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Ciência & Saúde Coletiva

ISSN: 1413-8123
cecilia@claves.fiocruz.br
Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva
Brasil

Schwartz, Tatiane; Vieira, Renata; Geib, Lorena Teresinha Consalter


Apoio social a gestantes adolescentes: desvelando percepções
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 16, núm. 5, 2011, pp. 2575-2585
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63018749028

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ARTIGO ARTICLE
Apoio social a gestantes adolescentes: desvelando percepções

Social support to pregnant adolescents: clarifying perceptions

Tatiane Schwartz 1
Renata Vieira 2
Lorena Teresinha Consalter Geib 3

Abstract This descriptive-exploratory study us- Resumo Com o objetivo de descrever a percepção
ing a qualitative approach was undertaken to de- das gestantes adolescentes em relação ao apoio re-
scribe the perceptions of pregnant adolescents in cebido durante a fase gestacional, realizou-se este
relation to social support provided during preg- estudo exploratório-descritivo de abordagem qua-
nancy. Twelve adolescents in their first pregnancy litativa. Participaram 12 adolescentes primiges-
who frequented the outpatient health service in tas, frequentadoras dos serviços ambulatórios de
Passo Fundo in the state of Rio Grande do Sul saúde de Passo Fundo (RS). Por meio de entrevis-
(Brazil) participated in the study. The data was tas semiestruturadas, genogramas e ecomapas, ob-
obtained by semi-structured interviews, geno- tiveram-se os dados analisados pela modalidade
grams and ecomaps and was assessed by thematic temática. Evidenciou-se a percepção da necessi-
analysis. It highlighted the need for support to over- dade de apoio para superar o medo e o desafio da
come the fears and challenges of motherhood. The maternidade. Mães e parceiros foram percebidos
mothers and partners were perceived as the main como as principais fontes de apoio, provendo as
sources of support in affective and material terms. dimensões afetiva e material. O saber do senso
Common sense knowledge prevailed in the infor- comum preencheu a dimensão de informação, e a
mation dimension and pregnancy as a mediator dimensão emocional revelou a gravidez como me-
in the reconciliation with the father fulfilled the diadora na reconciliação com o pai. A percepção
emotional dimension. The perception of the di- da dimensão de interação social positiva foi ofus-
mension of positive social interaction was blurred cada pelo isolamento autoimposto. Assim, a per-
by self-imposed isolation. Thus the adolescent’s cepção da adolescente sobre o apoio social recebi-
perception of the social support received is clear in do é nítida em relação ao núcleo familiar e cir-
relation to the family nucleus and includes the cunscreve-se às pessoas com maior apego. A rede
1
people in the family circle. The network of care de cuidados extrafamiliar, incluindo os serviços
Hospital São Vicente de
Paulo. Rua Teixeira Soares outside the family, including the healthcare ser- de saúde, é frágil e gera a percepção das dificulda-
808, Centro. 99010-080 vices, is tenuous and generated the perception of des psicossociais, sugerindo a necessidade de mai-
Passo Fundo RS.
psychosocial difficulties. This reveals the need for or investimento dos profissionais da atenção bá-
tati_schwartz@hotmail.com
2
Curso de Enfermagem, greater investment of primary healthcare profes- sica de saúde na inserção das adolescentes primi-
Universidade de Passo sionals in the inclusion of first-time-pregnancy gestas em grupos de cuidado social, que influenci-
Fundo.
3
adolescents in social care groups, which ensure am no desenvolvimento saudável da gestação.
Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade de the healthy progress of the pregnancy. Palavras-chave Adolescência, Gestação, Apoio
Passo Fundo. Key words Adolescence, Gestation, Social support social
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Schwartz T et al.

Introdução O deslocamento desses enfoques para a con-


cepção da gravidez na adolescência como uma
A adolescente, ao engravidar, convive com dois etapa do aprendizado da sexualidade juvenil parte
eventos estressores, que ocorrem sinergicamen- da compreensão da juventude como um proces-
te: a adolescência e a gestação. A adolescência, so de aquisição gradativa de liberdade e autono-
por si só, implica investimentos pessoais e soci- mia. Nessa dimensão, a gravidez é percebida com
ais para lidar com as mudanças físicas e emocio- diferentes possibilidades e significados entre os
nais, mas também com o posicionamento social, jovens de diferentes contextos sociais1. Assim, a
familiar e sexual. Em relação à gestação, a ado- vivência da sexualidade concorre para a constru-
lescente se vê desafiada a assumir um maior grau ção social do adolescente e o capacita a captar os
de independência e de responsabilidade pela pro- padrões socioculturais e a desenvolver as possi-
visão de cuidados com o desenrolar da gestação. bilidades de se tornar independente dos pais sem,
Entretanto, a transição entre a posição de indiví- contudo, dispensar o seu apoio3.
duo que recebe cuidados para a de sujeito que A decisão de assumir a maternidade condici-
oferece cuidados ocorre, geralmente, num con- ona a adolescente, na maior parte dos casos, a
texto de coabitação e dependência sociofamiliar. aceitar o apoio familiar nas suas dimensões ma-
A libertação desse contexto pode se dar pelo ca- terial, de informação, afetiva, entre outras, que
samento ou pela maternidade, tidos como vias lhe permitem enfrentar os desafios do percurso
de mais rápido acesso à fase adulta, ainda que a escolar-profissional e da convivência com o par-
opção pela gravidez encerre o ônus da ilegitimi- ceiro e sua família4, sem implicar ruptura nas
dade social da maternidade precoce, atribuída suas trajetórias de vida e no seu processo de indi-
frequentemente à “irresponsabilidade” adolescen- vidualização.
te. Essa conotação assenta-se sobre o pânico Algumas adolescentes, no entanto, sentindo-
moral, advindo de um clima social que atribui as se empobrecidas de cuidado intrafamiliar durante
condições insatisfatórias de vida em sociedade à a gestação, podem reduzir os seus contatos soci-
dissolução moral, à falta de autoridade na famí- ais e enfraquecer os vínculos de amizade. Por es-
lia, à redefinição de papéis de gênero e ao exercí- ses vínculos, poderiam estar fluindo as dúvidas e
cio da sexualidade em novos termos1. Nessa con- as inquietações íntimas, mais fáceis de serem
cepção, a adolescente deveria adotar os padrões compartilhadas com pessoas da mesma idade e
reprodutivos impostos pelo ambiente sociocul- ambiente socioeconômico do que com profissi-
tural em que está inserida. onais, especialmente quando são poucos os es-
O estatuto de “problema social” conferido à paços para escuta e manifestações de necessida-
gravidez na adolescência decorre da interpretação des. Nas relações de amizade ou vizinhança po-
dada a ela pelos seguintes enfoques2: (1) médico- dem circular informações acerca da vivência da
epidemiológicos – assentam-se sobre os fatores sexualidade e da gestação, que complementam a
de riscos para a saúde das mães e seus filhos asso- orientação técnica. Desse modo, os cuidado for-
ciados à idade reprodutiva; a gestação “precoce” mal e informal se articulam oferecendo a possi-
decorre da grande suscetibilidade a comportamen- bilidade de compreensão da gravidez e seus des-
tos de risco; (2) sociodemográficos – enfocam o dobramentos numa perspectiva sociocultural
aumento quantitativo de mães solteiras decor- por meio da solidariedade e do apoio mútuo en-
rente da instabilidade de vínculos conjugais e a tre pessoas do mesmo grupo social.
interrupção do processo de escolarização da ado- O setor saúde redescobriu a família como
lescente, com repercussão sobre seu futuro no unidade privilegiada de atenção ao implantar a
mundo do trabalho e, consequentemente, na sua Estratégia Saúde da Família. Fica implícito nesta
situação social e econômica; (3) psicossociais – política governamental o reconhecimento de que
seus argumentos apoiam-se sobre a autonomia a família está no centro das funções de cuidado.
da adolescente em relação à família de origem e a Esse tipo de cuidado de conotação social efetiva-
sua capacidade de assumir responsabilidades so- se nas relações de parentesco, de vizinhança e de
ciais; neste enfoque, a gravidez na adolescência é amizade e no atendimento das necessidades físi-
tida como produto de instabilidade familiar, po- cas e emocionais das pessoas envolvidas. Confi-
breza, abandono escolar, carência psicoafetiva; gura-se, portanto, como um cuidado não pro-
estaria, portanto, vinculada à possibilidade de fissional, que tenta romper com o atendimento
perpetuação da pobreza e nesta condição deveria individualizado para envolver a família como
ser coibida pela sociedade como forma de redu- sujeito autônomo de produção do cuidado na
ção das desigualdades socioeconômicas. linha das relações sociais. Inclui, assim, a possi-
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bilidade de equilibrar a relação entre cuidado for- zando o ambiente psicossocial, considerando
mal e informal e fortalecer o apoio social à ges- também os fatores biológicos e psicológicos12.
tante adolescente. Entre os estudos realizados nesta perspectiva,
No entanto, a existência do apoio social – está o desenvolvido por Silva13, que teve como
entendido aqui como todo o suporte dado pela objetivo identificar o papel do apoio social sobre
família ou pelos amigos, que faz a adolescente a ocorrência da pré-eclâmpsia. Os resultados da
grávida sentir-se cuidada em suas necessidades pesquisa mostraram que multíparas com maior
físicas, compreendida, acompanhada, assistida e nível de apoio social tendem a reduzir o risco de
orientada – pode não ser percebido como tal pela apresentar sintomas de pré-eclâmpsia. Para as
adolescente, impedindo-a de alcançar a sensação primíparas, houve maior nível de apoio social com
de bem-estar e de desenvolver a capacidade de consequente redução dos sintomas da doença10.
enfrentamento dos problemas. Em relação à percepção do apoio social na
O apoio social é um processo dinâmico e gestação, um estudo realizado com mães adoles-
complexo. Envolve transações entre indivíduos e centes e adultas14 mostrou que possuir uma rede
as suas redes sociais, satisfazendo as necessida- de apoio social permitiu a essas mães sentirem-
des sociais, promovendo e completando os re- se amparadas.
cursos pessoais que possuem para enfrentarem Nesta lógica, este estudo objetivou desvelar a
novas exigências5,6. percepção da gestante adolescente sobre o apoio
As funções do apoio social se dividem em social recebido, possibilitando sensibilizar os
apoio emocional – que inclui disponibilidade de profissionais de saúde para a criação de grupos
alguém com quem se possa falar e que fomenta de cuidado social no âmbito de suas áreas de atua-
sentimentos de afeto; apoio material e instru- ção, recuperando as redes de solidariedade pri-
mental – que se caracteriza por ações ou materi- márias como provedoras de cuidados informais.
ais proporcionados por outras pessoas para fa-
cilitar ou diminuir tarefas cotidianas; e, por fim,
o apoio de informação – que se refere às infor- Metodologia
mações e orientações recebidas, que ajudam na
compreensão do mundo7. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descriti-
“Perceber” o apoio social como disponível em va de abordagem qualitativa desenvolvida em
situação de necessidade é um redutor potente do dois Centros de Atenção Integral à Saúde do
estresse, mais do que o realmente recebido8. O município de Passo Fundo (RS). Essas unidades
apoio social ameniza os efeitos patogênicos do foram escolhidas por ali existirem grupos de ges-
estresse no organismo, estimulando a capacida- tantes adolescentes em funcionamento. O muni-
de das pessoas para lidar com situações difíceis9. cípio de Passo Fundo integra a Macrorregião
Existem variações na percepção que o indiví- Norte de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul
duo tem sobre o apoio social. Esta percepção (RS) e conta com uma população estimada para
encontra-se ligada pela comunicação aos sujei- 2007 de 188.302, com uma taxa de crescimento
tos de que são estimados e pela confiança que anual de 1,9% estimada para o período 2000-
adquirem pela constatação de que os outros se 2006. As gestações na adolescência corresponde-
interessam por eles e estão disponíveis quando ram a 19,7% no período de julho a dezembro de
for necessário. Quando o apoio social é percebi- 200615. Na atenção básica de saúde, a cobertura
do, é interiorizado de forma cognitiva e com ori- em 2005 pelo Programa de Agentes Comunitá-
gem nas experiências de apego. Assim, o apoio rios de Saúde atingiu 23,51 (12,4%) habitantes e
social recebido será efetivo de acordo com o en- pela Estratégia Saúde da Família, 54.271 (29,3%)16.
tendimento de cada indivíduo. Participaram do estudo doze adolescentes pri-
Desde a década de 1970, há estudos que rela- migestas, frequentadoras dos serviços de saúde
cionam laços sociais e saúde10,11 e mostram que o há, no mínimo, um ano. Esse número foi defini-
apoio social atuaria tamponando a resposta do do pela saturação de dados. A escolha das partici-
organismo em forma de doença e, também, for- pantes foi feita de forma intencional deliberativa,
talecendo a sensação de controle sobre a própria por ser impossível, por questões práticas, abor-
vida, com efeitos positivos para a sua saúde. Pos- dar todos os sujeitos que compõem o grupo de
teriormente, evidenciou-se ser extremamente interesse do pesquisador; só é viável conhecer parte
importante desenvolver estudos a respeito do do universo ao que denominamos de amostra de
apoio social para o planejamento e o desenvolvi- sujeitos. O autor do projeto delibera quem são os
mento de políticas e programas de saúde, priori- sujeitos que comporão seu estudo, ficando livre
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Schwartz T et al.

para escolher entre aqueles cujas características Tratando-se de uma pesquisa qualitativa,
possam trazer informações substanciosas sobre empregou-se a análise de conteúdo, optando-se
o assunto em pauta17. Estabeleceu-se como crité- pela técnica temática, que se destina a descobrir
rio de exclusão as adolescentes primigestas com os núcleos de sentido presentes no conteúdo das
comunicação prejudicada. falas e com significado para o objetivo de análise
A captação das gestantes para o estudo foi do pesquisador22.
feita pelas pesquisadoras, com colaboração das O projeto de pesquisa foi apreciado e apro-
equipes de Saúde da Família das unidades seleci- vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Uni-
onadas para o estudo. O contato foi estabelecido versidade de Passo Fundo. O seu desenvolvimen-
durante a participação delas nos grupos educati- to junto às unidades de saúde foi autorizado pelo
vos que funcionam nesses locais. secretário municipal de saúde. Cada participante
A coleta dos dados foi realizada em dois mo- e seus representantes legais assinaram o Termo
mentos: de Consentimento Livre e Esclarecido. Os casos
– Primeiro momento: por meio de entrevis- identificados com carência de apoio foram enca-
tas semiestruturadas, com auxílio de um instru- minhados para a Unidade de Saúde da Família a
mento contendo: (1) dados sociodemográficos; que pertence.
(2) construção de genograma e ecomapa; (3)
questões abertas sobre a rede de apoio familiar,
de vizinhança, grupo de convívio e serviço públi- Resultados e discussão
co relativas às dimensões investigadas: apoio
material, apoio afetivo, apoio emocional, apoio Participaram deste estudo 12 adolescentes com
de informação e interação social positiva. idades entre 14 e 19 anos, nove delas casadas ou
O genograma corresponde a um diagrama com união estável. Todas interromperam os es-
que detalha a estrutura e o histórico familiar for- tudos ao engravidar. Nove estavam cursando o
necendo informações sobre vários papéis de seus ensino médio e três o fundamental. Eram em sua
membros e das diferentes gerações. maioria católicas e não trabalhavam. Cinco delas
O ecomapa é um diagrama das relações entre permaneceram na casa dos pais após a gravidez,
a família e a comunidade. Serviu como instru- cinco foram morar com a família do parceiro (a
mento complementar para a identificação das di- expressão “parceiro” será utilizada no texto com
mensões funcionais de apoio social percebido o sentido de marido ou companheiro) e duas
propostas por Ostergren et al.18 e Sherboune e constituíram o próprio lar com o pai da criança.
Sterwart19 e empregadas no Brasil, entre outros, Apesar de haver uma tendência atual de vin-
por Griep et al.20 e Pinto et al.21, assim descritas: cular a gravidez na adolescência ao processo de
(1) “apoio material”: refere-se à provisão de re- individualização juvenil, considerado como o
cursos e ajuda material, incluídas, por exemplo, modo de construção social do jovem3, neste es-
a ajuda em dinheiro ou empréstimo de utensíli- tudo foi adotado o recorte etário de 10 a 19 anos
os, em caso de necessidade emergencial; (2) estabelecido no conceito de adolescência da Or-
“apoio afetivo”: envolve demonstrações físicas de ganização Mundial da Saúde23, porque era de in-
amor e afeto; (3) “apoio emocional”: refere-se à teresse compreender o apoio social percebido
expressão de carinho, compreensão, confiança, pelas adolescentes em fase de escolaridade mé-
estima, afeto, escuta e interesse; (4) “apoio de dia, pertencentes a classes econômicas médio-
informação”: refere-se à disponibilidade de pes- baixas, que acessam os serviços da rede munici-
soas para a obtenção de conselhos ou orienta- pal de saúde.
ções; é medido por meio do acesso dos indivídu- A média de idade das gestantes foi de 17 anos
os a aconselhamentos, sugestões, orientações e (DP=1,8), o que revela um padrão similar ao
informações; (5) “interação social positiva”: é a encontrado em três capitais brasileiras no estu-
disponibilidade de pessoas com quem se divertir do intitulado “Gravidez na Adolescência: estudo
e relaxar. Essas dimensões integram as escalas de multicêntrico sobre jovens, sexualidade e repro-
apoio social empregadas em estudos quantitati- dução no Brasil” (Projeto Gravad)24. Apenas cin-
vos e servirão de parâmetros para a avaliação da co das doze adolescentes engravidaram antes de
percepção sobre o apoio social recebido, numa atingir sua maioridade civil, permanecendo as-
abordagem qualitativa. sim com o direito de receber sustento familiar25.
– Segundo momento: foi realizada uma di- No entanto, a despeito da formalidade legal, al-
nâmica de grupo, com técnica projetiva, na qual gumas gestantes se deparam com o fantasma da
o grupo se autoanalisou e autointerpretou. punição: A minha irmã ficou grávida aos 14 anos,
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então eu pensei que o meu pai fosse me crucificar Percepção da adolescente primigesta
porque de novo aconteceu a mesma coisa, sendo acerca do apoio social recebido
que eu já tinha visto o meu pai e a minha mãe
sofrerem com a minha irmã. Ele me criticou claro, Da análise dos conteúdos das entrevistas, dos
disse que eu ia sofrer as consequências, mas não me genogramas e dos ecomapas emergiram as se-
expulsou de casa, nem nada. Eu fui morar com a guintes categorias temáticas derivadas da “per-
minha sogra porque meu namorado achou me- cepção da adolescente primigesta”: necessidade
lhor, minha família nunca me mandou embora de apoio para superar o medo e o desafio da
(A1, 16 anos, união estável). Percebe-se o discur- maternidade; as avós e os parceiros como fontes
so moralista subjacente à expectativa da adoles- supridoras de apoio. Nas “dimensões do apoio”
cente acerca da conduta paterna diante da repeti- destacaram-se: a necessidade não percebida de
ção da vergonha e do sofrimento imputados pela apoio material; a experiência das mais velhas e o
gestação na adolescência. A quebra das expecta- saber profissional; o amor do parceiro e a com-
tivas tradicionais da maternidade dentro do ca- preensão materna; a gravidez como mediadora
samento e em idade socialmente legitimada pa- na reconciliação com o pai e a percepção ofusca-
rece justificar o uso da punição por meio da rup- da pelo isolamento autoprovocado.
tura do dever familiar de sustento, conferido pela
legislação atual. Mas não é o descumprimento Necessidade de apoio para superar
desse dever que move a expulsão de casa e sim a o medo e o desafio da maternidade
demonstração da indignação pelo ocorrido, mes-
mo que, como neste caso, circunscrita ao imagi- O apoio social oferece a proteção da pessoa a
nário da gestante e ao gênero feminino. algum evento da vida que possa lhe imputar so-
A idade dos parceiros variou de 20 a 31 anos frimento. No caso da gravidez inesperada e em
(média 24; DP: 3,6). Nenhum deles, portanto, idade precoce, os mecanismos de proteção mais
adolescente. Três eram mais velhos (2-4 anos) e efetivos são geralmente buscados no núcleo fa-
nove muito mais velhos (5 anos e +) do que a miliar e nos contatos sociais. Contudo, em algu-
adolescente, tendência também constatada no mas famílias, a gravidez na adolescência pode ser
Projeto Gravad24. Essa tendência reflete a desi- de difícil aceitação e provocar conflitos familia-
gualdade de gênero no relacionamento afetivo- res que se tornam fontes de problemas para as
sexual, cuja expectativa recai na união de mulhe- adolescentes: Tenho dificuldade com a minha so-
res mais jovens com homens mais velhos26. gra. Um pouco ela quer o neto, outro pouco não
No que tange à situação conjugal, no univer- quer, ela não se decide. Às vezes acontece alguma
so estudado houve predomínio de uniões está- coisa e ela joga a culpa na criança. Por exemplo,
veis, formais ou não, em coabitação com os pais meu namorado perdeu o emprego e ela disse que se
da adolescente ou de seu parceiro. A gravidez tivesse tirado [abortado] não precisava se preo-
ocorreu numa etapa do processo vital em que o cupar. Ela não perde oportunidade de me alfinetar
jovem casal não havia ainda alcançado a inde- (A6, 19 anos, união estável). Em cenário familiar
pendência material e domiciliar em relação aos igualmente adverso, outra adolescente resistia ao
seus pais, fenômeno que contribui para modu- desamparo e à recriminação: Se eu estivesse vo-
lar o chamado “prolongamento da juventude”26. mitando, ela [sogra] deixava que eu me virasse e
Concorre ainda para esse processo a interrup- ainda dizia: “Viu, quem mandou engravidar? Ago-
ção da trajetória escolar das gestantes e o adia- ra aguenta! Se tivesse tirado, como eu disse...” (A1,
mento da sua profissionalização. Essas duas si- 16 anos, união estável). Nesses ambientes mar-
tuações – autonomização familiar-residencial e cados pela tensão, o apoio social é percebido como
escolar-profissional – constituem o limiar de in- muito aquém do necessário para minimizar o
gresso à vida adulta1. Nesse percurso em direção sofrimento e enfrentar o desafio da maternida-
à adultez, pressupõe-se que a adolescente neces- de. Nas duas situações descritas, o arranjo fami-
sita não somente receber apoio social, mas per- liar adotado pelo jovem casal foi a coabitação
cebê-lo como tal. com os pais dele, que pode refletir o sentido de
provedor que a sociedade espera do pai como
requisito para lhe conferir a identidade masculi-
na4. Para algumas gestantes adolescentes, no en-
tanto, esse arranjo as desonera, assim como suas
famílias, das responsabilidades com as despesas
acrescidas pela maternidade, porém impõe-lhes
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Schwartz T et al.

uma sobrecarga psíquica, nem sempre compar- As mães e os parceiros


tilhada numa rede de cuidados. como fontes supridoras de apoio
O sofrimento pode advir também da incon-
formidade da própria adolescente com a gravidez Seis das doze adolescentes entrevistadas per-
inesperada e indesejada: A minha vontade era de ceberam a sua mãe como a principal fonte de
tirar, mas quando descobri que estava grávida não apoio social, independentemente da aceitação ou
deu mais tempo, agora vou ter. O pai da criança não da gravidez da filha ou de coabitarem. A cons-
nem sabe que eu estou grávida e eu não vou contar, tituição de uma rede familiar é um sustentáculo
porque ele não vai acreditar, nos conhecemos e na- relevante no projeto de individualização da ado-
moramos só uma noite (A3, 17 anos, reside com lescente, por suportar a carga da vida cotidiana
parceiro). O inconformismo se expressa com sen- numa trajetória permeada por desigualdades
timentos auto e heteropunitivos: Quando desco- sociais, culturais e de gênero. O apoio materno
bri que estava grávida [...] queria tirar, não aceita- possibilita à adolescente a construção de capaci-
va de forma alguma. Senti ódio, raiva, vontade de dades para lidar com as novas relações que se
sair correndo. Senti mais raiva ainda do pai da estabelecem no interior dos relacionamentos con-
criança, não queria ver ele na minha frente, pare- jugais e familiares em decorrência da gestação e
cia que ele era o culpado por tudo (A5, 14 anos, da coabitação. Representa também um refúgio
união estável). Nessa turbulência emocional, a seguro para os momentos de indecisão, insegu-
adolescente identifica o medo de revelar a gravi- rança e solidão.
dez e a sensação de incapacidade de exercer a ma- Para outras quatro gestantes, a principal fonte
ternidade como os fatores que a fazem perceber a de apoio foi o parceiro. Nos seus ecomapas per-
necessidade de apoio para acatar os constrangi- cebia-se forte vinculação com a família de ori-
mentos impostos pela norma contraceptiva3. gem, especialmente com os pais, o que leva a su-
A discordância entre a posição das adoles- por que embora se percebessem mais apoiadas
centes de prosseguir com a gestação e a posição pelo parceiro, podiam contar também com o
dos familiares do companheiro favorável à in- apoio familiar. Outros estudos28,29 indicam que
terrupção acirra os conflitos, como vimos nos as adolescentes, ao engravidar, buscam inicial-
depoimentos das quatro jovens que vivenciaram mente o apoio do parceiro e, em seguida, da mãe
essa situação. Contudo, o ônus da escolha e seu e de amigos.
enfrentamento podem ser incorporados no pro- Para as demais adolescentes, a sogra repre-
cesso de construção da identidade juvenil, quan- sentou o apoio necessário e constante, corrobo-
do decorrem de escolhas autônomas, sem impo- rando o que dizem outros autores que destacam
sição3. Mas há que se considerar também que a o papel das avós no cuidado e sustento de seus
adolescente não transita por essa fase vital sem netos4. Em muitos casos, esse cuidado inicia na
apoio familiar. Com escassas condições psicos- gestação.
sociais para assumir o novo papel, amedronta- Em estudo realizado por Piccinini et al.14, as
da e insegura, a adolescente reconhece o apoio mães adolescentes referiram requerer maior
social como mediador na reestruturação das re- apoio de familiares e de outras pessoas do que as
lações afetivas abaladas e como fator de mobili- mães adultas, que assumiram mais atividades
zação de recursos pessoais que possam fortale- relacionadas aos cuidados com a criança e com
cê-la emocionalmente e melhorar sua capacida- as tarefas domésticas. Os resultados apontaram
de de enfrentamento das demandas acrescidas a contribuição do apoio social para uma experiên-
pela gestação e maternidade. cia mais positiva da maternidade, especialmente
Gestos de carinho, aceitação, diálogo e coe- para as mães adolescentes.
rência em imposições de regras e disciplina con- A partir da segurança advinda do sentimento
tribuem para que a adolescente se sinta amada, de constância no cuidado, a adolescente estabe-
cuidada e protegida pela família. Através dessas lece a capacidade individual de interagir com ou-
atitudes, a adolescente terá menor probabilidade tras pessoas. Esse processo que se inicia na in-
de sofrer traumas emocionais e poderá construir fância precisa ser renovado e fortalecido na ado-
sua identidade, a partir de uma visão otimista e lescência. A segurança advinda do apoio social
realista de si mesma27. A gestação, como desfecho capacita a adolescente para a aquisição de auto-
do exercício afetivo-sexual, proporciona o desen- nomia e ampliação da rede social com a inclusão
volvimento da autonomia pessoal e aprofunda a de colegas, amigos, professores e outras pessoas.
interação com a rede de relacionamentos. O sentimento de segurança assim formado ten-
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de a se manter no decorrer do processo gestacio- rede de apoio dessas adolescentes. Ao menos essa
nal. Dessa forma, o apoio social ao prover um é a percepção delas acerca da participação dos
ambiente protetor e seguro para a gestante tam- profissionais no suprimento das orientações.
bém promove as condições favoráveis ao nasci- Destaca-se que todas participavam de grupos de
mento e ao cuidado materno. gestantes vinculados às Unidades Básicas com
Estratégia Saúde da Família. Essa estratégia tem
no pré-natal um dos pontos fortes da assistên-
Dimensões do apoio social recebido cia, devendo acolher todas as necessidades da
mulher, desde o momento em que ela procura os
Neste estudo, evidenciamos as dimensões de serviços. No entanto, a gestante deve ser envolvi-
apoio social indicadas a seguir. da, assim como sua família, na produção do cui-
dado em espaços coletivos e interativos. Diante
Apoio material: disso, questiona-se: até que ponto as equipes es-
a necessidade não percebida tão oportunizando a expressão das dificuldades
e dúvidas dessas futuras mães ou estão utilizan-
Essa dimensão é caracterizada pelas ações ou do uma metodologia de trabalho participativa,
materiais proporcionados por outras pessoas que permita à gestante reconhecer essa ação
para facilitar ou diminuir as tarefas cotidianas e como um apoio colocado a sua disposição e in-
foi pouco percebida pelas gestantes, mesmo por serido na sua rede social?
aquelas com poucas condições financeiras. É pos- De todo modo, as falas refletem que o saber
sível que as preocupações vivenciadas com a pró- do senso comum prevalece sobre o conhecimen-
pria gestação e o fato de estarem morando com to técnico no que se refere ao esclarecimento da
as famílias de origem ou do parceiro, supridoras gestante: Eu falo com a minha mãe e com as mi-
de suas necessidades materiais, tenham contribu- nhas primas que são mais velhas e eu me criei com
ído para esse esmaecimento da percepção de apoio elas. A gente fala de neném, cuidados com a ama-
material refletida na seguinte fala: Me deram rou- mentação, sono, fraldas, para não assar o bebê. Esse
pa, mas pouca coisa. Mas eu tenho ele, né, ele me tipo de assunto elas me ensinam o que sabem, o que
ajuda, a mãe dele me ajuda, o pai dele também, no fizeram quando os filhos eram pequenos (A3, 17
sentido de comprar coisas pro nenê. Tenho tudo. anos, reside com o parceiro).
Agora tô bem[(A2, 18 anos, união estável). As mães foram as grandes supridoras de
Mesmo com ofuscada percepção por parte da informações para essas adolescentes, revelando
adolescente, a família configura-se como uma ins- mais uma vez a participação da família como
tância de apoio afetivo-material pela qual transita um fator muito positivo, considerando-se que a
a construção de autonomia e redimensionamen- família deve ser incluída na assistência à gestante
to da relação de dependência do jovem casal4. para que possa servir como suporte às consultas
indicadas pelos profissionais durante a gestação
Apoio de informação: a experiência estabelecendo um processo saudável31.
das mais velhas e o saber profissional
Apoio afetivo: o amor do parceiro
Essa dimensão se refere às informações e e a compreensão materna
orientações recebidas, que ajudam na compre-
ensão do mundo30. Configura-se como essencial A dimensão afetiva é aquela que oferece à ges-
na gestação, especialmente quando provida por tante adolescente a possibilidade de ter alguém
profissionais de saúde, uma vez que nela estão as que expresse amor a ela por meio de gestos, abra-
orientações sobre o processo gestacional e os ços ou qualquer outra demonstração que a faça
cuidados para o desenvolvimento saudável do sentir-se querida e amada. Para a maioria das
feto, além dos mecanismos para lidar com os entrevistadas, a mãe é a grande fonte de apoio
problemas pessoais e com as informações con- afetivo, também suprido pelos parceiros. Na tra-
traditórias que a adolescente recebe das pessoas jetória para a vida adulta e para a maternidade, o
com quem convive. apoio afetivo consubstancia-se como mais um
Das doze entrevistadas, apenas uma se refe- elemento favorável no contexto de redimensio-
riu à médica como uma fonte supridora de suas namento da dinâmica familiar.
necessidades de esclarecimento e compreensão. Nessa mesma perspectiva, a proteção que re-
Os ecomapas demonstram claramente esse vá- flete a capacidade de se relacionar bem com o
cuo dos serviços de saúde na configuração da parceiro contribui para o desenvolvimento da
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Schwartz T et al.

competência social, ou seja, da capacidade de in- valorizar seus ganhos. Diante da gestação, as
teragir de maneira eficaz com os outros e com o adolescentes puderam reexaminar suas identida-
ambiente social32. Neste estudo, essa competên- des e papéis e contrabalançar os conflitos com os
cia foi mais bem evidenciada entre as gestantes pais, a partir do reconhecimento de seus gestos
que coabitavam com o parceiro. Essa competên- afetivos. A figura paterna foi ressignificada e va-
cia permite reforçar a autoestima e a autoeficá- lorizada, abrindo perspectivas para relaciona-
cia, a autoavaliação positiva e crítica, regular mentos mais harmônicos.
emoções e sentir empatia pelos outros, entre ou-
tras estratégias1 para o alcance da autoconfiança Interação social positiva: a percepção
necessária ao desempenho do papel materno, que ofuscada pelo isolamento provocado
esteve nas preocupações verbalizadas por várias
das entrevistadas. A dimensão interação social positiva reflete a
Assim, a qualidade do apoio afetivo e seguro convivência estabelecida para a diversão e a rea-
constitui uma base sólida para que a adolescente lização de atividades prazerosas. A maioria das
mantenha durante a gestação seu desenvolvimen- adolescentes percebeu essa dimensão atendida
to emocional, sua socialização, a organização dos pelos familiares e parceiros. No entanto, essa di-
papéis e das relações com a comunidade e, acima mensão ficou comprometida para três adoles-
de tudo, a construção do sentimento de afeto centes entrevistadas, que optaram pelo recolhi-
por si própria, o que lhe permitirá elevar a auto- mento, conforme se observa nestas falas: Eu fico
estima e ter maior satisfação com a vida27 . só em casa, não saio por nada, no máximo eu vou
ao Cais [Centro Integral de Atenção à Saúde –
Apoio emocional: a gravidez como unidade de saúde com atendimento básico e es-
mediadora na reconciliação com o pai pecializado], às consultas, não tenho vontade de
falar ou ver ninguém. Estou feia, gorda, e as pesso-
O apoio emocional se expressa na escuta da as ficam me olhando estranhas (A9, 19 anos, casa-
adolescente e de seus problemas, de seus anseios da). Não tô deixando mais muita gente chegar perto
e preocupações, de suas inquietudes mais ínti- de mim, fazer amizades (A10, 14 anos, gestação
mas e também de contar com alguém com quem planejada, união estável).
possa relaxar. Nesta dimensão, três adolescentes Num dos casos, a autoimagem está compro-
fizeram eclodir sentimentos represados relacio- metida, no outro é a confiança que está abalada.
nados aos pais. Duas mantinham relações con- Quando um evento – como uma gravidez – acar-
turbadas prévias à gestação; outra, após revelar reta mudança interna na pessoa, alterando ou
a gravidez, havia se afastado dos pais por impo- comprometendo seus recursos adaptativos, pode
sição do parceiro com quem vivia de forma eco- ser considerado um estressor, dependendo da
nomicamente independente. O afastamento afe- situação, da história pregressa e do estágio de
tivo gerava um sofrimento que parecia amaina- desenvolvimento em que a adolescente se encon-
do pela gestação: Sinto falta de meu pai, nunca tra ao se defrontar com o problema34,35. A gravi-
conseguimos nos entender, nossos temperamentos dez, neste caso, parece ser o estressor responsá-
não fecham, eu não concordo com o jeito dele pen- vel pelas dificuldades psicossociais a que as ado-
sar. Ele é muito rígido, só ele sabe e decide, mas lescentes se percebem submetidas. Para uma de-
mesmo assim gostaria de dividir essa alegria com las, a busca do serviço de saúde revelou-se a al-
ele. Faz uns seis meses que não nos falamos, espero ternativa terapêutica; para outra, o serviço pare-
me acertar com ele (A10, 14 anos, gestação plane- ce representar o cumprimento de uma obriga-
jada, união estável). Para a outra adolescente, a ção, sem encontrar nesse locus a identificação e as
reversão do relacionamento conflituoso foi de- estratégias para a minimização dos seus proble-
corrente da gestação: Nunca me dei com meu pai, mas. Contudo, o fato de frequentarem o serviço
ele sempre foi grosso, mas agora ele até traz alguma é animador, especialmente diante de um isola-
coisa diferente para eu comer (A9, 19 anos, casa- mento autodecretado que ofusca a percepção do
da). Para essas adolescentes, a reconciliação e a potencial de interatividade social dele. Ao realiza-
confiança no amor paterno, mediadas pela ges- rem as consultas, as gestantes podem desenvol-
tação, contribuíram para a recuperação do bem- ver o vínculo com o profissional, elemento ne-
estar e a redução dos conflitos. cessário para que se sintam em condições de ex-
A família saudável não é aquela imune a pro- por as suas apreensões e receber do profissional
blemas, mas a que possui potencial para soluci- de saúde o apoio social que possa amenizar os
onar conflitos, reduzir seus efeitos destrutivos e efeitos negativos do estresse no organismo, esti-
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mulando nelas a capacidade para lidar com situ- conjuntura, o diferencial de gênero se expressa
ações difíceis. Com isso, aumenta-se a vontade na internalidade das mulheres dentro de casa,
da pessoa de viver, com melhora da autoestima, assumindo as tarefas domésticas e o cuidado
contribuindo para o enfrentamento desse mo- com as crianças, o que lhes possibilita atingir com
mento de crise7. maior precocidade o status adulto, em oposição
à externalidade masculina, que compensa o pro-
longamento da dependência residencial em rela-
Percepção do apoio social não suprido: ção aos pais, prolongando a juventude1.
a emergência dos ressentimentos

Ao desvendar a percepção das adolescentes sobre As dificuldades na busca do apoio:


o apoio social, percebe-se que a maioria sente-se o recuo social como escudo da vergonha
satisfeita com a rede de cuidados estabelecida em
torno de si. Elas pontuam o momento de revelar Questionadas sobre as dificuldades pessoais para
a gravidez como o mais difícil de enfrentar sozi- tomar a iniciativa da interação social, as adoles-
nhas. Como isso já ocorreu, a tensão foi aliviada. centes tenderam a atribuir ao julgamento dos
No entanto, diante do apoio não suprido, surgiu outros os fatores de seu afastamento, como se
uma explosão de sentimentos abafados e ressen- pode perceber nesta fala: Sinto que as pessoas olham
tidos, como este: Nunca tive o apoio de ninguém para mim de uma forma diferente, como se eu ti-
da minha família, mas pedi pra depois ficarem me vesse algum problema. Minhas amigas se afasta-
jogando na cara? Prefiro sofrer do que ficar me hu- ram, os vizinhos só prestam para falar mal. Eu pre-
milhando (A2, 18 anos, união estável). firo nem sair de casa. A coisa que eu mais gostava
Felizmente, esse tipo de fala provém da mi- era ir no grupo de dança e tive que deixar de ir por
noria das entrevistadas, que não contam com o causa da gravidez (A11, 14 anos, solteira, mora
apoio que gostariam, especialmente da família com os pais).
do pai da criança. Aquelas com pouca oportuni- A forma como cada adolescente percebe as
dade de conversar com a própria mãe também adversidades do seu meio determina a sua rea-
se sentiram carentes desse tipo de atenção, o que ção a elas. Se a sua percepção é de preconceito
reforça mais uma vez a centralidade da figura social com a gravidez em idade precoce, essa ado-
materna como apoio indispensável nessa etapa lescente reage com a autoexclusão dos meios so-
do ciclo vital e a feminilização da rede de cuida- ciais e o afastamento das pessoas de seu grupo
dos à gestante4. de convivência. Essa atitude, contudo, limita a
No entanto, a postura de se tornar gradati- possibilidade de apoio e de construção de uma
vamente independente do jugo familiar constitui comunidade protetora e revela a fragilidade da
um movimento esperado na trajetória de cons- autoestima da adolescente. A autoestima é mol-
trução social da jovem1. Essa autonomia pro- dada nas relações cotidianas e é decisiva na rela-
gressiva necessita ser relativizada no contexto da ção do indivíduo consigo mesmo e com os ou-
classe socioeconômica médio-baixa, em que es- tros, além de exercer influência marcante na per-
tão inseridas as adolescentes deste estudo, uma cepção dos acontecimentos e das pessoas e tam-
vez que elas interromperam seus projetos esco- bém do comportamento e vivência de cada um2.
lares e estão vivendo na dependência material dos Assim, a opção de recolhimento tende a agravar
pais ou sogros. Nessas circunstâncias, vislum- o problema. A solidão e o isolamento foram quei-
bra-se o prolongamento dessa dependência fi- xas mencionadas pelas adolescentes entrevista-
nanceira e residencial, o que pode postergar o das no Projeto Gravad como sintoma da inter-
alcance da almejada autonomia, que caracteriza nalidade feminina, caracterizada pelo afastamento
a entrada na vida adulta. Esta situação, no en- do universo escolar e de trabalho, revelando que
tender de Heilborn et al.1, mesmo que prolonga- o grau de restrição difere entre os gêneros, sendo
da, assume um caráter mais conjuntural do que mais acentuado nas mulheres, independentemen-
estrutural, e no caso das participantes deste estu- te de suas inserções sociais particulares1.
do remete para a possibilidade da ocorrência do
fenômeno de “internalidade feminina/externali-
dade masculina”, sugerido pelo perfil das adoles- Considerações finais
centes entrevistadas – com abandono escolar, sem
profissão e trabalho, com parceiros de nível es- A adolescência constitui uma transição crítica na
colar fundamental e médio, empregados. Nessa trajetória do indivíduo, e no seu interior a gesta-
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Schwartz T et al.

ção configura-se como uma possibilidade no sável pelas dificuldades psicossociais vivenciadas
aprendizado e na experimentação sexual dos jo- pelas adolescentes em decorrência da autoima-
vens, permeada por privações objetivas e subje- gem comprometida ou da perda da confiança nas
tivas. Este processo investigatório sobre as per- pessoas. Nesses casos, a busca do serviço de saú-
cepções das adolescentes primigestas acerca do de como estratégia terapêutica sinaliza para o pa-
apoio social recebido apontou que: a adolescente pel central dos profissionais de saúde na detecção
percebe a necessidade do apoio familiar, especi- de isolamentos autoimpostos, que impedem a
almente para enfrentar os sentimentos de medo adolescente de interagir e ampliar sua rede de apoio
e a sensação de incompetência maternal; as mães social. Recomenda-se, assim, que os profissionais
e os parceiros constituem as principais fontes de de saúde invistam na formação do vínculo para
apoio para prover as dimensões afetiva e materi- inserir as adolescentes primigestas em grupos de
al; na dimensão de informação prevalece o saber cuidado social, provedores de cuidados informais,
apoiado na experiência das mães e das avós, com- que influenciam no desenvolvimento saudável da
plementado pelo saber profissional; na dimen- gestação. A integração desses cuidados às ativida-
são emocional, a gestação exerceu um papel me- des realizadas pelos serviços de saúde poderá efe-
diador importante no restabelecimento da con- tivar-se nas unidades básicas de atenção a partir
fiança da adolescente no amor paterno, ressigni- da identificação das famílias ou dos grupos soci-
ficando a relação pai-filha. ais primários, não só como destinatários de ações
No âmbito mais amplo das relações extrafa- assistenciais, mas também como copartícipes no
miliares, a gestação foi percebida como respon- processo de atenção à saúde.

Colaboradores Referências

T Schwartz e R Vieira participaram igualmente 1. Heilborn ML, Salem T, Knauth DR, Aquino EML,
de todas as etapas da elaboração do artigo; LTC Bozon M, Rohden F, Victora C, McCallum C, Bran-
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Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/ Aprovado em 30/10/2008
texto.asp?id=3846 Versão final apresentada em 29/12/2008

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