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0) SENFCADO DE BMANCPACAD PARA AS MILHERES NERAS “Maldita seja Canaél”, gritaram os sacerdotes hebreus. “Seja um servo dos servos para seus irmios.” [...] Os negros nao sio servos? Ergo! Foi sobre esses mitos espirituais que se fundou 0 anacronismo da escravidio americana, ¢ foi essa degradacéo que transformou em empregados domésticos os aristocratas do povo de cor. [...] [..] Com a emancipasao [...] 0 trabalho doméstico deixou de ser atrativo para 0 negro. © caminho da salvacio para a multidéo emancipada do povo negro nio atravessava mais a porta da cozinha, com scus grandes sales e a varanda sustentada por pilares do lado de fora. Esse caminho consiste, como todas as pessoas negras logo descobriram e sabem, em escapar da servidio doméstica.|!] Depois de um quarto de século de “liberdade”, um grande nimero de mulheres negras ainda trabalhava no campo. Aquelas que conseguiram ir para a casa-grande encontraram a porta trancada para novas oportunidades — a menos que preferissem, por exemplo, lavar roupas em casa para diversas familias brancas em vez de realizar servicos domésticos variados para uma tinica familia branca. Apenas um niimero infinitesimal de mulheres negras conseguiu escapar do campo, da cozinha ou da lavanderia. De acordo com o censo de 1890, havia 2,7 milhées de meninas e mulheres negras com idade acima dos dez anos. Mais de 1 milhao delas eram trabalhadoras assalariadas: 38,7% na agricultura, 30,8% nos servigos domésticos, 15,6% em lavanderias ¢ infimos 2,8% em manufaturas(2], As poucas que encontraram emprego na indistria realizavam os trabalhos mais sujos ¢ com os menores salérios. Considerando que suas macs escravas também haviam trabalhado nas usinas de algodao do Sul, nas refinarias de agticar e até mesmo nas minas, elas néo haviam conseguido um progresso significative. Em 1890, para as mulheres negras, devia parecer que a liberdade estava em um futuro ainda mais remoto do que no fim da Guerra Civil. Assim como acontecia na época da escravidio, as mulheres negras que trabalhavam na agricultura — como meciras, arrendatérias ou assalariadas — nao eram menos oprimidas do que os homens ao lado de quem labutavam o dia todo. Em geral, elas eram obrigadas a assinar “contratos” com proprietérios de terras que desejavam reproduzir as condigées de trabalho do periodo anterior & Guerra Civil. Com frequéncia, a data de expiragéo do contrato era mera formalidade, uma vez que os proprietérios podiam alegar que os tabalhadores Ihes deviam mais do que 0 equivalente ao perfodo de trabalho prescrito no contrato, Como resultado da emancipagéo, uma grande quantidade de pessoas negras se viu em um estado indefinido de servidéo por divida. As pessoas que tabalhavam como meeiras, que supostamente eram donas do produto de seu trabalho, do estavam em melhor situagio do que quem trabalhava para quitar dividas. Aquelas que “arrendaram” a terra imediatamente apés a emancipacio raramente possuiam dinheiro para saldar os pagamentos do aluguel ou para comprar 0 que precisavam antes da colheita da primeira safra. Exigindo até 30% de participacio, proprietérios de terras comerciantes detinham parte da safta como garantia. Os agricultores, claro, néo podiam pagar esse percentual e, ao fim do primeiro ano, estavam endividados — no segundo ano, tentavam novamente, mas tinham a divida antiga ¢ as novas taxas de participacio a serem pagas ¢, dessa forma, o “sistema de arrendamento” se convertia em um direito sobre a produgio total de que parecia impossivel se desvencilhar. 3] Por meio do sistema de contratagio de pessoas encarceradas, a populagéo negra era forcada a representar os mesmos papéis que a escravidéo havia Ihe atribuido. Homens e mulheres cram igualmente vitimas de detengées prisées sob os menores pretextos — para que fossem cedidos pelas auroridades como mio de obra carceréria, Enquanto os proprietérios de escravos haviam reconhecido limites & crueldade com que exploravam sua “valiosa” propriedade humana, esse tipo de precaucéo nao era necessdrio para os proprietérios de terras que, no pés-guerra, empregavam a mao de obra carcerdria negra por periodos relativamente curtos. “Em muitos casos, detentos docntes eram forcados a trabalhar pesado até que caissem mortos.”(4] Tendo a escravidio como modelo, o sistema de contratagio de mao de obra carceréria nio diferenciava 0 tabalho masculino do feminino. Homens e mulheres eram frequentemente alojados na mesma palicada e agrilhoados juntos durante o dia de wabalho. Em uma resolugio aprovada pela Convengio de Pessoas Negras do Estado do Texas, em 1883, “a pratica de agrilhoar ou acorrentar detentas ¢ detentos juntos” foi “fortemente condenada’!>!, Da mesma forma, na Convengio de Fundagio da Liga Afro- Americana, em 1890, um dos sete motivos apontados como causas da criagao da organizagéo foi “o odioso ¢ desmoralizante sistema penitenciétio do Sul, com suas priticas de acorrentar as pessoas encarceradas umas as outras em fila, obrigé-las a trabalhos forcados e misturar homens e mulheres indiscriminadamente”|°)., Como observou W. E. B. Du Bois, o potencial lucrativo do sistema de contratagio de pessoas encarceradas persuadiu muitos proprietirios de terras do Sul a investir exclusivamente na mao de obra carcerdria — alguns deles empregando a forga de trabalho de centenas de pessoas negras pri , tanto empregadores como autoridades estatais adquiriram um forte interesse econémico em ampliar a populacio carceréria. “Desde 1876”, mostra Du Bois, “pessoas negras tém sido detidas em resposta 4 menor provocagio ¢ sentenciadas a longas penas ou mults, sendo obrigadas a wabalhar para pagé-las”(8), Essa deturpagéo do sistema de justia criminal cra opressiva para toda a populacio safda da escravidio. Mas as mulheres eram especialmente suscetiveis aos ataques brutais do sistema judiciério. Os abusos sexuais softidos rotinciramente durante o perfodo da escravidio nao foram interrompidos pelo advento da emancipagéo, De fato, ainda constitufa uma verdade que “mulheres de cor cram consideradas como presas auténticas dos homens brancos”!®) ~ ¢, se elas resistissem aos ataques sexuais desses homens, com frequéncia cram jogadas na priséo para serem ainda mais vitimizadas por um sistema que era um “retorno a outra forma de escravidio” |!) Durante o perfodo pés-escravidio, a maioria das mulheres negras trabalhadoras que néo enfrentavam a dureza dos campos era obrigada a exccutar servigos domésticos. Sua situacio, assim como a de suas irmas que eram meeiras ou a das operdrias encarceradas, ttazia o familiar selo da escravidéo. Alids, a propria escravidéo havia sido chamada, com cufemismo, de “instituigio doméstica”, as escravas cram designadas pelo inécuo termo “servigais domésticas”. Aos olhos dos ex-proprietirios de escravos, “servico doméstico” devia ser uma expresso polida para uma ocupacio vil que ndo estava nem a meio passo de distancia da escravidéo, Enquanto as mulheres negras trabalhavam como cozinheiras, babés, camareiras ¢ domésticas de todo tipo, as mulheres brancas do Sul rejeitavam tunanimemente trabalhos dessa natureza. Nas outras regides, as brancas que trabalhavam como domésticas cram geralmente imigrantes curopeias que, como suas irmas ex- escravas, eram obrigadas a accitar qualquer emprego que conseguissem encontrar. ‘A equiparacéo ocupacional das mulheres negras com o servigo doméstico néo era, entretanto, um simples vestigio da escravidao destinado a desaparecer com o tempo. Por quase um século, um mimero significative de ex-escravas foi incapaz de escapar as tarefas domésticas. A histéria de uma tabalhadora doméstica da Georgia, registrada por um jornalista de Nova York em 1912!11), reflete a dificil situagéo econdmica das mulheres negras das décadas anteriores, bem como de muitos anos depois. Mais de dois tercos das mulheres negras de sua cidade foram forsados a encontrar empregos como cozinheiras, babés, lavadeiras, camarciras, vendedoras ambulantes ou zeladoras ¢ se viram em condigées “tio ruins, se ndo piores, do que as do periodo da escravidio"! !2I Por mais de trinta anos, essa mulher negra viveu involuntariamente nas casas onde cra empregada, Trabalhando nada menos que catorze horas por dia, cla geralmente tinha permissao de sair por apenas uma tarde a cada duas semanas para visitar a familia, Em »[ 13] suas préprias palavras, cla era “escrava de corpo ¢ alma”!!3] da familia branca que a empregava. Sempre a chamavam pelo primeiro nome — nunca por sta. .. -, € néo era . «, » . (14 raro que se referissem a ela como sua “preta”, ou seja, sua escraval /4) Um dos aspectos mais humilhantes do servigo doméstico no Sul — ¢ outra confirmacio de sua semelhanga com a escravidéo — era a anulacio temporétia das leis Jim Crow!) sempre que uma servical negra estivesse em presenga de pessoas brancas. Eu andava nos bondes ou nos trens com as ctiangas brancas ¢ [...] podia sentar onde quisesse, na frente ow atrés. Se um homem branco perguntasse a outro branco “O que esta preta esté fazendo aqui”, ¢ a resposta fosse “Ah, cla cuida daquelas ctiangas brancas que estio na frente dela”, imediatamente se fazia o siléncio da paz. Tudo estava bem, contanto que eu estivesse na parte do bonde reservada aos brancos ‘ow no vagio de trem dos brancos como uma servigal — uma escrava —, mas caso eu no me apresentasse como uma servigal [...] por no ter nenhuma crianga branca comigo, cu era imediatamente mandada para os bancos das pessoas “pretas” ou para 0 vagio das “pessoas de cor”. 5] Desde a Reconstrugéo até o presente, as mulheres negras empregadas em fangdes domésticas consideraram 0 abuso sexual cometido pelo “homem da casa” como um dos maiores riscos de sua profissao. Por intimeras vezes, foram vitimas de extorséo no trabalho, sendo obrigadas a escolher entre a submisséo sexual ¢ a pobreza absoluta para si mesmas e para sua familia, Essa mulher da Gedrgia perdeu um de seus empregos, no »{16] qual morava, porque “eu me recusei a deixar 0 marido da senhora me beijar”! !61, Assim que fui empregada como cozinheira, ele se aproximou, colocou os bracos em yolta de mim e estava quase me beijando quando eu exigi saber 0 que significava aquilo ¢ o empurrei. Eu cra jovem, recém-casada ¢ ainda nio sabia 0 que, desde entio, tem sido um peso para minha mente e meu coracéo: que nesta parte do pais a virtde de uma mulher de cor nunca esti protegida.! 17] Tal como na época da escravidéo, o homem negro que protestasse contra esse tipo de tratamento para sua irmé, filha ou esposa poderia esperar ser punido. “Quando meu marido foi tirar satisfagées com o homem que me insultou, 0 homem 0 amaldioou, o mandou prendé-lo! A policia multou meu marido em 25 délares.”{18) Depois que cla testemunhou, sob juramento, & corte, “o velho juiz ergucu os olhos ¢ disse: ‘Esta corte nunca acatard a palavra de uma preta contra a palavra de um homem branco’”! 19], Em 1919, quando as lideres sulistas da Associago Nacional das Mulheres de Cor registraram suas reclamacées, as condigdes do servigo doméstico estavam em primeiro esbofeteou ¢. lugar da lista, Elas tinham bons motivos para protestar contra 0 que educadamente »(20] doméstica da Geérgia teria manifestado concordancia incondicional com os protestos da Associacao. Em suas palavras: denominaram “exposigéo a tentagies morais”'20) no trabalho, Sem diivida, a empregada Acredito que quase todos os homens brancos tomavam ou esperavam tomar liberdades indevidas com suas servigais de cor — nao sé os pais, mas, em muitos casos, também os filhos. As empregadas que se rebelassem contra essas intimidades ou teriam de ir embora ou, caso ficassem, poderiam esperar muitas dificuldades. [21] Desde 0 periodo da escravidéo, a condigéo de vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas tem sustentado muitos dos mitos duradouros sobre a “imoralidade” das mulheres negras. Nesse clissico “circulo vicioso”, 0 trabalho doméstico ¢ considerado degradante porque tem sido realizado de modo desproporcional por mulheres negras que, por sua vez, sao vistas como “ineptas” ¢ “promiscuas”. Mas as aparentes inépcia ¢ promiscuidade sio mitos que se confirmam repetidamente pelo trabalho degradante que clas séo obrigadas a fazer. Como W. E. B. Du Bois disse, qualquer homem branco “decente” cortaria 0 pescogo da propria filha antes de permitir que cla aceitasse um emprego doméstico! 22). Quando a populagéo negra comegou a migrar para o Norte, homens ¢ mulheres descobriram que, fora do Sul, seus empregadores brancos nio cram fundamentalmente diferentes de seus ex-proprietirios nas atitudes em relacéo a0 potencial de trabalho da mio de obra escrava recentemente liberta, Eles também acreditavam, ao que parece, que “negros si servigais, servigais sao negros"\>), De acordo com 0 censo de 1890, Delaware era o tinico estado nao sulista em que a maioria da populacdo negra estava empregada como mio de obra agricola ¢ mecira, néo em servigos domésticos!?4), Em 32 dos 48 estados, 0 servigo doméstico era a ocupagéo predominante tanto de homens quanto de mulheres, Em sete de cada dez estados, havia mais pessoas negras trabalhando em fungées domésticas do que em todas as outras ocupagées juntas!25, © relatério censitério provava que negros séo servicais, servicais sho negros O importante ensaio de Isabel Eaton sobre servigo doméstico, publicado em 1899, no estudo The Philadelphia Negro [O negro da Filadélfia], de Du Bois, revela que 60% da mao de obra negra no estado da Pensilvinia estava empregada em algum tipo de fungio doméstical26l, A situagio das mulheres era ainda pior, pois 91% das trabalhadoras negras — 14.297 de um total de 15.704 — eram contratadas como servigais\?7], Quando foram para o Norte, tentando fugir da antiga condigéo de escravidéo, descobriram que simplesmente nao havia outras ocupagses disponiveis para clas. Durante a pesquisa para seu estudo, Eaton entrevistou diversas mulheres que chegaram a lecionar em escolas, mas que haviam sido demitidas devido ao (28) Expulsas da sala de aula, haviam sido obrigadas a trabalhar na lavanderia ¢ na cozinha. Dos 55 empregadores entrevistados por Eaton, apenas um prefe “preconceito’ servicais brancas as negras!29]_ Nas palavras de uma mulher: “Acho que as pessoas de cor séo muito difamadas em relagéo a honestidade, limpeza e confiabilidade; minha experiéncia € que clas so imaculadas em todos os sentidos ¢ totalmente honestas; na verdade, néo posso clogié-las o suficiente”!30l, O racismo funciona de modo intrincado, As empregadoras que acreditavam estar clogiando as pessoas negras ao afirmar preferi-las em relagio as brancas argumentavam, na verdade, que as pessoas negras estavam destinadas a ser servicais domésticas — escravas, para ser franca, Outra empregadora descreveu sua cozinheira como “muito esforcada e cuidadosa — meticulosa. Ela é uma criatura boa, fiel e muito agradecida”3 4), Claro, a “boa” servigal & sempre fiel, confivel ¢ agradecida, A literatura dos Estados Unidos ¢ os meios de comunicacéo populares no pais fornecem numerosos esteredtipos da mulher negra como servigal resistente e confidvel. As Dilseys!>] (4 Ja Faulkner), as Berenices (de A convidada do casamento\®)) © as Tias Jemimas de fama comercial se tornaram personagens arquetipicas da cultura estadunidense. Por isso, a tinica mulher entrevistada por Eaton que preferia servigais brancas confessou que, na verdade, empregava ajudantes negras “porque clas se parecem mais com criadas”|321, A definigéo rautolégica de pessoas negras como servi ideologia racista. is &, de fato, um dos artificios essenciais da Com frequéncia, racismo ¢ sexismo convergem ~ ¢ a condigéo das mulheres brancas tabalhadoras néo raro é associada A situagéo opressiva das mulheres de minorias étnicas|4]. Por isso, os salérios pagos as trabalhadoras domésticas brancas sempre foram fixados pelo critério racista usado para calcular a remuneracéo das servigais negras. As imigrantes que eram obrigadas a aceitar 0 emprego doméstico ganhavam pouco mais do que suas companheiras negras. Em relagio as possibilidades salariais, clas estavam, de longe, muito mais préximas de suas irmas negras do que de seus irmaos brancos que trabalhavam para sobreviver! 331, Se as mulheres brancas nunca recorreram ao trabalho doméstico, a menos que tivessem certeza de nao encontrar algo melhor, as mulheres negras estiveram aprisionadas a essas ocupagées até o advenro da Segunda Guerra Mundial. Mesmo nos anos 1940, nas esquinas de Nova York e de outras grandes cidades, existiam mercados — versées modernas das pracas de leilées de escravos — em que as mulheres brancas eram convidadas a escolher entre a multidéo de mulheres negras que procuravam emprego. Todas as manhis, sob sol ou chuva, mulheres com sacolas de papel pardo ou maletas baratas se reuniam em grupos nas esquinas do Bronx e do Brooklyn, onde esperavam pela oportunidade de conseguir algum trabalho. [...] Uma vez contratadas no “mercado de escravas”, depois de um dia de trabalho extenuante, clas no raro descobriam que haviam trabalhado por mais tempo do que o combinado, recebido menos do que o prometido, sido obrigadas a accitar 0 pagamento em roupas em ver de dinheiro ¢ exploradas além da resisténcia humana, Mas a necessidade urgente de dinheiro faz com que elas se submetam a essa rotina didria. [34] Nova York possuia cerca de duzentos desses “mercados de escravas”, virios deles localizados no Bronx, onde “quase todas as esquinas para cima da rua 167” eram ponto de encontro de mulheres negras em busca de trabalho!35], Em um artigo publicado no jornal The Nation, em 1938, intitulado “Our Feudal Housewifes” [Nossas donas de casa feudais], afirma-se que as mulheres negras trabalhavam em torno de 72 horas por semana, recebendo os menores salérios em relagdo a todas as ocupagées! 96), Além de ser 0 menos gratificante de todos os empregos, 0 trabalho doméstico também era o mais dificil de ser organizado em sindicatos. Desde 1881, as trabalhadoras domésticas estavam entre as mulheres que se filiaram as unidades locais da Knights of Labor quando a instituigio retirou o veto a participacéo de mulheres!37!, Muitas décadas depois, porém, as organizagées sindicais que buscavam unir a mao de obra doméstica enfrentaram os mesmos obstdculos que suas antecessoras. Dora Jones fundou ¢ dirigiu 0 Sindicato de Trabalhadoras Domésticas de Nova York durante os anos 1930/98], Em 1939 — cinco anos dep is da criagao do sindicato —, apenas 350 das 100 mil domésticas do estado tinham se filiado. Mas mesmo diante das enormes dificuldades de organizar a mio de obra doméstica essa realizagio no podia ser considerada de menor importancia. As mulheres brancas — incluindo as feministas — demonstraram uma relutincia histérica em reconhecer as lutas das trabalhadoras domésticas. Elas raramente se envolveram no trabalho de Sisifo que consistia em melhorar as condicées do servico doméstico. Nos programas das feministas “de classe média” do passado do presente, a so dos problemas dessas trabalhadoras em geral se mostrava uma justificativa velada— ao menos por parte das mulheres mais abastadas — para a exploracio de suas préprias empregadas. Em 1902, a autora de um artigo intitulado “A Nine-Hour Day for Domestic Servants” [Jornada de nove horas didrias para servigais domésticas] relata uma conversa que teve com uma amiga feminista que Ihe pedi que assinasse uma petigio destinada a pressionar empregadores a fornecer cadeiras para as balconistas. conveniente o “As mogas”, cla disse, “tém de ficar de pé dez horas por dia, ¢ me déi o coragéo ver © cansago no rosto delas.” “Sra. Jones”, eu disse, “quantas horas por dia sua empregada fica de pé?” “Por qué? Eu nio sei”, ela ofegou, “cinco ou seis, creio eu.” “A que horas cla se levanta2” seis. “E aque horas cla termina o trabalho, & noite?” “Por volta das oito, acho, normalmente.” “S40 catorze horas...” “Ela pode se sentar durante o trabalho.” “Durante qual trabalho? Lavando? Passando? Varrendo? Arrumando as camas? Cozinhando? Lavando a lousa? (. Talvez ela se sente por duas horas, nas refeigdes € quando prepara os vegetais, ¢ quatro dias por semana ela tem uma hora livre @ tarde. Sendo assim, sua empregada fica de pé pelo menos onze horas por dia, incluindo o agravante de ter de subir escadas. O caso dela me parece mais digno de compaixio do que o da balconista da loja.” Minha visitante se levantou, corada ¢ com faiscas nos olhos. “Minha empregada sempre tem livres os domingos depois do jantar”, cla disse. “Sim, mas a balconista tem todo 0 domingo livre. Por favor, nao va antes que ew assine a peticio. Ninguém ficaria mais grata do que eu em ver que as balconistas tm »[39] a possibilidade de se sentar [ Essa militante feminista estava perperuando a mesma opressio contra a qual protestava, Mas seu comportamento contradit6rio e sua insensibilidade desproporcional nio sio inexpliciveis, j4 que as pessoas que trabalham como servicais geralmente sio vistas como menos do que seres humanos. Inerente & dinimica do relacionamento entre senhor e escravo (ou senhora e empregada), disse o filésofo Hegel, ¢ 0 esforco constante para aniquilar a consciéncia do escravo. A balconista mencionada na conversa era uma wabalhadora remunerada — um ser humano com um grau minimo de independéncia em relagio a quem o empregava e a0 proprio trabalho. A servigal, por outro lado, trabalhava com 0 tinico propésito de satisfazer as necessidades de sua senhora. Provavelmente enxergando sua criada como mera extens3o de si mesma, a feminista dificilmente poderia ter consciéncia de seu préprio papel ativo como opressora. Conforme Angelina Grimké declarou em seu Appeal to the Christian Women of the South [Apelo as mulheres cristés do Sul], as mulheres brancas que néo enfrentavam a instituiggo da escravidéo carregavam uma pesada responsabilidade por sua inumanidade. Do mesmo modo, o Sindicato de Trabalhadoras Dom icas expos o papel das donas de das wabalhadoras domésticas negras. casa de classe média na opressé A dona de casa esta condenada ao posto de pior empregadora do pais [...]. ‘As donas de casa dos Estados Unidos obrigam seu 1,5 milhéo de empregadas a rabalhar em média 72 horas por semana e pagam a elas [...] aquilo que conseguem espremer de seu orgamento depois que o dono da mercearia, 0 agougueito [...] [40] [etc] foram pagos. A desesperadora situagdo econdmica das mulheres negras — elas realizam o pior de todos os trabalhos ¢ séo ignoradas — no mostrou sinais de mudanga até o inicio da Segunda Guerra Mundial. As vésperas da [entrada dos Estados Unidos na] guerra, de acordo com o censo de 1940, 59,5% das mulheres negras empregadas cram tabalhadoras domésticas e outros 10,4% tabalhavam em ocupagées _nio domésticas!41], Como aproximadamente 16% ainda trabalhavam no campo, menos de uma em cada dez tabalhadoras negras havia realmente comegado a escapar dos velhos grilhoes da escravidio. Mesmo aquelas que conseguiam entrar na inddstria e em atividades profissionais tinham pouco do que se gabar, pois eram designadas, via de regra, aos trabalhos com os piores salédrios nessas ocupagées. Quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial ¢ 0 trabalho feminino manteve a economia de guerra em funcionamento, mais de 400 mil mulheres negras deram adeus para seus tabalhos domésticos. No auge da guerra, o mimero de mulheres negras na industria havia mais que dobrado. Mesmo assim — ¢ essa ressalva € inevitdvel -, ainda nos anos 1960, pelo menos um tergo das trabalhadoras negras permanecia preso aos mesmos trabalhos domésticos do pasado ¢ um quinto delas realizava servigos fora do ambiente doméstico! “21, Em um ensaio ferozmente critico intiuulado “The Servant in the House” [A servigal na casa], W. E. B. Du Bois argumentou que, enquanto 0 servico doméstico fosse a regra para a populagio negra, a cmancipagéo permaneceria uma abstragéo conceitual. “O negro”, insistia Du Bois, “néo alcangard a liberdade até que esse odioso emblema de {431 As mudancas esctavidio e medievalismo seja reduzido para menos de 10%” estimuladas pela Segunda Guerra Mundial forneciam apenas uma sugestio de progresso. Apés oito longas décadas de “emancipacio”, os sinais de liberdade eram sombras téo vagas ¢ distantes que era preciso forgar os olhos para vislumbré-las (1) W. E. B. Du Bois, Darkwater, cit., p. 113. [2] Barbara Wertheimer, We Were There, cit., p. 228. (3) Herbert Apthcker, A Documentary History of the Negro People in the United States, v. 2, cit, p. 747. “Tenant Farming in Alabama, 1889”, The Journal of Negro Education, n. 17, 1948, p. 46 e seg [4] Herbert Aptheker, A Documentary History of the Negro People in the United States, v. 2, cit, p. 689. Convencéo de Pessoas Negras do Estado do Texas, 1883.

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