You are on page 1of 15
HATE RULE CMAN elar POTOMAC ON aia) a ALMEDINA (CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTARIA, DO DIREITO TRIBUTARIO AO DIREITO PENAL © Almedina, 2019 COORDENAGAO: Gisele Barra Bossa ¢ Marcelo Almeida Ruivo DIAGRAMAGAO: Almedina DESIGN DE CAPA: FBA ISBN: 9788584934188 Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagdo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Crimes contra Ordem Tributitia : do direito tsbutrio andrei penal rgaizaio Gisele Bara Boss, Marcelo Almeida Ruivo,~ Sto Paulo Almedina, 2019. Vros autores Bibliografia. ISBN 978-85-8493-418-8 1 .Contravengbesfiseais- Brasil 2. Direito penal - Basil 3, Direit tributirio- Brasil 4 Infragbes contra legilagiotributiria 1. Bossa, Gisele Bara. Il. Rulvo, Marcelo Almelda. 18-22309 (CDU-343,359.2(81) {dices para catlogo sstemstco: 1. Brasil +: Crimes contea a ordem tributaria: Direlto penal 343.359.2(81) Cibele Maria Dias ~ Biblioteciria ~ CRB-8/9427 Ese lio segue a regras do novo Acordo Ortogriico da Lingua Pormaguess (1990). As Investigagdes Internas Empresariais ea Tutela da Ordem Tributaria Alexandre Wunderlich Marcelo Azambuja Araujo 1, Primeira Constatagio: 0 Reconhecimento da Criminalidade Econdmico-Empresarial Partimos do seguinte consenso: existe um fendmeno que extrapolou os limites da chamada criminalidade convencional. E a criminalidade econémico-em- presarial', que foi reconhecida pela doutrina e que passou a ocupar largo espago na jurisprudéncia dos tribunais brasileiros. Nas tiltimas décadas, a criminalidade econémico-empresarial recebeu maior visibilidade, fundamentalmente apés a publicagio da Constituigao Federal de 1988 - que deu dignidade penal para uma série de novos bens juridicos imateriais e de natureza supraindividual, como o meio ambiente, as * Adotamos um conceito amplo de criminalidad econdmico-empreseral, enquanto um conjunto de Infragdesrelevantes no qual esti includos todos os tipos legals de crimes praticados no imbito das sociedades empresarils, por agBes e omissBes daqueles que tém o poder de comando dos negécios, os sécios, gestores e/ou administradores ~ os donas das empresas. A doutrina sinaliza para a construgio de um Direito Penal Econ6mico, um Direito Penal Empresarial ou um Direito Penal Secundario, expressbes empregadas como sindnimos. Vemos estas conceituagdes como respostas da doutrina para otratamento dests problemas penals no ambito da empresa e optamos Pela expresso riminalidadeecondmico-empresaral para \dentificar um fendmeno, no sentido mais, amplo do que aquele conceito em sentido estrito sugerido por Klaus TIEDEMANN nos anos 80, sem limitar 0 Direito Penal Econémico na tute exclusiva de um bem juridico consolidado no conjunto da ordem econdmica do Estado, no sentido menos restrto e concebido além do direito de diregio da economia pelo Estado (TIEDEMANN, Klaus, Poder econémicoydelit, Barcelona: Ariel, 1985, p.18, GARCIA CAVERO, Perey, Dereco penal econdmice: parte general, 3 ed, Lima: Jurista Editores, 204, p. 67). CRIMES CONTRA ORDEM ‘TRIBUTARIA osistema financeiro, as ordens tributaria, Previdencigria A partir dos om area i as ‘icamente — le fo: minagao, 0 Brasil passou a legisler ee ir estes diversos bens juries atabalhoada e sem cuales teen roe inchaco do direito pena, cea acarretando o que se en : ham criminalizagao das condutas Pertencentes quando a opgio foi, fam ae isivel, portanto, o fendmeno da expansio de ao quotidiano empresarial i evs i a aoe ais uma digressio importante. A Construggg do conceito de criminalidade econémico-empresarial ne Brasil é Fesquicio de uma antiga cultura de negécios. O empresario rie 00 = ativo da pratica de delitos, que atua com um modus operandi intelectua Hzado e, que, mais das vezes, usufrui dos relacionamentos politicos, sociaise econdmicos em beneficio da empresa e em detrimento do Estado. Avelha cultura de negécios obscuros produziu uma espécie de vitimizagao difusa euma consequente danosidade invisivel ao Estado; caracteristicas que, efetivamente, nio existem na criminalidade classica ou convencional. Desde o nosso olhar, o tratamento legal dispensado as condutas praticadas por empresdrios contribuiu para o processo de verticalizagao do direito penal, dando vida ao direito penal burgués, que afetou grandes empresirios até entao distantes das amarras da Justiga Criminal. Neste contexto, dentro do universo de condutas empresariais que sofre- ram com 0 espectro de expansao do direito penal, est4 a pratica da sone- ga¢40, supressao ou redugao de tributos, contribuigdes sociais ¢ acessdrios, relagdes de consumo, e econdmica, entre outros. ? WUNDERLICH, Alexandre, “A eficdcia das Varas especializadas; competéncia exclusiva e auséncia de transeriglo de depoiments - novos bens juridicos, velhas violagGes?, Boletim IBCCRIM, Sio Paulo, v. 14, n.166, p. 16-17, set. 2006: “[-] odireito penal contempordneo passa por um necessdrio rocesso de reexame da escala axiolégica dos bens ijuridico-penais. Escala esta que, como é cedigo, soften uma inversito ideoldgica, ... esse processo de reexame vem marcado pela expansito desenfreada do direito penal. Isto Porque direito penal contemporitneo, para além aqueles bens juridicos tangtveis, de cunho individual, optou orabsorverum universo de bens jurtdicos de natureza supraindividual, bens imateriaisedifusos. Ea legislagao nacional tem sido prédiga no processo de selecao e criminalizagao das condutas que violem ou simplesmente ologuem em risco estes bens juridicos, Este inchago do ordenamento juridico-penal ganhou corpo a partir da ii ie Mesrpeatae vleram atendera tutela dos interesses coletivos ou difusos, fundamentalmente pela tee a " “= anneal de 1988, de, diversos valores que, ‘com a mengatona Carta Polttica, adguiriram 4 WUNDERLICH, Alexandre, “Crimes ‘Contra o Sistem: depésitos no exterior & internacio de capitais Claudia, JAPIASSU, Carlos Edu: 2016, p.57. a Financeiro Nacional: da manutengio de ss no Brasil”, In: PRADO, Geraldo, CHOUKR, Ana lato, Proceso penal ¢Garantias, Florianépolis: Empério do Direito, AS INVESTIGAGOES INTERNAS EMPRESARIAIS E A TUTELA DA ORDEM TRIBUTARIA atualmente regulada pela Lei n. 8137/1990*, Em realidade, superadaa postura minimalista do direito penal, que recomenda a nao intervengio, 0 fato € que desde o inicio da década de noventa, os ilicitos penais tributérios passaram a compor 0 conceito de criminalidade econdmico-empresarial na Brasil. Logo, o estudo do objeto desta breve reflexzio ~ Investigagdes internas empre- sariais ¢a tutela da ordem tributéria - tem como pressuposto (@) a admissio da existéncia da criminalidade econémico-empresarial (b) a necessidade de superagio da antiga cultura empresarial, para posterior enfrentamento (6) dos contornos da investigacao interna empresarial em ilicitos tributérios, (2) enquanto medida privada de controle e regulagio, que pretende aevitagio de resultados indesejados, desde falhas de rotinas organizacionais até a prética destes ilicitos. 2. Segunda Constatagao: o Reconhecimento da Necessidade de Superagao da Velha Cultura Empresarial - Adogdo da Cultura da Conformidade E inegivel que as mudangas sociais ocorridas nas iltimas décadas afetaram enormemente 0 quotidiano das empresas. A revolugdo tecnolégica e 0 avas- salador incremento de riscos nos negécios, conhecidos sobretudo a partir dos avangos das pesquisas cientificas, ocasionaram uma série de novas obrigagdes ¢ deveres. Neste quadro de constante variagao, diante das inovagdes e com 0 alto incremento da fiscalizagdo do Estado, algumas praticas empresariais ilicitas receberam maior visibilidade por parte dos meios de comunicagio ¢ * © Poder Legislativo optou pela criminalizagio das condutas que atentem contra a ordem tributéria. Contudo, os programas de parcelamento de tributos ofertados pelo Estado 20 longo dastilkimas décadas demostram que a ntervengio penal servi apenas como ferramenta na cobranga de dividas. "J « politic criminal referente aos dlitos tributdris écondiionada pela poltica fiscal, pelo parcelamentoe/ou pagemento dos tributo devidos. Tanto no plano legslativo, proceso decriminalizagao primdriae de eaborasdo de direitos subjetivos (tal como aextingto da puntbilidade em razto do pagamento do debit), quanto no plano persecutrio(criminalizaeaosecundria) - maior ou menor represso por parte dla Policia da Receita edo Ministerio Palio pastvel nota a imbricagdo entre politica criminal e politica _fseal.Ademais, no plano degnatico, ¢impossive deevitaro entreeruzamentodeconcettos,j quea le penal- tributiria €um espace normativo htbrido, que meslacategrias de direito tributdro ede direito penal” (WUNDERLICH, Alexandre; ALVES, Mayora Marcelo, “Desde os reclamos da doutrina até o leadingcasedo sf hen’ 81.611/DF eo exaurimento da esfera administrativa nos crimes tributirios", In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René, Doutrinasesencais Dreto Penal Econdmico eda Empresa, Sto Paulo: Revista dos Tribunais, v. V, 201, p. 63 esq). 63 CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTARIA passaram a nao ser mais toleradas pelo imagindrio social, recebendo contor- nos de crimes graves, fruto do momento punitivista vivido no pais - desde a sonegacio fiscal, a sistematica de pagamento de propinas a agentes puiblicos até a ocultacao patrimonial e a lavagem de dinheiro. E preciso, pois, ter presente a necessidade de superagao da maneira ilegal pela qual algumas empresas se relacionavam com o Estado ~ e, por suposto, muitas devem ainda seguir se relacionando 4 margem dos controles estatais, O fato é que, em nosso juizo, a difusdo do antigo modelo de atuacao dos negécios, de forma divorciada da legalidade, acabou forjando a cultura de ajuste em prejuizo do interesse publico. Contudo, vivemos outros tempos, no sentido da compressao e da imposic¢ao de uma cultura de conformidade, ainda que num cendrio em mutagao — a [a forceps, é verdade, e com fissuras no sis- tema de franquias constitucionais, v.g., a cognominada Operagio Lava Jato, Neste passo, cresce a preocupacao com politicas de prevengio de priticas ilegais no ambito das empresas, como a evitagao da supressio e/ou reducio de tributos, contribuigao social e qualquer acessério, tema objeto deste breve artigo. Alias, sao multiplas as condutas tratadas pelo diploma penal que mere- cem ser impedidas, desde “omitir informagio ou prestar declaragio falsa as autoridades fazendarias”, “fraudar a fiscalizagao tributaria”, “falsificar ou alterar documentos fiscais”, “elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato ou negar”, “deixar de fornecer ou fornecer de forma inidénea, quando obrigatorio, nota fiscal ou documento equivalente”, entre outras. Em nosso juizo, para a construg’o desta cultura empresarial, a cultura de conformidade, deve-se buscar mecanismos que possam contribuir eticamente para a implantacio de novas teorias ¢ praticas. A criagdo de programas de compliance em empresas é pauta importante nas discussdes emergentes sobre 0 tema. Consequentemente, a investigacao interna empresarial, cuja finalidade €aidentificagao de episédios sensiveis com sinais de ilicito, aparece como fer- ramenta util num momento de transformagao. A velha cultura recomendava oencobrimento das ilicitudes ocorridas dentro da empresa. Agora, afastadaa cegueira deliberada, a empresa opta por instrumentos de controle capazes de identificar os riscos das suas atividades, de conter eventuais danos e de impe- dir ag6es ou omissées ilegais. E imperativo, pois, uma mudanga no paradigma empresarial, com a justa adequagao da empresa ao fiel cumprimento das regras. AS INVESTIGAGOES INTERNAS EMPRESARIAIS & A TUTELA DA ORDEM TRIDUTARIA 3. Conformidade ¢ Investigacao Interna Empresarial ‘No Brasil, artigo 78, VIII, da Lei n. 12.846/2013, fomentou a implantagao dos ‘programas de conformidade pelas empresas que tém negécios com a Administra- ‘¢do Publica. A legislagio acabou por incentivar que as empresas adotem tais programas de integridade corporativa que, para além da melhoria da propria performance, representam uma causa-legal de diminuigao de eventual impo- sigdo de sano administrativa pelo Estado’, A partir da citada legislacdo, os programas de compliance tiveram um aumento exponencial no pais, o que incrementou priticas de controle de riscos nas empresas. E inegivel que os programas de compliance surgem da necessi- dade de controlar os riscos gerados pelas atividades empresariais, Estar em compliance é fazer cumprir as normativas impostas 4s atividades profissionais do setor privado (admitimos também a necessidade no setor piblico). E ter cigncia das regras organizacionais de governanga. E cumprir rigorosamente 0s procedimentos internos e adotar determinados padrdes de conduta que so pautados na ética corporativa, Compliance é basicamente o cumprimento de deveres como prevengio de riscos puniveis, o que na érea tributéria das ‘empresas é plenamente possivel. Por esta razdo, defendemos a utilizagéo de tais programas e, ainda, o recurso figura do Compliance Officer, que, dentre outras fungGes, deve tratar de assuntos positivos, como a disseminagio dos padrdes éticos e culturais de compliance e, também, aqueles temas negativos, como a regulagio das deficiéncias nos padrdes de conduta empregados nas dinamicas didrias®, * fim de evtar programas de conformidade sem efetividade ou programas de'“fachada’,o Decreto 1n. 8420/2015 regulamentow a Lein.12.846/2013. A CGU estabeleceu orientagées para criagko de programas por meio da Portarla n, 909, identificando pressupostos para uilizagto do beneficio de redugto no valor da multe: @) comprovar que o programa de integridade foi construido de acordo ‘com o seu tamanho, perfil de atuagao e posicionamento no mercado, (3) comprovar o histérico 4e aplicagio do programa com resultados alcangados anerlormente na preven¢io de ato lesivos « (@,demonstrar que o programa foi aplicado no préprio atolesivo em questio, tendo funcionado ‘como prevengio contra um dano maior ou na reparagio do prejuz0 causado. © WUNDERLICH, Alexandze, “Criminal compliance ¢ Lei Anticorrupgio”, In: REALE JUNIOR, Miguel [Coord], Codigo Penal Comentado, Sio Paulo: Saraiva, 2017, p. 927, Por sua vex, criminal compliance &0 mecanismo de sistema de cumprimento normativo de eariter penal que congloba ‘um conjunto de medidas que as pessoas juridicas podeny/devem adotar naidentificagso de riscos, de infragio legal (risk assesment), delimitando-os,reduzindo-os ou eliminando-os (risk management), como ensina GARCIA CAVERO (Derecho penal econémico,p. 228-229, Criminal Compliance, Lima: Palestra, 2014, p. 30) 655 CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTARIA Atualmente, tempo de cultura de conformidade, a investigacao interna ferramenta fundamental a indicar eficiéncia na gestio empresarial. Vale sub. linhar que, até 0 inicio dos anos 2000, nos Estados Unidos da América, as investigagGes internas cram realizadas primordialmente por empresas de auditoria. Entretanto, os escindalos puiblicos que implicaram as empresas Enron e Arthur Andersen” trouxeram significativa mudanga, € a pratica alcan- cou, também, os grandes escritérios de advocacia, que passaram a realizar investigagOes internas empresariais®. De igual modo, no Brasil, o tema ganhou maior notoriedade com o surgimento dos chamados deveres de informagao e de auxilio as autoridades publicas nas persecugoes administrativas e penais, fundamentalmente quando das publicagGes das Leis de Anti-Lavagem e Anti- -Corrupgio — Leis n. 9.613/1998 € 12.846/2013. No paradigma de. conformidade, coma implementagao de programas de com- pliance ea efetivagao de investigages internas, os funciondrios das empresas passam a ser importantes fontes de informagées, pois representam uma espé- cie de guarda-memoria ea possibilidade de reconstrucgao dos fatos aconteci- dos. Diferentemente do que ocorria na velha cultura empresarial, a fidelidade do funcionario 4 empresa no deriva da sua omissao em relacio as praticas ilegais. Nao ha encobrimento; nada deve ser acobertado. Ao contrario, existe 7 No caso da Enron Corporation, que figurou como a sétima maior corporacao americana no ano 2000, com faturamento de USS 100 bilhdes de délares, diagnosticou-se que sua satide financeira era operada por manobras contibeis a fim de omitir prejuizos ¢ alavancar investimentos, As priticas foram descobertas pela SEC que, no curso das investigagées, entendeu haver indicios de envolvimento de sua empresa de auditoria (Arthur Andersen, segunda maior auditoria no mundo), inclusive com sua participacao na destruigio de provas. O episédio acarretou a faléncia das empresase uma profunda revisio na legislagZo norte-americana, buscando maior transparéncia da atividade empresarial e, com isso, recuperar a confianga dos investidores. (ROYSEN, Joyce, “Histérico da criminalidade econémica”, In: Revista Brasileira de Ciéncias Criminais, n. 42, PP- 192 2213, jan,/fev. 2003). # FELDENS e MADRUGA também destacam que a atribuigio da condugio das investigagoes internas a advogados tem como objetivo garantir que as informagSes apuradas estejam protegidas pelas regras de sigilo da relagio advogado-cliente. “[... jurisprudéncia ainda évacilantenoreconhecimento de sigilo da comunicagao entre contador e cliente, do mesmo modo que existe entre este € 0 advogado que? auxilia em sua defesa. Essa maior protegdo de sigilo as comunicagdes entre clientes e seus advogados fiz que muitas empresas optem por confiar a advogados a conducdo das investigagdes privadas”. (FELDENS, Luciano; MADRUGA, Antenor, “Cooperagio da pessoa juridica para apuragio do ato de corrupsic: investigago privada?”, Revista dos Tribunais, n. 947, p. 73-90, set. 2014; na mesma linha: GOME! aie Victor. “Compliance y derechos de los trabalhadores”, In: KUHLEN, Lothar; MONTIEL, Sa eee Inigo Ortiz de Urbina, Compliance y teoria del derecho penal, Marcial Pon 656 AS INVESTIGAGOES INTERNAS EMPRESARIAIS & A TUTELA DA ORDEM TRIBUTARIA fidelidade & conformidade e um estimulo a “dindmicas completamente dife- rentes baseadas na transparéncia informativa e no fomento da delacio”. E certo que a investigagio interna empresarial nao deriva necessariamente da implantacdo de um programa de conformidade. Todavia, mais das vezes, a investigagao interna decorre de fatos diagnosticados a partir da implantacio destes programas. Diferentemente das investigag6es puiblicas, que dependem da existéncia de justa causa para que sejam instauradas, as investigages inter- nas privadas prescindem desta base indiciaria minima, pois podem/devem ser iniciadas a partir de meras suspeitas, aleatoriamente, em carter meramente ;preventivo Isto ocorre, por exemplo, com o surgimento de fatos noticiados ‘a empresa por meio de identificacao de condutas duvidosas em sistemas de seguranga, no controle de fluxo de dados e informagGes financeiras, em canais de dentincia (hot lines) ouem programas de anistia, estes tltimos instrumentos préprios de programas de conformidade. 4, Investigacao Interna Empresarial: Conceito, Classificagao e Limites Ocorre que, nao obstante o crescimento da cultura empresarial de conformidade, hé total auséncia na regulamentagio legal da investigagao privada no Brasil. Diividas e incertezas em relagao aos limites e possibilidades na sua condugio. preocupam as empresas que buscam conformidade e fidelidade & lei. A ver- dade é que néo ha um conceito bem definido do que seja uma investigagio privada empresarial ¢ eventuais excessos, assim como ocorrem nas investiga gdes puiblicas, podem levar a afetagio de direitos e garantias individuais de investigados'". Neste particular aspecto, é conveniente tragarmos uma divisio * BRUMENBERG, Alex-Dirk; GARCIA-MORENO, Beatri, “Retos priticosde aimplementacién de programas de cumplimiento normatio”,In:IBARRA, Juan Carlos, VALIENTEIVANES, Vicente [Coord], Responsbilded dea empresay compliance: programas de prevencin,dtecin reacin penal, Madsid: Edisofer, 2014, p. 288 ® NIETO MARTIN, Adan, “Investigaciones internas, whistleblowing y cooperacién: la lucha pra informacién en el proceso penal”, In: Didrio LA LEY, n. 8120, p. 8,5 julio 2013, Disponivel ‘em: , Acesso em: 25.2016. "Yer FELDENS, Luciano; MADRUGA, Antenor, 0. cit, “Cooperagio da pessoa juriiea para apuragio do ato de corrupgio: investigagio privadat’, p. 73-90; GOMEZ MARTIN, Victor, op. ct, “Compliance y derechos de los trabalhadores’,p. 125-146; GREEN, Bruce; PODGOR, Ellen, “Unregulated Internal Investigations: Achieving Fairness for Corporate Constituents", 67 GRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTARIA entre o criminal compliance e os procedimentos de investigagao que podem ser desencadeados por ele. Consoante adverte Jesus-Maria SILVA SANCHEZ, os programas de conformidade sao resultado da delegagio pelo Estado de atividades de vigilancia, em sentido amplo, As empresas, envolvendo no sé a adogio de medidas de vigilincia, mas também a execugio de medidas pré-a- tivas com o fim de estimular a incorporagao de uma cultura de obediéncia as regras ¢ a identificar possiveis fatores que conduzam a condicées favoraveis Aocorréncia de ilicitos, eliminando-os"*. Vale pér em relevo a opiniio de Oliver SAHAN, que apés referir a ine- xisténcia de uma conceituagio na Alemanha, define a investigagao interna empresarial como um procedimento para oesclarecimento de atos que possam levar 4 responsabilizagio da empresa ou de seus oérgaos de administragio, elucidando fatos que, nao obstante possam ter sido praticados em “benef{- cio” do ente coletivo empresarial, so irregulares. O autor menciona que as investigag6es internas também podem ter a finalidade de identificar condu- tas praticadas por funciondrios em detrimento da empresa, como delitos de furtos e estelionato”. Em nosso sentir, embora as investigages internas empresariais possuam uma ligaco umbilical com os programas de conformidade, com eles nao se confundem, em que pese muitas vezes serem decorrentes de informagGes advindas destes programas. A doutrina especializada costuma classificar as investigacdes internas em varias espécies, seja quanto ao seu alcance ou objeto, pelos responsaveis por sua condugio, etc. Juan Pablo MONTIEL destaca a existéncia de dois grandes grupos, dividindo-as em investiga¢6es internas em sentido estrito, (a) quando integradas apenas por advogados externos ¢, Boston College Law Review, v. 54, p. 73-126, 2013; GRIFFIN, Lisa Kern, “Compelled cooperation and the new corporate criminal procedure”, In: New York University Law Review, v. 82, p.311-382, 2010; MONTIEL, Juan Pablo, “Sentido y alcance de las investigaciones internas en Ia empresa", In: IBARRA, Juan Carlos; VALIENTE IVANES, Vicente [Coord.], Responsabilidad de la empresa y compliance: programas de prevencién, deteccién y reaccién penal, Madrid: Edisofer, 2014, p- 487- ~517; GRECO, Luis; CARACAS, Christian, “Internal investigations e 0 principio da no auto- incriminagio” In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, Joo Paulo Orsini; SANTOS, Humberto Souza [orgs.], Comentdrios ao Direito Penal Econdmico Brasileiro, Belo Horizonte: D'Plicido, 2017, pp. 787 a 819. ® SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, Fundamentos del Derecho penal de la Empresa, Madrid: Edisofer, 2013, p.192. 8. SAHAN, Oliver, “Investigaciones empresariales internas desde la perspectiva del abogado”, In: KUHLEN, Lothar; MONTIEL, Juan Pablo; GIMENO, fitigo Ortiz de Urbina, Compliance y teortt del derecho penal, Marcial Pons: Madrid, 2013, pp. 246 a 247. 658 AS INVESTIGAGOES INTERNAS EMPRESARIAIS & A TUTELA DA ORDEM TRIBUTARIA em sentido amplo, (b) quando contarem com advogados externos e também ‘com membros da prépria empresa. O autor ainda salienta a possibilidade de uma distingao em relagio ao momento em que s4o conduzidas, podendo ser pré-judiciais, quando se iniciam a partir de indicios acerca da ocorréncia de uma infragio, sem que tal fato tenha sido noticiado as autoridades puiblicas, ou paralelas a agbes judiciais, quando desenvolvidas apés 0 conhecimento dos fatos pelas autoridades"*, De outra banda, Albert Estrada i CUADRAS e Mariona Llobet ANGLE", quanto ao objeto, dividem as investigagbes internas em expedientes para apuragio de infrag6es penais, extrapenais (por exemplo, para apuraco de infrag6es laborais) e de ilicitos contratuais. Referem que as investigacoes podem ser destinadas aesclarecer fatos ilicitos cometidos (passado), que ainda estejam ocorrendo (presente) e, de forma preventiva, que visam alcangar novas infrag6es (futuro). Como decorréncia desta tiltima divisio, aduzem a possibilidade de classificago das investigagdes conforme o grau de suspeita que recaia sobre o individuo investigado, separando-as em expedientes que possuem um suspeito determinado (quando tenham como objeto um fato passado) e investigacdes preventivas (que nfo apuram um fato individua- lizado). Os autores apresentam, ainda, outra classificagao quanto ao sujeito sobre o qual recai a investigacio, dividindo-a em quatro possibilidades: (g) em caso de ilicitos praticados por funcionirios da empresa contra o patriménio desta (stelionato, furto, apropriagao indébita, etc.), (b) quando se trate de crimes cometidos por funciondrios da empresa tendo como vitimas outros funcionarios (abuso sexual, furto, etc), (¢) na hipétese de infragdes penais praticadas por funciondrios em nome da empresa e em seu “beneficio” (cor- rupgao, fraude em licitagbes, sonegagio fiscal, etc.) ¢, por fim, (d) quando 0 empregador tenha o interesse em monitorar as atividades de seus funcioné- rios, nos casos em que tem o dever de protegio da satide e integridade fisica em cumprimento de normas de seguranga. Por outro lado, conforme destaca Juan Pablo MONTIEL, as investigagdes internas nio incluem “meras atividades de controle, mas compreendem (tal como no processo penal) atividades destinadas a (tentar) reconstruir o passado e adotar ' MONTIEL, jun Pablo, op ct, “Sendo slance delasinvestigacionesinternasen la empresa’, 498. ® CUADRAS, Albert Estrada; ANGL{, Mationa Llobet, “Derechos de los trabajadoesydeberes del empresrio:conflicto en las investigaciones empresaraes interna, I: Revista rasa de CléncasCriinas x 108, pp. 151.2188, maja, 2014 CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTARIA medidas a partir dos fatos identificados”'’, Em sua opiniao, a investigagio interna mira fatos ocorridos, ou seja, é reativa, visa reconstrugio dos fatos com o fito de diagnosticar possivel cometimento de ilicitos dentro da estrutura empresarial. Juan Pablo MONTIEL ainda admite a possiblidade de investi- gagao com o fim de obter elementos em relagao 4 deficiéncia de seus siste- mas de controle, que também seriam legitimas. Diferencia-a, contudo, dos procedimentos invasivos na esfera de intimidade dos funcionarios que nao tenham respaldo em qualquer indicio, o que entende ilegitimo e denomina de “caza de brujas””. Urge, portanto, que possamos definir um conceito legal de investigacio interna empresarial em nosso pais, a fim de que seja vidvel desenvolver teo- ricamente as suas classificag6es e fixar seus limites, evitar excessos e abusos, para que seja utilizada como instrumento de prevencio e puni¢do no ambiente corporativo. 5. Conclusio — Investigacio Interna Empresarial e Sua Aplicagio nos Ilicitos Tributarios Em sintese, varios fatores podem levar uma empresa a optar por realizar uma investiga¢ao interna, tais como, por exemplo, () apurar irregularida- des a fim de evitar riscos e prejuizos futuros e, assim, (b) mostrar-se como uma sociedade em conformidade com o Direito, buscando (¢) a confianga de investidores, (d) reunir informacGes e dados que objetivam negociar acordos de leniéncia com érgios publicos, (¢) identificar condutas de funciondrios/ colaboradores que tenham agido em detrimento da empresa a fim de res- ponsabiliza-los, (f) apontar irregularidades de fornecedores e/ou parceiros comerciais, com a cessacio das atividades de modo a evitar futura responsa- bilizagao solidaria, etc. E logico, portanto, ante o amplo espectro de utilizagao das investigagOes internas, que o instrumento (também) pode ser aplicado em diagnésticos % MONTIEL, Juan Pablo, op. cit, “Sentidoy alcance de las investigaciones internas enla empresa”, p.496. " autor cita como exemplo de investigagao que entende ilegitima os procedimentos realizados por uma rede de supermercados da Alemanha (Aldi, Lidly Netto), que instalou cameras de vigilincia, contratou investigadores privados e instalou gravadores de voz ocultos em locais de reunides, a fim de buscar elementos da vida privada de seus funcionérios para prevenir qualquer tipo de conspiragdo contra os interesses da empresa. 660 AS INVESTIGAGOES INTERNAS EMPRESARIAIS E A TUTELA DA ORDEM TRIBUTARIA, sobre a regularidade e a legalidade de operagées complexas envolvendo tri- butos, contribuigdes sociais e acess6rios. Sob o prisma do cipoal de normas legais ¢ dos intimeros impostos e taxas devidos, a adogo de priticas contré- rias ao direito gera diversas consequéncias juridicas, como a criagdo de um passivo tributario, que, uma vez verificado pelas autoridades, acarretaré em uma autuagio fiscal, com penalidades e multas que podem ter alto impacto financeiro. Mais, dependendo da gravidade das condutas descobertas, poder haver persecugio e responsabilizagio penal de gestores ¢ administradores da empresa, além do fato de haver um provavel dano a imagem da corporagio, que passa a ser vista como uma empresa sonegadora. Entio, pensamos que os programas de conformidade ¢ as investigagbes {internas devem andar lado a lado na busca por solugdes, na reducdo de danos € na apuragio de responsabilidades dentro da empresa, Quando estamos diante de empresas de grande porte, estruturadas a partir da delegagio de poderes, com politicas de comissionamento pelo alcance de metas, temos um campo fértil para que sejam praticadas condutas arrojadas buscando aumento de resultados, ainda que, para tanto, sejam adotadas praticas ilegais como a sonegagio de tributos. Desta forma, advogamos que os programas de con- formidade as investigagGes internas corporativas sio importantes instru- mentos ao dispor das empresas, justamente para a identificagio de condutas contrarias ao direito levadas a cabo por seus funciondrios e, quem sabe, por seus préprios gestores. Em termos de deveres tributarios, a investigagio interna pode contribuir na identificagao de eventuais ilegalidades, no levantamento de dadose na apu- racdo de prejuizos. Uma investigagio pode indicar a necessidade de solugdes, como a adogao de medidas tendentes a regularizagio da situagao fiscal, quig com 0 aproveitamento de dispositivos legais, como a dentincia espontinea (art. 134 do CTN). No ponto, lembramos que, na hipétese, as vantagens so condicionadas ao fato de que a iniciativa do contribuinte em confessar 0 débito tributario deva ocorrer antes do inicio de qualquer procedimento adminis- trativo ou medida de fiscalizacao, o que reforga a importancia da efetividade dos mecanismos de vigilincia e de investigacio. Por fim, pensamos que a implantagio de programas de conformidade com mecanismos efetivos de apuragio de ilegalidades resulta em diversos bene- icios materiais e morais para as empresas, o que justifica o investimento. Ao lado dos instrumentos de controle e vigilancia dos programas de con- formidade, as investigacGes internas representam eficientes instrumentos de detecgio de condutas ilegais no ambito da atividade empresarial. Nao hi 661 CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTARIA que niio seja da regulagio, O destino éa outro caminho seguro a percorrer, formidade, com 0 consequente abandono adogio de uma plena cultura de con das antigas praticas negociais. Referéncias MORENO, Beatriz. Retos priticos de la imple- nto normativo, In; BARRA, Juan Carlos Hortal; onsabilidad de la empresa y compliance; BRUMENBERG, Alex-Dirk; GARCIA~ mentacidn de programas de cumplimte: IVANES, Vicente Valiente [Coord.], Re programas de prevencién, deteccién y reaccién penal, Madrid: Edisofer, 2014, CUADRAS, Albert Estrada; ANGLf, Mariona Llobet, Derechos de los trabajadores y debe- res del empresario: conflicto en las investigaciones empresartales internas, In: Revista Brasileira de Ciencias Criminais, v. 108, mai,/jun. 2014. FELDENS, Luciano; MADRUGA, Antenor, Cooperagio da pessoa Juridica para apu- ragio do ato de corrupgito: investigagio privadat, In: Revista dos Tribunais, n. 947, set. 2014. GARCIA CAVERO, Percy, Derecho penal econdmico: Editores, 2014. GARCIA CAVERO, Percy, Criminal Compliance, Lima: Palestra, 2014. GRECO, Luts; CARACAS, Christian, Internal investigations ¢ 0 princfpio da nao auto- -incriminagdo, In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, Joao Paulo Orsini; SANTOS, Humberto Souza [orgs.], Comentitios ao Direito Penal Econdmico Brasileiro, Belo Horizonte: D'Plicido, 2017. MONTIEL, Juan Pablo, Sentido y alcance de las investigaciones internas en la empresa. In TBARRA, Juan Carlos Hortal; IVANES, Vicente Valiente [Coord.], Responsabllidad dela cempresa.y compliance: programas de prevencidn, deteccién y reaccién penal, Madrid Edisofer, 2014. NIETO MARTIN, Adan, Investigaciones internas, whistleblowing y cooperacién: la tucha por la informacion en el proceso penal, In: Didrio LA LEY, n. 8120, 2013. ROYSEN, Joyce, Histérico da Criminalidade Econdmica, In; Revista Brasileira de Cién- cias Criminais, n. 42, jan./fev. 2003. SAHAN, Oliver, Investigactones empresariales internas desde la perspectiva: del abogado, In: KUHLEN, Lothar; MONTIEL, Juan Pablo; GIMENO, ffigo Ortiz. de Urbina, Compliance “y teorfa del derecho penal, Marcial Pons: Madrid, 2013, p. 245-259. SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria, Fundamentos del Derecho penal de la Empresa, Madrid: Edisofer, 2013. TIEDEMANN, Klaus, Poder econémtco y delito, Barcelona: Aricl, 1985. VALLES, Ramon Ragués, Whistleblowing: Una aproximactén desde el Di Madrid: Marcial Pons, 2013. WUNDERLICH, Alexandre, A eficdcia das Varas especializadas: competéncia exclusiva eauséncia de transcrigdo de depoimentos — novos bens juridicos, velhas violagoes, In: Boletim IBCCRIM, Sao Paulo, v. 14, n. 166, set. 2006. parte general, 3° ed., Lima: Jurista erecho Penal, 662 AS INVESTIGAGOES INTERNAS EMPRESARIAIS E A TUTELA DA ORDEM TRIBUTARIA WUNDERLICH, Alexandre, Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: da manu- tengo de depésitos no exterior 4 internagao de capitais no Brasil, In: PRADO, Geraldo, CHOURR, Ana Cliudia, JAPIASSU, Carlos Eduardo, Processo penal e garan- tias, Floriandpolis: Emporio do Direito, 2016. WUNDERLICH, Alexandre, Criminal compliance ¢ Lei Anticorrupgio, In: REALE JUNIOR, Miguel [Coord.], Cédigo Penal Comentado, Sto Paulo: Saraiva, 2017, WUNDERLICH, Alexandre e ALVES, Mayora Marcelo, Desde os reclamos da doutrina até o leading case do STF: HC n'81.611/D¥ eo exaurimento da esfera administrativa nos crimes tributarios, In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René, Doutrinas esenciais: Direito Penal Econdmico e da Empresa, Sto Paulo: Revista dos Tribunais,v. V, 2011. 663

You might also like