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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º 8 · j a n / a b r 0 9 issn 1646‑4990

Desenvolvimento Profissional Docente:


passado e futuro

Carlos Marcelo
marcelo@us.es
Universidade de Sevilha (Espanha)

Resumo:
Entende­‑se o desenvolvimento profissional dos professores como um processo individual e
colectivo que se deve concretizar no local de trabalho do docente: a escola; e que contribui
para o desenvolvimento das suas competências profissionais, através de experiências de
índole diferente, tanto formais como informais. O conceito de desenvolvimento profissio‑
nal tem vindo a modificar­‑se durante a última década, sendo essa mudança motivada pela
evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Nos
últimos tempos, tem­‑se vindo a considerar o desenvolvimento profissional como um pro‑
cesso a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências,
planificadas sistematicamente para promover o crescimento e desenvolvimento do docente.
Deve entender­‑se o desenvolvimento profissional dos professores enquadrando­‑o na
procura da identidade profissional, na forma como os professores se definem a si mesmos
e aos outros. É uma construção do eu profissional, que evolui ao longo das suas carreiras.
Que pode ser influenciado pela escola, pelas reformas e contextos políticos, e que integra
o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valo‑
res, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências
passadas, assim como a própria vulnerabilidade profissional. As identidades profissionais
configuram um complexo emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais.

Palavras­‑chave:
Desenvolvimento profissional, Identidade profissional, Aprender a ensinar, Formação de
Professores.

Marcelo, Carlos (2009). Desenvolvimento Profissional Docente: passado e futuro. Sísifo. Revista de
Ciências da Educação, 08, pp. 7-22
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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A formação de professores ainda tem a honra de ser, — se convençam da necessidade de ampliar, apro‑
simultaneamente, o pior problema e a melhor solu‑ fundar, melhorar a sua competência profissional e
ção em educação. pessoal. Zabalza (2000) afirmava que convertemos
Michael Fullan, 1993 “a agradável experiência de aprender algo de novo
cada dia, num princípio de sobrevivência incontor‑
nável” (p. 165). Sendo assim, para os docentes, ser
INTRODUÇÃO professor no século XXI pressupõe o assumir que o
conhecimento e os alunos (as matérias­‑primas com
Quando falo ou escrevo sobre desenvolvimento que trabalham) se transformam a uma velocidade
profissional docente tenho sempre o hábito de refe‑ maior à que estávamos habituados e que, para se
rir a obra de Linda Darling­‑Hammond, “O Direito continuar a dar uma resposta adequada ao direito
de Aprender” (Darling­‑Hammond, 2001). E faço­‑o de aprender dos alunos, teremos de fazer um esfor‑
porque entendo que é necessário recordar que as ço redobrado para continuar a aprender.
escolas foram criadas com o intuito de transformar Relatórios internacionais recentes têm centrado
as mentes dos alunos em mentes educadas e que, a sua investigação e destacado a importância do pa‑
hoje em dia, para que esse direito se continue a res‑ pel dos professores nas possibilidades de aprendi‑
peitar, exige­‑se dos professores um esforço redobra‑ zagem dos alunos. Vai neste sentido o título do rela‑
do de confiança, compromisso e motivação (Marce‑ tório recentemente publicado pela OCDE: Teachers
lo, 2002). matter: attracting, developing and retaining effecti-
Muito se tem escrito sobre a influência que as ac‑ ve teachers (OCDE, 2005). No título diz­‑se que os
tuais mudanças sociais estão a ter na sociedade pro‑ professores contam, ou seja, têm que ser tomados
priamente dita, na educação, nas escolas e no traba‑ em consideração na melhoria da qualidade do en‑
lho dos professores. Sempre soubemos que a pro‑ sino que os alunos recebem. Neste relatório afirma­
fissão docente é uma “profissão do conhecimento”. ‑se que: “Actualmente existe um considerável volu‑
O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legi‑ me de investigação que indica que a qualidade dos
timador da profissão docente e a justificação do tra‑ professores e a forma como ensinam é o factor mais
balho docente tem­‑se baseado no compromisso em importante para explicar os resultados dos alunos.
transformar esse conhecimento em aprendizagens Também existem evidências consideráveis de que
relevantes para os alunos. Para que este compromis‑ os professores variam na sua eficácia. As diferenças
so se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia é nos resultados dos alunos são, por vezes, maiores
imprescindível, que os professores — da mesma ma‑ dentro de uma mesma escola do que entre escolas.
neira que é assumido por muitas outras profissões O ensino é um trabalho exigente e não é qualquer

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pessoa que consegue ser um professor eficaz e man‑ publicados em revistas especializadas (como os de
ter essa eficácia ao longo do tempo” (p. 12). Este Cochran­‑Smith & Zeichner, 2005; Feiman­‑Nemser,
relatório é reflexo da preocupação, a nível interna‑ 2001; Putnam & Borko, 1998; Wideen et al. 1998;
cional, com os professores: como fazer com que a Wilson & Berne; Zeichner, 1999) permitem­‑nos
docência seja uma profissão atractiva, como conser‑ configurar um panorama bastante actualizado no
var no ensino os melhores professores e como con‑ que diz respeito ao conhecimento acumulado sobre
seguir que os professores continuem a aprender ao o processo de aprender a ensinar, tanto nos seus as‑
longo das suas carreiras. pectos consensuais como nos mais discutíveis. Par‑
Mais recentemente, no âmbito da II Reunião In‑ tindo destas revisões, já bastante amplas, podemos
tergovernamental do Projecto Regional de Educa‑ fazer o ponto de situação e estabelecer um corpo de
ção para a América Latina e Caribe, que se celebrou conhecimento acumulado suficiente para começar
em Buenos Aires nos dias 29 e 30 de Março de 2007, a dar uma resposta à pergunta: Como se aprende a
apresentou­‑se um documento de discussão sobre ensinar?
políticas educativas, no qual se afirmava que “os do‑
centes são actores fundamentais para assegurar o di‑
reito à educação das populações e contribuir para a DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
melhoria das políticas educativas da região” (p. 49). DOCENTE: A QUE NOS REFERIMOS?
Em paralelo com o estudo da OCDE, a prestigia‑
da Associação Americana de Investigação Educacio‑ Neste artigo optamos pelo conceito de desenvolvi‑
nal (AERA) tornou público o relatório que tenta re‑ mento profissional de professores. No nosso con‑
sumir os resultados da investigação que se tem feito texto podemos fazer referência a outras noções: for‑
em Formação de Professores, bem como propor po‑ mação permanente, formação contínua, formação
líticas educativas que tenham em conta esses resul‑ em serviço, desenvolvimento de recursos humanos,
tados. Afirma­‑se que: “em todas as nações existe um aprendizagem ao longo da vida, cursos de recicla‑
consenso emergente de que os professores influem gem ou capacitação (Bolam & McMahon, 2004; Te‑
de maneira significativa na aprendizagem dos alunos rigi, 2007). No entanto, pensamos que a denomina‑
e na eficácia da escola” (Cochran­‑Smith & Fries, ção desenvolvimento profissional se adequa melhor
2005, p. 40). Na mesma linha, Darling­‑Hammond à concepção do professor enquanto profissional do
(2000) afirmava que a aprendizagem dos alunos “de‑ ensino. Por outro lado, o conceito “desenvolvimen‑
pende principalmente daquilo que os professores to” tem uma conotação de evolução e continuidade
sabem e do que podem fazer”. que, em nosso entender, supera a tradicional justa‑
Deste modo, centramos o tema deste artigo num posição entre formação inicial e formação contínua
aspecto fundamental das discussões sobre a profis‑ dos professores
são docente: os processos usados pelos professores Rudduck referia­‑se ao desenvolvimento profis‑
nas suas aprendizagens, processos esses que de‑ sional do professor como “a capacidade do profes‑
senvolvem e melhoram o seu reportório de compe‑ sor em manter a curiosidade acerca da sua turma;
tências. É importante relembrar que não partimos identificar interesses significativos nos processos de
do zero, o desenvolvimento profissional docente e ensino e aprendizagem; valorizar e procurar o diálo‑
a análise dos processos do aprender a ensinar têm go com colegas experientes como apoio na análise
sido uma preocupação constante dos investigadores de situações” (Rudduck, 1991, p. 129). Deste pon‑
educacionais nas últimas décadas. Têm sido feitas to de vista, o desenvolvimento profissional docente
centenas de investigações e dezenas de revisões com pode ser entendido como uma atitude permanente
o intuito de compreender estes processos. Tanto de indagação, de formulação de questões e procura
a terceira (Wittrock, 1986) como a quarta edição de soluções.
(Richardson, 2001) do Handbook of Research on De seguida apresentamos algumas das mais
Teaching, integram capítulos de revisão e síntese recentes definições do conceito desenvolvimento
acerca dos professores, da sua formação e evolução. profissional de professores, formuladas por autores
Estas obras, bem como artigos de revisão recentes, de relevo:

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· “O desenvolvimento profissional dos profes‑ o crescimento profissional que o professor
sores vai para além de uma etapa meramente adquire como resultado da sua experiência e
informativa; implica adaptação à mudança da análise sistemática da sua própria prática”
com o fim de modificar as actividades de (Villegas­‑Reimers, 2003).
ensino­‑aprendizagem, alterar as atitudes dos
professores e melhorar os resultados escola‑ Como podemos verificar, as definições, tanto as
res dos alunos. O desenvolvimento profissio‑ mais recentes como as mais antigas, entendem o
nal de professores preocupa­‑se com as neces‑ desenvolvimento profissional docente como um
sidades individuais, profissionais e organiza‑ processo, que pode ser individual ou colectivo, mas
tivas” (Heideman, 1990, p. 4); que se deve contextualizar no local de trabalho do
· “O desenvolvimento profissional de profes‑ docente — a escola — e que contribui para o de‑
sores constitui­‑se com uma área ampla ao senvolvimento das suas competências profissionais
incluir qualquer actividade ou processo que através de experiências de diferente índole, tanto
tenta melhorar destrezas, atitudes, compre‑ formais como informais.
ensão ou actuação em papéis actuais ou futu‑ O conceito de desenvolvimento profissional do‑
ros” (Fullan, 1990, p. 3); cente tem vindo a modificar­‑se na última década,
· “Define­‑se como todo aquele processo que motivado pela evolução da compreensão de como
melhora o conhecimento, destrezas ou ati‑ se produzem os processos de aprender a ensinar.
tudes dos professores” (Sparks & Loucks­ Na revisão da investigação que se tem feito em torno
‑Horsley, 1990, pp. 234­‑235); do desenvolvimento profissional docente, Villegas­
· “Implica a melhoria da capacidade de con‑ ‑Reimers (2003) mostra que nos últimos tempos se
trolo sobre as próprias condições de traba‑ tem vindo a considerar que este é um processo a
lho, uma progressão de status profissional e longo prazo, que integra diferentes tipos de opor‑
na carreira docente” (Oldroyd & Hall, 1991, tunidades e de experiências, planificadas sistema‑
p. 3); ticamente, de forma a promover o crescimento e
· “O desenvolvimento profissional docente in‑ desenvolvimento profissional dos professores. As‑
clui todas as experiências de aprendizagem sim sendo, está a emergir uma nova perspectiva que
natural e aquelas que, planificadas e cons‑ entende o desenvolvimento profissional docente
cientes, tentam, directa ou indirectamente, como tendo as seguintes características:
beneficiar os indivíduos, grupos ou escolas
e que contribuem para a melhoria da quali‑ 1. Baseia­‑se no construtivismo, e não nos mo‑
dade da educação nas salas de aula. É o pro‑ delos transmissivos, entendendo que o pro‑
cesso mediante o qual os professores, sós ou fessor é um sujeito que aprende de forma ac‑
acompanhados, revêem, renovam e desen‑ tiva ao estar implicado em tarefas concretas
volvem o seu compromisso como agentes de ensino, avaliação, observação e reflexão;
de mudança, com os propósitos morais do 2. Entende­‑se como sendo um processo a lon‑
ensino e adquirem e desenvolvem conheci‑ go prazo, que reconhece que os professores
mentos, competências e inteligência emocio‑ aprendem ao longo do tempo. Assim sendo,
nal, essenciais ao pensamento profissional, à considera­‑se que as experiências são mais
planificação e à prática com as crianças, com eficazes se permitirem que os professores re‑
os jovens e com os seus colegas, ao longo de lacionem as novas experiências com os seus
cada uma das etapas das suas vidas enquanto conhecimentos prévios. Para isso, é necessá‑
docentes” (Day, 1999, p. 4); rio que se faça um seguimento adequado, in‑
· “Oportunidades de trabalho que promovam dispensável para que a mudança se produza.
nos educadores capacidades criativas e re‑ 3. Assume­‑se como um processo que tem lugar
flexivas, que lhes permitam melhorar as suas em contextos concretos. Ao contrário das
práticas” (Bredeson, 2002, p. 663); práticas tradicionais de formação, que não
· “O desenvolvimento profissional docente é relacionam as situações de formação com as

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práticas em sala de aula, as experiências mais · De uma focagem centrada nas necessidades
eficazes para o desenvolvimento profissional dos adultos, para outra centrada nas necessi‑
docente são aquelas que se baseiam na escola dades de aprendizagem dos alunos;
e que se relacionam com as actividades diá‑ · De uma formação desenvolvida fora da esco‑
rias realizadas pelos professores; la para formas múltiplas de desenvolvimento
4. O desenvolvimento profissional docente está profissional realizadas na escola;
directamente relacionado com os processos · De uma orientação baseada na transmissão
de reforma da escola, na medida em que este aos docentes de conhecimentos e das com‑
é entendido como um processo que tende petências feita por especialistas, ao estudo
a reconstruir a cultura escolar e no qual se dos processos de ensino e de aprendizagem,
implicam os professores enquanto profissio‑ pelos professores;
nais; · De um desenvolvimento profissional dirigi‑
5. O professor é visto como um prático reflexi‑ do aos professores, como principais destina‑
vo, alguém que é detentor de conhecimento tários, a um outro dirigido a todas as pessoas
prévio quando acede à profissão e que vai implicadas no processo de aprendizagem dos
adquirindo mais conhecimentos a partir alunos;
de uma reflexão acerca da sua experiência. · De um desenvolvimento profissional dirigi‑
Assim sendo, as actividades de desenvolvi‑ do ao professor, a título individual, à criação
mento profissional consistem em ajudar os de comunidades de aprendizagem, em que
professores a construir novas teorias e novas todos — professores, alunos, directores, fun‑
práticas pedagógicas; cionários — se consideram, simultaneamen‑
6. O desenvolvimento profissional é concebido te, professores e alunos.
como um processo colaborativo, ainda que
se assuma que possa existir espaço para o
trabalho isolado e para a reflexão; IDENTIDADE PROFISSIONAL
7. O desenvolvimento profissional pode adop‑ E PROFISSÃO DOCENTE
tar diferentes formas em diferentes contextos.
Por isso mesmo, não existe um e só um mo‑ Dado que assumimos, claramente, o desenvolvi‑
delo de desenvolvimento profissional que seja mento profissional como um processo que se vai
eficaz e aplicável em todas as escolas. As esco‑ construindo à medida que os docentes ganham ex‑
las e docentes devem avaliar as suas próprias periência, sabedoria e consciência profissional, gos‑
necessidades, crenças e práticas culturais para taria agora de aprofundar o papel que a identidade
decidirem qual o modelo de desenvolvimento profissional joga no desenvolvimento profissional e
profissional que lhes parece mais benéfico. nos processos de mudança e melhoria da profissão
docente. Esta é uma reflexão que considero neces‑
Na mesma linha, Sparks e Hirsh (1997) identifica‑ sária uma vez que é através da nossa identidade que
ram algumas das mudanças que se tinham vindo a nos percebemos, nos vemos e queremos que nos
produzir no desenvolvimento profissional docente: vejam. A identidade profissional é a forma como os
professores se definem a si mesmos e aos outros. É
· De um desenvolvimento profissional orien‑ uma construção do seu eu profissional, que evolui
tado para o desenvolvimento do indivíduo, ao longo da sua carreira docente e que pode ser in‑
para outro orientado para o desenvolvimento fluenciada pela escola, pelas reformas e contextos
da organização; políticos, que “integra o compromisso pessoal, a
· De um desenvolvimento profissional frag‑ disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças,
mentado e desconexo para um coerente e os valores, o conhecimento sobre as matérias que
orientado por metas claras; ensinam e como as ensinam, as experiências pas‑
· De uma organização da formação a partir da sadas, assim como a própria vulnerabilidade pro‑
administração, para outra centrada na escola; fissional”. As identidades profissionais configuram

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um “complexo emaranhado de histórias, conheci‑ de trabalho. Quanto mais importante uma
mentos, processos e rituais” (Lasky, 2005). sub­‑identidade é, mais difícil é modificá­‑la.
Temos que considerar identidade docente como 4. A existência de uma identidade profissional
uma realidade que evolui e se desenvolve de forma contribui para a percepção de auto­‑eficácia,
individual e colectiva. A identidade não é algo que motivação, compromisso e satisfação no tra‑
se possui, mas sim algo que se desenvolve ao longo balho do professor e é um factor importante
da vida. A identidade não é um atributo fixo de de‑ para que este se converta num bom profes‑
terminada pessoa, mas sim um fenómeno relacional. sor. A identidade é influenciada por aspectos
O desenvolvimento da identidade ocorre no terreno pessoais, sociais e cognitivos.
do intersubjectivo e caracteriza­‑se como sendo um
processo evolutivo, um processo de interpretação de Neste momento, o conceito de identidade profis‑
si mesmo enquanto indivíduo enquadrado em deter‑ sional docente está sujeito a uma revisão. Do pon‑
minado contexto. Sendo assim, identidade pode ser to de vista de Bolívar, “as mutações das últimas
entendida como resposta à pergunta: “Quem sou eu, décadas geraram ambiguidades e contradições na
neste momento?” (Beijaard et al., 2004). situação profissional dos professores. A crise da
Os autores supracitados, através de uma revisão identidade profissional docente deve ser entendi‑
das investigações recentes, definiram as seguintes da no quadro de um certo desmoronamento dos
características: princípios da modernidade, que davam sentido ao
sistema escolar” (2006, p. 13).
1. A identidade profissional é um processo evo‑ Estas mudanças não têm só a ver com a própria
lutivo de interpretação e reinterpretação de profissão docente, mas também com “um quadro
experiências. Uma perspectiva que assume mais geral de transformações sociais, que tem esba‑
a ideia que o desenvolvimento profissional tido os espaços tradicionais de identificação sexual,
dos professores nunca pára, constituindo­‑se religiosa, familiar ou laboral” (Bolívar, 2006, p. 25).
como uma aprendizagem ao longo da vida. Transformações essas em que o local e o global, a
Assim sendo, a formação da identidade pro‑ estabilidade e a mudança, estão a assumir um pa‑
fissional não se constrói respondendo à per‑ pel desestabilizador, quando comparamos com as
gunta: “Quem sou eu, neste momento? Mas certezas que as nossas sociedades tinham noutras
sim em resposta à pergunta: “Quem é que eu épocas. As mudanças e as novas realidades, referi‑
quero ser?” das por Bolívar, requerem que se observem as reper‑
2. A identidade profissional depende tanto da cussões que estão a ter nos professores.
pessoa como do contexto. A identidade pro‑ Qualquer discussão sobre o desenvolvimento
fissional não é única. Espera­‑se que os pro‑ profissional deve tomar em consideração o signifi‑
fessores se comportem de uma maneira pro‑ cado do que é ser um profissional e qual o grau de
fissional, mas não porque adoptam caracte‑ autonomia destes profissionais no exercício do seu
rísticas profissionais prescritas (conhecimen‑ trabalho. Nos últimos anos temos assistido a uma
tos e atitudes). Os professores distinguem­‑se situação de stress e desmotivação entre os docentes.
entre si em função da importância que dão Em muitos países existem altos níveis de deserção
as essas características, desenvolvendo uma e muita dificuldade em recrutar novos docentes,
resposta própria ao contexto. verificando­‑se situações de erosão da profissão, di‑
3. A identidade profissional docente compõe­ minuição do status, interferências externas, aumen‑
‑se de sub­‑identidades mais ou menos inter‑ to da carga de trabalho (Bolam & McMahon, 2004).
relacionadas. Estas sub­‑identidades têm a ver
com os diferentes contextos em que os pro‑
fessores se movem. É importante que estas
sub­‑identidades não entrem em conflito. O
conflito aparece, por exemplo, quando sur‑
gem mudanças educativas ou nas condições

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O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL Por contraponto, vale a pena recordar o excelen‑
E O PROCESSO DE te artigo escrito por David Berliner (2000), no qual
SE TORNAR PROFESSOR este refuta uma dúzia de críticas que habitualmen‑
te se fazem à formação inicial de professores (que
Ser um bom professor pressupõe um longo pro‑ para ensinar basta saber as matérias, que ensinar é
cesso. Os candidatos que chegam às instituições de fácil, que os formadores de professores vivem numa
formação inicial de professores não são recipientes torre de marfim, que as disciplinas de metodologia
vazios. Nas suas investigações, Lortie (1975) afirma e didáctica são dadas de forma superficial que no
que as milhares de horas de observação enquanto ensino não há princípios gerais válidos, etc.). Do
estudantes contribuem para a configuração de um ponto de vista do autor, são críticas não isentas e
sistema de crenças acerca do ensino, por parte dos que reflectem uma visão bastante limitada acerca
aspirantes a professores, e, por outro lado, ajuda­ da contribuição da formação inicial para o desem‑
‑os a interpretar as suas experiências na formação. penho dos professores. Diz Berliner: “penso que se
Por vezes, estas crenças estão tão enraizadas que a tem dado pouca atenção ao desenvolvimento dos
formação inicial é incapaz de provocar uma trans‑ aspectos evolutivos do processo de aprender a en‑
formação profunda nessas mesmas crenças (Pajares, sinar, desde a formação inicial, à inserção e à for‑
1992; Richardson & Placier, 2001). mação contínua” (2000, p. 370). Neste processo, a
A formação inicial tem sido sujeita a múltiplas formação inicial joga um papel importante e não é
investigações e estudos (Cochran­‑Smith & Fries, de pouca importância ou substituível, como alguns
2005). De uma maneira geral, nota­‑se uma grande grupos ou instituições têm sugerido.
insatisfação, tanto por parte das instâncias políti‑ Os professores passam por diferentes etapas no
cas como da classe docente em exercício, acerca da seu processo de aprendizagem. Bransford, Darling­
capacidade de resposta das actuais instituições de ‑Hammond e LePage (2005) defendem que, para
formação às necessidades da profissão docente. As dar resposta às novas e complexas situações em que
críticas que as consideram como tendo uma organi‑ se encontram os docentes, é conveniente pensar nos
zação burocratizada, em que se assiste a um divórcio professores como “peritos adaptativos”, ou seja,
entre a teoria e a prática, uma excessiva fragmenta‑ pessoas que estão preparadas para fazer aprendiza‑
ção do conhecimento ensinado, um vínculo ténue gens eficientes ao longo da vida. Isto, porque as con‑
com as escolas, estão a fazer com que algumas vozes dições sociais estão em constante mudança e cada
proponham a redução temporal da formação inicial vez mais se pede às pessoas que saibam combinar
e o incremento da atenção dada ao período de in‑ competência com capacidade de inovação. Neste
serção profissional dos professores. Neste sentido contexto, as investigações que se têm realizado têm
vão as conclusões do relatório da OCDE, a que já procurado estabelecer diferenças entre os professo‑
fizemos referência, que afirma, em concreto, que: res em função da idade, bem como desenvolver o
“As etapas da formação inicial, inserção e desenvol‑ conceito de perícia. Sendo assim, tem­‑se analisado
vimento profissional deveriam estar muito mais in‑ esta evolução, salvo em casos excepcionais, desde
terrelacionadas, de forma a criar aprendizagens co‑ o primeiro ano de experiência docente. Encontra‑
erentes e um sistema de desenvolvimento da profis‑ mos, igualmente, estudos que tentam compreender
são docente… O assumir a perspectiva de aprendi‑ o processo de conversão em perito; assim como
zagem ao longo da vida obriga a maioria dos países investigações que analisam o que faz e quais as ca‑
a darem um maior apoio aos seus professores nos racterísticas de um docente perito. Da análise destes
primeiros anos de ensino e a proporcionarem­‑lhes estudos ressalta o contraste entre professores peri‑
incentivos e recursos para um desenvolvimento pro‑ tos e professores principiantes. É importante assina‑
fissional contínuo. De uma maneira geral, seria mais lar que, quando falamos de professores peritos, es‑
adequado melhorar a inserção e o desenvolvimento tamos a falar não só de um professor com pelo me‑
profissional dos professores ao longo da sua carrei‑ nos 5 anos de experiência, mas também de pessoas
ra, em vez de aumentar a duração da formação ini‑ com “um elevado nível de conhecimento e destreza,
cial” (OCDE, 2005, p. 13). coisas que não se adquirem de forma natural, mas

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que requerem uma dedicação especial e constante” Portanto, sabemos que os professores peritos re‑
(Bereiter & Scardamalia, 1986, p. 10). Assim sendo, conhecem e identificam características de problemas
não é com o mero transcorrer dos anos que o pro‑ e situações que podem escapar à atenção dos prin‑
fessor perito conquista a sua competência profissio‑ cipiantes. O conhecimento do perito é muito mais
nal. Como assinala Berliner, não é totalmente seguro do que uma lista de factos desconexos acerca de de‑
que a simples experiência faça o melhor mestre. Se terminada disciplina. Pelo contrário, o seu conheci‑
não se reflecte sobre a própria conduta, nunca se mento está interrelacionado e organizado em torno
atingirá um pensamento e uma acção próprios de de ideias importantes acerca das suas disciplinas.
um perito (Berliner, 1986). Esta organização de conhecimentos ajuda os peritos
Segundo Bereiter e Scardamalia, os peritos — em a saber quando, porquê e como utilizar o vasto co‑
qualquer área — têm as seguintes características em nhecimento que possuem numa situação concreta.
comum: complexidade de competências, ou seja, as Bransford, Derry, Berliner e Hammerness (2005)
acções do perito apoiam­‑se numa estrutura diferente assinalaram a necessidade de estabelecer a diferen‑
e mais complexa que as do principiante, exercendo ça entre o “perito rotineiro” e o “perito adaptativo”.
um controlo voluntário e estratégico sobre as partes São ambos peritos que aprendem ao longo da vida.
do processo, que se desenvolve de uma forma mais O perito rotineiro desenvolve um conjunto de com‑
automática no caso dos principiantes. Em segundo petências que vai aplicando ao longo da vida, cada
lugar, o perito possui uma grande quantidade de co‑ vez com mais eficácia. Pelo contrário, o perito adap‑
nhecimentos, quando comparado com o principian‑ tativo tem uma maior disponibilidade para transfor‑
te. Em terceiro lugar, assinalam a própria estrutura mar as suas competências, aprofundá­‑las e ampliá­
do conhecimento. Para Bereiter e Scardamalia, “os ‑las continuamente. Estes autores defendem uma
principiantes tendem a ter, o que podemos descrever ideia, do meu ponto de vista, muito interessante se
como, uma estrutura de conhecimento ‘superficial’, queremos entender o processo de inserção profis‑
algumas ideias gerais e alguns detalhes relacionados sional e, consequentemente, programar acções de
com essa ideia geral, mas não interrelacionados. Por formação para professores principiantes.
seu lado, os peritos têm uma estrutura de conheci‑
mento profunda e de multi­‑níveis, com muitas cone‑
xões inter e intra­‑nível” (1986, p. 12). A última carac‑ principiante perito
terística que diferencia o perito do principiante é a frustrado adaptativo
representação dos problemas: o perito recorre a uma
inovação

estrutura abstracta do problema e utiliza uma gran‑


a
de variedade de tipos de problemas guardados na p tim
memória. Pelo contrário, os principiantes deixam­ de eó
d o r l i da d
e
‑se influenciar pelo conteúdo concreto do problema, rr bi perito
c o a p ta
pelo que têm dificuldades em representá­‑lo de forma ad rotineiro
abstracta (Marcelo, 1999).
Finalmente, e para complementar o que foi dito eficiência
anteriormente, Bereiter e Scardamalia (1993) fazem
uma distinção entre perícia cristalizada e perícia
fluida. A perícia cristalizada consiste no desenvol‑ Assim, advogam que há duas dimensões relevantes
vimento de procedimentos que se foram aprenden‑ no processo de conversão em professor perito: ino‑
do com a experiência e que se utilizam para resolver vação e eficiência. Desenvolver uma só dimensão
tarefas de forma adequada. A perícia fluida con‑ pode não apoiar o desenvolvimento da capacidade
siste em capacidades que surgem quando o perito adaptativa. A investigação mostra que as pessoas
enfrenta novas e desafiantes situações. Esta perícia que mais beneficiam das oportunidades de aprendi‑
fluida, ou adaptativa, desenvolve­‑se ao longo da zagem são aquelas que articulam as duas dimensões,
vida, aumentando à medida que as pessoas enfren‑ situando­‑se dentro do corredor de adaptabilidade
tam novas situações. óptima. Já existem muitos programas que estão a

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adoptar a ideia de perícia adaptativa como padrão aquele que é trabalhado na escola — as cren‑
de desenvolvimento profissional. ças sobre as matérias que se ensinam e como
se devem ensinar.
· Experiência escolar e de sala de aula: inclui
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL todas as experiências, vividas enquanto estu‑
E PROCESSOS DE MUDANÇA NOS dante, que contribuem para formar uma ideia
DOCENTES sobre o que é ensinar e qual é o trabalho do
professor.
Como já dissemos, desenvolvimento profissional e
processos de mudança são variáveis intrinsecamen‑ Das descobertas mais divulgadas conta­‑se aque‑
te unidas. O desenvolvimento profissional procura la que afirma que as crenças que os professores já
promover a mudança junto dos professores, para trazem consigo, quando realizam actividades de
que estes possam crescer enquanto profissionais desenvolvimento profissional, afectam directamen‑
— e também como pessoas. Muitas investigações se te a interpretação e valorização que os professores
têm dedicado a tentar perceber como se dão estas fazem das suas experiências de formação de profes‑
mudanças e desenvolvimentos, no fundo, como se sores. Esta modalidade de aprender a ensinar faz­
constroem as aprendizagens. No estudo dos pro‑ ‑se através da aprendizagem por observação (Lortie,
cessos de mudança, dá­‑se um grande destaque aos 1975). Uma aprendizagem que, muitas vezes, não se
preconceitos e crenças dos docentes. Na formação gera de forma intencional, mas que vai penetrando,
de professores tem­‑se dado uma especial atenção à de forma inconsciente, as estruturas cognitivas — e
análise das crenças que os professores em formação emocionais — dos futuros professores, chegando a
trazem quando iniciam o seu percurso profissional. criar expectativas e crenças difíceis de eliminar.
Entende­‑se crenças como as proposições, premis‑ Ainda que, em muitas investigações, se costume
sas que as pessoas têm sobre aquilo que consideram confundir crenças de conhecimentos, estes são fenó‑
verdadeiro. As crenças, ao contrário do conheci‑ menos que se deveriam diferenciar. Muitas vezes, o
mento proposicional, não necessitam da condição conhecimento é descrito como estando baseado em
de verdade refutável e cumprem duas funções no evidências, dinâmico, sem influências emocionais,
processo de aprender a ensinar. Em primeiro lugar, internamente estruturado e que se desenvolve com
as crenças influenciam a forma como os professo‑ a idade e a experiência. O conhecimento conceptu‑
res aprendem e, em segundo lugar, influenciam os al é usado para resolver problemas. A quantidade,
processos de mudança que os professores possam organização e acessibilidade do conhecimento con‑
encetar (Richardson, 1996). ceptual diferenciam os peritos dos principiantes.
A literatura resultante das investigações que se Pelo contrário, as crenças por vezes são descritas
têm feito acerca do aprender a ensinar, identificou como estáticas, vinculadas a emoções, organizadas
três categorias de experiências que influem nas em sistemas e sem apoio em evidências. As crenças
crenças e conhecimentos que os professores têm têm funções afectivas e valorativas, actuando como
sobre o ensino: filtro de informação que influencia a forma como se
usa, guarda e recupera o conhecimento. Por outro
· Experiências pessoais: incluem aspectos da lado, também predizem condutas (Gess­‑Newsome,
vida que conformam determinada visão do 2003, p. 55).
mundo, crenças em relação a si próprio e aos A investigação que se tem feito sobre os siste‑
outros, ideias sobre a relação entre escola e mas de crenças tem tido grande importância, por‑
sociedade, bem como família e cultura. A que tem apontado explicações sobre o porquê de
origem socio­‑económica, étnica, de género, muitas acções de desenvolvimento profissional não
religião pode afectar as crenças sobre como terem um impacto real na mudança das práticas de
se aprende a ensinar. ensino e, menos ainda, na aprendizagem dos alu‑
· Experiência baseada em conhecimento for‑ nos. Portanto, se se quer facilitar o desenvolvimento
mal: o conhecimento formal, entendido como profissional dos docentes, devemos compreender

sísifo 8 | carlos marcelo | desenvolvimento profissional docente: passado e futuro 15


o processo mediante o qual os professores crescem No entanto, como demonstraram Guskey e Sparks
profissionalmente, bem como as condições que aju‑ (2002), os processos não funcionam desta forma.
dam e promovem esse crescimento. Do ponto de vista destes autores, os professores
O modelo que está implícito na maioria dos pro‑ mudam as suas crenças, não como consequência da
gramas de desenvolvimento profissional pode ser sua participação em actividades de desenvolvimen‑
observado nas etapas da figura seguinte. O desen‑ to profissional, mas sim comprovando, na prática,
volvimento profissional pretende provocar mudan‑ da utilidade e exequibilidade dessas novas práticas
ças nos conhecimentos e crenças dos professores. que se querem desenvolver. A mudança de crenças é
Por sua vez, a mudança nos conhecimentos e cren‑ um processo lento, que se deve apoiar na percepção
ças provoca uma alteração das práticas docentes em de que os aspectos importantes do ensino não serão
sala de aula e, consequentemente, uma provável me‑ distorcidos com a introdução de novas metodolo‑
lhoria nos resultados da aprendizagem dos alunos. gias ou procedimentos didácticos.

O modelo implícito no desenvolvimento profissional docente

Formação Mudança no Mudança Mudança


de conhecimento e nas condutas nos resultados
professores crenças das turmas da aprendizagem
dos alunos

Modelo do processo de mudança dos professores, de Guskey

Formação Mudança Mudança Mudança


de de práticas nos resultados nas crenças e
professores na sala de aula da aprendizagem atitudes
dos alunos dos professores

Clarke e Hollinsworth têm criticado os modelos o domínio pessoal (conhecimentos, crenças e atitu‑
anteriores por serem lineares e não representarem des do docente), o domínio das práticas de ensino,
a complexidade dos processos de aprendizagem as consequências na aprendizagem dos alunos e o
dos professores nos programas de desenvolvimento domínio externo. Estes autores defendem que o de‑
profissional. Eles propõem um novo modelo não li‑ senvolvimento profissional se produz tanto pela re‑
near, mas sim interrelacionado. Segundo este mode‑ flexão dos docentes, como pela aplicação de novos
lo, a mudança ocorre através da mediação dos pro‑ procedimentos (evidentemente que nem sempre a
cessos de aplicação e reflexão, em quatro âmbitos: reflexão conduz a aprendizagens).

16 sísifo 8 | carlos marcelo | desenvolvimento profissional docente: passado e futuro


Modelo inter­‑ relacional de desenvolvimento profissional (Clarke & Hollingsworth, 2002)

domínio externo

Fontes externas
de informação domínio
domínio pessoal ou estímulo das práticas

Conhecimentos,
Experimentação
crenças
profissional
e atitudes

Resultados
obtidos
aplicação

reflexão
domínio das
consequências

OS CONTEÚDOS DO
teorias educativas, estratégias instruccionais)
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
conduz, de maneira mais ou menos directa,
a uma prática mais eficaz. O conhecimento
Sobre o que versa o desenvolvimento profissional para ensinar é um conhecimento formal, que
docente? Quais são as suas matérias e conteúdos? deriva da investigação universitária, ou seja
Esta é uma pergunta incontornável quando abor‑ aquele de que se fala quando os teóricos di‑
damos a temática do desenvolvimento profissional zem que o ensino gera um corpo de conhe‑
docente. E, basicamente, esta pergunta leva a que cimento distinto do conhecimento comum.
coloquemos outras: o que é que os professores co‑ Nesta perspectiva, a prática tem muito a ver
nhecem e o que é que devem conhecer? Quais os com a aplicação do conhecimento formal às
conhecimentos relevantes para a docência e para o situações práticas de ensino.
seu desenvolvimento profissional? Como é que este · Conhecimento na prática: a ênfase da inves‑
conhecimento se adquire? tigação sobre aprender a ensinar tem sido co‑
Cochran­‑Smith e Lytle (1999) diferenciaram este locada na procura do conhecimento na acção.
tipo de conhecimento — o conhecimento para o en‑ Pensa­‑se que aquilo que os professores co‑
sino — tendo em consideração a origem, processo nhecem está implícito na prática, na reflexão
e papel dos professores no processo de produção sobre a prática e na indagação e narrativa des‑
desse mesmo conhecimento. Assim, estabeleceram sa prática. Um pressuposto desta perspectiva
diferenças entre: resulta da convicção de que o ensino é uma
actividade envolta em incerteza, espontânea,
· Conhecimento para a prática: nesta primei‑ contextualizada e construída como resposta
ra concepção entende­‑se que a relação entre às particularidades do dia­‑a­‑dia das escolas
conhecimento e prática é aquela na qual o e salas de aula. O conhecimento emerge da
conhecimento serve para organizar a prática acção, das decisões e juízos que os professo‑
e, desta forma, conhecer mais (conteúdos, res tomam. Este é um conhecimento que se

sísifo 8 | carlos marcelo | desenvolvimento profissional docente: passado e futuro 17


adquire através da experiência e deliberação, nidades locais, formadas por professores que
sendo que os professores aprendem quando trabalham em projectos de desenvolvimento
têm a oportunidade de reflectir sobre o que da escola, de formação ou de indagação cola‑
fazem. borativa (Cochran­‑Smith & Lytle, 1999).
· Conhecimento da prática: esta última ten‑
dência está incluída na linha de investigação Um dos contributos que continua a ser utilizado
qualitativa, mas próxima do movimento de‑ para compreender o conhecimento dos professores
nominado “o professor como investigador”. é o de Grossman (1990). Morine-Dershimer e Kent
Parte­‑se da ideia que em ensino não tem sen‑ (2003) alteram o modelo proposto por Grossman,
tido distinguir entre conhecimento formal e incorporando as descobertas de investigações mais
prático, mas que o conhecimento é constru‑ recentes. No seu modelo, o conhecimento dos pro‑
ído de forma colectiva no interior de comu‑ fessores inclui os seguintes elementos:

Categorias que contribuem para o Conhecimento Didáctico do Conteúdo (Morine-Dershimer & Kent, 2003).

Procedimentos de
avaliação de resultados
Fins educativos,
propósitos e valores

Conhecimento Conhecimento
pedagógico do currículo

Conhecimento
didáctico
do conteúdo

Conhecimento Conhecimento
sobre os alunos e sua do conteúdo
aprendizagem
Conhecimento
de contextos
específicos

Conhecimentos
de contextos
educativos gerais

18 sísifo 8 | carlos marcelo | desenvolvimento profissional docente: passado e futuro


Em primeiro lugar, destaca­‑se a necessidade de que necessário para o fazer. Nos últimos anos, tem­‑se
os professores possuam um conhecimento pedagó‑ trabalhado em diferentes contextos educativos com
gico geral, relacionado com o ensino, com os seus o intuito de clarificar quais os elementos deste tipo
princípios gerais, com a aprendizagem e com os alu‑ de conhecimento profissional do ensino. Como li‑
nos, assim como com o tempo académico de apren‑ nha de investigação, o Conhecimento Didáctico do
dizagem, o tempo de espera, o ensino em pequenos Conteúdo representa a confluência de esforços de
grupos, a gestão da turma, etc. Inclui, também, o investigadores do ramo da didáctica com investiga‑
conhecimento sobre técnicas didácticas, estruturas dores de matérias específicas preocupados com a
das turmas, planificação do ensino, teorias do de‑ formação de professores. O Conhecimento Didácti‑
senvolvimento humano, processos de planificação co do Conteúdo leva­‑nos a um debate sobre a forma
curricular, avaliação, cultura social e influências do de organização e de representação do conhecimen‑
contexto no ensino, história e filosofia da educação, to, utilizando analogias e metáforas. Coloca a neces‑
aspectos legais da educação, etc. sidade de que os professores que se encontram em
Para além de conhecimento pedagógico, os pro‑ formação adquiram um conhecimento próprio de
fessores têm que possuir conhecimento sobre as um perito do conteúdo a ensinar, para que possam
matérias que ensinam. Conhecer e controlar com desenvolver um ensino propício à sua compreensão
fluidez a disciplina que ensinamos, é algo incontor‑ por parte dos alunos.
nável no ofício docente. A este respeito, Buchmann
diz que “conhecer algo permite­‑nos ensiná­‑lo; co‑
nhecer um conteúdo em profundidade significa CONCLUSÃO
que, de uma maneira geral, se está mentalmente or‑
ganizado e bem preparado para ensiná­‑lo” (1984, p. O desenvolvimento profissional docente é um campo
37). Quando o formador não possui conhecimentos de conhecimento muito amplo e diverso, do qual ten‑
adequados acerca da estrutura da disciplina que támos mostrar algumas das suas ideias gerais. Apro‑
está a ensinar, pode representar o conteúdo aos seus fundar requer uma análise mais pormenorizada dos
alunos de forma errónea. O conhecimento que os diferentes processos e conteúdos que levam os do‑
formadores possuem do conteúdo a ensinar tam‑ centes a aprender a ensinar. E não existe apenas uma
bém influencia o quê e como o ensinam. resposta a esta questão. Mas, seja qual for a orienta‑
O Conhecimento Didáctico do Conteúdo apa‑ ção que se adopte, é necessário que se compreenda
rece como um dos elementos centrais do saber do que a profissão docente e o seu desenvolvimento
formador. Representa a combinação adequada en‑ constituem um elemento fundamental e crucial para
tre o conhecimento da matéria a ensinar e o cor‑ assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos.
respondente conhecimento pedagógico e didáctico

sísifo 8 | carlos marcelo | desenvolvimento profissional docente: passado e futuro 19


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