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Apoio Social A Gestantes Adolescentes
Apoio Social A Gestantes Adolescentes
ISSN: 1413-8123
cecilia@claves.fiocruz.br
Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva
Brasil
ARTIGO ARTICLE
Apoio social a gestantes adolescentes: desvelando percepções
Tatiane Schwartz 1
Renata Vieira 2
Lorena Teresinha Consalter Geib 3
Abstract This descriptive-exploratory study us- Resumo Com o objetivo de descrever a percepção
ing a qualitative approach was undertaken to de- das gestantes adolescentes em relação ao apoio re-
scribe the perceptions of pregnant adolescents in cebido durante a fase gestacional, realizou-se este
relation to social support provided during preg- estudo exploratório-descritivo de abordagem qua-
nancy. Twelve adolescents in their first pregnancy litativa. Participaram 12 adolescentes primiges-
who frequented the outpatient health service in tas, frequentadoras dos serviços ambulatórios de
Passo Fundo in the state of Rio Grande do Sul saúde de Passo Fundo (RS). Por meio de entrevis-
(Brazil) participated in the study. The data was tas semiestruturadas, genogramas e ecomapas, ob-
obtained by semi-structured interviews, geno- tiveram-se os dados analisados pela modalidade
grams and ecomaps and was assessed by thematic temática. Evidenciou-se a percepção da necessi-
analysis. It highlighted the need for support to over- dade de apoio para superar o medo e o desafio da
come the fears and challenges of motherhood. The maternidade. Mães e parceiros foram percebidos
mothers and partners were perceived as the main como as principais fontes de apoio, provendo as
sources of support in affective and material terms. dimensões afetiva e material. O saber do senso
Common sense knowledge prevailed in the infor- comum preencheu a dimensão de informação, e a
mation dimension and pregnancy as a mediator dimensão emocional revelou a gravidez como me-
in the reconciliation with the father fulfilled the diadora na reconciliação com o pai. A percepção
emotional dimension. The perception of the di- da dimensão de interação social positiva foi ofus-
mension of positive social interaction was blurred cada pelo isolamento autoimposto. Assim, a per-
by self-imposed isolation. Thus the adolescent’s cepção da adolescente sobre o apoio social recebi-
perception of the social support received is clear in do é nítida em relação ao núcleo familiar e cir-
relation to the family nucleus and includes the cunscreve-se às pessoas com maior apego. A rede
1
people in the family circle. The network of care de cuidados extrafamiliar, incluindo os serviços
Hospital São Vicente de
Paulo. Rua Teixeira Soares outside the family, including the healthcare ser- de saúde, é frágil e gera a percepção das dificulda-
808, Centro. 99010-080 vices, is tenuous and generated the perception of des psicossociais, sugerindo a necessidade de mai-
Passo Fundo RS.
psychosocial difficulties. This reveals the need for or investimento dos profissionais da atenção bá-
tati_schwartz@hotmail.com
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Curso de Enfermagem, greater investment of primary healthcare profes- sica de saúde na inserção das adolescentes primi-
Universidade de Passo sionals in the inclusion of first-time-pregnancy gestas em grupos de cuidado social, que influenci-
Fundo.
3
adolescents in social care groups, which ensure am no desenvolvimento saudável da gestação.
Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade de the healthy progress of the pregnancy. Palavras-chave Adolescência, Gestação, Apoio
Passo Fundo. Key words Adolescence, Gestation, Social support social
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Schwartz T et al.
para escolher entre aqueles cujas características Tratando-se de uma pesquisa qualitativa,
possam trazer informações substanciosas sobre empregou-se a análise de conteúdo, optando-se
o assunto em pauta17. Estabeleceu-se como crité- pela técnica temática, que se destina a descobrir
rio de exclusão as adolescentes primigestas com os núcleos de sentido presentes no conteúdo das
comunicação prejudicada. falas e com significado para o objetivo de análise
A captação das gestantes para o estudo foi do pesquisador22.
feita pelas pesquisadoras, com colaboração das O projeto de pesquisa foi apreciado e apro-
equipes de Saúde da Família das unidades seleci- vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Uni-
onadas para o estudo. O contato foi estabelecido versidade de Passo Fundo. O seu desenvolvimen-
durante a participação delas nos grupos educati- to junto às unidades de saúde foi autorizado pelo
vos que funcionam nesses locais. secretário municipal de saúde. Cada participante
A coleta dos dados foi realizada em dois mo- e seus representantes legais assinaram o Termo
mentos: de Consentimento Livre e Esclarecido. Os casos
– Primeiro momento: por meio de entrevis- identificados com carência de apoio foram enca-
tas semiestruturadas, com auxílio de um instru- minhados para a Unidade de Saúde da Família a
mento contendo: (1) dados sociodemográficos; que pertence.
(2) construção de genograma e ecomapa; (3)
questões abertas sobre a rede de apoio familiar,
de vizinhança, grupo de convívio e serviço públi- Resultados e discussão
co relativas às dimensões investigadas: apoio
material, apoio afetivo, apoio emocional, apoio Participaram deste estudo 12 adolescentes com
de informação e interação social positiva. idades entre 14 e 19 anos, nove delas casadas ou
O genograma corresponde a um diagrama com união estável. Todas interromperam os es-
que detalha a estrutura e o histórico familiar for- tudos ao engravidar. Nove estavam cursando o
necendo informações sobre vários papéis de seus ensino médio e três o fundamental. Eram em sua
membros e das diferentes gerações. maioria católicas e não trabalhavam. Cinco delas
O ecomapa é um diagrama das relações entre permaneceram na casa dos pais após a gravidez,
a família e a comunidade. Serviu como instru- cinco foram morar com a família do parceiro (a
mento complementar para a identificação das di- expressão “parceiro” será utilizada no texto com
mensões funcionais de apoio social percebido o sentido de marido ou companheiro) e duas
propostas por Ostergren et al.18 e Sherboune e constituíram o próprio lar com o pai da criança.
Sterwart19 e empregadas no Brasil, entre outros, Apesar de haver uma tendência atual de vin-
por Griep et al.20 e Pinto et al.21, assim descritas: cular a gravidez na adolescência ao processo de
(1) “apoio material”: refere-se à provisão de re- individualização juvenil, considerado como o
cursos e ajuda material, incluídas, por exemplo, modo de construção social do jovem3, neste es-
a ajuda em dinheiro ou empréstimo de utensíli- tudo foi adotado o recorte etário de 10 a 19 anos
os, em caso de necessidade emergencial; (2) estabelecido no conceito de adolescência da Or-
“apoio afetivo”: envolve demonstrações físicas de ganização Mundial da Saúde23, porque era de in-
amor e afeto; (3) “apoio emocional”: refere-se à teresse compreender o apoio social percebido
expressão de carinho, compreensão, confiança, pelas adolescentes em fase de escolaridade mé-
estima, afeto, escuta e interesse; (4) “apoio de dia, pertencentes a classes econômicas médio-
informação”: refere-se à disponibilidade de pes- baixas, que acessam os serviços da rede munici-
soas para a obtenção de conselhos ou orienta- pal de saúde.
ções; é medido por meio do acesso dos indivídu- A média de idade das gestantes foi de 17 anos
os a aconselhamentos, sugestões, orientações e (DP=1,8), o que revela um padrão similar ao
informações; (5) “interação social positiva”: é a encontrado em três capitais brasileiras no estu-
disponibilidade de pessoas com quem se divertir do intitulado “Gravidez na Adolescência: estudo
e relaxar. Essas dimensões integram as escalas de multicêntrico sobre jovens, sexualidade e repro-
apoio social empregadas em estudos quantitati- dução no Brasil” (Projeto Gravad)24. Apenas cin-
vos e servirão de parâmetros para a avaliação da co das doze adolescentes engravidaram antes de
percepção sobre o apoio social recebido, numa atingir sua maioridade civil, permanecendo as-
abordagem qualitativa. sim com o direito de receber sustento familiar25.
– Segundo momento: foi realizada uma di- No entanto, a despeito da formalidade legal, al-
nâmica de grupo, com técnica projetiva, na qual gumas gestantes se deparam com o fantasma da
o grupo se autoanalisou e autointerpretou. punição: A minha irmã ficou grávida aos 14 anos,
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competência social, ou seja, da capacidade de in- valorizar seus ganhos. Diante da gestação, as
teragir de maneira eficaz com os outros e com o adolescentes puderam reexaminar suas identida-
ambiente social32. Neste estudo, essa competên- des e papéis e contrabalançar os conflitos com os
cia foi mais bem evidenciada entre as gestantes pais, a partir do reconhecimento de seus gestos
que coabitavam com o parceiro. Essa competên- afetivos. A figura paterna foi ressignificada e va-
cia permite reforçar a autoestima e a autoeficá- lorizada, abrindo perspectivas para relaciona-
cia, a autoavaliação positiva e crítica, regular mentos mais harmônicos.
emoções e sentir empatia pelos outros, entre ou-
tras estratégias1 para o alcance da autoconfiança Interação social positiva: a percepção
necessária ao desempenho do papel materno, que ofuscada pelo isolamento provocado
esteve nas preocupações verbalizadas por várias
das entrevistadas. A dimensão interação social positiva reflete a
Assim, a qualidade do apoio afetivo e seguro convivência estabelecida para a diversão e a rea-
constitui uma base sólida para que a adolescente lização de atividades prazerosas. A maioria das
mantenha durante a gestação seu desenvolvimen- adolescentes percebeu essa dimensão atendida
to emocional, sua socialização, a organização dos pelos familiares e parceiros. No entanto, essa di-
papéis e das relações com a comunidade e, acima mensão ficou comprometida para três adoles-
de tudo, a construção do sentimento de afeto centes entrevistadas, que optaram pelo recolhi-
por si própria, o que lhe permitirá elevar a auto- mento, conforme se observa nestas falas: Eu fico
estima e ter maior satisfação com a vida27 . só em casa, não saio por nada, no máximo eu vou
ao Cais [Centro Integral de Atenção à Saúde –
Apoio emocional: a gravidez como unidade de saúde com atendimento básico e es-
mediadora na reconciliação com o pai pecializado], às consultas, não tenho vontade de
falar ou ver ninguém. Estou feia, gorda, e as pesso-
O apoio emocional se expressa na escuta da as ficam me olhando estranhas (A9, 19 anos, casa-
adolescente e de seus problemas, de seus anseios da). Não tô deixando mais muita gente chegar perto
e preocupações, de suas inquietudes mais ínti- de mim, fazer amizades (A10, 14 anos, gestação
mas e também de contar com alguém com quem planejada, união estável).
possa relaxar. Nesta dimensão, três adolescentes Num dos casos, a autoimagem está compro-
fizeram eclodir sentimentos represados relacio- metida, no outro é a confiança que está abalada.
nados aos pais. Duas mantinham relações con- Quando um evento – como uma gravidez – acar-
turbadas prévias à gestação; outra, após revelar reta mudança interna na pessoa, alterando ou
a gravidez, havia se afastado dos pais por impo- comprometendo seus recursos adaptativos, pode
sição do parceiro com quem vivia de forma eco- ser considerado um estressor, dependendo da
nomicamente independente. O afastamento afe- situação, da história pregressa e do estágio de
tivo gerava um sofrimento que parecia amaina- desenvolvimento em que a adolescente se encon-
do pela gestação: Sinto falta de meu pai, nunca tra ao se defrontar com o problema34,35. A gravi-
conseguimos nos entender, nossos temperamentos dez, neste caso, parece ser o estressor responsá-
não fecham, eu não concordo com o jeito dele pen- vel pelas dificuldades psicossociais a que as ado-
sar. Ele é muito rígido, só ele sabe e decide, mas lescentes se percebem submetidas. Para uma de-
mesmo assim gostaria de dividir essa alegria com las, a busca do serviço de saúde revelou-se a al-
ele. Faz uns seis meses que não nos falamos, espero ternativa terapêutica; para outra, o serviço pare-
me acertar com ele (A10, 14 anos, gestação plane- ce representar o cumprimento de uma obriga-
jada, união estável). Para a outra adolescente, a ção, sem encontrar nesse locus a identificação e as
reversão do relacionamento conflituoso foi de- estratégias para a minimização dos seus proble-
corrente da gestação: Nunca me dei com meu pai, mas. Contudo, o fato de frequentarem o serviço
ele sempre foi grosso, mas agora ele até traz alguma é animador, especialmente diante de um isola-
coisa diferente para eu comer (A9, 19 anos, casa- mento autodecretado que ofusca a percepção do
da). Para essas adolescentes, a reconciliação e a potencial de interatividade social dele. Ao realiza-
confiança no amor paterno, mediadas pela ges- rem as consultas, as gestantes podem desenvol-
tação, contribuíram para a recuperação do bem- ver o vínculo com o profissional, elemento ne-
estar e a redução dos conflitos. cessário para que se sintam em condições de ex-
A família saudável não é aquela imune a pro- por as suas apreensões e receber do profissional
blemas, mas a que possui potencial para soluci- de saúde o apoio social que possa amenizar os
onar conflitos, reduzir seus efeitos destrutivos e efeitos negativos do estresse no organismo, esti-
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ção configura-se como uma possibilidade no sável pelas dificuldades psicossociais vivenciadas
aprendizado e na experimentação sexual dos jo- pelas adolescentes em decorrência da autoima-
vens, permeada por privações objetivas e subje- gem comprometida ou da perda da confiança nas
tivas. Este processo investigatório sobre as per- pessoas. Nesses casos, a busca do serviço de saú-
cepções das adolescentes primigestas acerca do de como estratégia terapêutica sinaliza para o pa-
apoio social recebido apontou que: a adolescente pel central dos profissionais de saúde na detecção
percebe a necessidade do apoio familiar, especi- de isolamentos autoimpostos, que impedem a
almente para enfrentar os sentimentos de medo adolescente de interagir e ampliar sua rede de apoio
e a sensação de incompetência maternal; as mães social. Recomenda-se, assim, que os profissionais
e os parceiros constituem as principais fontes de de saúde invistam na formação do vínculo para
apoio para prover as dimensões afetiva e materi- inserir as adolescentes primigestas em grupos de
al; na dimensão de informação prevalece o saber cuidado social, provedores de cuidados informais,
apoiado na experiência das mães e das avós, com- que influenciam no desenvolvimento saudável da
plementado pelo saber profissional; na dimen- gestação. A integração desses cuidados às ativida-
são emocional, a gestação exerceu um papel me- des realizadas pelos serviços de saúde poderá efe-
diador importante no restabelecimento da con- tivar-se nas unidades básicas de atenção a partir
fiança da adolescente no amor paterno, ressigni- da identificação das famílias ou dos grupos soci-
ficando a relação pai-filha. ais primários, não só como destinatários de ações
No âmbito mais amplo das relações extrafa- assistenciais, mas também como copartícipes no
miliares, a gestação foi percebida como respon- processo de atenção à saúde.
Colaboradores Referências
T Schwartz e R Vieira participaram igualmente 1. Heilborn ML, Salem T, Knauth DR, Aquino EML,
de todas as etapas da elaboração do artigo; LTC Bozon M, Rohden F, Victora C, McCallum C, Bran-
dão ER. Aproximações socioantropológicas sobre
Geib participou na orientação sobre concepção, a gravidez na adolescência. Horizontes Antropológi-
planejamento, referencial teórico-metodológico, cos 2002; 8:13-45.
coleta, análise e interpretação de dados, redação 2. Cabral CS. “Gravidez na adolescência” e identidade
e revisão do texto. masculina: repercussões sobre a trajetória escolar
e profissional do jovem. Revista Brasileira de Estu-
dos de População 2002; 19(2):179-195.
3. Brandão ER, Heilborn ML. Sexualidade e gravidez
na adolescência entre jovens de camadas médias
do Rio de Janeiro. Cad Saude Publica 2006;
22(7):1421-1430.
4. Dias AB, Aquino EML. Maternidade e paternidade na
adolescência: algumas constatações em três cidades
brasileiras. Cad Saude Publica 2006; 22(7):1447-1458.
5. Thoits PA. Social support as coping assistance. Jour-
nal of Consulting and Clinical Psychology 1995; 54(4):
416-423.
6. Matos AP, Ferreira A. Desenvolvimento da escala
de apoio social: alguns dados sobre a sua viabilida-
de. Psiquiatria Clínica 2000; 21(3):243-253.
7. Martins RM. A relevância do apoio social na velhi-
ce. Millenium on Line. [documento na Internet]
2005.[acessado 2005 maio 2]. Disponível em: http:/
/www.ipv.pt/millenium/Millenium31/9.pdf
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