

Figura 27 – Desenho Diva Gomes, oito anos 71

Figura 28 – Desenho Isaura Spinelli, nove anos 72

Figura 29 – Desenho Silvana Calefi, dez anos 72

Figura 30 – Desenho Marilyn D. Campano, onze anos 72

Figura 31 – Desenho Helena A. Fabri, doze anos 73

Figura 32 – Desenho Werther Fabri Filho, treze anos 73

Figura 33 – Desenho Sílvia Maria C. Bueno, oito anos 74

Figura 34 – Desenho C. Camargo, dezoito anos 74

Figura 35 – Evolução da figura do boneco 91

Figura 36 – Vinte tipos de rabiscos básicos segundo


Kellog 93
9

LISTA DE QUADROS

QUADRO I – Dez principais temas abordados no


desenho das crianças do sexo masculino
segundo pesquisa realizada em
Ribeirão Preto em 1955 77

QUADRO II – Dez principais temas abordados no


desenho das crianças do sexo feminino
segundo pesquisa realizada em
Ribeirão Preto em 1955 77

QUADRO III – Dez principais temas abordados no


desenho das crianças de ambos os
sexos segundo pesquisa realizada
em Ribeirão Preto em 1955 78
10

LOPES, J. C. O desenvolvimento histórico do processo do


estudo do desenho da criança. Franca: Universidade de
Franca, 2001. Monografia. (Especialização Lato Sensu - área de
concentração: Arte e Criatividade, Modalidades de Criação).

RESUMO

Entender como é vista e discutida a questão do desenho infantil é uma necessidade para o
professor de arte e para todas as pessoas que tem responsabilidade e contato direto com
crianças. A conceituação, a significação e a postura a se adotar ao interagir com a criança e
sua produção gráfica são aspectos que somente começaram a serem estudados a partir do final
do século XIX, e esta monografia tem como objetivo a realização de uma pesquisa histórica e
a hierarquização do desenvolvimento desse estudo, descrevendo o caminho percorrido desde
as primeiras pesquisas, até os dias de hoje. Ao serem descritos, os estudos realizados vão
traçando uma linha onde vemos as questões de causa e efeito que as posturas adotadas tiveram
junto à educação artística aplicada nas escolas e na maneira do adulto lidar com o desenho de
sua criança. Será visto que, a partir das novas descobertas e colaborações científicas, vão se
formando novas propostas, que condizentes com o período histórico em que são formuladas,
abrangem uma série de questões, como o estudo do desenho paralelo e aplicado aos
desenvolvimentos cognitivos, físicos, emocionais, mentais e psicológicos da criança. O
desenho está presente em todos esses campos e veremos parte do que foi verificado sobre esse
tema até a atualidade. A colaboração científica deste trabalho será de, através da análise que
se fará paralelamente aos fatos descritos, oferecer uma visão geral de um processo,
estabelecendo através da história averiguada uma relação onde poderá se entender porque
temos hoje a atual visão sobre o tema. Uma visão que vê o domínio do desenho como um
dom, enquanto acreditamos que na verdade esse domínio possa ser adquirido através de
estudo, treino e orientação. A história do estudo do desenho nos mostra que, devido ao fato do
assunto ter sido descoberto em uma época de profundas mudanças, acabou-se por se tomar
uma postura extremamente libertária sobre qual a maneira correta do adulto conduzir o
contato da criança com seu próprio desenho. Afinal, depende do adulto o fornecimento à
criança de materiais para que ela possa, desde muito pequena, se valer desse exercício e
ferramenta de interação com o mundo. Veremos as últimas propostas e averiguações
realizadas pelos estudiosos que visam mudar o quadro atual, que não direciona nem orienta
esse trabalho de forma a oferecer a criança mais do que ela própria possa fazer sozinha, sem
contato com o conhecimento formal que a atividade oferece e que poderia facilitar muito a
maneira como a criança lida com essa sua habilidade ao longo, inclusive, de sua futura vida
adulta. Procuraremos apontar as razões para que as pessoas tenham mais atenção e entendam
parte dos vários significados contidos e que acompanham o desenho da criança. Entendê-la
enquanto indivíduo e compreender algumas de suas questões básicas através da busca de um
contato mais consciente com seu desenho, torna a tarefa de se chegar à criança mais fácil,
afinal, ela se utiliza desse desenho também como linguagem, expressão e sabermos ler essa
linguagem facilita muito o nosso acesso e participação junto ao mundo infantil.
11

INTRODUÇÃO

O objeto de estudo desta monografia é a investigação do processo de produção do

desenho da criança, partindo da abordagem histórica do nascimento e desenvolvimento do

interesse dos estudiosos e suas teorias nesse campo.

O estudo do processo de desenvolvimento da personalidade, capacidades motora,

sensorial, cognitiva, lingüística e intelectual da criança e seu comportamento somente

começaram a ser registradas no final do século XVIII, tendo como um dos pioneiros Jean-

Jacques Rousseau. Uma ferramenta importantíssima para a realização desses estudos foi o

desenho produzido pela criança, que passou a ser objeto de estudo de Ricci (1887), Luquet

(1913), Dewey (1925), Goodnough (1926), Read (1943), Lowenfeld & Brittain (1947), Rioux

(1951), Arnheim (1954), Piaget & Inhelder (1956), Marino (1957), Stern (1961), Kellog

(1970), Mèredieu (1974), Gardner (1980), Cox (1995) entre tantos outros, passando a ser um

capítulo à parte, abordado não somente em estudos abrangentes, como específicos.

Psicólogos, pedagogos, artistas e educadores enfocaram, estudaram e

desenvolveram diversas teorias e interpretações sobre a produção do desenho infantil. Foram


12

utilizados ao longo desse período enfoques variados: aspectos referentes à natureza emocional

e psíquica da criança, sendo o desenho utilizado como instrumento de avaliação de

inteligência, personalidade e desenvolvimento mental. A análise da linguagem gráfica em

seus aspectos formais e simbólicos. Suas relações com os desenvolvimentos motor, cognitivo,

da linguagem e da escrita. O desenho como expressão artística da criança. E desses enfoques

surgiu toda uma postura adulta em como lidar com a criança e seu desenho.

Foram elaboradas ao longo do século XX várias classificações referentes aos

estágios, características e fases do desenvolvimento infantil, baseados em fatores sociais,

culturais, psicológicos e pedagógicos. Conhecer, entender e perceber a evolução desses

estudos e como eles interferem hoje na compreensão das pessoas em relação à produção

gráfica da criança é o que se buscará através desta monografia. Mapear, ordenar e hierarquizar

esses estudos, apresentar um trabalho que reúna uma abordagem histórica de como nasceu,

quem desenvolveu e quais foram as principais linhas de pesquisa utilizadas até o dia de hoje

pelos estudiosos do desenho. Linhas que defendem alguns princípios que foram divergindo e

outros que foram se completando ao longo do tempo, de onde surgiram as diferentes

propostas educacionais de como direcionar a criança ao encontro de sua habilidade gráfica.

Nosso interesse na abordagem desse assunto nasceu como necessidade de

compreensão de um processo de desenvolvimento próprio, visto que o desenho sempre foi

utilizado como forma de expressão significativa desde a infância até hoje, além de ser

ferramenta importantíssima na atuação dos educadores no ensino da arte e no contato dos pais

com o mundo de suas crianças. O aprofundamento desses conhecimentos e a pesquisa a ser

realizada serão de grande importância ao entendimento e à compreensão do significado do

desenho. Desta forma, nos valeremos das ferramentas necessárias para avaliar os vários

aspectos do desenvolvimento da criança através do que ela desenha de maneira ampla e com

maior aproximação científica, por meio de todo o processo investigado.


13

Essa monografia buscará em dados pesquisados por outros autores a respeito do

tema O desenho da criança seus apontamentos e conclusões, reunindo em uma publicação o

histórico do desenvolvimento de um estudo que poderá servir de bússola para os que virão, se

norteando através desta pesquisa, na busca do entendimento do processo. Poderão identificar

alguns dos principais estudiosos que se envolveram, em ordem cronológica, em investigar o

desenho infantil, a bibliografia produzida, suas idéias e como elas influenciaram os que

vieram em seguida, concordando ou não, desenvolvendo teorias contrárias e contribuindo para

o entendimento de um assunto inesgotável. Serão pesquisadas e citadas questões como a

conceituação do desenho infantil, sua utilização em estudos do processo cognitivo da criança,

de personalidade, da inteligência, aplicações nos processos de análises psiquiátricas e

psicológicas, as abordagens e posturas educacionais e sociológicas que se desenvolveram, e a

definição das etapas formais das representações gráficas das crianças até à adolescência,

segundo alguns desses autores.

Além de uma descrição mais generalizada buscando ordenar cronologicamente os

vários estudos acerca do assunto, serão abordadas com mais profundidades o conteúdo de três

obras: O desenho da criança, de Divo Marino, de 1957, O desenho infantil, de Florence de

Mèredieu, de 1974 e O desenho infantil, de Maureen Cox de 1995. Abordá-las com maior

destaque será interessante porque cada uma, de certa maneira, sintetiza as descobertas,

discussões e propostas de sua época. Melhor ainda, uma questiona, complementa e reformula

seqüencialmente o que a outra divulga. Uma apresenta uma nova visão em contrapartida à

outra, gerando ao longo da leitura uma série de questionamentos, e nos fazendo formularmos

os nossos.
14

I - DESENHO DA CRIANÇA, OS PRECURSORES DA DESCOBERTA

DE UM NOVO UNIVERSO

O que a criança significa enquanto ser humano em formação e a necessidade de

seu entendimento são questões que só começaram a ser consideradas a partir do século XXVI.

Isso se deu com as pesquisas de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), um dos primeiros a

conceber a criança como um ser dono de uma personalidade, diferente do adulto, com

necessidades próprias e uma mentalidade relacionada a tais necessidades. Ele foi muito

importante para o início de uma época que começava a entender a criança como uma entidade

diferente e não um ente inferior, inacabado e incompleto, que precisava se tornar adulto o

mais rapidamente possível. (MARINO, 1988, p. 87)

A partir daí a criança passa a ser objeto de estudo e surgem, registrados por

autores como Charles Darwin (1877), Hogan (1989), Clara e Willian Stern (1910), Preyer

(1899), as biografias de bebê, estudos onde eram registrados detalhes observados sobre o

comportamento e desenvolvimento desses autores a respeito de seus próprios filhos. (COX,

2001, p. 4) (GOODENOUGH, 1974, p. 25)


15

O primeiro autor conhecido a publicar um estudo enfocando o desenho infantil é

Ruskin, em 1857.

Entre dezembro de 1895 e janeiro de 1886, Ebezener Cooke divulga um artigo, O

Nosso Método para o Ensino da Arte e a Natureza da Criança, publicado no Jornal of

Education, onde defende a prática do desenho à mão livre e o abandono da cópia sobre papel

quadriculado, prática que levava, segundo ele, somente a uma representação mecânica e fria,

não dando a criança a menor liberdade de expressão artística e individual e possibilidade de

desenvolvimento imaginativo.

Em 1887 o italiano Corrado Ricci, um famoso crítico de arte, publica L’Arte dei

bambini, contendo pela primeira vez reproduzidos em um livro, uma coleção de desenhos

reais de um grupo de crianças italianas observadas por ele. Observa a dificuldade que a

criança demonstra em desenhar aquilo que vê, citando a ocorrência das transparências, os

aspectos estéticos, a evolução na cor e possíveis relações com a arte primitiva. Ricci acredita

que os desenhos que as crianças fazem não são uma tentativa de mostrar a aparência real dos

objetos, mas expressões do que elas conhecem sobre eles. (CAMPOS, 1999, p. 13)

Lichtwart, um alemão, publica no mesmo ano que Ricci (1887) a obra Arte na

Escola, onde afirma que a criança, obedecendo à leis imutáveis no tempo e no espaço,

apresentam uma relação clara entre suas primeiras tentativas e os desenhos dos primitivos,

simplificando os objetos nas suas representações, (LICHTWART, 1887 apud MARINO,

1988, p. 88) inicia-se aí uma percepção da homogeneidade das representações gráficas,

independente de raça ou tempo.

Em 1895, James Sully publica o livro Studies in Childhood, onde utiliza a

expressão “arte infantil” pela primeira vez, reconhecendo-a como uma arte individualizada,

peculiar e com qualidades, mas que, preso aos conceitos da época ainda não tomada do

espírito de liberdade que virá a seguir, ainda considera as atividades da criança algo a ser
16

policiado e corrigido, citando esses desenhos e suas características como rebatimentos e

transparências como sendo representações erradas e imperfeitas. (MARINO, 1988, p. 89)

Sully considera a arte infantil uma arte embrionária e elabora três grandes fases que são

retomadas posteriormente, onde cita a fase da garatuja informe, o desenho primitivo ou

esquema e os desenhos mais elaborados, tematizados em personagens e animais. (RIOUX,

1951 apud COUTINHO, 2002)

Ricci, Spencer, Cooke e Sully dão suporte através de suas observações e

conclusões a uma nova maneira de se encarar a produção do desenho da criança, abrindo o

caminho para toda uma série de estudos que vieram em seguida. (MARINO, 1988, p. 89-90)

Herbert Spencer publica nesta época um ensaio sobre a educação intelectual,

moral e física, seguindo uma tendência evolucionista. Baseia-se no estudo científico do

desenvolvimento mental da criança.

Essa psicologia que estuda a criança surge ocupando um lugar privilegiado entre

as várias linhas de pesquisa que estão começando a se desenvolver entre os estudos

psicológicos que surgem naquele fim de século. Spencer aborda o paralelismo da ontogênese1

à filogênese2. A chamada psicologia genética. (RIOUX, 1951 apud COUTINHO, 2002)

Reconhece também o que é chamado de artista na criança, afirmando que a representação da

criança busca recriar coisas de grande dimensão, que atraem pela cor e que, das quais pode-se

verificar uma grande associação de idéias. Questiona não se o fato é que a criança faça bons

desenhos, mas sim se ela desenvolve ou não a sua vida mental. Condena o hábito de desenhar

copiando e dos exercícios das linhas retas, curvas e compostas, prática educacional da época,

1
Ontogênese . [De ont(o)- + -gênese.] S. f. Biol. 1. Ontogenia. Ontogenia . [De ont(o)- + -genia.] S. f. Biol. 1.
Desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a maturidade para a reprodução; ontogênese. [Cf.
filogenia (1).] . (Novo Aurélio, 2002)
2
Filogênese . [De filo-1 + -gênese.] S. f. Biol. 1. V. filogenia (1). Filogenia . [De filo-1 + -genia.] S. f. Biol. 1.
Evolução das unidades taxonômicas; história evolucionária das espécies; filogênese. [Opõe-se a ontogenia.] 2.
Evolução (10). [Cf. filoginia.]. (Novo Aurélio, 2002)
17

impostos às crianças quando alcançam a idade das lições de desenho. (MARINO, 1955, p.

134)

Em 1895, James-Mark Baldwim publica O Desenvolvimento Mental na Criança e

na Raça influenciado pelas teorias de Spencer, onde inclui um estudo da imitação gráfica de

sua filha, de um ano e sete meses à dois anos e oito meses.

Entre 1901 e 1904, Karl Lamprecht realizou a mais vasta investigação sobre

desenhos de crianças da Alemanha, Suíça, Bélgica, Inglaterra, Suécia, Romênia, Rússia,

Japão, Estados Unidos e África, feita até então, comparando esses desenhos com produções

pré-históricas de povos primitivos. Estudo apresentado no Seminário de História Universal e

da Civilização, da Universidade de Leipzig, apresentou como resultado uma teoria onde ele

indica que haviam três caminhos para se demonstrar o desenvolvimento científico da

psicogênese humana: a história da civilização, a etnografia e a psicologia da criança com

ênfase no desenho como instrumento de pesquisa. Lamprecht contou com Levistein (1905)

como colaborador. (COUTINHO, 2002)

Nestes primeiros períodos de estudos muito se falou e se comparou o desenho da

criança com a arte primitiva, o que não encontrou grande embasamento ao longo das

abordagens que se seguiram. Por isso, não será discutido ao longo desta monografia as

questões que foram levantadas referentes a essas comparações. Neste período de início de

século XX as descobertas das cavernas cobertas de pinturas primitivas na França, o

rompimento da arte figurativa com suas regras, dado ao nascimento das correntes

modernistas, as descobertas científicas, evolucionistas e o nascimento da psicanálise montam

um cenário onde as abordagens que veremos sobre essa nova descoberta, a valor da criança

enquanto ser em formação e sua produção gráfica se fazem bastante coerentes neste contexto,

mas que irão sendo revistas ao longo do estudo através das novas descobertas, abordagens e

mudanças.
18

Em 1907 Claparède, através de um estudo similar ao feito por Lamprecht, busca

investigar as etapas evolutivas do desenho, buscando uma conexão entre a aptidão para o

desenho relacionado à capacidade intelectual da criança.

Na Suíça, Ivanoff (1909) baseado nas idéias de Claparède buscou encontrar um

sistema para avaliação dos desenhos baseado em três critérios de igual importância: noção de

proporção, concepção criativa e valor técnico e artístico.

Katzaroff (1910) realizou uma pesquisa buscando apurar os temas desenhados

pela criança com mais freqüência. Análise que se repetirá muitas vezes, feita por vários

autores e sempre apresentando resultados pertinentes e que acrescentam alguma informação

interessante sobre a criança e seu tempo.

Nos Estados Unidos, Maitland (1895) também havia realizado uma pesquisa

referente a essa quantização e seus resultados coincidiram amplamente com os obtidos por

Katzarof. A diferença se deu apenas por que enquanto Katzarof dividiu os temas entre as

idades, dos seis aos quatorze anos, Maitland computou um resultado geral. Enquanto Katzarof

verificou através de seu método que a ordem estava dividida em primeiro lugar, ocorrências

para temas variados, segundo, casas e terceiro, a figura humana, Maitland verificou que até os

dez anos a figura humana era o tema mais reproduzido. (GOODENOUGH, 1974, p. 23-24)

Neste período entre os precursores dos vários segmentos de estudos referentes ao

desenho infantil, podem-se mencionar os nomes: Baldwin (1894), Herric (1893), Barnés

(1892), Lukens (1896), Brown (1897), Shinn (1897), Roubier (1901), Partidge (1902),

Kerchensteiner (1905), Levinstein (1905), Lobsien (1905), Major, (1906), Gotinga (1906),

Budapest (1906), Claparède (1907), Schutyten (1907), Clark (1902), Kik (1908), Florença

(1908), W. Stern (1909), Dix, (1912), Rouma (1913), Krotzsch (1917), Buhler (1919), Cyril

Burt (1921), Hartlaub (1922), Dewey (1925), Wurff (1928), Britisch (1931). (CAMPOS,

1999, p. 13-14) (GOODENOUGH, 1974, p. 24-25)


19

Kretzchmar (1902, 1910), Degallier (1905), Haddon (1904), Probst (1906),

Verworn (1907), Dohleman (1908), Van Gennep (1911), Rouma (1913) e Grosse (1915) são

os autores que abordam questões referentes a comparações de desenhos infantis em relação à

produção de desenho pré-histórico. (GOODENOUGH, 1974, p. 26)

Dentre os estudos realizados por todos esses pesquisadores, surgem conceitos

como segundo Lukens (1896) “a criança primeiro se interessa pelo produto do gesto gráfico.

Passa a se interessar pela ação de desenhar e dá livre curso à sua imaginação. Quando o

espírito crítico se exerce, ela constata a insuficiência da sua produção e para de progredir”.

Segundo Brown (1897) “inicialmente a criança se interessa pelo movimento;

passando em seguida a se interessar pelo produto de seu gesto; logo a mão passa a obedecer a

vontade e o desenho se aproxima mais e mais da realidade objetiva”, contradizendo Lukens.

(COUTINHO, 2002)

Levistein (1904), afirma que os “sinais e a imagem são uma linguagem para a

criança. Desenhar significa descrever e não representar. Ela desenha qualquer coisa porque

quer dizer qualquer coisa sobre isto que se desenha”. (MARINO, 1988, p. 92)

Kerchensteiner (1905) analisou em Munique, na Alemanha cerca de dez mil

desenhos feitos por crianças de sua região e classificou-os em três grupos principais e alguns

intermediários:

1 Desenhos puramente esquemáticos.

2 Desenhos onde a criança busca representação do real.

3 Etapa em que criança busca a representação tridimensional. (GOODENOUGH,

1974, p. 24-25)

Ele discute e compara questões como as diferenças entre os desenhos das crianças,

especialmente dotadas, normais e débeis mentais3. E as diferenças entre as produções feitas

3
Termo utilizado na época para designar deficientes mentais de todos os níveis.
20

por meninos e meninas. Segundo suas pesquisas, a criança desconhece a terceira dimensão e

não sabe representar o espaço, e que deve ser dada a ela a liberdade de desenhar, livre de

cópias e da busca insistente em representar a realidade através delas. Alega que as crianças

incluem em seus desenhos os aspectos principais de seu conceito sobre certa categoria de

objetos, e que são esses conceitos, e não os objetos reais é que são os seus modelos.

Segundo Willian Stern (1908) “a garatuja está no desenho infantil quase como o

balbuciar está para o falar da criança”. Stern publica várias monografias sobre o tema e

destaca a diversidade imaginativa que as crianças utilizam para representar o espaço, de

acordo com sua idade. (MARINO, 1988, p. 93)

Kik (1909) discute o que seriam as diferenças entre a verdadeira capacidade

criadora e a mera perícia em se copiar.

No estudo de desenhos de pessoas portadoras de desordens mentais e

psicopatológicas, Reja (1901) e Rogues de Fursac (1918) são os pioneiros. Podendo-se citar

Rouma (1913), Hamilton (1905), Kurbitz (1912). (GOODENOUGH, 1974, p. 26)

Em 1913, Rouma publica Le language graphique de l’enfant, um estudo bastante

detalhado para a época, feito a partir da observação cuidadosa dos desenhos realizados por

crianças retardadas4 e normais, de ambos os sexos, colhidos em várias escolas. Assim como

ela, muitos estavam interessados nos desenhos das crianças deficientes e o que eles poderiam

contar sobre essas crianças. Nasce a partir deste interesse uma outra linha de pesquisa que

busca entender distúrbios mentais através da utilização do desenho dessa criança. Evoluindo

paralelamente ao estudo do desenho das crianças normais, temos aí um outro assunto,

bastante ligado à psicologia, a psicopedagogia e à própria medicina, que buscava estudar,

nesse primeiro momento, entender e classificar as questões relacionadas às deficiências. Não

4
Termo utilizado na época para designar deficientes mentais de todos os níveis, assim como o termo débil
mental.
21

serão vistos detalhadamente os aspectos dessa linha, visto que não será possível abordá-la sem

entrar em questões que não são objetivadas nesta monografia.

Rouma não utilizou dados estatísticos, apresentando importantes conclusões

teóricas. Ele enumera e distingue duas diferentes etapas do desenho feito pelas crianças

normais sobre o tema da figura humana:

1 Etapa preliminar:

a) Adaptação da mão ao instrumento.

b) A criança nomeia definitivamente as linhas incoerentes que está traçando.

c) A criança anuncia antecipadamente o que pretende desenhar.

d) A criança nota certas semelhanças entre os objetos e linhas que porventura tenha

feito despropositadamente.

2 Evolução da representação da figura humana:

a) Primeiros ensaios com intenção de representação, similares aos descritos na etapa

anterior.

b) Etapa de renacuajo.

c) Etapa de transição.

d) Representação completa da figura humana vista de frente.

e) Etapa de transição entre a representação frontal e de perfil.

f) Perfil. (GOODENOUGH, 1974, p. 24-25)

Em 1919, Karl Buhler atenta para a relação existente entre a linguagem e o

desenho.

Hartlaub em 1922 lança o livro O Gênio na Criança, onde defende, com ardor, a

necessidade de libertar o espírito criador da infância pela arte. (MARINO, 1988, p. 93)
22

Em 1925, o americano John Dewey apresenta a idéia de arte como experiência em

seu livro Experience, nature and art. Desde o início do século XX, Dewey estudava o

processo criativo. Segundo ele, é uma tolice o uso do método de simplesmente rodear a

criança de materiais e deixá-la agir como quiser. O professor se fizesse isso não passaria de

um espectador do trabalho da criança e guardião de sua liberdade. Não há germinação

espontânea na vida mental, e se a criança não receber sugestão do professor, receberá de

qualquer maneira, vindo de casa, da rua, ou daquilo que outra criança estiver fazendo. Afirma

que sem direcionamento o ato de criar ficará cansativo, casual e esporádico, e que a idéia que

começava a tomar força na época, de que para desenvolver a expressão infantil, o professor

deve cumprir o papel de impedir as influências externas impedindo a contaminação, não

estariam corretas. (GEEMPA, 1990, p. 29-30). Dewey propõe que, para as crianças

desenvolverem suas experiências cognitivas, o professor partisse de problemas e assuntos de

interesse dos alunos, em um aprender fazendo. (FERRAZ; FUSARI, 1992, p. 27) Sua voz não

foi ouvida naquele momento, onde se construía uma base para o movimento da livre

expressão que perdura até os dias de hoje na abordagem de como se deve tratar o assunto em

questão. Apesar de ser uma voz solitária em meio a uma multidão que clamava pela libertação

do que chamavam a arte da criança, outros autores vieram, como veremos ainda nesta

monografia e hoje questionam assim como Dewey, essa postura extremamente libertária.

Wurff publica em 1928 o livro A Arte da Criança e advoga o aprimoramento da

visão do mundo exterior pelo desenho baseado na experiência realmente vivida pela criança.

(MARINO, 1988, p. 94)

Esses primeiros estudos ainda não definiram ainda as várias nomenclaturas de

fases do grafismo relativas às idades, como foi feito posteriormente, mas com suas

conclusões, equivocadas ou não, foram as idéias para as primeiras bases teóricas que se

seguiram no século XX. Nesse início do processo de estudo vigora a tendência da época, que
23

presenciava o começo do rompimento da produção estética idealista e naturalista. As

primeiras conclusões, muitas vezes ainda circulando entre os paradigmas de cada movimento,

abriram os caminhos para o desenvolvimento de novas teorias. Por mais que estejam

fundamentados em dados concretos, os resultados das pesquisas, em qualquer época, nunca

estarão desassociados de seu tempo. O que virá a seguir, através da busca de pesquisadores,

pedagogos, psicólogos, a libertação do traço da criança, é o retrato de um mundo que vivia

também o período da libertação das construções visuais baseadas em leis, regras e normas, o

período do modernismo.

Até então também se pode dizer que foram os psicólogos que descobriram e

sistematizaram um conhecimento interpretativo do desenho da criança, embora, apesar de

todo o clima libertário, essas pesquisas se utilizarem como parâmetro para comparar, entender

e estudar o grafismo infantil das produções adultas e dos cânones estéticos clássicos.

Surge entre 1897 até 1938, em Viena, o trabalho de Franz Cizek, um artista que se

tornou educador infantil, e que buscou demonstrar o que acreditava serem as vantagens

estéticas e psicológicas do desenvolvimento espontâneo da arte infantil, reivindicando um

valor estético aos desenhos criados pelas crianças.

Em 1897, após muitas barreiras enfrentadas, abre sua primeira classe de arte para

criança, uma instituição, que indo contra os conservadores do formalismo pedagógico da

época, se propõe a deixar a criança criar, desenhar e pintar livremente. Em quarenta anos,

verificou-se através dos trabalhos das crianças a repetição do processo de desenvolvimento do

desenho, as fases. E instituiu-se um modelo para o que seriam as futuras escolinhas e ateliês

de arte que se espalhariam pelos países ocidentais a partir dos anos 40.

Divo Marino cita com muito entusiasmo o trabalho de Cizek, em seu livro O

desenho da criança publicado originalmente em 1955.


24

“Entreguem à criança somente o essencial, não tentem ensinar-lhes como


se desenha, e sim incentivem nelas o uso (...) de seus materiais exteriores
e interiores. A emoção dominante da verdadeira arte infantil deve ser a
alegria da revelação! Que formoso é o mundo! Eu o vejo assim e assim
posso fazê-lo! Um professor que tenha experimentado esse sentimento de
maravilha e delícia pode ser o professor da arte infantil. Um professor de
arte, que seja triste, é uma contradição, pois mesmo que possuísse todos
os conhecimentos do mundo nada tiraria dele. Coagir as crianças e
coibir seu poder de criar será sempre mais perigoso que deixar que elas
se desenvolvam livremente.” (MARINO, 1988, p. 139)

Nesse período, na busca da valorização do desenho infantil, chegou-se a realizar

exposições de desenhos infantis em galerias de arte e alguns desses desenhos e pinturas foram

comercializados. Haviam pessoas entusiasmadas com o que acreditavam ser o valor estético

da obra infantil, conceito que não resistiu ao tempo e foi superado.

E é nesse clima de euforia e por que não dizer confusão de valores artísticos, que

são dados os primeiros passos rumo a uma conceituação do desenho tanto na teoria quanto na

aplicação da atividade na prática.


25

II - O DESENHO E AS TEORIAS DOS GRANDES FORMULADORES

DOS ESTUDOS SOBRE A INTELIGÊNCIA, O DESENVOLVIMENTO E

A PSICOLOGIA DA CRIANÇA

Em paralelo as novas descobertas específicas relacionadas ao desenho, as

pesquisas relacionadas à criança como um todo, seu processo de desenvolvimento

educacional, físico, psicológico, mental e social eram temas amplamente discutidos, e nesse

período, surgem os primeiros grandes estudiosos da educação, Lev Vygotsky, Célestin Freinet

e Jean Piaget. Cada um colabora significativamente com as teorias relativas à construção e

desenvolvimento do conhecimento humano, influenciando na educação e na forma com que o

mundo passou a interagir com suas crianças. Esses pensadores divergem muitas vezes nos

aspectos abordados, mas ao longo do tempo acabam por se complementarem. Suas

descobertas em relação ao todo influenciaram o assunto em questão, porque obrigatoriamente,

quando se estuda a criança, aborda-se o seu desenho, e é impossível falar sobre o desenho da

criança sem citá-los e suas teorias.


26

Quanto aos estudiosos que focam aspectos do desenho, neste período, destacam-se

Georges Henri Luquet, Florence L. Goodenough, Henri Wallon e M. Prudhommeau.

Na década de 20 do século passado, o russo Lev Vygotsky surge com a teoria

social da inteligência, o socioconstrutivismo, uma corrente teórica que sustenta que a

inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio.

Suas idéias somente se propagaram na década de 60, pois tendo morrido em 1934

teve sua obra silenciada pelo regime stalinista.

Sobre o desenho, diz que as crianças não estão preocupadas com a realidade; são

mais simbolistas que realistas e, assim, produzem o desenho utilizando a memória, mesmo

estando com o objeto à sua frente, por isso, suas experiências anteriores têm tanta

importância; relaciona as construções imaginativas à quantidade de experiências acumuladas

pelo sujeito-criador e demonstra especial interesse neste processo criador. Vygotsky não

enumerou fases ou etapas em seus estudos, mas considerou que essas etapas na produção dos

desenhos infantis seriam mais ou menos comuns para as crianças da mesma idade e que a

linguagem tem relações com a escrita e o desenho. (PELLEGRINI, Nova Escola, n. 139,

2001)

Sobre a criança e sua atividade criadora Vygotsky diz:

“... quanto mais veja, ouça e experimente, quanto mais aprenda e


assimile, quanto mais elementos da realidade disponha em sua
experiência, tanto mais considerável e produtiva será, como as outras
circunstâncias a atividade da sua imaginação.” (FERRAZ; FUSARI,
1993, p. 51-84 apud Vygotsky, 1990, p. 18)

Vygotsky conclui que a criança se conscientiza das diferenças mais cedo que das

semelhanças, pois a percepção da semelhança exige uma estrutura de generalização e

conceitualização mais avançada que a da dessemelhança.

Por isso o papel da expressão artística é tão importante, pois ajuda a percepção da

visualidade, sonoridade e tato, auxiliando a criança a perceber as diferenciações e facilitar a


27

compreensão da realidade e sua representação. Vygotsky apresenta um trabalho contínuo e

planejado para que a criança obtenha um maior domínio da realidade através da abordagem

imaginativa e criativa nos processos pedagógicos. (FERRAZ; FUSARI, 1993, p. 58-60)

Em 1913 e 1927 Georges Henri Luquet, antropólogo e pesquisador do desenho

infantil, publica na França respectivamente os livros Les dessins d’un enfan e Le dessin

enfantin. Luquet é considerado um pesquisador importantíssimo para o estudo de desenho,

apesar de afirmar entre outras coisas que em função da “inabilidade e falta de atenção” a

criança produz seus desenhos com muitos “erros e imperfeições” e que ela possui uma

tendência “natural e voluntária” para o “realismo”. Fica claro através destas conclusões que,

ainda apesar de toda a importância que começava a ser atribuída à criança, a influência do

peso de toda uma história em que ele era considerado algo inacabado. Apesar disso, o trabalho

de Luquet é visto até hoje como um grande marco no processo do estudo sistematizado do

desenho.

Ele iniciou seus estudos baseando-se no acompanhamento de sua filha, da qual

conservou desenhos desde os três anos e três meses, quando desenhou pela primeira vez, até

os oito. Processo que acompanhou numerando e anotando as circunstâncias de sua produção,

ações e comentários. Luquet recolheu cerca de quinhentos desenhos de sua filha. Seu trabalho

foi considerado tão valioso por ter sido o primeiro a incluir todos os desenhos realizados por

uma mesma criança dentro de um período tão amplo.

Luquet, assim como os outros estudiosos que vieram em seguida, buscou definir

um processo progressivo e evolutivo para elaborar um sistema gráfico produzido pela criança.

Ele distinguiu quatro estágios, onde o objetivo que ele julga haver nessas representações é a

busca da realidade:
28

1 Realismo fortuito: começa por volta dos dois anos e põe fim ao período chamado

rabisco. A criança que começou por traçar signos sem desejo de representação

descobre por acaso uma analogia com um objeto e passa a nomear seu desenho,

procurando representá-lo como uma totalidade. Esse estágio subdivide-se em

desenho involuntário e voluntário. No involuntário, há um gesto motor, feito pelo

prazer de traçar linhas e sem atribuição de significados. No voluntário, a criança

começa desenhar sem intenção de representar alguma coisa, e ao concluir o trabalho

atribui aos traços uma significação. Em seguida, surge a intenção, que pode até

mudar com uma interpretação final diferente do que foi primeiro idealizado, e por

fim, a intenção inicial coincide com a final.

2 Realismo falhado ou incapacidade sintética: geralmente entre três e quatro anos

tendo descoberto a identidade forma-objeto, a criança procura reproduzir esta forma,

buscando diferenciar as categorias representadas. Sua grande preocupação é a

representação diferenciada de cada um dos objetos, não integrando coerentemente

nos conjuntos os diferentes pormenores que desenha. Considerando somente seu

ponto de vista, omite ou exagera os detalhes de acordo com o grau de importância

que ele vê naquele momento. É o estágio onde a criança começa a se preocupar com

as propriedades gerais dos objetos; vizinhança/ separação, continuidade/

descontinuidade, dentro/ fora, etc.

3 Realismo intelectual: estendendo-se dos quatro aos dez-doze anos, caracteriza-se

pelo de fato de que a criança busca desenhar conscientemente, não só aquilo que vê,

mas aquilo que ali existe do objeto. Surgem nesta fase os processos como a

descontinuidade, o rebatimento, a transparência, a planificação e a mudança dos


29

pontos de vista. Nesta fase ela legenda seus desenhos com nomes, e eles passam a

ser característica, parte do desenho. Começam a aparecer as representações de

perspectivas, proporções e distâncias.

4 Realismo visual: é geralmente por volta dos doze anos, marcado pela descoberta

das leis e convenções da representação do desenho. Vigora a visão que o adulto faz

do desenho; a reprodução mais próxima do que o olho enxerga do objeto,

detalhamento, opacidade, perspectiva, proporção e distância. Concretiza-se o

processo de aprimoramento que se verificou no estágio anterior.

Luquet coloca que não há uma distinção rígida entre os estágios, e que a evolução

individual do desenho está sujeita a regressões. Assim como Kerschensteiner, acredita que os

desenhos das crianças se baseiam em sua idéia ou conceito sobre o desenho. Firma-se aí o

conceito do modelo interno da criança, e que esse modelo contém as informações sobre o que

é fundamental para a idéia que a criança tem do objeto. (PILLAR, 1996, p. 41-51)

Sua postura quanto à atitude do adulto em relação à produção da criança fica clara

quando diz:

“... julgo que, no que diz respeito ao desenho, o que terá de melhor a
fazer o educador é apagar-se, deixar a criança desenhar o que quer,
propondo-lhe temas sempre que ela necessita, sobretudo quando lhe
pede, mas sem lhos impor e, sobretudo deixá-la desenhar como quer, a
seu modo.” (LUQUET, 1969, p. 230)

Pela seriedade com que seu trabalho foi executado, baseado em pesquisa

consistente, chegando a novas conclusões e de certa forma organizando todo o processo das

descobertas e conclusões que haviam sido feitas até então, Luquet influenciou com suas

opiniões todo o processo seguinte.


30

Anos mais tarde, foi bastante criticado quanto ao fato de ainda se prender às idéias

de que o produto gráfico da criança fosse cheio de imperfeições e que considerasse que a

criança tinha em si uma necessidade de ir em busca da representação realista. Novas pesquisas

buscaram mudar essa visão e, apesar das críticas quanto a essas questões, suas observações e

apontamentos quanto aos detalhes referentes as fases e conclusões sobre o processo ainda é

considerado pertinente nos dias de hoje.

Em 1926 a pedagoga Florence L. Goodenough publica o livro Measurement of

inteligence by drawings, onde aborda o assunto utilizando o desenho infantil como ferramenta

de medição de inteligência. Em seu livro, baseado no apanhado de estudos citados e de seus

próprios, ela publica uma série de conclusões:

1 Aparentemente no desenho da criança pequena, existe uma íntima relação entre a

inteligência e a capacidade conceitual, atestada através do desenho.

2 Para a criança o desenho é um modo de expressão, de linguagem, não um meio de

criar algo ligado a razões puramente estéticas.

3 No começo, a criança desenha o que sabe e o que percebe, entrando gradualmente

em um período onde procura representar o que vê.

4 A criança exagera nos detalhes que julga importantes em detrimento dos outros

menos importantes.

5 Os desenhos iniciais consistem, quase integralmente, em uma enumeração gráfica de

itens. Idéias de número, proporção e relação espacial são subseqüentes no

desenvolvimento.

6 Quando as crianças pequenas desenham objetos presentes diante de seus olhos,

quase nada se ajusta na representação desse modelo, e a cópia não se diferenciará

muito da mesma figura desenhada de memória.


31

7 Até os dez anos, o tema principal é a figura humana.

Goodenough, assim como vários psicólogos da época, acreditava que a

representação gráfica, como qualquer traço expressivo da personalidade, integra-se com

processo de desenvolvimento psíquico. Seria então utilizado e desenvolvido um método

projetivo, capaz de explorar as dimensões afetivas, na situação e na evolução tanto da criança

como do adulto. Assim, em 1925 organizou o Teste Goodenough, baseado na representação

da figura humana e na apuração de cinqüenta itens no desenho, relacionando a idade da

criança e esses detalhes representados, é um dos primeiros testes que utilizou o desenho para

abordagens psicológicas. (GOODENOUGH, 1974, 26-27)

M. Prudhommeau, desde 1933 realizava estudos sobre o desenho infantil e,

conhecendo o estudo realizado por Luquet, analisou o processo e se preocupou em estudar a

motricidade, a evolução do grafismo da criança de acordo com seu desenvolvimento

psicomotor. Além da observação direta da criança, como fez Luquet, Prudhommeau

acreditava que, para se estudar e obter resultados científicos, era necessário um conhecimento

global de toda a atividade da criança. Para isso, Prudhommeau utilizou o registro

cinematográfico para gravar esses comportamentos infantis, onde quer que eles se produzem,

sem provocar modificações. O ato registrado agora poderia ser analisado, comparado e

repetido, de forma idêntica, tantas vezes quanto fosse necessário. O filme é chamado de

Prelúdios e aprendizagem da marcha. Acompanhando uma criança, Claude, de seu

nascimento até um ano e sete meses, ele observa as seguintes etapas do desenvolvimento da

representação gráfica do menino até o que conclui ser o nascimento do desenho como

linguagem, quando ele desenha o que indica ser um caranguejo visto anteriormente em uma

praia.
32

1 Do nascimento ao vigésimo sétimo dia, há a ausência do objeto em seus

movimentos. Passa então a se interessar pelo objeto sem movimento, em uma

progressão de interesse crescente que foi até dois meses.

2 A partir dos dois meses dias inicia-se o contato com o objeto, através da ação

automática da mão; movimentos de orientação do objeto, depois da mamadeira,

para a boca, no momento da dentição. Ocorre então o princípio da coordenação

motriz entre o olhar e a manipulação do objeto. A criança apresenta o movimento da

dar, sempre em relação com o objeto. Aos sete meses, quando sua evolução

psicomotriz não se limita mais às relações diretas com o objeto, ela pega o objeto

com uma só mão e o esfrega sobre outro. Ela alarga seu espaço e se orienta para o

transporte, sucessivamente apresentando aperfeiçoamentos e então, à aparição do

desenho. Essa fase que se estende até os onze meses.

3 No período de transição desses onze meses aparecem os primeiros rabiscos

voluntários e ele se utiliza do objeto para o transporte de um lugar a outro,

chegando aos primeiros passos. Observa-se que quase ao mesmo tempo se dá a

aparição do primeiro grafismo e dos primeiros passos. A criança não segura ainda

um lápis muito comprido com firmeza, e se o utilizar escorrega ou produz linhas

diretas ou quebradas que não correspondem ao caminho percorrido pela mão.

4 Com um ano e seis meses a criança rabisca, ignorando ainda o espaço vazio do

papel e atraída pelos traços, os aglomera uns sobre os outros.

5 Executa com um ano e sete meses, seus rabiscos habituais, declarando, que está

“desenhando um caranguejo”. Esse é o primeiro desenho espontaneamente

executado, representando uma intenção, feito de memória em sugestão a um animal

visto pela criança passeando a beira-mar. Evoluindo daí o desenho infantil,


33

intimamente ligado ao desenvolvimento da evolução da criança. (MARINO, 1955,

p. 21-22)

Prudhommeau conclui que a aparição da atividade na criança é condicionada

unicamente pela sua evolução psicomotriz. Conclui através de estudos que se seguem,

questões sobre o paralelismo da evolução do grafismo-escrita e do grafismo-desenho,

caracterizando a originalidade de cada um; compara a evolução de todas as formas gráficas:

geométrica, a figura humana, as figuras não humanas; retifica direções na evolução do

desenho e determinam índices para reconhecer, pelo desenho, os doentes mentais.

(CAMPOS, 1999, p. 15) Ele desenvolveu, em 1933 um teste, a Folha Prudhommeau, onde

declara identificar o nível mental da criança, teste esse incorporado ao Laboratório de

Psicologia da Criança, dirigido por Henri Wallon, na França.

Testes de medição de inteligência, como os de Goodenough e como os da Folha

Prudhommeau são os primeiros de uma série que virão, e com o tempo, serão revistos e sendo

modificados de acordo com as novas descobertas.

Wallon, filósofo e médico, neste período, envolvido ativamente com as pesquisas

referentes à psicologia da criança, discute entre outras questões a origem do desenho.

Baseado nos estudos de Luquet, assim como Prudhommeau, ele conclui que a origem do

desenho está no gesto, e que as representações gráficas das crianças surgem simultaneamente

às suas representações gestuais. Para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato

motor. Estabelece a idéia da transcrição gráfica, o desenho infantil das fases iniciais e

representação, o desenho das fases posteriores. Na fase inicial, trata do sincretismo visual,

que é o fato da criança descrever graficamente as várias partes de um objeto, sem que a sua

estrutura básica seja alcançada, pois ela ainda não consegue extrair do todo (o objeto) seus

aspectos estruturais. A percepção é múltipla, ativa e ela decompõe a figura desenhando os


34

detalhes do objeto em partes justapostas ao longo do espaço gráfico. (FERRAZ; FUSARI,

1993, p. 64-72) O método adotado por Wallon é o da observação pura, faz isso porque

considera que esta metodologia permite conhecer a criança em seu contexto, acredita que só é

possível entender as atitudes da criança se a trama do ambiente no qual está inserida for

entendida.

Para Wallon, o ser humano é organicamente social e sua estrutura orgânica supõe

a intervenção da cultura para se atualizar. Através de seu estudo do desenvolvimento psíquico

da criança, ele concluiu que o desenvolvimento humano é marcado por contradições,

conflitos, retrocessos e reviravoltas, resultado da maturação e das condições ambientais, o

que provoca em cada etapa desse desenvolvimento profundas mudanças, dando-se essa

passagem pelos estágios de modo reformulativo, e não por ampliação. Os conflitos instalados

nesse processo são propulsores do desenvolvimento. Considera que o homem é determinado

fisiológica e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores.

Wallon apresenta cinco estágios de desenvolvimento do ser humano, que se

sucedem em fases com predominância afetiva e cognitiva: impulsivo-emocional, sensório-

motor e projetivo, personalismo, categorial e predominância funcional. (MRECH, 2002)

Célestin Freinet, pedagogo francês, contemporâneo de Vygotsky, Wallon e

Piaget, elaborou a partir de suas idéias, uma pedagogia própria, a pedagogia Freinet, que é

hoje utilizada no dia-a-dia da nossa educação em conjunto com outras, como o

construtivismo que nasceu das idéias de Piaget. Freinet defendia o uso da livre expressão e da

criatividade na produção de cada trabalho em sala de aula, seja o desenho livre, o texto livre,

as aulas-passeio, a correspondência interescolar, o jornal, o livro da vida (diário e coletivo), o

dicionário dos pequenos, o caderno circular para os professores, entre outras propostas. Essas

técnicas tinham como objetivo favorecer o desenvolvimento dos métodos naturais da


35

linguagem (desenho, escrita, gramática), da matemática, das ciências naturais e das ciências

sociais. (PELLEGRINI, Nova Escola, n. 139, 2001)

Segundo Freinet, esses exercícios são na verdade partes e momentos de um

processo de aprendizagem, que ao partir dos interesses mais profundos da criança, propicia as

condições para o estabelecimento da apropriação do conhecimento. Na sua concepção, a

relação direta do homem com o mundo físico e social é feita através do trabalho (atividade

coletiva) e liberdade é aquilo que decidimos em conjunto. A escola deve ser centrada na

criança que não deve ser vista como um indivíduo isolado, mas parte de uma comunidade. As

atividades manuais têm tanta importância quanto as intelectuais, questiona as tarefas

escolares repetitivas opostas aos jogos e atividades lúdicas. Ele concebe a escola como um

elemento ativo de mudança social, onde é proibido marginalizar as crianças das classes

menos favorecidas. Propõe o trabalho/ jogo como atividade fundamental, baseados em

experimentação e documentação. Valoriza amplamente a participação e integração entre

famílias/ comunidade e escola. (MRECH, 2002) Suas idéias ajudam, nesse momento, a se

impulsionar a teoria da livre-expressão, que se aplicará à educação artística que se adotará

nesta época. Atualmente, a pedagogia Freinet é adotada em conjunto, em complemento e

associação com outras teorias pedagógicas. Sozinha acaba sendo muito radical em

proporcionar tamanha liberdade.

Jean Piaget, em uma vida inteira dedicada ao estudo científico é responsável pela

elaboração de novas idéias e conclusões em relação ao desenvolvimento e construção da

evolução do ser humano que revoluciona o pensar e o agir sobre a educação.

Desenvolve uma teoria do conhecimento e se embrenha em muitas investigações

cujos resultados são estudados e investigados até hoje por psicólogos e pedagogos. Suas

pesquisas recebem diversas interpretações que se concretizam em propostas didáticas também

diversas. Piaget elabora em sua Teoria Psicogenética ou Epistemologia Genética, uma


36

concepção de como a inteligência humana se desenvolve, que se firma então como a corrente

teórica mais aceitável, ao contrário das teorias empiristas5 e racionalistas6, que eram as bases

de um sistema que havia começado a ruir lá atrás, quando começaram a surgir os estudos de

pensadores como Rousseau.

Piaget concebe a teoria que é a partir do desenvolvimento progressivo das

estruturas intelectuais que a aprendizagem se concretiza, ao contrário de Vygotsky, que

defende que a aprendizagem é que estimula o desenvolvimento. Enquanto dos estudos de

Vygotsky surge uma linha socioconstrutivista (ou sociointeracionista), de Piaget surge a linha

construtivista (ou interacionista).

Piaget afirma que vida é, em essência, auto-regulação. Auto-regulação inclusive

da vida mental, pois para manter um equilíbrio dinâmico com o meio ambiente é que o

homem desenvolve a inteligência. Quando o equilíbrio é rompido, o indivíduo age sobre o

que o afetou buscando o reequilíbrio. Isso é feito por adaptação e por organização. A

adaptação tem duas formas básicas: a assimilação e a acomodação. Na assimilação, o

indivíduo usa as estruturas psíquicas que já possui. Se elas não são suficientes, é preciso

construir novas estruturas. Isso é acomodação. Na assimilação e na acomodação se pode

reconhecer a correspondência prática daquilo que serão mais tarde a dedução e a experiência:

a atividade da mente e a pressão da realidade. A organização articula esses processos com as

estruturas existentes e reorganiza todo o conjunto. Assim, o indivíduo constrói e reconstrói

continuamente as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio.

5
Concepção teórica que parte do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelo meio
ambiente e não pelo sujeito.
6
Concepção teórica que parte do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelo
indivíduo e não pelo meio.
37

Essas construções seguem um padrão, em idades mais ou menos determinadas.

São os estágios, que se dividem em vários sub-estágios, com formas específicas de

inteligência.

As etapas da evolução do raciocínio, segundo Piaget:

1 Sensório-motor (zero a dois anos): a partir de reflexos neurológicos básicos, o bebê

começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. A

inteligência é prática. As noções de espaço e tempo, por exemplo, são construídas

pela ação. O contato com o meio é direto e imediato, sem representação ou

pensamento.

2 Pré-operatório (dois a sete anos): a criança se torna capaz de representar

mentalmente pessoas e situações. Já pode agir por simulação, como se. Sua

percepção é global, sem discriminar detalhes. Deixa-se levar pela aparência, sem

relacionar aspectos. É centrada em si mesma, pois não consegue colocar-se,

abstratamente, no lugar do outro.

3 Operatório-concreto (sete a onze anos): nessa fase, a criança já é capaz de

relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Não se limita a uma

representação imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à

abstração. Desenvolve também a capacidade de refazer um trajeto mental, voltando

ao ponto inicial de uma situação.

4 Lógico-formal (doze anos em diante): A representação agora permite a abstração

total. A criança não se limita mais à representação imediata nem somente às relações
38

previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis

logicamente. (PELLEGRINI, Nova Escola, n. 139, 2001)

É importante citar essas etapas descritas por Piaget referente à evolução do

raciocínio porque o pensamento e as conclusões de Piaget é o que vigora até hoje sobre o que

se entende e se aceita por teoria do desenvolvimento do ser humano. Desenvolvimento

intimamente ligado ao desenvolvimento do grafismo da criança, e logicamente Piaget não

poderia deixar de colaborar também com o estudo do desenho da criança. A partir das

pesquisas de Luquet, Wallon e tudo o que havia sido dito até então por centenas de

estudiosos, Piaget elabora suas conclusões que acrescentam às idéias anteriores novas luzes.

Em A Psicologia da criança, publicado por Piaget e Barbel Inhelder em 1951, há

a abordagem de questões à respeito do desenho da criança, procurando estabelecer pontes

entre o desenvolvimento gráfico e outros aspectos do desenvolvimento mental. É mencionado

que o desenho pode servir, também, de base para teste de desenvolvimento cognitivo, o que

abre as portas para o estudo e implantação do diversos outros testes do desenho, utilizados

como apoio a diagnósticos de traços de personalidade, modalidade de pesquisa que já vinha

sendo estruturada desde a década de 20. (GOBBI; LEITE, 1999)

A partir de sua concepção dos estágios do desenvolvimento em etapas,

visualizaram-se novas esquematizações do processo de desenvolvimento do desenho da

criança. A partir das fases de Luquet no que diz respeito ao desenho da criança e de Piaget

sobre o processo cognitivo, construiu-se ao longo dos anos através da abordagem de diversos

autores, outras novas denominações para as etapas do desenvolvimento do desenho da

criança, que serão ainda vistas nesta monografia.


39

III - A EDUCAÇÃO PELA ARTE, A VISÃO DE UM TEMPO

Seguem agora os autores que, com suas obras acabaram por influenciar um

comportamento ocidental quase que totalitário no que se refere em como se tratar o tema do

desenho infantil na prática, Herbert Read e Viktor Lowenfeld.

Herbert Read publica em 1943 o livro Educação pela arte, que dá início ao

Movimento da educação através da arte. Read afirma que "o objetivo da arte consiste na

comunicação do sentimento" (READ, 1976, p. 23 apud PILLAR, 1983, p. 34) e que a criança

desenha símbolos ou sinais que expressam o que ela sente a respeito de determinado objeto,

tendo em si ampla significação psicológica. Afirma, baseado nos estudos de Jung sobre os

tipos psicológicos, que as funções mentais envolvidas na arte e na educação são o

pensamento, o sentimento (percepção), a sensação e a intuição. Reflete também acerca da

relação entre a produção artística e seu tempo, afirmando que a posição diferenciada do

sujeito no tempo e no espaço reflete em sua produção cultural e o entendimento que se tem

desta produção. "O artista depende da comunidade - toma o tom, o andamento, a intensidade

da sociedade a que pertence". (READ, 1976, p. 165 apud GOBBI; LEITE, 1999) Defende a
40

arte da criança como manifestação espontânea e auto-expressiva, e que o professor de arte e

pais devem agir como estimuladores dessa livre-expressão.

Em 1947 o austríaco Viktor Lowenfeld e W. Lambert Britain lançam nos Estados

Unidos o livro Desenvolvimento da capacidade criadora, discutindo e defendendo sob uma

série de argumentos a espontaneidade e livre expressão na produção do desenho da criança,

assim como Read. Esse livro influenciou toda uma época e gerações de professores e pais,

que adotando as idéias ali expostas, passaram definitivamente a utilizarem a postura de

permitir à criança a possibilidade da total livre-expressão. E a idéia de que qualquer tentativa

formal de se ensinar algo que se relacione a alguma regra ou convenção deva ser barrado

firmemente, pois essa atitude cercearia a capacidade criadora da criança. Agora lhe seria

amplamente permitido ir ao encontro de todo esse potencial, sem intervenções, interferências

ou influências. Consideram que, o contato da criança com o mundo influencia a produção da

mesma e que livre dessa influência alheia ficaria menos submetido a modelos externos.

Lowenfeld dirigiu pesquisas sobre criatividade para o Departamento de Arte e

Educação da Pennsylvania State University, nos Estados Unidos.

A arte é abordada por ele como um meio para se compreender o desenvolvimento

individual em suas diferentes fases e como desenvolvimento da consciência estética e

criadora do indivíduo.

Divulga as seguintes fases segundo seus estudos, dividindo o processo de

desenvolvimento do desenho da criança entre as etapas:

1 Garatuja: dos dois aos quatro anos a criança começa a desenhar fazendo rabiscos

desordenados, ou as garatujas desordenadas, (FIG.: 1) que vão se ordenando pouco a

pouco. Apresentando aparentemente muita satisfação e prazer em fazê-lo, aparecem aí as


41

garatujas controladas. (FIG.: 2 e 3) Somente depois dos quatro anos a criança consegue

transmitir, em seus desenhos, quaisquer objetos reconhecíveis.

FIGURA 1- Desenho criança de dois


anos - garatuja desordenada.
FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN,
1977, p. 118

FIGURA 2 - Desenho criança de três anos


- garatuja controlada.
FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN,
1977, p. 122.

FIGURA 3 - Desenho criança de dois


anos - garatuja controlada.
FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN,
1977, p. 122.
42

2 Pré-esquemática: aqui a criança faz suas primeiras tentativas de representação. Inicia-se

por volta do quatro anos e estende-se até os sete. Representa um homem com cabeça e

pés, e desenha também objetos do seu meio, com os quais teve contato. Colocadas

desordenadamente no papel, variam bastante de tamanho. (FIG.: 4)

FIGURA 4 - Desenho criança de


quatro anos, Um homem.
FONTE - LOWENFELD;
BRITTAIN, 1977, p. 150.

3 Esquemática: dos sete até os nove a criança desenvolve seu conceito definido de forma.

Descrevem através do seu desenho partes de seu meio. Repete vez ou outra o esquema que

criou para representar o homem.Utilizam uma linha reta, na base da folha para dispor os

objetos e outros recursos para representar o espaço, como a dobragem (ou rebatimento).

Para representarem espaço e tempo utilizam a inclusão no mesmo desenho de diferentes

seqüências de tempo ou impressões espacialmente distintas. Utiliza em um mesmo plano a

elevação para dar a impressão de profundidade. Utilizam o esquema de raios-X. (FIG.: 5 e

6)
43

FIGURA 5 - Desenho estudante sete anos, Minha família.


FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 185.

FIGURA 6 - Desenho Apanhando flores.


FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 346.

4 Realismo Nascente: dos nove aos dez anos os desenhos ainda tem um caráter mais

simbólico que representativo. Mais consciente do mundo e de si mesmo apresenta

desenhos mais detalhados e minuciosos e já abandonam a linha de base, raios-X e a

dobragem. Usa agora duas linhas de base já procurando dar perspectiva ao desenho e

reconhece a possibilidade de sobrepor objetos uns sobre os outros. Passa a dar mais

importância aos colegas, sendo essa a idade da turma. Desenha em menores dimensões, e
44

não demonstra mais interesse e ansiedade em mostrar seus trabalhos e explicá-los, prefere,

na verdade ocultá-los da observação dos adultos. (FIG.: 7 e 8)

FIGURA 7 - Desenho estudante nove anos, Cena da cidade.


FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 251.

FIGURA 8 - Desenho estudante nove anos, Jogando


pegador no pátio da escola.
FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 273.
45

5 Pseudonaturalismo: entre onze e doze anos, com a consciência em relação ao seu

ambiente natural mais apurada, começa a se preocupar com proporções e profundidades.

É o período do raciocínio e da autocrítica, e a criança ou esconde os desenhos ou os

apresenta em forma de estórias em quadrinhos, com tom anedótico ou satírico. A figura

humana passa a apresentar em seus detalhes evidenciadas características de diferenciação

sexual. Para muitas crianças, este acaba sendo o período em que param seu

desenvolvimento artístico. (FIG.: 9)

FIGURA 9 - Desenho estudante treze


anos, Pensando.
FONTE - LOWENFELD;
BRITTAIN, 1977, p. 311.

6 Fase da Decisão: dos quatorze aos dezessete anos algumas crianças apresentam interesse

pela arte visual e se desenvolvem, aperfeiçoando sua aptidões artísticas. Em certa medida,

o desenvolvimento natural do jovem não de estende além desta fase, mas são

demonstradas, agora conscientemente, aptidões artísticas mais apuradas. (FIG.: 10)

(LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 54-56)


46

FIGURA 10 - Desenho estudante,


Segundo Grau.
FONTE - LOWENFELD; BRITTAIN,
1977, p. 346.

A cada etapa citada e devidamente destrinchada, são explicados os significados

das cores, e a partir da fase pré-esquemática são sugeridos temas para a motivar e envolver a

criança no processo de criação. São sugeridos também quais são os materiais artísticos mais

apropriados a serem utilizados a cada fase.

Lowenfeld afirma que “cada desenho reflete os sentimentos, a capacidade

intelectual, o desenvolvimento físico, a acuidade perceptiva, o envolvimento criador, o gosto

estético e até a evolução social da criança, como indivíduo”. (LOWENFELD; BRITTAIN,

1977, p. 35) Condena os livros ilustrados para colorir, pois são “perniciosos à expressão

criadora da criança”. (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 68) Oferece instruções muito bem

definidas sobre como o professor deve proceder durante as aulas de arte, como deve ser sua

postura e materiais ideais a utilizar, a cada fase.


47

Lowenfeld (1977, p. 57) afirma que independentemente de questões geográficas,

esses estágios do desenvolvimento são bastante uniformes em todas as crianças,

principalmente nas primeiras fases de representação, antes que a influência cultural influa no

seu desenvolvimento artístico. O que a criança desenha mudará de acordo com o meio onde

vive e com o instrumento de desenho utilizado, mas todos passarão pelas etapas. A orientação

quanto ao papel que o professor deve desempenhar junto ao seu aluno é bem definida:

encorajar e apoiar a criança para que ela utilize a arte como verdadeiro meio de auto-

expressão e não interferir em nenhum momento nas imagens produzidas pelas crianças. Esse

apoio deve ser feito com bases não no produto final da criança e sim, ter como preocupação

os processos pelos quais passam as crianças enquanto fazem seus desenhos.

“... de maneira bastante surpreendente ainda encontramos, de modo


casual, folhas mimeografadas que se entregam para aos jovens para
colorir (...) do Dia de Ação de Graças, do coelho da Páscoa ou mesmo de
uma árvore de Natal. (...) Expor uma aprendizagem artística que inclua
tais tipos de atividades é pior que não dar aprendizagem alguma. São
atividades pré-solucionadas que obrigam a criança a um comportamento
imitativo e inibem sua própria expressão criadora, (...) não estimulam o
desenvolvimento emocional, (...) não incentivam as aptidões (...). Pelo
contrário, apenas servem para condicionar a criança, levando-a, a
aceitar, como arte, os conceitos adultos, uma arte que é incapaz de
produzir sozinha e que, portanto, frustra seus próprios impulsos
criadores.” (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p. 69-71)

Lowenfeld é responsável, ao lado de Read pela teoria que tomou grande propulsão

no tratamento dado ao desenho infantil, a da livre expressão, influenciando o ensino da arte

até os dias de hoje.

Posteriormente a publicação de Desenvolvimento da capacidade criadora

Lowenfeld lança, em 1954, o livro A criança e sua arte, um guia para os pais onde são feitas

várias recomendações de como os pais devem se comportar em relação a seus filhos e sua

arte, como entendê-la dentro das características de cada fase e como agir, seguindo as

instruções entre “coisas que os pais devem ou não fazer”:


48

“Devem fazer: considerar a expressão artística da criança como um


registro de sua personalidade em formação.
Não devem fazer: corrigir ou ajudar a criança em seu trabalho,
procurando impor-lhe uma personalidade adulta.
(...)
Não devem fazer: considerar que o produto final do esforço infantil tenha
alguma importância.
(...)
Não devem fazer: entregar a criança cadernos de figuras para colorir ou
modelos de desenhos que a tornariam insensível ao ambiente.
Devem fazer: compreender que as proporções erradas exprimem
freqüentemente uma experiência.
Não devem fazer: corrigir as desproporções do trabalho.
(...)
Devem fazer: matricular a criança em um curso de arte infantil.
Não devem fazer: conservar a criança em casa chegadinha a eles.
Devem fazer: deixar que a criança desenvolva sua própria técnica,
mediante a experimentação.
Não devem fazer: mostrar a criança como se pinta.” (LOWENFELD,
1977, p. 75-76)

Além de Lowenfeld, outros autores como Elizabeth M. Gregg em 1968 publicam

livros como What to do when there´s nothing to do abordando a participação dos pais no

desenvolvimento criador das crianças.

Suas sugestões de como agir é dividida de acordo com a faixa etária das crianças:

de bebês a cinco anos. Cita que as atividades gráficas e pictóricas aparecem a partir das

crianças de três anos, os desenhos compostos por formas simples (círculos e cruzes) e ainda

podem apresentar rabiscos. Afirma ser o desenho infantil um esforço da criança, buscando

colocar seus pensamentos e sentimentos no papel, e não a expressão do mundo real. O quarto

ano da criança é situado o período em que os desenhos começam a serem reconhecíveis pelos

adultos. Nesta época apesar de não se importarem com proporções ou uso correto de cores,

eles já tenham uma clara idéia do que querem desenhar.

Gregg atribui aos pais a função de conduzir, conscientizar. Estimula os pais a

elogiar e questionar as crianças no intuito de despertar a criança a perceber a distância entre

seu desenho e a realidade, tendo como objetivo o aprimoramento.

Lucille E. Hein, em 1973, publica Como entretener a los niños, não abordando

exclusivamente os desenhos, misturando produção artística e trabalhos manuais. Afirma que


49

desde muito pequena a criança ao demonstrar interesse por objetos aparentemente inúteis, está

iniciando suas atividades criadoras, produzindo figuras, formas, modelando, desmontando e

que os pais devem participar desse processo ativamente, brincando junto, dando modelos e

ensinando técnicas variadas. Não se baseia em faixas etárias ou fases de desenvolvimento,

mas reforça que a criança de três a seis anos, por não ter tido ainda contato com as escolas e

seus fatores de uniformidade criativa, deve ter sua própria capacidade criadora valorizada,

experimentando, criando, idealizando, improvisando, sendo original e manejando suas idéias

com liberdade. Afirma que quanto mais a criança tiver a oportunidade de manipular e utilizar

materiais diversos em suas atividades de arte e de trabalho manual, mais desenvolverá suas

faculdades criativas.

Dessas publicações dirigidas aos pais, foi a de Lowenfeld, sem dúvida, a mais lida.

Suas teorias sobre o desenvolvimento do grafismo, divulgadas amplamente nas duas

publicações, A criança e sua arte e o Desenvolvimento da capacidade criadora firmaram-se

amplamente, incorporadas às instituições educativas de todo o mundo.

Atualmente muitas críticas são feitas em relação a esse verdadeiro sistema de

relação como o adulto deve-não-deve-pode-não-pode agir sobre a questão criança e seu

desenho que foi estabelecido neste período. O trabalho de Lowenfeld não pode ser totalmente

criticado e contribuiu sim, com a valorização do desenho, criatividade e produção da criança.

Mas as questões levantadas hoje, e que veremos a seguir, discutem em como essa total

liberdade pode por outro lado, privar a criança de um conhecimento formal que poderia ajudá-

la a não abandonar a representação gráfica, fato que acontece por volta dos doze anos,

verificado por todos esses autores posteriores. E como essa postura de certa maneira poderia

ter relegado absurdamente a educação artística a uma disciplina considerada sem importância

no currículo escolar.
50

IV - MEIO SÉCULO DO ESTUDO DO DESENHO

Até o meio de século XX os estudos se intensificaram e o interesse no que a

criança era capaz de produzir e seu significado cresceram. A UNESCO, reconhecendo o

esforço de tantos em divulgar o processo de (re)conhecimento da nova teoria aplicada a

criança e sua arte, editou em 1954, o álbum Art et Éducacion, sob orientação de Edwin

Ziegfeld. Essa publicação continha desenhos de crianças de raças, idades e nacionalidades

diferentes, com ensaios importantes sobre o assunto, pertencentes à autores como Amélie

Hamadaine, Piaget, Herbert Head, Edwin Zigfeld, Matisse, Arno Stern e outros. (MARINO,

1988, p. 97)

Segue abaixo trecho do artigo de Piaget publicado nesse álbum, que demonstra

como a época estava assimilando as novas descobertas e as discussões que estavam sendo

feitas quanto a como se comportar frente ao desenvolvimento de uma nova modalidade de

conhecimento, o estudo da criança, suas características e de sua evolução enquanto ser

humano único em formação e sua produção gráfica:


51

“Dois fatos paradoxais são capazes de espantar as pessoas habituadas a


observar o desenvolvimento das funções mentais e das aptidões na
criança.
O primeiro dos fatos consiste em que, freqüentemente, a criança pequena
parece melhor dotada do que a criança de mais idade, nos domínios do
desenho, da expressão simbólica (...) e por vezes na música. Quando se
estuda as funções intelectuais ou os sentimentos sociais constata-se um
progresso mais ou menos continuado, enquanto que no domínio da
expressão artística, ao contrário, a impressão freqüente é de um recuo.
O segundo fato (...) consiste em que é muito mais difícil estabelecer
estágios regulares de desenvolvimento no caso das tendências artísticas
do que no caso das outras funções mentais.
(...) a criança pequena começa espontaneamente a exteriorizar sua
personalidade e suas experiências interindividuais graças aos diferentes
meios de expressão que estão a sua disposição: desenho e a modelagem,
o simbolismo do jogo, a representação teatral (...), do canto, etc; mas
que, sem uma educação artística apropriada que consiga cultivar estes
meios de expressão e encorajar as primeiras manifestações estéticas, a
ação do adulto e os constrangimentos do meio familiar ou escolar tendem
em geral a frear ou contrapor-se às tendências artísticas ao invés de
enriquecê-la.
(...) os dois principais problemas psicológicos da educação artística são,
portanto, compreender, em primeiro lugar, a quais necessidades
fundamentais correspondem às manifestações iniciais da expressão
estética infantil e, em segundo lugar, qual a natureza dos obstáculos que
surgem ordinariamente no curso da evolução ulterior.
Mas, aqui novamente - mais que em outros campos - é necessário evitar a
tentação que ameaça cada vez que uma nova matéria é introduzida na
escola: a educação artística deve ser, antes de tudo, a educação da
espontaneidade estética e da capacidade de criação cuja presença é
manifesta na criança pequena; e ela não pode, menos ainda que outras
formas de educação, se contentar com a transmissão e aceitação passiva
de uma verdade ou de um ideal totalmente elaborado: a beleza, como a
verdade, somente tem valor quando recriada pelo sujeito que a
conquista.” (FLECK, 2002, trad. de PIAGET, 1954, p. 22-23)

Em 1949 o pesquisador Pierre Naulle, levando em consideração apenas os países

da Europa Ocidental e ao Estados Unidos, enumerou 357 autores que até então estudaram o

desenho infantil. Segundo esses dados, 300 deles exploravam questões psicológicas e os

outros 57 (20%), tratavam de aspectos estéticos, sociológicos, comparação entre povos de

diferentes raças e períodos ou se referiram à pedagogia do desenho na infância. (CAMPOS,

1999, p. 14) No livro de Goodenough, Measurement of inteligence by drawings, é apresentado

também uma extensa listagem de publicações, monografias, artigos e relatórios de autores que

abordaram o assunto, e em 1974, na sétima edição do livro, são agregados outros dados

referentes ao período citado (até 1948-1951) por Naulle e por ela mesma que excede, em

número muito maior a contabilização divulgada anteriormente. Desde então,


52

indiscutivelmente, até os dias atuais outros milhares de pesquisadores espalhados por todo o

mundo se dedicaram e continuam se dedicando a esse estudo, em quantidade agora impossível

de se classificar.

Um ponto importante a se lembrar é que essa monografia se refere a um panorama

mundial geral do desenvolvimento histórico do processo do estudo do desenho da criança,

onde as influências, dados e teorias descritas vêm necessariamente de autores europeus e

norte-americanos, que foram os detonadores das questões acerca do assunto em todo o

mundo.

A partir dos primeiros estudos divulgados em nível mundial, cada país começa a

buscar suas próprias conclusões, assim como no Brasil, onde passam a se destacar vários

nomes que se dedicaram e se dedicam à nossa criança e suas particularidades específicas.

Abordar esse assunto daria vazão a um outro trabalho, se não muitos, não sendo possível

colocar aqui todo esse universo que vai se formando a partir dos estudos pioneiros. Com

certeza, formam-se universos paralelos muito especiais, onde características como a mistura

de raças, a explosão de luzes, cores e formas com as quais crianças moradoras em regiões do

globo como o Brasil e suas relações de afeto e proximidade com seu próximo poderiam ser

fatores que modificariam os resultados dos apontamentos.

Segue o estudo desse panorama geral, visto através da abordagem de autores

essencialmente estrangeiros, com exceção a Divo Marino, que é utilizado como um dos

autores-chave para o alcance do objetivo deste trabalho, que é buscar mostrar uma visão geral

de como se deu o descobrimento do desenho infantil, como se definiram as principais linhas e

para onde caminham as novas idéias.


53

V - ABORDAGENS DAS PRIMEIRAS ASSOCIAÇÕES ENTRE OS

ESTUDOS DO DESENHO E DA ESCRITA

Assim como Vygotsky associa as funções da linguagem e escrita com o desenho,

afirmando “a escrita tem uma pré-história, em que devem ser considerados como precursores

o gesto infantil, as primeiras expressões do desenho e o jogo simbólico”, (Vygotsky,

1931/1995, p. 183-206 apud CARVALHO, 2000) Alexander R. Luria, importante psicólogo

e pesquisador russo, seguidor da linha vygotskiana, em trabalho que data de 1929, publica em

seu artigo O desenvolvimento da escrita na criança, uma seqüência de estágios passados pelas

crianças no processo da aquisição da escrita e sua relação com a representação gráfica.

Segue abaixo:

1 Fase pré-instrumental ou imitativa: fase assim caracterizada pelo fato da ausência

da utilização da escrita como instrumento a serviço da memória. Ter valor em si

mesma, ser autocontida e indiferenciada.


54

2 Escrita topográfica: fase em que a criança começa a fazer diferenciações primárias

(com o uso de signos de baixa convencionalidade) relativas ao significado das

palavras, utilizando para estas diferenciações a localização da grafia como recurso

da memória e não necessariamente diferenças objetivas no traçado de cada conteúdo

registrado.

3 Escrita pictográfica: fase em que a criança registra diferenciações presentes nos

atributos do conteúdo, o signo é simbólico por ser um portador de significado que

atua sobre o sujeito, aparecendo o desenho utilizado como mediador da memória e

não mais como uma representação em si mesmo.

4 Escrita simbólica: quando a criança deixa de representar núcleos de significados e

passa a desenhar a própria fala utilizando letras convencionais. (AZENHA, 1991)

Marthe Bernson, autora do livro Du gribouillis au dessin, de 1960, afirma que

para a criança “existe uma espécie de magia em poder alinhar signos, ligá-los entre si e estão

muito conscientes do que querem dizer e comunicar alguma coisa”. (BERNSON, 1960, p. 12

apud MÈREDIEU, 1999, p. 11).

Bernson distingue três estádios do rabisco:

1 Estágio vegetativo motor: por volta dos dezoito meses, aparece o tipo de traçado próprio

da criança, traçado esse mais ou menos arredondado, conexo ou alongado. O lápis não sai

da folha formando turbilhões elípticos que partem do centro, (FIG.: 11) o que corresponde

a uma simples excitação motora.


55

FIGURA 11 - Traçado circular,


Criança de vinte meses.
FONTE - MÈREDIEU, 1999, p. 26.

2 Estágio representativo: entre dois e três anos, caracteriza-se essencialmente pelo

aparecimento de formas isoladas (FIG.: 12), que aparecem pelo levantamento do lápis. A

criança passa do traço contínuo para o traço descontínuo, em um ritmo mais lento,

tentando por vezes fazer comentário verbal do desenho.

FIGURA 12 - Aparecimento de formas isoladas.


FONTE - MÈREDIEU, 1999, p. 27.

3 Estágio comunicativo: começa entre três e quatro anos, se traduz por uma vontade de

escrever e de comunicar-se com os outros, onde a tentativa de imitação do adulto se

mostra mais. Traçando em forma de dentes de serra, (FIG.: 13) parece tentar reproduzir a
56

letra dos adultos, buscando escrever e comunicar-se através dela. (BERNSON, 1966, p.

12 apud MÈREDIEU, 1999, p. 25-27)

FIGURA 13 – Traçado em forma de dentes de serra.


FONTE - MÈREDIEU, 1999, p. 28.

Segundo Florence de Mèredieu (1974), a evolução do desenho depende

intimamente da evolução do da linguagem e da escrita. Ela afirma isso baseada nas

conclusões de Bernson. A escrita exerceria uma verdadeira fascinação sobre a criança, por ser

parte importante do universo do adulto, por isso a vontade de imitar a escrita dos adultos

desde muito cedo.

Na busca de se entender o processo de desenvolvimento da criança, o tema

desenho e escrita se encontram muitas vezes. Vários autores que estudaram o processo da

construção da escrita alfabética, buscaram uma relação do desenho com o desenvolvimento

inicial do sistema de escrita. Entre os autores que analisaram essas relações, além claro de

Vygotsky, Luria, Mèredieu e Bernson, podemos citar entre outros, Widlöcher (1971), Freinet

(1989), Ferreiro e Teberosky (1991), Tolchinsky e Levin (1990), Goodman (1990), Luçart

(1983), Landsmann (1995).

Em 1964, no Journal de Psycologie, Liliana Luçart, observa que as origens do

círculo e do quadrado são elaboradas em níveis diferentes, os traços circulares que nascem de

movimentos contínuos são de tipo motor e correspondem simplesmente a uma descarga

elétrica. E que ao contrário, os quadriláteros derivam de movimentos descontínuos e

coincidem com a aquisição do controle dos pontos de partida e chegada, o controle múltiplo.
57

Isso se dá devido a uma modificação da relação olho-mão; o olho que no começo segue a mão

passa a guiá-la. (MÈREDIEU, 1999, p. 28)


58

VI - ABORDAGENS PSICOLÓGICAS DO DESENHO

A psicologia também se utiliza amplamente da produção gráfica da criança para

diagnósticos e essas abordagens visavam objetivos e aspectos diversos, como avaliação das

fases do desenvolvimento, medida de inteligência, motricidade, traço e uso da mão, noção do

espaço, função da percepção visual, papel da forma, verbalização perigráfica, objeto da

reprodução, expressão, caráter, tipos, psicopatologia entre outros.

No livro O teste do desenho como instrumento de diagnóstico da personalidade,

da brasileira Dinah Martins de Souza Campos, publicado originalmente em 1969, são citados

os seguintes pesquisadores envolvidos nos estudos referentes à aplicação do desenho como

método de apoio para avaliação psicológica: Goodenough (1926), M. Prudhommeau (1947),

Wallon, B. Székely (1960), H. Dorken, L. Bender (1932, 1937, 1938, 1940, 1943, 1944), John

N. Buck (1948), Karen Machover (1949), Gallase, Spoerl (1940, 1941), Kotkov, Goodman,

Berman, Leffel, Méier (1928, 1936, 1939), Brown (1943), Levine, Fisher, Waehner (1946),

Zucker, Landisburg (1947), Koch (1949), Hammer (1958), Hulse, Eysenck, Shafer.
59

Alguns desses psicólogos desenvolveram testes, como a Folha Prudhommeau, por

M. Prudhommeau; Teste gestáltico visomotor, por L. Bender; Teste da casa-árvore-pessoa,

HTP, por John N. Buck em 1948; Teste do desenho da figura humana, por Karen Machover

em 1949; Baumtest, por Koch, 1949; Teste do desenho.

Alguns desses testes foram aperfeiçoados ou modificados, sendo utilizados até

hoje pela psicologia. (CAMPOS, 1999, p. 13-28)

Neste livro, que em 1999 já se apresentava em sua trigésima primeira edição,

Dinah Campos apresenta detalhadamente as técnicas de aplicação e normas de interpretação

para o Teste HTP (Casa, árvore, família), de John Buck e do Desenho da família.

Dentro das normas de interpretação, enumera alguns aspectos gerais do desenho a

serem observados, dissecados detalhadamente em todas as suas possibilidades de variação:

1 Localização no papel (eixos, cantos, lados, margens).

2 Pressão e caracterização dos traços no desenhar.

3 Simetria.

4 Detalhamento.

5 Movimentos.

6 Tamanho da figura.

7 O uso da borracha.

São abordados com extremo detalhamento os elementos que podem aparecer em

cada tema sugerido e suas significações, insistindo sempre que cada item do desenho não

pode ser avaliado isoladamente, mas sempre em conexão com os outros dados do desenho.

(CAMPOS, 1999, p. 38-109)


60

O que pode ocorrer aos que consultarem esse livro é que as normas de

interpretação utilizadas por Dinah, para cada detalhe que possa aparecer no desenho

executado, estabelecidas segundo estudos de mais de trinta anos atrás, seja extremamente

simplista e taxativo, e que utilizá-los desassociados não só da conexão com os outros

elementos do desenho, mas em relação a todo o contexto em que a criança está inserida possa

acarretar em interpretações extremamente errôneas e desastradas. De certo modo, as

interpretações dos elementos fazem sentido, mas aplicá-las da mesma maneira a indivíduos

diferentes seria no mínimo uma atitude irresponsável.


61

VII - O DESENHO DA CRIANÇA POR DIVO MARINO

No Brasil, Sílvio Rabello é um dos poucos nomes que podem ser citados no

envolvimento do processo inicial de descobrimento e exploração do desenho da criança. Em

1935, ele lança o livro Psicologia do Desenho Infantil.

As idéias e experimentações circulavam pela Europa, mas no Brasil ainda eram

fortes as raízes conservadoras do sistema educacional onde o ensino do desenho era baseado

no sentido utilitário de preparação técnica para o trabalho. O objetivo era desenvolver

habilidades técnicas e o domínio da racionalidade. Na prática, o desenho nas escolas

trabalhava a reprodução de ornatos, cópias e a geometria. O ensino e a aprendizagem da arte

baseavam-se na transmissão de conteúdos. (FERRAZ; FUSARI, 1993, p. 30-31) Sistema esse

também utilizado no resto do mundo antes da revolução da livre-expressão.

Um grande marco da divulgação e começo da implantação das idéias que estavam

revolucionando a arte infantil no mundo, no Brasil, foi o desenvolvimento e a fundação da


62

Escolinha de Arte, por Augusto Rodrigues, em 1948, no Rio de Janeiro, que se espalhou por

todo o Brasil, semelhantes aos ateliês de desenho da Europa e dos Estados Unidos.

Como sintetizador de todo essa linha de pensamento definida até então pelos

estudiosos, segue agora a descrição das idéias de Divo Marino, um outro brasileiro, que lança

em 1957, o livro O Desenho da Criança.

Professor em Ribeirão Preto-SP, Marino procura fazer desse livro uma ferramenta

para a realização de um trabalho de conscientização do meio educacional no Brasil para toda

a discussão acerca da arte da criança e de como lidar com ela, de acordo com a efervescência

que se constatava no mundo lá fora. Conta para seu país as descobertas que estavam sendo

feitas, as conclusões (desde Rousseau, passando por Luquet e Piaget), os eventos (como o

lançamento do álbum Art et Éducacion ). Enfoca as abordagens históricas e psicológicas que

estavam sendo feitas pelos diversos pesquisadores em todo o mundo, divulga pesquisas

realizadas por outros autores e por ele próprio. Aborda as conceituações do desenho a partir

das etapas do desenvolvimento da representação gráfica pelo homem, forte linha de pesquisa

na época, que estudava e comparava o desenho infantil ao desenho dos povos primitivos. Cita

vários estudiosos, concordando com conceitos como o desenho infantil ser um meio de

expressão e linguagem da criança e que estava sendo considerado um dos mais interessantes

meios de estudo da mentalidade global. Citando Luquet, Marino (1957, p. 19-20) acredita que

“o exame do desenho infantil permite pôr em evidência as analogias profundas ou o

parentesco essencial da psicologia da criança com a do adulto”, embora existam diferenças

graças à “condições especiais da infância”. Diz que o “mundo artificial” em que a criança

vive, “arranjado pela sociedade e pela família” faz com que essas analogias sejam bastante

suscetíveis. Afirma, de acordo com os estudos da época que todas as crianças desenham de

maneira idêntica quanto à formalização das características e etapas, diferindo apenas no

assunto que se apresenta em função da influência do meio. Verificar o progresso da criança


63

normal dentro dos processos de aprendizagem da leitura, do cálculo e da escrita seriam

tarefas fáceis, mas apreciar a evolução no desenho, segundo normas precisas já seria tarefa

bastante difícil. Define o desenho como uma linguagem.

Marino aborda as características e fases que estavam sendo reconhecidas como

parte do desenvolvimento do desenho infantil, descrevendo a seguinte esquematização das

etapas do desenho:

1 Etapa da Garatuja: entre as idades de dois/ três anos até quatro/ cinco a criança

rabisca sentindo prazer nos movimentos musculares, obtendo como resultado traços

indefinidos e manchas sem finalidade aparente.

2 Etapa da Linha: aos quatro anos a criança já apresenta um controle visual, um

balbucio gráfico do período da garatuja. A criança desenha rabiscos que apresentam

familiaridade com o meio. A figura humana é seu tema predileto representado por

um círculo com dois pontos dentro (olhos e cabeça) e duas linhas ligadas ao círculo

(pernas).

3 Etapa do Esquematismo: aos cinco anos a criança apresenta um plano geral da

figura humana utilizando formas circulares, quadradas ou ovais para a cabeça e para

o corpo. Aos seis ou sete anos acrescenta ao desenho anterior os braços e pernas,

apresentados como formas de linhas paralelas que irradiam os traços dos dedos

semelhantes a uma estrela. Acrescenta boca, nariz e pés. Utiliza normalmente o

mesmo esquema para simbolizar tanto o homem e a mulher, quanto o animal,

mudando apenas o sentido vertical ou horizontal da representação. Essa fase

também é chamada de etapa do simbolismo.


64

4 Etapa do Realismo Lógico ou Mental: buscando um realismo mais descritivo, por

volta dos sete/ oito anos, a criança desenha o que sabe dos objetos, seguindo sua

imaginação. Começa a abandonar seu esquema. Rebatimento, transparência e

detalhes evidenciados são comuns. Começa a representar desenhos de perfil,

mudando em um primeiro momento o rosto e depois o corpo. Não apresenta ainda

representações com perspectiva ou terceira dimensão.

5 Etapa do Realismo Visual: aos nove ou dez anos a criança distingue o que vê e o

que sabe, substituindo o realismo lógico pelo visual. Desenhos do natural são mais

constantes. Surgem paisagens e terceira dimensão.

6 Fase da Regressão: entre os doze/ quatorze anos, com a adolescência, apresenta-se

nos desenhos uma regressão ou estacionamento. Com o aumento da capacidade de

observação e senso crítico, o adolescente faz comparações e se torna insatisfeito

com sua representação, julgando-a inadequada, errada e feia. Julga-se incapaz de

desenhar bem e desloca seu interesse para a expressão lingüística.

7 Etapa do Renascimento: em casos de retomada pelo interesse em desenhar, aos

quinze anos pode se dar um renascimento, uma busca adolescente pela feição

artística da representação gráfica.

Provavelmente Marino cita as fases assim classificadas em sua publicação de

1955, segundo C. Burti, que as definiu dessa maneira em 1940, em seu livro Mental and

Scholatisc Tests.

Quanto às características do desenho, explica:


65

1 Transparência ou raio-X: baseando-se na idéia de que a criança utiliza o seu modelo

interno e desenha o que pensa e não o que vê, o recurso da transparência, apontado como

apogeu da fase do realismo mental ou lógica, acontece quando a criança desenha como se

paredes, corpos, cenas se apresentassem num sistema radiográfico. (FIG.: 14 e 15)

FIGURA 14 - Desenho Salim Nassif Abdala,


oito anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 48.

FIGURA 15 – Desenho Walter Martins, nove anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 49.

2 Rebatimento: acontece a superposição de uma figura sobre um plano, por movimento de

rotação em torno de um eixo. O rebatimento se dá em figuras que estão em plano vertical

para um plano horizontal ou vice-versa. Com total ignorância das regras da perspectiva, a
66

criança desenha os chamados pormenores funcionais, sendo essa a sua solução técnica

para poder colocar minuciosamente os detalhes. (FIG.: 16 e 17)

FIGURA 16 – Desenho Elísio Ventura,


sete anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 49.

FIGURA 17 – Desenho Magda Triani, dez anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 50.

3 Pormenores funcionais: os detalhes funcionais são escolhidos pela sua função,

onde a criança destaca o que acredita ser necessário acentuar para atribuir ênfase.

No desenho abaixo, FIG.: 18, a criança desenha e explica que é “uma casa e uma

caminhão de gasolina indo levar gasolina para o fogão da casa, e, também um

automóvel com a direção, o motorista, e um menino pegando a rabeira”. Como

vemos, ela se preocupou com os pormenores funcionais na representação dos

motoristas, da mangueira e dos veículos.


67

FIGURA 18 – Desenho Jair Martins, sete anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 51.

4 Egocentrismo: a tendência de fazer de si mesmo o centro do universo, onde desapercebida

do mundo que a cerca, vive voltada para si. Ela apresenta no desenho essa tendência no

seu desenho, manifestando precocemente a tentativa de representar o natural, copiar o

desenho do adulto, a fotografia. Ela assim esta valorizando seu próprio eu, aceitando sua

forma de ver mentalmente e corrigindo a representação gráfica do adulto.

5 Sincretismo: a criança representa fundidos aspectos impossíveis de serem observados

acontecendo no mesmo momento e lugar. Mistura cenas, desenha ao mesmo tempo

começo e fim de uma situação. Marino diz que essa característica denota a peculiaridade

da “falta de lógica, um quê de contraditório e interessante”, (1957, p. 56) demonstrando

claramente a mentalidade sincrética da infância. No desenho a seguir, FIG.: 19 a criança

narrou graficamente a história da Bela adormecida apresentando sincretismo.


68

FIGURA 19 – Desenho Wilma Barbosa, dez anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 57.

6 Sobreposição: não conhecendo a terceira dimensão, seus desenhos não apresentam a

existência do espaço, volume e perspectiva. Os elementos aparecem soltos no espaço, uns

sobre os outros, colocados em um mesmo plano. (FIG.: 20)

FIGURA 20 – Desenho Lília Sanches, sete anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 61.
69

7 Dinamismo: traduz a tendência pela admiração dos movimentos. No desenho de Felipe,

FIG.: 21, “o avião está bombardeando o navio que está no mar”, onde ele reproduziu uma

cena que viu no cinema.

FIGURA 21 – Desenho Felipe Petranu, oito


anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 60.

8 Rigidez: em contraste com o dinamismo, há também o aspecto da rigidez dos bonecos.

Nas crianças pequenas, os bonecos apresentam braços e pernas esticados, ausência de

emoção na fisionomia. Marino compara essa característica com a rigidez da arte egípcia.

Em uma idade mais avançada a criança utiliza então as articulações nos membros.

9 Evolução, retrocesso e emperramento dos tipos: a evolução dos tipos representados se dá

em paralelo ao desenvolvimento psíquico. Há uma coincidência entre a idade cronológica

e a idade mental. Acompanhando a representação da figura humana feita por crianças de

três a treze anos isso pode ser verificado. (FIG.: 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32)
70

FIGURA 22 – Desenho Aracy H. Galdo,


três anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 63.

FIGURA 23 – Desenho
Suely A. Pisani, quatro anos.
FONTE - MARINO, 1957,
p. 63.

FIGURA 24 – Desenho Luis


E. Ciampo, cinco anos.
FONTE - MARINO, 1957,
p. 64.
71

FIGURA 25 – Desenho Ayrton Gallo, seis


anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 64.

FIGURA 26 – Desenho Antonio D. Gallo, sete anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 64.

FIGURA 27 – Desenho Diva Gomes, oito anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 64.
72

FIGURA 28 – Desenho Isaura


Spinelli, nove anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 64.

FIGURA 29 – Desenho Silvana Calefi,


dez anos.
FONTE - MARINO, 1957, p. 65.

FIGURA 30 – Desenho
Marilyn D. Campano,
onze anos.
FONTE - MARINO,
1957, p. 65.
73

FIGURA 31 – Desenho
Helena A. Fabri, doze
anos.
FONTE - MARINO,
1957, p. 65.

FIGURA 32 – Desenho
Werther Fabri Filho,
treze anos.
FONTE - MARINO,
1957, p. 65.

O retrocesso dos tipos se dá quando a criança se vê na obrigação de repetir um

desenho muitas vezes, onde acaba retrocedendo a tipos anteriores. No próximo desenho,

FIG.:33 a criança queria desenhar uma fila, e ao fazê-lo foi se cansando e simplificando os

desenhos.
74

FIGURA 33 – Desenho Sílvia Maria C. Bueno, oito anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 66.

Durante o quadro evolutivo das representações da criança durante a evolução dos

tipos pode ocorrer emperramento. Esse emperramento gráfico permanece muitas vezes até a

idade adulta, mantendo os esquemas representativos criados na infância. (FIG.: 34)

FIGURA 34 – Desenho C. Camargo, dezoito anos.


FONTE - MARINO, 1957, p. 65.

Marino observa que podem ocorrer grandes diferenças individuais entre as

crianças quanto à idade em que transitam de uma fase para outra.

Citando Luquet, caracteriza a aparição do realismo visual na criança como uma

importante etapa na evolução psicológica da criança, onde ela está dando um importante

passo em direção à vida adulta. Afirma, porém, que a esquematização das fases gráficas

apresentadas poderão ser modificadas através das novas abordagens e pesquisas que ainda hão

de vir.
75

Marino realizou um trabalho de pesquisa bastante importante e completo, em um

campo ainda pouco explorado na época no Brasil. Produzindo um material onde relaciona os

conceitos, as descobertas e os caminhos que o estudo do desenho da criança percorrera até

então, contribuiu para que o assunto passasse a ser abordado mais amplamente, em uma época

em que o assunto desenho infantil ainda se encontrava ausente do universo escolar. Mostra os

resultados de pesquisas realizadas por Rabello por volta de 1934 utilizando o Teste Decroly

em Recife, comparado com os resultados obtidos anteriormente pelo próprio Dr. Decroly na

Bélgica e por Faria de Vasconcelos em Portugal. Marino realiza o mesmo teste em Ribeirão

Preto em 1954. Cita também a mecânica do Teste de Goodenough, e do Teste de inteligência

pelo desenho da casa elaborado por Heloisa Marinho.

Realizou também, no ano de 1955, em Ribeirão Preto-SP, a coleta de mil e

duzentas páginas de desenho espontâneo de mil e duzentas crianças dos dois aos treze anos de

idade, sendo cem crianças de cada idade: seiscentas do sexo feminino e seiscentas do sexo

masculino. Através da coleta e análise tanto quantitativa quanto psicológica desses desenhos,

ele apresentou reflexões referentes aos temas abordados nos desenhos; predominância de

temas divididos em faixas de idade e sexo e abordagem dos fatores sócio-econômicos,

políticos, culturais e sexuais enfocados nos desenhos.

As conclusões de Marino foram que o meio exerce uma verdadeira tirania sobre o

desenho infantil. O meio sócio-econômico de elevado teor acelera a sucessão das fases

gráficas e que o baixo nível sócio-econômico as retarda. Enquanto o enfoque das crianças da

zona rural apresentava acentuado fitomorfismo7 e zoomorfismo8, na cidade a máquina é a

assunto de interesse. As crianças de um meio social mais elevado mostravam-se mais aptas

7
Fitomórfico . [De fit(o)- + -morf(o)- + -ico2.] Adj. 1. Relativo a fitomorfo. 2. Que tem atributos de uma planta,
ou é representado por eles. Fitomorfo . [De fit(o)- + -morfo.] Adj. 1. Em forma de, ou semelhante a planta. • S.
m. 2. Representação convencional de uma planta, como a que se vê, p. ex., na arte primitiva. (Novo Aurélio,
2002)
8
Zoomorfismo (ô-o). [De zo(o)- + -morf(o)- + -ismo.] S. m. 1. Representação de divindades sob a forma de
animais. 2. O uso de formas ou de símbolos animais na arte, na literatura, etc. (Novo Aurélio, 2002)
76

para o desenho, e que nesse meio, era maior a ocorrência de crianças bem dotadas. Nas

crianças de bairros de alto nível sócio-econômico verificou-se a influência de temas

relacionados ao cinema e histórias em quadrinhos. Nas de bairros menos favorecidos, religião,

futebol e nacionalismo são alguns dos temas mais abordados. Marino diz que o desenho

infantil acaba por ser um espelho que reflete os mais variados aspectos da vida social.

Um curioso enfoque é dado ao que seria a representação pelos desenhos das

meninas, que o autor classifica como expressões da alma feminina. São apresentados como

temas abordados por elas o ambiente doméstico, o cuidado com a casa e o gosto pela costura.

Marino diz que o incomum impressiona vivamente a criança e que fatos novos e

que mudam sua rotina são prontamente apresentados em seus desenhos.

São apresentadas tabelas detalhadas referentes aos temas mais desenhados pelos

diferentes sexos, em cada faixa de idade, que vai de dois a treze anos, e a discussão quanto as

suas significações psicológicas. Esse tipo de avaliação quantitativa trata-se ainda, nos dias de

hoje, de um método de pesquisa bastante utilizado pelos estudiosos em todo o mundo.

Em um resultado geral obtido por Marino no Brasil segue a seguinte classificação

quanto aos principais temas abordados no desenho das crianças segundo pesquisa realizada

por ele em Ribeirão Preto, em 1954.


77

QUADRO I
Dez principais temas abordados no desenho das crianças do sexo masculino segundo pesquisa
realizada em Ribeirão Preto em 1955

Class.f Meninos Número Desenhos %


1º Animais 276 20%
2º Fig. humanas 247 19%
3º Casas 241 19%
4º Árvores 177 14%
5º Navios 107 8%
6º Bandeiras 97 7%
7º Veículos 81 6%
8º Flores 33 6%
9º Brinquedos 21 2%
10º Frutas 20 2%

FONTE – MARINO, D. O desenho da criança, 1957, p. 89.

QUADRO II
Dez principais temas abordados no desenho das crianças do sexo feminino segundo pesquisa
realizada em Ribeirão Preto em 1955

Class. Meninas Número desenhos %


1º Fig. humanas 342 21%
2º Flores 309 19%
3º Animais 306 18%
4º Casas 304 18%
5º Árvores 193 12%
6º Frutas 99 6%
7º Navios 30 2%
8º Veículos 27 2%
9º Montanhas 24 1%
10º Bolas 23 1%

FONTE – MARINO, D. O desenho da criança, 1957, p. 89.


78

QUADRO III
Dez principais temas abordados no desenho das crianças de ambos os sexos segundo pesquisa
realizada em Ribeirão Preto em 1955

Class. Assunto Número %


1º Figuras humanas 276 20%
2º Animais 247 19%
3º Casas 241 19%
4º Árvores 177 14%
5º Flores 107 8%
6º Navios 97 7%
7º Frutas 81 6%
8º Bandeiras 33 3%
9º Montanhas 21 2%
10º Bolas 20 2%

FONTE – MARINO, D. O desenho da criança, 1957, p. 90.

Afirmando que, o desenho infantil é “a linguagem autêntica da infância”, Marino

diz que, (1957, p. 121) possivelmente, “se não existisse a escola e os processos de

alfabetização, com a evolução da mentalidade infantil, a criança talvez criasse uma

rudimentar linguagem escrita, na sua passagem para a linguagem adulta. A escola apressa esse

processo de criar através da alfabetização, levando a criança de um mundo, o qual ela

representa através de sua linguagem autêntica, a do desenho, para o mundo das letras e dos

números. Mas enquanto a escrita é um ato mecânico, desenhar é um fenômeno muito mais

graficamente complexo que escrever”.

Para Marino, o desenvolvimento do desenho na educação deve ter como finalidade

desenvolver a expressão e libertar o espírito criador da criança. Ela adquirirá, assim, um

agudo senso de observação, usando o desenho para descrever o mundo exterior e as suas

especulações psíquicas, e ao aprender a linguagem escrita, já estará melhor aparelhada para


79

usar esse novo meio de expressão. Mas para isso, a prática do desenho deve ser livre e

espontânea.

Marino defende veementemente a liberdade de expressão do desenho da criança e

que não se deve dar à criança uma ajuda que ela não precisa. Ela deve receber, sim, um

estímulo constante, que a induzirá à expressão e autoconfiança para vencer as suas etapas de

desenvolvimento. Chegará a realização do desenho propriamente dito através das

experiências acumuladas em seu livre exercício, sem ser levada pela ajuda do professor.

Ele sugere uma metodologia baseada nessa liberdade para que seja seguida pelos

professores, apresentando uma orientação metodológica de como o professor deve se

comportar em relação à produção gráfica da criança dentro de todas as etapas citadas.

Na segunda edição do livro, ampliada e lançada em 1988, Marino cita e explica

quarenta e uma orientações metodológicas sobre a prática da arte infantil, baseado nas

experiências de Cizek. Entre elas “nunca impor um tema para a criança pintar, apenas sugerir

quando necessário”, “não limitar a superfície do desenho”, “oferecer muito espaço”, “abolir

até os dez anos a cópia, deixando-as livre para o ato criador”, “a cópia do natural só poderá

ser oferecida quando se chega à etapa do realismo visual”, “acompanhar a evolução e

conhecer seus problemas psicológicos através do estímulo em fazer as crianças explicarem

seus desenhos”, “não permitir, de maneira nenhuma a prática do decalque”, “jamais estimular

qualquer tipo de competição entre as crianças” e que a “missão do professor em uma classe de

arte não é o de ensinar, e sim animar a criança e estimular o desenvolvimento de sua

personalidade”.(1988, p. 110-140)

O livro O desenho da criança, escrito por Divo Marino em 1957 é um retrato das

idéias que vigoravam na época, onde o desenho infantil era “incompreendido por pais e

professores que não entendiam que o desenho livre era a forma que a criança tinha de

exteriorizar sua livre expressão, de desenvolver através dessa liberdade sua capacidade
80

criadora, e que ficava preso à um sistema normatizado do ensino do desenho, que até então

precisava ser aprendido, não compreendido” .

A obra de Marino sem dúvida colabora muito para o entendimento e o

esclarecimento sobre esse novo e importante tema que começava a ser discutido e tomar lugar

no Brasil. Como ele mesmo define (1957, p. 9) essa era “a tendência em marcha no setor

educacional de valorização das garatujas das crianças”. De maneira bastante didática e clara o

livro enfoca o tema plenamente de acordo com os ideais da época, onde podemos ver

sintetizados nessas palavras de Marino, no prefácio do livro, toda a visão desse tempo:

“Hoje, apresentamos o livro O desenho infantil como uma


nova trincheira defendendo o impulso criador, o direito de auto-
expressão das crianças, o direito que a criança tem de procurar, ensaiar,
experimentar e encontrar as suas próprias soluções, a sua maneira
peculiar de exteriorizar idéias, pensamentos e emoções pelo desenho
espontâneo. Desejamos também, criar uma mentalidade nova entre os
pais e educadores a respeito do desenho infantil, uma mentalidade que
não mais menospreze os rabiscos da criança.” (MARINO, 1957, p. 12-
13)
81

VIII - A INTERPRETAÇÃO DO DESENHO INFANTIL POR

JOSEPH DI LEO

Joseph Di Leo publica em 1983 um estudo baseado na interpretação psicológica do

desenho infantil, onde analisa e estuda 120 desenhos de crianças de variadas faixas etárias. O

trabalho realizado tem como função auxiliar nos procedimentos gerais de diagnóstico e

terapia, já que o desenho, segundo ele, são reveladores do desenvolvimento psíquico da

criança, e podem ser utilizados para ajudar a entender distúrbios psíquicos.

O que acabou por acontecer é que esse trabalho de Di Leo ficou bastante presente

no imaginário e na prática também dos profissionais de educação, apesar dos mesmos não

terem realmente preparo para lidar com questões tão profundas como as que podem ser

demonstradas pelo comportamento da criança e por seus desenhos.

Buscando significados na produção gráfica da criança, Di Leo afirma que as

crianças podem ser encorajadas a falar sobre seu desenho, não sendo inquiridas diretamente

sobre “O que é isto?”, mas observadas e questionadas de maneira não específica “Fale-me
82

alguma coisa sobre isso”. Citando as fases ou estágios do desenvolvimento das crianças já

estudados amplamente por autores como Piaget, Freud e Erikson, afirma ser muito importante

o conhecimento dessas fases por parte de quem irá ler o desenho. Citando Jung, atenta para o

simbolismo contido nas representações da criança, que deve ser avaliado em relação ao

desenho como um todo, contextualizado na realidade da criança.

Os fatores que segundo ele devem ser observados são:

1 O uso do espaço da folha do desenho, pois a colocação dos elementos na folha,

revelariam significados concretos.

2 A qualidade da linha utilizada; quebradas, leves, vigorosas, contínuas.

3 A orientação espacial utilizada, lateralidade, orientação de perfil, relações esquerda-

direita.

4 A inversão de letras e números.

5 O aparecimento e a intensidade do sombreamento.

6 A integração, conexão entre os elementos dispersos na folha.

7 A simetria, o equilíbrio e a rigidez dos elementos.

8 O estilo individual de cada criança, que pode ser classificado em: contido ou

exuberante, impressivo ou expressivo, realístico ou imaginativo.

9 E a relação entre o estilo do desenho e a qualidade da linha.

Di Leo afirma que esses fatores avaliados ajudam a entender a personalidade do

indivíduo que criou o desenho, pois cada desenho reflete essa personalidade. (1985, p. 9-40)

Ele se baseia, para avaliação dos desenhos, nos estágios do desenvolvimento

cognitivo de Piaget e nas fases de representação do desenho abordadas por Luquet, e

apresenta a conceituação das fases do desenho infantil da seguinte maneira: (1985, p. 41-42)
83

1 Estágio sensório-motor

• Do zero a um ano; ela não desenha, apenas leva o lápis à boca. (A criança age por

reflexos, pensa pela atividade motora.)

• De um a três anos; aos treze meses aparece a primeira garatuja em ziguezague. Ela

observa com atenção o movimento, deixando sua marca na superfície. O desenho é

sinestésico. (O movimento gradualmente se direciona a um objetivo, a medida que o

controle cortical é gradualmente estabelecido.)

• Dos dois aos quatro anos; aparecem e predominam gradualmente os círculos, se

tornando mais discreto em seguida. Vislumbra um objeto no circulo casualmente

desenhado. Desenha geralmente o primeiro símbolo gráfico entre os três e quatro anos.

A criança começa a funcionar simbolicamente. Desempenham maior papel aqui

linguagem e outras formas de comunicação simbólica. A criança tem aqui uma visão

altamente egocêntrica. Brinca de faz-de-conta.

2 Estágio pré-operacional (fase intuitiva)

• Dos quatro aos sete anos: Realismo Intelectual: desenha um modelo interno e não o que

vê realmente. Desenha o que sabe que deve estar ali. Utiliza transparências (ou raios-

X), visão simultânea, vista do alto e frontal no mesmo desenho, expressionismo e

subjetivismo.

A criança é egocêntrica e tem uma visão subjetiva do mundo, muito criativa, curiosa.

O mundo ainda é de fantasia e imaginação. Focaliza-se em apenas uma característica

do tempo, funciona intuitivamente e não logicamente.


84

3 Estágio das operações concretas

• Dos sete aos doze anos: Realismo visual: a subjetividade diminui. Desenha o que é

realmente visível. Ocorre uma mudança qualitativa e quantitativa, há uma passagem da

visão egocentrista para uma visão mais objetiva. Não apresenta mais a técnica dos

raios-X. As figuras humanas são mais proporcionais e realistas. Usa cores mais

convencionais. Melhores noções de espaço.

Pensa logicamente sobre as coisas, não é mais dominado por percepções imediatas,

substitui o estágio pré-conceitual pelas operacionalizações concretas.

4 Estágio das operações formais.

• A partir dos doze anos: com o desenvolvimento da visão crítica, a maioria perde o

interesse em desenhar. Os talentosos tendem a ampliar sua produção.

Pensa sobre idéias e não apenas sobre aspectos concretos de uma situação. Considera

hipóteses. Encara sua produção criticamente.

Afirma que durante a infância símbolos inconscientes impregnam a expressão

gráfica. A escolha de um tema ou outro expressa os interesses e necessidades da criança. Cita

vários deles, seus significados e o uso dos testes do desenho nas avaliações de personalidade.

Temas náuticos, casas, animais, aspectos da natureza, a figura humana e a representação de

suas partes e todo, a família e suas diferentes representações, detalhes, o aparecimento das

diferenças sexuais nas representações, tudo é destrinchado resultando em material para

avaliação psicológica da criança. Di Leo procura nos traçados, nas cores e nos rabiscos feitos

pelas crianças trazer os sentimentos, angústias, ansiedades daqueles que os produziram.

Aborda as questões relativas aos testes do desenho, afirmando que os testes

desenvolvidos por Goodenough em 1926 e que foram aprimorados por Dale Harris em 1963
85

baseados no desenho da pessoa (DAP), continuam, na década de 80 do século XX, sendo os

testes mais confiáveis no que se refere a indicação de maturidade intelectual baseados em

desenhos. Cita mais alguns pesquisadores envolvidos nos estudos pertinentes ao desenho e

suas aplicações psicológicas; Morino Abele (1970), Burns e Kaufman (1970) que elaboram o

Desenho cinético de família (KFD), Winnicot (1971), Muschoot e Demeyer (1974),

Brumback (1977) que elabora o Teste do interior do corpo e Bolander (1977).

Gobbi e Leite, (1999) analisando o trabalho de Di Leo apontam os problemas que

podem se derivar dessa classificação e análise de desenhos sendo feitas por profissionais não

qualificados na área de psicologia. Quando essa análise é feita por pessoas não especializadas,

como profissionais de educação na escola e não por psicólogos em consultórios e clínicas os

riscos de se errar profundamente é muito grande. Tentados a ler o significado do desenho de

suas crianças, classificá-los no que seria normal se tratando de qual fase em que essas

crianças estariam se colocando nos padrões das etapas formalizadas, muitos equívocos

poderiam ser cometidos, e em contrário, em vez de auxiliar a criança, essas conclusões

poderiam atrapalhar e estigmatizar.

Concordamos que é importante atentar para o perigo que a constante busca de

se identificar o desenho infantil quanto à suas questões psicológicas, sob pena de rotularmos,

segregarmos e discriminarmos as crianças, mais do que já vêm sendo discriminadas por suas

condições socioeconômicas, culturais, étnicas ou religiosas. O desenho na escola e na vida da

criança dentro de casa deve ser pensado enquanto expressão, possibilidade de interlocução e,

não como base diagnóstica.


86

IX - NOVAS PERCEPÇÕES DO PAPEL DO DESENHO

Em 1954, Rudolf Arnheim publica nos Estados Unidos a primeira edição de Arte e

percepção visual: uma psicologia da visão criadora.

Essa obra é considerada um marco na bibliografia no campo da arte. Nas palavras

de Herbert Read:

“É um livro de primeiríssima importância, e inúmeros aspectos da


psicologia da arte recebem, pela primeira vez, um tratamento psicológico.
Terá, certamente, uma ampla influência e mesmo os artistas deverão tirar
proveito de sua leitura”. (READ apud ARNHEIM, 2002, p. 508)

Suas teorias psicológicas sobre a percepção visual são questões baseadas na Teoria

de Gestalt, que começou a ser elaborada por volta de 1910, através do estudo dos processos de

organização da percepção, na Universidade de Frankfurt, uma Escola de Psicologia

Experimental. Os psicólogos Kurt Koffka, Wolfgang Köhler e Max Wertheimer verificam a

maneira como o cérebro organiza seus estímulos básicos acontece através do fato de que a

forma é a primeira unidade da percepção, pelo princípio da lei da pregnância. O que acontece

no cérebro não é idêntico ao que acontece na retina. A excitação cerebral não se dá em pontos

isolados, mas por extensão. Não existe, na percepção da forma, um processo posterior de
87

associação das várias sensações. A primeira sensação já é de forma, global e unificada. Por

isso quando temos a sensação de olharmos para algo e não conseguirmos identificá-lo, isso

significa que o nosso percepto mental não está organizado para nos proporcionar o sentido. Os

gestaltistas acreditam que existem algumas leis ou princípios organizacionais da forma na

percepção:

1 Lei da proximidade.

2 Lei da similaridade.

3 Lei da continuidade.

4 Lei do fechamento.

5 Figura-fundo.

Arnheim complementa e desenvolve suas teorias integrando a arte e a percepção

visual baseando-se nas idéias gestaltistas, concluindo entre outras coisas que a percepção

visual não parte de particularidades, mas de generalidades, a definição da idéia de conceito

visual é formada como a imagem mental de um objeto que se adquire por uma multiplicidade

de percepções visuais do mesmo, pela sua captação através de inúmeros pontos de vista e

contextos. (BACELAR, 1998)

Sua obra torna-se obrigatória aos que queiram entender e conhecer a arte a partir

de uma visão contemporânea, assim como Read declarou.

Em relação à criança, ele questiona a teoria que os desenhos da criança derivem-se

de fontes não visuais, abstratas. Para ele, elas “desenham generalidades e forma de maneira

não projetiva precisamente porque desenham o que vêem” (ARNHEIM, 1980, p. 158 apud

PILLAR, 1996, p. 35) e que essa “percepção consiste não no registro fotograficamente fiel,

mas na apreensão das características gerais globais”. (ARNHEIM, 1980, p. 159 apud

GEEMPA, 1990, p. 16) Contrapondo-se à idéia que os desenhos infantis derivam de conceitos

abstratos, que seriam não perceptivos, Arnheim diz que as crianças se baseiam em conceitos
88

visuais, e que ela não está fazendo arte, mas sim utilizando o desenho como ela usa todas as

atividades, como um instrumento de exploração e de estabelecimento de relações com o

mundo. Os conceitos não perceptivos, os abstratos, podem até ser utilizados, mas muito

pouco. Desenhando o que observam, tentando desenharem a si próprias utilizando formas

geométricas, círculos e linhas, ela assim o faz não porque seja ainda incapaz, mas “porque o

simples desenho preenche todas as condições que espera encontrar em um retrato”.

(ARNHEIM, 2000, p. 159 apud FOLIO, 2000) As representações que aparecem nos desenhos

são feitas não através da projeção ótica do objeto físico, mas de uma invenção de uma

configuração que represente, para a criança, as características físicas do modelo. As formas

vão se desenvolvendo progressivamente, segundo regras de padrões simples que se

diferenciem gradualmente para outros de maior complexidade.

Arnheim critica o fato do adulto perguntar à criança, desde o primeiro dia, o que é

o desenho, sendo pressionada e formando o conceito de que tudo o que ela produz, o desenho,

a pintura, precisa ter um assunto, ser a descrição de alguma coisa. Isso a condiciona a

acreditar que a arte tem que ser sempre representativa, considerando e se preocupando o

tempo todo se conseguiu ou não representar algo reconhecível, pois é isso que lhe vem sendo

cobrado. Assim, acaba por acontecer o distanciamento da questão básica de usar esse desenho

como exercício de exploração do mundo que está começando a perceber e do qual esta

começando a fazer parte.

Ele não acredita em uma relação fixa entre a idade da criança e o estágio de seus

desenhos, eles refletiriam, na verdade, as variações individuais em proporção ao seu

crescimento artístico.

Foi lançada em 2002 a edição brasileira de uma nova versão do livro de Arnheim,

reescrita e revista por ele. Encontramos a seguinte opinião do autor referente à questão do

ensino da arte: o trabalho da criança não deve ser considerado algo a ser superado o mais
89

rápido possível para abrir caminho para uma representação mais qualificada. Cada estágio

tem uma justificativa, capacidade de expressão e beleza próprias. Responde a questão tão

discutida “Não seria a arte uma daquelas habilidades que se pode ou deve aprender sozinho?”

com as seguintes ponderações: até certo ponto essa afirmação seria exata, pois a intervenção

desfavorável do professor poderia desorientar o julgamento próprio do aluno e acabar por

impedi-lo de descobrir algo que talvez ele próprio teria feito com maior proveito. Mas nesse

momento, o professor que oferece gratuitamente a seus alunos recursos de perspectiva é tão

culpado quanto o outro que faz a criança preencher com tinta as acrobacias acidentais de seus

rabiscos. A expressão espontânea é certamente desejável, mas a expressão se torna caótica

quando interfere na organização visual.

Arnheim diz que a melhor sugestão seria se valer do fato que todo o ensino deveria

se basear em uma consciência de que a concepção visual do estudante está se desenvolvendo

de acordo com seus próprios princípios, e que as intervenções do professor devam ser

dirigidas pela exigência do processo individual de crescimento em qualquer tempo.

(ARNHEIM, 2002, p. 192-196)

Em 1962, Arno Stern lança o livro Compreension del arte infantil, trazendo, assim

como Arnheim, novas idéias ao cenário do estudo do desenho. Analisando o desenho infantil

dentro de ateliê (escolinha de arte), ele fala a respeito de como o adulto deveria se comportar

neste meio-ambiente. Nessa estrutura onde tudo se volta para a criança e o estímulo de sua

produção, esse espaço oferecido acaba caracterizado como bastante privilegiado, e por isso

mesmo já exerce algum tipo de influência. Apesar de concordar com a idéia da livre

expressão, coloca que não é possível uma total espontaneidade da criança ao produzir seu

desenho, pois o próprio meio, os adultos e as outras crianças invariavelmente estarão por

perto, em contato. Apresenta a criança pequena como ser em estado primitivo, sem

intencionar criar. Afirma que os rabiscos dos pequenos são uma maneira deles se
90

expressarem, que o desenho é “um meio de fixar rapidamente as idéias que se apresentam e se

sucedem no espírito” e que “a criança não reproduz lembranças visuais, mas traduz

plasticamente sensações e pensamentos” (STERN, 1962, p. 19 apud PILLAR, 1996, p. 35). E

que, enquanto está fazendo isso, está criando.

Sugere ainda que não se devam estabelecer fases exatamente iguais entre todas as

produções de crianças pertencentes a uma mesma faixa etária. Trata dos desenhos como

processo evolutivo: etapas que se sobrepõem às quais não atribui denominações específicas.

Não seguem uma seqüência rígida e o que realmente importa são os estilos reconhecíveis de

cada criança, onde a representação não é tão importante, e sim as formas, os signos e

estruturas.

Stern distingue várias linhas na evolução da figura do boneco, a primeira tentativa

de representação da figura humana do desenho infantil, partindo do círculo e do boneco girino

inicial, até chegar progressivamente a uma figuração mais evoluída.

Três dessas linhas:

1 O boneco-batata, nascido do girino de quatro membros. FIG. 35 A

2 O boneco-estrada, derivado do girino de dois membros. FIG. 35 B

3 O boneco-flor, que prolonga o girino de um só apêndice. FIG. 35 C


91

A) B) C)

FIGURA 35 – Evolução da figura do


boneco
a) Boneco-batata.
b) Boneco-estrada.
c) Boneco-flor.
FONTE - MÈREDIEU,1974, p. 34.
(STERN, 1966, p. 7 apud MÈREDIEU,
1974, p. 33)

Utiliza o termo "imagem residual", onde o desenho é o fator que origina a

evolução, quando a criança passa a desenhar de uma forma mais elaborada, o desenho da fase

anterior passa a ser a imagem residual. No desenho dos bonecos, iniciando a partir de um

simples círculo munido de tentáculos, ele vai evoluindo para a representação de um corpo que

ele próprio vai transformando, e se transforma também em boneco-sino, boneco-casa. “O

boneco girino dá origem à imagem residual do sol – o que explica a proliferação de sóis com

cabeça humana - do polvo, do leão, da mesa redonda com seus quatro pés deitados”.

O desenho evolui nesse momento, de formas simples, círculo, quadrado, triângulo,

imagens de abóbora do funil, signos e V, elementos que se combinando geram as diversas

figuras do vocabulário infantil, (STERN, 1966, p. 28-31 apud MÈREDIEU, 1974, p. 15) e a

arte seria uma maneira de completar a linguagem oral da criança, ainda incompleta. (GOBBI;

LEITE, 1999)
92

Rhoda Kellogg publica em 1970 o livro Analyzing children´s art, outro importante

estudo em que documenta o desenvolvimento da estruturação gráfica da criança, desde os

primeiros traços aleatórios até a formação das figuras humanas primitivas. Classificando

extensamente essas estruturas nos vários estágios que caracterizou, dá ênfase ao padrão e à

organização da percepção. Ao abordar a gênese dessas estruturas do desenho da criança,

explica que as formas encontradas evoluem das percepções que elas desenvolvem de seus

próprios rabiscos espontaneamente, levando-as a evoluir e organizar esses dados em novas

formas.

Kellog esquematiza um desenvolvimento global da criança entre os primeiros até

por volta dos cinco anos da seguinte forma:

1 A criança pequena inicia a exploração dos diversos tipos de riscos, experimentando

vários posicionamentos de seu traços na folha. Utiliza todas as áreas da folha, muitas

demonstrando preferências de posicionamento. Além de receber informações visuais

de seus traços, sente prazer cinético por meio dos movimentos que realiza com os

braços.

Kellog classifica as repetições existentes nos desenhos de crianças de todo o mundo

como vinte rabiscos básicos: ponto; linha vertical simples; linha horizontal simples;

linha diagonal simples; linha curva simples; linha vertical múltipla; linha horizontal

múltipla; linha diagonal múltipla; linha curva múltipla; linha fluída aberta; linha

fluída envolvente; linha zig-zag ondulada; linha de uma volta simples; linha de

voltas múltiplas; linha espiral; círculos superpostos e linhas múltiplas; círculo com

linhas múltiplas; linha circular espelhada; círculo simples cruzado e círculo

imperfeito.
93

FIGURA 36 – Vinte tipos de rabiscos básicos segundo Kellog.


FONTE - COX, 1995, p. 17.

2 A criança percebe essas formas como unidades, ou gestalts. Na percepção desses

traços, sejam quais forem, ela percebe uma espécie de diagrama emergente, uma

forma básica sugerida pela massa de riscos sobrepostos. Passa em seguida a

desenhar estes diagramas em posições isoladas, com um traço só e sem

sobreposição. Por volta dos três anos a criança, combinado os vinte primeiros

rabiscos básicos geram, numa produção espontânea, seis diagramas básicos: círculo

ou oval; quadrado ou retângulo; triângulo; cruz; X; formas irregulares.

3 Passam então a pesquisar as combinações dos seus diagramas favoritos, sobrepondo-

os, contendo uns sobre os outros ou dispondo-os lado a lado. Essas combinações

geram outras, os agregados, que possibilitam infinitas possibilidades de junção. São

elas as mandalas; sóis; radiais; rostos e figuras solares e figuras humanas.

Destacam-se nestas produções, as mandalas, que significam círculo mágico,

provavelmente essa preferência se dá pela harmonia e simetria da forma. Nesta linha

de raciocínio se encaixa também a produção dos quadrados pelas crianças. É a

mandala que estimula a representação de formas circulares como o sol, que

possibilita o desenvolvimento rápido da descoberta de formas como símbolos.


94

4 Em um último estágio identificam-se quatro estruturas de desenho entre o segundo e

o quinto ano de vida das crianças: padrões, figuras, desenho e expressão pictórica.

Kellogg diz que embora o desenho infantil seja considerado espontâneo, a

presença da cultura nesse desenvolvimento pode alterá-lo, mas mantêm-se sempre suas

estruturas básicas.

Kellog pesquisou trezentos mil desenhos de crianças de todo o mundo priorizando

os desenhos das crianças entre dois a quatro anos, que segundo ela, após essa idade diminuem

sua produção ficando restritas à cópia ensinada e dirigida, inseridas em uma imposição social.

Essa atitude verifica-se a partir dos oito anos de idade.

Essa pesquisa foi muito importante pela diversidade geográfica e cultural dos

pequenos desenhistas. (CAMARGO, 1989, p. 52-54)

Em 1971, Dick Field, através do livro Change in Art Education ataca firmemente

a metodologia da proposta temática feita às crianças pelos professores. Afirma que a criança

não está fazendo arte, mas se utilizando do desenho para explorar o mundo que o rodeia,

estabelecendo suas relações dentro dele. Esperar que a criança faça o desenho de alguma

coisa e explique o que é, acaba por ter um efeito contrário ao que se espera da teoria da livre

expressão, pois ela tem sua atenção mudada para o fato de, se o que faz é reconhecível ou não,

e a natureza do seu trabalho se modifica.

A criança acabaria por associar sempre a arte a uma atividade escolar, e que as

pessoas esperam que ela sempre faça desenhos de coisas. (BARBOSA, 1995, p. 50)

Arnheim, Stern, Kellog e Field colaboram com a mudança da abordagem que se

fará a partir de agora. Seus questionamentos colocam em cheque algumas das posturas que

vinham sendo aceitas, ensinadas e praticadas, e abrem caminho para leituras sobre a questão

de desenho infantil como as de Mèredieu, que serão demonstradas a seguir nesta monografia.
95

A teoria acerca do desenho da criança ser visto como arte passa a perder força, e

mais adequada ao um novo período da história que se inicia, a euforia inicial passa a dar lugar

a verificações mais livres de tantas paixões, calcadas em estudos científicos e psicológicos

que começam a avançar em velocidade nunca vista. As novas idéias continuam coerentes

com o novo mundo que começa a assimilar novas tecnologias, mídias, conhecimentos e

conceitos em educação e arte.


96

X - O DESENHO DA CRIANÇA POR FLORENCE DE MÈREDIEU

Florence de Mèredieu lança nos Estados Unidos, em 1974, o livro O desenho

infantil, onde avalia de modo geral as idéias que vigoravam até então e contribui com novos

questionamentos.

Mèredieu leva em consideração os estudos dos teóricos da livre expressão,

inserindo-os e adequando-os em um novo contexto. O questionamento é importante quando

abre espaço para a formulação de novos ângulos de visão e idéias, e é isso que o trabalho de

Mèredieu faz.

Partindo de uma revisão histórica do período em que a descoberta do desenho

infantil se deu, ela nos mostra alguns dos fatores que contribuíram para que o caminho

trilhado até então pelos estudiosos em direção à questão se fez como tal estamos verificando.

Analisa o cenário da época, como a assunto estava sendo visto e direcionado, e de acordo com

os novos resultados científicos acrescentados a ele, mostra que esse cenário estava mudando.

Apresenta suas observações quanto à utilização do desenho na área da psicologia e algumas

implicações desse uso, se mal direcionado.


97

Sua descrição do que seria o desenho para a criança e quais os fatores que

desencadeiam sua evolução gráfica mostra que, na verdade, a ato da criança desenhar é o ato

de ela interagir com seu mundo, pura e simplesmente, e por isso através desse desenho pode-

se enxergar muito do que a criança é.

Comenta que as mudanças ocorridas nas concepções relativas à infância e a

evolução e difusão das técnicas gráficas e plásticas devem ser entendidas juntamente com a

profunda mutação da arte que começou a acontecer desde o fim do século XIX. Tem-se a

partir de então, uma maior facilidade em ter acesso ao próprio suporte do desenho, o papel,

que, antes, caro e destinado a usos rentáveis, não estava disponível para o uso da criança. O

interesse em torno da arte infantil dá-se juntamente com o crescimento do interesse pela

desestruturação de todo um contexto rígido e cheio de formalidades que vigoraram até então.

O folclore, o artesanato, a produção dos primitivos e dos doentes mentais, valorizados em

função da pureza, espontaneidade e criatividade, nada deviam aos moldes e artes instituídas

como corretos e profissionais. Eram trazidos por pessoas estranhas ao mundo da arte. O

desejo de voltar ao ponto zero da criação, livre de amarras, era resgatado pela produção

infantil, que realmente estava desenhando e pintando pela primeira vez. É nesse, e graças a

esse ambiente cultural que se dá a descoberta e valorização do universo plástico e gráfico da

criança.

E é nesse mundo que nasce o mito, segundo Mèredieu, da espontaneidade infantil.

Não vincular a produção gráfica e a visão da criança ao seu meio, ao que ela vive, percebe e a

influencia seria um grande erro. Buscar significações e interpretações a todo custo também.

Teria havido até então uma supervalorização da exploração das questões psicológicas e

psicanalíticas, e outros aspectos, também importantes como os sociológicos e estéticos, ainda

não haviam sido abordados e mesmo entendidos como tal.


98

Os adultos vinham, na verdade, impondo à criança em suas interpretações e

formulações de regras à sua própria imagem da infância. Falar em não influenciar a atividade

criadora da criança sob nenhum aspecto seria algo impraticável, pois a criança nasce e se

desenvolve no universo adulto, que age sobre a criança, condicionando-a.

Mèredieu cita Arno Stern e suas questões referentes à importância maior das

formas, signos e estruturas, e não à representação ou o assunto. A criança pequena utiliza-se

de um repertório de símbolos gráficos, onde o que importa não é o tema, mas a expressão.

Sob as diferentes imagens encontram-se analogias formais, e o tema não passa de um pretexto

para a utilização de uma forma. Conforme a criança cresce e toma contato com o mundo,

entrando principalmente na idade escolar, aos sete anos, os signos começam a ter significados,

que aparecem sob a influência do mundo adulto. Utilizando-se agora do código gráfico

universal, a língua e a escrita, o processo de socialização presente transforma também o

desenho, que passa de expressivo a comunicativo. Mèredieu complementa que o desenho até

pode ser definido enquanto linguagem própria da criança, mas de uma significância própria,

com vocabulário e sintaxe exclusivas, ainda desconhecidas na verdade, até então, e que ainda

precisam ser alvo de muitos estudos.

Relativo ao processo de evolução psicomotora, atenta para o fato de a criança estar

em perpétua mutação, passando por constantes etapas de evolução e regressão, e que isso se

verifica através não de apenas um desenho isolado, mas de uma série que, para ter validade de

interpretação, deve ser avaliada dentro do contexto em que foi elaborada.

Questiona a série de etapas de evolução, buscadas e definidas pelos vários

especialistas que abordaram o tema. Propõe uma idéia inversa; porque a evolução sucessiva

do traço caminhava sempre em direção a um fim determinado, a figuração adequada do real, e

não como uma desgestualização sucessiva? Outra questão interessante é sua observação

acerca da representação em raios-X e plano deitado que a criança apresenta em seus desenhos.
99

Representação situada pelos especialistas na etapa em que a criança desenha aquilo que sabe,

misturando diversos pontos de vista, seria talvez, para a criança, a representação da noção que

ela tem de viver em um mundo simbiótico, onde as experiências que vivem são múltiplas e

indissociáveis dos personagens e objetos que ela vê.

Mèridieu seqüencia a evolução do desenho da criança não elaborando etapas, mas

abordando aspectos e tópicos.

Citando as etapas do rabisco, segundo Bernson, começa a explicar a evolução da

criança quando ela começa com o chamado desenho informal. É o borrão, o aglomerado, o

rabisco, feito pelo primeiro pelo prazer do gesto e só depois pelo prazer do efeito, conforme

outros autores já disseram anteriormente. É um momento decisivo, onde a criança percebe a

relação causa-efeito de seu gesto, realizando a partir daí o grafismo voluntário. Rabiscar,

borrar, sujar em um primeiro momento por razões instintivas e depois traçar, precisar,

progressar os movimentos motores.

O aperfeiçoamento motor, as formas que desenha, as primeiras combinações das

mesmas, a evolução dos traços circulares sem interrompimento do gesto para as linhas retas

verticais e horizontais e quadrados aparecendo por volta dos cinco anos demonstram uma

evolução progressiva sobre sua própria atividade gestual. Aparece então o que vinha sendo

pré-configurado a partir desses rabiscos, o boneco girino. Combina, enquadra e emoldura as

figuras. Depois se solta e as combina novamente, se preparando para o boneco dotado de um

corpo e quatro membros.

Primeira figura que pode ser lida entre os traçados, é uma projeção no desenho da

criança do seu próprio esquema corporal ou a demonstração do antropomorfismo da

mentalidade infantil, que anima personagens e objetos, que acabam sendo representados

esquematicamente como pessoas, dotados de alguma característica significativa que os

distinga.
100

Do boneco, signo privilegiado e egocêntrico, se derivam e se formam todas as

outras imagens do grafismo infantil. Passando para a etapa do boneco, a criança passa do

traço ao signo, distinção e aproximação entre um significado e um significante.

O processo de socialização que vem a seguir transforma o desenho de imaginação

em desenho de observação. No rabisco, apesar disso, o eu ainda predomina, assimilado ao

real, onde a criança procura marcar seu próprio poder sobre os objetos.

Principiando o processo de figuração, o rabisco voltado para o eu, narcisista, passa

para uma conduta onde a preocupação da criança se volta para a busca da semelhança com o

real. O que antes era lúdico passa a ser uma atividade que busca uma porta de acesso ao

universo adulto.

Descobrindo a possibilidade da representação do real por meio dos signos, a

criança passa a narrar e figurar através deles, e raramente utiliza agora a abstração.

Perguntando à criança “O que isso?”, o adulto acaba por reforçar ainda mais esse

comportamento.

Depois dessa etapa, dificilmente a criança utiliza o rabisco. O que antes era

utilizado em função do prazer da criança em manejar formas, cores e matérias sem

preocupação em figurar, pode ser comparado a uma encenação do corpo exprimindo-se e

soltando-se, dinamicamente.

Mèredieu lembra a questão da visão de espaço, que vem sendo imposto à criança

como o adulto o vê e como as teorias que vêm desde a Renascença o concebem. A criança o

experimenta de modo diferente, imaginário, existencial aberto e constituído pelo corpo.

O espaço gráfico, precedido por outros, é um espaço representativo para a criança,

de onde se origina o figurativo e que sempre está atrasado em relação ao perceptivo. O

desenho não resulta de uma simples transferência do espaço perceptivo, ela o cria e o

interpreta. A criança atribui grandeza afetiva aos objetos.


101

Suas elaborações de um espaço coerente se formam ao mesmo tempo em que a

construção da narração dos objetos. A visão infantil é caleidoscópica e simultânea.

Constituir esse espaço gráfico é uma conquista que se estende entre a

representação do objeto e do espaço, o rabisco se modifica. Há um momento em que o espaço

não mais se confunde com o objeto, se torna meio, suporte, a criança passa a dominá-lo.

Aparecem algumas características na representação desse espaço, o plano deitado,

a transparência, a sobreposição e o escalonamento dos planos.

O espaço topológico constitui o único espaço graficamente acessível, até os oito

ou nove, quando a criança começa a obter as noções de mecanismos euclidianos, grandeza e

forma. Aparecem muito nesta fase as inclusões de figuras dentro de outras, até haver a

dissociação continente-conteúdo com as percepções de continuidade-descontinuidade,

vizinhança, separação, envolvimento. Entre os espaços topológicos mais representados

encontra-se a casa, onde ela vive o espaço. E nela a criança projeta angústias e sensações do

próprio corpo.

A forma com que a criança representa a casa às vezes se apresenta como uma

evocação da casa dos seus sonhos, radicalmente diferentes de seu habitat natural. São

expressas aí as suas relações afetivas.

Mèridieu cita que Piaget distingue três fases na evolução do espaço:

1 Na incapacidade sintética, ou realismo fortuito segundo Luquet, a criança ignora

completamente relações projetivas, euclidianas, de profundidade. Relações

topológicas elementares começam a se organizar, e inacabadas, respeitam certa

relação de vizinhança entre as figuras, embora apresentem certas falhas quando

representam figuras mais complexas, ocorrendo justaposição entre figuras contínuas

e, por exemplo, representação de olhos fora do rosto e móveis fora da casa.


102

2 No realismo intelectual, fase que ocorre de oito a dez anos, apresentam-se relações

topológicas. Entram em conflito as noções desse espaço topológico com o

perspectivo que está começando a se formar, aparece aí a transparência do ponto de

vista topológico que não entra em conformidade com o espaço perspectivo. A

criança utiliza o plano deitado. Não há coordenação entre os elementos dispostos na

cena. Quando começam a aparecer, dizem respeito à alguns pormenores. O que irá

permitir adiante a figuração da perspectiva será a apreensão de uma relação entre o

sujeito e o objeto observado.

3 No realismo visual, que começa a aparecer entre os oito e nove anos, a criança passa

a se preocupar com distâncias, proporções e pontos de vista.

Mèredieu questiona se o aparecimento da perspectiva é uma etapa realmente da

evolução do desenho ou um resultado de um condicionamento sócio-educativo da civilização

ocidental.

Sobre os estudos psicológicos do desenho, Mèridieu levanta dúvidas e questões

muito pertinentes; a utilização de fórmulas para a leitura da disposição de traços, linhas,

formas, distribuições de espaços, escolhas de cores, repetições de motivos ou ausência deles.

Tudo parece muito simplista e contestável e esses elementos só poderão ser lidos com maior

precisão se colocados e avaliados dentro do contexto desenho-autor-meio, no campo de suas

tensões e oposições formais, interiores e sociais.

Entre as distinções sensoriais e racionais oscilam as produções infantis, dois

pólos do psiquismo que não podem ser utilizados de maneira rígida, sem considerar suas

transições.
103

Sobre o desenho como instrumento de diagnóstico para testes de

inteligência e personalidade, Mèridieu cita os testes de Goodnough, da Casa (por F.

Minkouska) e da Família. Concorda que o desenho realmente reflete as inibições, os

distúrbios de inteligência e comportamento da criança, e que utilizá-lo como método de

projeção é válido. Mas critica as abordagens preocupadas em classificar e reduzir por

assimilação com tipos, mais do que compreender, fabricados pelo adulto.

Utilizado como a ferramenta de apoio no tratamento psicanalítico, Mèridieu cita o

fato de que Freud, no começo da psicanálise só se utilizou o desenho uma vez. Sem

metodologia, como parte de uma análise dos sonhos e das angústias expressadas pela criança.

Não era ferramenta principal, era apoio. Freud se mantém reticente quanto à aplicação de

tratamento analítico às crianças.

Quem, segundo ela, fundamenta métodos e estatutos à psicanálise infantil é

Mélanie Klein. (KLEIN, 1968, p. 173 apud MÈREDIEU, 1974, p. 73) Utilizado por Klein

junto com as atividades de brincar, a expressão gráfica e plástica adquirem caráter lúdico,

dentro de uma teoria de expressão figurativa.

Sophie Morgenstern, (MORGENSTERN, 1937, p. 73 apud MÈREDIEU, 1974, p.

75) psicóloga francesa, conclui através de estudo que é o inconsciente que preside a

elaboração do desenho, que apresenta analogias incontestáveis com o sonho, onde encontram

a mesma simbologia no desenho.

Dolto (DOLTO, 1939, p. 153 apud MÈREDIEU, 1974, p. 77) afirma que através

do desenho é possível entrar no cerne das representações imaginativas da criança.

Afetividade, comportamento interior e simbolismo são mais bem compreendidos através do

desenho que serve de orientação para as conversas com as crianças.

Esses analistas insistem no parentesco profundo entre o desenho e o sonho,

identidades parecidas, de estruturas e de função; há uma dramatização, condensação e


104

deslocamento envolvendo o processo. A expressão gráfica e o sonho se complementam e na

ação conjugada dos três processos atribuídos a eles mostra que há símbolos que podem ser

decifrados mutuamente. Mais uma vez, relativo a esse tipo de teoria, Mèridieu atenta para

necessidade de contextualização das interpretações.

Contestando o que chama de mito de espontaneidade infantil, muito defendida por

autores que ditaram os conceitos da época anterior, como Lowenfeld e Read, Mèridieu expõe

sua visão sobre esse assunto afirmando ser realmente impossível acreditar em uma expressão

pura e espontânea. O grau de sensibilidade das crianças às influências exteriores varia em

função da idade, e embora enquanto pequena possa escapar delas, logo ela se encontrará

integrada em um universo amplo de informações e estereótipos sociais profundos. Ela irá

comportar em sua conduta e também na sua produção gráfica os clichês e imagens

emprestadas. Há uma dificuldade muito grande em se manter os métodos de expressão livre

no contexto em que a criança está inserida.

Acaba por acontecer, após a entrada da criança na escola, uma imposição de

símbolos que a própria escola traz, devidamente classificados: flor, árvore, passarinho, casa.

São os códigos que ela passa a incorporar. Os temas se empobrecem e tudo o que não entra

nesses padrões simbólicos são apontados como desvio, inquietante signo que aparece ali por

algum motivo. Em contrapartida à uma proposta inicial de liberdade, acaba acontecendo uma

verdadeira limitação.

Mèridieu critica os ateliês de desenho (ou escolinhas de arte, como chamado no

Brasil) instituídos mundo afora a partir das idéias da livre expressão. Reconhece a proposta de

libertar a criança, liberá-la da influência social e familiar, reduzir ao máximo as intervenções

do adulto, para que possa se expressar livremente, mas o define como um método que se a

princípio pareceu generoso, revelou-se ambíguo e mal definido. Não adianta oferecer à

criança uma liberdade na produção artística se ela, habituada com métodos de educação
105

tradicional não suporta a proposta. Insiste que é impossível preservar a criança longe das

influências, o que fatalmente se dá. Verifica o sucesso do ateliê se faz de acordo com as

questões reativas à maneira pessoal que o professor o dirige e das particularidades do próprio

grupo constituído pelas crianças.

Escrito em 1974, o livro de Mèridieu aborda novos fatores que

anteriormente não faziam parte do mundo das crianças, publicidade, cinema, televisão,

revistas em quadrinhos. Esses novos fatores são agora parte do que a criança acaba

expressando graficamente. Essa influência de uma mídia que passa a fazer parte criativa do

dia-a-dia da criança faz com que ela mude os signos. Os temas Papai Noel, Páscoa, datas

patrióticas retornam ciclicamente aos temas abordados no desenho, e eles são enxertados nos

elementos do repertório infantil. Testemunhando sua época, o desenho torna-se um eco dos

acontecimentos. A vida social e política que a criança percebe a seu redor são expressas em

seu grafismo, onde utiliza um conjunto de estereótipos culturais, profundamente marcados

pela ideologia da classe social e do país a que ela pertence.

Mèridieu conclui dizendo que para se compreender a “civilização infantil”,

seria preciso “limpar as portas da percepção, liberar-nos deste saber livresco e esclerosado

que mascara a estrutura do novo mundo onde já vivemos”. (PIERRE-YVES, p. 508-509 apud

MÈREDIEU, 1974, p. 111)

A análise de Mèredieu é extremamente válida para o processo do

desenvolvimento do estudo do desenho infantil, pois ela, com sua análise crítica, abre portas

para novas discussões e conclusões.

Apontando a teoria da livre expressão como mito, ela dispara abertamente contra

as idéias instituídas até então, e lança novas luzes à questão. Mostra que, realmente, é

impossível desassociar criança-cultura, e que sua produção é influenciada pelo meio e pelas

expectativas desse meio em relação ao produto gráfico infantil.


106

Isso nos leva a considerar o fato de que o adulto precisa aprender a compreender

melhor o universo infantil.

Escolhida para ser a segunda obra mais atentamente abordada nesta monografia,

Mèredieu, em toda a bibliografia analisada, seria um divisor de águas entre dois períodos. Ela

está situada entre o antes e depois do início dos questionamentos sobre a teoria da livre

expressão.
107

XI - ABORDAGENS ATUAIS

Nos anos 80 do século XX, podemos encontrar um número incrivelmente grande

de pessoas envolvidas em estudar e investigar as mais diversas questões referentes ao

conhecimento humano, em comparação às décadas anteriores. Com a instituição da era da

informação e uma maior democratização do estudo científico, fica mais difícil citar um

estudioso que revolucione ou contribua decisivamente para a elaboração de uma teoria. Nesse

momento, buscar identificar individualmente os estudiosos torna-se uma tarefa impossível,

pois são agora muitos os responsáveis pelas verificações e colaborações às novas descobertas

acerca de um assunto.

No Brasil, referente ao estudo de desenho infantil, destacam-se muitos nomes,

assim como em todo o mundo. As abordagens que poderiam ser feitas a partir desse ponto são

tão diversas que se bifurcariam em incontáveis pesquisas. Os fatores que são agregados agora

ao desenvolvimento infantil levantam inúmeras questões a se investigar. Como essa

monografia se propõe a uma investigação ampla e histórica das abordagens acerca do tema O
108

desenho da criança, e começou sua busca em um âmbito internacional, ela abordará nesses

capítulos finais ainda as colaborações vindas dos Estados Unidos e Europa.

É importante registrar que a amplitude do assunto alcança campos maiores a partir

dos anos 70, e que em nosso país podemos encontrar ricas e pertinentes contribuições feitas

por pesquisadores, professores e psicólogos como Ana Mae Barbosa, Analice Dutra Pillar,

Edith Derdik, Lucia Reily, Maria Fusari, Maria Heloisa Ferraz, Fayga Ostrower, Ana Albano

Moreira, Maria da Graça Azenha, e tantos outros.

Internacionalmente, colaborações aos atuais posicionamentos científicos quanto

ao desenho da criança e suas vertentes são feitas por estudiosos como Marjorie e Brent

Wilson, Jaqueline Goodnow, Howard e Beatrice Gardner, Norman Freeman, Ernest

Gombrich, Pierre Francastel, Sofia Morazova, Maureen Cox, nomes também entre uma

infinidade de outros pesquisadores.

Howard Gardner é um pesquisador americano que nos dias de hoje tem exercido

muita influência nos estudos acerca da inteligência. Gardner apresenta novas conclusões em

sua teoria sobre as capacidades humanas, partindo do princípio que a inteligência é complexa

demais para que os testes escolares comuns sejam capazes de medi-la. A base desses testes se

fundamenta na idéia tradicional de que a inteligência é uma só e varia de nível de pessoa para

pessoa. Gardner se contrapõe a isso, afirmando que há diferenças entre os tipos de

inteligência.

Em 1983, no livro Estruturas da Mente, ele definiu sete inteligências: 1) lógico-

matemática, 2) lingüística, 3) espacial, 4) corporal-cinestésica, 5) interpessoal, 6) intrapessoal,

7) musical. Em uma obra mais recente, Inteligência, um conceito reformulado, Gardner, diz

que a inteligência deve ser abordada conceitualmente, sem que se inclua todas as faculdades

humanas, ou abarque somente as especificidades. Ele descreve mais quatro novas possíveis
109

inteligências: 1) naturalista, 2) espiritual, 3) existencial, 4) moral. (GARDNER, 1999, p. 78

apud FOLIO, 2000)

Gardner, através de um estudo minucioso contribui com os conhecimentos acerca

da produção infantil, apresentando as seguintes conclusões referentes as etapas:

1 A fase pré-operacional de Piaget pode ser classificada em ondas de simbolização,

onde na primeira, entre os dezoito meses e dois anos, a criança capta símbolos, sendo capaz

de entender a existência de eventos, ações e objetos.

2 A onda de mapeamento topológico, ocorre durante os três anos, quando a criança

entende relações de tamanho e formas advindas do símbolo que ela visualiza, por exemplo,

dois círculos encostados um ao outro, podem representar uma cabeça e um corpo.

3 Com cerca de quatro anos, ocorre a terceira onda, o mapeamento digital, quando a

aptidão da criança caracteriza-se por captar quantidades e números com relativa precisão,

ativa a percepção das relações espaciais, e lógico-matemáticas.

4 Em torno dos cinco, seis ou sete anos, as crianças são capazes de desenhar símbolos

que representam as lembranças de momentos passados, ou de alguém, o que seria a onda final

de simbolização. (GARDNER, 1994, p. 68-69 apud FOLIO, 2000)

Em As artes e o desenvolvimento humano, dedica um capítulo à criança pequena

como artista. Para Gardner, há noções ou sensos que já se encontram presentes na criança

pequena: ela já aprecia e compreende as mensagens transmitidas pelos objetos de arte; há

senso de ritmo e harmonia, necessitando de um pouco de refinamento. A criança de cinco

anos já é capaz de “experienciar sentimentos quando contempla objetos simbólicos e de

apreciar a linha entre realidade e ilusão” (1997, p. 180). Posteriormente atingirá o grau de

jovem artista e jovem executor, tendo então desenvolvido muito de seu potencial artístico por
110

ter entrado em contato com estas produções da humanidade. Quanto a isto, sobretudo os bem

pequenos, imprimem em suas produções grande parte de sua personalidade, o que para

Gardner, permite-nos conhecê-las melhor. O desenho surge aí como uma das linguagens,

assim como as pinturas, para análises do desenvolvimento e da personalidade infantil.

Segundo pesquisas de Gardner, a criança ao iniciar o ensino formal - por volta dos

sete anos - trás consigo rigorosos cerceamentos, tanto neurobiológicos como convicções sobre

as coisas e seu funcionamento, preconceitos e estereótipos poderosos. Já nessa idade a criança

assimilou valores e metas de sua cultura. Neste contexto, a história da arte de todas as culturas

em geral e a arte do nosso século em especial, oferecem-se como instrumento poderoso para

um entendimento mais diversificado da realidade multicultural. Permitem à criança se

familiarizar com modelos inexistentes em geral em seu ambiente doméstico, particularmente

no de famílias de baixa renda. (GOBBI; LEITE, 1999)

Gardner é um dos estudiosos que dirigem o Projeto Zero, um grupo de pesquisa

da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Uma das questões estudadas nesse projeto é

a idéia que as atividades artísticas são vistas como ocasiões para atividades mentais. A pessoa/

criança que transita pela arte teria condições de desenvolver suas capacidades cognitivas da

mesma maneira que aquela estimulada pela ciência e pela matemática. Baseado nisso, no livro

Inteligências Múltiplas, Gardner chama a atenção para algumas questões importantes

referentes à educação artística da criança.

1 Afirma que abaixo dos dez anos, as atividades de produção das crianças devem ser

centrais em qualquer forma de arte. Ativamente envolvidas no assunto, aprendem

melhor. As crianças que demonstrarem talento para perceberem os componentes ou

padrões de um objeto artístico devem ter a oportunidade de descobrirem isso


111

sozinhas, o que Gardner observa ser um legado da teoria de Lowenfeld, sendo

utilizado em uma época mais disciplinar.

2 Atividades perceptivas, históricas, críticas ou periartísticas devem estar

estreitamente relacionadas e mesmo emergirem da própria produção da criança.

3 Os professores envolvidos nas aulas de arte necessitam possuir profundos

conhecimentos para que possam não apenas introduzir os conteúdos através da

linguagem ou da lógica, mas também através de seu pensar.

4 Motivar, envolver e encorajar o aluno a aprender arte através de projetos

significativos, dentro de períodos significativos de tempo, onde possa haver

desdobramentos em discussões e reflexões.

5 Expor a criança continuamente a vários níveis desenvolvimentais, conceitos

nucleares como estilo, composição ou gênero e problemas recorrentes como

executar uma passagem musical com sentimento ou criar uma imagem artística

poderosa. Isso desenvolvido dentro de um currículo seqüencial no sentido de

revisitar os conceitos e problemáticas de maneira gradativamente mais sofisticada.

6 Avaliar respeitando as inteligências específicas envolvidas, partindo de que a

aprendizagem artística não se refere meramente ao domínio de habilidades ou

conceitos. Os alunos precisam perceber que sua reflexão pessoal é respeitada.

7 Trazer para os alunos a compreensão de que as artes estão permeadas por questões

de gosto e valor. Questões que importam para aqueles que se envolverão seriamente

com as artes, e que trazidas a eles de maneira não autoritária ou impositiva, estejam

sempre abertas à discussões e pontos de vista diferenciados.

8 Gardner coloca que a educação artística é importante demais para ser deixada a

cargo de apenas um grupo, sendo na verdade um empreendimento cooperativo onde

é necessário o envolvimento de toda a comunidade escolar.


112

9 E que por fim, apesar de que, em termos ideais, todas as formas de arte devessem ser

estudadas pelos alunos, isso em função do tempo seria impossível. Então, a proposta

de que pelo menos uma fosse desenvolvida de forma mais ampla, podendo ser a

visual, a musical, corporal ou dramática. Pois seria melhor para o aluno poder saber

o que é pensar em alguma forma de arte e optar por assimilar as outras adiante do

que conhecer todas superficialmente sem que nenhuma contribua para sua formação

consistentemente.

Desses conceitos, nasceu em 1985 a proposta do ARTS PROPEL9, que busca

desenvolver uma série de instrumentos de avaliação que pudesse documentar a aprendizagem

artística durante o período final dos anos elementares e no segundo grau. Em paralelo, foram

desenvolvidas também propostas e módulos curriculares para serem vinculados aos

instrumentos de avaliação. Eram os projetos de domínio, uma série de exercícios, com

elementos perceptivos, produtivos e reflexivos para cada área artística. O ARTS PROPEL se

tornou um programa educativo e atualmente tem sido testado e utilizado não só nos Estados

Unidos como fora dele. (GARDNER, 1995, p. 122-133).

A tendência para abordagens que levam em conta as capacidades individuais, com

as classificações generalistas cada vez sendo menos utilizadas, se faz muito presente nos dias

de hoje.

Gardner, com seus estudos, está influenciando bastante o pensar sobre os

processos cognitivos humanos, e as colaborações de estudiosos em educação estão cada vez

mais presentes junto ao estudo do desenho infantil, pois a expressão da criança através do que

ela desenha, sua expressão artística, vem sendo considerada tão importante quanto a

matemática ou a lingüística. Isso pelo menos no campo científico. A assimilação dessas idéias

e sua prática é algo que ainda está por acontecer.

9
Propel significa propelir, impelir, impulsionar.
113

O trabalho de pesquisa desta monografia cita não somente estudiosos ligados ao

estudo específico do desenho, mas também estudiosos da educação com Piaget e Gardner.

Isso é necessário porque, inegavelmente, quem estuda o desenvolvimento da criança não pode

deixar de lado o aspecto de sua linguagem gráfica. Sempre que alguém se propõe a estudar a

criança e seus mecanismos de interação, assimilação do mundo e desenvolvimentos mentais,

nota e leva em consideração que o desenho se faz presente como valiosa colaboração ao

entendimento do que a criança é.

Gardner é um exemplo disso. Suas propostas quanto à maneira da arte ser

ensinada a criança e de como o sistema teria que se preparar para que isso efetivamente

aconteça é um reflexo das tendências da educação na atualidade.Valorizando a arte tanto

quanto a ciência e a matemática, vemos através da proposta de sua proposta que, um ensino

direcionado a capacitar o aluno a pensar, analisar, criar mecanismos próprios de avaliação

através do contato e interação com o conhecimento, poderá contribuir muito para a formação

do indivíduo em todos os aspectos.

Apesar de dizer que a criança que apresenta o talento para o desenho, o chamado

dom, para perceber mais facilmente a arte e seus mecanismos, deve ter a oportunidade de

descobrir algumas habilidades sozinhas, deixa claro que, há a necessidade sim, de que ela

tome contato com o conhecimento formalizado.

Gardner não levanta questões específicas sobre a produção gráfica da criança,

como a maioria dos autores abordados nesta monografia, mas suas opiniões são importantes

para entendermos que, de acordo com a postura que tomamos sobre a maneira com que

direcionamos o contato da criança com a arte depende de muita preparação e busca de um

conhecimento por parte do próprio adulto, que deve ter consciência da importância do

desenvolvimento dessa capacidade e saber como facilitar o acesso da criança à esse

conhecimento. O adulto tem influência direta nesse processo.


114

XII – O DESENHO DA CRIANÇA POR MAUREEN COX

O tempo que uma idéia leva para ser assimilada e entendida hoje é menor do que

há cinqüenta anos atrás. A facilidade de acesso à informação facilita a circulação dessas

idéias, embora ainda seja muito difícil quebrar paradigmas estabelecidos.

Os estudiosos da educação de hoje falam em desenvolvimento de competências,

que é a faculdade de mobilizar diversos recursos cognitivos (saberes, capacidades,

informações, etc) para a solução de uma série de situações. (PERRENOU apud NOVA

ESCOLA, 2002, p. 21) Criticam a fragmentação feita pela escola do currículo escola, onde a

divisão do saber em áreas acaba priorizando certos conteúdos. E para que isso seja

modificado, defendem uma integração entre os saberes, que devem ser vistos de uma maneira

global e interligados, favorecendo uma melhor contextualização sobre o que é ensinado

formalmente e a vida. (MORIN apud NOVA ESCOLA, 2002, p. 22) Propõe currículos que

contemplem os temas transversalmente, que devem estar presentes em todas as disciplinas e

séries. (COLL apud NOVA ESCOLA, 2002, p. 21) Atentam para a necessidade de um maior

respeito às características sociais e culturais de cada um e da necessidade de desenvolvimento


115

das capacidades críticas e de interação maior com o mundo. (TORO apud NOVA ESCOLA,

2002, p. 21)

O mundo está mudando sua visão de si mesmo e hoje, a criança toma contato com

ele de maneira mais direta e precoce que há anos atrás. Há uma aceleração do processo de

conscientização da criança sobre as pessoas e seu meio, e isso, com certeza pode-se verificar

na sua expressão e desenvolvimento gráfico.

A análise do desenho infantil e suas implicações atuais são trazidas a esta

monografia pelo trabalho de uma psicóloga americana. Escrito em 1995, este O desenho da

criança, de Maureen Cox, autora de uma vasta bibliografia que aborda a representação gráfica

atualmente, é o último dos três livros referentes ao desenho infantil que será abordado neste

trabalho de pesquisa.

Através de seu livro tomaremos contato com as mais recentes abordagens feitas

sobre o desenho infantil nos anos 80 e 90. Autores que se destacaram nesses estudos são as

ferramentas de apoio utilizadas por Cox para nos apresentar novas abordagens sobre o tema,

onde ela, em combate direto frente à proposta de liberdade que dominou e ainda domina o

ensino, e a visão que o adulto tem do papel do desenho, nos mostra sua opinião de que a

educação artística da criança deve ser norteada pela busca do desenvolvimento criativo sim,

mas através de um ensino formalizado, onde a proposta se baseie em auxiliá-lo a conquistar

essa criatividade através do domínio de uma habilidade técnica, passada à criança pelos seus

pais e professores.

Primeiramente situando o assunto em sua perspectiva histórica, cita como

principiou o interesse e os estudos formais a partir das teorias de Rousseau.

Analisa os motivos os quais influenciaram a atual visão dos adultos, pais e

professores em relação ao desenho infantil.


116

Cox, assim como Méredieu, não se prende a fases rígidas do desenvolvimento do

traço infantil, mas analisa detalhadamente todo o processo, questionando conclusões

anteriores e citando pesquisas que comprovam suas observações. Faz sua análise da utilização

do desenho como instrumento na área de psicologia. Apresenta o trabalho de pessoas que já

estão utilizando as novas propostas que surgem em como direcionar o aprendizado do

desenho pela criança na atualidade.

Ela inicia o livro comentando o fato de a maioria das crianças pequenas

demonstrarem prazer e interesse em desenhar, e que isso é utilizado em sala de aula pelos

professores, que acreditam que a atividade artística é parte importante do desenvolvimento

infantil. Observa que as crianças se preocupam muito com o fato de conseguirem desenhar

objetos identificáveis, agrupando esses objetos na página de forma ousada e decorativa, não

se importando com proporções anatômicas. Essas representações não precisam de ensino

formal, são adquiridas ou inventadas. A criança desenvolve um jeito próprio de desenhar uma

variedade de objetos comuns, com um tipo de esquema ou fórmula para cada objeto,

formando aí um repertório razoavelmente grande, que compõe os desenhos tão característicos

da criança.

No fim da infância, entretanto, a criança toma parte de um processo em que há

uma grande relutância em desenhar, e quando o faz, tenta meticulosamente elaborar imagens,

usando régua e borracha. O adulto então, se solicitado a desenhar, se esquivará, e se o fizer, o

que se apresentará é uma notada falta de habilidade, o que não seria concebível se essa falta

de competência se aplicasse a outros aspectos, como ler, escrever ou fazer contas. Mas não há

problema neste fato, ele pode viver muito bem sem desenhar. Como muitos autores afirmaram

anteriormente, Cox atribui isso ao fato da necessidade que a criança começa a apresentar, aos

oito ou nove anos, a necessidade de representar não somente desenhos identificáveis, mas

também visualmente realistas. Donas agora de uma autocrítica e expectativas extremamente


117

grandes e fortes, se não conseguirem serem bem sucedidas em suas aspirações, o desenho fica

relegado a segundo plano. O importante, o objetivo, é conseguir fazer ficar parecido,

desenhar a partir do que se vê ao vivo. Para atender a essa necessidade que a criança passa a

expressar, é necessário ensinar a ela de maneira mais estruturada as técnicas necessárias para

atingir tais construções. Geralmente, elas não recebem o auxílio que precisam, e ficando sem

poder atender seus próprios padrões, agora exigentes, que impõe a si mesmas, acabam por

concluir que não sabem desenhar, se tornando enfim, um adulto que não sabe desenhar.

Cox coloca as razões pelas quais a criança não recebe essa informação

formalizada que solicita. Pais e professores, também inábeis, não se interessam ou possuem

confiança necessárias para ajudá-las. Muitos consideram a habilidade artística um dom, que

definitivamente se possui ou não. O ensino deve ser oferecido do apenas a essas crianças,

ainda em fases posteriores, afinal elas são promessas artísticas e nesse caso, vale investir

nelas. Outro fator seria o fato de a sociedade ocidental não considerar importante para pessoas

comuns a capacidade da representação realista. Cox cita que em outras sociedades isso não

acontece. Na chinesa as crianças ainda bem pequenas apresentam desenhos bem sofisticados.

No Reino Unido até a segunda guerra mundial o ensino formal do desenho ocorria no

currículo básico escolar.

Este cenário se fez pela divulgação da crença, já citada anteriormente, da

necessidade de oferecer à criança a oportunidade da auto-expressão, não sendo direito a

interferência ou direcionamento realizada pelo professor. A necessidade do desenvolvimento

criativo da criança exigiria total ausência de envolvimento do adulto no processo de criação

da criança. Cox critica essa postura adotada até hoje pelo sistema educacional, questionando

porque não se adota essa mesma postura a outras matérias como línguas ou música. Atenta

para o fato de que as artes oferecem, sim, uma oportunidade para as crianças inventarem e

experimentarem suas próprias idéias, o desenvolvimento de uma genuína criatividade. Mas,


118

por outro lado diz ser importante, em determinado momento, um direcionamento, o que

parece ser totalmente condenável até hoje.

O que se verifica realmente, é que o processo estagna, e que desenhar não é uma

simples questão de auto-expressão espontânea, mas há uma necessidade do aprendizado e

assimilação de habilidades e técnicas básicas.

Nos primeiros anos é possível aprender com pouco ou nenhum ensino formal, mas

quando a idéia do que constitui o desenho, para a criança entrando na adolescência, não se

conclui, ela passa a acreditar que é incapaz, e o interesse é abandonado por completo.

Cox define, ao longo do livro, baseado em conceitos e observações feitas através

de muita pesquisa, tanto desenvolvidas por ela, quanto por outros estudiosos, como começa o

processo de descobrimento dos traços e adiante como se chega à produção da representação

dos objetos reais. Cox utiliza como exemplo constante a observação que faz do processo de

desenvolvimento de sua filha, Amy.

Começando pelo rabisco da criança, Cox cita o conceito elaborado por Bender

(1938), e que se firmou como realidade por muitos anos de que o prazer da criança em

rabiscar provinha unicamente dos movimentos rítmicos do braço, sem que a aparência dos

traços importassem para a criança. Ela discorda citando Gibson, (1969) que em pesquisa

afirma que os traços são importantes, e que se a criança receber um objeto parecido com um

lápis, mas que não deixe marcas, ela perde rapidamente o interesse pela atividade toda. Não

parece, entretanto, preocupada em preservar seu trabalho, e cobre traços anteriores rabiscando

sobre eles.

A criança produz traços ondulados e parece meio que surpresa com eles, o que

demonstra que de início não foram intencionais. Vai com a prática desenvolvendo controle

para manter esses rabiscos dentro dos limites do papel. O que antes eram traços largos,
119

abrangentes, se tornam mais controlados. Ela gradualmente o controla, buscando dominar

determinadas formas.

Cox cita os estudos de Kellog (1970), sua identificação dos vinte tipos de rabiscos

básicos da formação dos diagramas, combinações e conjuntos e sua progressão até chegar a

figurar a partir deles a primeira construção das figuras humanas e dos que se seguem a partir

deles. A contestando, no entanto, baseia-se nas observações de outra estudiosa, Claire

Golomb (1981). Apesar dessas idéias de componentes no desenho apresentadas por Kellog

pareça oportuna e convincente, identificam-se problemas. Nem todas as crianças apresentam

essas várias formas intermediárias. Elas muitas vezes produzem rabiscos básicos até fazerem

os desenhos figurativos. Colomb verifica em estudos que apenas 4% de um universo de 250

crianças entre cinco e oito anos pesquisadas apresentaram os rabiscos e os diagramas. O que

para Kellog parecia simples e óbvio, não se apresentava tão esquematizado assim. Golomb

concorda em uma representação mais amplamente utilizada pelas crianças em duas das

categorias de rabiscos apresentados por Kellog: os redemoinhos, laços e círculos e as

múltiplas linhas paralelas, dispostas densamente.

Reforçam a opinião de que não há a necessidade de se passar por uma elaborada

fase de rabiscos até se chegar à fase mais figurativa, pesquisas realizadas por Alland (1983),

Gardner (1980), Millar (1975), Morris (1967) Allend e Beatrice Gardner (1978).

Dannie Wolf e Martha Danes Pery (1988) descrevem as primeiras representações,

como representações baseadas em um objeto, destinadas a representar relações e

acontecimentos do mundo real. É um simbolismo não convencional.

Em seguida aparece uma representação gestual, segundo Wolf e Reny ou

representação da ação. (MATTHEWS, 1984, 1989, 1991) Isso se dá por volta do segundo

ano de vida, onde elas interagem com o que representam, saltitando uma caneta hidrográfica
120

pela folha, dizendo coelhinho e criando uma trilha de pegadas pontilhadas, ou fazendo um

zumbido, enquanto traça várias voltas pela página.

Por volta de vinte meses, as crianças começam a fazer traços para representarem

um objeto inteiro ou uma pessoa. Alguns nomeiam essas representações, antes ou depois de

executá-las, mas não há semelhança perceptível pelo adulto em relação com o objeto real.

Talvez elas os nomeiem simplesmente por imitação do comportamento adulto.

Não sabem como construir a figura, mas captam a idéia que pode nomeá-las. Captam também

vários aspectos nesse negócio de fazer desenhos. Sabem que cada parte de um objeto pode ter

seu próprio traço ou forma. Adquirem boas noções de como as formas podem ser dispostas na

página, apesar de terem certa dificuldade de organizar esse conhecimento espacial. Cox

sugere que nesse momento, o adulto passe a ajudá-los a lembrar onde e que partes precisam

colocar como forma de explorar um conhecimento latente. Às vezes, neste período, elas

notam em seus rabiscos espontâneos uma semelhança casual com algo que elas conhecem.

Elas não intencionam desenhar algo a princípio, mas depois de fazê-lo, reinterpretam e

acabam revelando aí um novo significado. Em seguida, em um outro momento, elas

desenham por acaso uma forma básica de um pássaro, e reconhecendo depois, a possibilidade,

ela intencionalmente lhe acrescenta suas outras partes. Esse é o período realismo fortuito,

segundo a classificação já conhecida de Luquet.

Cox sugere que o adulto incentive a criança nesse período, induzindo-a a

descobrir semelhanças entre as formas que produz e os objetos reais. Assim, a partir daí, a

criança passa a desenhar essa semelhança intencionalmente. Ela exercitará agora, os tipos de

linhas e formas para utilizar nos novos objetos a serem desenhados.

A busca de uma semelhança visual se relaciona com o movimento do objeto ou

sua função. A forma desenhada não é mais um símbolo arbitrário. As crianças estão

empenhadas em resolver como fazer os traços no papel de modo que possamos reconhecer
121

seu significado. Cox cita Jacqueline Goodnow (1977) que chama esse processo de busca de

equivalentes.

Quando começam a fazer os desenhos figurativos, elas não abandonam

definitivamente os rabiscos. Elas retrocedem e avançam várias vezes, pois a produção de uma

forma figurativa é algo que exige muito esforço. E ela se utiliza dos rabiscos vez ou outra

tanto para se distrair, experimentar e desenvolver novas maneiras de usar linhas ou retomar a

satisfação de fazer algo que já domina bem, como compensação do esforço que ainda há por

vir na tarefa de tentar figurar.

Antes de abordar as primeiras formas reconhecíveis, que no caso são referentes à

figura humana, Cox trata das linhas. Nessa transição de rabiscos para figuração, se deparando

com o fato de como usar as linhas e formas que ela já domina para criar semelhança com os

objetos reais, surgem os mesmos esquemas ou unidade gráfica. (GOODNOW, 1977)

As crianças fazem uso das regiões, nome dado por Joelm Willats (1985-1987) a

uma área englobada por uma linha e das linhas, buscando nessas duas representações

desenhar partes. Essas regiões se encompridam e as linhas únicas passar a serem reservadas

para elementos como fios de cabelo. Usam também os pontos.

O contorno oclusivo, termo utilizado por David Mar em 1977, denota o limite

externo do círculo (as bolas) desenhado sobre o fundo. A região englobada pela linha

representa a superfície do círculo (ou bola). Para a criança essa linha circular representa toda a

superfície da bola, mas o espaço dentro da linha representa o interior da bola. A criança

quando aprende a modificar a forma das regiões, passam a usá-las onde forem adequadas, em

lugar de linhas únicas, mas a princípio essas regiões são usadas para representar todo o

volume do objeto, e somente mais tarde, ela as utiliza para representar alguma parte ou o total

da sua área externa; somente em um terceiro momento a região começará a ser usada como
122

contorno oclusivo, mostrando apenas a parte da superfície do objeto que pode ser vista a partir

de determinado ângulo de observação.

Segundo conclusões de Emiel Reith (1988) essas relações de construção do

espaço ainda são muito confusas para a criança, e a compreensão das linhas oclusivas e a

capacidade de usá-las são muito raras até oito ou nove anos.

Esse desenvolvimento do uso da linha como contorno oclusivo é o que capacita a

criança a representar objetos em termos de realidade virtual captada com os olhos, passo

essencial para o desenho realista.

Os primeiros desenhos da figura humana surgem por volta dos três anos e se

mantém como um dos temas preferidos da criança até os dez anos em média.

Começam desenhando as figuras de girino ou cefalópodes. Neste princípio, os

estudiosos não chegaram a uma conclusão se, a linha única que envolve uma área

aproximadamente circular, o corpo, tem em si representada somente cabeça ou se o tronco

está ali presente. Cox concorda com a teoria de Goodnow (1977), de que a barriga é colocada

pela criança simplesmente na parte que seja mais longa, o círculo ou as pernas. Quando a

criança passa a representar com mais freqüência a figura onde o círculo representa apenas a

cabeça e os detalhes, como barriga e braços ficam mais deslocados para baixo, segundo vários

autores (LUQUET, 1927; ARNHEIM 1974; FREEMAN, 1980; COX E PARKIN, 1986)

acredita-se ser essa a transição entre a forma girino e a convencional.

Para a criança coordenar, reconhecer e lembrar de todas as formas utilizadas para

representar a figura humana, ela tem que descobrir que partes são usualmente incluídas e que

partes são opcionais. Para isso ela precisa utilizar uma complexa coordenação de

conhecimento e habilidade.

Aparecem nessa transição problemas como ela não saber desenhar determinado

detalhe ou onde encaixá-lo. Cox sugere que os adultos ajudem as crianças na construção desse
123

desenho e apresenta alguns resultados de pesquisas já realizadas com crianças entre dois e seis

meses e três anos e cinco meses, onde esse empurrãozinho demonstra que as crianças não

possuem grandes dificuldades em conceber a figura humana, amontoando-a a partir de seus

seis segmentos básicos: 1) cabeça, 2) tronco, 3) dois braços, 4) duas pernas.

Cox diz que, embora saibam montar corretamente, na hora de seqüenciar parte a

parte, a criança acaba por esquecer ou uni-las em lugares errados. Sugere que o adulto

interfira ditando às crianças as partes enquanto desenham. Tendo efetuado pesquisa

executando o que sugere, com crianças de idade média entre três anos e dez meses, chega à

conclusão que a maioria das crianças acrescentam as partes conforme lhes é ditado, mas que

elas não conceberam ainda que o corpo tem seu contorno separado abaixo da figura e que

aquelas que desenham o corpo com contornos fechados, não utilizando grandes segmentos

como os desenhados convencionalmente por adultos.

Em uma etapa adiante, Cox pesquisa os resultados obtidos em se oferecer a

criança uma figura humana completa para cópia. Elas não conseguiram. Foi preciso que, na

tarefa de copiar, as crianças vissem como cada parte é desenhada e integrada na figura. Os

resultados demonstraram que a cópia passo a passo ajudou as crianças, desenhistas do girino,

a entender como a figura humana é convencionalmente desenhada, mas que em um exercício

seguinte, em um dia diferente, boa parte deles não manteve o esquema copiado, retornando à

etapa do girino. Finalizando uma questão da pesquisa, Cox verificou que as crianças

desenhistas do girino não apenas relutaram em seu próprio modo de desenhar a figura humana

como também demonstram ter preferência por ele e não atribuir valor à outras formas que as

crianças de outras idades utilizam para os produzirem. Em sua concepção, ainda que saibam e

entendam sobre as várias partes do corpo humano, consideram sua forma de representação

ainda perfeitamente adequada.


124

O padrão de transição entre a representação do girino à forma convencional varia

muito e verificou-se que durante essa transição, o retrocesso se deva às vezes, à situação da

criança no momento em que está desenhando. Se for um teste, ela se esforça em desenhar a

pessoa da melhor maneira que puder. Se não for necessário, ou a figura se apresentar apenas

como coadjuvante da cena, ela se concentra em outros aspectos e resolve rabiscando uma

versão rápida de uma pessoa.

Em certo ponto, elas começam a progredir, motivadas talvez pelas críticas dos

outros ou mais provavelmente em uma ação decisiva e pessoal, partindo em busca de outras

formas de representação.

As crianças vão se desenvolvendo, e por volta dos cinco anos já apresentam uma

figura humana com o tronco claramente distinto da cabeça da figura. (KOPPITZ, 1968 apud

COX, p. 58) Desenham já mais partes do corpo; mãos e pés, detalhes como sobrancelhas,

cílios, vestimentas, cordões de sapatos.

Ela não utiliza ainda linhas de contorno contínuas para toda a figura, e aos seis

anos a maioria desenha partes de linhas para limitar uma região. Acrescentam elementos, e

eles passam a ter seus próprios limites separados ou compartilhados.

Por volta dos oito ou nove anos, aparecem ambos na forma do corpo. Fundem

ainda pescoço, ombros e braços. Quando ocorre um esboço do contorno da figura inteira, ou

de partes principais dela, surge um avanço, pois há uma mudança do desenho de regiões

limitadas para o esboço de contorno, a criança está construindo uma lista mental das partes e

as inter-relacionando.

As mudanças nos estilos de representação ocorrem em função, além da busca do

realismo, pelo interesse da criança em desenhar a figura participando de alguma atividade.

(FERSON, 1985 apud COX, 1995 p. 59)


125

Nesse momento surge a necessidade de desenhar a figura de perfil, que o fazem

pela primeira vez desenhando, ou apontando pés e cabeça na mesma direção ou colocando o

tronco em vista frontal. Cox cita observação de Guillaumin (1967) onde ele afirma que a

maioria das figuras de perfil aponta para a esquerda, pois sendo a maiorias das pessoas destra,

pareça mais fácil colocá-las desse modo.

No início da adolescência, eles já desenvolveram um modo de desenhar a figura

humana que é reproduzido quase automaticamente. Se desenharem algo a partir de um

modelo real, dificilmente sairá parecido, embora haja um desejo de se conseguir isso.

Quando mais velhas e decididas a aperfeiçoar seu desenho, as crianças o fazem

geralmente de duas maneiras, ou copiando o estilo de outros artistas que produzem caricaturas

ou histórias em quadrinhos, ou tentando desenhar modelos vivos, se deparando com questões

de proporção, contorno, luz e sombra. Aqui há a utilização ampla do contorno oclusivo, e eles

são utilizados dentro de outros contornos externos. Ao longo de todo esse processo, várias

características se notam repetir.

Quando pequenas, as figuras das crianças parecem bizarras. Vê-se grande

desproporcionalidade e Cox cita algumas observações feitas por outros estudiosos sobre isso.

Embora não consigam controlar o tamanho relativo de cada elemento, elas notam

e comentam as desproporções. Piaget e Inhelder (1956) afirmam que a capacidade de lidar

com a proporção ao representar algo só surge por volta dos oito anos de idade.

O fato de as crianças desenharem a cabeça com proporções grandes se dá por uma

conseqüência da própria importância que a cabeça tem para elas: (LOWENFELD, 1939;

LARK KOROVITZ, LEWIS E LUCA, 1973 apud COX, 1995 p. 61) o fato de que ela precise

desenhá-la grande para conter todos os outros detalhes, ou mesmo a falta de planejamento do

desenho disposto na folha. Quando pequenas, muitas vezes desenham o corpo e então vão

vesti-lo, aparecendo um efeito de transparência.


126

Outra característica, chamada por Luquet em 1927 de constância de tipo, é o

estilo próprio do esquema básico que cada criança elege para si como o seu. São

características perceptíveis e que se repetem tanto em um nível individual quanto por grupos

normais e geográficos.

As figuras que aparecem em ação vão se modificando de representações

inicialmente rígidas e ligadas a uma linha vertical subentendida como o solo. Quando mais

novas e somente por volta dos sete anos, começa-se a notar alterações no tronco das figuras.

Podem acrescentar cabelos esvoaçantes, apresentar as figuras de perfil, colocar

linhas de movimento indicadas com tracejamento como as histórias em quadrinhos.

(GOODNOW, 1977)

No início, as figuras de animais desenhadas pela criança se assemelham muito às

figuras humanas. Ela repete a mesma fórmula, no início, verticalizando e depois acabam por

colocar a figura em posição horizontal.

Cox conclui que, nesse processo, enquanto a criança está na fase do girino, elas

parecem entrincheiradas em seu próprio estilo e na medida que ficam mais velhas ficam mais

abertas às influências alheias.

Sobre o uso dos desenhos da criança como instrumento de uso diagnóstico, Cox

cita, assim outros estudiosos, o pioneirismo de Goodenough (1926) e seu teste para medir a

inteligência. O teste, revisto e ampliado por Dale Harris em 1963 passou a ser considerado,

inclusive por Goodenough, como um medidor de maturidade intelectual e não de inteligência,

se destinando a avaliar o nível real da criança e não o potencial. Cox cita Elizabeth Koppitz

(1968) e o teste de Draw a Person (DAP) desenvolvido por ela, o Teste de Inteligência

Stanford-Binet, o Teste de Inteligência WISC (Wechsler Inteligence Scale for Children). Para

a autora deste O desenho da criança, esses tipos de testes são confiáveis, mas que deviam ser

considerados úteis por fornecer uma estimativa do nível de desenvolvimento da criança, pois
127

por serem baseados em uma contagem complexa de detalhes incluídos no desenho, acabam

por perder muita informação relacionada à estrutura da figura.

Aqui, agora em 1995, as crianças antes chamadas de retardadas são denominadas

crianças com dificuldade de aprendizagem, dificuldades que vão de leves a graves. Cox cita

os seguintes pesquisadores envolvidos nas comparações entre os desenhos das crianças

normais e as com dificuldades de aprendizado; Kerschensteiner (1905), Burt (1921),

Goodenough (1926), Earl (1933), McElwee (1934), Israelite (1936), Golomb e Grossman

(1977), Cox e Hawarth (1989).

Relativo aos testes de personalidade, cita Eynsenck (1965) e Machover (1949,

1951). Cox diz que o teste de Machover tornou-se um dos testes psicológicos mais usados em

clínicas e hospitais e continua sendo empregado amplamente nos dias de hoje. Citando dois

pesquisadores, Clifford Swensen (1968) e Haward Roback e os resultados de seus estudos

acerca da validade do teste de Machover, conclui que, a justificativa válida para o uso do teste

seria o fornecimento oferecido por ele de uma impressão global confiável do ajuste da

criança, mas julgamentos de casos isolados, como qualidade do traço, ou modo de desenhar

isso ou aquilo, não deveriam ser considerados confiáveis. O valor dele é limitado, podendo-se

determinar nível geral do ajuste da personalidade da criança.

Além de serem utilizados como mensuradores de desenvolvimento,

reveladores de personalidades os desenhos são utilizados também como ferramenta para

avaliar ajustes ou distúrbios emocionais. A omissão, inclusão, ampliação, redução,

desligamento, proporções incomuns e sombreamento de elementos são os indicativos de que

algo não vai bem.

Cox cita Joseh Di Leo e o livro Interpretação do desenho infantil (1973) já

abordado anteriormente nesta monografia, onde ele, apesar de enfocar o assunto se baseando

fundamentalmente nas questões referentes aos ajustes e desajustes que o desenho poderia
128

indicar, não deixa de concordar com o fato de que o uso destes desenhos para o diagnóstico de

distúrbios emocionais não deixa de ser potencialmente problemático.

No teste de Koppitz (1968), além das avaliações dos indicadores de

desenvolvimento, há também os indicadores emocionais. Ela, no entanto adverte que não há

sentido em se determinar diagnósticos baseados em indicativos únicos, já que problemas e

ansiedades podem ser externados por crianças de diversas maneiras em ocasiões

especificamente diferentes.

Goodenough inclusive, em estudo publicado em 1950 em parceria com Dale

Harris diz:

“Muitas das características consideradas anormais nos desenhos de uma


única criança ou de um pequeno e seleto grupo perdem seu aparentes
significado quando se tornam conhecidos a idade e o sexo dos indivíduos
estudados e as condições em que os desenhos foram feitos.”
(GOODENOUGH; HARRIS, 1950 apud COX, 1995, p. 95)

Quando Cox trata do conceito a criança desenha o que conhece e não o que ela vê

que vem de Ricci (1887) Kerschensteiner (1905) e Luquet (1913), ela considera as

observações feitas por esses autores, onde a idéia do que o desenho das crianças pequenas se

baseiem em sua idéia ou conceito sobre o objeto. As principais características ou detalhes,

contidos no modelo interno ou mental são utilizados quando ela precisa representar. Cox

complementa essa idéia com a afirmação de que esses modelos são tão utilizados porque, a

criança reconhecendo que os objetos podem ser vistos de diversos ângulos e que esses

ângulos acabam por esconder alguns de seus detalhes cruciais, escolhe o seu modelo porque

sabe que, a partir dele, o objeto que ela representou, sem dúvida nenhuma, será compreendido

e entendido. Por outro lado se, ao ser pedido a ela que desenhe um objeto observando-o, e se

pelo ângulo, uma xícara parecer uma caneca pela omissão da asa, e nada for dito sobre o que é

o objeto que está em cima da mesa nem seu nome, a criança desenhará o que vê, ali no caso,

algo que se parece com uma caneca.


129

Em certo ponto, ao tentarem fazer desenhos mais realistas, se lhes é dado um

modelo, elas então tentarão desenhar o que estão vendo, embora, não tendo a técnica

necessária, elas não obterão muito êxito.

Cox observa neste ponto uma questão interessante. Segundo alguns, o que

desencadeia um desejo de mudança nos traços da criança são as pressões e críticas alheias,

que as fazem mais autocríticas ainda. Para Cox, a mudança parte da própria criança, que

captando a aparência dos objetos reais, se torna consciente da precariedade de seu próprio

desenho comparado, inclusive com os que vê a sua volta. Seria neste ponto importante dar a

ela um ensino específico.

Nas relações de representação dos objetos juntos no papel em variadas relações

especiais, as crianças se utilizam dos recursos de encobri-los parcialmente ou totalmente. Aos

cinco anos ela já representa a omissão completa de um objeto de seu desenho se ele estiver

totalmente encoberto na cena e não houver razão particular para sua exclusão.

Quando o objeto está parcialmente encoberto ocorrem as transparências. Muitas

vezes elas ocorrem deliberadamente, a criança desenhou tudo o que tinha a frente, mas

também pode ser acidental, devido a sua própria descrição da cena. Elas aparecem mais

freqüentemente quando o objeto encoberto e o que esconde estão relacionados

estruturalmente, e mais raras quando a cena desenhada contém um objeto atrás do outro.

Desenhar a cena realmente como ela está sendo vista só virá a ocorrer por volta dos oito anos.

Quanto ao planejamento da organização da cena, as crianças muito pequenas

sabem como dispor os elementos especialmente para fazer uma figura humana reconhecível.

Há uma adaptação das figuras ao papel, elas desenham obedecendo tanto a referências

internas à figura, quanto a referências externas, a da folha.

Elas organizam seus desenhos utilizando uma linha de solo. Usam em seu

primeiro momento a que está pronta, a da beira da página, ou uma implícita. Mas dentro da
130

faixa dos oito anos, grande maioria já faz uso da linha de solo traçada. Utiliza às vezes uma

linha de solo e uma de horizonte, dispondo agora de uma cena unificada.

Apresentam alterações relativas a perpendicularidade dos objetos, utilizam

múltiplas linhas de base, e quando a disposição especial de algumas cenas não se ajusta à

esses arranjos, elas utilizam a técnica do rebatimento. Quando descobrem que uma linha

oblíqua cruzando a folha sugere profundidade, elas a usam para mostrar mudança de direção.

Linhas paralelas são utilizadas para dar noção de profundidade superior e inferior. Usam o

estilo oblíquo-paralelo para indicar a profundidade dos objetos, e a altura no papel para

indicar a distância entre o objeto e o observador. Em torno dos sete anos, elas relacionam a

indicação pela altura com a indicação do tamanho e desenham aí o objeto mais alto menor do

que aquele mais abaixo.

O domínio da perspectiva linear ou convergente geralmente nem chegam a ser

adotado pelas crianças, o que ocorre muitas vezes somente quando há orientação.

Cox observa que, quando se trata da questão da criança se aprofundar na arte de

escrever ou na música, o caminho tomado é o de, em primeiro lugar, que a criança domine as

técnicas básicas, copiando o que o professor apresenta, e que a explosão de criatividade se dê

depois de muita prática e exercício, e que geralmente, há sempre um pouco de cópia em quase

tudo que se faça necessário aprender. Por que, então, deve-se esperar que na arte, as crianças

se desenvolvam sem ajuda, orientação, acompanhamento e estímulo?

O papel do adulto não seria o de apenas esperar que a criança encontre seu próprio

caminho. A cópia seria necessária, afinal em toda a história da arte, os maiores artistas faziam

da cópia e estudo da obras dos mestres que os antecediam, exercício obrigatório para que

depois progredissem, conquistando estilo próprio.


131

Cox defende a cópia como algo a ser feito e direcionado de maneira positiva e

instrutiva. A criança teria seu interesse pelo desenho estimulado e isso seria de grande ajuda

para a ampliação de seu conhecimento sobre as várias maneiras de se desenhar as coisas.

Não tendo o efeito de sufocar a criatividade, a cópia serviria para revelá-la.

Essa cópia abordada por Cox não diz respeito ao objeto tridimensional, mas de

outro desenho a traço, chamado por Mitchelmore, em 1985, de desenho bidimensional ou

exercício isográfico. A cópia do desenho tridimensional é chamada de desenho tridimensional

ou exercício homográfico. Enquanto no exercício isográfico, pode-se verificar a fidelidade da

cópia colocando-a em cima do modelo, já no exercício homográfico as cópias feitas se

apresentam com muitas variáveis.

Segundo Bee e Walter (1968) e Maccorby e Bee (1965) as crianças percebem a

diferença entre as formas geométricas simples muito antes de saber desenhá-las. Testes de

desenvolvimento ou inteligência se utilizam de tarefas de reprodução ou cópia, levando em

conta o que é previsto ser feito em determinada idade.

A criança demora até conseguir desenhar as formas. Precisa desenvolver controle

motor para fazer o lápis produzir exatamente os tipos de traços que ela quer que ele faça. Ela

precisa também entender que copiar significa reproduzir o modelo o mais fielmente possível.

Essa cópia difere do desenhar o tridimensional, onde não é preciso tentar reproduzir o modelo

com exatidão.

O fato do desenvolvimento da capacidade de se copiar ser posterior à capacidade

de se distinguir as formas relaciona-se com a maneira com que elas analisam as figuras. Com

dois ou três anos, as crianças, ao examinarem os objetos, os percebem de maneira geral e não

exploram cada detalhe sistematicamente. (ZAPOROZHETS, 1965 apud COX, 1985, p. 88)

Mas, a tarefa de se copiar um quadrado a traço segue um processo seqüencial, onde cada

forma deve ser mentalmente dividida em suas partes constituintes e cada parte desenhada em
132

ordem. (MACCOBY, 1968 apud COX, 1985, p. 88) Se alguém mostrar à criança como fazer

isso, terá sido dado à ela um caminho para que continue sozinha, enquanto simplesmente dar-

lhe um quadrado já desenhado, a fará ter que iniciar o processo do zero.

Citando estudos de Connolly (1968), Huttenlocher (1967), Bryant (1974) e Anwar

e Hermelin (1962), Cox diz que o processo que a criança precisa vencer até que consiga

copiar, pode ser suavizado ensinando a criança, em primeiro lugar, a construir sua cópia com

palitos de fósforos, o que possibilita a construção de figuras mais corretas. E que também o

fato do modelo ser colocado no alto da folha e deixar a criança fazer sua cópia abaixo é um

método mais eficaz que quando modelo e cópia são colocados lado a lado.

Cox analisa as dificuldades da criança em desenhar os elementos geométricos. Ao

desenhar linhas verticais e horizontais são poucos os problemas que a criança enfrenta ao

fazê-lo, mas ao tentar reproduzir linhas oblíquas o processo é mais demorado. O que se

conclui disso, é que essa dificuldade se dá pelo fato da criança não ter referências, no próprio

papel que utiliza para desenhar essas formas triangulares de poligonais. As bordas do papel

são horizontais e verticais, e aí já se verifica a questão da cópia.

As referências dadas pelos limites do papel auxiliam as crianças em suas

representações quando elas são quadradas, mas não ajudam quando elas procuram representar

um losango. O suporte para o desenho também é importante, e pode tanto ajudar quanto

atrapalhar.

Esboços de círculos são desenhados pelas crianças desde muito pequenas, quando

elas descobrem as possibilidades onduladas ou espiraladas de seus rabiscos. Citando Bender

(1938) e Inhelder e Piaget (1956), que afirmam serem esses movimentos os precursores do

círculo, pois ao contrário das figuras mais complicadas, são feitos em um movimento

contínuo, sem que o lápis precise ser levantado do papel. As crianças pequenas não fazem

distinção entre as diferentes formas que desenham, distinguindo apenas se são abertas ou
133

fechadas. As crianças acabam por utilizar o círculo para representar todas as formas fechadas

pela facilidade que possuem em desenhá-las. Só quando passam a analisar as propriedades de

beiradas, ângulos, distâncias relativas, as propriedades euclidianas, é que elas passam a

utilizar o círculo para as formas curvas e do quadrado para as formas angulares. É só mais

tarde é que conseguirão apontar as diferenças entre círculo e elipse, quadrado, retângulo, e

triângulo.

As dificuldades iniciais das crianças em desenhar os objetos oblíquos se dão pela

maneira que precisa guiar o lápis. Uma forma de se desenhar um quadrado ou triângulo, é

fazer cada linha separadamente. Levantando o lápis ao completar cada linha. Outra forma é,

não levantando o lápis do papel, mudar abruptamente de direção quando se chega nos cantos.

Baseando-se em estudos de Lazlo e Brodeville (1985), Naeli e Harris (1976),

Freeman, Chen e Hambly (1988), Bayraktar (1985), Moore (1987) e Littleton (1991). Cox

conclui que freqüentemente a criança apresenta uma tendência à perpendicular, desenhando

um ângulo agudo de modo mais perpendicular do que deveria ser.

A fidelidade da cópia feita pela criança está ligada ao fato de ela já conhecer ou

não o objeto, de saber sua identidade. Se a figura for uma casa, ela provavelmente não se

deterá às linhas e ângulos do desenho a traço oferecido como modelo. Ela irá construir seu

objeto como habitualmente o costuma desenhar. Ao copiar um desenho abstrato, sem

significado, a cópia será feita com muito mais exatidão, pois a criança precisará prestar mais

atenção ao que está tentando representar. O recurso da cópia segundo Cox deveria ser

fomentado e utilizado para fins criativos.

Analisando a questão da criança que apresenta mais talento que as outras para o

desenho, Cox mostra que, embora os professores e pais menosprezem as orientações formais

de se ensinar à criança o desenho de modo realista, é exatamente esta aptidão que determina

em nossa sociedade se a criança tem ou não talento, dom para a arte. Citando Lark-Horovitz,
134

Lewis e Luca (1973), Cox diz que, em geral, mas não sempre, crianças com talento artístico

estão acima da média de inteligência, muitas apresentando alta capacidade intelectual. Passam

pelas etapas de desenvolvimento comuns à todas as crianças, mas isso se dá de maneira

acelerada. Interessadas em desenhar novos temas, conhecer materiais e técnicas diferentes,

refletem em seus desenhos uma observação detalhada dos objetos e uma flexibilidade maior

em representá-las se movimentando e em posições diversas. O traço é fluído, variando entre o

forte e o sutil.

Utilizam o espaço e a composição de modo avançado e não se amedrontam diante

do desafio de representar os grupos de figuras. Alem dessa habilidade e de imaginação

intensa, essas crianças possuem uma ótima memória visual, e Betty Lark Horovitz (1973)

acredita que seja esse o fator mais indispensável tanto para o desenho quanto para a arte. Cox

complementa a questão colocando que, embora memória visual e talento artístico estejam

relacionados, não se deve pressupor que um acarrete sempre o outro, e que, ao treinar as

crianças em recordar a aparência das coisas, poderia-se aperfeiçoar sua habilidade em

desenhar.

Quanto à questão tão discutida no início do estudo referente ao trabalho da

criança, em usar-se o termo arte, Cox afirma não considerar os desenhos infantis como arte.

Ela sustenta essa opinião dizendo que, se “arte é considerada uma representação deliberada de

uma cena de modo a causar no observador um determinado sentimento ou emoção, então

precisamos questionar se as crianças são capazes disso. A expressão que vimos no rosto de

uma figura feita por criança e nos agradou, pode na verdade, ter sido acidental; a criança pode

não tê-la feito intencionalmente e talvez não seja capaz de reproduzi-la. Ao contrário de um

verdadeiro artista, o artista infantil pode não ter nenhuma pretensão de se comunicar; talvez

esteja simplesmente desenhando para si mesmo”. (1995, p. 210-211)


135

Cox cita a pesquisa realizada por Ellen Winner e Howard Gardner em 1987,

quando ambos foram à República Popular da China, para entre outras coisas, descobrir porque

as crianças chinesas desenham tão bem. Na China, as crianças comuns alcançam um altíssimo

nível de habilidade no desenho.

Isso se dá porque lá, o domínio de diversas técnicas de desenho, tanto a

tradicional quanto a ocidental é levado tão a sério quanto o domínio da caligrafia. Padrões

rígidos são utilizados neste ensino, onde todas as lições são baseadas em copiar esquemas

dados pelo professor e pelo livro, desenhando a partir de desenhos. Com esse exercício

isográfico, as crianças vão gradualmente formando um grande repertório de esquemas que

poderão juntar para compor uma cena, sendo aí a execução criativa da tarefa. Não há a

expectativa ou incentivo para que se desenhe a realidade.

Se por um lado parece haver uma estranha rigidez no sistema de ensino do

desenho na China, o que poderia parecer aos olhos ocidentais um escândalo, o que acontece é

que após certo tempo as crianças conquistam habilidade suficiente para poderem criar

trabalhos verdadeiramente criativos e originais. Essa é a linha adotada pelos chineses quanto à

essa questão. Cox sugere uma troca entre as culturas. Ocidentais e orientais deveriam

aprender um com o outro. Os orientais introduzindo um pouco mais de liberdade em suas

propostas de trabalho visual junto às crianças, e os ocidentais adotando em nossa abordagem

do desenho um pouco de disciplina e do ensino de técnicas básicas. As duas posturas

combinadas proporcionariam às crianças um alto grau de capacidade técnica e a conservação

e expressão de suas próprias idéias criativas.

Cox cita o trabalho de Betty Edwards que, ao lançar em 1979 o livro Desenhando

com o lado direito do cérebro, traz uma nova proposta para o aprendizado do desenho. Em

1964, Roger Sperry publica pesquisa onde revela que as duas metades do cérebro tendem a se

especializar em diferentes tipos de raciocínio: a esquerda está ligada ao raciocínio verbal e a


136

direita ao raciocínio visual, espacial. Juntas participam do complexo processo cognitivo,

atuando juntas ou separadas, intercambiando os dois tipos. Baseada nessas revelações,

Edwards diz que a razão pela qual a maioria das pessoas desenha tão mal é que nos valemos

do hemisfério esquerdo quando analisamos uma cena, e essa descrição e classificação sobre o

que sabemos sobre os objetivos conflitam com a aparência real da cena. Utilizando o lado

direito, não pensamos sobre o que os objetos na cena realmente são, olhamos suas formas e

arestas, e são esses detalhes relacionados que espacialmente é o que forma toda a

configuração visual.

Utilizamos com mais freqüência o lado esquerdo de ver as coisas, e essa

classificação feita dos objetos vistos afeta a maneira como o modelo é visto, não deixando

espaço para uma classificação simples, abstrata, onde a cena é descrita não como um conjunto

de objetos tridimensionais, mas como um arranjo plano, de linhas e formas fáceis de serem

copiadas no papel, se faça.

Cox comenta a história do processo do ensino do desenho. Antes da Segunda

Guerra Mundial os alunos recebiam regularmente ensino planejado de desenho. Cita a série de

livros para professores escritos por E. A. Branch, Desenho criativo, O segundo livro do

desenho criativo e O livro do desenho a lápis (todos editados por Evans Brothers, Londres,

esgotados), que continham exercícios rígidos. Cita Earl Barnes (1892) e George

Kerschensteiner (1905), que defendiam a intervenção do adulto quando a criança atingir a

faixa dos nove anos de idade.

Em 1911, James Riddel, ao escrever sobre o ensino do desenho na A enciclopédia

do professor, condena a corrente que tomava forma na época, a visão da liberdade criativa,

que se formou mais tarde com Lowenfeld (1957).

Cox cita Brent Wilson (1985), que denuncia a visão romântica dessa época,

“afirmando que, na verdade, o desenvolvimento de todas as nossas capacidades surge através


137

da interação – o dar e receber – de nossa herança genética com o meio em que nos

encontramos”. Seria impossível colocarmos as crianças isoladas das imagens e influências

contaminadoras à nossa volta. Afinal, a possibilidade de um desenvolvimento imaculado da

originalidade é um mito, desenvolvimento gráfico e cultura estão inseparavelmente ligados.

A visão da liberdade total da capacidade criadora, adotada por mais de meio

século, extremamente presente e que ainda vigora no ensino da educação artística. Cox afirma

que gostaria de ver os professores interessados em proporcionar exercícios de desenhos mais

estimulantes, de maneira planejada e consciente, e é isso que ela defende durante toda

abordagem de seu livro.

Assim como Lowenfeld e tantos outros que abordaram o assunto, Cox, baseada

em suas idéias oferece sugestões práticas para pais e professores.

Defende que os pais deveriam estimular a criança oferecendo o material – papel e

giz-de-cera, canetas hidrográficas ou lápis, lousa e giz – e mostrar o que se pode fazer com

ele. Vendo o que o adulto está produzindo e como isso pode ser divertido, a criança se verá

estimulada a experimentar também. No período anterior a um ano, quando elas ainda não tem

controle motor, não deve ser uma idade limite para o começo desse estímulo. Ele pode

começar mesmo nessa época, contanto que sem grandes expectativas dos pais.

Quando já tiver mais prática em manejar o material, os pais podem introduzir uma

brincadeira de imitar, desenhando um tipo de linha e a criança, vendo o gesto, imitar o adulto.

As crianças podem depois disso colorir os campos que podem nascer dessas linhas, colorindo-

as ou já sabendo desenhar, embelezando a cena com outros desenhos.

Cox diz que, apesar de muitos professores preferirem o uso de giz-de-cera grosso

ao lápis preto comum, o uso do lápis é apropriado, pois permite que a criança desenhe mais

rapidamente e possa fazer detalhes delicados, as figuras feitas à lápis tendem a serem mais

desenvolvidas.
138

Sugere que os pais desenhem coisas reconhecíveis, como gente e animais,

deixando partes para que a criança complete. A idéia de que seja essencial para a criança

passar pelos estágios inicial de rabiscar e desenhar formas antes de chegar ao desenho

figurativo, segundo Cox, não deve ser regra. Mesmo porque é muito difícil se apontar com

precisão o primeiro desenho figurativo, pois muitas vezes a figura completamente

irreconhecível é apontada como um gato ou a mamãe.

Sobre a questão de se perguntar diretamente à criança sobre seu desenho, Cox cita

M. J. Parsons (1987), que defende a discussão e o fornecimento de material adequado à

criança. A discussão levaria a criança a esclarecer para si mesma o que não sabe, enfrentar os

problemas de representação e ajudar o próprio adulto a entender o desenho do filho.

Ao abordar o papel do professor, Cox coloca mais uma vez a questão de que ser

bom em arte, não é uma busca valorizada quanto ser bom em ler, escrever e fazer contas. A

educação artística dada nas escolas não auxilia a criança que diz não saber desenhar. É

necessária uma condução sensata e proveitosa da questão, onde é preciso encontrar um meio

termo entre dar à criança uma solução rápida e fácil, ou até desenhar por ela, e em extremo

oposto dizer-lhe que use sua imaginação e faça o melhor que puder. Cox cita Lark-

Horozovitz, que argumenta: “o professor deve certificar-se de que tudo o que é ensinado serve

para finalidades criativas e que ao mesmo tempo os professores não deve exorbitar uma

posição condescendente e uma atitude do tipo tudo é válido”. (LARK-HOROVITZ, LEWIS E

LUCA, 1973 apud COX, 1995, p. 243)

Por volta dos três anos, a representação da figura humana começa a tomar forma

através do girino, sendo já totalmente abandonada, geralmente por volta dos cinco anos.

Durante essa transição, Cox sugere que não se interferir muito, não fazendo críticas,

comentários e conclusões sobre os desenhos, mas sim pedindo à criança que falem sobre eles.
139

As discussões devem ser construtivas, e mais tarde, entre seis e oito anos, essas

discussões são ferramentas para ajudar a criança a compreender questões sobre problemas que

irão surgir na busca de suas representações, e possíveis soluções para eles.

Cox descreve o trabalho desenvolvido por Grant Cooke (1986) que desenvolveu

uma maneira muito interessante de dar as crianças pequenas algumas das convenções básicas

do desenho sem sacrificar a criatividade e a auto-expressão.

A idéia de tema é desenvolvida da seguinte maneira: a bicicleta mágica. Com

uma bicicleta de verdade sobre a mesa da sala de aula, a professora convida seus alunos de

cinco a seis anos a ajudá-la a desenhar obedecendo as suas instruções na lousa. As crianças

participam desse processo de interação e discussão junto à professora de como se deve

desenhar a bicicleta, desenvolvendo linguagem, capacidade de comunicação e ao mesmo

tempo participando e acompanhando o processo de construção do desenho. No fim do

exercício, a professora descobre um pedaço de papel amassado na cestinha da bicicleta e esse

papel contendo a mensagem “Eu sou uma bicicleta mágica e posso ajudar você”, que gera um

debate sobre como essa bicicleta poderia ser mágica e, nesse momento, a professora,

apagando na lousa o desenho feito de maneira a não deixar as crianças imitá-lo, pede a elas

que desenhem uma aventura que elas mesmas poderiam ter em sua própria bicicleta mágica.

Nesse momento, o peso de ter que saber como desenhar a bicicleta é retirado e as crianças

ficam livres para incorporá-lo em seu trabalho expressivo e imaginativo. Cox cita Norman

Freeman (1980), que diz “as crianças não são apenas criaturas que expressam sua essência

através do desenho; são também principiantes aprendendo a desenhar”. (COX, 1995, p. 247)

Depois dos oito anos, exercícios como o anteriormente descrito devem ser feitos,

de maneira a se mostrarem cada vez mais interessantes e desafiadores. Buscando defrontar as

crianças cada vez mais com problemas mais complexos e provocar muito debate, questões

sobre como um objeto pode ser desenhado passam a serem estimulantes.


140

Cox descreve com mais detalhes a experiência de Betty Edwards em resposta à

questão de que na adolescência, a maior parte da idéia dos jovens esteja muito adiante de sua

habilidade de desenhar. Esse é o momento crucial, onde ele acaba por abandonar toda essa

história de saber desenhar.

Edwards, lecionando arte nos anos 60, não entendia por que seus alunos não

conseguiam simplesmente olhar uma cena e desenhar exatamente o que viam. Utilizou-se de

uma tentativa incomum: ofereceu aos alunos um desenho famoso para que copiassem, mas

que fosse feito estando o desenho de ponta cabeça, saindo o próprio desenho do aluno

também de ponta cabeça. As cópias saíram muito melhores do que se tivessem sido feitas a

partir do tema concreto que o desenho oferecia se tivesse sido mostrado corretamente. Daí ela

tirou a conclusão relativa à questão do uso dos lados direito e esquerdo do cérebro já citados

anteriormente. Além do exercício de se desenhar estando o modelo de cabeça para baixo -

assim fazendo que o lado esquerdo não reconheça com o lado esquerdo as formas, e sim com

o direito, que o reduzirá a uma unidade bidimensional, composta de linhas e formas sobre a

superfície plana - Edwards sugere outras técnicas, abordadas detalhadamente em seu livro

Desenhando com o lado direito do cérebro.

Cox conclui o livro dizendo que é preciso a aquisição de uma habilidade técnica,

apesar de a arte não se restringir somente a essa habilidade. Apesar de que, o fato é que sem

um certo grau dessa habilidade técnica, não haveria arte nenhuma.

O livro de Cox é um interessante trabalho que mostra a evolução da abordagem do

tema. Extremamente detalhista, considerando as pesquisas de vários colegas, ela apresenta

suas conclusões baseando-se sempre em sua firme opinião sobre a necessidade do apoio

metodológico que o adulto deve dar à criança. Ela leva em conta todo um processo de

descobertas, citando Luquet, Piaget, adequando estudos anteriores aos atuais e sendo bastante

crítica, assim como Mèredieu e tantos outros de seu tempo, em relação às posturas liberais
141

adotadas por todo um período, e que ainda é presente e atuante, pois são as crianças criadas

nesse sistema liberal que são os responsáveis pela educação das crianças de hoje.

Não se prendendo a rígidos períodos de classificação do processo evolutivo do

desenho, traça de maneira leve, e apoiada em resultados práticos, uma linha descrevendo as

etapas dentro as quais as habilidades vão se desenvolvendo.

Sugere como os adultos, pais ou professores, podem atuar nas fases desse

desenvolvimento ativamente, buscando em cada atividade de apoio o estímulo e a atenção da

criança para seu ato de desenhar. Mostra como isso pode ser feito e é bastante convincente em

suas argumentações.

Atualizada, nos mostra as idéias que estão surgindo e que com certeza, ainda

passarão a serem consideradas com mais atenção nos próximos anos.

Quem sabe se começarmos a considerar e utilizar as propostas de estudiosos como

Cox, no futuro teríamos um outro panorama dentro das salas de aula e na maneira das pessoas

se expressarem.

O abandono do desenho acaba com possibilidades interessantíssimas de expressão

do indivíduo. Ao crescer dentro dessa proposta que surge neste final de século XX e começo

de XXI, como seriam as relações do adulto com a habilidade de desenhar e seu produto

gráfico? O que seria descrito através desse desenho?

Essas e muitas questões ainda estão por serem respondidas, acreditamos que, com

certeza, a conscientização do homem sobre si mesmo e das suas ferramentas de interação com

o mundo (seu desenho é um deles), irá alterar a maneira com que tratamos hoje essa questão.
142

CONCLUSÃO

O universo estudado através desta monografia acabou se mostrando muito maior

do que a principio se imaginava.

Na busca das colaborações que os estudiosos foram dando ao tema, verificou-se

um grande número de publicações, o que resultou em uma vasta referência bibliográfica

compilada através desses autores citados. Essa compilação por si só já é uma colaboração,

pois oferece uma visão geral das obras que abordaram o assunto em mais de cem anos de

estudos, e quem se interessar em aprofundar-se mais poderá se utilizar dela como guia.

Os estudos e visões sobre o tema revelaram-se extremamente ligados a todo o

contexto histórico da época em que eles estavam sendo desenvolvidos. Estudá-los e entendê-

los torna-se um processo dependente do conhecimento e compreensão do período histórico

em que eles se dão. Buscou-se dar ao leitor uma visão dessas questões ao longo da descrição

do trabalho.

Partindo dessa conclusão verificou-se que o descobrimento do traço infantil e suas

significações se deram em um período eufórico da história da sociedade ocidental, quando o


143

homem começava a avançar rumo ao aprofundamento de seus conhecimentos científicos de

maneira nunca feita antes.

Assim como o descobrimento da própria criança enquanto indivíduo pensante, a

construção de um sistema educacional que atendesse essa criança misturou-se, no campo das

artes, com a libertação artística frente às formalizações impostas por séculos de história da

arte. Isso influenciou decisivamente a maneira com que os estudiosos passaram a tratar a

produção gráfica infantil.

Os primeiros estudiosos foram, cada um, contribuindo com pequenas conclusões

que foram abrindo caminho para abordagens mais detalhadas e direcionadas, como as

realizadas por Luquet, que foi o grande colaborador para todo o processo de descobertas que

se seguem.

O estudo do tema O desenho infantil se fez paralelamente ao desenvolvimento dos

estudos relativos à educação, cognição e desenvolvimentos psicológico, mental e físico da

criança. Eles nasceram e caminham juntos, estando aí a justificativa da abordagem dos

trabalhos dos estudiosos da educação como Vygotsky, Freinet, Piaget, Klein e Gardner. E

também dos estudiosos ligados às questões psicológicas como Goodenough, Bender, Wallon,

Machover, Koppitz, Luria, Di Leo e Harris.

A escolha das três obras, cujo título é o mesmo, mas escritas em períodos

diferentes do século XX, foi feita pela identificação da capacidade que cada uma teria em dar

respostas e complementar a outra.

O tom libertário que foi instituído no primeiro período que segue às primeiras

abordagens formou o quadro que vemos hoje. Read e Lowenfeld e o próprio período histórico

onde a arte conhecia novas formas de expressão como o impressionismo, expressionismo,

cubismo e abstracionismo influenciaram todo o comportamento ocidental acerca da criança e


144

seu desenho. Arte nesta época era sinônimo de liberdade e confundiram a expressão gráfica da

criança, elemento recém-descoberto, com arte, gerando todo o quadro verificado.

A obra de Marino, apoiada neste pilar, mostra exatamente a orientação e

posicionamento do período. Mèredieu, na década de 70 do século XX, levanta

questionamentos sérios sobre os resultados dessa postura instituída e esses questionamentos

encontram respostas no trabalho de pesquisa que se seguiu nos anos posteriores, e que são

trazidas a essa monografia por Cox.

No que se refere ao posicionamento do adulto junto ao desenvolvimento gráfico da

criança, conclui-se que a melhor maneira de se agir é dar a ela liberdade de expressão, mas

com estímulo constante apoiado em direcionamento e conhecimento formal, como sugerido

por Cox. Esse direcionamento deve ser feito por professores e pais conscientes do processo de

desenvolvimento do desenho de suas crianças. Eles devem ser capazes de ajudá-las, partindo

de seu próprio conhecimento, sabendo lidar com esses novos aspectos, o que implicaria em ter

que se re-ensinar hoje, toda uma geração criada na era da livre expressão, a entender,

compreender e aceitar o que se propõe a partir de agora.

Concordando-se com Gardner, acredita-se necessário haver uma boa compreensão

por parte de todos, das potencialidades que o domínio da questão artística tem a oferecer ao

indivíduo. Não somente quando ele é criança, mas também em sua vida adulta.

Desenhar estimula a capacidade de enxergar além, perceber e não somente de ver.

Enxergar as partes e entender como delas se faz o todo. Sintetizar, se necessário, detalhar, se

preciso. Desenhar aumenta a percepção do homem sobre seu espaço, suas relações com o

mundo, sua comunicação e entendimento de si mesmo.

Acreditamos que o estudo, a compreensão e os resultados obtidos quanto ao

desenho da criança está diretamente ligado à maneira com que o adulto vê e interage com o

assunto. As posturas adotadas pelos pais e sistemas educacionais interferem na produção


145

gráfica infantil, pois ela não tem como escapar das conseqüências do direcionamento que o

adulto lhe dá, mesmo quando aparentemente ele procura a deixar livre. Por isso, o papel do

adulto precisa ser muito bem definido e esclarecido. Professores e pais precisam entender

urgentemente o peso que têm neste processo, para poderem agir de maneira a contribuir,

orientar, e não limitar.

Acreditamos que o ser humano tenha em si, mesmo que não demonstre, todas as

capacidades. Seríamos como um grande armário cheio de gavetas, que contido nelas estão a

habilidade de lidarmos com todos os tipos de conhecimentos neste mundo. Gardner teria

apontado somente uma pequena parte dessas potencialidades. Nascemos com algumas dessas

gavetas trancadas definitivamente por toda nossa existência. Mas elas estão ali. A maioria das

pessoas as mantém assim, explorando apenas aquelas que já vem biológica e geneticamente

predispostas a se abrirem. O meio também atua nesse processo, e percebemos isso claramente

quando, por exemplo, à custa de muito esforço nos percebemos dominando e fazendo coisas

que jamais imaginamos sermos capazes de realizar. São gavetas fechadas que foram abertas.

A chave para abrirmos essas gavetas é o conhecimento, e assim acreditamos poder ser

desenvolvida a habilidade gráfica no indivíduo. Ela já está lá, presente. Seríamos capazes de

realizar qualquer tarefa, mas isso, infelizmente, às vezes fica limitado devido a fatores sociais,

ambientais, distúrbios psicológicos, deficiências físicas e mentais. No que se refere à

capacidade de desenhar, seguindo essa linha de raciocínio, concluímos que todos os

indivíduos já nascem tendo essa gaveta semi-aberta. Afinal, todos fazem uso do desenho em

sua infância, e cabe ao adulto proporcionar à criança a oportunidade de abri-la totalmente,

explorando todo o potencial oferecido pelo fato de que essa gaveta já está em contato com o

mundo e não trancada.

O abandono do desenho que se verifica acontecer na adolescência, seria também o

abandono do uso de uma linguagem. Estamos abdicando da possibilidade de nos


146

expressarmos ao abandonarmos o desenho. Estamos permitindo que nossas crianças desistam

de usar a expressão gráfica. E o pior, aceitamos isso como algo natural, afinal, se depois da

adolescência o indivíduo não desenhar, é por que, realmente, ele não tinha o dom. A

necessidade de representação do real, que se discute e não se concluiu até hoje, ser natural ou

incutida na criança por uma questão sociológica, e a falta de direcionamento para que a

criança seja capaz de realizar esse trabalho, nos trás o cenário visto hoje. O desenho é

considerado uma habilidade somente ao alcance de quem já nasce para isso.

Acreditamos que não, que o desenho é uma linguagem muito especial, assim como

disse Mèredieu, e nos utilizarmos dela por toda a vida só poderia nos trazer benefícios.

Buscou-se através dessa monografia o entendimento de um processo histórico de

desenvolvimento de um tema e concluímos que esse objetivo foi alcançado. Agora, esta

pesquisa levará o leitor se perguntar, “Mas, o que vem depois?”. O que será que está sendo

discutido acerca desse assunto tão apaixonante exatamente agora, e que mexe tão

profundamente conosco e com a nossa identidade. Afinal, todos já fomos crianças um dia e

sem dúvida nenhuma, embora talvez não nos lembremos como, utilizamos o símbolo gráfico

para nos expressarmos. E descobrir a quantidade de significados contidos neles, que nos

contam histórias de nós mesmos, acaba por nos deixar tristes a lembrança que todo esse

material está perdido lá no passado. Com certeza, o material dos nossos filhos será guardado e

lido muitas vezes, pois a contribuição maior desse trabalho consiste em alertar os colegas

professores e pais para o fato de que há um universo escondido no meio daqueles traços,

pedaços de papel, lápis e giz, e que realmente vale a pena nos alfabetizarmos na língua que

nos permite entender e participar desse universo.


147

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