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Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doldtoso, mais angustiante do que win pensamento que escapa a si ritesmo, idéias que fogem, que desaparecem apenas ésbogadas; precipifadas em outras, que.também nio dovninamos, [.:.] Perdemos sem cessar nossas idéias. B por isso qite querémos tanto agarrar-nos a,opinises prontas. 1, Formas de conhecer Acpigrafe deste capitulo sé refere ao esforgo constante que nos aniina a compreender. Diante do caos — que nio significa vazio, mias desordem — procuramos estabelecer semelhangas, diferen— $28, contigitidades, sucesso no tempo, causalida- des. Desejamos “pér ordem. no caos”, porque s6 assim, poderemos nos situar no mundo e sermos capazes de agir sobre ele. Mas, também, os auto- 3s nos advertem sobre o risco de, sucumbirmos 2 comodidade das opinides prontas. E isso, portanto, 0 conhetimento: esse esforgo psicolégico pelo qual procuramos nos apropriar intelectualmente dos objetos. Quando falamos em conhecimento, podemios nos referir ao ato de conhecer ou a0 produto do conhecimento: 0 primeiro diz respeito a relacio' que’se estabele— .e¢ entre a consciéncia que conhece'e 0 objeto a _ Ser conhecido, enquanto o segundo é 0 que re- sulta do ato de conhecer, ou seja, o conjunto de saberes acumulados'e recebides pela tradigio. Neste capitulo, vamos nos ocupar do pri- meiro sentido, ow séja, do ato de :conhecer: 0 que é conhecer? como conhecemos? 0 que é possivel conhecer? o que é a verdade do conhe- cimento? qual € o critério da verdade?" & preci so actescentai, no entanto, que{no-correr dos tempos, 0 que se entende por conhecimento verdade tem assumido formas diferentes, depen— dendo da mancira pela qual os fil6sofos expli- cam como se da nosso contato coin’as coisas “ja corroidas pelo esquecimento ou Deleuze © Guatta que nos ceicaim para tentar compreendé-las.qsso significa qué a razio é histériea, Comecemos nossa discussio pelo exame das formas possiveis de conhecet, intuigio ¢ 0 co- nhecimento discursivo: wx Intuighc- ‘De que modo o sujeite cognoscente pode‘) apreender o real? Geralmente zespondemos quie conhecemos pela raziio, pelo discurso capaz de encadear juizos ¢ chegar a uma conclusio. No entanto, apreendemos.o real também pela intui- sao; que 6 uma forma de conhecimento imediato, um tipo de pensamento.presente 20 espirito ¢ atingido sem iritermediarios. Como a propria palavra indica (tweri em latim significa “ver"), Jntuiggo é uma visio stibita. Enquanto 0 racio- cinio é-discursivo e se faz por meio da palavra, a intuigio € inefivel, inexprimfvel: como po- deziamos explicar em que consiste a sensagZo do vermelho? Aintuigio é importante por ser o ponto de partida do conhecimento, a possibilidade da:in- vencio, da descoberta, dos grandes “altos” do saber humano. Partindo de uma divisio muito simplificada,a intuigio pode ser de virios tipos: + intuigo senstvel— € conhecimento ime- diato dado pelos érgos dos sentidos: sentimos calor; vemos a blusa azul; ouvimos o som do violino; percebemos 0 -paladar acido ou doce da fruta, 1, Essas questies serio retomadas Ho Capitulo 10 — Teoria do conhecimenta. wots ° + intuigio inventiva — EBtinruigio do sébio, do artista, do cientista, quando criam novas hi- péteses; também na vida didtia, enfrentamos si~ tuagdes que exigem solugGes criativas, verda- deiras invengSes sibitas. |) + intuigio intelectual — 6% que se esforga por captar diretamente a esséli¢ia do objeto; por exemplo,a descoberta de Descartes da cagito (cu pensante), como primeira: m= Conhecimento discursivo' Para compreender o mundo, para “nio-m: gulhar'no caos”, a razao suipera as informagoes * concretas ¢ imediatas que f8eebe, orgaiizando- as em conceitos ou idéiag(gerais que, devida- mente articulados, podem lévar 4 demonstracio € a conclusées.consideradis Wlidas. Diferente- thente da intuicao, a racid¥e. por exceléncia a faculdade de julgar. Chamaitigs conhécimento dis- cursive 20 conhecimento mieiiato, isto é, aquele que se dé por meio de conéeitds. Bise tipo de penisarnento opera por etapas:{por encadeamento de idéias, juizos e raciocinigg*que levam a de-~ terminada conclusio. © 33 Para tanto, a razio precisa realizar abstra~ ses. Abstrair significa “isolir”, “separar de”. Fazemos abstragao quando isolimos, separamos um elemento de uma reprééntacio, elemento este que no é dado separadamente na realidade (representagao significa a imagem, ou a idéia da “coisa” enquanto presente 9 ,¢épirito), Quando vemos um ciaZéio;podemos ter a imagem dele, uma representagao mental de na~ tureza sens{yel e dé certa forima'concreta ¢ parti- culas, porque se referé Aquele\€inzeiro especifi= camente (por exemplo, de, forma hexagonal e. de cristal). Ao abstrairmos, porém, isolamos es- sas caracteristicas por serem s€cundarias, ¢ con- sideramos apenas 0 “ser cinzéifo”. Resulta dai o sonceito ou idéia de cinzeito, que é a representa- 40 intelectual do objeto ¢, portanto, imaterial geral. Ou seja, a idéia de cinzéiro nao se refere iquele cinzeizo particular, masja qualquer obje- © que sirva para recolher cirfBis, ei O matemitico reduz as cdisas que tém peso, lureza e cor 4 pura quantidade. Por exemplo, mando dizemos 2, consideramos apenas o ni ero, sem nos importarmos s¢'sio duas pessoas m duas frutas.A lei cientifica também € abstrata. Quando concluimos que o calor dilata os cor- i Unioabe Il ~ ConHecimenta: i pos, abstraimos a5 caracteristicas que distinguem cada corpo pata: Considerar apenas os aspectos comuns aqueles corpos, ow seja, 0 “corpo em geral”, enquanto submetido a agio do calon ‘A apropriasao intelectual do objeto supde a regularidade dos acontecimentos do mundo; caso contrario, 2 consciéncia nunca poderia su- perar 0 cios, Por exemplo, Kant diz: “Se o cin brio [minérjo de merctirio] fosse ora vermelho, ‘ora preto, ora leve, ora pesado [...], minha ima- ginacio empirica munca teria ocasiio de rece~ ber no pensamento, com a representacio da cor ‘vermelha, 0 cinébrio pesado”. (Ora, quanto mais abstrato um cohceito, mais nos:distanciamos da realidade concreta. Esse ar~ ‘ificio-da ‘razio & importante para a superagio do.“aqui e agora” € a elaboicio de hinéteses explicativas do’ real. No entanto, toda vez que a razio se distancia do vivido, o conhecimento se empobrece, sob algum aspecto. Na filosofia con- temporinea, a critica 3s formas do racionalismo exacerbado fez. com que pensadores como Berg- son, Dilthey ¢ Husserl retomassem as discusses sobre o valor da intui¢io no processo do conhecimento. Da mesma maneira, permanecer no nivel * dovivido e da intuigio impede o distanciamento fecundo da razio que interpreta ¢ critica. O cconhecimento se faz; portanto, pela relagao con tinna entre intui¢io e razio, entre vivéncia teoria, entre concreto e abstrato. 2. A verdade ‘Todo corihecimento coloca o problema da verdade, quando nos perguntamos' seo que esta sendo.enunciatlo:corresponde ou nfo 4 realidade. Comecemos distinguindo verdade e realida- de, Na linguagern-cotidiana, freqiientemente 03 dois conceitos tendem a se confundir. Se nos referimos a um colar,a um quadro, a um dente, 86 podemos afirmar que so reais e nia verda~ deiros ou falgos. Se dizemos que o colar ou 0 dente S20 falsos, devemos reconhecer que 0 “fal- so” colar é uma verdadeira bijuteria ¢ 0 “also” dente um verdadeizo dente postico. O falso ou 0 verdadeiro no estio na coisa mesina, Tas no juizo, e portanto no valor de verdade da afirmagio. Ha verdade ou nao de- pendendo de como a coisa aparece para o sujeito que conhece. Por isio dizemos que algo € verda~ vem Joes deiro quando ¢ 0 que parece ser. Assim, ao beber © liquido escuro que me parecia café, descubro que 0,“falso” café é uma verdadeira cevada. A verdade ou falsidade existe apenas no juizo ‘este Kquido é café”, no qual se estabelece o vinctilo entre sujeito e objeto, tipico do processo do conhecimento. Apenas para evitar confusées, vale lembrar que © conceito veracidade diz. respeito ao campo da moral ¢, nese sentido, é anténimo de mentira. Ao fazer um enunciado, a pessoa veraz é aquela que niio mente, mas diz.o que, para ela, é Consi- derado verdadeiro. ma O critério da verdade As questdes analijgdas nos remetem para a discussio a respeito d6 gritério da verdade. Qual o sinal que permite renhecer a verdade e dis- tingui-la do erro? A resposta a essa pergunta tem variado no tempo, como, veremos. Hii uma longa tradicio na hist6ria da filo~ sofia segundo a qual’o critério da verdade é a evidéncia, Nesse sentido, para os gregos, verdade é aletheia, que significa nfio-oculto, portanto o que se desvela, o que é visto, o que é evidente. Algo verdadeiro seria o que corresponde 4 rea lidade, tal qual ela se mostra a nés. Os escolisticos, filésofos medievais, seguin- do a tradigio aristotélica, repetem que “a ver- dade é a adequago do nosso pensamento as coi- sas”. O juizo seria verdadeiro quando a repre~ sentagio € cépia fiel do objeto representado. O critério da evidéncia sofreu posterior mente intimeras criticas, sobretudo a partir da Idade Moderna, quando se rompe a crenga de que a realidade do mundo ai esté para-ser co- nhecida na sua transparéncia. A. questo do ‘co~ nhecimento passa a-ser mais.complexa:.como julgar a verdade da representagiio do real pelo pen~ ‘samento? Qu seja, como saber se a definigio de * verdade é verdadeira? Além disso, 0s filésofos da modernidade questionam a possibilidade mes- ma de conhecimento do real. No século XVII, Descartes procede a essa reconstrugio do saber instaurando a divida metédica como ponto.de partida, na esperanga de alcancara certeza,o indubitivel. Embora siga percurso novo; para Descartes, o critério da ver~ dade é também a evidéncia, mas diferentemente dos antigos ¢ medievais, evidente para ele € toda el # idéia clara ¢ distinta, que se impe imediata mente e por si s6 ao espirito. Trata-se de uma evidéncia restltante da iniuigo intelectual, No século XIX, muitos filésofos iro criti- car esses critérios puramente intelectuais ted~ ricos. Para Nietzsche, por exemplo, é verdadeiro © que contribui para fomentar a vida da espécie e falso tudo o que é obsticulo ao seu desenvol- vimento. Para o pragmatismo norte-americano (William James, Dewey, Peirce), a pritica € 0 cri tério da verdade, Nesse caso, a verdade de uma proposicio se estabelece a partir de seus efeitos, dos resultados priticos. Nos dois tiltimos casos (de Nietesche'e do pragmatismo), 0 cfitério da verdade deixa de ser um valor racional e adquire um valor de existénci No pensamento contemporineo, os repre~ sentantes da filosofia analitica se voltam para os estudos da linguagem e da légica e buscam 0 critério da verdade na coeréncia interna do argu- mento. Seria.vilido 0 raciocinio que nio en~ cerra contradicées e € coerente com um siste~ ma de princfpios estabelecidos. A verdade pode ainda ser‘entendida como resultado do consenso, como conjunto de cren- 8 aceitas pelos individuos em determinado tempo e lugar e que os ajuda a compreender real e agir sobre ele. f essa a posi¢o de Jiirgen Habermas, te6rico de uma racionalidade comuni- cativa pela qual se estabelece a interagio entre sujeitos que conduzema argumentacio visan- do 20 entendimento: 0 que seibusca nio é a verdade objetiva, mas as proposicdes validadas no proceso argumentativo em: gue se alcanga 0 consenso. = 3. Ceticismo e degmatismo Outra discussio em torno do problema do conhécimento diz respeito 4: possibilidade ou niio de o espirito humano atingir a certeza. Dis~ tinguiremos duas tendéncias principais: 0 dog- matismo © 0 eeticismo. Dogniatikés, em grego, significa “o que se fanda em principios” ou aquilo que é “relativo a uma doutrina”. Dogmatismo é a doutrina se~ gando a qual é possivel atingir a certeza.A se~ guir, vamos analisar esse conceito sob diversas perspectivas. Do ponto de vista religioso, chamamos dog- maa verdade fundamental e indiscutivel de uma sexe % doutrina. Na religiio cristi, por exemplo, se- gundo o dogma da Santissima Trindade, as trés pessoas (Pai, Filho e Espirito Santo) nao sio trés deuses,mas apenas um. Deus é uno e trino. Nao importa se a razo no consegue entender, por gue esse principio deve ser aceito pela fé ¢ 0 seu fandamento é a revelagio divina. Quando a idéia de dogma é transposta para © campo niio-religioso, ela passa a designar as verdades niio-quéstionadas e inquestionaveis: a pessoa, de posse da verdade, fixa-se nela e abdi- ca de continuar a busca. O mundo muda, os acontecimentos se sucedem e 0 dogmitico per manece petrificado nos conhecimentos: dados de uma vez por todas. Disse Nietzsche que “as convicgées so prisbes”. Resistindo ao didlogo, 0 dogmitico teme-o novo €-nio raro s¢ torna intransigente ¢ prepotente. Quando resolve agit, o fanatismo é inevitavel, e, com ele, justifica~ gio da violencia. Tambérn chamamos dogmsiti- cos 0s seguidores de escolas'e tendéncias quan- do'se recusam a discutir suas verdades, perma- necendo refratarios as criticas. Quando © dogmatismo atinge a politica, assume um carter ideolégico que nega 0 plu- ralismo ¢ abre caminho para a imposigo da doutrina oficial do Estado ou do partido tinico, com todas as perversas decorréncias, como cen- sura e repressio. Fm nome do dogma da raga ariana, Hitler cometeu o-genocidio de judeus ¢ ciganos nos campos de concentracio. ‘Além dos significados comuns do coinceito de dogmatismo, € preciso ressaltar outro, pro- priamente filos6fico, denunciado por Kant na Critica da razio pura. Ao propor a avaliagio dos limites da razio para conhecer; Kant chama de dogmiticos todos os filésofos anteriores, inclu sive Descartes, por indio terem colocado.a ques- tio da-critica do conhecer como discussio pri- meira. Ou seja, aqueles filésofos “no acorda~ ram do sono dogmitico”, no sentido de ainda manterem a confianga ndo-questinada no po- der da razio em conhecer. O.termo ceticismo vem do grego sképsis, que significa “investigagio”,, “procura”: a sabedoria sno consiste em alcangar a verdade, mnas somen- te em procuri-la. O cético tanto observa ¢ tan to considera que conclui, nos casos mais radi- cais, pela impossibilidade do conhecimento. Nas tendéncias moderadas, orienta-se para a suspen- sio proviséria de qualquer juizo ou admite uma UNIDADE It — CONHECIMIENIO forma relativa de conhecimento (celativismo), reconhecendo os limites para a apreensio da verdade. Para alguns, mesmo que seja impos- sivel encontrar a certeza, no se deve abandonar a sua busca. “Nada existe. Mesmo se existisse alguma coisa, nfio poderiamos conhecé-la; concedido que algo existe e que o podemos conhecer, no © podemos comunicar aos oittros.” Essas trés proposigdes so atribuidas 2 Gorgias’ (sé. IV a.C.), ¢ exemplificam a postura cética que de certa forma marca o pensamento dos sofistas. © grande representante do ceticismo foi outro grego, conhecido como Pirro dé Elida (séc. IV-IIl a.C.), que acompanhou Alexandre Mag- no-em suas expedicdes de conquista, oportuni- dade em que teve contato com muitos povos de valores e crengas diferentes. Como geralmente fazem. os céticos, deve ter confrontado a diver~ sidade das convicgées, bem como as diferentes filosofias tio contraditétias, abstendo-se no fi- nal de aderir a qualquer certeza. Para ele, a tini- ca atitude coerente. do sibio é a suspensio do juizo e,como conseqiiéncia pritica,a indiferenga absoluta em relagio a tudo.-O pirronismo in- -fluenciou Sexto Empirico (éc. I-III 4.C.), mé- dico ¢ astrénomo grego, que escreveu varios li- -vros criticando os dogmiticos e toda indagagio metafisica, reduzindo 0 conhecimento aos fe~ némenos verificdveis. Pelo menos semelhante a Pirro no gosto pelas viagens, 0 filésofo renascentista Montaigne reto- ma o tema do ceticismo. Contrapée-se as certe- zas da escolistica ¢ 4 intolerincia, que marcara um periodo de lutas religiosas, ¢ analisa nos En saios a influéncia de fatores pessoais, sociais e cul- turais-na formagio das opinides. O céticismo, ao se contrapor as express6es dogmiticas do saber e ao fazer a critica das for- mas apressadas em aceitar as certezas, as verda- des absolutas, reaparece sob alguns aspectos no pensamento de filésofos que nio poderiamos propriamente chamar de céticos. B 0 caso de Descartes, que inicia seu método pela dttvida met6dica, embora se trate apenas de um recurso para atingir a verdade indubitivel do cogito. Jé David Hume se diz cético, ao admitir que esta- mos subjugados pelos sentidos ¢ pelos habitos, ‘0 que reduz as certezas a probabilidades, Embo- ra nio possamos certamente classificar Kant como cético,-o seu criticismo, ao abalar os ali- sano ‘Também Marx jé procede a uma critica da razio 20 denunciar a ideologia como um dis~ curso ilusério a servigo da dominacio. E no comego do século XX, Sigmund Freud, fanda- dor da psicanilise, mostra que a consciéncia nao esta no centro do sujeito, descobrindo nos sin tomas as determinagées do inconsciente. Esse processo de critica passa por Heidegger € pelos filésofos da fenomenologia, como Merleau- Ponty, na tentativa de superagio da dicotomia corpo/mente e sujeito/objeto herdada do cartesia- nismo. Mas é a partir da segunda metade do sécu- Jo XX que filésofos como Foucault, Deleuze, Guattari, Lyotard, Rorty e outros criticam 0 conceito clissico'de “representagio”, ou seja, a capacidade da 12240 de representar 0 ebjeto. O que se délineia é 0 esforgo de “descons- trugio dos discutsos”, em que se busca encon~ trar o que ésti dissimulado, escondido;nao'reve~ Jado, procedimento inseparsvel de-uma critica da razio e do seu poder de conhecer 0 mundo. Segundo Luc Ferry, “O genealogista [...] deve ser um intérprete tentando restituir, con forme se poderia crer, a verdade escondida. Mas, na medida em que o genealogista no é um su~ Jeito absoluto,na medida em que, portanto, pos- sui, também ele, um inconsciente, a interpreta gio que prope € 0 discurso que sustenta serio também sintomas. Noutros termos: no hi dis curso neutro [...], uma vez que o discurso p prio do genealogista é por seu turno um lugar onde se exprimem de modo disfarcado interes- ses inconscientes — de tal modo que esse dis— curso deveria'ser pot sua vez interpretado ¢ as- sim sucessivamente, até ao infinito, A conse- giiéncia é limpida: nunca haverd verdade tiltima que esteja absolutamente certa, que possua a ob- Jetividade de um fato, porque hi apenas,no sen Untoabe Il — Contecinento L tido que Nietzsche dé a esta expressio, ‘pers- pectivas’ sobre 0 mundo, doravante, infinito” > Voltando a epigrafe do capitulo, segundo Deleuze e Guattari, todo conhecimento precisa set constantemente revisitado pela critica, com a construgio de novas teorias filos6ficas ou cien- tificas, a fim de se prevenir contra as opiniGes prontas. Outra forma de romper com a rotina do conhecimento adquirido ¢ nio mais ques- tionado esté reservada 4 arte, capaz de despertar novas sensibilidades e estimular a imaginacao (consultar a leitura complementar) Concluséo 2 Vimos que, no correr da histéria humana, cexistiram diversas maneiras de compreender 0 que é a verdade. O importante € nfo sucumbir ao ceticismo radical — que cm Gltima instincia re- cusa a filosofia— nem.a0 dogmatismio — que se aloja 11a comodidade das verdades absolutas —, mas suportar © espanto, a admiragio, a contro- vérsia e aceitar o movimento continuo entre cer- teza.e incerteza. O que nio significa renunciar i. busca do conhecimento, porque conhecer ¢ dar sentido ao mundo ¢ interpretar a realidade, € des- cobrir formas para nela poder agit. Em resume, no pensamento contempo: neo nfo se busca mais a realidade que existiria por trés dos conceitos, como tentavam fazer os antigos,o que nio significa admitir o relativis- mo ou a impossibilidade do conhecimento. A. verdade continua sendo um propésito humano necessirio ¢ vital, mas essa busca supde 0 exer~ cicio da liberdade de perigamento ¢ 0 didlogo, pelo qual os individuos.compartilham as inter- pretagdes possiveis. do real 3. FERRY, Luc. “Modernidade e sujeito". In CARRILHO, temporaneo. Lisboa, Dom Quixote, 1991. p. 236-237. see ene : Manuel Maria (dir). Dictonario do pensamento con- cerces da metafisica, abre caminho para posturas céticas de outros pensadores. Entre os filésofos brasileiros, Oswaldo Por- chat Pereira se classifica como um representante do neopirronismo 4. A critica do conceito tradicional de verdade E dificil e complexa a discussio a respeito da possibilidade de atingirmos a verdade, mes- mo porque sio diferentes as posturas postivieis diante do real, quando nos.dispomos'a compre- endé-lo. Como jf dissesios, segundo a tradicio filos6fica, 0 conhecinieiito resulta da rélagio entre sujeito e objeto, pela qual alcangariamos a verdade das coisas. Eniboia 0 critério da evi- déncia.tenha softido vatiagdes, por muito tem- po permaneceu a conviccio — excetuando-se 08 céticos — de que o sujeito teria a capacidade de conhecer a.verdade. ‘Dessa forma, 0 projeto da modernidade est’ centrado na subjetividade, no-reconhecimento PIRATAS DO TIETE - Laerte do sujeito pensante capaz de conhecer. Essa con- fianga na razo culmina, no século XIX, com a expresso positivista do mundo. Segundo essa perspectiva,a ciéncia é por exceléncia o modelo do saber, é a que nos dé o conhecimento verda~ deiro, uma vez que os critérios de verificabilida- de tais como ocorrem nas ciéncias da natureza, como a fisica, nos levam 2 conclusies seguras, objetivas, aceitas:pela comunidade dos cientistas € que, ainda por cima, com 0 desenvolvimento da técnologia, resultam, em eficéciano agi. No-entanto, esse racionalismo exacerbado pelo qual haveria,um mundo “objetivo” a ser desvendado pelatrazio, comeca a sofrer’ criticas a partir do século XIX. Para Nietzsche, por exemplo, nfo hf fatos, mas apenas interpreta- ges. Como: método de decifragio, Nietzsche propée a genealogia, que coloca em relevo os di- ferentes processos de instituigao de um texto, smostrando as lacunas, os espagos em branco mais significativos,o que nao'ffoi dito ou foi recalca~ do ¢ que permitiu erigir determinados concei- tos em'verdades absolutas e-eternas. 2. Ver A filosofia e a visdo comum do mundo, $40 Paulo, Brasiliense, filésofos Bento Prado Jr. e Tércio Sampaio Ferraz Jr. 1981, em que o autor discute com os ode ~ Poel Quest&o de compreens&0 mesemecmmmmmemewremnntane: asks Os tépicos relacionados a seguir visam verificar a compreenstio dos temas abordados Seapteulo. Expli- que cada um deles: a) distingio entre ato de conhecer e produto do conhecimento; b) a historicidade da razo; 2 c) 08 varios tipos de intuigao; d) distingZo entre intuigdo e conhecimento discursivos e) conceituagao de abstracio; f) distingao de verdade e realidade; g) critérios da verdade; hh) ceticismo e dogmatismo, a erftica do conceito de representagio. 4. Kant, Critica da razGo pura, Analitica, "Da sintese da reprodugiio na imaginacao”. (Nota do autor} 5. Urdoxa: crenca originaria, certeza da crenga. 3. Agueronte; na mitologia grega, rio do Hades (regiao subterranea) que separava 0 mundo dos vivos do mundo dos mortos. were Bies

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