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Copyright © 2023 by Michele O. de Abreu

Categoria: Direito Penal

Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Alex Sandro Nunes de Souza

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


não se responsabiliza pelas opiniões
emitidas nesta obra por seu Autor.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio ou processo, inclusive quanto às características
gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais
constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895,
de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e
indenizações diversas (Lei nº 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
Abreu, Michele O. de
A162i Da imputabilidade do psicopata / Michele O. de Abreu. – 3. ed.
rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2023.
Inclui bibliografia
Epub 1425kb
ISBN 978-85-519-2705-2

1. Direito penal. 2. Imputabilidade (Direito). 3. Transtorno de


personalidade antissocial. 4. Psicopatia. I. Título.
CDD 345
Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927
Àquele que tudo pode e faz acontecer.
Ao meu sobrinho Lorenzo e aos meus pais,
pelo amor incondicional.
“Se você conhece o inimigo e conhece a si
mesmo,
não precisa temer o resultado de cem
batalhas.”
Sun Tzu, A arte da guerra.
Agradecimentos

O livro apresentado ao leitor é fruto da dissertação de


mestrado desenvolvida e defendida no curso de pós-
graduação da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), em 2011. Assim, agradeço ao Professor
Dr. Oswaldo Henrique Duek Marques, então orientador,
pela dedicação, orientação e contribuição salutares à
elaboração do trabalho.
Agradeço imensamente ao Dr. Walfredo Cunha Campos
que, gentilmente, aceitou prefaciar a terceira edição do
livro “Da imputabilidade do psicopata” e contribuiu para
o aprimoramento desta obra.
Ao médico psiquiatra argentino Dr. Hugo Marietan,
especialista e autor de várias obras sobre psicopatia,
agradeço pela dedicação e presteza em esclarecer
questões polêmicas que levaram ao pensamento
conclusivo acerca do tema.
Aos meus pais, familiares e amigos, agradeço pelo
apoio incondicional.
Aos estudantes e operadores do direito, os mais
sinceros agradecimentos pelo respeito por esta autora e
por este livro.
Notas da Autora à 3ª. Edição

Percebe-se, com a 3ª. edição do livro “Da


imputabilidade do psicopata”, que o trabalho foi
aprimorado em sua forma e apresentação, com a
finalidade de esclarecer, com maior fluidez, a psicopatia
como transtorno de personalidade, conforme a
Organização Mundial da Saúde e a Associação Americana
de Psiquiatria.
Esta edição foi atualizada de acordo com a quinta
edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais (DSM-V-TR) e traz novas abordagens
sobre o transtorno de personalidade antissocial, como:
características associadas, prevalência, desenvolvimento
e curso, fatores de risco e prognósticos e questões
diagnósticas relativas à cultura, ao sexo e ao gênero.
Foi também apresentada a nova classificação dos
transtornos de personalidade nos termos da décima
primeira revisão da Classificação Internacional dos
Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-11), com
destaque para a exclusão dos transtornos de
personalidade em espécie e a proposta de classificação
baseada, principalmente, na gravidade do transtorno
(leve, moderado e grave). Como a CID-11 ainda não foi
traduzida e adaptada no Brasil, não foi possível, nesta
edição, discorrer com profundidade sobre as alterações
provocadas. Enquanto a CID-11 não for aplicada no
Brasil, permanece a classificação diagnóstica prevista na
CID-10 e, por conseguinte, o entendimento da psicopatia
como transtorno de personalidade antissocial (F60.2).
Nesta edição, ressaltamos a importância do diagnóstico
clínico no transtorno de personalidade antissocial e a
utilização de testes psicológicos validados no Brasil.
Atualizamos também a situação da validade da Escala
Hare (PCL-R) no Brasil [Sistema de Avaliação dos Testes
Psicológicos (Satepsi), do Conselho Federal de
Psicologia].
Por fim, atualizamos os posicionamentos doutrinário e
jurisprudencial acerca da imputabilidade do psicopata, e
reformulamos textos conclusivos desse trabalho sem,
contudo, alterar o posicionamento desta autora no
tocante à problemática proposta.
Notas da Autora à 2ª. Edição

Ultrapassados oito anos da publicação da 1ª edição,


essa edição é apresentada com novas informações
científicas acerca do tema, reflexões e abordagens que
enriquecem e reforçam a compreensão da problemática
central.
Diversamente da edição anterior, esse trabalho reflete
sobre a necessidade de diferenciar o indivíduo com o
transtorno de personalidade antissocial, do indivíduo que
também possui psicopatia e as consequências de tal
diferenciação.
Destaca-se que, na espacialidade de tempo das
edições, decisões judiciais têm avançado no sentido de
reconhecer e tratar o infrator psicopata com o rigor
científico e jurídico devidos. Antes apontada como
“pressuposto necessário” para o reconhecimento da
semi-imputabilidade, a psicopatia vem sendo tratada
como impedimento para benefícios executórios e até
para o reconhecimento da imputabilidade do infrator.
Pretende-se, com este trabalho, continuar contribuindo
para que o tema seja difundido e levado ao
conhecimento de todos os estudiosos e interessados no
tema.
Por fim, essa autora esclarece que, apesar de a nova
edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-
11) entrar em vigor em 01 de janeiro de 2022, tal
instrumento ainda não foi traduzido para a língua
portuguesa e, até a apresentação deste trabalho à
editora, não constam maiores estudos acerca das
possíveis alterações no tocante ao transtorno de
personalidade antissocial. Assim, a análise detida deste
instrumento será tema em uma próxima edição.
Sumário

Prefácio 3ª. Edição


Prefácio 2ª. Edição
Prefácio 1ª. Edição
Introdução
1 Psicopatia
1.1 Psicopatia e a questão terminológica
1.2 Critérios Internacionais de Classificação Diagnóstica
1.2.1 Organização Mundial da Saúde: Classificação
Internacional de Transtornos Mentais e de
Comportamento (CID)
1.2.1.1 Transtorno de Personalidade Antissocial
conforme a Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10
1.2.1.1 Considerações preliminares sobre o transtorno
de personalidade antissocial na 11ª Revisão da
Classificação Internacional de Doenças (CID-11)
1.2.2 Associação Americana de Psiquiatria: Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)
1.2.2.1 Transtorno da personalidade antissocial e as
suas considerações no DSM-V-TR
1.2.2.2 Diagnóstico Diferencial do transtorno da
personalidade antissocial no DSM-V-TR
1.3 Conceito
1.3.1 Do conceito de psicopatia de acordo com a
descrição comportamental
1.3.2 Do conceito de psicopatia de acordo com a
etiologia e o quadro comparativo com doenças mentais
1.3.3 Desenvolvimento histórico do conceito de
psicopatia
1.4 O perfil do psicopata
1.4.1 Área emocional/interpessoal
1.4.1.1 Eloquência e encanto superficial
1.4.1.2 Personalidade egocêntrica e presunçosa
1.4.1.3 Ausência de remorso ou culpa
1.4.1.4 Ausência de empatia
1.4.1.5 Talento para mentiras e manipulações
1.4.1.6 Emoções superficiais
1.4.2 Estilo de vida
1.4.2.1 Impulsividade
1.4.2.2 Autocontrole deficiente
1.4.2.3 Necessidade de excitação continuada
1.4.2.4 Falta de responsabilidade
1.4.2.5 Problemas de conduta na infância
1.4.2.5.1 Transtorno da conduta
1.4.2.6 Comportamento antissocial na fase adulta
1.4.3 O perfil do psicopata. Considerações finais.
1.5 Etiologia da psicopatia
1.6 Causa originária da psicopatia
1.7 Diagnóstico clínico e testes psicológicos
1.7.1 Teste ou psicodiagnóstico de Rorschach – “Teste
do Borrão”
1.7.2 Psychopathy Checklist Revised ou Escala Hare
(PCL-R)
1.7.3 Outros testes
1.8 Tratamento e reversibilidade do quadro clínico
1.9 Considerações
2 Da Imputabilidade
2.1 Considerações iniciais
2.2 Conceito
2.3 Fundamentação filosófica da imputabilidade
2.4 Histórico da imputabilidade na legislação penal
brasileira
2.5 Imputabilidade e responsabilidade – correlação
2.6 Das causas que excluem a imputabilidade
2.6.1 Da inimputabilidade por doença mental,
perturbação da saúde mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado
2.6.2 Da inimputabilidade por idade
2.6.3 Da inimputabilidade por embriaguez
2.6.4 Da inimputabilidade e semi-imputabilidade na Lei
n. 11.343/2006
2.7 Das causas que não excluem a imputabilidade
2.7.1 Emoção e paixão
2.7.2 Embriaguez voluntária ou culposa
3 Da Inimputabilidade e Semi-Imputabilidade de
Acordo com o Critério Biopsicológico
3.1 Da inimputabilidade
3.1.1 Do conteúdo da inimputabilidade
3.1.1.1 Dos elementos constitutivos causais da
inimputabilidade
3.1.1.1.1Doença mental
3.1.1.1.1.1 Considerações históricas sobre o conceito
3.1.1.1.2 Desenvolvimento mental incompleto ou
retardado
3.1.1.2 Dos elementos constitutivos consequenciais da
inimputabilidade
3.1.1.2.1 Incapacidade de entender o caráter ilícito do
fato
3.1.1.2.2 Incapacidade de determinar-se de acordo
com esse entendimento
3.2 Da semi-imputabilidade
3.2.1 Do conteúdo da semi-imputabilidade
3.2.1.1 Dos elementos constitutivos causais da semi-
imputabilidade
3.2.1.1.1 Perturbação da saúde mental
3.2.1.1.2 Desenvolvimento mental incompleto ou
retardado
3.2.1.2 Dos elementos constitutivos consequenciais da
semi-imputabilidade
3.2.1.2.1 Incapacidade de entender o caráter ilícito do
fato ou de autodeterminar-se de acordo com tal
entendimento
3.3 Consequências jurídico-penais
4 Da Imputabilidade do Psicopata
4.1 Considerações iniciais
4.2 O psicopata delinquente
4.3 O psicopata e o Código Penal
4.4 Da imputabilidade do psicopata (transtorno da
personalidade antissocial) de acordo com a doutrina
4.5 O psicopata (transtorno de personalidade
antissocial) nos Tribunais
4.5.1 Transtorno de Personalidade Antissocial
(psicopatia): Imputabilidade e Circunstância judicial
desfavorável (arts. 59, caput, e 68, ambos do Código
Penal)
4.5.1.2 Transtorno de personalidade antissocial
(psicopatia) e a impossibilidade de progressão de
regimes
4.5.1.3 Transtorno de personalidade antissocial
(psicopatia) e a impossibilidade de livramento
condicional
4.6 Capacidade de culpabilidade do psicopata
4.6.1 Psicopatia e inimputabilidade
4.6.1.1 Psicopatia e doença mental
4.6.1.2 Psicopatia e desenvolvimento mental
incompleto ou retardado
4.6.1.3 Da capacidade para entender o caráter ilícito
dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento
4.6.1.4 Considerações
4.6.1.5 O psicopata com transtorno mental
4.6.2 Psicopatia e semi-imputabilidade
4.6.2.1 Psicopatia e perturbação da saúde mental
4.6.2.2 Da capacidade para entender o caráter ilícito
dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento
4.6.2.3 Considerações
4.7 Psicopatia e imputabilidade
Conclusão
Referências
Prefácio
3ª. Edição

Psicopata. A palavra já evoca lembranças de crimes


bárbaros noticiados com sensacionalismo, bem como de
filmes e séries de televisão de sucesso, dado o enorme
interesse do grande público sobre o assunto.
Longe de ser matéria de enredos de ficção, a psicopatia
é uma realidade jurídica com a qual se defrontam
aqueles que militam na área criminal, sobretudo os que
atuam no Tribunal do Júri.
É o psicopata louco, e não deve ser punido?
Parcialmente responsável por seus atos criminosos?
Ou, então, plenamente imputável, merecendo lhe ser
imposta uma pena?
A questão é intrigante, e as respostas possíveis
contraditórias.
Na literatura quanto ao tema, não raras vezes, a
abordagem se bifurca em obras que o desenvolvem
superficialmente, dando ênfase a casos escabrosos e
sanguinários, que nem sempre são proveitosos a quem
pretende conhecer, de maneira objetiva e científica, o
que é efetivamente a psicopatia. De outro giro, há
aqueles livros que tentam esmiuçar o tema, compilando
autores diversos, em uma demonstração de erudição
vazia, que, além de pouco didática, qual uma noz vazia,
dela nada se extrai do pensamento do autor, de suas
ideias quanto ao assunto abordado (se é que as
possuía...), mas apenas cascas dos pensamentos alheios.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer1 bem diferencia
os verdadeiros escritores ÷ os que pensam ÷ daqueles
que deixaram de exercer essa nobre faculdade humana,
sendo macaqueadores de ideias alheias:
É extremamente reduzida a quantidade daqueles que pensam sobre
as próprias coisas, enquanto os demais pensam apenas sobre livros,
sobre o que os outros disseram. Ou seja, para pensar, eles precisam
de um forte estímulo de pensamentos alheios já disponíveis.
Os leitores quebram em vão a cabeça na tentativa de descobrir o
que eles pensam afinal. Eles simplesmente não pensam.
Apenas aqueles que, ao escrever, tiram a matéria diretamente de
suas cabeças são dignos de serem lidos.

Leitor, tenha a certeza de que a obra que se encontra


em suas mãos, Da imputabilidade do psicopata, da Dra.
Michele O. de Abreu, é da lavra de uma escritora digna
de ser lida, a qual, aliada à grande erudição que permeia
as páginas deste livro, demonstra a indiscutível
capacidade de pensar por conta própria (e de nos fazer
pensar junto com ela).
A autora destrincha com profundidade, sem perder a
veia didática, as questões mais complexas referentes ao
conceito de psicopatia, o perfil e o estilo de vida do
psicopata, e o correlato tratamento penal a ser
dispensado a quem possua esse transtorno de
personalidade.
Obra essencial para os que pretendem conhecer o
assunto, para aqueles que desejam nele se aprofundar, e
para todos os operadores do direito, especialmente os
que atuam na área criminal.
Por isso que na nossa obra Tribunal do Júri, Teoria e
Prática2, ao tratarmos dos conceitos de imputabilidade,
semi-imputabilidade e inimputabilidade aplicáveis ao rito
do Júri, recomendamos vivamente aos nossos leitores o
estudo do livro da Dra. Michele O. de Abreu, como
material acadêmico imprescindível à compreensão, ao
questionamento e até à eventual desmistificação de
laudos periciais que tenham por objeto o acusado
psicopata.
O livro já se tornou uma referência nacional pela
honestidade intelectual da autora, sua verve literária e a
objetividade de seu conteúdo, o que torna muito bem-
vinda − e necessária − a nova edição da obra, revisada,
atualizada e ainda mais aprimorada.
O leitor tem em mãos uma obra cujo estilo, claro e alto,
segue as lições do que deve ser a comunicação humana
pregada pelo maior orador de língua portuguesa de todos
os tempos, o Padre Antônio Vieira3:
“O Estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro
que o entendam os que não sabem, e tão alto que
tenham muito que entender nele os que sabem”.
Walfredo Cunha Campos
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
Professor e Autor do livro “Tribunal do Júri, Teoria
e Prática”.

1 SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: Editora L&


PM., 2019. pp. 58-59.
2 CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri, Teoria e Prática. 8. ed.
Leme/SP: Mizuno, 2022. Página 434
3 Obras completas do Padre Antônio Vieira. Sermões. Porto: Lello & Irmão
Editores, 1959. p. 20.
Prefácio
2ª. Edição

Inicialmente, com grande satisfação registro a alegria


em aceitar o convite para prefaciar a 2ª edição da obra
Da Imputabilidade do Psicopata, de autoria da exímia
professora Michele Oliveira de Abreu que, desde os
tempos de estagiária do Ministério Público do Estado de
São Paulo, sempre se mostrou muito estudiosa e
dedicada.
Frequentemente citada como fonte de pesquisa, a
presente obra reúne conteúdo multidisciplinar,
correlacionando a ciência jurídica com a psiquiatria e a
psicologia. Originalmente apresentado como dissertação
de Mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), enriquecido pela orientação do Professor
Doutor Oswaldo Henrique Duek Marques, o trabalho
demonstra sua relevância e sensível percepção concreta
do tema.
O estudo enfatiza ser impraticável o conhecimento da
psicopatia e dos seus reflexos na imputabilidade penal
sem a análise das ciências médicas e sociais que
abordam a psicopatia, notadamente a psiquiatria e a
psicologia, sobretudo no tocante ao enfoque relacionado
às controvérsias jurídicas correlatas. Para tanto, a autora
realizou profunda e sólida pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial, contextualizando o tema sob a ótica dos
tribunais pátrios, da doutrina e da saúde, estabelecendo
um escorço histórico transdisciplinar do psicopata. A obra
em questão reflete o inquietante cuidado com a matéria,
examinando-a com prudência e conhecimento técnico-
científico.
Nesse sentido, a perquirição da imputabilidade do
psicopata pautada nas descobertas biológicas,
psicológicas e no conhecimento da medicina se mostra
imperativa para a plena compreensão das questões
multidisciplinares envolvendo a pessoa com psicopatia e
sua responsabilidade penal.
No âmbito jurídico, é inequívoco que a lei penal define
como imputável a pessoa que, no momento da ação ou
omissão, seja mentalmente desenvolvida e saudável,
possua condição de compreender a natureza criminosa
de seu ato e de se determinar de acordo com esse
entendimento.
Contudo, na prática, apesar do sobredito diploma
normativo enunciar as diretrizes a serem trilhadas, não
há qualquer menção sobre o indivíduo com psicopatia, o
que tem resultado em divergências e discussões sobre a
sua imputabilidade, em especial, se ele deve ser
considerado doente mental ou pessoa com transtorno na
personalidade.
Nessa linha, a constatação da capacidade volitiva, da
capacidade cognitiva e da capacidade intelectual, assim
como a verificação de possíveis atos involuntários, de
distorções cognitivas, alucinações, impulsividade,
comportamento antissocial, autocontrole, delírios,
pensamentos desvirtuados, de problemas envolvendo a
consciência dos próprios atos, o raciocínio, a percepção
da realidade e a conduta do agente na fase da infância
devem ser conjuntamente considerados tanto na
avaliação clínica, como na perícia, de forma associada às
condições determinantes para o reconhecimento da
imputabilidade do sujeito. Não é recomendada, tão pouco
adequada, à luz do disposto no art. 26, caput e parágrafo
único do Código Penal, a exclusão desses importantes
fatores.
Nesse contexto, a abordagem do comportamento
humano explorada no presente estudo, de forma
competente e minuciosa, analisa a consumação dos
comportamentos antissociais e hostis e sua correlação
com a personalidade classificada como psicopática.
Examina os sintomas característicos do transtorno de
personalidade antissocial, descortina a impulsividade do
psicopata e sua correspondência direta com o desprezo
pelas consequências jurídicas e sociais de suas ações,
além de analisar o prejuízo e a diminuição de sua
compreensão e discernimento da realidade dos fatos, o
domínio e o controle de sua conduta, sopesando sua
imputabilidade diante da legitimação do jus puniendi.
O conhecimento intelectual produzido nesta obra traz a
certeza de que a professora Michele Oliveira de Abreu
produziu um livro de inusitado valor e conteúdo,
revelando-se, desta maneira, como de grande
importância não só aos operadores do Direito, mas
também aos profissionais da saúde, da psicologia e a
todos aqueles que constantemente aceitam o desafio de
melhor decifrar o perfil da pessoa com psicopatia e seus
desdobramentos na dogmática penal.
Por conseguinte, os preceitos e teorias lançados adiante
refletem parte do trajeto necessário para nortear a
cognição da controvertida disciplina relacionada à
psicopatia. Cuida-se, destarte, de obra abrangente e
contemporânea que indubitavelmente traz significativo
subsídio para o estudo do tema e do sistema legal
correlato.
Yuri Giuseppe Castiglione
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo
Mestrando em Saúde Coletiva pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
Prefácio
1ª. Edição

Com muita alegria aceitei o convite para prefaciar a


obra Da Imputabilidade do Psicopata, de autoria de
Michele Oliveira de Abreu, que teve origem em
Dissertação de Mestrado aprovada por Banca
Examinadora por mim presidida e integrada pelos
renomados Professores Alexis Couto de Brito e Gustavo
Octaviano Diniz Junqueira.
Minha satisfação em prefaciar esta obra é redobrada.
De um lado, no tocante ao aspecto pessoal e acadêmico,
por ter sido a autora minha aluna no curso de Pós-
Graduação em Direito Penal na Pontifícia Universidade
Católica, além de minha orientanda na Dissertação de
Mestrado. Os anos de convivência até a defesa da
Dissertação despertaram-me respeito acadêmico pela
autora, empenhada em investigar tema pouco comum,
mas de grande interesse para o mundo acadêmico,
acerca da imputabilidade do psicopata.
De outro lado, por revestir-se a obra ora prefaciada de
aprofundado rigor científico, arrimada em sólida pesquisa
bibliográfica, de autores nacionais e estrangeiros, tanto
no campo do Direito, como no da Criminologia e da
Psiquiatria. Somente por meio da conjugação da análise
de aspectos de vários campos do conhecimento afigura-
se possível desenvolver tema difícil e polêmico, que
guarda relação com a questão da imputabilidade –
enquanto elemento da culpabilidade – no âmbito penal e,
por via de consequência, com a perspectiva da liberdade
a ela inerente.
Com efeito, a imputabilidade penal possui estreito
vínculo com a esfera de liberdade do indivíduo, na
medida em que a culpabilidade implica, em cada
situação fática concreta, a capacidade e a possibilidade
de o sujeito ativo agir em obediência à norma penal
preestabelecida. Em outras palavras, só é passível de
imputabilidade e de reprovação quem atua contra a
norma, quando podia atuar de outro modo, evitando a
conduta proibida.
O Código Penal vigente, em seu artigo 26, adotou a
teoria biopsicológica, ao considerar inimputáveis aqueles
que, em razão de doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, são inteiramente
incapazes de entender o caráter ilícito do fato delituoso
ou de determinar-se segundo esse entendimento, no
momento da ação ou da omissão.
Pelo parágrafo único do mesmo artigo, serão
considerados semi-imputáveis – ou com imputabilidade
reduzida – os portadores de perturbação mental ou de
desenvolvimento incompleto ou retardado que, no
momento da ação ou da omissão, não possuam a plena
capacidade de entendimento ou de determinação em
relação ao ilícito penal.
Tanto em uma situação, quanto na outra, afigura-se
imprescindível saber, em um primeiro momento, se a
psicopatia se insere entre as doenças mentais ou entre
as perturbações mentais. Em caso de resposta positiva,
cabe então indagar, na etapa seguinte, se essas
patologias são capazes de suprimir ou de reduzir a
capacidade de entendimento ou de determinação do
indivíduo em face do comando normativo.
Essas importantes indagações são respondidas nesta
obra pela autora, arrimada em séria pesquisa
desenvolvida. Sua obra parte das características da
psicopatia, sem deixar de mencionar as recentes
descobertas científicas sobre o tema. O estudo
prossegue com o enfoque histórico da imputabilidade e
da semi-imputabilidade, com exame da legislação penal
vigente, a partir da reforma penal de 1984.
A leitura do livro nos permite constatar que as
conclusões apresentadas por Michele Oliveira de Abreu
servirão de norte e poderão contribuir para solucionar
assunto controvertido e atual relacionado à psicopatia.
Daí o interesse científico indiscutível de sua obra para os
profissionais e estudiosos não só do Direito Penal, como
também de outras áreas do conhecimento, interessados
na difícil questão acerca da responsabilidade penal dos
psicopatas.

Oswaldo Henrique Duek Marques


Livre-docente em Direito Penal e Professor
Titular de Direito Penal da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
Introdução

O presente trabalho tem fim precípuo examinar o


campo do estudo científico da psicopatia e verificar se as
pessoas com psicopatia detêm ou não as características
determinantes para o reconhecimento da imputabilidade
nos termos do art. 26, caput e parágrafo único, do
Código Penal vigente.
Em primeiro lugar, o trabalho pretende abordar se a
psicopatia é doença mental, perturbação da saúde
mental, desenvolvimento mental incompleto ou
retardado ou apenas um transtorno da personalidade. Na
oportunidade, analisaremos, a partir dos traços
comportamentais, se os psicopatas têm a capacidade de
conhecer o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento.
Aferida a psicopatia como doença mental, perturbação
da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, verificaremos se estas condições são
suficientes para, no momento dos fatos, tornar o seu
portador inimputável ou semi-imputável, nos termos do
art. 26, caput e parágrafo único, do Código Penal.
Desse objeto de estudo surgem as seguintes
problemáticas sequenciais e consequenciais: tendo em
vista que o dispositivo legal ora abordado (ab initio)
considera, respectivamente, inimputável e semi-
imputável os indivíduos com doença mental e
perturbação da saúde mental, indaga-se, primeiramente,
a natureza etiológica da psicopatia.
Caso seja reconhecida como doença mental, é
imprescindível verificar se essa circunstância o tornou
inteiramente incapaz de, ao tempo da ação ou omissão,
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento. Na hipótese do
reconhecimento de perturbação da saúde mental,
imperioso indagar se o diagnóstico é suficiente para ter
tornado o indivíduo parcialmente incapaz de, ao tempo
da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com tal entendimento.
Com o objetivo de findar tais questionamentos ou ao
menos destacar a necessidade e a relevância de maiores
estudos acerca do assunto, desenvolveremos nosso
trabalho a partir do perfil comportamental exposto pelo
psicólogo forense canadense Robert D. Hare, responsável
pela criação de um dos mais relevantes instrumentos
para avaliar o grau de periculosidade e identificar o
indivíduo com personalidade psicopática. O trabalho
ainda está segmentado em constructos da medicina
(psiquiatria, psiquiatria forense e neurociência),
psicologia (psicologia médica, psicologia
comportamental, psicologia cognitiva e psicologia
comportamental-cognitiva), criminologia e medicina
legal.
Em razão da complexidade do tema ora proposto, este
trabalho será desenvolvido conforme exposto a seguir.
No primeiro capítulo, serão apontados todos os
caracteres que envolvem a figura do psicopata.
Abordaremos, inicialmente, as diversas perspectivas
acerca do conceito de psicopatia e a evolução histórica
da terminologia, ultrapassando, ainda, a problemática
acerca da nomenclatura cientificamente empregada.
Aprofundaremos a existência de indivíduos que
apresentam comportamento antissocial como se
psicopatas fossem, mas que com eles não se confundem,
oportunidade na qual apontaremos a importância desta
diferenciação para fins de tratamento e recuperabilidade
do indivíduo.
Destacaremos as teorias que justificam as causas
originárias da psicopatia e delinearemos o perfil
comportamental do psicopata, os critérios e os
resultados obtidos a partir de pesquisas realizadas como
meios de diagnóstico, além das mais recentes
descobertas científicas sobre o tema. Por fim, daremos
atenção à potencial tratabilidade e reversibilidade desse
quadro.
O segundo capítulo aborda o instituto da
imputabilidade. Iniciaremos com o conceito do instituto
e, a seguir, traremos sua evolução histórico-legal
(respeitando as alterações sofridas pela Lei n. 7.209, de
11 de julho de 1984). Momento seguinte, dedicaremos à
análise das causas que o fundamentam sob a
perspectiva das Escolas Clássica, Positiva e outras
apontadas pela doutrina. Por fim, apontaremos as
possíveis causas com condão de excluí-la ou diminuí-la e
os critérios doutrinários existentes para a averiguação da
inimputabilidade, quais sejam, biológico, psicológico e
biopsicológico.
No terceiro capítulo, dedicado à análise da
inimputabilidade e da semi-imputabilidade sob a
perspectiva do critério biopsicológico, serão observados
todos os requisitos legalmente previstos e
imprescindíveis para sua configuração.
Dando continuidade ao raciocínio ora apresentado,
iniciaremos o quarto capítulo expondo a dificuldade em
verificar a psicopatia no caso concreto e traçaremos um
quadro paralelo entre a psicopatia e os institutos da
inimputabilidade e semi-imputabilidade. Primeiramente,
analisaremos se a psicopatia é transtorno mental,
perturbação da saúde mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado. Em caso afirmativo,
verificaremos se, diante de uma situação fática concreta,
o psicopata pode ser considerado imputável, semi-
imputável ou inimputável, nos termos do art. 26, caput e
parágrafo único, do Código Penal.
Entendemos que somente a partir desse complexo
raciocínio poderemos apresentar um posicionamento
lógico e cientificamente comprovado para melhor
esclarecer um dos maiores questionamentos do direito
penal.
1 Psicopatia

Nasci com o diabo dentro de mim. Não pude evitar o fato de ser um
assassino, da mesma forma que o poeta não consegue impedir a
inspiração de se expressar... Nasci com o mal sendo meu tutor ao
lado da cama onde fui trazido ao mundo, e desde então ele tem
estado comigo.
(H. H. Holmes, conhecido como o primeiro serial killer americano,
executado em 1986)1.

Dedicar-se ao estudo da psicopatia exige árduo


empenho para desconstruir “conceitos”
equivocadamente incutidos na sociedade e que,
reflexamente, foram acolhidos no âmbito jurídico.
É certo que a psicopatia ultrapassa a narrativa comum
e indiscriminadamente associada ao comportamento de
serial killers, estupradores, golpistas e outros criminosos.
O tema reveste-se de cientificidade.
Certos da impossibilidade do enfrentamento da questão
sem a sua abordagem científica; e reconhecida a
necessidade da apresentação da base teórica sobre
todos os aspectos relacionados à psicopatia,
dedicaremos esse capítulo à sua exposição. Para esse
fim, sustentaremos, ao longo deste trabalho, os
principais estudos de psicopatologia e os ensinamentos
de renomados cientistas, psiquiatras e psicólogos clínicos
e/ou forenses ao redor do mundo
1.1 Psicopatia e a questão
terminológica
Dada a necessária construção teórica sobre os
fundamentos da psicopatia, forçoso dedicarmos esse
primeiro momento ao enfrentamento da problemática
terminológica.
Primeiramente, cumpre destacar que psicopatia está
associada a um transtorno, conforme descrição
diagnóstica estabelecida pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e Associação Americana de Psiquiatria
(APA). Tal afirmação não implica defender a existência de
um “transtorno de psicopatia” ou “transtorno
psicopático”; essa classificação inexiste. A psicopatia, há
alguns anos, corresponde aos critérios diagnósticos
previstos ao transtorno da personalidade antissocial,
conforme previsão da OMS e APA.
Ultrapassados os esclarecimentos acerca da psicopatia
como transtorno e da sua correspondência com o
transtorno da personalidade antissocial, outra discussão
terminológica sobrevém: o transtorno da personalidade
antissocial e psicopatia são expressões sinônimas?
Como veremos ao longo do trabalho, a existência de um
transtorno da personalidade que corresponda à
psicopatia não implica, necessariamente, sejam eles
considerados inteiramente correspondentes (psicopatia e
transtorno da personalidade antissocial). Ou seja, não há
que falar sejam eles expressões sinônimas sob todos os
aspectos.
Conforme melhores ensinamentos, e como trataremos
oportunamente, os critérios diagnósticos atuais para o
transtorno da personalidade antissocial permitem que
duas categorias de indivíduos recebam o mesmo
diagnóstico: psicopatas e não psicopatas2.
Segundo Vicente Garrido, o conceito de ‘psicopatia’
vem sendo constantemente revisado ao longo de anos, a
ponto de suas características clínicas não estarem mais
devidamente abarcadas pelo Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). A psicopatia
diz respeito a um transtorno mais grave e de difícil
tratamento, enquanto o Transtorno de Personalidade
Antissocial se refere, fundamentalmente, às condutas
antissociais e delitivas.
Em tudo isso há uma grande confusão. O DSM de 1968 ainda
descrevia alguns dos aspectos essenciais da personalidade
psicopática [o que levou Cleckley a aprovar esse termo na última
edição de seu livro The mask of sanity (A máscara da sanidade), em
1976]. Mas os DSMs posteriores forçavam um diagnóstico baseado
em uma série de comportamentos antissociais e atos delituosos,
evitando a maioria dos traços de personalidade que definiram a
psicopatia desde sempre e que tão bem descreveu Cleckley em
19413.

A psiquiatra forense Hilda Clotilde Penteado Morana


critica esses critérios ao afirmar que eles não consideram
as diferenças de tendências antissociais encontradas em
populações psiquiátricas e forenses4. A autora ainda
ressalta a tendência em considerar a psicopatia como
categoria diagnóstica específica entre os transtornos de
personalidade:
Embora o termo ‘psicopatia tenha sido usado até o momento em
diferentes contextos, há uma tendência crescente entre os cientistas
do comportamento para restringir-lhe o uso a um distúrbio clínico e
comportamental relativamente específico. Esse distúrbio foi descrito
detalhadamente por Clekley (1964) e Karpman (1961). Em sentido
largo, foi enquadrado pela American Psychiatric Association (1952)
na categoria – “distúrbio sociopático da personalidade, reação anti-
social”5.

Destaca, por fim, que segundo a Classificação


Internacional das Doenças (CID-10), os critérios
diagnósticos do transtorno da personalidade antissocial
são dirigidos à identificação das características da
personalidade. Dessa forma, é possível que tanto
psicopatas como outros indivíduos não psicopatas
possam preencher os critérios ora mencionados. Em
detrimento de tal temeridade, a autora sustenta a
necessidade de diferenciar esses indivíduos: os
psicopatas e as pessoas com transtorno da
personalidade antissocial propriamente dito (não
psicopata)6.
Entendendo a necessária diferenciação e preservando a
classificação diagnóstica, a psiquiatra forense Hilda
Clotilde Penteado Morana defende a existência de dois
tipos de transtorno da personalidade antissocial:
transtorno global e transtorno parcial, que se referem,
respectivamente, aos psicopatas e aos não psicopatas.
Importante ressaltar que, ainda que tal classificação
tenha coerência e preserve a nomenclatura científica
(transtorno da personalidade antissocial), essa distinção
é apenas doutrinária e não obriga o profissional da saúde
a adotá-la7.
De outra sorte, encontramos a terminologia conhecida
como sociopatia. Conforme preceituam Paul Babiak e
Robert D. Hare8, a sociopatia não consiste em condição
psiquiátrica formal, muito embora tenha sido utilizada
para se referir a indivíduos com características
psicopáticas resultantes de questões sociais (1930).
Destacam o fato de que, atualmente, a sociopatia “se
refere a padrões de atitudes e comportamentos que a
sociedade considera antissociais e criminosos, mas que
são normais ou necessários na subcultura ou no
ambiente social em que se desenvolveram.” A título de
exemplo, apontam aqueles que cresceram em um
ambiente criminoso, marginalizado ou empobrecido e
que adotaram sua cultura e seu comportamento.
Vicente Garrido esclarece que:
em algumas ocasiões, profissionais e aflicionados utilizam o termo
‘sociopata’ no lugar de psicopata. Essa expressão era freqüente por
volta de 1960 e 1970, quando se pretendia destacar a origem social
do quadro, ou seja, dizer que havia determinadas causas em nosso
modo de funcionar em sociedade que eram as responsáveis últimas
pelo fenômeno. Atualmente, o termo é pouco utilizado. A partir de
1968, a Sociedade Americana de Psiquiatria introduziu o conceito de
‘personalidade antissocial’ para definir o psicopata dentro dos
transtornos de personalidade. E as edições seguintes do Manual de
Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, o DSM (1980,
1987 e 1994) – um tratado ao qual recorrem profissionais do mundo
todo para diagnosticar transtornos psíquicos e de comportamento –,
não fizeram outra coisa senão continuar nessa linha, prescindindo do
termo psicopata – que é muito antigo, como veremos – e
substituindo-o pela expressão ‘transtorno de personalidade
antissocial’9.

Por fim, importante apontarmos a nomenclatura


apresentada pelo psiquiatra forense brasileiro Guido
Arturo Palomba que, ao discordar do sentido etimológico
da expressão ‘psicopatia’10, defende o uso do termo
‘condutopatia’:
‘condutopatia’ é uma palavra composta por sufixação (conduta +
páthos, moléstia), com vogal de ligação (conduta + o + patia). Como
o nome diz, é própria dos que apresentam distúrbios de conduta,
distúrbios de comportamento, ou seja, o páthos está na conduta11.

Importante esclarecermos que, assim como se dá com a


expressão “psicopatia”, os termos “sociopatia” e
“condutopatia” não são reconhecidos - sob as
respectivas terminologias - como transtornos pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação
Americana de Psiquiatria (APA). Essas nomenclaturas
atualmente encontram correspondência ao “transtorno
de personalidade antissocial” (F60.2) e, caso o médico
psiquiatra e/ou o psicólogo forenses queiram especificar
certas condições ao diagnóstico, poderão acrescer (e
nunca substituir) as expressões acima à classificação
diagnóstica devida (F60.2, segundo a CID-10).
Encerramos o presente item reafirmando que
“psicopatia” é tema científico e, como tal, deve assim ser
compreendido. Esse aspecto assume absoluta relevância
nos contextos clínico, científico e forense, quando
necessária a classificação diagnóstica correspondente e
descrita pela Organização Mundial da Saúde e/ou a
Associação Americana de Psiquiatria: transtorno de
personalidade antissocial.
Considerando a existência dessas concepções
(transtorno da personalidade antissocial e psicopatia) e o
reconhecimento de que o transtorno da personalidade
antissocial previsto no CID-10 e no DSM-V-TR alcança
indivíduos psicopatas e não psicopatas, adotaremos, com
ressalvas e para fins absolutamente didáticos nesta
terceira edição, a expressão ‘psicopatia’ como sinônima
de ‘transtorno da personalidade antissocial”, e quando
verificada a necessária distinção, assim a faremos
expressamente.
1.2 Critérios Internacionais de
Classificação Diagnóstica
Conforme apontamentos anteriores, os critérios para
classificar os transtornos mentais e de comportamento
estão previstos, atualmente, na décima primeira
Classificação Internacional de Doenças (CID-11) e na
quinta edição revisada do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-V-TR),
respectivamente elaborados pela Organização Mundial
da Saúde e pela Associação Americana de Psiquiatria.
Como seu irmão gêmeo, o CID, o DSM destina-se, desde então, a
uniformizar os critérios de diagnóstico, o registro estatístico e a
comunicação entre clínicos. Mas, por ser uma ordenação das
doenças mentais em grupos e subgrupos, embora com critérios
eminentemente descritivos, traduz uma concepção das formas da
doença mental ou, pelo menos, uma definição delas em categorias
distintas. É, portanto, como o CID, uma autêntica classificação das
formas da alienação mental (ou da loucura)12.

Primeiramente, cabe destacar que a Classificação


Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde (CID) é de aplicação
obrigatória nos Estados-membros da Organização
Mundial da Saúde. Por outro lado, o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é aplicável nos
Estados Unidos, embora outros países o adotem para
facilitar e reforçar o diagnóstico dos transtornos mentais
e dos comportamentos previstos na CID.
Para evitar discrepância de resultados científicos entre
países e outros problemas relacionados à dificuldade de
coleta, uso de estatísticas, desenvolvimento de
tratamentos e indicação da população idêntica de
pacientes, o DSM tem-se esforçado para, com suas
revisões, acompanhar as revisões da CID.
Passaremos, a seguir, ao estudo do transtorno da
personalidade antissocial conforme preceituam a CID-10,
CID-11 e o DSM-V-TR.

1.2.1 Organização Mundial da


Saúde: Classificação
Internacional de Transtornos
Mentais e de Comportamento
(CID)
Criada em 1948, a Organização Mundial da Saúde
consiste em uma agência especializada das Nações
Unidas com a responsabilidade de “promover saúde,
manter o mundo seguro e servir os vulneráveis – para
que todos, em todos os lugares, possam atingir o mais
alto nível de saúde”13.
Foi na primeira Assembleia Mundial da Saúde, em 30 de
abril de 1948, que os delegados confiaram à Organização
Mundial da Saúde o dever de estabelecer e revisar
periodicamente as nomenclaturas internacionais
necessárias de doenças e causas da morte, concedendo-
lhe autoridade para adaptar os regulamentos a respeito,
como nomenclatura para a Classificação Estatística
Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Morte e as
recomendações que a acompanham, com a finalidade de
uniformização (padronização) e comparação
internacional das estatísticas de morbidade e
mortalidade.
A Classificação Internacional de Doenças pode ser
definida como um sistema de categorias atribuído a
entidades mórbidas segundo algum critério estabelecido,
o qual fornece códigos concernentes à classificação
estatística de doenças. “A CID é usada para traduzir
diagnósticos de doenças e outros problemas de saúde
em um código alfanumérico que permite o
armazenamento, a recuperação e a análise dos dados”14.
Aponta a história que as primeiras revisões da
classificação diziam respeito somente às causas de
morte. Em 1948, porém, com a Sexta Revisão, suas
finalidades se expandiram, passando a incluir doenças
não fatais e, em 1952, as doenças ou transtornos
mentais.
No quadro abaixo, é possível verificarmos a evolução
história das classificações elaboradas e publicadas pela
Organização Mundial da Saúde.
Revisões Adoção Entrada em Vigor

CID-6 Adotada em 1948 1948

CID-7 Adotada em maio de 1956 1º de janeiro de 1958

CID-8 Adotada em maio de 1966 1º de janeiro de 1968

CID-9 Adotada em maio de 1976 1º de janeiro de 1979

CID-10 Adotada em maio de 1990 1º de janeiro de 1993

CID-11 Adotada em maio de 2019 1º de janeiro de 2022


Verificada a evolução das revisões, a Organização
Mundial da Saúde atualmente considera a classificação
fruto da Décima Primeira Revisão (CID-11)15. Como
trataremos oportunamente, a CID-11 – adotada em 2019
pela 72ª. Assembleia Mundial da Saúde – entrou em vigor
em janeiro de 2022. Apesar da sua vigência, a
Organização Mundial de Saúde estima que o período de
transição da CID-10 para a CID-11 deva ocorrer de dois a
três anos, e passe a ser usada a partir de 1º de janeiro
de 2025.
No Brasil, o Ministério da Saúde, em parceria com a
Câmara Técnica Assessora para Gestão da Família de
Classificações Internacionais e com a Organização Pan-
Americana da Saúde (Opas), está coordenando o
processo de tradução da CID-11 para o português16.
Enquanto os processos de tradução, revisão e validação
por especialistas na área de classificações não se findam,
o Brasil continua adotando a CID-10.
Uma vez que a CID-10 ainda é a versão utilizada no
Brasil enquanto a CID-11 não é implementada,
continuaremos, nesta edição, a tratar o transtorno de
personalidade conforme a CID-10, sem deixar, contudo,
de tecer considerações sobre sua abordagem na CID-11.

1.2.1.1 Transtorno de Personalidade


Antissocial conforme a Classificação
de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10
Conforme o instrumento de Classificação de Transtornos
Mentais e de Comportamentos atualmente utilizado no
país (CID-10), o transtorno da personalidade antissocial
consiste em um dos tipos específicos de transtorno da
personalidade elencados (F-60). Para melhor elucidação,
segue abaixo, de forma resumida, sua posição na CID-
1017:
F-60 – F69
Transtornos de personalidade e de comportamentos em
adultos
F60 Transtornos específicos de personalidade
F60.0 Transtorno de personalidade paranoide
F60.1 Transtorno de personalidade esquizoide
F60.2 Transtorno de personalidade antissocial
F60.3 Transtorno de personalidade emocionalmente instável
.30 Tipo impulsivo
. 31Tipo borderline (limítrofe)
F60.4 Transtorno de personalidade histriônica
F60.0 Transtorno de personalidade anancástica
F60.0 Transtorno de personalidade ansiosa (de evitação)
F60.0 Transtorno de personalidade dependente
F60.0 Outros transtornos específicos de personalidade
F60.0 Transtorno de personalidade não especificado
F61 Transtornos de personalidade mistas e outros
(...)
F62. Alterações permanentes de personalidade, não atribuíveis a
lesão ou doença cerebral
(...)
F63. Transtornos de hábitos e impulsos
(..)
F64 Transtornos de identidade sexual
(...)
F65 Transtornos de preferência sexual
(...)
F66 Transtornos psicológicos e de comportamento associados ao
desenvolvimento e orientação sexual
(...)
F68 Outros transtornos de personalidade e de comportamentos em
adultos
(...)
F69 Transtorno não especificado de personalidade e de
comportamento em adultos

Conforme o estabelecido no CID-10, os transtornos de


personalidade consistem em “uma variedade de
condições e padrões de comportamentos clinicamente
significativos, os quais tendem a ser persistentes e são a
expressão do estilo de vida e do modo de se relacionar,
consigo mesmo e com os outros, característicos de um
indivíduo”18.
Os critérios para estabelecer os tipos específicos dos
transtornos de personalidade consideraram as
manifestações comportamentais predominantes e mais
assíduas, bem como as causas e antecedentes que
provocaram a alteração na personalidade do indivíduo
(experiência catastrófica, estresse ou tensão prolongada
e doença psiquiátrica, exceto a esquizofrenia residual).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca o fato
de as variações culturais ou regionais terem relevância
para as manifestações de condições de personalidade,
contudo reconhece que os estudos na área ainda são
escassos. Para solucionar os casos em que as condições
de personalidade de determinada área do mundo não
correspondam a qualquer dos subtipos dos Transtornos
de Personalidade, orienta sua classificação como “outros”
transtornos de personalidade e que seja identificada por
meio de um código de cinco caracteres, fornecido em
uma adaptação da CID-10 para determinado país ou
região19.
Importante destacar que a CID-10, antes de apresentar
as descrições clínicas (ou descrições suplementares) dos
subtipos de Transtornos de Personalidade, expõe as
diretrizes diagnósticas gerais aplicáveis a todos eles. São
elas:
Diretrizes Diagnósticas
Condições não diretamente atribuíveis à lesão ou à doença cerebral
flagrante ou a outro transtorno psiquiátrico, satisfazendo os
seguintes critérios:
atitudes e condutas marcantemente desarmônicas, envolvendo em
várias áreas de funcionamento, p. ex., afetividade, excitabilidade,
controle de impulsos, modo de percepção e de pensamento e estilo
de relacionamento com os outros;
o padrão anormal de comportamento é permanente, de longa
duração e não limitado a episódios de doença mental;
o padrão anormal de comportamento é invasivo e claramente mal-
adaptativo para uma ampla série de situações pessoais e sociais;
as manifestações acima sempre aparecem durante a infância ou
adolescência e continuam pela idade adulta;
o transtorno leva à angústia pessoal considerável, mas isso pode se
tornar aparente apenas tardiamente em seu curso;
o transtorno é usual, mas não invariavelmente associado a
problemas significativos no desempenho ocupacional e social.

Conforme o exposto na CID-10, para o diagnóstico dos


transtornos de personalidade, “em geral é requerida uma
evidência clara da presença de pelo menos três dos
traços ou comportamentos dados na descrição clínica”20.
Ultrapassada a verificação dos critérios gerais dos
transtornos de personalidade, a OMS expõe os critérios
diagnósticos para os transtornos de personalidade
específicos. Conforme se abstrai da CID-10, o transtorno
de personalidade antissocial é tratado no código F60.2.
Vejamos:
F60.2 Transtorno de personalidade antissocial
Transtorno de personalidade, usualmente vindo de atenção por uma
disparidade flagrante entre o comportamento e as normas sociais
predominantes, e caracterizado por:
(a) Indiferença sensível pelos sentimentos alheios;
(b) Atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e
desrespeito por normas, regras e obrigações sociais;
(c) Incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja
dificuldade em estabelecê-los;
(d) Muito baixa tolerância à frustração e um baixo limiar para
descarga de agressão, incluindo violência;
(e) Incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a
experiência, particularmente punição;
(f) Propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer
racionalizações plausíveis para o comportamento que levou o
paciente a conflito com a sociedade.
Pode haver também irritabilidade persistente como um aspecto
associado. Transtorno de conduta durante a infância e adolescência,
ainda que não invariavelmente presente, pode dar maior suporte ao
diagnóstico21.

Segundo a classificação, o transtorno de personalidade


antissocial é caracterizado por um desprezo das
obrigações sociais e falta de empatia em relação aos
outros. Há um desvio considerável entre o
comportamento e as normas sociais estabelecidas. O
comportamento não é facilmente modificado pelas
experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe
baixa tolerância à frustração e baixo limiar de descarga
da agressividade, inclusive da violência. Existe ainda a
tendência a culpar os outros ou a fornecer
racionalizações plausíveis para explicar um
comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito
com a sociedade22.

1.2.1.1 Considerações preliminares


sobre o transtorno de personalidade
antissocial na 11ª Revisão da
Classificação Internacional de
Doenças (CID-11)
Como mencionado anteriormente, a CID-11 foi adotada
em 2019 na 72ª. Assembleia Mundial da Saúde, entrando
em vigor em janeiro de 2022. Em 11 de fevereiro de
2022, teve publicada a sua “última atualização”23.
A Organização Mundial da Saúde esclarece que a CID-
11 consiste em um padrão de dados de saúde obrigatório
(Constituição da OMS e Regulamentos), possui estrutura
conceitual independente de idioma e cultura, é
totalmente digital e acessível a todos. Destaca ainda ser
mais extensa quando comparada à décima revisão da
CID; o seu conteúdo está cientificamente atualizado e há
maior integração entre terminologia e classificação24.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, a
classificação foi compilada e atualizada com informações de mais de
90 países e envolvimento sem precedentes de prestadores de
serviços de saúde, permitindo a evolução de um sistema imposto
aos médicos para um banco de dados de classificação clínica e
terminologia verdadeiramente capacitador, que atende a uma ampla
gama de usos para registrar e relatar estatísticas na saúde25.

Em que pese a entrada em vigor em janeiro de 2022, a


CID-11 ainda não foi traduzida e implementada no Brasil
− como também não a foi em outros países. A
Organização Mundial da Saúde acredita que a transição
da CID-10 para a CID-11 deve ocorrer de dois a três anos,
contados da sua entrada em vigor.
Conforme se abstrai da CID-11, em sua versão
publicada em inglês, já é possível adiantar que os
“transtornos mentais, comportamentais ou de
neurodesenvolvimento” vêm tratados no Capítulo 6.
Segundo o texto,
os transtornos mentais, comportamentais e de
neurodesenvolvimento são síndromes caracterizadas por distúrbios
clinicamente significativos na cognição, na regulação emocional ou
no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento que
fundamentam o funcionamento mental e comportamental. Esses
distúrbios geralmente estão associados à angústia ou prejuízo em
pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras
áreas importantes do funcionamento26.

Assumindo nova codificação e enfrentamento,


verificamos que os Transtornos de Personalidade
(Transtorno comportamental) sofreram grandes
alterações na CID-11. Estabelecidos com novos códigos
(do 6D10 a 6D11.5), classificações e conceitos,
reconhecemos que, enquanto os países encontrarem-se
em processo de transição, não será possível tratarmos
sobre o assunto, ao menos nesta edição, com a
profundidade devida.
Em um primeiro momento – após tradução livre da
International Classification of Diseases for Mortality and
Morbidity Statistics – Eleventh Revision (ICD-11) – é
possível verificar que o conceito de “transtorno da
personalidade” foi reformulado. Vejamos:
O transtorno da personalidade é caracterizado por problemas no
funcionamento de aspectos do eu (p. ex., identidade, autoestima,
precisão da visão de si mesmo, autodireção) e/ou disfunção
interpessoal (p. ex., capacidade de desenvolver e manter
relacionamentos próximos e mutuamente satisfatórios, capacidade
de entender as perspectivas dos outros e de gerenciar conflito nos
relacionamentos) que persistiram por um longo período de tempo (p.
ex., 2 anos ou mais). O distúrbio se manifesta em padrões de
cognição, experiência emocional, expressão emocional e
comportamento que são desadaptativos (p. ex., inflexíveis ou mal
regulados), e se manifesta em uma série de situações pessoais e
sociais (ou seja, não se limita a relacionamentos ou papéis sociais
específicos). Os padrões de comportamento que caracterizam o
distúrbio não são apropriados para o desenvolvimento e não podem
ser explicados principalmente por fatores sociais ou culturais,
inclusive conflitos sociopolíticos27.

Conforme a CID-11, o transtorno está relacionado a um


sofrimento substancial ou prejuízo significativo nas áreas
pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional, etc.
A alteração substancial e que tem provocado grandes
debates entre estudiosos, diz respeito à exclusão dos
tipos específicos de transtornos de personalidade na CID-
11 – que são característicos da CID-10 e DSM-V-TR. Nessa
versão, esse modelo foi substituído pelo modelo
dimensional baseado na gravidade da manifestação do
transtorno de personalidade (leve, moderado, grave ou
sem gravidade especificada), ultrapassada a presença
dos critérios diagnósticos gerais para o transtorno de
personalidade acima apontados.
Segundo a CID-11, os transtornos de personalidade
passaram a ser classificados conforme sua gravidade28:
leve (6D10.0), moderado (6D10.1), grave (610D.2) e de
gravidade não especificada (6D10.Z).
São considerados transtornos de personalidade leves as
perturbações que afetam apenas algumas áreas do
funcionamento da personalidade, mas não outras, e
podem não estar aparentes em alguns contextos.
Segundo o exposto, “há problemas em muitos
relacionamentos interpessoais e/ou no desempenho dos
papéis ocupacionais e sociais esperados, mas alguns
relacionamentos são mantidos e/ou alguns papéis são
desempenhados”.
Segundo a CID-11, o transtorno de personalidade leve é
ainda caracterizado pelo fato de não provocar danos
substanciais ao seu portador ou a terceiros, apesar de
poder gerar angústia substancial ou prejuízo nos
contextos pessoal, familiar, social, educacional,
ocupacional, ou em outras áreas importantes do
funcionamento que se limitam a campos específicos (por
exemplo, relacionamentos românticos, emprego) ou a
uma variedade deles, porém de forma mais branda.
Nos transtornos de personalidade moderados, por sua
vez, as perturbações afetam várias áreas do
funcionamento da personalidade, como identidade ou
senso de si mesmo, a capacidade de estabelecer
relações interpessoais e íntimas, de controlar impulsos e
de modular o comportamento (conflitos, evitação,
retraimento ou dependência extrema). A CID-11 ressalva,
porém, que certas áreas do funcionamento da
personalidade podem ser relativamente menos afetadas.
Conforme a nova revisão, o transtorno de personalidade
moderado às vezes está associado a danos a si mesmo
ou a outros e a um prejuízo acentuado em áreas de
funcionamento pessoal, familiar, social, educacional,
ocupacional ou outras áreas importantes, embora o
funcionamento em áreas circunscritas possa ser mantido.
Por fim, nos transtornos de personalidade graves, o seu
portador apresenta graves perturbações no
funcionamento do self (por exemplo, o senso de self
pode ser tão instável que os indivíduos relatam não ter
noção de quem são, ou tornam-se tão rígidos que se
recusam a participar de qualquer situação, exceto em
uma gama extremamente restrita; a visão de si mesmos
pode ser caracterizada pelo desprezo próprio ou ser
grandiosa ou altamente excêntrica). No que diz respeito
ao funcionamento interpessoal, os indivíduos com
transtorno de personalidade grave têm praticamente
todos seus relacionamentos seriamente afetados. A
capacidade e a disposição para desempenhar os papéis
sociais e ocupacionais esperados estão ausentes ou
severamente comprometidas.
O transtorno de personalidade grave afeta a maioria
das áreas de funcionamento da personalidade e está
frequentemente associado a graves danos a si mesmo ou
a outros em quase todas as áreas da vida do seu
portador (pessoal, familiar, social, educacional,
ocupacional e em outras áreas importantes).
Ultrapassada a classificação dos transtornos de
personalidade consoante sua gravidade, a CID-11
estabelece no código 6D11 categorias específicas que
consideram os traços ou padrões de personalidade
proeminentes. Sem tradução oficial para o português e
para evitar equívocos, apontaremos as categorias
específicas em sua versão original:
6D11.0 Afetividade negativa
6D11.2 Dissociality in personality disorder or personality difficulty
6D11.3 Disinhibition in personality disorder or personality difficulty
6D11.4 Anankastia in personality disorder or personality difficulty
6D11.5 Borderline pattern

Oportuno destacar que, no Capítulo 24, a Organização


Mundial da Saúde estabeleceu uma listagem de
Problemas Associados ao Ambiente Social ou Cultural
(QE00 – QE0Z). Entre eles, há a previsão da “dificuldade
de personalidade”29, consistente na presença de
características pronunciadas de personalidade que
podem afetar tratamentos ou serviços de saúde, mas
que não chegam no nível de gravidade suficiente para o
diagnóstico do transtorno de personalidade leve,
moderado ou grave (6D10). Conforme dispõe a CID-11, a
“dificuldade de personalidade” é caracterizada por
dificuldades de longa data na forma como o indivíduo
vivencia e pensa sobre si, os outros e o mundo.
O que os diferencia dos transtornos de personalidade é
que essas dificuldades se manifestam na experiência
cognitiva e emocional intermitentemente (durante
períodos de estresse, por exemplo) ou apenas em baixa
intensidade. Outrossim, não assumem gravidade
suficiente para provocar perturbações notáveis no
contexto de vida de um indivíduo; podendo apenas se
limitar a relações ou situações específicas.
Como pudemos verificar, a CID-11 trouxe grandes
alterações em seu texto, em especial aos transtornos de
personalidade. A exclusão dos tipos específicos de
transtornos de personalidade para um padrão baseado
na gravidade da sua manifestação e na relação do
indivíduo consigo, com os outros e com o mundo,
demandará maiores estudos. Percebe-se ser essa uma
preocupação que alcança outros países, o que pode ser
facilmente verificado pela variedade de palestras
previstas na programação científica do 23º Congresso
Mundial de Psiquiatria, da Associação Mundial da
Psiquiatria (WPA), que acontecerá dos dias 28 de
setembro a 01 de outubro de 2023, em Vienna.30
É certo que, enquanto o tema não for consolidado pela
classe científica e a CID-11 não for implementada no
Brasil, continuaremos a estudar a classificação
diagnóstica disposta no CID-10, tratando o psicopata
como indivíduo com transtorno da personalidade
(observadas as considerações tratadas neste trabalho).

1.2.2 Associação Americana de


Psiquiatria: Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM)
Elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria, o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM) é o instrumento empregado por profissionais de
saúde nos Estados Unidos e em grande parte do mundo
como o guia oficial para o diagnóstico de transtornos
mentais. Nele, constam descrições, sintomas e outros
critérios para “facilitar o estabelecimento de diagnósticos
mais confiáveis desses transtornos”31.
Em sua primeira edição, (DSM-I), publicada em 1952,
constavam no diagnóstico de perturbação da
personalidade sociopática os indivíduos irresponsáveis –
sempre envolvidos em problemas – e aqueles que viviam
em um ambiente moral anormal, como os que
apresentavam desvios sexuais – abrangendo a
homossexualidade, transvestismos, pedofilia, fetichismo
e sadismo sexual.
De acordo com o Manual, distúrbio de personalidade
sociopata era assim definido:
Este termo se refere aos indivíduos cronicamente anti-sociais que
estão sempre em complicações, não aprendendo nem com a
experiência nem com a punição e que não mantêm nenhuma ligação
real com qualquer pessoa, grupo ou padrão. São freqüentemente
hedonistas, demonstrando acentuada imaturidade emocional, falta
de responsabilidade e de senso crítico. São dotados de grande
habilidade de racionalizar seu comportamento de forma a fazê-lo
lógico, razoável e justificado.

Já na segunda edição do Manual Diagnóstico e


Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-II), publicado em
1968, foi revisado o diagnóstico de transtorno da
personalidade antissocial, incluindo aqueles
incapazes de lealdade significativa a indivíduos, grupos ou valores
sociais. Eles são grosseiramente egoístas, insensíveis,
irresponsáveis, impulsivos e incapazes de sentir culpa ou aprender
com a experiência e o castigo. A tolerância à frustração é baixa. Eles
tendem a culpar os outros ou oferecer racionalizações plausíveis
para o seu comportamento.

Na terceira edição, publicada em 1980, o referido


Manual acrescentou a advertência de que havia uma
cronicidade no comportamento, que começava antes dos
quinze anos. Isso incluía “mentir, roubar, vadiar e resistir
à autoridade” e “comportamento sexual incomumente
precoce ou agressivo, beber excessivamente e usar
drogas ilícitas”. Segundo William O’Donhohue, Katherine
A. Fowler e Scott O. Lilienfeld, foi nessa edição que surgiu
a classificação formal de ‘transtornos de
personalidade’32. Em 1987, incluiu crueldade física,
vandalismo e fuga de casa.
Conforme a quarta edição do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), publicado
em 2000, a psicopatia vem tratada como transtorno da
personalidade antissocial.
De acordo com a publicação, os transtornos de
personalidade são descritos e classificados em três
grupos. No Grupo A estão os transtornos da
personalidade paranoide, esquizoide e esquizotípica. No
Grupo B aparecem os transtornos da personalidade
antissocial, borderline, histriônica e narcisista. Por fim, no
Grupo C estão os transtornos da personalidade esquiva,
dependente e obsessivo-compulsivo e uma categoria
chamada transtorno da personalidade sem outra
especificação.
O transtorno da personalidade antissocial difere dos
outros transtornos de personalidade delineados no DSM-
IV porque se trata do único que não pode ser
diagnosticado na infância e adolescência – uma vez que
o item B impõe seu diagnóstico somente a partir dos
dezoito anos de idade. Contudo, destaca-se que o
transtorno da personalidade antissocial sinaliza para a
existência do transtorno de conduta, com início anterior
aos quinze anos de idade.
Lançado na Reunião Anual da American Psychiatric
Association, em maio de 2013, o DSM-V foi desenvolvido
a partir de criterioso planejamento iniciado em 1999. Seu
desenvolvimento contou com a participação de mais de
160 pesquisadores e clínicos de todo o mundo, dentre
eles especialistas em neurociência, biologia, genética,
estatística, epidemiologia, ciências sociais e
comportamentais, nosologia e saúde pública33. Seguindo
a 4ª edição do DSM, a quinta edição do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V)
permaneceu com a divisão dos transtornos da
personalidade em categorias e subdivididos em Grupos
(A, B e C), conforme segue:
Transtornos da Personalidade

Transtornos da Personalidade do Grupo A


F60.0 Transtorno da Personalidade Paranoide
F60.1 Transtorno da Personalidade Esquizoide
F21 Transtorno da Personalidade Esquizotípica

Transtornos da Personalidade do Grupo B


F60.2 Transtorno da Personalidade Antissocial
F60.3 Transtorno da Personalidade Borderline
F60.4 Transtorno da Personalidade Histriônica
F60.81 Transtorno da Personalidade Narcisista

Transtornos da Personalidade do Grupo C


F60.6 Transtorno da Personalidade Evitativa
F60.7 Transtorno da Personalidade Dependente
F60.5 Transtorno da Personalidade Obsessivo Compulsiva

Outros Transtornos da Personalidade


F07.0 Mudança de Personalidade Devido a Outra Condição Médica
F60.89 Outro Transtorno da Personalidade Especificado
F60.9 Transtorno da Personalidade Não Especificado

Na lição do DSM-V, os transtornos da personalidade em


espécie devem antes apresentar os critérios globais para
o reconhecimento do transtorno da personalidade. Assim,
antes de analisar em qual especificidade o transtorno de
personalidade se insere, é forçoso restar evidente a
presença dos critérios gerais para reconhecer o
transtorno da personalidade.
Transtorno da Personalidade
Critérios
A. Um padrão persistente de experiência interna e comportamento
que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do
indivíduo. Esse padrão manifesta-se em duas (ou mais) das
seguintes áreas:
1. Cognição (i.e., formas de perceber e interpretar a si mesmo,
outras pessoas e eventos).
2. Afetividade (i.e., variação, intensidade, labilidade e adequação da
resposta emocional).
3. Funcionamento interpessoal.
4. Controle de impulsos.
B. O padrão persistente é inflexível e abrange uma faixa ampla de
situações pessoais e sociais.
C. O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente
significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em
outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D. O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre
pelo menos a partir da adolescência ou do início da fase adulta.
E. O padrão persistente não é mais bem explicado como uma
manifestação ou consequência de outro transtorno mental.
F. O padrão persistente não é atribuível aos efeitos fisiológicos de
uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra
condição médica (p.ex., traumatismo cranioencefálico).34

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria35,


“traços de personalidade são padrões persistentes de
percepção, de relacionamento com e de pensamentos
sobre o ambiente e si mesmo que são exibidos em uma
ampla gama de contextos sociais e pessoais” e somente
constituem transtornos de personalidade quando “são
inflexíveis e mal-adaptativos e causam prejuízo funcional
ou sofrimento subjetivo significativos”.
Esclarece também que a característica essencial desses
transtornos está na presença de “padrão persistente de
experiência interna e comportamento que se desvia
acentuadamente das expectativas da cultura do
indivíduo e que se manifesta em pelo menos duas das
seguintes áreas: cognição, afetividade, funcionamento
interpessoal ou controle dos impulsos (Critério A)”.
Os transtornos da personalidade continuam reunidos
em três Grupos no DSM-V, específicos de acordo com as
semelhanças descritivas. No Grupo A36 encontram-se os
transtornos de personalidade paranoide37, esquizoide38 e
esquizotípica39. O Grupo B40 é formado pelos transtornos
de personalidade antissocial41, borderline42, histriônica43
e narcisista44. Por fim, o Grupo C45, que inclui os
transtornos de personalidade evitativa, dependente e
obsessivo-compulsivo.
Para o diagnóstico do transtorno da personalidade, o
profissional deve atentar-se ao período de apresentação
destes comportamentos visto que ele está
intrinsicamente ligado à sua durabilidade e constância no
comportamento do indivíduo.
A natureza persistente e global dos transtornos da personalidade é o
motivo pelo qual o DSM-5 especifica que essas condições devem ser
aparentes em situações diversas em múltiplas esferas de
funcionamento, ter duração prolongada e remontar à adolescência
ou ao início da fase adulta46.

Ainda neste contexto, o DSM-V salienta a possibilidade


de o diagnóstico de transtorno da personalidade (exceto
o transtorno da personalidade antissocial) a um menor
de 18 anos de idade, condicionando-o à apresentação
das características diagnósticas pelo período mínimo de
um ano47.
Ultrapassado o preenchimento dos critérios globais para
a verificação de um transtorno da personalidade, segue-
se à verificação do transtorno da personalidade
antissocial.
De acordo com o DSM-V, são considerados critérios
diagnósticos para o transtorno da personalidade
antissocial 301.7 (F60.2):
A. Um padrão difuso de desconsideração dos direitos das outras
pessoas que ocorre desde os 15 anos de idade, conforme indicado
por três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a
comportamentos legais, conforme indicado pela repetição de atos
que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras
repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou
prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas
lutas corporais ou agressões físicas.
5. Descaso pela segurança de si ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha
repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou
honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou
racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado
outras pessoas.
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Há evidências de transtorno de conduta com surgimento anterior
aos 15 anos de idade.
D. A ocorrência de comportamento antissocial não se dá
exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou transtorno
bipolar.

Em um comparativo ao DSM-IV, notamos diferenças


apenas nas expressões linguísticas empregadas, e não
no seu sentido substancial.
Segundo o DSM-V, o diagnóstico do transtorno da
personalidade antissocial continua sendo direcionado aos
maiores de 18 anos, reconhecendo que os seus traços já
podem ser evidenciados antes dos 15 anos – quando se
tem o diagnóstico de transtorno da conduta ou
evidências do seu surgimento.
O DSM-V ratifica esse entendimento ao esclarecer que a
“característica essencial do transtorno de personalidade
antissocial é um padrão difuso de indiferença e violação
dos direitos dos outros, o qual surge na infância ou no
início da adolescência e continua na vida adulta”48.
A Associação Americana de Psiquiatria alerta para o
fato de que esse “padrão difuso de indiferença e violação
dos direitos dos outros” já foi referido como psicopatia,
sociopatia e transtorno de personalidade dissocial.
Ressalta ainda que, como a falsidade e a manipulação
são características dos seus portadores, seu diagnóstico
deve valer-se da integração de “informações adquiridas
por meio de avaliações clínicas sistemáticas e
informações coletadas de outras fontes colaterais”49.
A quinta edição do DSM teve seu texto revisado em
2022, pela Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V-
TR). Para esse trabalho, que teve a contribuição de mais
de duzentos especialistas no assunto, a Associação
procurou atentar-se à literatura científica atualizada.
Além de incluir um novo diagnóstico (distúrbio de luto
prolongado), esclarecer modificações nos conjuntos de
mais de setenta distúrbios, códigos de sintomas para
comportamento suicida e automutilação não suicida, e
atualizar o texto descritivo para a maioria dos
transtornos, realizou uma revisão abrangente acerca do
impacto do racismo e da discriminação no diagnóstico e
nas manifestações dos transtornos mentais50.
O DSM-V-TR foi traduzido para o português e teve seu
texto publicado no Brasil, no início de 2023. No que diz
respeito ao transtorno da personalidade antissocial, não
encontramos alterações substanciais, exceto uma
pequena alteração na redação do critério A-5. Vejamos:
A. Um padrão difuso de desconsideração dos direitos das outras
pessoas que ocorre desde os 15 anos de idade, conforme indicado
por três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a
comportamentos legais, conforme indicado pela repetição de atos
que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras
repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou
prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas
lutas corporais ou agressões físicas.
5. Desrespeito imprudente pela segurança própria ou de
outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha
repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou
honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou
racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado
outras pessoas.
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Há evidências de transtorno de conduta com surgimento anterior
aos 15 anos de idade.
D. A ocorrência de comportamento antissocial não se dá
exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou transtorno
bipolar. (grifo nosso)

1.2.2.1 Transtorno da personalidade


antissocial e as suas considerações
no DSM-V-TR
Ultrapassada a exposição dos Critérios Diagnósticos do
transtorno da personalidade antissocial e sua
explanação, o DSM-V-TR apresentou outros assuntos
relacionados ao transtorno, como: características
associadas, prevalência, desenvolvimento e curso,
fatores de risco e prognósticos e questões diagnósticas
relativas à cultura, ao sexo e ao gênero.
Inicialmente, foram apresentadas as seguintes
características associadas ao transtorno da
personalidade antissocial:
Características Associadas
Indivíduos com transtorno da personalidade antissocial
frequentemente carecem de empatia e tendem a ser insensíveis,
cínicos e desdenhosos em relação aos sentimentos, direitos e
sofrimentos dos outros. Podem ter autoconceito inflado e arrogante
(p. ex., sentem que o trabalho comum cotidiano está abaixo deles ou
carecem de uma preocupação real a respeito dos seus problemas
atuais ou a respeito de seu futuro) e podem ser excessivamente
opiniáticos, autoconfiantes ou convencidos. Alguns indivíduos
antissociais podem exibir um charme desinibido e superficial e
podem ser muito volúveis e verbalmente fluentes (p. ex., usar
termos técnicos ou jargão que podem impressionar uma pessoa que
desconhece o assunto. Falta de empatia, autoapreciação inflada e
charme superficial são aspectos que têm sido comumente incluídos
em concepções tradicionais da psicopatia e que podem ser
particularmente característicos do transtorno e mais preditivos de
recidiva em ambientes prisionais ou forenses, onde atos criminosos,
delinquentes ou agressivos tendem a ser inespecíficos. Esses
indivíduos podem, ainda, ser irresponsáveis e exploradores nos seus
relacionamentos sexuais. Podem ter história de vários parceiros
sexuais e jamais ter mantido um relacionamento monogâmico. Como
pais, podem ser irresponsáveis, conforme evidenciado pode
desnutrição de um filho, doença de um filho resultante de falta de
higiene mínima, dependência de vizinhos ou outros familiares para
abrigo ou alimento de um filho, fracasso em encontrar um cuidado
para um filho pequeno quando está fora de casa ou, ainda,
desperdício recorrente do dinheiro necessário para a manutenção
doméstica. Esses indivíduos podem ser dispensados do exército de
forma desonrosa, fracassar em prover o próprio sustento,
empobrecer ou até ficar sem teto ou, ainda, passar muitos anos em
institutos penais. Indivíduos com personalidade antissocial são mais
propensos a morrer prematuramente de causas naturais e suicídio
do que a população geral51.

Interessante notar que a Associação Americana de


Psiquiatria apresenta características associadas ao
transtorno da personalidade antissocial que se
aproximam da psicopatia. Contudo, não as exige, em sua
integralidade, como critérios (A) para o diagnóstico de
transtorno de personalidade antissocial.
Segundo o estabelecido no DSM-V-TR, para o
diagnóstico do transtorno da personalidade antissocial
são necessárias, no mínimo, três das características do
Critério A. São elas:
A. Um padrão difuso de desconsideração dos direitos das outras
pessoas que ocorre desde os 15 anos de idade, conforme indicado
por três (ou mais) dos seguintes:
1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a
comportamentos legais, conforme indicado pela repetição de atos
que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras
repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou
prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas
lutas corporais ou agressões físicas.
5. Desrespeito imprudente pela segurança própria ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha
repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou
honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou
racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado
outras pessoas.
Estabelecer os critérios diagnósticos e a exigência de,
ao menos, três características para diagnosticar o
transtorno da personalidade não implica afirmar sejam
todos eles psicopatas. A psicopatia é muito mais grave, e
sua presença certamente implicará o atendimento de
todas as características previstas no Critério A (1-7), bem
como estará inserte nas “características associadas” ao
transtorno, conforme acima apontadas. A pessoa não
psicopata e com transtorno da personalidade antissocial
poderá apresentar apenas três das sete características
previstas.
Por essa razão, compreendemos e defendemos o
transtorno de personalidade antissocial não como
expressão sinônima de psicopatia, mas como o gênero
do qual a psicopatia é espécie.
Conforme o DSM-V-TR, a prevalência do transtorno da
personalidade antissocial com base em uma subamostra
de probabilidade da Parte II da National Comorbitiy
Survey Replication foi de 0,6%. Segundo a National
Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions,
a prevalência foi de 3,6%. Em uma revisão de sete
estudos epidemiológicos (seis realizados nos Estados
Unidos), a prevalência mediana foi de 3,6%. Ressalta
ainda que a maior prevalência do transtorno de
personalidade antissocial (superior a 70%) está entre
amostras de homens com transtornos mais graves por
uso de álcool, e de clínicas por abuso de substâncias,
prisões ou em outros contextos forenses52.
No tocante ao desenvolvimento e curso do transtorno
da personalidade antissocial, a Associação Americana de
Psiquiatria entende que o transtorno tem curso crônico,
mas que seu portador pode sofrer remissão por volta dos
40 anos de idade.
São considerados fatores de risco do transtorno da
personalidade antissocial53: os ambientais, genéticos e
fisiológicos. Segundo o exposto, “abuso ou negligência
infantil, paternidade/maternidade instável ou errática ou
disciplina parental inconsistente” podem ser
responsáveis por um transtorno de conduta evoluir para
o transtorno da personalidade antissocial. Sustenta,
ainda, que esse transtorno da personalidade é mais
comum “entre familiares biológicos de primeiro grau
daqueles que têm o transtorno em comparação com a
população em geral”.
No que diz respeito a considerar cultura, sexo e gênero
para fins diagnósticos, a Associação Americana de
Psiquiatria primeiramente associa o transtorno da
personalidade às condições socioeconômicas baixas e
em contextos urbanos.
Contextos socioculturais com altas taxas de maus-tratos infantis ou
exposição à violência também costumam ter prevalência elevada de
comportamentos antissociais, sugerindo um potencial fator de risco
para o desenvolvimento de transtorno da personalidade antissocial
ou um ambiente adverso que evoca comportamentos antissociais
relativos e contextuais que não representam traços penetrantes e
duradouros consistentes com um transtorno da personalidade. Na
avaliação de traços antissociais, é útil para o clínico considerar o
contexto social e econômico em que ocorrem os comportamentos54.

Segundo o DSM-V-TR, o transtorno da personalidade


antissocial é três vezes mais prevalente em homens do
que em mulheres, apesar de essas últimas estarem mais
suscetíveis ao sofrimento de abusos e questões adversas
na infância e na fase adulta.
1.2.2.2 Diagnóstico Diferencial do
transtorno da personalidade
antissocial no DSM-V-TR
Para fins de diagnóstico diferencial, a Associação
Americana de Psiquiatria destaca o fato de que os
comportamentos antissociais nem sempre indicam a
presença e o consequente diagnóstico do transtorno de
personalidade antissocial. Isso porque os
comportamentos antissociais podem resultar de outros
transtornos, que não o do transtorno em estudo.
De outra sorte, o diagnóstico de transtorno de
personalidade antissocial não impede sejam outros
transtornos também diagnosticados, o que a
psicopatologia chama de comorbidade. Assim, é possível
que pessoas com esse diagnóstico apresentem, em
comorbidade: transtornos de ansiedade, transtornos do
humor, transtornos por uso de substâncias, transtorno de
sintomas somáticos, transtorno de jogos associados, bem
como atendam a critérios de outros transtornos de
personalidade.
Segundo estabelece a Associação Americana de
Psiquiatria, quando o comportamento antissocial está
associado a um transtorno por uso de substância, o
diagnóstico do transtorno de personalidade antissocial só
estará evidente se o comportamento antissocial esteve
presente durante a infância e se manteve na idade
adulta (desde que preenchidos os respectivos critérios
diagnósticos). Isso, porque o comportamento antissocial
pode ser consequência do transtorno por abuso de
substâncias.
Na hipótese de o comportamento antissocial estar
evidente somente durante o curso da esquizofrenia ou do
transtorno bipolar, afastado está o transtorno de
personalidade antissocial.
No tocante aos demais transtornos de personalidade,
há maior possibilidade de serem confundidos, já que
cada um deles pode apresentar características comuns
que apontam ou não para o diagnóstico de mais de um
transtorno de personalidade. “Indivíduos com transtorno
de personalidade antissocial e transtorno de
personalidade narcisista compartilham uma tendência a
determinação exagerada, desembaraço, superficialidade,
exploração e falta de empatia”.
Em que pesem as características compartilhadas, em
muito se distanciam. O indivíduo com transtorno de
personalidade narcisista não apresenta comportamento
impulsivo ou agressivo, bem como não tem tendência à
falsidade – o que está evidentemente presente no
transtorno de personalidade antissocial. Ademais,
embora pessoas com o diagnóstico de transtorno de
personalidade narcisista tenham necessidade de serem
admirados e de causar inveja aos demais, o transtorno
de personalidade antissocial nem sempre provoca tais
comportamentos em seus portadores.
Por fim, indivíduos com transtorno de personalidade
narcisista não costumam apresentar as características
diagnósticas para o transtorno de conduta, bem como
comportamento criminoso.
Quanto ao transtorno de personalidade histriônica,
embora se assemelhe ao transtorno de personalidade
antissocial no tocante à “tendência a serem impulsivos,
superficiais, incansáveis, sedutores e manipuladores”, os
seus portadores, em geral, não praticam
comportamentos antissociais. Assim como se dá com os
indivíduos com transtorno de personalidade borderline,
os portadores do transtorno de personalidade histriônica
manipulam para obter cuidados, enquanto os indivíduos
com transtorno de personalidade antissocial visam à
obtenção de lucro, poder ou qualquer outra gratificação.
Em relação ao transtorno de personalidade borderline, o
portador de transtorno de personalidade antissocial
tende a ser menos instável emocionalmente e a
apresentar comportamento mais agressivo.
Por fim, a Associação Americana de Psiquiatria destaca
que, embora o comportamento antissocial esteja
presente em algumas pessoas com transtorno de
personalidade paranoide, não está associado ao “desejo
de ganho pessoal ou exploração dos outros”, mas à
vingança.
1.3 Conceito55
Ultrapassada a compreensão científica da psicopatia
como um transtorno de personalidade dissocial ou
antissocial, destacaremos, nessa oportunidade, o seu
conceito – o que fazemos para fins de diferenciar o
transtorno de personalidade antissocial propriamente
dito. Como veremos a seguir, seu conceito é apresentado
segundo a percepção dos seus estudiosos.

1.3.1 Do conceito de psicopatia de


acordo com a
descrição comportamental
De acordo com essa vertente, verificamos que
pesquisadores preferiram adotar o conceito de
psicopatia, pautados pela clara descrição
comportamental. Como veremos a seguir, o conceito de
psicopatia parece confundir-se com as características
comportamentais do psicopata.
Na lição de Michel H. Stone, os psicopatas são
considerados indivíduos anormais pelas razões abaixo
explicitadas:
Pessoas que carecem da capacidade de entender as emoções dos
outros ou, ainda pior, que reconhecem, mas não se comovem com a
tristeza dos outros, são consideradas anormais e recebem rótulos,
tais como “incapacidade de aprendizagem social-emocional ou
“psicopata”56.

Segundo o Dicionário de Psicologia da Associação


Americana de Psicologia, o termo ‘psicopatia’ é
apresentado como expressão substituída pela nova
nomenclatura adotada pelos critérios científicos de
classificação de doenças. Mesmo reconhecendo a
alteração da nomenclatura, o diploma apontou o conceito
empregando a expressão psicopatia:
Termo antigo para um traço de personalidade marcado por
egocentrismo, impulsividade e falta de emoções como culpa e
remorso, que é particularmente prevalente entre os criminosos
reincidentes diagnosticados com TRANSTORNO DE PERSONALIDADE
ANTISSOCIAL. 2. Antigamente, qualquer transtorno psicológico ou
doença mental57.

O Dicionário de Psicologia apresentou, com muita


clareza e eloquência, o perfil comportamental dos
psicopatas:
O psicopata (ou sociopata) é um indivíduo impulsivo, irresponsável,
hedonista, “bidimensional”, carente de capacidade de experimentar
os componentes emocionais normais do comportamento
interpessoal, como p. ex., culpa, arrependimento, empatia, afeição,
interesse autêntico pelo bem-estar de outrem. Embora muitas vezes
possa imitar emoções normais e simular apegos afetivos, suas
relações sociais e sexuais com outras pessoas continuam superficiais
e exigentes. Sua capacidade de juízo é limitada; ele parece incapaz
de adiar a satisfação de necessidades momentâneas, não
importando as conseqüências para si e para os outros. Está sempre
em apuros; tentando livrar-se das dificuldades, ele cria com
freqüência uma rede complicada e contraditória de mentiras e
racionalizações, ligada a explicações teatrais e às vezes
convincentes, expressões de remorsos e promessas de mudar.
Muitos psicopatas são rapinantes calejados e agressivos; outros, ao
contrário, são típicos parasitas, ou manipuladores passivos, que se
fiam em confusões e loquacidade, atratividade artificial, e em sua
aparência de desamparo para conseguir o que desejam58.

No entendimento de Vicente Garrido, a psicopatia é


considerada, em sua essência, como pressuposto de
ruptura com os códigos morais existentes. “Na vida
cotidiana do psicopata estão ausentes as mínimas
habilidades que lhe permitem estabelecer uma relação
sincera, previsível e plenamente humana”59.
Hervey Cleckley, por sua vez, a descreveu do seguinte
modo:
O psicopata mostra a mais absoluta indiferença diante dos valores
pessoais e é incapaz de compreender qualquer assunto relacionado
a esses valores. Não é capaz de se interessar minimamente por
questões abordadas pela literatura ou pela arte, tais como a
tragédia, a alegria ou o esforço da humanidade em progredir.
Também não cuida dessas questões na vida diária. A beleza e a
feiúra, exceto em um nível bem superficial, a bondade, a maldade, o
amor, o horror e o humor não têm um sentido real, não constituem
nenhuma motivação para ele. Também é incapaz de apreciar o que
motiva as outras pessoas. É como se fosse cego às cores, apesar da
sua aguda inteligência para os aspectos da existência humana. No
entanto, é inútil explicar-lhe tais aspectos, já que não há nada em
seu conhecimento que lhe permita cobrir essa lacuna com o auxílio
da comparação. Pode, isto sim, repetir as palavras e dizer que
compreende, e não há nenhum modo de ele perceber que,
realmente, não compreende60.

Considerando o termo ‘condutopatia’ como expressão


sinônima de ‘psicopatia’, Guido Arturo Palomba ressalta:
Condutopatia caracteriza-se por transtornos do comportamento que
se originam por afetação da afetividade, da intenção-volição e da
capacidade de crítica, estando o restante do psiquismo conservado,
tendo ainda por característica básica a falta de remorso ou de
arrependimento, no caso de prática de ato prejudicial a outras
pessoas ou à sociedade61.

Conforme observamos, o conceito de psicopata pautado


na descrição comportamental é de grande valia.
Possuir um critério descritivo do comportamento destes
indivíduos é elemento fundamental para o diagnóstico do
transtorno, mas deve ser avaliado com ressalvas. Isso
porque, uma situação isolada não tem o condão de, por
si só, sustentar o diagnóstico de psicopatia. A avaliação
da conduta do infrator (a) que praticou um delito de
forma perversa, provocando comoção social, não pode
ser elemento suficiente para determiná-lo psicopata.
Tal conclusão vem da premissa de que a psicopatia é
manifestada desde a infância do indivíduo e de que todo
o seu comportamento antissocial é evidenciado desde
então. É evidentemente temerário e imprudente oferecer
o diagnóstico da psicopatia para alguém, sem considerar
todo o seu histórico comportamental.

1.3.2 Do conceito de psicopatia de


acordo com a etiologia e o
quadro comparativo com
doenças mentais
Sidney Shine Kiyoshi preferiu estabelecer o conceito de
psicopatia partindo do conceito da expressão apontado
pelo Dicionário Aurélio62. De acordo com o autor, ao
termo psicopatia, consoante a literatura destacada,
correspondem três acepções63:
1. Designação comum às doenças mentais;
2. Estado mental patológico caracterizado por desvios, sobretudo
caracterológicos que acarretam comportamentos antissociais;
3. Psicose.

De acordo com o autor, somente a segunda acepção


merece destaque para o estudo. No tocante à primeira
assertiva, o autor ressalta que essa afirmação não
corrobora o entendimento atual acerca do tema. Este
posicionamento se deve ao sentido etimológico da
expressão64. Essa acepção correspondia ao
entendimento adotado sobre psicopatia no período da
História em que a empregavam para designar qualquer
transtorno psicológico ou doença mental65.
Outrossim, destaca o autor que a psicopatia não pode
ser considerada sinônima de psicose. Segundo Sidney
Kiyoshi Shine, “a confusão procede porque, em
psiquiatria, o termo psicose já foi usado para abranger
toda uma gama de doenças mentais, igualando-se ao
termo psicopatia enquanto categoria genérica”66.
Salienta ainda que, para a Psicanálise, a psicopatia não
se enquadra na categoria das psicoses67.
Ao conceituar a psicopatia, o Dicionário Enciclopédico
da Psicologia primeiramente descartou a possibilidade de
a expressão ser considerada da mesma ordem da psicose
e da neurose. A seguir, destacou-a como perturbação
permanente da personalidade caracterizada,
essencialmente, pela prática de comportamentos
antissociais impulsivos que não geram habitualmente
sentimento de culpa(bilidade) no sujeito68.
Antes de apontar o conceito de psicopatia, o Dicionário
Crítico de Psicanálise ressalta que a expressão é uma
construção empregada pela Psiquiatria e pela Medicina
Legal. A seguir, a define de acordo com os termos da Lei
da Saúde Mental de 1959.
Termo psiquiátrico e médico-legal para designar o que costumava
ser chamado de imbecilidade moral. É definida pela Lei da Saúde
Mental, de 1959, como ‘um distúrbio ou incapacidade persistente da
mente (incluindo ou não subnormalidade de inteligência) que resulta
em conduta anormalmente agressiva ou seriamente irresponsável
por parte do paciente, e necessita ou é suscetível de tratamento
médico’. A ‘promiscuidade ou outras condutas imorais’ são
especificamente excluídas das formas de conduta que tornam um
paciente sujeito a esse diagnóstico. O conceito constitui um híbrido
lógico, pois combina critérios médicos e legais, desempenhando,
porém, a útil função de permitir que os infratores sejam tratados em
hospitais especiais. O conceito não é reconhecido pela lei escocesa.
Psiquiatricamente, a condição é relacionada como um distúrbio de
comportamento69.

Conforme verificamos, a psicopatia apresenta


características próprias que não lhe permite ser
equiparada a doenças mentais como psicose,
esquizofrenia e outras, bem como empregá-la como
expressão sinônima de ‘doença mental’.
Considerando o conceito da psicopatia sob esse prisma,
verificamos o reconhecimento da necessidade de
compreender a psicopatia como um ‘fenômeno’
independente e desvinculado de qualquer transtorno
mental.
Conjugando os conceitos ora apresentados,
entendemos por psicopatia um fenômeno da
personalidade característico de indivíduos que não
apresentam qualquer alteração no intelecto e na
percepção da realidade. Os psicopatas são egocêntricos,
mentirosos, desprovidos de sentimentos e afetividade e,
em alguns casos, podem incorrer na prática de delitos.

1.3.3 Desenvolvimento histórico do


conceito de psicopatia
É imprescindível destacarmos uma oportunidade para
apresentar o desenvolvimento histórico do conceito de
psicopatia, porque todas as nomenclaturas até hoje
adotadas proveem da evolução do conceito.
As razões que levam determinados indivíduos a praticar
delitos sempre foi tema de interesse de estudiosos.
Assim, a figura do criminoso foi questionada ao longo dos
anos, seja em razão das circunstâncias que o levam à
prática de delitos, seja da existência de alguma anomalia
psíquica ou social impulsionadora para a prática desses
atos.
Diante disso, apontaremos, a partir de então, o
desenvolvimento histórico do conceito e,
consequentemente, da terminologia, ressaltando os
principais pesquisadores que se ativeram a buscar uma
nomenclatura coerente com os relatos descritivos dos
indivíduos com psicopatia. Para tanto, adotaremos o
critério cronológico como termo referencial.
Dados históricos atribuem a Philippe Pinel
(1801/1962)70, considerado por muitos o ‘Pai da
Psiquiatria’, as primeiras descrições da síndrome
conhecida como psicopatia. Segundo o psiquiatra, estas
descrições enfatizavam desvios comportamentais
extremos no contexto de um raciocínio e de uma
capacidade de comunicação intactos. Ainda de acordo
com o médico – destacando exemplos de pacientes –,
tais indivíduos não demonstraram qualquer deficiência
de entendimento, porém apresentaram estar sob forte
domínio de uma fúria instintiva.
Na lição de Philippe Pinel, esse diagnóstico passou a
chamar-se manie sans delire (insanidade sem delírio), e
compreendia a hipótese de o indivíduo controlar suas
emoções (déficit no controle afetivo), opondo-se a
qualquer déficit na razão ou entendimento71.
Em 1812, o médico americano Benjamin Rush relatou
casos semelhantes, porém, apontou a fraqueza moral
como causa da psicopatia. Em contraste com o
posicionamento de Philippe Pinel, para Benjamin Rush,
tais indivíduos apresentam comportamentos
desajustados porque são moralmente desarranjados,
além de terem o poder de enganar e manipular outras
pessoas.
Cesare Lombroso – fundador da Escola Positiva de
Direito Penal – publicou em 1876 a obra O Homem
Delinqüente, na qual instaurou um período científico de
relevantes estudos criminológicos. Grande destaque
recebeu ao traçar o perfil dos criminosos com
fundamento em ideias fisionomistas (estatura, peso, tipo
de cabelo, comprimento das mãos e das pernas,
estrutura torácica etc.) e estudos de frenologia (estudo
do formato do cérebro para constatar aspectos do
caráter, características da personalidade e grau de
criminalidade). Lombroso não se ateve somente a
determinado estudo científico, mas empregou aspectos
multidisciplinares para desenvolver o conceito de
criminoso nato72.
Segundo o autor, o criminoso nato73 seria o indivíduo
geneticamente determinado para o mal. Assim, além das
características físicas e fisiológicas (como o tamanho da
mandíbula, a conformação do cérebro e a estrutura
óssea), o criminoso nato assim nasceu e assim
permanecerá – considerando tal circunstância como uma
doença. Trata-se de um indivíduo que, por razões
genéticas, está involuntariamente voltado para a prática
de delitos.
Ressalta Lydio Machado Bandeira de Mello:
Para a escola de Antropologia Criminal fundada por Lombroso, o
criminoso é levado ao crime por um conjunto de anomalias típicas de
seu organismo acentuadas pela hereditariedade e reforçadas pelo
clima. [...] Seu organismo leva-os ao crime, como o organismo de um
artista o leva ao estudo do belo.
[...]
Resumindo: A vontade seria um produto da hereditariedade e do
clima, isto é, das condições do organismo, influenciadas pelo clima.
O ato decorre necessariamente do organismo e do meio: o livre
arbítrio não passa de ilusão74.

Esta teoria teve inúmeras reações desfavoráveis.


Primeiramente, os críticos apontavam que Cesare
Lombroso desconsiderava quaisquer outras
circunstâncias (social e educacional) que pudessem
influenciar na prática dos delitos, imputando somente à
doença sua justificativa. Além disso, ele desprezava o
livre-arbítrio e a impossibilidade de responsabilização do
criminoso nato, ao defender que tal agente não tem
potencialidade para lutar contra os seus ímpetos.
O psiquiatra britânico J. C. Pritchard (1835) denominou
esses casos de ‘insanidade moral’, enfatizando que o
desvio de comportamento se dá por um déficit no senso
intrínseco de retidão, decência e responsabilidade que os
indivíduos normais possuem. Estudos ressaltam que o
autor não apresentou a mesma linha de pensamento
sustentada por Phillipe Pinel e Rush. Enquanto J. C.
Pritchard “falava de aberrações de sentimento como
exemplos de insanidade moral, por cujo termo ele queria
denotar transtornos mentais envolvendo ‘disposição’ (no
sentido francês) de espírito ou estado emocional
geral”75, Benjamin Rush empregou o termo como um
“rótulo para a faculdade mental que diferencia o
socialmente certo do socialmente nocivo”76.
Em monografia apresentada em 1844, Arthur Wigan
sustentou uma nova teoria acerca da origem da
insanidade: dualidade da mente. Primeiramente,
destacou as semelhanças dos dois hemisférios cerebrais,
porém os designou como “dois cérebros separados”,
cada um com suas respectivas funções. O trabalho
científico foi desenvolvido com fulcro em autópsias em
determinados casos de insanidade, nos quais foi
constatada a presença da doença em apenas um
hemisfério do cérebro. Assim, passou a defender que
uma parte do cérebro era superior à outra: há uma parte
dominante ou racional e outra irracional. Segundo o
autor, na medida em que o hemisfério dominante
monitorava o conteúdo do outro inferior, podia
determinar quando algumas ideias, imagens ou
alucinações não passassem de invenções da imaginação.
O termo ‘psicopático’, por sua vez, foi introduzido pelo
psiquiatra alemão J. L. Koch77, em 1891, como forma
alternativa ao rótulo apresentado por J. C. Pritchard.
Especificamente, o médico apresentou a expressão
‘inferioridade psicopática’ para apontar condições de
uma natureza crônica que, sob seu entendimento,
refletiam em alguma causa orgânica subjacente (física,
com base no cérebro). Koch também ampliou o termo
‘psicopático’ abarcando, além das condições clínicas
atualmente conhecidas como psicopatia e transtorno de
personalidade antissocial, as condições neuróticas e
algumas formas de retardo mental, assim como
distúrbios de caráter.
Em 1904, Emil Kraepelin, na publicação da sétima
edição da sua obra Psychiatrie: Ein Lehrbuch (Psiquiatria:
um Livro Texto), apresentou o termo ‘personalidade
psicopática’ referindo-se às condições clínicas as quais
considera crônicas e constitucionais em origem. Para o
autor, ‘psicopata’ referia-se a qualquer indivíduo que
apresentasse doença mental78.
Segundo Michael H. Stone:
Kraepelin usava o termo psicopata para designar transtornos
mentais em geral, embora entre eles ele tenha descrito diversas
variedades de comportamento anti-social semelhante ao nosso uso
moderno do termo79.

No mesmo ano, Adolf Meyer introduziu os conceitos


germânicos apresentados por Emil Kraepelin à
comunidade psiquiátrica americana. Adolf Meyer
empregou o termo “inferioridade constitucional” para
identificar clinicamente o que considerou como
transtornos caracterológicos crônicos. No mesmo sentido
que Emil Kraepelin, porém contrário a Koch, excluiu as
condições neuróticas dessa classe de transtornos. A
distinção apontada por Meyer – entre as síndromes
crônicas e as condições neuróticas – foi a sustentada pela
classe psiquiátrica americana, porém, o termo
‘inferioridade constitucional’ foi substituído pelo termo
‘personalidade psicopática’ (apresentado por Emil
Kraepelin).
Nesse contexto surgiu, em 1909, o termo ‘sociopático’,
sustentado pelo psiquiatra alemão Karl Birnbaum em
objeção ao termo empregado por Emil Kraepelin para
classificar tais indivíduos através das condições crônicas
como constitucionais em origem. Segundo Karl
Birnbaum, muitas formas de transtornos mentais eram
originárias primariamente de fatores socioambientais.
Apesar de apresentarem, fundamentalmente,
características diversas, os termos ‘psicopático’ e
‘sociopático’ passaram a ser utilizados de forma
equivocada. Ao mesmo tempo em que Hervey Cleckley
adotou (1941-1976) o termo ‘personalidade psicopática’,
a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (1952) empregou a expressão
‘distúrbio de personalidade sociopática’.
Durante os anos de 1920 e 1930, as figuras mais
influentes foram o alemão Kurt Schneider e o americano
Eugen Kahn. Ambos apresentaram amplo conhecimento
acerca da psicopatia.
Na classificação elaborada por Kurt Schneider, as
personalidades psicopáticas constituíam uma variante da
personalidade normal e, desta feita, a psicopatia não
podia ser tratada como uma verdadeira doença psíquica.
Estas personalidades deveriam ser observadas pelos
demais e consideradas anômalas a tudo o que a
sociedade considera parâmetro para o equilíbrio.
O “psicopata de Schneider” busca seu equilíbrio no
outro complementar. Considera que sua incompletude foi
causada pelos outros e, por isso, acha justo que os outros
paguem por ela80. Para o autor, as personalidades
psicopáticas constituíam subtipos de personalidades
anormais – o que contrasta com a personalidade do
homem médio –, caracterizadas pela possibilidade de
causar sofrimento à sociedade ou a si.
Relevante destacar que para Kurt Schneider – inovando
em relação às escolas alemãs que o antecederam –, a
personalidade psicopática do indivíduo era uma extensão
da psiquiatria “para o âmbito dos planos relacionais e
para o sofrimento também dos ‘outros’”81.
Por fim, Kurt Schneider ressalta que personalidade
psicopática é um distúrbio da personalidade que não
afeta nem a inteligência e nem a estrutura orgânica do
indivíduo.
A. Fernandes Fonseca ressalta a semelhança entre os
conceitos adotados por Schneider e Pritchard:
Poder-se-á, todavia, afirmar que esse conceito de anormalidade
estatístico social encontra os seus verdadeiros antecedentes
científicos nos estudos do médico inglês Prichard (1835), que definiu
as psicopatias como manifestações de ‘loucura moral’, às quais
faltava, portanto, o sentido ético e o domínio pessoal82.

Em sua obra, Schneider identificou dez subtipos


distintos de psicopatas83: hipertímico, depressivo,
personalidade psicopática explosiva, personalidade
psicopática disfórica, personalidade psicopática abúlica,
personalidade psicopática inafetiva, personalidade
psicopática ostentativa, personalidade psicopática
fanática, personalidade psicopática insegura de si
mesma e, por fim, personalidade psicopática sistêmica84.
Apresentando um conceito voltado para a psiquiatria
forense, Hervey Cleckley (1941), em The Mask of Sanity
(A Máscara da Sanidade), opôs-se às terminologias ora
apresentadas – que até então apenas ampliavam os
critérios clínicos da psicopatia – e sustentou um conceito
elaborado mediante experiências clínicas com pacientes
em um dos maiores hospitais psiquiátricos nos Estados
Unidos – o Veteran’s Administration Hospital, localizado
na Georgia.
Em sua obra, Hervey Cleckley assinalou alguns casos
clínicos para apontar a personalidade e as características
comportamentais dos indivíduos que entendia como
psicopatas. Hervey Cleckley mencionou a psicopatia
como uma síndrome clínica altamente diversa, na qual
indicava um déficit central na reatividade emocional.
Para o autor, a essência da psicopatia encontra-se na
deficiência afetiva.
Das suas experiências profissionais, Hervey Cleckley
apresentou uma lista com dezesseis critérios específicos
capazes de identificar a figura do psicopata. Na lição do
autor, a superfície externa do psicopata parece igual ou
melhor do que a do normal e não dá nenhuma pista de
um transtorno interior. Nada nele sugere estranheza,
inadequação ou fragilidade moral. Sua máscara é de
saúde mental robusta85.
Os critérios diagnósticos de Cleckley são:
1. Encanto superficial e boa “inteligência”
2. Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional
3. Ausência de “nervosismo” ou manifestações psiconeuróticas
4. Inconfiabilidade
5. Desonestidade e insinceridade
6. Falta de remorso ou vergonha
7. Comportamento antissocial inadequadamente motivado
8. Julgamento ruim e falha em aprender pela experiência
9. Egocentrismo patológico e incapacidade para amar
10. Pobreza generalizada nas principais reações afetivas
11. Perda de crítica específica
12. Falta de responsividade nas relações interpessoais em geral
13. Comportamento fantasioso e não convidativo com bebidas e
algumas vezes sem
14. Raramente ocorre suicídio
15. Vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada
16. Falha em seguir qualquer plano de vida.

Hervey Cleckley teve fundamental importância para a


Psiquiatria naquele momento. Isso porque, com a
definição de psicopatia apresentada em sua obra, muitos
médicos em serviços psiquiátricos e psiquiatras forenses
puderam utilizar estes critérios para prontamente
diagnosticar o transtorno. Seu conceito de psicopatia
enfatizava claramente – pelas características
emocionais/interpessoais –, a diferença entre os
indivíduos psicopatas dos tipos criminosos e antissociais.
Além de apontar a figura dos psicopatas que sempre
esbarravam nas normas legais, também apresentou a
figura dos psicopatas bem-sucedidos como, por exemplo,
médicos, advogados e executivos.
Importante destacar que o contemporâneo de Hervey
Cleckley, Karpman, apresentou a distinção entre
psicopata primário e secundário86. Paralelamente à
atuação de Hervey Cleckley, Karpman87 defendeu que o
legítimo psicopata (também conhecido como primário)
apresenta déficit emocional constitucional, enquanto o
psicopata secundário é fruto de experiências de
socialização negativas que o remete à prática de atos
contrários às normas.
Seguindo os delineamentos apontados por Hervey
Cleckley, o médico psiquiatra Robert D. Hare apresentou
o perfil do psicopata fundado em pesquisas (consistentes
em entrevistas e em informações) realizadas com a
população carcerária masculina. O perfil (características
específicas encontradas na relação interpessoal e no
estilo de vida) do psicopata foi obtido por meio do
Psycopathy checklist ou PCL e PCL-R – escala de
pontuação para a avaliação de psicopatia em populações
forenses masculinas, desenvolvida pelo autor após vinte
e cinco anos de trabalho experimental88.
Apesar da existência desses critérios, a psiquiatria
forense vem se inclinando ao estudo aplicativo do
conceito de Robert D. Hare. A adoção do seu critério se
deve ao fato de que o perfil previsto para o psicopata foi
embasado em experiências aplicadas em pacientes
encarcerados, o que, de fato, nos interessa no presente
trabalho.
1.4 O perfil do psicopata
Destacamos essa oportunidade para apresentar o perfil
do psicopata e desmistificar a figura de que estes
indivíduos são sempre criminosos, serial killers e que
apenas podem ser encontrados em ambientes sociais
mais propícios para a prática de condutas antissociais.
Visando apresentar com clareza e eloquência o perfil do
psicopata, adotamos a classificação apresentada pelo
psiquiatra canadense Robert D. Hare89 – sem
desconsiderar as características pontuadas por outros
estudiosos. O perfil retrata as características mais
notáveis desse transtorno, obtidas mediante avaliações
com o emprego do Psycopathy checklist Revised90 ou
PCL-R.
Para melhor esclarecer o tema, Robert D. Hare dividiu o
perfil do psicopata conforme suas relações
interpessoal/emocional e seu estilo de vida.
Apontando os comportamentos do indivíduo por meio
da sua relação ‘emocional’/interpessoal, verificaremos a
capacidade do psicopata de expressar seus sentimentos
a terceiros. Quanto ao seu estilo de vida, analisaremos a
relação do psicopata com as normas sociais ‘vigentes’.

1.4.1 Área emocional/interpessoal


Essa primeira classificação tem por fim apresentar o
componente humano mais básico do ser humano: a
capacidade de sentimento em relação a terceiros. Nesse
contexto, analisamos qualquer sentimento capaz de unir
duas pessoas em afeto, sentimentos de pena e
arrependimento.
Os psicopatas são pessoas insensíveis. São incapazes
de vivenciar sentimentos puros. Pesquisadores atentam
para o fato de que os psicopatas são perfeitamente
capazes de externar ‘seus sentimentos’, mas que esses
atos devem ser revistos com ressalvas, uma vez que
qualquer demonstração de afeto ou sentimentalismo é
fruto de aprendizagem.
O psicopata é incapaz de conhecer sua essência. Assim,
todos os atos demonstrativos de pena, arrependimento,
amor etc. são frutos de seu poder de simulação.
Delineado seu perfil, concluímos tratar-se de indivíduos
carentes dos sentimentos humanos mais puros e que, em
razão disso, são profundamente egocêntricos,
mentirosos, manipuladores e cruéis.
Robert D. Hare ressalva que “muitas pessoas são
impulsivas, simples, frias, insensíveis ou anti-sociais, mas
isso não significa que sejam psicopatas. A psicopatia é
uma síndrome: um conjunto de sintomas relacionados”91.

1.4.1.1 Eloquência e encanto


superficial
O psicopata geralmente se expressa muito bem e
apresenta-se socialmente como uma pessoa divertida,
agradável92 e bem articulada. Frequentemente conta
estórias fascinantes e pouco prováveis, mas de alguma
maneira – agindo com charme e poder atraente –
consegue convencer os demais.
O discurso do psicopata é, em si mesmo, raso e dotado
de contrariedades e incoerências. As falas muitas vezes
não condizem com todo o contexto e os fatos se
contradizem.
Estas constatações seriam prontamente verificadas por
qualquer ouvinte atento. Ocorre que o discurso e as falas
proferidas pelo psicopata vão além de uma narrativa
linguística. Toda exposição vem acompanhada de
circunstâncias que envolvem o ouvinte, como a sua
eloquência e encanto superficial.
O psicopata cria um cenário de distração consistente
em manipulação, envolvimento, encantamento e
eloquência nas palavras e nos gestos. Assim, o seu
ouvinte é facilmente ludibriado e deixa de se atentar às
palavras proferidas em seu contexto.
Uma das suas características é que pouco se importa se
as falsas estórias são detectadas. Uma vez constatada a
ausência de veracidade do que foi contado, o psicopata é
capaz de permanecer pautado na mesma estória ou
ainda mudar de assunto a qualquer momento sem
maiores constrangimentos.
Os psicopatas estão tão habituados às mentiras que,
muitas vezes, não se dão conta de que as contam.
Orgulham-se desse poder de enganar os outros. A seu
ver, o mundo é feito de caça e predadores e, assim, não
há porque deixar de aproveitar-se da boa-fé dos mais
vulneráveis para ‘vencerem o mundo’. Esse tipo de
psicopata é muito comum no mercado de trabalho, já
que fingem sua qualificação profissional sem, muitas
vezes, terem feito um curso superior ou técnico conforme
as exigências do cargo exercido.
São indivíduos que fazem de tudo para conseguir o que
querem. Utilizam-se, ainda, do seu poder de sedução,
carisma, encanto e talento para constatar e preencher as
carências dos demais. Suas principais vítimas são
pessoas que se mostram sentimentalmente vulneráveis.
A piedade e a generosidade das pessoas boas podem se transformar
em uma folha de papel em branco assinada nas mãos de um
psicopata. Quando sentimos pena, estamos vulneráveis
emocionalmente, e é essa a maior arma que os psicopatas podem
usar contra nós93.

Vicente Garrido exemplifica essa característica citando


o caso de Dionisio Rodríguez Martín, também conhecido
por Dioni. Dionisio era um ladrão muito conhecido na
Espanha quando, em julho de 1989, roubou94 o furgão
blindado de uma companhia de segurança na qual
trabalhava e fugiu para o Brasil com mais de dois
milhões de dólares. Vicente Garrido relata que os que o
conheciam apontavam, principalmente, sua grande
facilidade em atrair o público com simpatia e confiança.
Tamanho era seu talento que, após o cumprimento da
pena, empreendeu as carreiras de cantor e escritor95.

1.4.1.2 Personalidade egocêntrica e


presunçosa
O psicopata possui uma visão supervalorizada da sua
importância e poder. Sente-se tão importante que
acredita ser a pessoa mais importante do mundo, por
isso cria suas normas.
Robert D. Hare cita um trecho escrito por Ann Rule
acerca de Diane Downs, condenada em 1984 por efetuar
disparos de arma de fogo contra seus três filhos: “Eu. Eu.
Eu... Para ela o mundo teria que girar ao seu redor; não
lhe bastava ser a estrela mais brilhante, mas ser a única
estrela”96.
Os psicopatas possuem uma visão narcisista da vida.
Muitas vezes se apresentam de modo arrogante,
autoconfiantes, dogmáticos e dominadores. Sentem-se
realizados quando têm poder e controle sobre os demais
e parecem incapazes de crer que os outros possam ter
opiniões válidas97.
Segundo Martha Stout:
[...] indivíduos sem consciência costumam acreditar que seu jeito de
ser é superior ao nosso. Vivem falando da ingenuidade dos outros e
de seus escrúpulos ridículos, ou como é curioso que tantas pessoas
não estejam dispostas a manipular em prol de suas ambições mais
importantes. Podem também elaborar teorias segundo as quais
todos são inescrupulosos como eles e apenas fingem, de maneira
desonesta, possuir algo mítico chamado “consciência”. De acordo
com esse raciocínio, os únicos indivíduos francos e honestos no
mundo são eles próprios – são “verdadeiros” numa sociedade de
falsos98.

Acham-se tão importantes que pouco se preocupam


com dívidas contraídas, pendências financeiras ou
problemas de ordem legal ou pessoal. Acreditam que
estes problemas são apenas transitórios ou fruto de falta
de sorte, infidelidade de amigos ou de um sistema
econômico e social injusto, coordenado por pessoas
incompetentes.
Mergulhados nesse mundo de superioridade,
demonstram falta de interesse por uma educação
direcionada ou uma qualificação, haja vista entenderem
que suas habilidades lhes proporcionam adquirir o que
quiserem ao longo da vida.

1.4.1.3 Ausência de remorso ou culpa


Os psicopatas demonstram total ausência de culpa ou
remorso pelos efeitos decorrentes dos atos praticados.
Por onde passam, devastam a vida de outras pessoas
(pessoal, sentimental, financeira) sem sentirem qualquer
ressentimento. Em sua mentalidade, a culpa não passa
de um pressuposto ilusório empregado pelo sistema para
controlar a vida das pessoas.
O psicopata pode até externar qualquer sentimento de
remorso ou pena, porém não passará de uma
demonstração superficial do sentimento na qual foi
‘obrigado’ a aprender para conseguir seus intentos ou
para se ajustar socialmente: “Uma das primeiras coisas
que os psicopatas aprendem é a importância da palavra
remorso e como devem elaborar um bom discurso para
demonstrar esse sentimento”99.
Importante destacar que a ausência de remorso e culpa
está associada a uma notória propensão do psicopata em
racionalizar e apresentar justificativas que validem os
seus próprios atos delituosos. É comum ainda que, para
amenizar as consequências dos seus atos, o psicopata
transfira a responsabilidade da sua conduta para a vítima
ou terceiros.
Exemplo próximo e claro do perfil que se aproxima do
comportamento de um psicopata pode ser encontrado na
figura de “Pedrinho Matador”. Segundo relatos, Pedrinho
nasceu em 1954, na cidade de Santa Rita do Sapucaí, no
Estado de Minas Gerais, em um ambiente familiar
conturbado por brigas e espancamentos. Numa dessas
brigas, seu genitor desferiu chutes contra a barriga da
sua genitora que, na ocasião, estava grávida de
‘Pedrinho’. Dados dão conta de que ‘Pedrinho’ nasceu
com uma deformidade no crânio em razão desses golpes.
Sem qualquer sentimento de culpa ou remorso,
Pedrinho relata que os seus atos criminosos começaram
ainda muito cedo, quando tentou matar o primo em uma
briga, empurrando-o sobre uma moenda de cana. Com
aproximadamente treze anos, praticou seu primeiro
homicídio, no qual vitimou o prefeito da cidade; isso
porque este demitiu seu genitor sob a acusação de furto
de merenda. Na oportunidade, também matou o vigia –
por acreditar ser ele o verdadeiro autor do delito.
Após entrar para o crime de tráfico ilícito de drogas e
praticar outros homicídios, Pedrinho conheceu uma
mulher que, conforme relata, foi a única que realmente
amou. Por vingança ou outro motivo qualquer, foi
assassinada por um inimigo do tráfico, quando esperava
um filho seu. O fato foi culminante para Pedrinho buscar
o mandante do crime. Para isso, matou inúmeras pessoas
– número de vítimas que não sabe ao certo – até chegar
ao seu inimigo.
Uma curiosidade da sua personalidade é o fato de
Pedrinho possuir enorme ‘senso de justiça’. Segundo diz,
nunca matou crianças ou mulheres. Apenas homens
maus – pessoas que, de acordo com seu senso moral,
devem morrer. Tal ‘senso de justiça’ levou-o, inclusive, a
matar seu pai a facadas, porque a vítima matara sua
mãe com o mesmo modus operandi.
Os espelhos da cela individual na Penitenciária do Estado, em São
Paulo, refletiam imagens curiosas de um mundo particular. Aqui, um
quadro com uma cachoeira derramando-se sobre pedras idílicas,
dessas paisagens que já não dizem mais nada; ali, um Jesus pintado
à mão, de braços abertos e olhar absorto; e lá, mais para o cantinho,
sobre uma cama dura e sob um olhar ainda mais frio que o do Cristo,
a carne rija do antebraço esquerdo, tatuada “Mato por prazer”.
A carne é intocável. Pertence ao homem mais temido da história das
cadeias brasileiras, ícone de uma geração de bandidos e lenda viva
entre as paredes do sistema prisional.
[...]
No dia vinte e quatro de maio de 1973, Pedrinho foi preso. Tinha
dezoito anos. Atrás das grades, passou a acumular novas penas.
Matou companheiros de prisão – por suas contas, foram 47
homens100.

1.4.1.4 Ausência de empatia101


Muitas das características presentes nos psicopatas
estão estritamente associadas à falta de empatia, ou
seja, à capacidade para construir uma ligação mental e
emocional com outra pessoa.
Os psicopatas são insensíveis aos sentimentos alheios;
não possuem a capacidade de respeitá-los e de
reconhecê-los. É impossível se colocarem no lugar dos
outros porque nunca foram capazes de experimentar os
sentimentos humanos mais genuínos. São incapazes de
vivenciar as experiências reais humanas. O que se passa
com outras pessoas não lhes interessa, já que o
egocentrismo lhes permite apenas olhar para si e para
seus interesses. Os demais indivíduos (inclusive a própria
família) são vistos como coisas e obstáculos para o
alcance de seus objetivos.
Jamais sentirão a intensa angústia resultante de uma
traição, da prática de um crime ou de um ato que venha
a causar decepção, mágoa, privação e até a morte de
outro indivíduo.
A falta de compreensão e preocupação com o
sentimento alheio não é obstáculo para alcançar seus
objetivos. Mesmo sem essa percepção, são capazes de
consegui-los sem qualquer remorso e praticar delitos
brutais102.

1.4.1.5 Talento para mentiras e


manipulações
Mentir, enganar e manipular são talentos natos para os
psicopatas103.
A mentira é uma de suas maiores aliadas, ainda que
contada sem qualquer finalidade. O simples fato de
contá-la e verificar que os ouvintes prestam atenção e
depositam confiança no dito, já lhe proporciona grande
satisfação. Se são capazes de mentir sem qualquer
motivação, não se importam em mentir quando
necessitam alcançar seus intentos.
Seu alto poder de imaginação e manipulação permite
criar estórias convincentes, sedutoras e acompanhadas
de um discurso teatral. Quando flagrados em suas
mentiras não se desconsertam, nem demonstram
qualquer vergonha ou perplexidade.
O simples fato de mentir lhes parece sedutor. Imaginar
que possuem o poder de manipular qualquer pessoa,
inclusive pela mentira, lhes dá uma sensação de poder e
satisfação pessoal.
O americano Anthony Owens é um homem de palavra. Em 2002,
após conhecer Gwen Robinson no Texas e lhe propor casamento, ele
viajou ao Mississipi para pedir sua mão ao futuro sogro. A família da
noiva se encantou com o homem de voz suave e sorriso confiante
que se apresentou como pastor, um “homem de Deus”. Meses
depois da festa, Gwen descobriu que Anthony era casado com outras
7 mulheres, sem se divorciar de nenhuma. Ele as seduzia para
depois deixá-las sem um tostão. Uma delas perdeu 5 carros e 1 casa.
Outra teve problemas na Justiça por causa de cheques sem fundo
que ele emitiu em seu nome.
Mentir é uma habilidade de todo psicopata, mas falsários como
Anthony Owens têm um talento especial. Disfarçados de
profissionais como pastores, advogados e médicos, enganam as
pessoas para conseguir vantagens econômicas ilicitamente. E fazem
da mentira uma ferramenta de trabalho tão importante quanto o
terno ou o guarda-pó que vestem para realizar seus golpes104.

Ainda que tenham a facilidade para criar estórias e


utilizar da sua habilidade de persuasão para fazer com
que os seus interlocutores acreditem na sua veracidade,
um ouvinte mais preparado (quando também não é
seduzido pelo locutor) pode verificar que todo o seu
discurso carrega em si inúmeras contradições e
inconsistências.
Robert D. Hare ressalta que muitos estudiosos têm a
impressão de que os psicopatas não se dão conta de
quando mentem; é como se as palavras tomassem vida
própria105. O autor ainda salienta que o poder de
manipulação e de contar estórias mentirosas é
empregado dentro do sistema prisional quando da
avaliação para a concessão de benefícios da execução
penal106.
Essas características dos psicopatas os tornam especialmente aptos
para perpetrar fraudes, logros e falsificações de identidade. Se
estiverem na prisão, saberão como convencer as autoridades de que
estão se recuperando; para isso, inscrevem-se em cursos, exibem
uma “profunda” religiosidade e participam de numerosos programas
de orientação, desde que os habilitem, o quanto antes, para regimes
próximos ao da liberdade condicional107.

Ao descrever o psicopata de “colarinho branco”, Robert


D. Hare afirmou que os psicopatas que têm ânsias
empreendedoras são um modelo de como usar a
educação e as relações sociais para subtrair grandes
quantias em dinheiro de pessoas e instituições sem o
emprego da violência. O que os diferencia dos criminosos
comuns é que aqueles enganam e manipulam não
somente os que lhes podem proporcionar grandes
quantias de dinheiro, mas também todos que encontram
ao seu redor (família, amigos e até o sistema
Judiciário)108.

1.4.1.6 Emoções superficiais


Os psicopatas são desprovidos de afeto e emoções, e
“parecem sofrer de um tipo de pobreza emocional que
limita a amplitude e a profundidade dos seus
sentimentos.”109 À medida que conhecem as emoções no
seu campo literário, são incapazes de vivenciá-las.
Quando externam qualquer reação emocional, é porque
foi resultado de uma educação social – aprenderam ao
longo do tempo os conceitos dos sentimentos e como
devem se portar em cada situação.
Muitas vezes revelam-se frios e calculistas; porém,
quando lhes interessa, externam emoções superficiais.
As reações e emoções sustentadas são sempre frutos de
um plano criterioso.
Pesquisas experimentais desenvolvidas em laboratório
revelam que o psicopata não aponta as respostas
psicofisiológicas associadas ao medo ou à ansiedade110,
por exemplo.

1.4.2 Estilo de vida


Em análise crítica aos aspectos intrínsecos do
psicopata, não nos resta outra dúvida acerca do seu
desviado estilo de vida. Além de incorrer em desvios
interpessoais, o psicopata apresenta-se à sociedade com
um comportamento instável e sem direção, delineado
pela sua tendência à violação das normas sociais.
Passemos agora às principais características que
denotam seu comportamento social.

1.4.2.1 Impulsividade
A impulsividade no psicopata retrata a figura do
indivíduo que, apesar de racional e consciente dos atos e
das respectivas consequências, é capaz de praticá-los
sem considerá-las, apenas desejando obter satisfação
momentânea.
Se os atos são propícios para lhe dar uma sensação de
prazer ou apenas um obstáculo para alcançar seu
intento, ele os pratica sem qualquer pudor. Situação
inversa acontece quando esse sentimento é superado; o
psicopata é capaz de largar tudo sem qualquer
explicação.
Essa característica indica que o psicopata tende a viver
apenas as satisfações que o momento presente pode lhe
proporcionar.
Imprescindível destacar que a impulsividade não lhe
retira a consciência dos atos praticados e dos que
pretende praticar, já que o psicopata traça muito dos
seus passos de modo premeditado.

1.4.2.2 Autocontrole deficiente


Os psicopatas possuem deficiência quanto ao poder de
autocontrole. Diversamente dos não psicopatas,
rapidamente perdem o controle dos seus atos, podendo
agir desproporcionalmente a qualquer insulto, frustração
e ameaça.
Segundo Robert D. Hare, os psicopatas reagem
diversamente dos não psicopatas diante de uma
frustração ou ataque pessoal. Enquanto o não psicopata
consegue facilmente frear os sentimentos mais
primitivos nestas situações, os psicopatas reagem
agressivamente diante de, inclusive, pequenas
trivialidades – já que possuem baixo poder inibitório da
sua agressividade111.
Enquanto alguns sentimentos ou questões de cunho
social (medo de punições, empatia ou ainda, das
vantagens e desvantagens de ser pego, etc.) podem
inibir as condutas dos não psicopatas frente a uma
agressão ou ameaça, os psicopatas pouco se importam
com estes inibidores.
O detento Carl telefonou da prisão para sua esposa e ficou sabendo
que ela não podia visitá-lo naquele fim de semana porque não tinha
ninguém para tomar conta dos filhos. Portanto, ele não teria os
cigarros e a comida que pedira. “Sua filha da puta”, ele gritou ao
telefone. “Eu vou matar você, sua puta”, disse, enquanto dava um
toque convincente à ameaça, socando a parede e tirando sangue
dos nós dos dedos. Assim que desligou, entretanto, Carl começou a
rir e a fazer brincadeira com alguns de seus colegas de prisão e
pareceu sinceramente perplexo quando um guarda, que ouvira parte
de sua conversa ao telefone, acusou-o de abuso verbal e de
comportamento intimidador112.

Merece destaque o fato de que o psicopata, apesar de


ter autocontrole deficiente, “não perde o controle sobre o
próprio comportamento no decorrer do episódio”113 e a
consciência dos atos que estão por vir, como magoar,
amedrontar ou machucar uma pessoa114. Robert Hare
destaca a fala de um detento com alta pontuação no
Psycopathy Checklist quando questionado se conseguia
se controlar no momento da raiva: “Não. Eu mantenho o
controle. Tipo assim, eu decido se vou bater muito ou
pouco na cara”115.

1.4.2.3 Necessidade de excitação


continuada
Os psicopatas têm grande necessidade de viver em
contínua excitação. São avessos às circunstâncias que os
levam ao tédio ou à rotina. Estão sempre em busca de
situações que lhe deem a sensação de excitação – de
preferência, de caráter permanente.
Na obra The Mask of Sanity116, Hervey Clekley
descreveu a um psiquiatra a forma de vida que levava
um psicopata. Segundo o autor, ele jamais havia
infringido a lei, porém não tolerava por muito tempo o
autocontrole que sua vida profissional lhe exigia. Assim,
vivia emocionalmente desenfreado.
Muitos psicopatas procuram nas drogas ilícitas, em atos
perigosos, proibidos e ilegais a sensação prazerosa da
excitação. Em razão dessa busca incessante pelo ‘novo’
(excitação), dificilmente encontrar-se-á um psicopata em
uma mesma posição na empresa ou em um estilo de
vida.
A sensação de adrenalina soa, para o psicopata, como
algo vital; por isso, não há de se esperar muito desses
indivíduos, já que sempre procurarão formas antissociais
para suprirem esse vazio interno.

1.4.2.4 Falta de responsabilidade


Para os psicopatas, as obrigações e os compromissos
não merecem atenção. Para esse grupo, é quase
impossível prender-se a qualquer situação que lhes
remeta ao cumprimento de obrigações.
A irresponsabilidade dos psicopatas pode ser verificada
em todas as áreas da sua vida. São incapazes de
tornarem-se exemplo, onde quer que estejam.
Nas relações de trabalho, a irresponsabilidade pode ser
evidenciada nas constantes ausências injustificadas, nas
violações das normas administrativas e legais, no uso
inapropriado ou desvios dos recursos e em outras
condutas que extrapolem as normas e prejudiquem o
bom funcionamento do trabalho.
No âmbito familiar, agem com total indiferença e
irresponsabilidade. É comum assumirem dívidas dentre
os familiares ou deixarem de cumprir suas obrigações
parentais (de ordem moral e legal). Há um
comportamento indiferente em relação ao bem-estar e às
necessidades da sua família.
Importante destacar que a falta de responsabilidade é
qualidade intrínseca do comportamento do psicopata.
Contudo, é possível que em episódios ou situações
pautadas encontremos psicopatas extremamente
responsáveis. Trata-se de um comportamento
conveniente e proposital com um fim maior.
Há de se notar que, quando um psicopata constitui
família, o faz apenas para criar a falsa percepção de que
a sua vida está de acordo com o padrão socialmente
exigido. Assim, muitas vezes a constitui por conveniência
ou porque entende que constituir uma família é um
passo imprescindível para alcançar o seu intento (como
um cargo de confiança no mundo empresarial ou político,
por exemplo). A externalização dessa falsa realidade
muitas vezes é demonstrada com comportamentos de
ciúmes (o que configura um sentimento de posse e não
de afeto e consideração).
No ambiente prisional, por exemplo, o psicopata pode
ser o principal responsável por provocar a perturbação
da ordem ou da disciplina da prisão, ou ainda, subverter
a ordem do sistema prisional ao violar normas de cunho
administrativo ou da legislação penal vigente. Em
contrapartida, os psicopatas podem se tornar presos com
bom comportamento prisional quando esta for condição
para obter certos benefícios (administrativos ou legais).
A irresponsabilidade e a falta de confiabilidade nas
palavras são qualidades que acompanham o psicopata
nas suas relações sociais, mas que não os impedem de
se tornarem pessoas responsáveis e confiáveis em
situações pautadas que lhe confiram algum retorno
benéfico.
1.4.2.5 Problemas de conduta na
infância
Circunstância imprescindível para diferenciar o
indivíduo psicopata do não psicopata provém da análise
comportamental do indivíduo durante a sua infância.
Considerando que o psicopata já nasceu com o
transtorno, inequívoco que seu comportamento
antissocial esteve presente durante a sua infância.
São sinais precoces demonstrativos do perfil
psicopático durante a infância: divertimento com o
sofrimento alheio, constantes mentiras para se safarem
de punições, roubos e furtos, fugas de casa e da escola,
uso de substâncias ilícitas, violência, provocação de
incêndios, vandalismo, sexualidade precoce e arrogância
no agir, falar e no modo de se vestir. Já no ambiente
doméstico, apresentam condutas desafiadoras e
agressivas em relação aos familiares.
Importante referência indicativa dos traços precoces de
psicopatia é a conduta agressiva contra animais.
Psicopatas costumam, desde cedo, maltratá-los como
forma de diversão, sem demonstrar qualquer remorso.
Daniel Blair tem quatro anos e achou que seu cachorrinho de apenas
uma semana de vida estava muito sujo. O melhor jeito encontrado
para um banho rápido foi atirar o animal na água do vaso sanitário –
e dar descarga. Por sorte, a mãe descobriu a tempo, e bombeiros
resgataram o animalzinho ainda vivo no esgoto. O caso aconteceu no
início de junho de 2009, na Inglaterra, e chamou a atenção das
câmeras do mundo inteiro. Muitos perguntaram: será que Daniel
seria um pequeno psicopata divertindo-se com o sofrimento do
bichinho?
Provavelmente não117.
A inglesa Mary Bell, por exemplo, aos dois anos de idade era uma
menina diferente das outras. Nunca chorava quando se machucava e
adorava surrar seus brinquedos. Aos quatro anos precisou ser
contida ao tentar enforcar uma coleguinha, dizendo às professoras
que sabia que a atitude poderia matá-la. Aos cinco, presenciou a
morte de outro amiguinho sem esboçar nenhum espanto. Depois de
alfabetizada, passou a ficar incontrolável. Pichava paredes da escola,
incendiou a casa onde morava, maltratava animais.
Aos onze anos, Mary matou por estrangulamento dois meninos entre
três e quatro anos, sem dó nem piedade. O caso aconteceu em
1968. Antes de ir a julgamento, a menina foi avaliada por
psiquiatras, que concluíram um gravíssimo transtorno de conduta.
“Ela não demonstrou remorso, ansiedade, nem lágrimas ao saber
que seria detida. Nem ao menos deu um motivo para ter matado. É
um caso clássico de sociopatia”, dizia seu laudo118.

O maltrato a outras crianças, inclusive amigos e irmãos,


também é um indicativo. Quando os atos de violência
(física ou moral), ou ainda as brincadeiras acompanhadas
com ‘segundas intenções’, são praticados continuamente
e de forma intencional no ambiente escolar, estamos
diante do ‘bullying escolar’119.
Importante destacar que a expressão bullying também
pode ser empregada quando estes atos forem praticados
em qualquer ambiente social, inclusive no ambiente
familiar e profissional, independentemente da idade das
partes envolvidas. Não precisa envolver,
necessariamente, crianças ou adolescentes ou encontrar-
se no ambiente escolar. Contudo, para melhor
explicitarmos uma das características marcantes do
psicopata, apontaremos apenas o bullying escolar, já que
é desde cedo que se manifesta o seu lado sombrio, e o
bullying é, muitas vezes, o instrumento por eles
praticado.
Na lição de Ana Beatriz Barbosa Silva:
Além dos bullies escolherem um aluno-alvo que se encontra em
franca desigualdade de poder, geralmente este também já apresenta
uma baixa autoestima. A prática do bullying agrava um problema
preexistente, assim como pode abrir quadros graves de transtornos
psíquicos e/ou comportamentais que, muitas vezes, trazem prejuízos
irreversíveis120.

Ante a importância decorrente do reconhecimento


clínico da psicopatia, consideramos esta característica
(problemas de conduta na infância) como uma das
grandes responsáveis para conferir um diagnóstico
dotado de confiabilidade. Inclusive para poder diferenciá-
lo dos demais indivíduos com transtorno de
personalidade antissocial que não se enquadram no seu
perfil.
Diversamente da postura de alguns profissionais que
fundamentam o diagnóstico com fulcro em fatos
isolados, entendemos não ser possível reconhecer a
psicopatia sem antes avaliar o histórico comportamental
do indivíduo durante sua infância e adolescência.
Reconhecendo a importância da presença latente e
indubitável desta característica do psicopata, Robert D.
Hare dedicou, no PCL-R, alguns itens e vários
questionamentos que remontam ao comportamento do
entrevistado durante a sua infância e adolescência.

1.4.2.5.1 Transtorno da conduta


Conforme a Organização Mundial da Saúde (CID-10) e a
Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V), o menor
de 18 anos não pode ser clinicamente diagnosticado com
transtorno de personalidade antissocial. Há um
transtorno específico para crianças e adolescentes que
apresentam condutas antissociais durante este período
da vida, a saber, o transtorno de conduta.
Oportuno declinarmos que o fato de crianças ou
adolescentes serem responsáveis pela prática de
manifestações antissociais não pressupõe,
necessariamente, o diagnóstico futuro de transtorno de
personalidade antissocial (a partir dos 18 anos). Contudo,
é certo que um psicopata apresentou na sua infância
e/ou adolescência os critérios diagnósticos para o
transtorno de conduta – seja por meio de um diagnóstico
ou por evidências da sua presença.
O diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial não é dado
a indivíduos com menos de 18 anos e somente é atribuído quando
há história de alguns sintomas de transtorno da conduta antes dos
15 anos de idade. Para indivíduos com mais de 18 anos, um
diagnóstico de transtorno da conduta somente é dado quando não
são atendidos os critérios para transtorno da personalidade
antissocial121.

Apontado como espécie de transtorno de


comportamento, o transtorno de conduta é uma
perturbação com evidências de início na infância e
adolescência, caracterizado pela manifestação de
comportamentos conflituosos graves de maneira repetitiva e
persistente, os quais podem ser muito diversos, mas têm sempre
como afinidade o fato de desrespeitarem os direitos fundamentais
alheios, as regras ou normas sociais e culturais geralmente
respeitadas pela maioria dos jovens da mesma idade122.

Na lição do CID-10, os transtornos de conduta recebem


as seguintes classificações:
F91. Transtornos de Conduta
F91.0 Transtorno de conduta restrito ao contexto familiar123
F91.1 Transtorno de conduta não socializado124
F91.2 Transtorno de conduta socializado125
F91.3 Transtorno desafiador de oposição126
F91.8 Outros transtornos de conduta
F91.9 Transtorno de conduta, não especificado127

No tocante às diretrizes diagnósticas estabelecidas pelo


CID-10, a Organização Mundial da Saúde exemplifica os
comportamentos nos quais o diagnóstico pode ser
baseado:
níveis excessivos de brigas ou intimidação; crueldade com animais
ou outras pessoas; destruição grave de propriedades;
comportamento incendiário; roubo; mentiras repetidas; cabular aulas
ou fugir de casa; ataques de birra inusualmente frequentes e graves;
comportamento provocativo desafiador e desobediência grave e
persistente128.

O CID-10 ressalta, acertadamente, que a prática dos


atos isolados não tem o condão de, por si só, permitir o
diagnóstico do transtorno em questão. Os atos
antissociais devem estar presentes de modo duradouro
e, ao menos, por seis meses. Outrossim, é necessário
considerar o comportamento médio e o nível de
desenvolvimento do menor.
Com o advento do DSM-V, o transtorno de conduta
passou a integrar o capítulo Transtornos Disruptivos, Do
Controle de Impulsos e de Conduta junto ao transtorno
de oposição desafiante, transtorno explosivo
intermitente, transtorno da personalidade antissocial,
piromania, cleptomania, outro transtorno disruptivo, do
controle de impulsos e da conduta especificado e
transtorno disruptivo do controle de impulsos e da
conduta não especificado.
Na lição do DSM-V-TR, transtorno da conduta é:
A. Um padrão de comportamento repetitivo e persistente no qual são
violados direitos básicos de outras pessoas ou normas ou regras
sociais relevantes e apropriadas para a idade, tal como manifestado
pela presença de ao menos três dos 15 critérios seguintes, nos
últimos 12 meses, de qualquer uma das categorias adiante, com ao
menos um critério presente nos últimos seis meses:

Agressão a Pessoas e Animais


1. Frequentemente provoca, ameaça ou intimida os outros.
2. Frequentemente inicia brigas físicas.
3. Usou alguma arma que pode causar danos físicos graves a outros
(p. ex., gastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, arma de fogo).
4. Foi fisicamente cruel com pessoas.
5. Foi fisicamente cruel com animais.
6. Roubou durante o confronto com uma vítima (p. ex., assalto, roubo
de bolsa, extorsão, roubo à mão armada)
7. Forçou alguém à atividade sexual.

Destruição de Propriedade
8. Envolveu-se deliberadamente na provocação de incêndios com a
intenção de causar danos graves.
9. Destruiu deliberadamente propriedade de outras pessoas
(excluindo provocação de incêndios).

Falsidade ou Furto
10. Invadiu a casa, o edifício ou o carro de outra pessoa.
11. Frequentemente mente para obter bens materiais ou favores ou
para evitar obrigações (i.e., “trapaceia”).
12. Furtou itens de valores consideráveis sem confrontar a vítima (p.
ex., furto em lojas, mas sem invadir ou forçar a entrada; falsificação).

Violações Graves de Regras


13. Frequentemente fica fora de casa à noite, apesar da proibição
dos pais, com início antes dos 13 anos de idade.
14. Fugiu de casa, passando a noite fora, pelo menos duas vezes
enquanto morando com os pais ou em lar substituto, ou uma vez
sem retornar por um longo período.
15. Com frequência falta às aulas, com início antes dos 13 anos de
idade.

B. A perturbação comportamental causa prejuízos clinicamente


significativos no funcionamento social, acadêmico ou profissional.
C. Se o indivíduo tem 18 anos ou mais, os critérios para transtorno
da personalidade antissocial não são preenchidos.

O transtorno de conduta apresenta três subtipos assim


considerados por meio da verificação da idade em que
deu início: subtipo com início na infância, subtipo com
início na adolescência e subtipo de início não
especificado.
O primeiro subtipo de transtorno de conduta é o
iniciado na infância do indivíduo. Trata-se de transtorno
geralmente evidenciado em crianças do sexo masculino e
que estão mais propensos a apresentar comportamentos
mais agressivos que os demais, relações antissociais com
os pares e persistência do comportamento antissocial até
a fase adulta.
O subtipo com início na adolescência é evidenciado
proporcionalmente entre os sexos feminino e masculino.
Tais indivíduos apresentam comportamento menos
agressivo que os do primeiro subtipo e “tendem a ter
relações mais habituais com os seus pares (embora,
frequentemente, apresentem problemas de conduta na
companhia de outras pessoas)”129.
1.4.2.6 Comportamento antissocial na
fase adulta
Uma vez diagnosticado com psicopatia (transtorno de
personalidade antissocial), o indivíduo demonstrará seus
traços ao longo da vida. Dados dão conta de que em
algumas situações o psicopata pode sofrer remissão do
seu perfil psicopático aos 45 anos de idade. De acordo
com Michael H. Stone, “pessoas anti-sociais com poucos
traços psicopáticos e hábitos não violentos podem, à
medida que se aproximam da quarta década, cessar seus
atos anti-sociais, mas outras tendem a permanecer anti-
sociais à medida que envelhecem”130.
O psicopata não é necessariamente um criminoso ou
um serial killer. Seu comportamento antissocial pode
apenas ficar no campo moral ou civil. Contudo, é bem
provável que seus atos se aproximem de atos delituosos,
ou, ainda, que chegue a praticá-los sem serem
descobertos. Esse é o perfil dos psicopatas que se
aproximam de outras pessoas no trabalho, para criar
laços de amizade e iniciar relacionamentos íntimos.
O predador pode passar toda sua vida sem atrair
atenções. Nessa circunstância, provavelmente estará
manipulando os outros, aproveitando-se de suas
qualidades ou buscando o que lhe provoque interesse.
Nos relacionamentos amorosos e de amizade, o
psicopata primeiro traça o perfil da sua presa e conquista
sua confiança. Nesse momento, o indivíduo passa a ser
vítima. A partir daí, o psicopata abstrai tudo o que o
relacionamento tem a lhe oferecer: dinheiro, bens,
status, carros, empréstimos etc. Quando a vítima se dá
conta, não há mais o que fazer.
Os psicopatas têm uma nefasta habilidade para identificar e explorar
mulheres “maternais”, ou seja, aquelas com forte necessidade de
ajudar ou cuidar dos outros. [...] Em geral, essas mulheres sofrem
muitos abusos por acreditarem que podem ajudar os demais; elas
estão prontas a se deixarem esgotar emocional, física e
financeiramente131.

Nas relações de trabalho, segundo Paul Babiak e Robert


D. Hare132, o psicopata percorre alguns caminhos. Na
contratação, apresentar-se-á emocionalmente estável e
contará estórias que lhe beneficiem. Assim que
contratado, descobrirá quem são as pessoas mais
importantes da empresa que possam lhe oferecer
alguma vantagem. O psicopata utilizar-se-á de todos os
meios para afastar seus possíveis concorrentes.
Alcançado seu intento, afastar-se-á daqueles que
inicialmente nele confiaram e passará a humilhá-los.
Na prisão, a conduta do psicopata não será diferente.
Assim como poderão manipular os demais detentos a
realizar uma rebelião, são capazes de influenciar na
recuperação dos outros encarcerados e de manipular os
psicólogos e assistentes sociais e todos aqueles que
possam de alguma forma favorecê-lo.

1.4.3 O perfil do psicopata.


Considerações finais.
Antes de tecermos considerações finais acerca do perfil
do psicopata apresentado por Robert D. Hare, nada mais
oportuno do que apresentarmos a história clínica de um
psicopata paciente do mencionado psiquiatra. Neste
relato, é possível verificar todas as características
descritas na área emocional/interpessoal e o estilo de
vida do psicopata.
“Donald, de 30 anos de idade, acabou de completar
uma pena de 3 anos de prisão por fraude, bigamia,
negócios ilícitos e fuga à custódia legal. As circunstâncias
que o levaram a esses crimes são interessantes e têm
relação com o seu comportamento pregresso. Quando
faltava menos de um mês para o término de uma pena
de 18 meses por fraude, Donald simulou doença e fugiu
do hospital da prisão. Durante os 10 meses de liberdade
que se seguiram, participou de uma série de negócios
ilegais. A atividade que resultou na sua recaptura é típica
de seu modo de agir. Passando-se por um dos diretores
de uma fundação filantrópica internacional, Donald
conseguiu o apoio de várias organizações religiosas
numa campanha de levantamento de fundos. Essa
campanha foi iniciada em âmbito restrito e numa
tentativa de apressar as coisas, Donald marcou uma
entrevista na televisão local. Sua atuação durante a
entrevista foi tão expressiva que começaram a chover
donativos. Infelizmente, porém, para Donald, a entrevista
foi transmitida em cadeia para outros Estados e ele foi
reconhecido e preso rapidamente. Durante o julgamento
subsequente ficou claro que Donald não experimentava
sentimento algum de estar procedendo mal. Ele
defendia, por exemplo, a ideia de que sua apaixonada
campanha por donativos fazia com que as pessoas
dessem dinheiro para outras obras de caridade também
e não só para a instituição que ele dizia representar. Ao
mesmo tempo, afirmava que a maioria dos doadores
eram pessoas que se sentiam culpadas por alguma coisa
e que por isso mereciam ter sido enganadas. Essa
habilidade para racionalizar o seu próprio
comportamento e sua falta de autocrítica eram também
evidentes em suas tentativas de pedir ajuda às próprias
pessoas a quem antes havia enganado. Talvez seja um
tributo à sua capacidade persuasória o fato de que
alguns indivíduos realmente o ajudaram. Durante os três
anos em que esteve na prisão, Donald passou boa parte
do tempo procurando recursos legais que o libertassem e
escrevendo a autoridades como advogados locais, o
Primeiro Ministro do Canadá e um representante
canadense na ONU. Em suas cartas, Donald os atacava
verbalmente por representarem a autoridade e a
injustiça responsável por sua sentença. Ao mesmo
tempo, pedia-lhes que intercedessem em seu favor em
nome da Justiça por eles representada.
Enquanto esteve na prisão, Donald foi usado como
sujeito em algumas pesquisas feitas pelo autor. Na
ocasião de sua libertação, inscreveu-se em uma
universidade e, como referência declarou ter sido um dos
colaboradores na pesquisa do autor. Vários meses
depois, o autor recebeu uma carta da universidade,
pedindo uma carta de recomendação em favor de
Donald.
Donald era o mais novo de três garotos nascidos numa
família da classe média. Seus dois irmãos são pessoas
normais e bem-sucedidas. O pai de Donald passava
grande parte do tempo às voltas com seus negócios;
quando estava em casa, ficava mal-humorado e tendia a
beber muito quando as coisas não iam bem. A mãe era
uma mulher delicada, tímida, que tentava agradar ao
marido e manter uma aparência de tranquilidade
familiar.
Quando descobria seus filhos fazendo alguma
travessura ou algo errado, ameaçava contar tudo ao pai.
No entanto ela nunca cumpria as ameaças, pois não
queria aborrecer o marido e porque as reações dele eram
imprevisíveis; variavam conforme seu estado de humor.
Ora surrava as crianças num ataque de raiva, ora as
repreendia verbalmente, às vezes com brandura, outras
com severidade.
Donald sempre foi considerado por todos uma criança
difícil e voluntariosa. Quando queria doces ou brinquedos
e não era atendido, tentava, em primeiro lugar, mostrar
afeto e carinho e se isso não adiantava tinha ataques de
raiva. Quase nunca era necessário chegar a este
segundo recurso, porque sua aparência angelical e sua
maneira gentil geralmente faziam com que conseguisse
o que queria. Utilizava-se de táticas similares para fugir à
punição de muitos de seus atos indevidos.
Primeiramente, procurava esconder a verdade através de
uma complicada rede de mentiras, culpando
frequentemente seus irmãos. Se isto não funcionava,
dava demonstrações convincentes de profundo remorso
e arrependimento. Quando a punição era inevitável,
Donald tornava-se obstinadamente desafiante,
encarando o castigo como um preço injustificável que ele
tivesse que pagar por seus prazeres.
Embora fosse obviamente muito inteligente, seu
aproveitamento escolar foi medíocre. Era inquieto,
entediava-se facilmente e faltava às aulas. Seu
comportamento na presença do professor ou de outra
autoridade qualquer, era em geral muito bom, mas,
quando estava por sua própria conta, não raro se metia
ou metia os colegas em encrencas. Embora se
suspeitasse de que Donald fosse o culpado, ele sempre
apresentava argumentos que conseguiam livrá-lo.
Os distúrbios de comportamento de Donald na infância
tomaram várias formas, incluindo mentiras, trapaças,
pequenos roubos e molestação de crianças menores.
Entrando na adolescência, tornou-se cada vez mais
interessado em sexo, jogo e álcool. Quando tinha 14
anos, fez uma tentativa rude de aproximação sexual com
uma menina mais nova e quando esta ameaçou contar a
seus pais, Donald a trancou num barracão. A menina
passou 16 horas trancada. Quando a encontraram,
Donald inicialmente negou ter conhecimento do caso,
para em seguida dizer que ela o havia seduzido e que a
porta devia ter se fechado sozinha. Não manifestou
qualquer sentimento pelo sofrimento da menina e de
seus pais, nem deu qualquer indício de sentir-se
moralmente culpado pelo que havia feito. Os pais de
Donald conseguiram evitar a queixa. No entanto,
incidentes dessa ordem estavam se tornando mais e
mais frequentes e, numa tentativa de impedir futuros
embaraços para a família, Donald foi mandado para um
internato particular. Seu aproveitamento nessa escola
era de baixo nível dependendo de suas motivações
momentâneas. No entanto, se saía bem em esportes
individuais competitivos e em debates com plateia.
Donald representava uma fonte contínua de excitação
para vários colegas e sempre inventava coisas
interessantes e extravagantes para fazer. Regras e
regulamentos eram obstáculos insignificantes para sua
autoexpressão e os violava com tanta habilidade que,
frequentemente, era difícil provar sua culpa nos vários
incidentes. Os professores o descreviam como um
indivíduo cujo comportamento era inteiramente
determinado pela possibilidade de conseguir o que
queria, na maioria dos casos, coisas concretas, imediatas
e de interesse puramente pessoal.
Quando tinha 17 anos, Donald deixou o internato,
falsificou a assinatura do pai em um cheque de vultosa
quantia e passou um ano viajando pelo mundo.
Aparentemente, vivia bem, usando uma combinação de
encanto, atração física e meios ilícitos para financiar suas
andanças. Durante os anos subsequentes, teve uma
variedade de empregos, nunca ficando em cada um mais
do que alguns meses. Nessa época, foi acusado de uma
porção de crimes, incluindo roubo, embriaguez em local
público, assaltos e várias infrações de trânsito. Na
maioria dos casos foi multado ou condenado a uma pena
curta.
Suas experiências sexuais eram frequentes, casuais e
superficiais. Aos 22 anos, casou-se com uma mulher de
41 anos que havia encontrado em um bar. Seguiram-se
outros casamentos, todos ilegais (bígamos). O esquema
era sempre o mesmo: casava-se num ímpeto, era
sustentado por alguns meses e depois sumia. Um dos
seus casamentos foi particularmente interessante.
Depois de ter sido acusado de fraude, Donald foi
mandado a uma instituição psiquiátrica para um período
de observação. Lá, chamou a atenção de uma integrante
da equipe de profissionais. Seu encanto, atração física e
promessas convincentes de se corrigir, levaram-na a
intervir em seu favor. Sua sentença foi suspensa e eles
se casaram uma semana depois. Inicialmente, tudo
estava indo razoavelmente bem, mas, quando a moça se
recusou a pagar algumas de suas dívidas de jogo, Donald
falsificou sua assinatura e a abandonou. Foi preso logo
em seguida e sentenciado a 18 meses de cadeia. Como
mencionado, fugiu quando faltava menos de um mês
para o final da pena.
Interessante notar que Donald nada vê de
particularmente errado em seu comportamento, nem
expressa remorsos ou culpa por usar os outros como
objetos e causar-lhes sofrimentos. Embora seu
comportamento seja, em longo prazo, autodestruidor, ele
o considera prático e de bom senso. Punições periódicas
não diminuem seu egocentrismo e confiança em suas
próprias habilidades, nem compensam os ganhos em
curto prazo de que Donald é capaz. No entanto, esses
ganhos breves são sempre obtidos às expensas de
outras pessoas. Sob esse aspecto, seu comportamento e
suas necessidades são inteiramente egocêntricas, sem
qualquer preocupação com o bem-estar e com os
sentimentos dos outros”133.
A partir da narrativa clínica do seu paciente, Robert D.
Hare torna claro o perfil de um psicopata, evidenciando a
presença de todas as características para o seu
reconhecimento.
Em vários momentos da descrição clínica, Donald se
valeu do seu talento de persuasão e de contar estórias
mentirosas para conseguir seus objetivos, características
evidenciadas quando Donald se passou por um dos
diretores de uma fundação filantrópica e conseguiu
angariar muitos donativos. Comportamento idêntico
quando simulou doença e fugiu do hospital da prisão
prestes a terminar o cumprimento da pena. Donald ainda
se valeu da sua personalidade para se aproximar de uma
integrante da equipe de profissionais de uma instituição
psiquiátrica para obter benefícios. Logo após a
suspensão da sentença, casaram-se e, após a recusa
quanto ao pagamento envolvendo dívidas de jogos,
Donald falsificou sua assinatura e a abandonou.
Em nenhum momento, demonstrou culpa ou remorso
pelos atos praticados. Ao contrário, afastou sua
responsabilidade e culpou terceiros e o próprio sistema
pelas suas ocorrências. A falta de responsabilidade do
psicopata esteve presente, por exemplo, quando culpou
a maioria dos doadores por terem sido enganados, haja
vista carregarem sentimento de culpa por algo que
fizeram.
Contudo, para fins de reconhecimento da psicopatia,
não há como ignorar sua infância e adolescência.
Segundo o autor, “os distúrbios de comportamento de
Donald na infância tomaram várias formas, incluindo
mentiras, trapaças, pequenos roubos e molestação de
crianças menores. Entrando na adolescência, tornou-se
cada vez mais interessado em sexo, jogo e álcool [...]”
Aos 17 anos, falsificou um cheque do pai e viajou o
mundo.
A conduta antissocial presente durante a infância de
Donald permaneceu até a fase adulta. Donald usou
diversos artifícios para conseguir o que queria quando
adulto, cometeu inúmeras infrações e foi preso em
algumas situações. Os comportamentos foram evoluindo
conforme a própria perspectiva das suas necessidades,
habilidades e dos resultados pretendidos.
A narrativa clínica acima foi surpreendentemente
indispensável para nos aproximar do perfil clínico-
comportamental de um psicopata.
Os psicopatas são indivíduos que se apresentam na
sociedade descaracterizados da própria figura, a fim de
se instalarem nos mais diversos ambientes sociais. Para
realizar esse primeiro intento, além de outros que
entendam necessários, empregam os mais variados
meios de manipulação. Estórias mentirosas são
constantes. O alto poder de convencimento e de sedução
são instrumentos imprescindíveis para alcançarem a
confiança das suas vítimas. São capazes de fingirem um
sentimento para não despertarem qualquer suspeita
acerca da sua verdadeira personalidade.
Devemos, por ora, considerar que o problema que rege
a vida de um psicopata não é um transtorno mental, mas
um transtorno na sua personalidade. Diversamente do
que ocorre com pessoas com doenças mentais que
sofrem com psicoses (alterações da realidade ou
alucinações), e podem praticar crimes em série – por
exemplo, porque na ocasião tiveram uma percepção
absolutamente errada da realidade – o psicopata sabe
exatamente o que acontece ao seu redor. O seu
transtorno está ligado tão somente à sua personalidade.
No que diz respeito à impulsividade e ao deficiente
poder de autocontrole do psicopata, devemos observá-
los e ponderá-los com parcimônia. No caso clínico
apontado pelo próprio psiquiatra, o psicopata sabe
exatamente o que faz; ele é capaz de premeditar seus
atos para atingir às finalidades desejadas e construir
todos os passos a serem seguidos ao longo da sua
jornada. Se algum imprevisto acontece com condão de
prejudicar seus intentos, ele é capaz de conter seus atos
e agir quando a situação lhe parecer mais favorável.
A impulsividade do psicopata está ligada ao descaso
das consequências dos seus atos. Não há, em nenhum
momento, perda da racionalidade e da percepção do
cenário real. As condutas são voltadas para uma
circunstância preservada na sua realidade, com o
domínio e controle dos seus atos pelo próprio psicopata.
Entendemos que a absoluta impulsividade somente
pode ser traço característico da psicopatia quando
atrelada concomitantemente à ocorrência de algum
transtorno mental, o que na psiquiatria é conhecido
como comorbidade. Ou seja, quando o indivíduo, além de
sofrer de psicopatia, sofre de alteração da percepção da
realidade (como psicose, por exemplo), é possível que,
em razão das alucinações provocadas pela doença, aja
em total impulso e descontrole. O mesmo
comportamento pode ser esperado quando está sob
efeito de álcool ou droga.
1.5 Etiologia da psicopatia
Um dos maiores questionamentos envolvendo a
psicopatia diz respeito à etiologia134.
Encontramos grande resistência por parte das ciências
no sentido de apresentarem a etiologia da psicopatia.
Isso se deve às inúmeras consequências decorrentes da
sua adoção, sejam na esfera das ciências da saúde e/ou
jurídicas.
Igualmente, talvez pareça ser mais fácil culpar o
passado vivencial do ser humano como causador do seu
futuro tortuoso a adentrar em um campo obscuro e
realizar infindáveis e, muitas vezes, inconclusivas teorias.
Considerando que o transtorno de personalidade
antissocial encontra-se no rol descritivo da Classificação
Internacional das Doenças, na parte destinada à
disposição das doenças mentais, há quem defenda
tratar-se de doença mental.
Este constructo ainda se baseia no próprio sentido
etimológico da expressão, conforme abordado em
oportunidade anterior. Do grego, psicopatia trata-se de
doença da mente [do grego psyche (mente) e pathos
(doença)]135. Na definição do Dicionário de Medicina
Legal, psicopatia é expressão sinônima de doente
mental136.
Como já mencionamos, a expressão psicopatia foi
empregada, em um período da História, como sinônima
de doença mental. Este sentido foi defendido até que
estudos verificaram que as descrições clínicas da
psicopatia não mais coadunavam com o conceito de
transtorno mental (ou doença mental).
Para Vicente Garrido, o “critério de inclusão universal
que qualifica um sujeito de ‘doente mental’ baseia-se na
correção do raciocínio e no contato que ele tem da
realidade”137.
A. Fernandes da Fonseca considera “‘doença psíquica’
um estado de desequilíbrio dos sistemas do organismo,
susceptível de arrastar o indivíduo para situações de
desadaptação social”138. Segundo o autor:
Defende a O.M.S. que a saúde deve ser entendida como um estado
de completo bem-estar físico, mental e social, o que nos permitirá
concluir que, no sentido oposto, a doença será todo e qualquer
estado que se afaste daquela situação de completo bem-estar geral,
ou seja, que uma situação de completo bem-estar físico, mental e
social se encontre ausente139.

Na lição de Leonardo Caixeta, Moysés Chaves e Marcelo


Caixeta, o conceito médico de doença deveria ser
definido como envolvendo algum processo
autodesvantajoso. Todos ressaltam que o “paciente
psiquiátrico” deve apresentar os efeitos de um processo
biológico autodesvantajoso sobre seus pensamentos,
sentimentos ou comportamento140.
E completam:
O critério de comportamento diretamente autolesivo é interessante
porque envolve a possibilidade de uma disfunção biológica, uma vez
que só em uma “doença vemos um organismo biológico trabalhando
contra a própria homeostase”141.

Grande parte dos pesquisadores não considera a


psicopatia uma doença mental por não provocar
qualquer sintoma, como ocorre com as doenças mentais
como esquizofrenia142, psicose143 e outras anomalias
(desorientação mental, alucinações e sofrimento
mental)144.
Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e Mônica Rodrigues
Cuneo assim dispõem:
[...] a psicopatia não é um transtorno mental da mesma ordem da
esquizofrenia ou da depressão. A rigor, pode-se dizer que a
psicopatia não é propriamente um transtorno mental. Mais adequado
é considerar a psicopatia um transtorno de personalidade.
Psicopatia é personalidade; ela não é uma simples entidade, pois o
que nela se procura captar são essencialmente aspectos que
configuram “uma personalidade” 145.

Os adeptos desse entendimento ainda justificam seu


posicionamento sustentando que os psicopatas têm
plena consciência dos seus atos e dos instrumentos
necessários para alcançar seus mais sórdidos intentos.
São conhecedores das normas legais e sociais e as
desconsideram na prática de seus atos.
Chamamos personalidades psicopáticas a certos indivíduos que, sem
perturbação da inteligência, inobstante não tenham sofrido sinais de
deterioração, nem de degeneração dos elementos integrantes da
psique, exibem através de sua vida intensos transtornos dos
instintos, da afetividade, do temperamento e do caráter, mercê de
uma anormalidade mental definitivamente preconstituída, sem,
contudo, assumir a forma de verdadeira enfermidade mental146.

Vicente Garrido ainda declina que se forem atendidas


todas as principais classificações empregadas por
psicólogos e psiquiatras, o psicopata não pode ser
considerado pessoa com doença mental. Para ele, o
critério de inclusão universal que qualifica o sujeito como
“doente mental” fundamenta-se na correção do
raciocínio e no seu contato com a realidade. Assim,
encerra seu posicionamento apontando que o psicopata
não demonstra problemas em seu raciocínio (normal),
apesar de apresentar uma inteligência emocional
mínima147.
Adrian Raine e José Sanmartín defendem que, apesar de
haver entendimento de que a psicopatia trata-se de
transtorno mental equiparado à esquizofrenia e à
depressão, ainda que haja uma classe de psicopatas
mais transtornados, estes não evidenciam graves
distorções cognitivas, como alucinações, delírios e
pensamentos distorcidos. Assim, o transtorno de que
padecem os psicopatas traduz-se na constatação de
problemas em três searas: na sua relação com os
demais, na sua afetividade e na sua conduta. “No
primeiro âmbito, os psicopatas tendem a manipular e
enganar os demais. Em sua vertente afetiva, sofrem de
empatia: são incapazes de colocar-se no lugar do outro.
Finalmente, seu comportamento é anti-social”148.
Importante destacar que o fato de o transtorno de
personalidade antissocial (compartilhando, nessa
hipótese, a congruência entre tais anomalias) constar na
Classificação Internacional das Doenças Mentais não o
inclui, necessariamente, nesse quadro.
Segundo leciona Hilda Clotilde Penteado Morana:
[...] os TEP são atualmente considerados anomalias do
desenvolvimento psicológico que envolvem a desarmonia da
afetividade, da excitabilidade, do controle dos impulsos, das atitudes
e das condutas, manifestando-se no relacionamento interpessoal.
Dessa forma impedem a integração social adequada, de modo
contínuo e persistente.
Apesar da capacidade mental poder situar-se em limites normais, os
indivíduos que os apresentam evidenciam comprometimento da
capacidade de consideração pelos demais, de sentir culpa ou
remorso pelos atos danosos infligidos a outras pessoas,
comportamento impiedoso, e em alguns transtornos é freqüente a
incursão criminal149.

Entendemos que a psicopatia não é um transtorno


mental, já que não sustenta quaisquer dos requisitos
impostos para seu reconhecimento. O fato de restar
comprovada a existência de características cerebrais
diversas do cérebro dos não psicopatas não lhe confere o
título de transtorno mental150.
Os psicopatas não sofrem de qualquer alteração na
percepção da realidade ou de atos involuntários; ao
contrário, são plenamente cientes de todas as suas
condutas e respectivas consequências. Podemos
considerá-los apenas como indivíduos com distúrbio de
personalidade151.
1.6 Causa originária da psicopatia
Buscar fundamentos que justifiquem o comportamento
antissocial do ser humano ainda é matéria em aberto e
objeto de constantes estudos e pesquisas científicas.
Enquanto há quem atribua o comportamento antissocial
às causas sociais desfavoráveis ou a um ambiente
destrutivo, pesquisadores o têm atribuído a fatores
genéticos e neurobiológicos, em atuação conjunta a
fatores ambientais.
A partir de um acidente ocorrido em 1848 na Nova
Inglaterra, nos Estados Unidos da América, o cérebro de
indivíduos que apresentam comportamento antissocial
passou a ser objeto de pesquisas. Desde então, a
neurociência tem recebido especial destaque para os
estudos relacionados ao tema.
Com 25 anos de idade na época, Phineas Gage
trabalhava para a estrada de ferro Rutland e Burlington
quando sofreu um grave acidente. Phineas Gage era um
homem reto, íntegro e exemplo de bom trabalhador –
principalmente na profissão que escolhera exercer. Sua
função era bastante perigosa e lhe exigia muita
concentração, atenção e destreza física. Além de
coordenar uma equipe de vários operários, era
responsável por preparar as detonações das rochas, para
abrir caminho para a estrada de ferro.
O processo que antecedia à explosão da rocha deveria
ser realizado de forma metódica. Primeiro, era necessário
fazer um buraco na rocha e preenchê-lo até metade com
pólvora, adicionar o rastilho e cobrir a pólvora com areia.
Depois, com a ajuda de uma barra de ferro, a areia
deveria ser calcada com uma série de pancadas e,
somente então, o rastilho era aceso. Se tudo ocorresse
conforme o planejado, a pólvora explodiria dentro da
rocha e a areia serviria para impedir que a pólvora fosse
projetada para fora do buraco.
Contudo, algo de errado aconteceu. Gage colocou a
pólvora sem perceber que a areia não havia sido
introduzida por seu ajudante. O resultado foi uma grande
explosão, que fez com que uma barra de ferro invadisse
sua face esquerda e atravessasse o crânio, saindo no
topo da cabeça, e caindo a mais de trinta metros de
distância.
Phineas Gage sofreu grave ferimento. Apesar disso e,
para espanto de todos que estavam no local, Gage
manteve-se consciente todo o tempo, inclusive
conseguindo falar, andar e aguardar uma hora até
receber o primeiro tratamento médico.
A sobrevivência torna-se tanto mais surpreendente quando se toma
em consideração a forma e o peso da barra de ferro. Henry J. Biglow,
professor de cirurgia em Harvard, descreve-a assim: “O ferro que
atravessou o crânio pesa cerca de seis quilos. Mede cerca de um
metro de comprimento e tem aproximadamente três centímetros de
diâmetro. A extremidade que penetrou primeiro é pontiaguda; o bico
mede 21 centímetros de comprimento, tendo a sua ponta meio
centímetro de diâmetro, são essas as circunstâncias às quais o
doente deve provavelmente a sua vida. O ferro é único, tendo sido
fabricado por um ferreiro da área para satisfazer as exigências do
dono152.

A recuperação de Gage impressionou sob muitos


aspectos, principalmente pelo fato de o acidente não ter
deixado sequelas. A recuperação física foi completa,
exceto pela visão do olho esquerdo. Logo depois do
acidente, Gage andava e se movimentava como antes; a
linguagem e a fala não apresentavam alterações. Em
pouco tempo, porém, processou-se uma surpreendente
mudança na personalidade de Gage.
Em razão do acidente, Gage tornou-se uma pessoa
desagradável, grosseira, impaciente, irreverente e não
mais possuía os atributos exigíveis para sua profissão,
motivo pelo qual foi dispensado. Na época do acidente,
constatou-se que Phineas Gage sofreu lesões na região
frontal do cérebro153. Desde então, não mais conseguiu
se firmar em outro emprego, a não ser em um circo onde
se apresentava como uma aberração. Em 21 de maio de
1861, com apenas 38 anos de idade, Gage faleceu em
decorrência de ataques epilépticos.
A partir do ocorrido com Phineas Gage, inúmeros
estudos surgiram a fim de apontar a razão para justificar
a alteração comportamental (ou psicopatia adquirida,
segundo alguns) decorrente de traumatismo cerebral,
bem como daqueles que já assim nasceram.
Após cinco anos da morte de Phineas Gage, com o
avanço tecnológico e a necessidade de se apurar a real
causa da mudança da sua personalidade, seu corpo foi
exumado para novas pesquisas. Exames em 3D do crânio
de Gage constataram que os danos foram mais extensos
em um dos hemisférios, atingindo mais setores
anteriores do que posteriores da região frontal. A lesão
ocorreu, principalmente, nos córtices pré-frontais na
superfície ventral, ou orbital, interna de ambos os
hemisférios154.
Os estudos realizados em Phineas Gage levaram
pesquisadores a sustentar – após a utilização da técnica
de neuroimagem – que o comportamento antissocial está
ligado ao envolvimento de estruturas cerebrais frontais,
especialmente para o córtex orbitofrontal e para a
amígdala, sugerindo prejuízos na função
155
serotoninérgica .
O caso nos leva a concluir que há uma parte do cérebro
humano responsável pela personalidade e pelas emoções
de cada ser humano. Quando essa parte do cérebro sofre
qualquer interferência (genética ou acidental) que lhe
modifique a normalidade padrão, encontraremos um ser
humano desprovido das mais singelas emoções e
sentimentos.
A princípio, sabe-se que os psicopatas nascem com este
transtorno – o que o faz diferenciar dos demais indivíduos
com comportamento antissocial. Por outro lado, os não
psicopatas, porém dotados de comportamento
antissocial, evidenciam a antissocialidade dos seus atos
ao longo da sua vida, seja em razão de uma doença,
lesão, disfunção cerebral156 ou por decisão livre de
qualquer causa biológica.
Diversos estudos realizados por meio de registros
eletroencefalográficos (EEG) foram realizados para
determinar se a psicopatia está associada a
anormalidades no cérebro. Estes estudos verificaram que
a incidência de anormalidades do EEG ou ondas cerebrais
entre os psicopatas é extraordinariamente alta.
Constatou-se que há excessiva quantidade da atividade
de ondas lentas (4-7 hertz) espalhadas ou, em casos de
psicopatas severamente impulsivos e agressivos, em
áreas localizadas nas regiões temporais do cérebro. De
acordo com o resultado, alguns pesquisadores sustentam
que a psicopatia esteja associada à imaturidade
estrutural ou funcional do cérebro157.
Baseando-se ainda na presença de anormalidades de
EEG localizadas, há quem sustente que a psicopatia está
relacionada a algum defeito ou disfunção dos
mecanismos cerebrais conexos com a atividade
emocional e à regulação do comportamento158.
Para Steven Pinker, assassinos e outros indivíduos
antissociais violentos tendem a possuir um córtex pré-
frontal menor e menos ativo, região cerebral responsável
pela inibição dos impulsos e tomada de decisões159.
Rita Carter ressalta a semelhança de atuação nos dois
hemisférios e aponta que a amígdala dos psicopatas
apresenta baixa reação ante situações que demonstram
o sofrimento alheio160:
Uma amígdala normal é ativada por estímulos emocionais. A
amígdala de psicopatas exibe pouca resposta à visão do sofrimento
de outra pessoa. Alguns estudos mostram que tampouco reagem aos
estímulos de ameaça. As varreduras mostram que os psicopatas
processam as informações emocionais de um modo fora do comum:
na maioria das pessoas, o hemisfério direito se ilumina
principalmente em uma situação emocional, mas os cérebros
psicopáticos são igualmente ativos nos dois hemisférios161.

Adrian Raine e José Sanmartín já afirmavam a


correlação direta entre a tendência para a prática de
comportamentos ilícitos e algumas deficiências cerebrais,
especialmente nos lóbulos frontal e temporal, ou em
estruturas subcorticais, como a amígdala e o
hipocampo162.
Importante pesquisa realizada em psicopatas foi
apresentada em fevereiro de 2011, na 177ª Conferência
Anual da Associação Americana para o Avanço da
Ciência163 (também conhecida como AAAS), em
Washington, nos Estados Unidos.
Os pesquisadores Adrian Raine164 e Nathalie Fontaine
surpreenderam os demais pares ao apresentar o
resultado da pesquisa realizada a partir do escâner no
cérebro de psicopatas. O objetivo era verificar a
formação da amígdala165 e do córtex pré-frontal nesses
indivíduos, já que são regiões estritamente ligadas a
emoções como medo, culpa e remorso.
Os resultados foram surpreendentes. Comprovou-se
que os psicopatas têm a amígdala 20% menores do que
o normal, diagnóstico também verificado no cérebro de
crianças (a partir de três anos de idade) consideradas
problemáticas pelos seus genitores e professores.
Outrossim, também foi verificada essa semelhança
cerebral em 21 condenados por fraudes financeiras:
“cérebro ruim, comportamento ruim”.
Nathalie Fontaine ressaltou a importância de
diagnosticar a psicopatia o mais cedo possível. Segundo
a pesquisadora, quanto antes for detectado o problema,
maiores serão as chances de que a criança não se revele
um adulto criminoso de alta periculosidade. Nesse
sentido, políticas sociais deverão ser implantadas para
evitar um mal maior na sociedade.
Ao final da exposição, os pesquisadores ressaltaram
que a pesquisa desenvolvida deve ser mais bem
estudada no futuro, a fim de evitar diagnósticos “falsos
positivos”.
Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e Mônica Rodrigues
Cuneo ressaltam que defender esse posicionamento não
pressupõe a aceitação expressa da ‘teoria lombrosiana’
do criminoso nato:
Não se pode afirmar que o psicopata nasce criminoso, senão com
certa predisposição para atuar de maneira violenta diante de
determinadas circunstâncias sociais. Traços psicopáticos podem se
manifestar desde a infância e a adolescência, fases em que o
comportamento anti-social costuma aparecer progressivamente166.

Ao analisarem os estudos acerca do cérebro dos


psicopatas, Paul Babiak e Robert D. Hare questionam, ao
final do livro “Psicopatas no trabalho: como identificar e
se proteger”, a incongruência na defesa de que os
psicopatas apresentam conexões cerebrais defeituosas,
principalmente quando muitos deles são corporativos
altamente funcionais.
Então, após essa longa exposição, fica a pergunta: existe um cérebro
psicopático? Dezenas de estudos empíricos com criminosos, muitos
dos quais chegaram aos mesmos resultados, sugerem que existe
uma diferença na estrutura e na função do cérebro dos psicopatas,
pelo menos no nível de amostra. (Muitos psicopatas exibem as
anomalias descritas acima, mas muitos outros não) Acreditamos que,
como grupos, eles são programados de maneira diferente, mas por
razões ainda não explicadas. A maioria dos pesquisadores usa
termos como danificado, disfuncional ou deficitário, embora seja
possível que as diferenças não indiquem um déficit, e sim um
processo adaptativo evolucionário. Certamente é difícil entender
como executivos psicopatas altamente funcionais podem ser
produtos de conexões cerebrais defeituosas167.

Apesar de inúmeras pesquisas e estudos científicos


avançarem ao redor do mundo, cientistas reconhecem
não ser possível estabelecer de modo incontestável, a
causa originária da psicopatia. Isso porque, ainda que o
comportamento antissocial possa ser justificado por
questões científicas em casos pautados, tais evidências
não estão unissonamente presentes em todas as demais
situações.
Neste trabalho nos posicionamos no sentido de que o
psicopata nasce psicopata e assim permanece até o fim
da sua vida. Os fatores ambientais, por sua vez, têm
papel importante apenas na manifestação do
comportamento do indivíduo que já nasceu psicopata.
Ninguém se torna psicopata, tão somente, em razão
dos sofrimentos presenciados ou ocorrentes durante a
infância, em situações de abusos ou de traumas.
Outrossim, ninguém se torna psicopata ao escolher levar
uma vida antissocial por pressão de um grupo ou por
circunstâncias sociais (o que muitos entendem por
sociopatia).
Contudo, apesar de os fatores ambientais não serem
determinantes para o surgimento da psicopatia, há de se
destacar o seu poder de influência no comportamento do
indivíduo que já nasceu psicopata.
Crianças e adolescentes com comportamento
antissocial (com indícios latentes de psicopatia) que
crescem em um ambiente hostil e violento, podem se
tornar extremamente violentos caso não haja uma
intervenção desde cedo. Essa intervenção não terá o
condão de cura, mas de evitar que o psicopata não se
revele progressivamente agressivo com o passar dos
anos.
Adrian Raine e José Sanmartín se posicionam no sentido
da impossibilidade da atuação única e exclusiva das
forças e influências sociais e ambientais sobre o agente,
como também da atuação exclusiva dos fatores
biológicos. A psicopatia, portanto, se dá pela interação
entre as predisposições biológicas e os fatores sociais168.
Sally P. Springer e Georg Deutsch ressaltam:
Repetidamente mencionamos a importância de se reconhecer que
muitas disfunções provavelmente têm mais do que uma causa.
Assumir que sintomas semelhantes sempre procedem da mesma
causa é simplificar de modo grosseiro a complexidade das relações
entre o comportamento e o cérebro humano169.

Robert D. Hare ressalta que a observação de uma


relação entre fenômenos fisiológicos e comportamentais
não significa necessariamente que esses fenômenos
estejam casualmente relacionados.
Mesmo que não possamos afirmar sempre que a relação fisiologia-
comportamento é uma relação causal, a simples constatação de tal
relação pode ser importante para outros aspectos do estudo. No
momento atual, nossas descrições da psicopatia são de natureza
inteiramente clínica. Se pudéssemos determinar que os psicopatas
diferem dos outros indivíduos quanto a alguma variável fisiológica,
esta variável poderia ser utilizada como característica em termos de
uma definição de psicopatia170.

Apesar de muitas teorias explicarem a origem da


psicopatia sob o fundamento de diversos argumentos 171,
é claro para nós que a deturpação do sistema emocional
está ligada, ao menos em parte, ao sistema cerebral
responsável pelas emoções e sentimentos: mau
funcionamento da amígdala, particularmente no
hemisfério direito. Contudo, devemos considerar que,
além de haver grandes evidências de anormalidade
cerebral nos psicopatas, diversos fatores ambientais
(sociais, econômicos, educacionais, familiares etc.)
atuam conjuntamente.
Com efeito, as modernas técnicas de neuroimagem estão
confirmando antigas hipóteses de uma correlação entre
comportamento delinqüente e alterações no lobo frontal e temporal,
em estruturas subcorticias como a amígdala e o hipocampo (sic)172.
1.7 Diagnóstico clínico e testes
psicológicos
Uma das maiores dificuldades relacionadas à psicopatia
está no seu diagnóstico. Isso se deve, sobretudo, ao
poder de dissimulação e manipulação do psicopata, além
da impossibilidade de sua participação contributiva em
entrevistas clínicas, avaliação psiquiátrica e psicológica,
e em testes psicológicos173.
Conforme já destacado, a psicopatia não retira do
agente sua inteligência, mas sua capacidade de sentir
emoções. Assim, considerando as circunstâncias e as
possíveis consequências do teste, o psicopata é capaz de
atuar, com muita habilidade, utilizando seu poder de
dissimulação, o qual afetará diretamente o resultado do
teste. O psicopata é esperto e inteligente o suficiente
para saber quais respostas devem ser dadas para obter
eventuais benefícios.
A justificação de seu uso pode ser dada explicando-se para o
examinando que se trata de um recurso que pode abreviar o tempo
de contato necessário para se conhecê-lo. Obviamente, um nível
mínimo de cooperação é necessário para que o teste seja realizado
(o que chamamos de um bom rapport). Ou seja, a pessoa deve
querer ser conhecida pelo profissional. Daí a reserva quanto à
possibilidade de uso destes instrumentos com psicopatas, uma vez
que estes estão por definição “se escondendo”174.

Segundo se abstrai do art. 4º da Resolução n.


1.598/2000, do Conselho Federal de Medicina, o
diagnóstico de psicopatia (transtorno da personalidade
antissocial – F60.2) é um procedimento que deve ser
realizado por médico, observados os padrões médicos
aceitos internacionalmente (CID e DSM).
Art. 4º - O diagnóstico de doença psiquiátrica é um procedimento
médico que deve ser realizado de acordo com os padrões médicos
aceitos internacionalmente, e não com base no status econômico,
político, social ou orientação sexual, na pertinência a um grupo
cultural, racial ou religioso, ou em qualquer outra razão não
diretamente significativa para o estado de saúde mental da pessoa
examinada.

Conforme o disposto na Resolução, o médico psiquiatra


deverá atentar-se aos critérios diagnósticos previstos na
CID-10 e no DSM-V-TR. Isso implica avaliar não somente
aspectos relacionados à personalidade do indivíduo, mas
ao preenchimento de outros critérios, como, por
exemplo, comportamentos antissociais praticados em
período anterior aos 15 anos de idade (diagnóstico de
transtorno de conduta).
O diagnóstico clínico da psicopatia (transtorno da
personalidade antissocial – F60.2), quando realizado por
médico psiquiatra experiente e atento às
particularidades dos seus portadores (capacidade de
manipulação durante a avaliação diagnóstica, por
exemplo), é suficiente e pode até dispensar testes
psicológicos.
Inobstante a imprescindibilidade do diagnóstico clínico,
os testes psicológicos contribuem para avaliar a
personalidade do indivíduo. De uso privativo do
psicólogo, conforme estabelece o §1º do art. 13 da Lei n,.
4.119/1962, os testes psicológicos consistem em
instrumentos de avaliação ou mensuração de
características psicológicas (art. 1º da Resolução n.
002/2003, do Conselho Federal de Psicologia).
Art. 1º - Os Testes Psicológicos são instrumentos de avaliação ou
mensuração de características psicológicas, constituindo-se um
método ou uma técnica de uso privativo do psicólogo, em
decorrência do que dispõe o §1o do art. 13 da Lei n. 4.119/62.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput deste artigo, os
testes psicológicos são procedimentos sistemáticos de observação e
registro de amostras de comportamentos e respostas de indivíduos
com o objetivo de descrever e/ou mensurar características e
processos psicológicos, compreendidos tradicionalmente nas áreas
emoção/afeto, cognição/inteligência, motivação, personalidade,
psicomotricidade, atenção, memória, percepção, dentre outras, nas
suas mais diversas formas de expressão, segundo padrões definidos
pela construção dos instrumentos.

Segundo estabelece o art. 7º, da Resolução n. 31/2022,


do Conselho Federal de Psicologia, os testes psicológicos
têm por finalidade:
Art. 7º Os testes psicológicos têm como objetivos identificar,
descrever, qualificar e mensurar características psicológicas, por
meio de procedimentos sistemáticos de observação e descrição do
comportamento humano, nas suas diversas formas de expressão,
acordados pela comunidade científica.

Por fim, importante apontar que todos os testes


psicológicos dependem, para sua aplicação, de validação
e parecer favorável do Conselho Federal de Psicologia.
Constantemente, as listas dos testes com parecer
favorável e desfavorável são virtualmente divulgadas
pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos
(Satepsi), do Conselho Federal de Psicologia.
Ultrapassadas as considerações iniciais, passaremos a
apresentar os principais testes aplicados, especialmente,
no contexto forense.

1.7.1 Teste ou psicodiagnóstico de


Rorschach – “Teste
do Borrão”
Criado pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach, o
“Teste do Borrão” teve seu início em período anterior ao
da publicação do seu livro Psicodiagnóstico. Em 1910,
Rorschach iniciou experimentos em borrões de tinta
ambíguos, visando obter um método de análise da
personalidade, através da interpretação das manchas de
tinta padronizadas nos campos da percepção e
apercepção.
Somente em 1921175, e após dezenas de anos de
experiências práticas, Rorschach publicou a obra
Psicodiagnóstico, que se tornou um dos principais e mais
importantes testes de personalidade do mundo.
Na lição de Isabel Adrados, “o teste revela a
organização básica da estrutura da personalidade,
incluindo características da afetividade, sensualidade,
vida interior, recursos mentais, energia psíquica e traços
gerais e particulares do estado intelectual do
indivíduo”176.
O teste projectivo consiste em apresentar ao indivíduo
uma série de dez pranchas com “borrões de tinta”,
solicitando respostas verbais do examinando sobre aquilo
que observa.
Hermann Rorschach destaca que o teste consiste em
“interpretar formas fortuitas, isto é, figuras formadas ao
acaso”177. As figuras imprecisas são criadas a partir de
alguns borrões grandes feitos em uma folha de papel, de
forma simétrica (obtida por dobradura), com pequenas
diferenças entre uma metade e outra.
De acordo com o Compêndio de Psiquiatria, “O teste de
Rorschach focaliza claramente os padrões de
pensamento e associação dos sujeitos, pois a
ambiguidade do estímulo proporciona relativamente
poucas pistas sobre as respostas convencionais,
padronizadas ou normais”178.
Após o teste, é feita uma análise formal. O resultado
está atrelado, inicialmente, às seguintes questões (que
seguem um protocolo para sua compreensão e análise):
1. Qual o número de respostas? Qual a duração do tempo de reação?
Quantas recusas houve nas diferentes pranchas?
2. A resposta foi determinada apenas pela forma das imagens
fortuitas ou, também, por uma sensação de movimento ou, ainda,
pela cor das figuras?
3. A imagem é percebida e interpretada como um todo ou em partes
e, neste caso, em que partes?
4. O que foi visto pelo indivíduo179.

Somente após a análise formal e, em aspecto


secundário, analisa-se
[...] o conteúdo material das interpretações. A acuidade da visão das
formas, a atitude dos momentos cinestésicos e dos momentos-cor, o
modo como as imagens dos testes são apreendidas em seu todo ou
em partes, além de uma série de outros fatores que podem ser
extraídos do protocolo da prova [...]180

Por fim, Hermann Rorschach ressalta:


Com o decorrer do tempo o teste tem-se revelado de valor
diagnóstico. Em indivíduos normais, ele permite um diagnóstico
diferencial de personalidade e, em doentes, permite,
frequentemente, um diagnóstico diferencial de diferentes espécies.
Além do mais, ele representa uma prova de inteligência quase que
totalmente independente do saber, da memória, do exercício e do
grau de cultura; permite também conclusões sobre numerosas
relações afetivas. Apresenta, finalmente, a vantagem de poder ser
aplicado a um número ilimitado de casos, sendo comparáveis, entre
si, resultados de examinandos os mais heterogêneos181.

De acordo com a Sociedade Internacional de Rorschach


e Métodos Projetivos, para garantir a confiabilidade
científica e a reputação do teste, a impressão de cada
prancha deve atentar-se para a “coloração precisa,
sombreamento das manchas de tinta e sua consistência
e constância”:
Trata-se de um processo extremamente delicado. Mesmo hoje em
dia, cada reimpressão das placas exige grande atenção, ela é
realizada por um equipamento antigo que é cuidadosamente
mantido exclusivamente para esse fim, de modo a manter uma
reprodução praticamente idêntica a dos originais. O clima também
interfere em sua produção, não pode ser nem demasiadamente seco
e nem úmido182.

Apesar da importância, de ser um instrumento muito


utilizado no meio forense e de ter capacidade de fornecer
traços da personalidade do indivíduo, seu uso exige do
aplicador larga experiência prática e grandes estudos de
interpretação.
Nesse sentido, encontramos na própria obra de
Hermann Rorschach a temeridade de apoiar-se somente
neste teste no estudo de casos isolados e para fins
práticos aos diagnósticos cegos183:
Psicodiagnóstico de Rorschach é um meio auxiliar valioso e
insubstituível para apreensão de um grande número de facetas de
personalidade. É, porém, um abuso contentar-se unicamente com o
Psicodiagnóstico de Rorschach para estudo de casos isolados e para
fins práticos. [...] Os resultados obtidos através do teste de
Rorschach precisam, de acordo com as possibilidades, ser
comprovados através de outros métodos, provas, observações,
levantamentos etc. Por outro lado, o teste de Rorschach pode
confirmar ou completar, de maneira valiosa, os resultados
provenientes de outras fontes ou pô-los em dúvida ou contradição.
Somente quando o Psicodiagnóstico de Rorschach articular-se com
um elo no âmbito geral do diagnóstico da personalidade, é que ele
conservará seu elevado valor. Mas, se tomado como método isolado
destacado deste conjunto, ele seria ainda mais perigoso do que
outros métodos, porque ofusca o examinador menos experimentado
conduzindo-o, sem que ele mesmo o saiba, a caminhos errôneos184.

Hobert D. Hare relata que Kingsley aplicou o teste a


internos psicopatas e não psicopatas de
estabelecimentos militares. As respostas foram avaliadas
por dois psicólogos clínicos experimentados e as
discordâncias foram resolvidas por um terceiro psicólogo.
Comparadas às de outros sujeitos, as respostas dos
psicopatas foram consideradas significativamente mais
indicativas de impulsividade, imaturidade, hostilidade,
agressividade, insinceridade e egocentrismo185.

1.7.2 Psychopathy Checklist


Revised ou Escala Hare (PCL-R)
Com base nos estudos de Hervey Cleckley, Robert D.
Hare186 criou, em 1980, um instrumento de avaliação
clínica: o Psychopathy Checklist – também conhecido
como PCL, visando identificar infratores encarcerados
que exemplificavam os critérios comportamentais
descritivos por Hervey Cleckley acerca da personalidade
psicopática. Igualmente, foi desenvolvido a fim de ser
empregado em ambientes corretivos e forenses
masculinos.
O PCL-R é o instrumento de eleição para o estudo da
psicopatia. Os países que o instituíram apresentaram
índice de redução da reincidência criminal considerável.
Em 1990, porém, o instrumento foi revisado – passando a
ser conhecido como PCL-R187 – e dois itens lhe foram
retirados. Assim, de 22, o manual passou a ter 20 itens.
Importante destacar que os critérios de pontuação
apontados na primeira revisão permaneceram na
segunda edição do PCL-R, realizada em 2003.
O PCL-R188 consiste em um Roteiro de Entrevistas e
Informações; todos são direcionados a responder
objetivamente os 20 itens já prefixados pelo autor.
São feitos inúmeros questionamentos, por exemplo,
relacionados à educação, profissão, histórico criminal,
uso de álcool e drogas, comportamento na infância e
fase adulta. Este Roteiro de Entrevistas pode ter
questionamentos alterados ou adaptados pelo seu
aplicador dependendo da situação concreta. O seu
Caderno de Pontuação direciona o seu aplicador a
classificar cada um dos itens em uma escala de 0-2 (com
respostas como não, talvez/em alguns aspectos ou sim,
respectivamente), a partir de informações obtidas em
entrevistas e arquivos de prisão189.
O escore varia entre 0 e 40 de acordo com a análise das
respostas obtidas na avaliação. Este ponto de corte é
individualizado em cada país adotante do método de
avaliação e está ligado às questões culturais e às
consequências jurídicas do reconhecimento da psicopatia
ao indivíduo.
Em países no qual o reconhecimento da psicopatia
implica em prisão perpétua ou de morte, por exemplo, o
seu ponto de corte no teste PCL-R é alto. Em razão das
consequências jurídicas do seu reconhecimento e, para
evitar falsos positivos, a imposição de um ponto de corte
alto é condição obrigatória.
Por outro lado, em países nos quais o reconhecimento
da psicopatia não apresenta maiores consequências
jurídicas, o ponto de corte é mais baixo – o que permite
também os falsos positivos que, apesar de não ter
implicações tão gravosas no âmbito jurídico, estigmatiza
o indivíduo.
De qualquer modo, atingido o ponto de corte do PCL-R
para o país adotante, reconhece-se a possibilidade de o
sujeito vir a delinquir.
Outra questão que norteia o PCL-R é a sua possível
aplicação na população forense feminina. Isso porque o
teste foi inicialmente desenvolvido para ser aplicado na
população forense masculina. Estudos ainda estão sendo
realizados para a adaptação à população feminina.
Para garantir que a sua aplicação atenda às
expectativas do próprio teste, o autor oferece recursos
de treinamento190. Assim, aos seus aplicadores são
disponibilizados workshops e a experiência prática,
através da observação da aplicação dos testes por
aplicadores com mais experiência. Outrossim, o teste
tem o condão de diagnosticar efetivamente o psicopata,
e não apenas o indivíduo com transtorno de
personalidade antissocial, como ocorre com outros
testes.
No Brasil, o PCL-R chegou a ser traduzido, validado e,
por conseguinte, aplicado. Contudo, a partir de 31 de
dezembro de 2022, deixou de ser validado pelo Conselho
Federal de Psicologia, sob o fundamento de os estudos
de normatização estarem vencidos191. Enquanto não
forem atendidas as exigências regulamentares, os
psicólogos continuarão impedidos de aplicar a Escala
Hare (PCL-R), sob pena de infração ética.
Importante mencionarmos que o PCL-R somente é
aplicável aos maiores de 18 anos. Aos indivíduos com
idade entre 12 e 17 anos, utiliza-se a Hare Psychopathy
Checklist: Yourth Version (PCL:UV). Trata-se de uma
escala de classificação de 20 itens para a avaliação de
traços psicopáticos em infratores, com base em uma
“entrevista semiestruturada e informações colaterais que
avaliam as características interpessoais, afetivas e
comportamentais relacionadas a um conceito tradicional
e amplamente compreendido de psicopatia”192.
Oportuno destacar que, com a finalidade de atender às
expectativas de profissionais que solicitavam
instrumento de avaliação célere e que se assemelhasse
ao PCL-R em sua credibilidade e validade, Robert D. Hare
contribuiu para a criação do PCL-SV193. Esse instrumento
consiste em uma escala de 12 itens baseada em um
subconjunto do PCL-R, com aplicação em avaliações
psiquiátricas, seleção de pessoal e estudos comunitários.
No Brasil, a tentativa da sua validação obteve parecer
desfavorável do Conselho Federal de Psicologia. Segundo
dispõem o art. 15 da Resolução n. 31/2022 e as alíneas
“c” do art. 1º e “d” do art. 2º do Código de Ética
Profissional do Psicólogo, sua utilização será considerada
falta ética.

1.7.3 Outros testes


Há, por sua vez, estudos da emoção que não dependem
da manifestação verbal do agente. Em um teste em que
se recebem, repetidas vezes, descargas elétricas,
estímulos dolorosos ou ruídos fortes, o psicopata
apresenta, ao seu final, um quadro de medo com menor
intensidade do que o não psicopata194.
A menor condutividade elétrica da pele deles indica que são muito
menos sensíveis ao medo de receber um castigo ou um estímulo
desagradável. Como é lógico, isso tem repercussões práticas
importantes, já que sentenças de prisão pouco efeito têm em
modificar a conduta futura dos psicopatas195.

Em estudos baseados no piscar de olhos, foi exibida


uma série de slides de dois tipos: uma que continha uma
imagem agradável e a outra desagradável. O psicopata
reage da mesma forma ante a exposição dos dois tipos
de slides, enquanto as pessoas normais tendem a piscar
mais quando expostas a imagens desagradáveis.
Em outro teste, ao solicitarem a um grupo de pessoas
que imaginassem determinadas frases a serem
memorizadas – uma delas com carga emocional
desagradável –, comprovou-se que os psicopatas não
apresentaram diferenças quanto à reação às expressões
imaginadas, enquanto os não psicopatas apresentaram
ritmo cardíaco acelerado e movimentos faciais sutis.
Quando submetidos à tomografia computadorizada, o
cérebro dos psicopatas mostra maior atividade que os
cérebros dos não psicopatas diante das palavras
emotivas. A razão é que os não psicopatas codificam e
interpretam habitualmente palavras emocionais, isto é,
conseguem processar a emoção da linguagem. Os
psicopatas, por sua vez, demonstram maior esforço para
reconhecer e processar palavras de carga emocional do
que para processar palavras neutras196.
1.8 Tratamento e reversibilidade do
quadro clínico
Nesta oportunidade, imperiosa a distinção entre o
indivíduo psicopata e o não psicopata que apresenta
comportamento antissocial (o que inclui as pessoas com
transtorno de personalidade antissocial que não se
enquadram no quadro de psicopatia).
Conforme apresentado neste estudo, todo psicopata
possui transtorno de personalidade antissocial, mas nem
todo indivíduo com transtorno de personalidade
antissocial é psicopata. Esta distinção é necessária em
razão dos reflexos que o seu reconhecimento provoca no
tocante ao tratamento e à reversibilidade do quadro.
Ressalvadas outras questões clínicas e diagnósticas,
entende-se que o indivíduo que não apresenta o quadro
de psicopatia é passível de tratamento e recuperação.
Isso porque a origem do seu transtorno e do seu
comportamento antissocial se deu por fatores exógenos,
também conhecidos por questões ambientais. Assim, é
possível que, após acompanhamento psicológico ou o
próprio cumprimento da pena, o indivíduo seja
recuperado.
No tocante aos psicopatas, considerando que a causa
originária do transtorno é, predominantemente,
endógena, pesquisadores têm destacado a dificuldade e
a divergência entre médicos e psicólogos no sentido de
apresentar um método ‘curativo’ ou, ao menos,
amenizador, desse transtorno. A divergência se deve,
principalmente, à possibilidade da recuperação do
agente.
Segundo Antônio Matos Fontana, os pacientes dotados
de personalidade antissocial podem ser considerados
totalmente não tratáveis ou tratáveis sob determinadas
condições. Quanto maiores as influências genéticas,
menor a probabilidade de tratamento:
De modo geral, quanto maior seja a participação dos fatores
genéticos, mais intratável mostra-se o psicopata – nesse caso, há o
que se chama de estado psicopático. Por outro lado, quando o meio
se revela tão ou mais importante que os fatores inatos, tem-se o
chamado desenvolvimento psicopático, em que as chances de
sucesso terapêutico se mostram maiores.
[...]
Além disso, todos são socialmente inadaptados, não conseguindo
assimilar as normas da cultura em que vivem197.

Estudos concluíram que intervenções psicológicas


padrões para infratores, como terapia cognitivo-
comportamental, psicoterapia em grupo e programas de
comunidade terapêutica, são completamente ineficazes
com psicopatas.
Os psicopatas costumam mentir, roubar, agredir ou abordar
sexualmente os demais pacientes. Introduzem álcool e drogas na
unidade, corrompem os funcionários, induzindo-os a ter conduta
desonesta ou antiética; altamente críticos, destroçam as alianças
terapêuticas que os outros pacientes estabelecem com a equipe
terapêutica198.

Têm-se como pressupostos necessários para a eficácia


de uma terapia a existência de um paciente que precisa
de ajuda, que reconhece necessária esta ajuda e que
esteja disposto às mudanças. O paciente tem atuação
ativa, indispensável e insubstituível neste cenário.
Ocorre que os psicopatas são incapazes de reconhecer
que necessitam de ajuda e não conseguem enxergar
qualquer problema em suas condutas e na sua forma de
ser. A visão do mundo e de si os impede de reconhecer
suas debilidades morais e, por conseguinte, de submeter-
se às terapias. Do ponto de vista do psicopata, não há
motivos para procurar ajuda.
Por possuírem uma personalidade resistente às
intervenções externas, qualquer mudança
comportamental e emocional não se verificará. Não há
razão para mudanças quando não há motivos para tal.
Esse é o pensamento de um psicopata.
Um dos grandes problemas de submeter um psicopata
a uma terapia individual ou em grupo é o que as
abordagens e técnicas terapêuticas acerca do
comportamento e emoções de um indivíduo pode fazer
com uma pessoa determinada a não mudar. É provável
que estas técnicas alimentem o ‘acervo’ de condutas de
manipulação para serem utilizadas no mundo. De
processo extremamente benéfico a qualquer ser
humano, a terapia passa a ser uma arma nas mãos de
um psicopata.
A maioria dos programas de terapia faz pouco mais do que fornecer
ao psicopata novas desculpas e racionalizações para seu
comportamento e novos modos de compreensão da vulnerabilidade
humana. Eles aprendem novos e melhores modos de manipular as
outras pessoas, mas fazem pouco esforço para mudar suas próprias
visões e atitudes ou para entender que os outros têm necessidades,
sentimentos e direitos. Em especial, tentativas de ensinar aos
psicopatas como “de fato sentir” remorso ou empatia estão fadadas
ao fracasso199.

Outrossim, não podemos negar que os poderes de


dissimulação, eloquência e manipulação também
desvirtuarão os propósitos do tratamento – o que poderá
levar a conclusões terapêuticas errôneas por um
psicólogo desavisado. Desta forma, é provável ainda que
o psicólogo seja convencido pelo psicopata de que está
reabilitado, regenerado e pronto para ser uma ‘nova
pessoa’.
Estudos dão conta de que estes indivíduos são mais
propensos a recusar auxílio psiquiátrico e negar seus
problemas do que as pessoas com transtornos de
ansiedade, depressivos ou obsessivo-compulsivos.
Apontam, ainda, que os indivíduos com transtorno de
personalidade têm capacidade de adaptar-se e alterar o
ambiente externo, além de não sentirem qualquer
ansiedade acerca de seu comportamento mal-adaptativo.
Em razão dessas características (como a
impossibilidade de reconhecer a própria ‘anormalidade’,
seus sintomas e os prejuízos causados), são apontados,
por grande parte da doutrina, como irrecuperáveis.
David Zimerman ressalta que na prática psicanalítica os
psicopatas são pacientes que dificilmente entram
espontaneamente em análise. Quando o fazem, mostram
forte propensão para atuações e para o abandono do
tratamento, se este é levado a sério pelo analista200.
Quer sejam prisioneiros, pacientes internados ou ambulatoriais, a
motivação para esses indivíduos procurarem tratamento
normalmente resulta de uma fonte (ou força) externa, que pressiona
o indivíduo para que ele “mude”. Membros da família, outros
significativos, empregadores, professores ou, mais frequentemente,
o sistema judiciário criminal podem insistir para que a pessoa com
TPAS busque tratamento, devido a comportamentos inaceitáveis ou
relacionamentos interpessoais tensos. Com freqüência, as
recomendações terapêuticas são realmente um ultimato: é fazer o
tratamento ou perder o emprego ou ser expulso da escola. Os
tribunais podem oferecer uma escolha a réus condenados – fazer
terapia ou ir para a prisão. A escolha, em geral, é fazer terapia. Em
muitos casos, a liberdade condicional depende da frequência à
terapia201.

Ao serem imobilizados (hospitalizados), os pacientes


frequentemente tornam-se suscetíveis ao tratamento
pela psicoterapia. Quando sentem que estão entre seus
pares, a falta de motivação para mudar desaparece.
Talvez, por isso, os grupos de auxílio mútuo sejam mais
úteis do que as penitenciárias, no alívio do transtorno202.
Já em 1964, Hervey Cleckley revelou-se desencorajado
a tentar técnicas de tratamento e reabilitação dos
psicopatas. Cleckley destacou que chegou a lidar com
pacientes tratados por vários tipos de terapias e, mesmo
durante anos de tratamento, nenhuma destas técnicas
foi capaz de apresentar resultados diferenciados. Os
psicopatas mantinham o mesmo comportamento.
Permaneci desencorajado durante muitos anos sobre a eficácia do
tratamento do psicopata. Tendo falhado regularmente em meus
próprios esforços de ajudar tais pacientes a alterar seu padrão
fundamental de atividade e inadequação social, julguei por um
momento, que outros tratamentos poderiam ser bem-sucedidos. Tive
oportunidade de lidar com pacientes tratados por psicanálise, por
psicoterapias psicanaliticamente orientadas, por terapias de grupo e
ambientais, e por outras variações do método dinâmico. Vi pacientes
que foram tratados durante anos e anos. Sei também de casos em
que não apenas o paciente, mas também vários membros de sua
família foram prolongadamente tratados por psicoterapia. Nenhuma
destas medidas me convenceu quanto à eficácia de seus resultados.
Os psicopatas continuavam a se comportar do mesmo modo que
antes da terapia203.

Não há, até o momento, um instrumento hábil ou uma


técnica de psicologia com implicação positiva no
tratamento do psicopata. Não se pode curar aquele que
nada padece. Bem como não se pode tratar aquele que
não reconhece necessitar de tratamento.
1.9 Considerações
Considerada doença da mente, de acordo com seu
sentido etimológico, ‘psicopatia’ nem sempre foi a
nomenclatura adotada para classificar os indivíduos que
apresentam conduta antissocial.
Inúmeras nomenclaturas foram criadas até que a
expressão ‘psicopatia’ fosse adotada. A expressão
ganhou popularidade e até hoje é empregada e
reconhecida por leigos e pesquisadores de alto renome.
Cabe destacar que a Organização Mundial da Saúde
não adota esta expressão, preferindo nomear esses
indivíduos como pessoas com transtorno de
personalidade antissocial.
Entendemos que essa nomenclatura seria a mais
adequada para diagnosticar esses agentes não fosse o
fato de a Organização Mundial da Saúde, por meio do
CID-10, apresentar os traços descritivos desses
indivíduos. Compartilhamos do entendimento de Robert
D. Hare ao afirmar que esta classificação não abarca
exclusivamente os psicopatas, mas também os
‘criminosos normais’ não psicopatas. Por esse motivo,
alguns estudiosos resistem a empregar a nomenclatura
em questão.
Outro fator preponderante diz respeito à incongruência
do sentido etimológico da expressão com o verdadeiro
diagnóstico da psicopatia. Inúmeras pesquisas têm
comprovado que a psicopatia não é uma doença da
mente, mas um transtorno voltado para a personalidade
do indivíduo.
Por fim, devemos considerar ainda o posicionamento
daqueles que entendem que a psicopatia e o transtorno
de personalidade antissocial dizem respeito a indivíduos
antissociais, mas que se distanciam quanto à causa
originária. Segundo eles, a prática de atos antissociais
dos psicopatas se dá, predominantemente, por influência
de fatores biológicos, enquanto os demais são
socialmente aversivos por influência de fatores
ambientais.
Como vimos, inúmeros estudiosos apresentaram, e
assim o fazem até hoje, o perfil dos indivíduos com
psicopatia. Muitos ainda preferem adotar as
classificações e, por conseguinte, o perfil dos psicopatas
delineados por Kurt Schneider. À parte a fundamental
importância do autor para a psiquiatria, entendemos que
sua classificação abarca situações não compreendidas
pela psicopatia.
Considerando esta circunstância e o fato de que Robert
D. Hare estabeleceu o perfil dos psicopatas baseado em
pesquisas realizadas no sistema penitenciário com
indivíduos psicopatas e não psicopatas, preferimos
adotar as suas lições.
Na lição de Robert D. Hare, o perfil do psicopata pode
ser verificado nas suas relações interpessoal/emocional e
no seu estilo de vida.
No tocante às suas relações interpessoal/emocional, o
psicopata apresenta eloquência e encanto superficial,
personalidade egocêntrica e presunçosa, ausência de
remorso ou culpa, ausência de empatia, talento para
mentiras e manipulações e emoções superficiais. No que
diz respeito ao seu estilo de vida, o perfil do psicopata
destaca-se pela sua impulsividade, autocontrole
deficiente, necessidade de excitação continuada, falta de
responsabilidade, comportamento antissocial na fase
adulta e a verificação de problemas de conduta na
infância.
Incapazes de sentir qualquer emoção, os psicopatas são
indivíduos que usam das suas habilidades de sedução e
de contar estórias falsas para manipular suas vítimas.
São capazes de se envolver com outras pessoas sem
realmente vivenciar os verdadeiros sentimentos.
O que os diferencia do não psicopata é que os traços
antissociais são verificados desde a mais tenra idade.
Desde muito cedo, despertam a atenção dos demais pela
prática de atos cruéis contra animais e outras crianças.
São capazes de matar pequenos animais e não sentirem
qualquer sentimento de culpa ou remorso.
Pontuamos no presente trabalho esta característica
como uma das principais para o reconhecimento e
diagnóstico da psicopatia, como também de fundamental
importância para diferenciá-lo dos indivíduos com
comportamento antissocial, mas que não são
considerados psicopatas. A psicopatia não tem cura e
não há possibilidade de reversão do seu quadro; o não
psicopata cujo comportamento antissocial se manifestou
em momento posterior ao seu nascimento e
desvinculado dele, é tecnicamente recuperável e o seu
comportamento pode ser revertido – ressalvados os
casos de doença, lesão ou disfunção cerebral.
Os psicopatas geralmente se afastam das tarefas que
lhe exigem alto grau de responsabilidade. Porém, quando
o alto grau de responsabilidade é meio para alcançar seu
intento, é capaz de subordinar-se a quaisquer ordens.
Segundo Robert D. Hare, os psicopatas são impulsivos e
têm poder de autocontrole deficiente. Essas
características, no entanto, devem ser consideradas com
ressalvas, para evitar conclusões errôneas.
Embora os psicopatas possam ser, em sua essência,
impulsivos e terem baixo poder de autocontrole, a
impulsividade não lhes retira a consciência dos seus atos
e do conhecimento claro das questões que norteiam a
situação concreta. A ação do psicopata é livre de
qualquer causa que afaste o seu comportamento da
realidade dos fatos e do conhecimento das suas
consequências. O psicopata mantém controle da situação
fática, inclusive do próprio comportamento.
Outrossim, não podemos defender que os psicopatas
são pessoas desequilibradas, irracionais e capazes de, a
todo tempo, praticar delitos. Estes agentes são
meticulosos, premeditam seus atos e têm plena
consciência do que pretendem praticar e das suas
consequências. Sabem exatamente até que ponto podem
ir e o momento em que devem parar.
Admitimos, porém, o comprometimento da
impulsividade do psicopata quando acometido de
qualquer doença mental (comorbidade) ou em situações
que provoquem a alteração da realidade dos fatos.
Os psicopatas não são, necessariamente, criminosos ou
serial killers. É preciso considerar que existem muitos
indivíduos que se prestam à vida criminosa influenciados
pelo ambiente social e psicopatas que apenas agem
imoralmente sem, contudo, violar qualquer norma
jurídica.
Considerando a dificuldade de diagnóstico, Robert D.
Hare criou um questionário baseado nas características
mencionadas para diferenciar os indivíduos psicopatas
dos não psicopatas: o Psychopathy Checlist Revised –
PCL-R.
No tocante à natureza do transtorno, verificamos não
haver alinhamento científico a respeito, mas
consideramos a possibilidade de a psicopatia estar
relacionada a qualquer alteração no sistema nervoso
central. Pesquisas dão conta de que, quando submetidos
a exames ligados a neurotransmissores, os psicopatas
demonstram a mais absoluta falta de sentimento (ou sua
deficiência) diante de situações às quais um homem
médio demonstraria emoção ou sentimento.
No que diz respeito à possibilidade de tratamento, cura
e reversibilidade do quadro, psiquiatras e psicólogos têm
se apresentado descrentes da sua ocorrência. Isso
porque a psicopatia não provoca qualquer mal-estar
(físico ou emocional) no indivíduo, nem qualquer sintoma
como ocorre com as pessoas com depressão,
esquizofrenia ou ansiedade, por exemplo.
Destacamos ainda que a impossibilidade da
reversibilidade do quadro também se dá pelo fato de o
psicopata não reconhecer qualquer problema no seu
comportamento, o que o faz negar ou não contribuir com
tratamento terapêutico.
A psicopatia precisa ser conhecida pela classe jurídica a
fim de evitar situações que não sejam as mais
adequadas ao próprio sistema. Dados indicam que o
transtorno tem maior incidência entre a população
masculina204 e que pode estar presente em 3% dos
homens e apenas 1% dentre as mulheres205.

1 Frase declarada por H. H. Holmes, também conhecido como Herman W.


Mudgett (ROLAND, Paul. Por dentro das mentes assassinas: a história
dos perfis criminosos. Tradução de Antônio Fiel Cabral. São Paulo: Madras,
2010, p. 20).
2 Compartilham desse entendimento Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e
Mônica Rodrigues Cuneo, ao estabelecerem criteriosamente a distinção
entre as duas expressões: “Psicopatas, além de apresentarem as
características proeminentes do Transtorno de Personalidade Antissocial
(TPAS), possuem significativo comprometimento afetivo e das relações
interpessoais. 1. Psicopatas tendem a serem mais insensíveis e, portanto,
mais violentos. Agem com mais crueldade e são mais devastadores. São
mais predadores e destrutivos das relações e vêem as suas vítimas como
presas. Possuem um prognóstico ainda mais sombrio e pessimista do que
indivíduos com Transtorno de Personalidade Anti-social. 2. Psicopatas não
conseguem fazer vínculos afetivos verdadeiros e tendem a manipular os
outros para obter vantagem para si” (TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY,
Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues. Psicopatia – a máscara da justiça.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pp. 101-102). Hilda Clotilde
Penteado Morana destaca que Robert D. Hare não coaduna com o
entendimento de que tais expressões são sinônimas. “Acrescenta que, no
ano de 1980, com a publicação do DSM-III, ‘psicopatia’ tornou-se sinônimo
de transtorno anti-social de personalidade. [...] Seu argumento baseou-se
na consideração de que é mais fácil identificar condutas peculiares que se
relacionam a um distúrbio de personalidade do que encontrar a dinâmica
subjacente. Em outras palavras, caracterizar um aspecto explícito da
conduta de um sujeito implica maior confiabilidade do que entender a
disposição psíquica específica. O resultado foi, segundo o autor, um
diagnóstico com elevada confiabilidade e duvidosa validade”. De acordo
com a autora, as classificações ora defendidas (Transtorno Global e
Transtorno Parcial de Personalidade) podem ser consideradas como uma
expressão defendida por Robert D. Hare, ao estabelecer as figuras do
psicopata e do não psicopata (MORANA, Hilda Clotilde Penteado.
Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R (Psychopathy
Checklist Revised) em população forense brasileira: caracterização
de dois subtipos de personalidade; transtorno global e parcial. São Paulo.
178p. Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina, Universidade de São
Paulo (USP), 2003, p. 34). Em 1973, Robert D. Hare já mencionava que o
termo seria de difícil uso e que, na prática, seria algumas vezes
substituído por ‘sociopatia’ ou ‘personalidade sociopática’. No entanto,
destacou que o antigo e mais popular termo ‘psicopatia’ ainda tem
popularidade e é geralmente usado para indicar a categoria do
diagnóstico (HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de
Cláudia Moraes Rêgo. Rio de Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora
S.A, 1973, p. 04.).
3 (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 34).
4 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Identificação do ponto de corte
para a escala PCL-R (Psychopathy Checklist Revised) em
população forense brasileira: caracterização de dois subtipos de
personalidade; transtorno global e parcial. São Paulo. 178p. Tese
(Doutorado). Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP),
2003, p. 04.
5 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São Paulo:
Loyola, 1982, p. 166.
6 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível
prevenir? De jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte. n. 12, pp. 140-147, jan.-jun. 2009.
Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso
em: 17 mar. 2010, p. 142.
7 Conforme se abstrai do julgamento de Agravo em Execução Penal (TJ-MS -
EP: 16029694320228120000 Dourados, Relator: Des. Jairo Roberto de
Quadros, Data de Julgamento: 15/07/2022, 3ª Câmara Criminal, Data de
Publicação: 19/07/2022), foi negado o benefício da progressão de regime
ao condenado que não teve preenchido o requisito subjetivo, conforme
dispõe o art. 112 da Lei das Execuções Penais. Segundo o exame
criminológico realizado, o expert atestou que o recorrente “demonstrou
um perfil dissocial, indiferente, insensível, sem remorso ou culpa ou
empatia, manipulador e vigarista, sendo que tais características foram
confirmadas pelos testes psicológicos, cujos resultados denotam
imaturidade no trato com as emoções e manejos defensivos,
instabilidade, possibilidade de ruptura do equilíbrio interno, dificuldade de
elaborar conflitos intrapsíquicos, ausência de repressões indispensáveis
do homem socialmente adaptado e que seu perfil pode ser classificado
como psicopático, motivo pelo qual concluí que ele é acometido pelo
transtorno de personalidade antissocial global (CID10 F60.2)". Por
fim, o expert concluiu (fl. 54) que o sentenciado "é acometido pelo
transtorno de personalidade antissocial global, também
conhecido como psicopatia, motivo pelo qual precisa ser submetido a
tratamento psicoterápico, a fim de que lhe seja propiciada a remissão dos
sintomas dessa psicopatologia" (grifo nosso).
8 BABIAK, Paul e HARE, Robert D.. Psicopatas no trabalho: como se
identificar e se proteger. Trad. Márcia Men.São Paulo: Universo dos Livros,
2022. p.35.
9 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 33-34. De
acordo com J. C. Dias Cordeiro, o vocabulário americano substituiu a
expressão ‘psicopatia’ por ‘sociopatia’ e, quando empregada pela
legislação e literatura, a expressão está ligada a delinquência e perversão
sexual. CORDEIRO, J. C. Dias. Psiquiatria forense. A pessoa como sujeito
ético em medicina e em direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2003, p. 64).
10 De acordo com o sentido etimológico da expressão, psicopatia vem a ser
doença da mente [do grego psyche (mente) e, pathos (doença)].
11 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal.
De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 515.
12 PESSOTI, Isaias. Os nomes da loucura. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 182.
13 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Disponível em:
https://www.who.int/about. Acesso em: 27 de julho de 2023.
14 Campus Virtual de Saúde Pública. Manual de capacitação da Classificação
Internacional de Doenças e problemas relacionados com a saúde, 11º.
Revisão (CID-11) – 2022. Disponível no site:
https://www.campusvirtualsp.org/pt-br/curso/cid-11-manual-de-
capacitacao-da-classificacao-internacional-de-doencas-e-problemas.
Acesso em 27 de julho de 2023.
15 A Conferência Internacional para a Décima Revisão da Classificação
Internacional de Doenças foi convocada pela Organização Mundial da
Saúde e realizada em sua sede, em Genebra, de 26 de setembro a 2 de
outubro de 1989. Participaram da Conferência delegados de 43 Países
Membros, dentre os quais se encontram o Brasil, representantes das
Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho, dos Escritórios
Regionais da OMS, bem como representantes do Conselho das
Organizações Internacionais de Ciências Médicas e de doze outras
organizações não governamentais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE.
Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Tradução de Centro
Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed.
São Paulo: Edusp, 2003, pp. 9-10).
16 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Ministério da Saúde coordena tradução do novo
Código Internacional de Doenças para a língua portuguesa. Disponível no
site: https://www.gov.br/saude/pt-
br/assuntos/noticias/2022/julho/ministerio-da-saude-coordena-traducao-
do-novo-codigo-internacional-de-doencas-para-a-lingua-portuguesa.
Acesso em: 25 de jul. de 2023.
17 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003, p.
33.
18 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003, p.
196.
19 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003, p.
197.
20 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003, p.
198.
21 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003,
pp. 199-200.
22 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10). Tradução de Centro Colaborador da OMS para a
Classificação de Doenças em Português. 9. ed. São Paulo: Edusp, 2003,
pp. 199-200.
23 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Versão final da nova
Classificação Internacional de Doenças da OMS (CID-11) é publicada. Texto
publicado em 11 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://www.paho.org/pt/noticias/11-2-2022-versao-final-da-nova-
classificacao-internacional-doencas-da-oms-cid-11-e. Acesso em: 27 jul.
de 2023.
24 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Statistical
Classification of Diseases and Related Health Problems (ICD).
Disponível no site: https://www.who.int/classifications/classification-of-
diseases. Acesso em: 27 jul de 2023.
25 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Versão final da nova
Classificação Internacional de Doenças da OMS (CID-11) é publicada. Texto
publicado em 11 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://www.paho.org/pt/noticias/11-2-2022-versao-final-da-nova-
classificacao-internacional-doencas-da-oms-cid-11-e. Acesso em: 27 jul.
de 2023.
26 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Classification of
Diseases for Mortality and Morbidity Statistics - Eleventh Revision
(ICD-11). Geneva: World Health Organization, 2022. p. 385.
27 “Personality disorder is characterised by problems in functioning of
aspects of the self (e.g., identity, self-worth, accuracy of self-view, self-
direction), and/or interpersonal dysfunction (e.g., ability to develop and
maintain close and mutually satisfying relationships, ability to understand
others’ perspectives and to manage conflict in relationships) that have
persisted over an extended period of time (e.g., 2 years or more). The
disturbance is manifest in patterns of cognition, emotional experience,
emotional expression, and behaviour that are maladaptive (e.g., inflexible
or poorly regulated) and is manifest across a range of personal and social
situations (i.e., is not limited to specific relationships or social roles). The
patterns of behaviour characterizing the disturbance are not
developmentally appropriate and cannot be explained primarily by social
or cultural factors, including socio-political conflict. The disturbance is
associated with substantial distress or significant impairment in personal,
family, social, educational, occupational or other important areas of
functioning.” WORLD HEALTH ORGANIZATION. International
Classification of Diseases for Mortality and Morbidity Statistics -
Eleventh Revision (ICD-11). Geneva: World Health Organization, 2022. p.
560.
28 WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Classification of
Diseases for Mortality and Morbidity Statistics - Eleventh Revision
(ICD-11). Geneva: World Health Organization, 2022. p. 560-561.
29 Tradução livre de “personality difficulty – QE50.7. WORLD HEALTH
ORGANIZATION. International Classification of Diseases for
Mortality and Morbidity Statistics - Eleventh Revision (ICD-11).
Geneva: World Health Organization, 2022. p. 1750.
30 WORLD CONGRESS OF PSYCHIATRY. 23º WPA World Congress of
Psychiatry: Scientific Program. Disponível: https://wcp-
congress.com/program-at-a-glance/. Acesso: 27 de jul. de 2023.
31 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Trad.: Daniel Vieira, Marcos Viola
Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V-TR. 5 ed., texto revisado.
Porto Alegre: Artmed, 2023.
32 Os autores ainda ressaltam: “a maior parte dos transtornos que recebeu
o novo nome de transtorno de personalidade não era nova; na verdade,
alguns (personalidade esquizoide, personalidade paranoide) haviam sido
incluídos em edições anteriores do DSM” (FOWLER, Katherine A.;
O’DONHOHUE, William; LILIENFELD, Scott O. (org.). Transtornos de
personalidade: em direção ao DSM-V. Tradução de Fábio Moraes
Corregiari. São Paulo: Roca, 2010, p. 1).
33 Disponível em: http://www.dsm5.org/about/Pages/faq.aspx. Acesso em:
20 ago. 2013.
34 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/
[American Psychiatric Association...[et. al.]; revisão técnica: Aristides
Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p.p. 646-647.
35 Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/
[American Psychiatric Association...[et. al.]; revisão técnica: Aristides
Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 647.
36 “Indivíduos com esses transtornos frequentemente parecem esquisitos
ou excêntricos”. (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais:
DSM-5/ [American Psychiatric Association...[et. al.]; revisão técnica:
Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p.
646).
37 “Transtorno da personalidade paranoide é um padrão de
desconfiança e de suspeita tamanhas que as motivações dos outros são
interpretadas como malévolas. (Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.];
revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014, p. 645.
38 “Transtorno da personalidade esquizoide é um padrão de
distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão
emocional.” (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais:
DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica:
Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p.
645).
39 “Transtorno da personalidade esquizotípica é um padrão de
desconforto agudo nas relações íntimas, distorções cognitivas ou
perceptivas e excentricidades do comportamento. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric
Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5
ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
40 “Indivíduos com esses transtornos costumam parecer dramáticos,
emotivos ou erráticos”. (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão
técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed,
2014, p. 646).
41 “Transtorno da personalidade antissocial é um padrão de
desrespeito e violação dos direitos dos outros. (Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric
Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5
ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
42 “Transtorno da personalidade borderline é um padrão de
instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos,
com impulsividade acentuada” (Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.];
revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014, p. 645).
43 “Transtorno da personalidade histriônica é um padrão de
emocionalidade e busca de atenção em excesso.” (Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric
Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
44 “Transtorno da personalidade narcisista é um padrão de
grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia.” (Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5/ [American
Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato
Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 645).
45 “Indivíduos com esses transtornos com frequência parecem ansiosos ou
medrosos” (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-
5/ [American Psychiatric Association... et al.]; revisão técnica: Aristides
Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 646).
46 ROBERTS, Laura Weiss; LOUIE, Alan K. Guia de estudo para o DSM-5.
Tradução de Régis Pizzato. Revisão técnica: Neury José Botega. Porto
Alegre: Artmed, 2017, p. 416.
47 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês
Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, pp. 647-648.
48 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês
Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 659.
49 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês
Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 659.
50 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (DSM-5-TR). Disponível:
https://www.psychiatry.org/psychiatrists/practice/dsm. Acesso: 28 de jul.
de 2023.
51 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel
Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão
Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José
Diogo Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.
pp. 751-752.
52 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel
Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão
Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José
Diogo Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.
p. 752.
53 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel
Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão
Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José
Diogo Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.
pp. 752.
54 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V-TR. Tradução de Daniel
Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa. Revisão
Técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório e José
Diogo Ribeiro de Souza. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2023.
p. 753.
55 De acordo com a classificação francesa, psicopatia é reconhecida como
desequilíbrio mental. INSERM (Statistiques Médicales dês Établissements
Psychiatriques: Année 1976): 11.0. Estados de desequilíbrio mental:
Classificar aqui os sujeitos que se caracterizam essencialmente por sua
instabilidade, sua impulsividade, sua inadaptabilidade e, eventualmente,
por condutas delinquentes. (Debray, 1982) (SHINE, Sidney Kiyoshi.
Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2010, pp. 19-20).
56 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 113.
57 VANDENBOS, Gary R. (org.) Dicionário de psicologia da APA. Tradução
de Daniel Bueno, Maria Adriana Veríssimo Veronese e Maria Cristina
Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 764.
58 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São Paulo:
Loyola, 2010, p. 167.
59 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 29.
60 CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976,
p. 90.
61 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal.
De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 516.
62 Apesar de não se tratar de obra científica, a referência ao conceito
empregado pelo Dicionário Aurélio é importante para esclarecer antigos
conceitos e relatar perspectivas históricas acerca da terminologia.
63 A construção de tal entendimento é realizada por Sidney Kiyoshi Shine
(SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2010, pp. 14-15).
64 “É nesta acepção, por exemplo, que um grupo de psiquiatras lança a
obra “Arquivos da Assistência Geral a Psicopatas do Estado de São Paulo”
em 1936, seguindo os passos do Dr. Franco da Rocha no estudo das
afecções mentais. Esta é uma coletânea de artigos que abordam várias
afecções mentais por meio de contribuições vindas dos membros deste
grupo paulista. Os quadros clínicos abordados vão de esquizofrenia a
paralisia cerebral” (SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica
psicanalítica. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, pp. 13-14)
65 VANDEBOS, Gary R. (org.) Dicionário de psicologia da APA. Tradução
de Daniel Bueno, Maria Adriana Veríssimo Veronese e Maria Cristina
Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 764.
66 SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2010, p. 15.
67 SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2010, p. 15.
68 AGATHON, Melinée et al. (colaboradores). Dicionário enciclopédico da
psicologia. Tradução de Hélder Viçoso. Lisboa: Edições Texto e Grafia,
2008, p. 564.
69 RYCROFT, Charles. Dicionário crítico de psicanálise. Tradução de José
Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1975, pp. 193-194.
70 Na lição de Antônio José EÇA, um dos primeiros apontamentos
registrados acerca do comportamento de personalidades psicopáticas foi
a de Girolano Cardamo, “professor de Medicina italiano que viveu por
volta dos anos 1500. É neste relato que Cardamo fala pela primeira vez
em ‘improbidade’, quadro que, segundo ele, não chegava a alcançar a
total insanidade apenas porque as pessoas que disso padeciam ainda
conseguiam manter a aptidão para dirigir sua vontade” (EÇA, Antônio
José. Roteiro de psiquiatria forense. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 279).
71 Segundo Rogério Paes Henriques (HENRIQUES, Rogério Paes. De H.
Cleckley ao DSM-IV-TR: a evolução do conceito de psicopatia rumo à
medicalização da delinqüência. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São
Paulo, v. 12, n. 2, pp. 285-302, jun. 2009, p. 286), o conceito apresentado
por Philippe Pinel pouco se coaduna com o atual conceito de
personalidade antissocial. O autor confere, porém, a Cesare Lombroso e
Morel a responsabilidade pela descrição clínica compatível com a
psiquiatria moderna.
72 De acordo com Valter Fernandes e Newton Fernandes, “Lombroso,
através de exames procedidos em vivos recolhidos aos cárceres e em
mortos, aos quais necropsiava, como, por exemplo, Vilela, de cuja
autópsia nasceu, no dizer de Drapkin, a ‘eureca’ de Lombroso, pois nesse
delinqüente ele encontrou a terceira fosseta occipital ou média, retirando
desse fato o elemento que procurava para dar origem à sua teoria do
‘atavismo’, porque também é encontrada em alguns crânios de homens
primitivos e símios. Por aí deu início à construção de sua doutrina
antropológica-criminal. Os pontos fundamentais dessa doutrina,
resumindo e sistematizando o que até aqui foi exposto, poderiam ser
alinhados da forma que adiante segue” (FERNANDES, Valter; FERNANDES,
Newton. Criminologia integrada. 3. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 86).
Segundo os autores, Lombroso jamais afirmou que todo criminoso seria
nato, mas que o verdadeiro criminoso é nato (FERNANDES, Valter;
FERNANDES, Newton. Criminologia integrada. 3. ed. São Paulo: RT,
2010, p. 85). Nestor Sampaio Penteado Filho ressalta que “suas pesquisas
foram feitas na maioria em manicômios e prisões, concluindo que o
criminoso é um ser atávico, um ser que regride ao primitivismo, um
verdadeiro selvagem (ser bestial), que nasce criminoso, cuja degeneração
é causada pela epilepsia, que ataca seus centros nervosos. Embora
Lombroso não tenha afastado os fatores exógenos da gênese criminal,
entendia que eram apenas aspectos motivadores dos fatores endógenos.
Assim, o clima, a vida social etc. apenas desencadeariam a propulsão
interna para o delito, pois o criminoso nasce criminoso (determinismo
biológico)” (PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de
criminologia. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 32-33).
73 Valter Fernandes e Newton Fernandes declinam que Enrico Ferri teria sido
o criador da expressão “criminoso nato”, como o próprio autor assim
afirma em sua obra “Os delinqüentes a que eu dava, em 1881, o nome de
criminosos natos” (FERNANDES, Valter; FERNANDES, Newton.
Criminologia integrada. 3. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 93).
74 MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Manual de direito penal.
Responsabilidade penal. Das causas de isenção de pena. Da embriaguez.
v. 3. Belo Horizonte: Manuais da Faculdade de Direito da Universidade de
Minas Gerais, 1956, p. 21.
75 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 108.
76 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 108.
77 Segundo A. Fernandes da Fonseca, a escola alemã foi a pioneira em
apresentar um conceito preciso de psicopatia. Para o autor, foi o alemão
Koch quem definiu a psicopatia como uma das formas de anormalidade
psíquica congênita ou adquirida, que não constitui uma verdadeira doença
mental (FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed.
Lisboa: Serviço de Educação – Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp.
467-468.)
78 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 187.
79 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 143.
80 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues.
Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 32.
81 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa:
Serviço de Educação – Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 468.
82 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa:
Serviço de Educação – Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 469.
83 Em sua obra, Schneider identificou dez subtipos distintos de psicopatas:
Hipertímico (trata-se do psicopata eufórico, alegre, sem preocupações,
com rápida mobilidade, com fáceis decisões, autoconfiança absoluta em
sua capacidade de realização); Depressivo (os depressivos apresentam
humor triste e preocupado, insegurança quanto à capacidade de ação e
pouca atividade intelectual e física); Personalidade Psicopática Explosiva
(caracterizam-se pela extrema manifestação de irritabilidade do humor e
da vida afetiva. São caracterizados ainda, pelo desagrado fácil e pela
impulsividade irritável); Personalidade Psicopática Disfórica (também
conhecida como lábil de humor, psicopata instável ou lábil do estado de
ânimo, tal caracterização é marcada por indivíduos que apresentam
constantes variações no estado de humor); Personalidade Psicopática
Abúlica (são indivíduos que apresentam o enfraquecimento da volição,
grande ausência de volição e de impulsos, de tenacidade, de vontade e
falta de iniciativa); Personalidade Psicopática Inafetiva (tais indivíduos são
assim classificados porque são absolutamente incapazes de apresentar
qualquer sentimento alheio); Personalidade Psicopática Ostentativa
(revela-se extremamente necessitado de valorização social e estima. Por
isso, luta incessantemente pela conquista do seu reconhecimento.
Preocupa-se somente em mostrar ser melhor do que realmente é);
Personalidade Psicopática Fanática (caracteriza-se pelo fato de o indivíduo
apresentar um alto grau de autossuficiência e por manter-se
permanentemente em atitude ativa); Personalidade Psicopática insegura
de si mesma (são indivíduos caracterizados pela elevada incapacidade de
apresentarem uma conduta reflexo de autoestima) e, por fim,
Personalidade Psicopática Astênica (caracterizada pelo fácil cansaço físico
e mental e, consequentemente, pela falta de vitalidade. Assim, vivem em
estado de angústia, apresentando sintomas neurastênicos e
hipocondríacos).
84 Na lição de Michael H. Stone, quando Kurt Schneider dispôs sobre as
personalidades psicopáticas, apresentou-as como variantes anormais, não
antissociais. O autor ainda apontou as semelhanças entre as
personalidades psicopáticas descritas por Kurt Schneider e os transtornos
de personalidade atualmente existentes. “Sua caracterologia era
‘ateórica’ – ou seja, não estava ligada a nenhuma pressuposição sobre
etiologia – ao contrário dos ‘temperamentos’ de Kraepelin, que ele via
como formas atenuadas de depressão maníaca. Embora Schneider usasse
um conjunto diferente de termos, há estreitas correspondências entre sua
tipologia e as classificações de transtornos de personalidade em uso
atualmente. Portanto, o tipo ‘inseguro’ de Schneider, com seus dois
subtipos de ‘sensível’ e ‘anancástico’, corresponde subtipos ao nosso
‘dependente’ e ‘obsessivo’; seu ‘fanático’ é como nosso ‘paranóide’; seu
‘carente de atenção’ como nosso ‘histérico’. Pessoas que agora
distinguimos como ‘psicopatas\anti-sociais’ eram ‘sem sentimento’ na
terminologia de Schneider” (STONE, Michael H. A cura da mente: a
história da psiquiatria da antiguidade até o presente. Porto Alegre:
Artmed, 1999, p. 145). Importante destacar que a classificação de Kurt
Schneider, apesar de ainda ser reconhecida e adotada por alguns
doutrinadores, apresenta vários tipos de psicopatas que destoam do
conceito modernamente aceito de psicopatia, inclusive de personalidade
antissocial.
85 CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976,
p. 383.
86 Seguindo a mesma linha de estudo de Hervey Cleckley, Karpman
desenvolveu sua teoria após observações clínicas (GARRIDO, Vicente. O
psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira.
São Paulo: Paulinas, 2005, p. 37).
87 De acordo com Robert D. Hare, “Karpman considerou os psicopatas como
sendo ou do tipo agressivo predatório ou do tipo passivo parasitário. O
primeiro se refere ao indivíduo psicopata que satisfaz suas necessidades
através de uma tendência destruidora extremamente agressiva e fria,
tomando posse ativamente do que quer. O segundo tipo se refere ao
psicopata que consegue o que quer pelo ‘sangramento’ parasitário de
outros, aparecendo freqüentemente como um indivíduo indefeso, com
uma necessidade infinita de ajuda e piedade. [...] Karpman (1961)
descreveu o psicopata como pessoa insensível, emocionalmente imatura,
com apenas duas dimensões e sem nenhuma profundidade real. Suas
reações emocionais são reais e primitivas, ocorrendo apenas em resposta
à frustração e desconforto imediato. No entanto, é capaz de simular
reações emocionais e ligações afetivas quando isso o ajuda a obter o que
deseja dos outros. Ele não experimenta nem os aspectos psicológicos nem
os fisiológicos da ansiedade ou do medo, embora possa reagir com algo
semelhante ao medo quando seu bem-estar é ameaçado. Suas relações
sociais e sexuais são superficiais, porém absorventes e manipulatórias.
Recompensas e punições futuras só existem de uma maneira abstrata,
resultando daí que não têm efeito, sobre seu comportamento imediato.
Seu senso crítico é falho e seu comportamento é freqüentemente guiado
pelos impulsos e necessidades do momento; portanto está sempre em
apuros. Suas tentativas de se inocentar, não raro, produzem uma rede
intrincada e contraditória de mentiras gritantes” (HARE, Robert D.
Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia Moraes Rêgo. Rio de
Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A, 1973, p. 5).
88 Segundo estudos realizados em indivíduos infratores, muitos dos que
preencheram o critério para um diagnóstico de psicopatia, de acordo com
a classificação de Robert Hare, também preencheram o critério para um
diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial. Contudo, a
maioria dos indivíduos que preencheu o critério para um diagnóstico de
transtorno de personalidade antissocial não preencheu os critérios de
psicopatia previstos do PCL-R.
89 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas
que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros,
2003, pp. 55-99.
90 Robert D. Hare esclarece que o PCL é uma ferramenta clínica para o
diagnóstico da psicopatia de uso e manuseio exclusivos de profissionais
qualificados. Outrossim, elucida a possibilidade de indivíduos não
psicopatas apresentarem um ou alguns dos traços mencionados e ressalta
que tal compatibilidade não pressupõe o diagnóstico (HARE, Robert D. Sin
conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean.
Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, pp. 56-57).
91 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas
que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros,
2003, p. 57.
92 Martha Stout equipara o modus operandi do psicopata com o de
mamíferos predadores. Segundo a autora, “o charme do sociopata se
assemelha ao carisma de outros mamíferos predadores. Observamos os
grandes felinos, por exemplo, e ficamos fascinados com seus movimentos,
sua independência e seu poder. Mas o olhar direto de um leopardo, no
lugar errado e na hora errada, é inescapável e paralisante, e o charme
fascinante do predador costuma ser a última coisa que a presa vivencia”
(STOUT, Martha. Meu vizinho é um psicopata. Tradução de Regina Lyra.
Rio de Janeiro: Sextante, 2010, p. 103).
93 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao
lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 46.
94 De acordo com o autor, trata-se de crime de roubo; mas não se sabe ao
certo se o crime praticado foi o de furto.
95 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 37.
96 Ann Rule apud HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de
los psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona:
Spasa Libros, 2003, p. 61.
97 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas
que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros,
2003, pp. 61-62.
98 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los psicópatas
que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona: Spasa Libros,
2003, p. 64.
99 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao
lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 72.
100 VIEIRA, Willian. Revista Super Interessante. Mentes psicopatas. O
cérebro, a vida e os crimes das pessoas que não têm sentimento. Ed. 267-
A. São Paulo: Abril, 2009, p. 64.
101 De acordo com o Dicionário Michaelis, empatia vem a ser: projeção
imaginária ou mental de um estado subjetivo, quer afetivo, quer conato
ou cognitivo, nos elementos de uma obra de arte ou de um objeto natural,
de modo que estes parecem imbuídos dele. Na psicanálise, estado de
espírito no qual uma pessoa se identifica com outra, presumindo sentir o
que esta está sentindo.
102 Pesquisa de opinião publicada pela Oxford Psychologists Press, em
1996, apontou que quase um em cada seis gerentes do Reino Unido
satisfazia os critérios diagnósticos para psicopatia ou, oficialmente,
Transtorno de Personalidade Antissocial (CARTER, Rita. O livro de ouro
da mente. O funcionamento e os mistérios do cérebro humano. Tradução
de Vera de Paula Assis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 176).
103 Martha Stout salienta que os psicopatas, “por serem atores natos,
indivíduos sem consciência, podem se valer dos papéis sociais e
profissionais que constituem excelentes máscaras pré-fabricadas através
das quais os outros relutam em espiar. Os papéis ajudam a organizar
nossa complexa sociedade e são extremamente importantes para nós”
(STOUT, Martha. Meu vizinho é um psicopata. Tradução de Regina Lyra.
Rio de Janeiro: Sextante, 2010, p. 107).
104 VIEIRA, Willian. “Mato por Prazer”. In: Quem são? Os malditos, pp. 44-
65; Revista Super Interessante. Mentes Psicopatas. O cérebro, a vida e
os crimes das pessoas que não têm sentimento. Ed. 267-A. São Paulo:
Abril, 2009, p. 64.
105 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los
psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona:
Spasa Libros, 2003, p. 72.
106 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los
psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona:
Spasa Libros, 2003, p. 75.
107 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 41-42.
108 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los
psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona:
Spasa Libros, 2003, p. 139.
109 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 66.
110 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 42-43.
111 HARE, Robert D. Sin conciencia: el inquietante mundo de los
psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael Santandreu. Barcelona:
Spasa Libros, 2003, pp. 85-86.
112 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 74.
113 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 74.
114 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao
lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 80.
115 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 74.
116 CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976,
p. 208.
117 Revista Super Interessante. Mentes psicopatas. O cérebro, a vida e
os crimes das pessoas que não têm sentimento. Ed. 267-A. São Paulo:
Abril, 2009, p. 32. Artigo escrito por Mariana Sgarioni. “Anjos Malvados”,
pp. 30-35.
118 Revista Super Interessante. Mentes Psicopatas. O cérebro, a vida e
os crimes das pessoas que não têm sentimento. Ed. 267-A. São Paulo:
Abril, 2009, p. 33. Artigo escrito por Mariana Sgarioni. “Anjos Malvados”,
pp. 30-35.
119 Nas palavras de Ana Beatriz Barbosa Silva, a palavra bullying ainda é
pouco conhecida do grande público. De origem inglesa e sem tradução
ainda no Brasil, é utilizada para qualificar comportamentos violentos no
âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Dentre esses
comportamentos, podemos destacar as agressões, os assédios e as ações
desrespeitosas, todos realizados de maneira recorrente e intencional por
parte dos agressores (SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas
nas escolas: bullying. Como identificar e combater o preconceito, a
violência e a covardia entre os alunos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p.
21).
120 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas nas escolas: bullying.
Como identificar e combater o preconceito, a violência e a covardia entre
os alunos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 25.
121 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: DSM-V. Tradução de Maria Inês
Corrêa Nascimento. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 662.
122 DUMAS, Jean E. Psicopatologia da infância e da adolescência.
Tradução de Fátima Murad; revisão técnica de Francisco B. Assumpção Jr.
3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 284.
123 “Esta categoria compreende transtornos de conduta envolvendo
comportamento antissocial ou agressivo (e não meramente
comportamento de oposição, desafiador ou destrutivo), nos quais o
comportamento anormal é inteiramente ou quase inteiramente confinado
ao lar e/ou a interações com membros da família nuclear ou objetos
domésticos” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação
de Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: descrições
clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto
Alegre: Artmed, 1993, p. 261).
124 “Esse tipo de transtorno de conduta é caracterizado pela combinação
de comportamento antissocial ou agressivo persistente (satisfazendo os
critérios globais para F91 e não meramente compreendendo
comportamento desafiador, de oposição e destrutivo) com uma
anormalidade invasiva e significativa nos relacionamentos do indivíduo
com outras crianças” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.).
Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento da CID-
10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival
Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 262).
125 “Esse tipo de transtorno de conduta é caracterizado pela combinação
de comportamento antissocial ou agressivo persistente (satisfazendo os
critérios globais para F91 e não meramente compreendendo
comportamento desafiador, de oposição e destrutivo) ocorrendo em
indivíduos que são geralmente bem integrados em seu grupo de
companheiros.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.).
Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento da CID-
10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival
Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 263).
126 “pela presença de comportamento marcantemente desafiador,
desobediente e provocativo e pela ausência de atos antissociais ou
agressivos mais graves, que violem a lei ou os direitos de outros”
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de
Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: descrições
clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto
Alegre: Artmed, 1993, p. 264).
127 “Essa categoria residual não é recomendada e deve ser usada apenas
para transtornos que satisfazem os critérios gerais para F91, mas que não
foram especificadas no que diz respeito a subtipos ou que não preenchem
os critérios para qualquer dos subtipos especificados” (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de Transtornos mentais e
de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes
diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993,
p. 265).
128 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de
Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: descrições
clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto
Alegre: Artmed, 1993, p. 260.
129 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (coord.). Classificação de
Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: descrições
clínicas e diretrizes diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto
Alegre: Artmed, 1993, p. 471.
130 STONE, Michael H. A cura da mente: a história da psiquiatria da
antiguidade até o presente. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 321. Robert D.
Hare corrobora tal entendimento, mas ressalta que essa diminuição é
mais comum nos casos de psicopatas não violentos do que dentre os
violentos. Outrossim, dispõe que nem todos os psicopatas afastam-se da
prática delitiva depois dos quarenta anos – há quem continue a praticar
delitos até o último dia da sua vida (HARE, Robert D. Sin conciencia: el
inquietante mundo de los psicópatas que nos rodean. Tradução de Rafael
Santandreu. Barcelona: Spasa Libros, 2003, pp. 131-132).
131 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, pp. 156-157.
132 BABIAK, Paul; HARE, Robert D. Snakes in suits: when psychopaths go
to work. Nova York: Harper Collins, 2007.
133 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia
Moraes Rêgo. Rio de Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A,
1973, pp. 1-4.
134 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed.
Barcelona: Ariel, 2008, p. 18.
135 Acreditamos que, por esse motivo, Guido Arturo Palomba criou a
expressão condutopatia (conduta + páthos, moléstia) para tratar de tais
indivíduos, já que tal expressão, em seu sentido etimológico, aponta para
um distúrbio de conduta.
136 AZEVEDO, José Barros. Dicionário de medicina legal. Bauru: Jalovi,
1967, p. 145.
137 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 89.
138 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa:
Serviço de Educação – Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 169.
139 FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia. 2. ed. Lisboa:
Serviço de Educação – Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 166.
140 CAIXETA, Leonardo; CHAVES, Moysés; CAIXETA, Marcelo.
Personalidade patológica. São Paulo: Memnon, 2004, p. 15.
141 CAIXETA, Leonardo; CHAVES, Moysés; CAIXETA, Marcelo.
Personalidade patológica. São Paulo: Memnon, 2004, p. 33.
142 Em primeiro lugar, os esquizofrênicos apresentam alterações de
pensamento, especialmente por acreditarem que estão roubando suas
ideias, que estas são públicas conhecidas por todos, ou, então, que
alguém de fora está-lhe impondo uma série de ideias. O conteúdo do
pensamento apresenta associações estranhas, de um modo que se torna
difícil seguir o seu discurso, assim como suas ideias delirantes. Como o
pensamento, a linguagem do esquizofrênico mostra-se, também,
gravemente alterada, com palavras novas e, em algumas ocasiões,
impossíveis de serem compreendidas. Segundo lugar, a percepção do
esquizofrênico apresenta alucinações que afetam qualquer órgão
sensorial. As mais frequentes são as auditivas, que reforçam suas ideias
de roubo e difusão externa do pensamento. Em terceiro lugar, a
motricidade do esquizofrênico pode ser afetada por movimentos
estereotipados ou movimentos de complexidade desnecessária. E,
finalmente, na esquizofrenia há alterações graves de afetividade,
principalmente um entorpecimento sensitivo que impede que o paciente
reaja até diante de situações de grande impacto emocional (GARRIDO,
Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de
Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 98-99). De acordo com
Maximiliano Roberto Ernesto Führer, a esquizofrenia é a mais comum das
psicoses funcionais. É o desmantelamento lento e progressivo da
personalidade (Bleuler), também chamado de “demência precoce”, por se
instalar já na mocidade. Pode ocorrer na infância, com progressivo
isolamento e grande variação no humor (FÜHRER, Maximiliano Roberto
Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 58).
143 Os sintomas típicos de diversas espécies de psicose incluem delírios,
alucinações, fala incompreensível (“salada de palavras”), mudanças
profundas do estado de ânimo e condutas perturbadas. É provável que as
espécies de psicose mais importantes sejam o transtorno bipolar –
antigamente chamado de “psicose maníaco-depressiva” –, em que se
observa no indivíduo uma alternância de períodos de extrema euforia com
períodos de profunda depressão, e a paranóia, na qual o indivíduo
apresenta um conjunto de crenças falsas, mas absolutamente válidas para
ele, como acreditar que está sendo perseguido, que é um personagem
eminente ou estar convencido(a) de que seu cônjuge é infiel, só para citar
alguns dos sistemas de crenças delirantes mais populares (GARRIDO,
Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução de
Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 96-97). Segundo
Maximiliano Roberto Ernesto Führer, psicose é o termo técnico que se
aproxima da idéia popular da loucura e insanidade mental. Trata-se de
uma designação geral para toda doença mental importante, onde se
verifica modificação substancial da consciência e desestruturação da
personalidade. É importante destacar que não raramente o psicótico tem
o juízo afetado unicamente em relação a determinado assunto ou tema,
mantendo a razão relativamente íntegra no resto (FÜHRER, Maximiliano
Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito penal. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 56).
144 Os pacientes neuróticos sofrem por seus comportamentos inadequados
e, certamente, queixam-se das dificuldades que estes lhes provêm a
quem quiser ouvi-los (CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St.
Louis: Mosby, 1976, p. 259).
145 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues.
Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 59.
146 CROCE, Delton; CROCE JR., Delton. Manual de medicina legal. 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 674.
147 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 89.
148 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed.
Barcelona: Ariel, 2008, p. 8.
149 De acordo com a autora, as classificações ora defendidas (Transtorno
Global e Transtorno Parcial de Personalidade) podem ser consideradas
como uma expressão do defendido por Robert D. Hare ao estabelecer as
figuras do psicopata e do não psicopata (MORANA, Hilda Clotilde
Penteado. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R
(Psychopathy Checklist Revised) em população forense brasileira:
caracterização de dois subtipos de personalidade; transtorno global e
parcial. São Paulo. 178p. Tese (Doutorado). Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo (USP), 2003, p. 31).
150 Hugo Marietan entende que as recentes pesquisas realizadas nos
cérebros de indivíduos reconhecidos como psicopatas não podem ser
entendidas como verdade absoluta, já que tal constatação não pode ser
verificada em todos os psicopatas (Hugo Marietan, contato informal
através de endereço eletrônico).
151 Em contato informal, Hugo Marietan declarou que a psicopatia é uma
forma de ser no mundo, uma classe de ser humano. [...] É distinto, mas
não é um doente mental. A psicopatia é apenas um tipo de personalidade.
152 DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes. Emoção, razão e o cérebro
humano. Tradução de Dora Vicente e Georgina Segurado. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 26.
153 Em 1994, Damásio e colaboradores utilizaram o poder de reconstrução
computadorizada no caso clássico de Gage. Eles começaram tirando um
raio-x do crânio e medindo-o com precisão, prestando atenção particular à
posição dos furos de entrada e saída. A partir dessas medidas, eles
reconstruíram o acidente e determinaram a provável região da lesão
cerebral de Gage. Parece que a lesão no seu cérebro afetou os logos pré-
frontais mediais, que atualmente sabemos estar envolvidos no
planejamento e nas emoções (MONTEIRO, Janeme G. Pinel: o pai da
psiquiatria moderna. São Paulo: Edicon, 1990, p. 451).
154 DAMÁSIO, António R. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência
dos sentimentos. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004, p. 54.
155 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues.
Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 51.
156 F07 Transtornos de personalidade e do comportamento devidos
à doença, à lesão e à disfunção cerebral
F07.0 Transtorno orgânico da personalidade
F07.1 Síndrome pós-encefalítica
F07.2 Síndrome pós-concussional
F07.8 Outros transtornos orgânicos de personalidade e de comportamento
decorrentes de doença, lesão ou disfunção cerebral
157 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São
Paulo: Loyola, 1982, p. 167.
158 MARTINS, Waldemar Valle (coord.) Dicionário de psicologia. São
Paulo: Loyola, 1982, p. 168.
159 PINKER, Steven. Tábula rasa: a negociação contemporânea da
natureza humana. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, p. 72.
160 Rita Carter apresentou duas possibilidades propulsoras para o controle
emocional entrar em colapso. A primeira é provocada “se os sinais
enviados do córtex para o sistema límbico forem fracos demais ou não-
orientados e não superarem a atividade que se origina da amígdala”. A
outra justificativa consiste no fato de a amígdala ser ativada “na ausência
de qualquer estímulo externo que excitaria simultaneamente o córtex”.
Segundo a autora, a primeira justificativa é a mais comum: “É a relativa
fraqueza e a difusão dos sinais corticais que fazem as crianças terem
muito mais explosões emocionais que os adultos. Os bebês não
conseguem controlar suas emoções porque os axônios que transportam
os sinais do córtex ao sistema límbico ainda precisam crescer. E as células
no lobo pré-frontal, onde ocorre o processamento racional da emoção, só
estarão plenamente amadurecidas na idade adulta. A amígdala, em
contraste, é mais ou menos madura ao nascimento e, consequentemente,
capaz de plena atividade. O cérebro jovem é, portanto, essencialmente
desequilibrado – o córtex imaturo não é páreo para a poderosa amígdala”
(CARTER, Rita. O livro de ouro da mente. O funcionamento e os
mistérios do cérebro humano. Tradução de Vera de Paula Assis. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003, p. 177).
161 CARTER, Rita. O livro de ouro da mente. O funcionamento e os
mistérios do cérebro humano. Tradução de Vera de Paula Assis. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003, p. 176.
162 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed.
Barcelona: Ariel, 2008, p. 7.
163 Washington, DC, não é apenas uma capital política, é uma capital
internacional em ciência, também. O National Science Foundation, dos
Institutos Nacionais de Saúde, as Academias Nacionais, do Smithsonian, e
até o Memorial Jefferson atestam o papel central da ciência e dos
cientistas do passado da nação e o seu futuro. Milhares de cientistas,
engenheiros, políticos, educadores e jornalistas de cerca de 50 nações
presenciaram a 177 Reunião Anual da AAAS para explorar uma ampla
gama de descobertas recentes e iminentes desafios globais. O Escritório
de AAAS de programas públicos fornece cobertura de notícias, além de
uma amostragem de notícias da reunião anual de todo o mundo
(Disponível em: www.aaas.org. Acesso em: 01 mar. 2020).
164 O que distingue os psicopatas é que a eles "falta emoção, falta-lhes o
remorso, medo, culpa. Isso é parcialmente explicado por uma diminuição
no volume da amígdala, sede da emoção no [parte límbico do] cérebro.
Segundo pesquisas, Raine encontrou uma redução de 18% no volume da
amígdala em psicopatas adultos. Adrian Raine ainda explicitou:
“Diferenças no cérebro são importantes para explicar por que os homens
cometem mais crimes do que as mulheres". Ele identificou diversos
fatores que estão associados com o maior risco de comportamento
antissocial. Ressaltou o pesquisador que o córtex órbito-frontal do cérebro
regula a emoção. Em média, as mulheres têm um maior volume nesta
parte do cérebro do que os homens, e as pessoas de ambos os sexos, com
um volume proporcionalmente menor nesta área são mais antissociais.
Emoção é pensada para residir no sistema límbico, o mais velho, parte
mais primitiva do cérebro reptiliano. Raine identificou um marcador [septo
pelúcido cavum (CSP)] para o mau desenvolvimento desta região, que
ocorre nos primeiros seis meses de vida. (Disponível em: www.aaas.org).
165 Também conhecidas como amígdalas límbicas, corpo ou núcleo
amigdalóide, situam-se na porção mediana do encéfalo, na região anterior
do córtex temporal interno, polo superior do hipocampo. Parecem ser a
estrutura límbica mais importante na fisiologia das emoções pela sua
extensa ligação com outras partes do sistema límbico, estando
relacionadas também ao comportamento agressivo (ataque, defesa, fuga)
e ao comportamento social. [...] Após receber um estímulo, a amígdala
emite sinais às áreas corticais (registros), ao hipocampo (memória), ao
tálamo e, principalmente, ao hipotálamo, realizando um constante
feedback com todas as áreas límbicas (emoções) (OLIVEIRA, Maria
Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do comportamento. Uma
relação entre o funcionamento cerebral e as manifestações
comportamentais. 2. ed. Canoas: Ulbra, 2000, pp. 104-105; 112). Segundo
Jorge Trindade, Andréa Beheregaray e Mônica Rodrigues Cuneo:
“localizada na profundidade de cada lobo temporal anterior, a amígdala
funciona de modo íntimo com o hipotálamo. Está envolvida na produção
de uma resposta ao medo e a outras emoções negativas, na qualidade de
centro identificador do perigo. Nos seres humanos, a lesão da amígdala
provoca a perda do sentido afetivo da percepção de uma informação
externa, como a visão de uma pessoa conhecida ou querida. Ele sabe o
que está vendo, mas não sabe se gosta ou não da pessoa que vê. A
amígdala compõe a região límbica que exerce um papel transcendente na
agressividade” (TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica
Rodrigues. Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 53).
166 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues.
Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 19.
167 BABIAK, Paul; HARE, Robert D. Psicopatas no trabalho: como
identificar e se proteger. Trad. Márcia Men. São Paulo: Universo dos Livros,
2022. p. 355.
168 RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y psicopatía. 3. ed.
Barcelona: Ariel, 2008, pp. 6-7.
169 SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro esquerdo, cérebro
direito. Tradução de Thomaz Yoshiura. São Paulo: Summus, 1998, p. 315.
170 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia
Moraes Rêgo. Rio de Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A,
1973, p. 25.
171 Contrariando os estudos atualmente desenvolvidos, Vicente Garrido
aponta que a lesão nos córtices pré-frontais ou, ainda, na amígdala,
encontrada em Phineas Gage, não é característica dos psicopatas.
Portanto, rechaça a possibilidade de lesão cerebral ser causadora do
transtorno de personalidade antissocial (GARRIDO, Vicente. O psicopata:
um camaleão na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo:
Paulinas, 2005, p. 62). “Porque, lembremos, o psicopata não tem essa
lesão nos córtices pré-frontais ou na amígdala que acabamos de
descrever. Os pacientes com tais lesões apresentam comportamentos que
nos lembram os do psicopata quando desvinculam-se do que acontece
com os outros e, diríamos, do seu próprio bem-estar como pessoas
maduras. Mas tem de haver algo mais, porque os pacientes com lesão
cerebral são incapazes de se adaptar convenientemente a um trabalho, a
sua família e a seus amigos. E os psicopatas por certo apresentam em um
grau variável esses desajustes. Alguns estudam com interesse; outros
trabalham muitos anos com sucesso.” Segundo o autor, há dois elementos
que podem provocar o surgimento da psicopatia: dano no sistema nervoso
e o ‘aprendizado social’ ao longo da vida. Contudo, aponta a não
satisfatoriedade dos estudos realizados no sistema nervoso central.
Apesar dessa constatação, ressalta que todos os estudos direcionam-se
no sentido de que a chave está nesse déficit de integração entre afeto e
pensamento, associada a uma menor capacidade para sentir e
experimentar as emoções (GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão
na sociedade atual. Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas,
2005, pp. 62-63). Segundo O. V. Kerbibov et al, os fatores que determinam
a aparição das particularidades congênitas que são a base da psicopatia
podem ter duas origens. A existência de lesões do sistema nervoso pode
ter sido resultado da ação de diversos agentes nocivos sobre o embrião
ou sobre o feto durante a sua vida intrauterina, produzidos por
traumatismos do parto ou por enfermidades ocorrentes nos primeiros
meses de vida. Os autores ainda ressaltam que a psicopatia pode decorrer
de fatores hereditários. Apesar da apresentação dessas duas formas
explicativas do surgimento da psicopatia, os autores ressaltam a
dificuldade de apresentar uma classificação completa das psicopatias
(KERBIKOV, O. V. et al. Manual de psiquiatria. Tradução de F. Villa Landa.
Cuba, Revista Del Hospital Psiquiatrico de La Habana, v. 5, 1965).
172 TRINDADE, Jorge; BEHEREGARAY, Andréa; CUNEO, Mônica Rodrigues.
Psicopatia – a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 52.
173 O uso de testes psicológicos – realizados exclusivamente por psicólogos
– pode ser útil para o diagnóstico do transtorno. Conforme a Lei n. 4.119,
de 27/08/62, “parágrafo 1º – Constitui função privativa do Psicólogo a
utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos:
A) diagnóstico psicológico; B) orientação e seleção profissional; C)
orientação psicopedagógica; D) Solução de problemas de ajustamento”.
174 SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia. Clínica psicanalítica. 4. ed. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, p. 142.
175 ADRADOS, Isabel. Teoria e prática do teste de Rorschach. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1973, p. 5.
176 ADRADOS, Isabel. Teoria e prática do teste de Rorschach. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1973, p. 5.
177 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie
de Villemor Amaral. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 15.
178 SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Compêndio de
psiquiatria. Tradução de Claudia Dornelles [et al.]. 9. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2009, p. 210.
179 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie
de Villemor Amaral. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 19.
180 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie
de Villemor Amaral. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 199.
181 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie
de Villemor Amaral. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 201.
182 Disponível em: http://www.valordoconhecimento.com.br/rorscharch-
folha-de-localizacao.html. Acesso em: 16 fev. 2018.
183 Consideram-se diagnósticos cegos “qualquer coisa de imensamente
precioso, primeiro como iniciação, para aprendizado do método, em
segundo lugar, para se convencer os céticos, estranhos ao método, do
valor da prova e, em terceiro, para fins de comparações cientificas”
(RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie de
Villemor Amaral. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 260).
184 RORSCHACH, Hermann. Psicodiagnóstico. Tradução de Marie Sophie
de Villemor Amaral. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, pp. 260-261.
185 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Tradução de Cláudia
Moraes Rêgo. Rio de Janeiro: Livros técnicos e Científicos Editora S.A,
1973, p. 20.
186 Além do PCL-R, Robert D. Hare também contribuiu para Psychopathy
Checklist: Screening Version (PCL:SV), o P -Scan, a Lista de Verificação de
Psicopatia: Versão Juvenil (PCL:YV) e o Dispositivo de Triagem de Processo
Antissocial (APSD).
187 Apesar de os sujeitos identificados como psicopatas no meio carcerário
serem minoria, sua influência maléfica é relativamente muito maior. O seu
reconhecimento é de importância fundamental para questões essenciais,
como a previsão da reincidência criminal, a possibilidade de reabilitação
social e a concessão de benefícios penitenciários.
188 Segundo estudo realizado pelo emprego do PCL-R, restou constatado
que a incidência da psicopatia é menor dentre a população de pacientes
de centros psiquiátricos penitenciários (10-15%) do que na população de
reclusos (15-15%) (RAINE, Adrian; SANMARTÍN, José. Violencia y
psicopatía. 3. ed. Barcelona: Ariel, 2008, p. 31).
189 FOWLER, Katherine A.; O’DONHOHUE, William; LILIENFELD, Scott O.
(org.). Transtornos de personalidade: em direção ao DSM-V. Tradução
de Fábio Moraes Corregiari. São Paulo: Roca, 2010, p. 125.
190 Disponível em: http://www.hare.org/training/. Acesso em: 16 fev. 2018.
191 Disponível em: https://satepsi.cfp.org.br/Lista_Teste_Completa.cfm.
Acesso em: 30 jul. 2023.
192 Disponível em: http://www.hare.org/scales/pclyv.html. Acesso em: 30 jul.
2023.
193 Disponível em: http://www.hare.org/scales/pclsv.html. Acesso em: 30 jul.
2023.
194 “alterações na condutividade elétrica, no eletroencefalograma, foram
encontradas em alguns pacientes com transtornos de personalidade, mais
comumente nos tipos anti-social e borderline, nos quais é observada uma
atividade de ondas lentas” (KAPLAN, Harold I. et al. Compêndio de
psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução de
Dayse Batista. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 687).
195 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 65.
196 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 70.
197 FONTANA, Antônio Matos. Manual de clínica em psiquiatria. São
Paulo: Atheneu, 2005, p. 374.
198 FONTANA, Antônio Matos. Manual de clínica em psiquiatria. São
Paulo: Atheneu, 2005, pp. 375-376.
199 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 202.
200 ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de psicanálise.
Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 338.
201 BECK, Aaron T.; FREEMAN, Arthur; DAVIS, Denise D. Terapia cognitiva
dos transtornos da personalidade. Tradução de Maria Adriana
Veríssimo Veronese. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 147.
202 KAPLAN, Harold I. et al. Compêndio de psiquiatria: ciências do
comportamento e psiquiatria clínica. Tradução de Dayse Batista. 7. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 693.
203 Over a period of many years I have remained discouraged about the
effect of treatment on the psychopath. Having regularly failed in my own
efforts to help such patients alter their fundamental pattern of inadequacy
and antisocial activity, I hoped for a while that treatment by others would
be more successful. I have had the opportunity to see patients of this sort
who were treated by psychoanalysis, by psychoanalytically oriented
psychotherapy, by group and by milieu therapy, and by many other
variations of dynamic method. I have seen some patients who were
treated for years. I have also known cases in which not only the patient
but various members of his family were given prolonged psychotherapy.
None of these measures impressed me as achieving successful results.
The psychopaths continued to behave as they had behaved in the past.
(CHECKLEY, Hervey. The mask of sanity. 5. ed. St. Louis: Mosby, 1976,
pp. 476-477).
204 “Alguns transtornos de personalidade (p. ex., transtorno de
personalidade antissocial) são diagnosticados com maior frequência em
indivíduos do sexo masculino).” (Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-5/ [American Psychiatric Association... et al.];
revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. 5 ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014, p. 648).
205 Na lição de John P. J. Pinel, “o fato de a agressão social em muitas
espécies ser mais freqüente em machos do que em fêmeas normalmente
é explicado em referência aos efeitos da testosterona sobre a organização
e a ativação” (PINEL, John P. J. Biopsicologia. Tradução de Ronaldo
Cataldo Costa. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 458; GARRIDO,
Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. Tradução e
adaptação de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 275; KAPLAN,
Harold I.; SADOCK, Benjamin J.; GREBB, Jack A. Compêndio de
psiquiatria. Ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Tradução de
Dayse Batista. Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 692).
2 Da Imputabilidade

2.1 Considerações iniciais


Previsto no Título III do Código Penal, o instituto da
imputabilidade penal vem disciplinado nos arts. 26 a 28.
Conhecida também por capacidade de culpabilidade206, a
imputabilidade é considerada elemento ou
pressuposto 207 208
da culpabilidade .
O reconhecimento da culpabilidade é de extrema
importância, porque somente é possível aplicar a pena
concretamente se o agente for considerado culpável209.
Segundo Juan Carlos Ferré Olivé et al., a culpabilidade e a
pena têm estreita ligação e se estruturam de acordo com
a presença de “três exigências condicionadas pela
realidade social, histórica e cultural: que o sujeito seja
imputável210, que conheça a proibição e que uma
conduta alternativa lícita lhe seja exigível”211.
No âmbito desses três elementos da culpabilidade,
reconhecemos três causas com o condão de afastá-la,
conhecidas também como dirimentes da culpabilidade:
inimputabilidade, erro de proibição e inexigibilidade de
conduta diversa.
Questão tormentosa diz respeito à possibilidade de
existir mais de uma dirimente da culpabilidade no caso
concreto. A questão tem provocado inúmeras discussões
entre juristas e aplicadores da lei, haja vista as diversas
consequências que cada dirimente pode instaurar no
plano jurídico.
O tema é tormentoso, mas tem a imperiosa
necessidade de ser solucionado. Considerando que o
magistrado não pode deixar de exercer suas funções, é
imprescindível que uma solução lhe seja conferida e, por
força do princípio in dubio pro reo, deve-se aplicar a
medida mais benéfica ao autor dos fatos: inaplicabilidade
da medida de segurança.
Como princípio geral, não se pode exigir dos inimputáveis mais do
que dos imputáveis e, por conseqüência, deverão prevalecer as
causas de exclusão que não possibilitem a imposição de medida de
segurança. Excepcionalmente, poderá ocorrer a solução inversa,
prevalecendo a inimputabilidade e as medidas, se a causa de não
culpabilidade é conseqüência direta da inimputabilidade (por
exemplo, o desconhecimento da proibição deriva diretamente de um
transtorno mental)212.

Por fim, consideramos que o reconhecimento de


qualquer das dirimentes não tem o condão de afastar o
fato típico e ilícito já praticado.
2.2 Conceito
Tendo em vista que o Código Penal apenas propôs
apresentar as causas que afastam a imputabilidade do
agente, conceituaremos o instituto da imputabilidade a
partir da interpretação negativa dos artigos 26 a 28 do
diploma legal.
Também conhecida como capacidade de
culpabilidade213, temos por imputabilidade um elemento
da culpabilidade que exige do agente ter capacidade
psíquica suficiente para, no momento da ação ou
omissão, entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Segundo Luiz Regis Prado, imputabilidade consiste na
[...] plena capacidade (estado ou condição) de culpabilidade
entendida como capacidade de entender e de querer, e, por
conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável responde
pelos seus atos). Costuma ser definida como o “conjunto de
maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o
caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse
entendimento”214.

Heleno Cláudio Fragoso sustenta que a imputabilidade é


a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que
confere ao agente a capacidade de entender o caráter
ilícito do fato e de se determinar segundo esse
entendimento215.
Na lição de Marcello Jardim Linhares, imputabilidade
consiste no atributo de uma pessoa, de um modo de agir
a um fato descrito pela lei como crime: “Se não integra a
estrutura do crime, dele é, entretanto, um pressuposto
lógico”216.
Imputável é o homem que reúne dentro de si qualidades de saúde
que o direito estabelece para que sofra uma pena; que se exigem
juntamente com o crime, como qualidades mínimas para poder ser
apenado. Tais qualidades são a capacidade de entender o que faz e
de querer aquilo que faz217.

Por fim, e não menos importante, Rogério Greco aponta


que a imputabilidade é a possibilidade de se atribuir,
imputar o fato típico e ilícito ao agente. Ao final,
argumenta que a imputabilidade é a regra; a
inimputabilidade é a exceção218.
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli
destacam que a imputabilidade já foi por vezes
considerada “a total incapacidade psíquica para o delito
pelo que devia situar-se com anterioridade à própria
conduta, enquanto, no outro extremo, estão aqueles que
crêem que não faz parte do delito e sim da teoria da
sanção”219.
No direito penal brasileiro, por sua vez, entendemos
que a imputabilidade decorre da junção dos elementos
intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do
fato) e volitivo (capacidade de determinar-se de acordo
com tal entendimento)220.
É por essa razão que a imputabilidade – entendida como capacidade
de culpabilidade – possui dois níveis, um que deve ser considerado
como a capacidade de entender a ilicitude, e outro que consiste na
capacidade para adequar a conduta a esta compreensão. Quando
faltar a primeira, não haverá culpabilidade por ausência da
possibilidade exigível de compreensão da antijuridicidade; quando
faltar a segunda, estaremos diante de uma hipótese de
estreitamento do âmbito de autodeterminação do sujeito, neste
caso, por uma circunstância que provém da própria incapacidade
psíquica221.

Outro requisito de grande valor para configurar a


imputabilidade é que estas circunstâncias estejam
presentes no momento da ação ou da omissão delituosa.
Essa afirmação impõe que o agente, ao tempo da ação
ou omissão, seja plenamente capaz de conhecer o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com
tal entendimento.
A doutrina tem apontado essa exigência como
decorrência do princípio da coincidência ou similitude,
segundo o qual “a imputabilidade ou capacidade psíquica
de motivação normativa deve ser analisada no momento
da comissão do delito”222.
O requisito é fundamental para o processo penal. Uma
vez constatado que, na prática do fato típico, o agente
era plenamente capaz de entender o caráter ilícito do
fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento,
pouco importa se, no momento do resultado, o agente
encontrava-se em estado de perturbação psíquica.
A questão levanta maiores discussões quando tratamos
da imputabilidade do enfermo mental que, ao tempo dos
fatos, encontrava-se no seu período de lucidez: “Pelo
direito romano (L.14, Dig. 1,18), afirmava-se que na
hipótese de ser averiguada a loucura, o louco é punido
pelo seu próprio estado, descabendo assim a aplicação
da pena”223.
A doutrina parece divergir. Uma corrente sustenta que
estes indivíduos, quando praticam o delito nesse
intervalo de lucidez, devem ser responsabilizados. Outra,
por sua vez, inclina-se no sentido de que esse período
somente retrata a enganadora aparência de lucidez e
saúde daqueles que se encontram enfermos.
Entendemos que nessa circunstância, conhecida como
intervalo lúcido, como a anomalia psíquica não afetou a
capacidade do agente de conhecer o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, não há que falar em inimputabilidade.
Não é inadmissível que um doente mental se encontre, no momento
da conduta proibida, em situação de entender e querer. O Código
não vislumbra inalterável relação de causa e efeito entre doença
mental, mesmo grave, e inimputabilidade. Assim, nos chamados
intervalos lúcidos ou períodos livres. Na realidade, o agente é um
enfermo. O seu mal, porém, teve interrupção. Será imputável se
praticar delito durante o intervalo de lucidez224.
Creditar ao momento da ação ou omissão do delito a
análise acerca da imputabilidade do agente leva-nos a
defender que, se em qualquer outro momento da
apuração dos fatos (inquérito policial ou peças de
informação) ou do processo, restar evidente que o
agente não detém plena capacidade psíquica, afastada
está a discussão sobre a sua imputabilidade. Isso porque,
não há que se falar em ‘inimputabilidade ou semi-
imputabilidade superveniente’225, tendo em vista que a
legislação penal em vigor estabelece o elemento
temporal (no momento da ação ou omissão) como
determinante para a sua verificação.
Ao reconhecer a possibilidade da ocorrência de
qualquer anomalia antes ou após a prática do delito,
César da Silveira aponta algumas situações de forma
exemplificativa:
Vejamos o exemplo da psicose carcerária: esta pode explodir em
indivíduos que nunca estiveram em prisões, em decorrência da
situação desmoralizante em que se acham, ou em outros
psicopáticos. A explosão da psicose carcerária, destarte, ocorrida
após a prática do crime, não exerce influência na apuração da
responsabilidade do acusado, para o efeito de irresponsabilizá-lo, ou
diminuir-lhe as conseqüências condenatórias. Mesmamente sucederá
na hipótese de um epilético, que pratique um crime, embora sujeito
aos clássicos acessos convulsivos. Se, no momento de praticar o
delito, se encontrava ele em boas situações psíquicas, torna-se
inteiramente responsável226.

Diante disso, temos por imputabilidade o elemento da


culpabilidade que exige que, no momento da ação ou
omissão delituosa, o agente seja plenamente capaz de
entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de
acordo com tal entendimento, ainda que, em momento
anterior ou posterior ao fato delituoso, sua capacidade
psíquica tenha sido afetada.
2.3 Fundamentação filosófica da
imputabilidade
São considerados fundamentos da imputabilidade as
circunstâncias que buscam explicar o liame existente
entre a liberdade de agir, a conduta ilícita e a aplicação
de pena ou medida de segurança227.
Segundo Edmundo Oliveira228, seis teorias filosóficas
procuram fundamentar a imputabilidade229: teoria da
Escola Clássica ou livre-arbitrista, teoria da Escola
Positiva ou determinista, teoria da intimidação, teoria da
identidade pessoal, teoria pautada na capacidade normal
de o agente conduzir-se socialmente, ancorando no
parâmetro do homem médio, e a teoria atualmente
adotada.
A primeira é a teoria da Escola Clássica ou livre-
arbitrista, atribuída ao filósofo grego Aristóteles e
desenvolvida por Francesco Carrara, na Itália. De acordo
com a Escola Liberal, a responsabilidade penal é o reflexo
direto entre a liberdade de agir e a plena consciência230.
O homem é considerado criminalmente responsável
porque é moralmente livre para escolher entre o bem e o
mal. Na opção pelo mal, nada mais coerente que lhe seja
aplicada uma sanção penal como castigo.
Quem não goza da plena liberdade de agir, como ocorre amiúde com
o doente mental, não pode sofrer castigo, já que o eventual desvio
de conduta foi inconsciente. Neste caso, a medida de segurança
apresenta-se como tratamento e estrutura de contenção da
periculosidade231.

Para Rogério Greco, o livre-arbítrio decorrente dos


ensinamentos da Escola Clássica advém da seguinte
afirmativa: “o homem é moralmente livre para fazer suas
escolhas. O fundamento da responsabilidade penal está
na responsabilidade moral do indivíduo, sendo que esta,
ou seja, a responsabilidade moral, tem por base o livre-
arbítrio”232.
Segundo a Escola Clássica, a pena deve ser empregada
como mecanismo e tutela da sociedade e não somente
como meio de intervenção estatal sobre o sujeito
infrator: “Os limites da cominação e da aplicação da
sanção penal, assim como as modalidades de exercício
do poder punitivo do Estado, eram assinalados pela
necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio de
legalidade”233.
São preceitos norteadores da Escola Clássica: o livre
arbítrio (a liberdade de escolha entre o bem e o mal), a
igualdade (o homem livre é igual em direitos e deveres),
a entidade do crime (injustiça social, criação da lei); a
imputabilidade moral (consiste na escolha pelo mal por
mera liberalidade do agente são).
Pregando o determinismo e, consequentemente a
inexistência de livre-arbítrio, temos a Escola Positiva,
segundo a qual todos os acontecimentos da natureza
estão atrelados a leis físicas inafastáveis. Para seus
adeptos, não há que se falar em livre-arbítrio e,
consequentemente, não se pode admitir a pena como
simples castigo234. Para os adeptos dessa teoria, o crime
não é relevante e objeto central de pesquisas. O objeto
de estudo recai sobre o indivíduo que delinquiu, o qual é
considerado ‘diferente’ e ‘clinicamente observável’235.
De acordo com essa teoria, o crime não decorre da
liberdade de escolha do seu autor entre agir
corretamente ou não, mas da reunião de fatores
(internos ou externos)236 determinantes à provocação da
sua atuação.
Marion Minerbo e Oswaldo Henrique Duek Marques
explicitam o comportamento do delinquente à luz da
teoria positivista: “o delinqüente, dado seu
comportamento atávico, quente, desprovido do livre-
arbítrio, não consegue organizar-se a ponto de evitar o
cometimento de crimes”237.
Para seus adeptos, não é possível falar em castigo.
Assim, para os que infringem os preceitos da legislação
penal, é imperiosa a imposição de medidas de
recuperação como meio de defender a sociedade contra
o indivíduo que violou as normas sociais.
A Escola Positiva é fundamentada em constructos
antropológicos e sociológicos. Estudos antropológicos
apontam a delinquência como decorrência de fatores
biológicos; os estudos sociológicos de Enrico Ferri, por
sua vez, primeiramente utilizaram os conceitos da
imputabilidade física, ou seja, entendem possível imputar
determinada ação, física ou muscular, a qualquer
indivíduo, sem analisar o liame psíquico com tal ação. A
Escola Sociológica, de acordo com Von Liszt238, Van
Hamel, Gabriel Tarde, Adolphe Prinz, Marc Ancel e Jean
Pinatel, empresta influência do meio239.
De acordo com os sociólogos, há indivíduos perigosos
que podem praticar, rotineiramente, delitos; os que não
praticam podem estar sujeitos a incidir em culpa. Assim,
sugerem a imposição de medida de segurança como
critério curativo, visando tutelar a sociedade desses
indivíduos perigosos; e para os que ocasionalmente
praticam delitos, sugerem a imposição de pena
retributiva proporcional à gravidade do fato praticado.
Diante do exposto, a Escola Positiva entende que a
justiça penal tem por objeto central a pessoa do
criminoso. O delito, por sua vez, representa a
manifestação do estado perigoso em que o indivíduo se
encontra. O crime não é uma entidade política, mas um
fenômeno natural. A pena, portanto, tem por fim
reformar os inadaptáveis e segregar os incorrigíveis.
Apesar da aparente discrepância entre estas escolas,
Rogério Greco entende que não há que se falar em
incompatibilidade entre livre-arbítrio e determinismo.
Segundo o autor, esses elementos se completam:
Todos sabemos a influência, por exemplo, do meio social na prática
de determinada infração penal. [...]
Concluindo, a culpabilidade, ou seja, o juízo de censura que recai
sobre a conduta típica e ilícita, é individual, pois o homem é um ser
que possui sua própria identidade, razão pela qual não existe um ser
igual ao outro. Temos nossas peculiaridades, que nos distinguem dos
demais. Por isso, em tema de culpabilidade, todos os fatos, internos
e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente,
nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo240.

Basileu Garcia destaca: “limitar o tema da


imputabilidade à existência ou não de livre arbítrio,
ademais, implicaria virtual redução de todas as
faculdades mentais do ser humano ao plano
intelectivo”241.
Na lição de Marcello J. Linhares, surgiu uma terceira
escola (Alimena, Carnevale e outros) – além das já
previstas –, que também negava o livre-arbítrio,
“entendendo ser o delito um fenômeno ao mesmo tempo
individual e social”242. Segundo esta escola, a finalidade
da pena está na defesa social; a imputabilidade e a
inimputabilidade devem ser distinguidas.
Marion Minerbo e Oswaldo Henrique Duek Marques
preceituam que, após a Segunda Guerra Mundial, surgiu
uma nova concepção de defesa social firmada por Marc
Ancel:
A nova corrente postula o livre-arbítrio como fundamento da
responsabilidade penal, visualizando no infrator uma
responsabilidade de cunho moral, arrimada na noção do dever de
respeito à coletividade, decorrente do convívio em sociedade, sem
indagar do conteúdo real de liberdade que possuímos em cada passo
da nossa existência243.
Por fim, ressaltam que o direito penal ora em vigor está
fundado em uma “visão de liberdade puramente
normativa, segundo a qual o indivíduo é considerado a
priori dotado de liberdade de autodeterminação, e,
portanto, culpável, ao praticar um fato previsto como
crime e antijurídico”, desde que presentes determinadas
condições, sejam elas biológicas, psíquicas ou fáticas
descritas na lei244.
Definida por Romagnosi, Feuerbach e Impallomeni, a
terceira teoria fundamenta a imputabilidade na
intimidação. De acordo com essa teoria, tem-se na lei
penal o poder intimidatório que somente atingirá sua
eficácia se os destinatários da norma possuírem
capacidade para sofrer a coação psicológica da lei. Dessa
forma, estão afastados desse rol de destinatários as
crianças e as pessoas com doença mental porque,
conforme os estudiosos, não possuem capacidade para
sentir esse poder coercitivo da norma penal.
Criada por Gabriel Tarde, a Teoria da Identidade Pessoal
justifica a imputabilidade do agente de acordo com os
critérios da sua identidade pessoal reflexamente. Assim,
seus atos são considerados o reflexo da adaptação do
seu próprio ‘eu’ adaptado ao meio social. De acordo com
o autor, os indivíduos com doença mental e embriaguez
não permitem o processo de adaptação do ‘eu’ com o
ambiente social e, por isso, devem ser considerados
irresponsáveis.
De acordo com a teoria de Von Liszt, a imputabilidade
está fundamentada na capacidade normal de o agente
conduzir-se socialmente, pautado no parâmetro oferecido
do homem médio. Somente é considerado inimputável
aquele que demonstrar incapacidade para conduzir-se
socialmente.
A teoria apontada por Max Ernst Mayer apresenta a
particularidade de ser a concepção por ora dominante
nas modernas legislações penais. De acordo com essa
teoria, somente é considerado imputável aquele que
possui capacidade de entender e de querer, atrelando
estas circunstâncias às condições de maturidade e de
sanidade mental. Essa é a teoria adotada pelo direito
penal brasileiro.
2.4 Histórico da imputabilidade na
legislação
penal brasileira
De acordo com José Henrique Pierangeli, a primeira
legislação penal vigente no país foi o Livro V das
Ordenações Filipinas245.
As Ordenações do Reino (Filipinas), de 11 de janeiro de
1603, não previam especificamente a figura do louco,
contudo incluíam, no capítulo destinado à
responsabilidade mental, o desenvolvimento mental
incompleto em razão da menoridade246.
Quanto à figura do louco, encontramos a primeira
previsão expressa somente no Código Criminal do
Império do Brasil, de 16 de dezembro de 1824:
Art.10 Também não se julgarão criminosos:
1º Os menores de quatorze annos.
2º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e
nelles commetterem o crime.
3º Os que commetterem crimes violentados por força ou por medo
irresistíveis.
4º Os que commetterem crimes casualmente no exercício ou pratica
de qualquer acto licito, feito com a tenção ordinária.
Art.11. Posto que os mencionados no artigo antecedente não possão
ser punidos, os seus bens com tudo serão sujeitos á satisfação do
mal causado.
Art.12. Os loucos que tiverem commetido crimes serão recolhidos ás
casas para elles destinadas, ou entregues ás suas famílias, como ao
Juiz parecer mais conveniente.
Art.13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem
commettido crimes, obrarão com discernimento, deverão ser
recolhidos ás casas de correcção, pelo tempo que ao juiz parecer,
com tanto que o recolhimento não exceda a idade de dezasete
annos. (sic)
O dispositivo legal passou a excluir o crime quando o
fato fosse praticado por louco de todo gênero, salvo se
estivesse em intervalos lúcidos.
Segundo previa o art. 12, competia ao magistrado, após
avaliação judicial discricionária, encaminhar o agente à
internação ou à entrega em confiança à família.
Conforme verificamos, o dispositivo apenas retrata a
percepção e a sensibilidade quanto à real figura do
agente delinquente e suas necessidades.
Já no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil
(Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890) – também
conhecido como Código Republicano, encontramos no
Título III disposição expressa acerca da responsabilidade
criminal.
De acordo com o art. 27, § 1º do diploma legal, não
eram considerados criminosos os menores de 9 anos
completos, nem os maiores de 9 anos e menores de 14
que agirem sem discernimento.
Segundo o art. 29, os incapazes em razão de doença
mental continuariam sendo encaminhados às suas
famílias ou recolhidos a hospitais de alienados, se o seu
estado mental assim exigisse para a segurança pública.
Neste contexto, Maximiliano Roberto Ernesto Führer
ressalta: “o destino do louco criminoso continua a ser
determinado pelo juiz, mas a internação passou a exigir
fundamentação, com base na doença mental, na
periculosidade do agente e na garantia da ordem
pública”247.
Art. 27. Não são criminosos:
§1º Os menores de 9 annos completos;
§2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem
discernimento;
§3º Os que por imbecialidade nativa, ou enfraquecimento senil,
forem absolutamente incapazes de imputação;
§4º Os que se acharem em estado completa privação de sentidos e
de intelligencia no acto de commetter o crime;
§5º Os que forem impellidos a commeter o crime por violência
physica irresistive, ou ameaças acompanhadas de perigo actual;
§6º Os que commetterem crime casualmente, no exercício ou prática
de qualquer acto licito, feito com attenção ordinária;
§7º Os surdos-mudos de nascimento que não tiverem recebido
educação, nem instrucção, salvo provando-se que obraram com
discernimento.
[...]
Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de
affecção mental serão entregues ás suas famílias, ou recolhidos a
hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim exigir para
segurança do publico. (sic)

Em 1932 foi aprovada e adotada a Consolidação das


Leis Penais que em seu Título III dispôs sobre a
responsabilidade criminal:
Art. 27. Não são criminosos:
§1º Os menores de 14 annos;
§2º Os surdos-mudos de nascimento que não tiverem recebido
educação, nem instrucção, salvo provando-se que obraram com
discernimento;
§3º Os que, por imbecialidade nativa, ou enfraquecimento senil,
forem absolutamente incapazes de imputação;
§4º Os que se acharem em estado de completa perturbação de
sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime;
§5º Os que forem impellidos a commeter o crime por violência
physica irresistivel, ou ameaças acompanhadas de perigo actual;
§6º Os que commetterem crime casualmente, no exercício ou prática
de qualquer acto licito, feito com attenção ordinária. Não terá
cabimento essa dirimente nos crimes previstos nos arts.108, §§1º,
2º, e 3º, 126, 315, 317 e 322, §2º.
[...]
Art.29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de
affecção mental serão entregues a suas famílias, ou recolhidos a
hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim exigir para
segurança do publico. Emquanto não possuírem os Estados
manicômios criminaes, os alienados delinqüentes e os condemnados
alienados sómente poderão permanecer em asylos públicos, nos
pavilhões que especialmente se lhes reservem. (sic)

Em princípio, verificamos que a maioridade penal


passou a atingir os indivíduos a partir dos quatorze anos.
Tratava-se de presunção absoluta de inimputabilidade –
mesmo comprovado que o agente possuía pleno
discernimento248.
No tocante à redação do § 4º do artigo 27, Maximiliano
Roberto Ernesto Führer ressaltou que a “nova lei
empregou impropriamente a expressão ‘completa
perturbação dos sentidos e da inteligência’ em
substituição à antiga ‘completa privação’, de melhor
técnica. Foi afastada a exceção do intervalo lúcido”249.
Por fim, no tocante à possibilidade de internação, as
normas permaneceram as mesmas, com a ressalva da
necessidade de os Estados construírem manicômios
criminais para abrigar os “alienados delinquentes”.
Enquanto não eram construídos, estes agentes somente
poderiam permanecer em asilos públicos, desde que em
pavilhões a eles destinados.
Seguindo a tendência mundial, o Código Penal de 1940
foi o primeiro a definir responsabilidade criminal em
contraposição aos pressupostos da existência do
crime250. Assim, em determinadas ocasiões, empregou
os termos “é isento de pena” para disciplinar os que não
possuíam responsabilidade criminal e “não há crime”
para referir-se às excludentes de antijuridicidade251.
A partir de então, eram considerados isentos de pena
os agentes que – em detrimento de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado –
eram, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente
incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinarem-se de acordo com esse entendimento.
Outrossim, a expressão até então adotada pelo Código
Republicano de 1890, “internação para segurança do
público”, foi substituída por “medida de segurança”, que
pressupunha periculosidade252. A partir daí, de acordo
com o artigo 91 da reprimenda legal, a internação do
delinquente passou a ser obrigatória, já que sua
periculosidade era legalmente presumida.
Nas hipóteses em que a periculosidade do agente não
era presumida, competia ao magistrado verificar se a
personalidade do agente, seus antecedentes, os motivos
e as circunstâncias do delito autorizavam o
entendimento de que ele voltaria a delinquir.
Em 1977, por meio da Lei n. 6.416, o rol das situações
que apontavam pela periculosidade do agente foi
ampliado, passando a prever: os antecedentes, a
personalidade, os motivos determinantes e as
circunstâncias do fato, os meios empregados para a
prática do delito, os modos de execução, a intensidade
do dolo e o grau de culpa, que deveriam ser analisados
para formar o juízo de perigo.
Com base no Código Rocco, foi adotado o sistema de
aplicação sucessiva de pena e medida de segurança
(duplo binário). Outrossim, ficou estabelecida a
maioridade penal somente aos dezoito anos, presumindo
a irresponsabilidade dos menores de dezoito anos.
Já no Código Penal de 1969 (Decreto-lei n. 1.004, de
1969)253, o Título III da Parte Geral passou a ser
denominado Da imputabilidade Penal254, dispondo o art.
31, caput, e o seu parágrafo único os institutos da
inimputabilidade e semi-imputabilidade.
Art. 31. Não é imputável quem, no momento da ação ou a omissão,
não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de
doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou
retardado.
Parágrafo único. Se a doença ou a deficiência mental não suprime,
mas diminui consideravelmente a capacidade de entendimento da
ilicitude do fato ou de autodeterminação, não fica excluída a
imputabilidade, mas a pena pode ser atenuada, sem prejuízo do
disposto no art. 94 255.
De acordo com o Código de 1969, o sistema do duplo
binário não mais seria aplicável ao semi-imputável,
prevendo como substituição somente o sistema
vicariante (ou se diminuía a pena ou aplicar-se-ia medida
de segurança).
Importante novidade trazida pelo diploma foi a abolição
da medida de segurança aos imputáveis. Entendia-se
que o tratamento penitenciário era suficiente como
instrumento de recuperação social.
Outra grande inovação diz respeito à possibilidade da
não internação do louco caso não fosse reconhecida sua
periculosidade.
Atribuía-se a periculosidade em três graus: acentuada,
escassa e nenhuma:
Seria acentuada quando o exame dos elementos e circunstâncias
indicasse que o agente tinha inclinação para o crime ou se se
tratasse de criminoso habitual ou por tendência. A periculosidade era
considerada escassa quando o exame dos elementos e
circunstâncias evidenciava a possibilidade de rápida regeneração do
agente, desde que submetido a medida reeducativa. Era nenhuma
se o exame dos mesmos elementos e circunstâncias evidenciasse a
desnecessidade do emprego de medidas educativas256.

Por fim, em 11 de julho de 1984, a Lei n. 7.209257


alterou a parte geral do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, passando assim a dispor:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da
ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o
agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era
inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.

No tocante à imposição da medida de segurança,


tivemos importantes inovações. Primeiramente, ela só é
cabível aos inimputáveis ou semi-imputáveis; a medida
de segurança aos semi-imputáveis somente seria
aplicada se observado o sistema vicariante, e a
qualidade da pena (reclusão e detenção) passou a ser
determinante para a espécie de medida de segurança
(internação ou tratamento ambulatorial).
Conforme verificamos, esse é o regramento que
permeia até a presente data.
2.5 Imputabilidade e
responsabilidade – correlação
A imputabilidade foi inserida no Código Penal por meio
da Reforma de 1982. Na sua redação original, as
hipóteses de irresponsabilidades (atualmente nomeadas
como inimputabilidade) constavam do Título III, Da
Responsabilidade258. Em detrimento dessa alteração
nominativa, a doutrina atual tem dedicado espaços para
diferenciá-las.
A questão já era objeto de grandes debates à época.
Em razão dessa alteração terminológica, a doutrina
aponta a diferenciação entre essas nomenclaturas.
Para os estudiosos, a responsabilidade contém
necessariamente a ideia da imputabilidade. Nesse
sentido, Basileu Garcia ressalta: “responsabilidade não se
considera como sinônimo de imputabilidade e sim, mais
precisamente, como uma decorrência da imputabilidade.
Esta representa um pressuposto daquela [...]”259.
Nélson Hungria reconhece a diferenciação das
nomenclaturas, mas ressalta que podem ser
indistintamente empregadas tanto para apontar a
capacidade penal, quanto a obrigação de responder
penalmente pelo crime praticado.
Segundo um critério tradicional, que o Código rejeitou, haveria que
distinguir entre responsabilidade e imputabilidade, significando esta
a capacidade de direito penal ou abstrata condição psíquica da
punibilidade, enquanto aquela designaria a obrigação de responder
penalmente in concreto ou de sofrer a pena por um fato
determinado, pressuposta a imputabilidade. A distinção é bizantina e
inútil. Responsabilidade e imputabilidade representam conceitos que
de tal modo se entrosam, que são equivalentes, podendo, com
idêntico sentido, ser consideradas in abstracto ou in concreto, a
priori ou a posteriori.
Para E. Magalhães Noronha, a imputabilidade consiste
na conjunção de requisitos pessoais previstos em lei, que
“conferem ao indivíduo capacidade, para que,
juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato
delituoso”260. Responsabilidade, por sua vez, consiste na
obrigatoriedade que os que infringiram a lei penal
tenham de responder pelos atos praticados.
De acordo com o autor, a responsabilidade estará
configurada se, ao autor dos fatos, for atribuída a
imputabilidade. Assim, o agente somente será
considerado responsável se a lei lhe conferiu capacidade
de, no momento da ação ou omissão, entender o caráter
ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento261.
2.6 Das causas que excluem a
imputabilidade
São causas que excluem a imputabilidade do agente: a
doença mental, o desenvolvimento mental incompleto, o
desenvolvimento mental retardado e a embriaguez
completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Na
lição de Magalhães Noronha, o reconhecimento da
inimputabilidade “atribui ao sujeito a incapacidade para
ser responsabilizado”262.
Considera-se inimputável aquele que a legislação penal
entendeu por bem isentar de pena, ou seja, o indivíduo
que não possui condições psíquicas latentes para, no
momento dos fatos, entender o caráter ilícito do fato ou
agir conforme esse entendimento.
Segundo a doutrina, a inimputabilidade deve ser
estudada segundo os critérios designados para sua
identificação: biológico, psicológico e biopsicológico.
De acordo com o critério biológico, de inspiração
francesa, o fator decisivo e preponderante é a
comprovação de que o autor dos fatos sofra alguma
doença mental ou possua desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Assim, de acordo com esse
critério, independe se, ao tempo da ação, o agente
mostrou agir lucidamente a ponto de entender o caráter
ilícito do fato e de determinar-se de acordo com tal
entendimento. A sua inimputabilidade estará configurada
apenas pela constatação pericial de que o agente sofre
doença mental ou possui desenvolvimento mental
incompleto ou retardado.
Magalhães Noronha ressalta:
O biológico ou etiológico condiciona a imputabilidade à rigidez
mental do indivíduo. Presente a enfermidade mental, ou o
desenvolvimento psíquico deficiente ou a perturbação transitória da
mente, é ele, sem quaisquer outras investigações psicológicas,
considerado inimputável. Seguem esse sistema os Códigos da
França, Espanha, Chile, Bélgica e pouco mais. O último, por exemplo,
reza: “Il n’y a pás d’infraction, lorsque I’ accusé ou Le prévenu était
em état de demence au moment du fait...!” (art.7). Tem ele o
inconveniente de admitir uma relação causal entre a enfermidade e
o crime, quando isso não é exato, já que depende de outros fatores,
como da etiologia do mal, sua intensidade, momento etc. Ademais,
suprime o caráter ético da imputabilidade e coloca o juiz na absoluta
dependência do perito263.

Pelo critério psicológico, não se considera a existência


ou não de alguma anomalia mental. A inimputabilidade
do agente somente será reconhecida se ele mostrar-se
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Para E. Magalhães Noronha, o sistema psicológico
é o contrário do anterior: contenta-se com as condições psíquicas do
autor, no momento do fato, sem indagar da existência de causa
patológica que as tenha determinado. Basta, portanto, a ausência da
capacidade intelectiva e volitiva para exculpar o agente. Como se vê,
é ele vago e impreciso, ensejando abusos na prática e dilatando
desmesuradamente a esfera da inimputabilidade264.

Por fim, de acordo com o critério biopsicológico – que


retrata a fusão dos dois critérios mencionados –, é
considerado inimputável quem, ao tempo da ação,
apresenta alguma anomalia mental e, em razão dessa
circunstância, não possui capacidade para entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
tal entendimento.

2.6.1 Da inimputabilidade por


doença mental, perturbação da
saúde mental ou
desenvolvimento mental
incompleto ou retardado
Conforme a redação do artigo 26, caput, do Código
Penal, a legislação penal pátria adotou, como regra, o
critério biopsicológico:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da
ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Estão previstas no caput do art. 26 do Código Penal as


causas que afastam a imputabilidade do agente em
razão de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Entendemos como causas que
reconhecem a inimputabilidade do autor dos fatos,
porque o legislador determina a isenção da pena
aplicada. Estas circunstâncias devem estar presentes no
momento da ação ou omissão dos fatos, desde que
tornem o acusado inteiramente incapaz de entender seu
caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
As hipóteses de semi-imputabilidade ou capacidade
diminuída estão previstas no parágrafo único do mesmo
dispositivo legal:
Art. 26. [...] Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois
terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou
por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era
inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.

As causas que determinam o reconhecimento da semi-


imputabilidade impõem a redução da pena de um a dois
terços do autor dos fatos. O legislador entendeu que a
verificação da semi-imputabilidade não impõe que o
agente possua doença mental, mas que esteja presente
alguma perturbação na sua saúde mental. São também
beneficiados pela redução da pena aqueles que, por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não
eram, ao tempo dos fatos, inteiramente incapazes de
entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento.

2.6.2 Da inimputabilidade por


idade
Excepcionalmente, por sua vez, foi adotado o sistema
biológico. Preceitua o art. 27 do Código Penal que os
menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis,
sujeitos às normas estabelecidas na legislação
especial265. O art. 104 da Lei n. 8.069/1990 preceitua
que os menores de dezoito anos são penalmente
inimputáveis, mas estão sujeitos às medidas previstas na
lei. A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi
tratada, inclusive, no art. 228 da Constituição Federal de
1988266.
Segundo estabelece o dispositivo, os menores de
dezoito anos são presumidamente considerados
inimputáveis. Entende-se que não possuem capacidade
psicológica ainda formada para compreender o caráter
ilícito dos fatos e de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Ainda que demonstre maturidade precoce e venha a
praticar fato definido como crime, o menor de idade não
responderá como se maior fosse. A presunção de
inimputabilidade que recai sobre o menor é absoluta e
independe de futura constatação pericial de que era, ao
tempo dos fatos, plenamente capaz de entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com
tal entendimento.
Segundo Rogério Greco,
A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de
uma presunção legal, onde, por questões de política criminal,
entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não
gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita
imputar a prática de um fato típico e ilícito. Adotou-se, portanto, o
critério puramente biológico267.

Conforme o art. 27 do Código Penal, os menores estão


sujeitos às normas da Lei n. 8.069/1990. Quando maiores
de doze e menores de dezoito anos de idade,
responderão por ato infracional e ser-lhe-ão aplicadas
medidas socioeducativas268. Se menores de doze anos
de idade, ser-lhe-ão aplicadas medidas de proteção269.

2.6.3 Da inimputabilidade por


embriaguez
Por fim, exclui a imputabilidade a embriaguez completa
provocada por caso fortuito ou força maior, conforme o
art. 28, §1º, do Código Penal270. Segundo Juan Carlos
Ferré Olivé et al., a embriaguez provocada por caso
fortuito ou força maior trata-se de embriaguez
involuntária, ocasionada por “ingestão forçada de álcool,
substâncias ou medicamentos, e também por acesso
fortuito a essas substâncias”271.
Somente quando a embriaguez se der por caso fortuito
ou força maior e for completa, a imputabilidade do
agente poderá ser afastada. Isso porque o art. 28, § 1º do
Código Penal, impõe que, para determinar a isenção da
pena do autor dos fatos, é preciso que, em razão dessa
modalidade de embriaguez, o agente seja inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Se ocorrerem as mesmas condições e a embriaguez for
incompleta, dever-se-á reduzir a pena de um a dois
terços.
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira apresenta o conceito
de embriaguez determinado pelo Código Penal272.
Segundo ele, corresponde “à intoxicação de caráter
agudo causada pela ingestão de álcool ou substância de
efeitos análogos capaz de provocar desde ligeira
excitação até a perda da consciência”273.
A embriaguez pelo álcool ou outra substância de efeito
análogo não tem o condão de, por si só, afastar a
imputabilidade. A afirmativa decorre da ficção legal de
que o embriagado mantém as funções intelectivas e de
vontade.
Importante destacar a distinção doutrinária acerca das
possibilidades de embriaguez274: preordenada (a
embriaguez é propositadamente utilizada como ‘meio’
para praticar o delito), culposa (o agente não age com
cautela para evitar a embriaguez e, em razão disso,
contribui para a prática do delito), voluntária (a
embriaguez é causada de forma proposital e o agente
contribuiu para a prática do delito sem, contudo, ter a
intenção inicial de praticá-lo), patológica (é o alcoolismo
em estágio avançado – caracterizando doença – capaz de
provocar a inimputabilidade) e acidental (“é a
embriaguez que não poude ser PREVISTA ou não poude
ser EVITADA pelo autor da infração penal”)275 (sic).

2.6.4 Da inimputabilidade e semi-


imputabilidade na
Lei n. 11.343/2006
A Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, também
conhecida como Lei Antidrogas, prevê em seu art. 45 a
possibilidade de reconhecer a inimputabilidade do réu se,
“em razão de dependência, ou sob o efeito, proveniente
de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo
da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a
infração praticada, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento”276.
Reconhecida a inimputabilidade do réu em razão da
dependência de drogas, o magistrado poderá determinar
na sentença absolutória, o seu encaminhamento para
tratamento médico adequado. Na hipótese do
reconhecimento da inimputabilidade do agente que
praticou o delito sob efeito de drogas por caso fortuito ou
força maior, a sentença se limitará à sua absolvição.
Se, por força das circunstâncias mencionadas no caput
do art. 45 da Lei Antidrogas, o agente não possuía, ao
tempo da ação ou omissão, plena capacidade de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento, a pena poderá ser
reduzida de um terço a dois terços (Lei n. 11.343/2006,
art. 46).
Em havendo necessidade reconhecida por meio de
avaliação médica, o juiz poderá ordenar o tratamento
médico durante o cumprimento da pena (Lei n.
11.343/2006, art. 47).
Guido Arturo Palomba aponta serem três os graus de
dependência de droga: leve, moderada e grave277.
Segundo o autor, a dependência leve de drogas não
retira do indivíduo a sua capacidade para entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento. Nessa classificação estão os
dependentes que não sofrem crise de abstinência (física
ou psíquica) quando não fazem uso da substância.
Na dependência moderada, o indivíduo entende o
caráter ilícito do fato, mas é parcialmente capaz de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
“Nesses casos há crise de abstinência moderada,
psíquica e física, maior ou menor, dependendo da
droga”278.
Por fim, destaca o autor que, na dependência grave, o
indivíduo é considerado doente mental. O dependente
grave pode até entender parcialmente o caráter ilícito do
fato, mas é absolutamente incapaz de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
Destacando a existência dos três graus de
dependência, Maximiliano Roberto Ernesto Führer
pondera a sua associação, quase que matemática, para o
reconhecimento da imputabilidade, semi-imputabilidade
e inimputabilidade do indivíduo.
Segundo o autor,
A matéria, evidentemente, não é passível de medição em balança de
farmácia, como diria Nélson Hungria, mas é inegável que não se
pode estabelecer a imputabilidade apenas pelo grau de
dependência, sem a minuciosa verificação de todos os requisitos
legais e lógicos, além das circunstâncias especiais do crime e da
personalidade do agente279.
2.7 Das causas que não excluem a
imputabilidade
2.7.1 Emoção e paixão
Por força do art. 28, I, do Código Penal, não excluem a
imputabilidade penal a emoção e a paixão. Segundo
Basileu Garcia, a norma é fruto de inspiração no Código
Penal italiano, que assim preceitua: “os estados emotivos
e passionais não excluem nem diminuem a
imputabilidade” .280
Emoção traduz-se em intensa perturbação afetiva de
curta duração (medo, alegria, espanto, aflição, surpresa,
vergonha etc.), enquanto paixão é um estado afetivo
violento de maior duração (ideologia política, ciúme, ódio
etc.) que pode provocar alteração na conduta do agente.
A infração penal praticada a pretexto de emoção ou
paixão não tem o condão de afastar a culpabilidade do
agente. Em certas situações, estes sentimentos
ultrapassam a normalidade psíquica e sua representação
acaba sendo reflexo da manifestação de determinada
doença mental281.
Segundo Basileu Garcia, durante a vigência do Código
Penal de 1890, a paixão era empregada como pretexto
para a prática de delitos passionais282. A fim de evitar
maiores temeridades, o legislador repeliu os delitos
passionais ao considerar, expressamente, que emoção e
paixão não têm o condão de afastar a imputabilidade.
Se não houvesse previsão legal disciplinando a matéria,
poder-se-iam até incluir tais situações no rol das
‘perturbações da saúde mental’, quando estas
circunstâncias fossem suficientes para parcialmente
afastar a capacidade de entendimento do caráter ilícito
dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento na ocasião dos fatos.
O legislador agiu de forma acertada ao dispor
expressamente a matéria, evitando quaisquer dúvidas
acerca do tema.
Apesar de não possuir autoridade para, por si só,
afastar a imputabilidade, a emoção tem por vezes o
condão de figurar como atenuante genérica, conforme
prevê o art. 65, III, c, do Código Penal, ou causa de
diminuição de pena, como previsto nos arts. 121, § 1º, e
129, § 4º, do Código Penal.

2.7.2 Embriaguez voluntária ou


culposa
Não excluem a imputabilidade do agente se, por
embriaguez voluntária ou culposa, o agente praticar fato
definido como infração penal.
A embriaguez voluntária é configurada pela embriaguez
deliberada do agente. O agente ingere bebida alcoólica
pelo simples fato de quedar-se embriagado. A
embriaguez será culposa quando o agente ingere bebida
alcoólica ou substância de efeitos análogos
deliberadamente, mas não tem a pretensão de
embriagar-se.
Nas duas espécies de embriaguez há o elemento da
voluntariedade. A finalidade com que ingere bebida
alcoólica ou substância de efeitos análogos é o que as
difere.
Nessas duas hipóteses de embriaguez, o indivíduo será
responsabilizado pelos seus atos, ainda que no momento
da conduta seja inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento. Essa posição se deve à aplicação da
teoria da actio libera in causa. Se a sua ação “foi livre na
causa, ou seja, no ato de ingerir bebida alcoólica, poderá
o agente ser responsabilizado criminalmente pelo
resultado”283.
Na hipótese de o agente embriagar-se
deliberadamente, mas com o fim de praticar crime,
responderá pelo resultado com a incidência da agravante
genérica prevista no art. 61, II, l, do Código Penal284.

206 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal.


Tradução de Francisco Muñoz Conde. Madrid: Instituto Editorial Reus,
1981, p. 33.
207 Cezar Roberto Bitencourt aborda com clareza o entendimento de que a
imputabilidade é elemento da culpabilidade, e não pressuposto da mesma
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10.
ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 438).
208 De acordo com Francisco Muñoz Conde, do ponto de vista formal,
culpabilidade consiste no conjunto de condições que justificam a
imposição de uma pena ao autor dos fatos (ROXIN, Claus. Culpabilidad y
prevención en derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz Conde.
Madrid: Instituto Editorial Reus, 1981, p. 14). Na lição de Miguel Reale
Júnior, “a imputabilidade, portanto, não é pressuposto da culpabilidade
nem obstáculo à culpabilidade, mas dado distintivo da pessoa humana,
razão pela qual constitui um pressuposto da ação, vista esta como
decorrência de uma opção valorativa” (REALE JÚNIOR, Miguel.
Instituições de direito penal – parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 206).
209 Importante destacar que, segundo a doutrina majoritária, a
culpabilidade é elemento do conceito analítico de crime. Para a minoria
doutrinária, a culpabilidade é analisada como pressuposto de aplicação da
pena.
210 Para Alexis Augusto Couto de Brito e Maria Patrícia Vanzolini, a
imputabilidade é o primeiro elemento normativo da culpabilidade como
reprovabilidade. Alguns doutrinadores a interpretam como a capacidade
de entender e de se determinar; segundo Roxin, ser imputável significa
possuir capacidade para ser destinatário da norma. Para Claus Roxin, o
fundamento de tal afirmação se dá na capacidade real ou fictícia de
“compreensão da finalidade buscada, e de conduzir sua conduta conforme
esta compreensão” (BRITO, Alexis Augusto Couto de; VANZOLINI, Maria
Patrícia (org.). Direito penal: aspectos jurídicos controvertidos. São
Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 249).
211 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 459. De acordo
com a concepção do finalismo apontada por Welzel, a culpabilidade é
composta de três elementos normativos: imputabilidade, potencial
consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
212 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 460.
213 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 394.
214 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 7.
ed. São Paulo: RT, 2007, p. 434.
215 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte
geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 203.
216 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 21.
217 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 22.
218 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 396.
219 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 539.
220 Hans Welzel ressalta: “a capacidade de culpa tem, portanto, um
elemento adequado ao conhecimento (intelectual) e outro adequado à
vontade (volitivo): os dois juntos constituem a capacidade de culpa [...].
Para o elemento intelectual é decisiva a compreensão do ‘injusto’ do fato,
como expressa o § 3, JGG. [...]” (WELZEL, Hans. Derecho penal – parte
general. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956, p. 165).
221 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 540.
222 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 462.
Acrescemos a tal afirmação a exigência de que a imputabilidade ou
capacidade psíquica de motivação normativa seja analisada também no
momento da omissão, ou comissão por omissão do delito.
223 SILVEIRA, V. César da. Tratado da responsabilidade criminal. v. 1.
São Paulo: Saraiva, 1955, p. 482. “Os códigos do imperador romano
Justiniano já distinguiam nos agentes a insanidade psíquica (furor), a
demência (dementia), a estupidez (moria) e os alienados em geral
(mente-capti) e consideravam que, se o delito fosse cometido em um
lucidum intervallum, o indivíduo deveria ser responsável pelo seu ato. Os
romanos, que também regulamentavam os direitos civis de seu povo,
consideravam os imbecilitas como incapazes de dispor de seus próprios
bens, mas julgavam que o indivíduo, durante o intervalla perfectissima de
sua doença, deveria recuperar os seus direitos civis” (COHEN, Cláudio;
FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde mental, crime e
justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006, p. 119).
224 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. Tomo I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 455.
225 ABREU, Michele O. de; ABREU, Evandro Luiz Oliveira de.
Inimputabilidade superveniente: uma impropriedade jurídica.
Boletim IBCCrim, ano 22, n. 256, mar. 2014, p. 13-14
226 SILVEIRA, V. César da. Tratado da responsabilidade criminal. v.1.
São Paulo: Saraiva, 1955, p. 119.
227 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39.
228 OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal – parte geral. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 301-302.
229 Segundo Maximiliano Roberto Ernesto Führer, os fundamentos podem
ser explicados pelos preceitos adotados pelas Escolas Liberal Clássica e
Positiva Determinista.
230 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 40.
231 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 40.
232 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 381.
233 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito
penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino
dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos/Instituto Carioca de
Criminologia, 1999, p. 31.
234 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito
penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino
dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos/Instituto Carioca de
Criminologia, 1999, p. 40.
235 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito
penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino
dos Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos/Instituto Carioca de
Criminologia, 1999, p. 29.
236 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 382.
237 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; MINERBO, Marion. Liberdade
(possível) e responsabilidade normativa ou ontológica, ideal ou possível, a
noção de liberdade analisada da perspectiva da filosofia do direito e da
psicanálise. Revista Filosofia. Conhecimento Prático n. 28, 2011, pp. 46-
54.
238 Marcello Jardim Linhares ressalta que, para Von Liszt, o crime não é
resultante da liberdade humana, mas de fatores individuais, físicos,
sociais e econômicos (LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade
penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 8).
239 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 06.
240 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 383.
241 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 450.
242 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 7.
243 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; MINERBO, Marion. Liberdade
(possível) e responsabilidade normativa ou ontológica, ideal ou possível, a
noção de liberdade analisada da perspectiva da filosofia do direito e da
psicanálise. Revista Filosofia. Conhecimento Prático n. 28, 2011, pp. 46-
54.
244 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; MINERBO, Marion. Liberdade
(possível) e responsabilidade normativa ou ontológica, ideal ou possível, a
noção de liberdade analisada da perspectiva da filosofia do direito e da
psicanálise. Revista Filosofia. Conhecimento Prático n. 28, 2011, pp. 46-
54.
245 Ressalta ainda que as Ordenações Afonsinas e as Manuelinas, embora
vigentes em Portugal, foram letra morta no Brasil (PIERANGELI, José
Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. São
Paulo: RT, 2004, p. 7).
246 Livro V, Título CXXXV: “Quando os menores serão punidos por os
delictos, que fizerem – Quando algum homem, ou mulher, que passar de
vinte annos, commetter qualquer delicto, dar-se-lhe-há a pena total, que
lhe sereia dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se for de idade de
dezasete annos até vinte, ficará em arbítrio dos Julgadores dar-lhe a pena
total, ou diminuir-lha. E, em este caso, olhará o Julgador o modo, com que
o delicto foi commettido, e as circunstâncias delle, e a pessoa do menor; e
se o achar em tanta malicia, que lhe pareça que merece total pena, dar-
lhe-há, postoque seja de morte natural. E parecendo-lhe que a não
merece, poder-lha-há diminuir, segundo a qualidade, ou simpleza, com
que achar, que o delicto foi commettido. E quando o delinqüente for
menor de dezasete annos cumpridos, postoque o delicto mereça morte
natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do
Julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delicto tal, em que
caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito Comum”
(sic).
247 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 21.
248 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
249 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.
250 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.
251 Imperioso destacar que este posicionamento não é unânime na doutrina
e na jurisprudência.
252 De acordo com o art. 78 do Código Penal de 1940, a periculosidade era
legalmente presumida nas seguintes hipóteses:
Portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com este entendimento; 2. O agente que, em
virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, estava privado da plena capacidade de entender
o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento; 3. Condenado por crime cometido em estado de
embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a
embriaguez; 4. Reincidente em crime doloso; 5. Condenado por crime
cometido em associação, bando ou quadrilha de malfeitores.
253 O Código Penal de 1969 sequer chegou a entrar em vigor. No período
correspondente à vacatio legis – na qual foi inúmeras vezes prorrogada –
tal diploma foi revogado antes mesmo do período findar-se.
254 De acordo com a Exposição de Motivos do Código Penal de 1969 (item
16), diversas e importantes propostas foram apresentadas em tema de
imputabilidade fruto do largo exame que o anteprojeto mereceu em todo
o País. A Comissão Revisora elaborou, após demorados debates, uma
fórmula tecnicamente perfeita, a mesma que o grupo brasileiro levou à
reunião realizada na cidade do México pela Comissão Redatora do Código
Penal Tipo para a América Latina e foi ali aprovada. Todavia, a meticulosa
consideração da realidade brasileira e, sobretudo, da longa experiência
com a aplicação do Código vigente desaconselhou uma alteração
substancial, para incluir também a grave perturbação da consciência
como capaz de excluir a imputabilidade. Parece certo que a fórmula do
Código vigente, apesar de sua rigidez, não conduziu a soluções iníquas ou
a situações de responsabilidade sem culpa. É altamente duvidosa a
conveniência de ampliar a fórmula, comprometendo a eficiência da
repressão com as incorreções e abusos a que poderia dar lugar, nesta
passagem essencial da lei a proposta da Comissão Revisora. Por essas
razões, na revisão final se manteve, basicamente, a disposição da lei
vigente.
Em relação aos semi-imputáveis, inovação importante ocorre com a regra
prevista no art. 94, que adotou o sistema vicariante, para aplicação ou da
pena ou da medida de segurança. O projeto termina com o sistema do
duplo binário (pena e medida de segurança detentiva sucessivamente
aplicadas). Esse sistema, que teve a missão histórica de conciliar duas
tendências opostas está em franco declínio por toda parte. No Brasil,
afora uma ou outra malograda experiência, ele realmente não chegou a
ser posto em prática. [...] O projeto termina com o defeituoso sistema das
medidas de segurança detentivas para imputáveis. A pena, não obstante
a sua natureza retributiva, deve ser cumprida como uma medida de
segurança, ou seja, tendendo à recuperação social do delinqüente. As
únicas medidas de segurança detentivas são a internação em manicômio
judiciário e a internação em estabelecimento psiquiátrico, anexo ao
manicômio judiciário ou ao estabelecimento penal.
255 O dispositivo ora apontado assim dispunha: Art. 94. A internação, em
qualquer dos casos previstos nos artigos precedentes, deve visar não
apenas ao tratamento curativo do internado, senão também ao seu
afeiçoamento a um regime educativo ou de trabalho, lucrativo ou não,
segundo o permitirem suas condições pessoais.
256 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 27.
257 No item 22 da Lei n. 7.209/84, ou seja, da Exposição de Motivos da
Nova Parte Geral do Código Penal, restou assim disposto: 22. Além das
correções terminológicas necessárias, prevê o Projeto, no parágrafo único,
in fine, do art. 26, o sistema vicariante para o semi-imputável, como
conseqüência lógica da extinção da medida de segurança para o
imputável. Nos casos fronteiriços em que predominar o quadro mórbido,
optará o juiz pela medida de segurança. Na hipótese oposta, pela pena
reduzida [...].
258 “A verdadeira responsabilidade (A RESPONSABILIDADE JUSTA) não é,
porém, a responsabilidade psicológica ou subjetiva (quantidade de livre
arbítrio com que o réu delinqüiu) nem a responsabilidade legal ou objetiva
(pena descrita na parte especial do Código Penal) – a primeira, por não ter
medida numérica adequada; a segunda, por ser indefinida: por ir de tanto
a tanto. É, portanto a RESPONSABILIDADE PENAL, a responsabilidade
medida, a responsabilidade medida em pena, e que resulta do
reajustamento das duas primeiras, realizado por um cálculo numérico
[...]” (MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Manual de direito penal.
Responsabilidade penal. Das causas de isenção de pena. Da embriaguez.
v. 3. Belo Horizonte: Manuais da Faculdade de Direito da Universidade de
Minas Gerais, 1956, p. 111).
259 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 452.
260 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32.
ed. São Paulo, 1997, p. 164.
261 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32.
ed. São Paulo, 1997, p. 164.
262 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 2. ed. São Paulo:
Prima Cursos Preparatórios, 2004, p. 96.
263 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32.
ed. São Paulo, 1997, p. 165.
264 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32.
ed. São Paulo, 1997, p. 165.
265 O art. 50 do Código Penal Militar, segundo o qual “o menor de 18
(dezoito) anos é inimputável, salvo se, já tendo completado 16 (dezesseis)
anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter
ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento” foi
parcialmente recebido pela Constituição Federal.
266 Há muito tem-se intentado diminuir a maioridade penal. Estudiosos do
Direito têm debatido a questão e parece que a discussão não tem
previsão para findar-se. Há uma corrente que sustenta não ser possível a
redução da maioridade penal porque não se permite proposta de emenda
constitucional tendente a abolir direito e garantia individual. Trata-se,
segundo essa corrente, de previsão constitucional protegida pela cláusula
pétrea. Outros entendem que a maioridade penal pode ser reduzida sob o
fundamento que o art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal não pressupõe
o entendimento que a questão não possa ser modificada.
267 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 399.
268 São consideradas medidas socioeducativas, conforme preceitua o art.
112 da Lei n. 8.069/1990: advertência, obrigação de reparar o dano,
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em
regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional e
determinadas medidas de proteção previstas no art. 101 da mesma lei.
269 O art. 101 da Lei n. 8.069/1990 prevê as seguintes medidas de
proteção: encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários;
matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à
família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão
em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos; acolhimento institucional; inclusão em
programa de acolhimento familiar e colocação em família substituta.
270 Supremo Tribunal Federal: “Embriaguez. Isenção de pena. Suficiência. A
embriaguez que isenta o agente de pena é aquela decorrente de caso
fortuito ou força maior que, mostrando-se completa, revela que ao tempo
da ação ou da omissão era inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”
(DJU de 17-2-1995, p. 2.746 e JSTF 199/374).
271 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 481.
272 Entendemos que o conceito de embriaguez apresentado pelo autor
traduz o conteúdo que o artigo pretendeu dispor. Salientamos, porém, que
o conceito apresentado não corresponde, em sua totalidade, ao conceito
de embriaguez alcoólica.
273 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 2. ed. São Paulo:
Prima Cursos Preparatórios, 2004, p. 98.
274 Rogério Greco prefere analisar a embriaguez sob duas variações:
voluntária e involuntária (GRECO, Rogério. Curso de direito penal –
parte geral. 10. ed. Niterói: Ímpetus, 2008, pp. 404-405).
275 MELLO, Lydio Machado Bandeira de. Manual de direito penal.
Responsabilidade penal. Das causas de isenção de pena. Da embriaguez.
v. 3. Belo Horizonte: Manuais da Faculdade de Direito da Universidade de
Minas Gerais, 1956, p. 288.
276 Para os indivíduos que não são dependentes, mas apenas usuários,
aplicar-se-á a parte final do inciso II do art. 28 do Código Penal.
277 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de Psiquiatria Forense Civil e
Penal. São Paulo: Atheneu Editora, 2003, p.368.
278 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de Psiquiatria Forense Civil e
Penal. São Paulo: Atheneu Editora, 2003, p.368.
279 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 91.
280 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 480.
281 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, pp. 479-480.
282 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, pp. 479-480.
283 GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 10. ed. Niterói:
Ímpetus, 2008, p. 405.
284 A doutrina reconhece essa situação como embriaguez preordenada.
3 Da Inimputabilidade e Semi-
Imputabilidade de Acordo com o
Critério Biopsicológico

O presente capítulo destina-se a analisar as causas de


inimputabilidade e semi-imputabilidade decorrentes da
adoção do critério biopsicológico. Em razão disso,
destacaremos, inicialmente, as considerações
imprescindíveis que levam à inimputabilidade do agente
e, posteriormente, à semi-imputabilidade.
3.1 Da inimputabilidade
De acordo com o caput do art. 26 do Código Penal, o
autor é isento de pena se, no momento da ação ou
omissão, em virtude de doença mental ou
desenvolvimento incompleto ou retardado, era
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Trata-se de causa que exclui a imputabilidade do agente
e, por conseguinte, justifica a isenção da pena.
Conforme observa Nélson Hungria,
Acolhendo o método biopsicológico o Código brasileiro inspirou-se,
mas sem imitação servil, no art. 10 do atual Código suíço, artigo este
resultante de uma emenda apresentada por Philip Thormann,
quando da revisão (em 1916), do projeto helvético de 1908, e de que
foi antecedente o § 3º do projeto austríaco de 1912. O texto da
fórmula austríaca é o seguinte:
“Não é punível aquele que, no momento do fato, por motivo de
perturbação ou deficiência mental, ou alteração da consciência, não
possui a capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta ou
de agir em conformidade com esse entendimento”.
[...]
A fórmula é menos ampla.
“Não é punível quem, por motivo de doença mental, de idiotia ou de
grave alteração da consciência, não possuía, ao tempo do fato, a
faculdade de apreciar o caráter ilícito de sua conduta ou de se
determinar de acordo com essa apreciação”285.

De acordo com Hans Welzel, a capacidade para


reconhecer o injusto e atuar correspondentemente,
pressupõe a integridade das forças psíquicas do
indivíduo, que são as que possibilitam a existência de
uma personalidade moral286. Para o autor, determinados
estados mentais anormais entram em discussão ao se
tratar do pressuposto da incapacidade de culpa, quais
sejam: transtornos da consciência (transtornos
transitórios da consciência de duração mais ou menos
extensa), perturbação patológica da atividade mental
(transtornos mentais e psicopatias de alto grau) e
debilidade mental (idiotia, imbecilidade, debilidade e
transtornos patológicos de menor grau). Segundo Hans
Welzel, tais estados mentais podem ou não afastar por
completo a capacidade de culpa287.
Questão de tamanha importância diz respeito à
interpretação do próprio texto legal. Segundo o art. 26, a
doença mental ou o desenvolvimento mental incompleto
ou retardado devem ser de tal gravidade que, ao tempo
da conduta, tornam o agente inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento (grifo nosso)288.
Dessa forma, a existência por si só de doença mental
ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não
exclui a imputabilidade do agente. A atuação desses
fatores deve ser necessariamente conjunta289. Assim, a
imputabilidade somente será afastada se, no momento
da conduta humana (comissiva ou omissiva), o agente,
por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de
conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
A circunstância de o agente apresentar doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico)
pode até justificar a incapacidade civil, mas não é suficiente para
que ele seja considerado penalmente inimputável. É indispensável
que seja verificado se o réu, ao tempo da ação ou da omissão, era
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento (critério
psicológico). (...) A marcha processual deve seguir normalmente em
caso de dúvida sobre a integridade mental do acusado, para que,
durante a instrução dos autos, seja instaurado o incidente de
insanidade mental, que irá subsidiar o juiz na decisão sobre a
culpabilidade ou não do réu. (HC 101.930, rel. min. Cármen Lúcia, j.
27-4-2010, 1ª. T, DJE de 14-5-2010)
3.1.1 Do conteúdo da
inimputabilidade
Segundo interpretação literal do art. 26 do Código
Penal, somente é considerado inimputável quem, em
razão de doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou
omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Conforme preceitua o dispositivo, somente a pessoa
com doença mental ou com desenvolvimento mental
incompleto ou retardado pode ser considerada
inimputável, desde que verificadas as demais condições.
Reconhecemos como elementos constitutivos causais
da inimputabilidade: doença mental, desenvolvimento
mental incompleto ou desenvolvimento mental
retardado.
Quanto aos seus elementos constitutivos
290
consequenciais , destacamos a completa incapacidade
de entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento.
Destacamos por fim que, sem a presença do elemento
constitutivo temporal (no momento da ação ou omissão),
não há que falar em inimputabilidade, ainda que
verificados os dois elementos constitutivos mencionados.

3.1.1.1 Dos elementos constitutivos


causais da inimputabilidade
3.1.1.1.1Doença mental291
A análise da legislação penal ora vigente permite
verificar a impossibilidade de encontrar o conceito de
doença mental. Considerando seu objeto de estudo,
entendemos que seu conceito não compete
exclusivamente às ciências jurídicas, mas às ciências
médicas.
De acordo com esse entendimento, o conceito de
doença mental compete à medicina, mais
especificamente à psicopatologia forense.
Segundo Cláudio Cohen,
O campo de estudo da psicopatologia forense pode ser
compreendido como a aplicação dos conhecimentos provenientes da
área da Saúde Mental em todos os casos de ordem civil, penal ou
laboral em que se torne necessária a comprovação do estado mental
de um indivíduo292.

O direito não pode caminhar em sentido contrário ao


que vêm preceituando as ciências médicas. Ao contrário,
deve atentar-se a qualquer entendimento técnico de
quem o detém.
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique
Pierangeli, para fins de imputabilidade, não deve ser
considerado o conceito de normalidade. Além disso,
compete somente aos psiquiatras esclarecer as
características psíquicas que dificultam ou facilitam a
compreensão da “antijuridicidade no momento da
realização do injusto”293.
Segundo Antônio Carlos da Ponte, o termo “doença
mental” empregado no Código Penal alcança todas as
alterações mórbidas da saúde mental,
independentemente da causa, referindo-se, assim, tanto
às psicoses endógenas ou congênitas, ou exógenas, à
paralisia geral progressiva, e à epilepsia, como às
neuroses e aos transtornos psicossomáticos294.
Nélson Hungria, por sua vez, demonstrou grande
preocupação quanto a adequar-se o conceito de doença
mental àquele determinado pela psiquiatria. Assim,
desde logo, ao abordar o tema, relatou a insatisfação de
determinados psiquiatras quanto ao emprego da
expressão “doença mental” e sugeriu a substituição do
termo por “alienação mental”.
Segundo o autor, a preferência pela expressão “doença
mental” deve-se ao fato de esta abranger todas as
psicoses, quer as orgânicas e tóxicas, quer as funcionais:
A latitude da expressão “doença mental”, na interpretação do art. 22
do Código, tem por si o apoio da psiquiatria moderna, e é tanto mais
aceitável quanto o método biopsicológico é preservativo contra uma
exagerada admissão da irresponsabilidade. Assim, não há disparate
algum em que sejam colocadas sob tal rubrica as perturbações de
atividade mental que se ligam a certos estados somáticos ou
fisiológicos mórbidos, de caráter transitório, como o delírio febril e o
sonambulismo295.

Na lição de Miguel Reale Júnior:


São, assim, doenças mentais as alterações orgânicas graves como
paralisia progressiva, demência senil, bem como a esquizofrenia e a
psicose maníaco-depressiva e algumas formas de oligofrenia, que
também apresentam um substrato somático296.

Encontramos, por sua vez, entendimentos no sentido de


que o termo ‘doença mental’ empregado no direito penal
pátrio deve alcançar outras situações que não se
enquadram no rol nosológico da psiquiatria297.
Reconhecendo a diferença de conceitos empregados
pelas duas ciências, Maximiliano Roberto Ernesto Führer
assinala que o conceito de doença mental empregado no
direito não corresponde exatamente àquele apontado
pela medicina298.
De acordo com Maximiliano Roberto Ernesto Führer, a
doença mental tratada no direito penal, capaz de afastar
a imputabilidade do agente, deve ser considerada de
forma ampla e pode consistir em situações diversas das
doenças mentais propriamente ditas. Diante disso,
segundo o autor, doença mental consiste em
[...] toda manifestação nosológica, de cunho orgânico, funcional ou
psíquico, episódica ou crônica, que pode, eventualmente, ter como
efeito a situação de incapacidade psicológica do agente de entender
o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
[...]
O conceito e tomado de forma ampla, incluindo estados que não são
propriamente doenças mentais, como o desmaio e o delírio febril. É
possível dizer, com Enrique Bacigalupo, que o conceito jurídico de
doença mental não se sobrepõe exatamente ao conceito médico de
enfermidade mental299.

Marcello Jardim Linhares entende por doença mental


qualquer estado patológico de ordem mental ou física
(permanente ou temporária), desde que influencie nas
capacidades de entendimento e de vontade300.
Oportuno dispormos que, em 15 de fevereiro de 2023, o
Conselho Nacional de Justiça apresentou, por meio da
Resolução n. 487 novo conceito de “pessoas com
transtorno mental ou com qualquer forma de deficiência
psicossocial”.
Art. 2º Para fins desta Resolução, considera-se:
I – pessoa com transtorno mental ou com qualquer forma de
deficiência psicossocial: aquela com algum comprometimento,
impedimento ou dificuldade psíquica, intelectual ou mental que,
confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha
inviabilizada a plena manutenção da organização da vida ou lhe
cause sofrimento psíquico e que apresente necessidade de cuidado
em saúde mental em qualquer fase do ciclo penal,
independentemente de exame médico-legal ou medida de
segurança em curso;

O conceito de doença mental empregado pelo Código


Penal vigente tem sido objeto de grandes e relevantes
debates. Verificamos grande tendência, dentre os
doutrinadores, em ampliar o conceito ora apostado para
quaisquer outras circunstâncias suficientes para retirar
do agente301, no momento da conduta, a capacidade de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
Primeiramente, cumpre destacar que doença mental é
um conceito autônomo e independente de qualquer
outra complementação. Isso significa que seu o conceito
não está intrinsecamente ligado à total incapacidade de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com tal entendimento. Ou seja, a existência de
uma doença mental não pode ser considerada
pressuposto necessário para que, quem a possua,
tenham afastadas as capacidades intelectiva e volitiva.
Entendemos também, que doença mental é uma
terminologia empregada pela psiquiatria e de sua ordem.
Estender esse rol para alcançar outras patologias, seria
criar situação não prevista em lei.
A Organização Mundial da Saúde estabeleceu, na
Classificação Internacional das Doenças (CID-10), o rol de
‘doenças mentais’. Seria de tamanha facilidade utilizá-lo
para apontar quais são as doenças mentais
cientificamente reconhecidas. Devemos, porém, atentar
para o fato de que tal descrição não pressupõe
necessariamente o reconhecimento de doenças mentais.
Segundo pesquisadores, o fato de determinado distúrbio
encontrar-se nesse rol somente indica a necessidade e a
direção que a OMS quis estabelecer aos especialistas
para diagnosticar qualquer distúrbio.
Devemos considerar que a Organização Mundial de
Saúde não apontou com clareza o que vem a ser doença
mental. Na lição de Cláudio Cohen, Flávio Carvalho Ferraz
e Marco Segre, “a saúde mental toma a definição de
saúde proposta pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) e postula que a etiologia da doença mental é
biopsicossocial”302.

3.1.1.1.1.1 Considerações históricas


sobre o conceito
A época exata do surgimento da expressão loucura é
muito imprecisa, contudo, apontam como certo que,
desde o século XIII, ela abarca aqueles que perderam a
razão, o débil mental e os doidos em geral.
Desde os povos primitivos, os loucos tinham posição de
destaque social. Diversamente do seu perfil social atual,
os loucos eram considerados sagrados e mereciam
grande veneração e respeito. Para Maximiliano Roberto
Ernesto Führer, “os índios americanos demonstravam
respeito e veneração pelos perturbados mentais,
preparando cerimônias religiosas em sua
homenagem”303.
Segundo apontam Cláudio Cohen e José Álvaro Marques
Marcolino:
Desde aurora da nossa civilização, a sociedade vem desenvolvendo
lentamente uma preocupação tanto com a relação entre os
indivíduos portadores de doença mental como em relação a seus
direitos civis. Nas escrituras dos egípcios, na Bíblia e nas leis da
Grécia e de Roma existem anúncios precursores da futura relação
entre os conceitos de Saúde Mental e da Justiça. Por exemplo, no
Código de Justiniano distinguiam-se nos agentes a insanidade
psíquica (furor), a demência (dementia), a estupidez (moria) e os
alienados em geral (mente capti). Os romanos regulavam os direitos
civis de seus cidadãos, considerando os imbecilitas como incapazes
de dispor de seus próprios bens304.

Para os autores, “no século XX a.C, os egípcios


atribuíam a histeria aos movimentos do útero. O
casamento era a solução curativa aconselhada para as
viúvas. Os pré-gregos já utilizavam a trepanação para
curar algumas disfunções cerebrais”305.
Durante a Idade Média, podemos sustentar que ou a
loucura era socialmente aceita – sob o fundamento de
que os loucos tinham participação ativa nos
acontecimentos sociais –, ou simplesmente esta
circunstância passava despercebida pelos demais.
Tamanha sua aceitabilidade ou sua ‘desconsideração
social’ que, no final do século XV, a loucura passou a
influenciar diretamente nas artes e na cultura306.
Somente no século XVII a loucura passou a ser tratada
com exclusão. Assim, foram criados estabelecimentos
específicos para o recolhimento das pessoas com doença
mental, os mendigos, os criminosos e as prostitutas.
Estes locais tinham o caráter de exclusão e não de
tratamento ou de reabilitação dessas pessoas. De objetos
demonstrativos de afeição cultural, passaram a ser
marginalizados e submetidos a tortura e maus-tratos.
Somente com a Revolução Francesa as internações
foram restritas aos loucos.
Em meados de 1795, por meio de Philippe Pinel, a
loucura deixou de ser apreciada como possessão de
espíritos malignos para assumir a qualidade de problema
de cunho moral.
Assim, o conceito de transtorno mental, como também
a aceitabilidade ou a suportabilidade social, passaram
por várias mudanças ao longo dos anos. O modo como
hoje é compreendido o transtorno mental é muito
diferente do modo como se entendia o assunto no
passado. Essa mudança pode ser explicitada na
interpretação da Classificação Internacional de Doenças
(CID-10), elaborada pela Organização Mundial da Saúde e
da Associação Americana de Psiquiatria.
A moderna psiquiatria apresenta três períodos de
evolução do conceito, considerados fundamentais: da
Custódia (que se estendeu do final do século XIX até a
década de 1930), da Terapia (dentre as décadas de 1930
e 1950) e da Saúde Mental (a partir do pós-guerra até os
dias atuais).
No Período da Custódia – fundado sob o ponto de vista
do naturalismo proposto por Darwin sobre a seleção
natural das espécies –, as pessoas com doença mental
eram consideradas mais fracas e, em razão disso,
dependeriam da ajuda dos mais fortes, mais
precisamente do Estado, para responsabilizar sua
custódia.
Na lição de Cláudio Cohen,
Quanto à etiologia da doença mental, considerou-se, durante o
período da custódia, que sua origem se ligava a questões de ordem
física e biológica. Esse ponto de vista achava-se atrelado à
descoberta na paralisia geral progressiva de um agente etiológico, o
Treponema pallidum, reforçando a expectativa de que toda doença
mental poderia ter sua origem e causa descobertas e, dessa
maneira, ser combatida307.

Durante o Período da Custódia, competia única e


exclusivamente ao médico psiquiatra reconhecer a
doença mental. O doente mental era presumidamente
considerado incompetente para realizar qualquer
atividade e, uma vez assim considerado, para sempre
permanecia nessa condição, já que a doença mental era
vista como incurável. Os tratamentos consistiam apenas
no controle da doença.
Por fim, importante destacar que foi durante esse
período que surgiram grandes hospitais psiquiátricos
como, por exemplo, o de Franco da Rocha, em São Paulo.
No segundo Período, o da Terapia, o pensamento
filosófico predominante era o da escola positivista, no
qual se buscava encontrar uma relação – um nexo – entre
a causa e o efeito dos acontecimentos. Assim, era
necessária uma metodologia que permitisse investigar os
fenômenos da natureza para chegar a conhecê-la308.
Segundo a teoria base do positivismo, somente seria
aceitável qualquer posicionamento se fosse possível sua
comprovação científica.
De acordo com Cláudio Cohen,
Nesse período, a etiologia da doença mental começava a receber a
influência das teorias de enfoque psicológico e social que
começavam a ser elaboradas. A psicanálise propunha um modelo de
funcionamento mental baseado nas instâncias do id, do ego e do
superego, enquanto o marxismo apontava para a origem social da
doença mental. Começava a ocorrer, assim, uma transformação no
modo de se entender as alterações mentais, passando da
compreensão física e biológica para uma de base psicológica e
social309.

Durante esse período, o hospital não tinha mais a


função de custodiar o doente mental, uma vez que já
possuía condições para oferecer determinado
tratamento, que consistia na colaboração do próprio
doente com o terapeuta – relação essa indicada pelo
médico.
Concomitantemente às melhoras eventualmente
verificadas em alguns pacientes, verificou-se um avanço
no prognóstico da doença mental. Contudo, não foi o
suficiente para determinar o perfil dos doentes que
reagiriam positivamente a essa forma de tratamento.
Apesar desse avanço considerável, estudos se iniciaram
para identificar as circunstâncias responsáveis por essa
diferenciação.
Os doentes mentais, em geral, não eram mais
considerados incompetentes, mas possuíam um
potencial de competência – apesar de terem a
capacidade prejudicada.
Por fim, durante o Período da Saúde Mental, passou-se
a chamar de saúde mental:
Um período de desenvolvimento da psiquiatria característico dos
últimos cinqüenta anos, no qual linhas seqüenciais de
desenvolvimento se rearranjaram, resultando em um modo especial
de observar a relação saúde-doença do indivíduo inserido na
sociedade. Cabe ressaltar que não estamos nos referindo a um
acontecimento estático e isolado, em que a estrutura de
conhecimento pertinente a esse período abandona o que lhe
antecedeu. [...] A saúde mental surge como tentativa de se buscar
pontos de encontro dos diversos momentos, bem como de se
adequar uma linguagem capaz de reunir modos de conhecimento a
respeito do funcionamento mental do ser humano, muitas vezes tão
difícil de ser compreendido310.
Primeiramente, no que se refere à doença mental,
importante ressaltar a inexistência de um conceito sobre
o assunto.
Quanto à doença mental, expressão vaga e sem maior rigor
científico, é pacífico que estão incluídas todas as moléstias que
causam alterações mórbidas à saúde mental, sejam elas orgânicas
(paralisia progressiva, sífilis e tumores cerebrais, arteriosclerose
etc.), tóxicas (psicose alcoólica ou por medicamentos) ou funcionais
(esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva etc.)311.

Durante esse período, “a saúde mental toma a


definição de saúde proposta pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e postula que a etiologia da doença mental
é biopsicossocial, ou seja, composta pela união dos
enfoques biológicos, psicológicos e sociais”. Tanto a
psicanálise como a genética têm papel fundamental na
contribuição de diagnosticar o funcionamento mental.
O tratamento, por sua vez, passou a ser realizado por
uma equipe multiprofissional formada por psiquiatras,
psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais,
ou, ainda, um advogado – se da questão resultasse
alguma consequência jurídica.
Nesse período, o paciente deixou de ser considerado
absolutamente incompetente para tornar-se competente,
inclusive para participar do seu próprio processo de
tratamento.
Com o avanço dessas transformações, o conceito de
saúde passou a ser entendido não mais como ausência
de doença, mas como bem-estar psicológico, biológico e
social.
No Período da Saúde Mental, a psicanálise, a
psicofarmacologia, a psiquiatria biológica, a psicologia, a
antropologia e a sociologia foram fundamentais para
alterar o conceito de saúde mental e o funcionamento da
mente. Assim, o reconhecimento de doença mental, no
caso concreto, não depende exclusivamente do parecer
do médico psiquiatra, mas de uma equipe
multidisciplinar.

3.1.1.1.2 Desenvolvimento mental


incompleto ou retardado
Na lição de Nélson Hungria, nessas expressões
agrupam-se não só os deficitários congênitos do
desenvolvimento psíquico ou oligofrênicos, como os que
o são por carência de certos sentidos, e até mesmo os
silvícolas inadaptados. Esclarece, ainda, que
desenvolvimento mental retardado é o que não pode
chegar à maturidade psíquica, enquanto
desenvolvimento mental incompleto é o que ainda não
concluiu312.
Enquanto a doença mental abrange todas as manifestações
mórbidas do funcionamento psíquico, impedindo o indivíduo de
adaptar-se às normas reguladoras da vida em sociedade, o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado dirige-se àqueles
que não alcançaram um estágio de maturidade psicológica razoável,
ou que, por causas patogênicas ou do meio ambiente em que vivem,
tiveram retardado o desenvolvimento das faculdades mentais313.
No amplo quadro dos criminosos que revelam desenvolvimento
mental incompleto ou retardado estão os idiotas, portadores de um
grave estado de insuficiência mental congênita e que representa o
cálculo mais baixo do retardamento mental. De sentimentos afetivos
rudimentares, com capacidade de querer só pelos lados do instinto,
o idiota tem nula sua responsabilidade penal, tais as deformações
cerebrais que apresenta, as atrofias das circunvoluções do cérebro e
escleroses diversas. Sua atenção é escassíssima, sua representação
é pobre, impedindo até o desenvolvimento da palavra, ficando a vida
reduzida ao instinto, que apenas se mostra desenvolvido no ângulo
da sexualidade. O seu quociente intelectual é igual a 20 e sua
própria fisionomia retrata, no comum das vezes, sua miséria
mental314.

Tem-se por desenvolvimento mental incompleto a


noção de psiquismo que ainda não se desenvolveu por
completo. Estão acobertadas nesse diagnóstico as
seguintes situações: surdo-mudez315, cegueira, silvícola
não aculturado ou também conhecido como silvícola
puro316, apedeutismo317 e menor de dezoito anos.
Na lição de Cezar Roberto Bitencourt, desenvolvimento
mental incompleto diz respeito ao que ainda não se
concluiu, abrangendo somente os surdos-mudos e os
silvícolas inadaptados. Declina o autor que é a
psicopatologia forense quem determinará, em cada caso
concreto, se a anormalidade produz a incapacidade
apontada pela lei318.
O autor ainda inclui nesse rol os menores de idade, mas
ressalta que, por presunção legal absoluta, estão fora da
imputabilidade. De acordo com o art. 27, aos menores de
dezoito anos será aplicada legislação penal específica.
Quanto aos silvícolas, há quem sustente que, no país,
ao longo do século XX, foram considerados inimputáveis
os silvícolas inadaptados. O fundamento de tal
entendimento estava baseado na previsão da
incapacidade relativa dos silvícolas, de acordo com o
Código Civil de 1916, e na caracterização desses
indivíduos como deficientes mentais pela Exposição de
Motivos do Código Penal de 1940.
Na lição de Juan Carlos Ferré Olivé et. al., a situação em
que se encontram esses indivíduos passou a ser
chamada de diversidade sociocultural319. Atualmente,
não se fala mais que são pessoas com desenvolvimento
mental incompleto. Não se admite mais que, por força de
diferença sociocultural, tenha a capacidade mental
considerada incompleta.
Imprescindível ressaltar que, na hipótese de os
indígenas praticarem uma conduta típica e ilícita,
desconhecendo que o fato configura um tipo penal, não
caberá o reconhecimento da sua inimputabilidade e, por
consequente, a imposição de medida de segurança. Tal
hipótese é ensejadora para o reconhecimento do erro de
proibição e, por conseguinte, de isenção da pena.
Segundo Guido Arturo Palomba, retardo mental
“caracteriza-se por déficit de inteligência, que pode
ocorrer sem qualquer outro transtorno psíquico, embora
indivíduos mentalmente retardados possam apresentar
certos transtornos psíquicos, de modo associado”320.
O retardado mental é portador de funcionamento intelectual
significativamente inferior à média, o que vem a gerar inabilidades
sociais, pessoais, psíquicas, culturais, tanto mais graves quanto
maior for o grau de retardamento321.

O autor subdivide o “retardo mental” em três graus:


leve, moderado e grave322.
O retardo mental em grau leve é caracterizado pela
diminuição da inteligência (debilidade mental). Ressalta
ainda que os indivíduos com esse tipo de retardo mental,
em sua maioria, conseguem viver com relativa
independência, chegando, inclusive, a constituir família e
trabalhar. No trabalho, praticam suas atividades de forma
mais lenta que os demais.
O retardo mental em grau moderado (imbecilidade) é
responsável por tornar o indivíduo deficiente em associar
as ideias, em compreender e empregar a linguagem.
Os retardados mentais moderados que têm boa mobilidade são
capazes de executar certos trabalhos braçais, pois acabam
entendendo instruções simples, e os que não aprenderam a usar a
linguagem conseguem se comunicar com os que com eles convivem,
por meio de sinais simples. Outros emitem sons ou palavras
monossilábicas, suficientes para manter a comunicação323.

Por fim, as pessoas com retardo mental em grau grave


(idiotia) são aqueles que vivem em estado
semivegetativo ou vegetativo. São incapazes de praticar
quaisquer atos que exijam complexidade, ainda que de
menor grau. Outro traço característico, mas não presente
em todos os indivíduos, é a linguagem na forma mais
primitiva: emissão de ruídos ou som ininteligíveis.
Cezar Roberto Bitencourt entende que as pessoas com
desenvolvimento mental retardado são aquelas que não
atingiram a maturidade psíquica. Em regra, nessas
hipóteses, aparecem com alguma frequência as
dificuldades dos chamados casos fronteiriços,
particularmente nas oligofrenias, em que o diagnóstico
não oferece a segurança desejada324.

3.1.1.2 Dos elementos constitutivos


consequenciais
da inimputabilidade
Conforme observamos no art. 26, caput do Código
Penal, não basta que o agente sofra de doença mental ou
tenha o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado. O tipo impõe que, em razão da existência
dessas circunstâncias, o agente seja inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com tal entendimento.
Desta feita, se o agente possuir doença mental ou o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado e estes
não forem capazes e suficientes para afastar
completamente as capacidades intelectiva ou volitiva do
indivíduo, não há que falar em inimputabilidade.
Cezar Roberto Bitencourt ressalta:
Para o reconhecimento da existência da incapacidade é suficiente
que o agente não tenha uma das capacidades: de entendimento e
de autodeterminação. É evidente que, se falta a primeira, ou seja,
não tem capacidade de avaliar os próprios atos, de valorar sua
conduta, positiva ou negativa, em cotejo com a ordem jurídica, o
agente não sabe e não pode saber a natureza valorativa do ato que
pratica. Faltando essa capacidade, logicamente também não tem a
de autodeterminar-se, porque a capacidade de autocontrole
pressupõe a capacidade de entendimento. O indivíduo controla ou
pode controlar, isto é, evitar aquilo que sabe que é errado. [...]
Agora, o oposto não é verdadeiro: o agente pode ter perfeitamente
íntegra capacidade de discernimento, de valoração, saber
perfeitamente o que é certo e o que é errado e, no entanto, não ter a
capacidade de autocontrole, de autodeterminação325.

César Dario Mariano da Silva trata esses elementos


como requisitos normativos da imputabilidade, os quais
se resumem em capacidade de entender e de querer no
momento do fato326.
Segundo o autor, são requisitos normativos da
imputabilidade: o intelectivo e o volitivo; o intelectivo
consiste na capacidade de entender o caráter ilícito do
fato; já o volitivo compreende a capacidade de
autodeterminação327.
Nélson Hungria os reconhece como critérios
328
psicológicos da responsabilidade .

3.1.1.2.1 Incapacidade de entender o


caráter ilícito do fato
Tem-se pela incapacidade de entender o caráter ilícito
do fato o “momento da responsabilidade”. É a
possibilidade ou a faculdade de compreender que o fato
é reprovável pela ordem jurídica329.
Quem, em detrimento de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não
possuir plena capacidade para reconhecer que o fato a
ser praticado é considerado ilícito penal, deve ter
reconhecida a sua inimputabilidade.
Assim ressalta Nélson Hungria:
Não se trata, aqui, da efetiva ou possível consciência da injuricidade
objetiva, que, como já vimos, é requisito da culpabilidade, mas da
capacidade de discernimento ético-jurídico in genere, no momento
da ação ou omissão. Tal capacidade deve ser entendida no sentido
da possível consciência ético-jurídica normal ou comum. Como o
Direito é um minus em relação à moral, pode dizer-se que a
capacidade de entendimento ético faz presumir a possibilidade de
consciência jurídica. Em outros termos: a possibilidade de
consciência do dever ético é presunção da possibilidade de
consciência do dever jurídico330.

A doutrina vai além. Segundo Nélson Hungria, para que


esteja presente o requisito normativo ora apontado,
basta que o agente tenha a capacidade de perceber que
o fato seja possivelmente criminoso – o que difere do
efetivo conhecimento de que tal ato realmente o seja331.
A valoração da consciência da ilicitude de determinado
indivíduo deve ser apreciada segundo o conhecimento
que todo homem médio possui em relação ao direito. “A
consciência da ilicitude abrange a compreensão da lei,
entendida de forma profana, da existência e dos limites
reais das causas de antijuridicidade e da posição de
garante”332.
Dessa forma, importante esclarecer que exclui a
imputabilidade do agente se, em razão das
circunstâncias psíquicas mencionadas, foi suprida a sua
falta de consciência acerca da ilicitude dos atos
praticados.

3.1.1.2.2 Incapacidade de determinar-


se de acordo com
esse entendimento
O segundo elemento da inimputabilidade diz respeito
ao requisito volitivo, que consiste na capacidade de
autodeterminação, ou seja, na possibilidade de dirigir a
conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico333.
Trata-se da capacidade de resistência ou de inibição ao
impulso criminal. Nélson Hungria ressalta que tal
requisito diz respeito à capacidade de autodeterminação
não no sentido filosófico, mas no sentido empírico ou da
vida habitual334.
É, em última análise, a capacidade de ajustar a ação aos motivos, a
faculdade de agir normalmente, de conformar a conduta a motivos
razoáveis. Sabe-se que há certas anormalidades psíquicas, bem
definidas como entidades nosológicas, que podem interessar só uma
ou outra das citadas condições da responsabilidade; mas esta é
excluída pela ausência de qualquer delas335.

César Dario Mariano da Silva associa o requisito à


capacidade do agente de conter seus atos. Ele pode até
ter conhecimento de que o ato é reprovável, mas não
consegue conter-se336.
A incapacidade de determinar-se de acordo com o
entendimento do caráter ilícito do fato não retira ou
diminui a capacidade intelectual do agente em conhecer
a ilicitude do fato. O que configura o requisito é sua
incapacidade de agir conforme a razão e a prática de
atos resultantes de um impulso interno irresistível.
A incapacidade de “determinar-se de acordo com esse
entendimento” pressupõe a existência de entendimento pleno
acerca da ilicitude do fato, nos moldes referidos linhas antes. Isto
significa que o agente sabe que está cometendo um possível crime,
mas mesmo assim pratica a conduta típica337.

Por fim, a capacidade de autodeterminação do agente


consiste na capacidade psíquica de compreender o
alcance das suas condutas; na possibilidade de escolha
criteriosa entre duas ou mais ações.
3.2 Da semi-imputabilidade338
A semi-imputabilidade está prevista no parágrafo único
do art. 26 do Código Penal. De acordo com o dispositivo,
é considerado semi-imputável quem, ao tempo da ação
ou omissão, em virtude de perturbação mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não
possui plena capacidade de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento339.
De acordo com Hilário Veiga de Carvalho et. al., o
Código italiano de 1889 foi um dos primeiros a incluir em
redação a responsabilidade atenuada340.
Em face do parágrafo único do art. 22, a responsabilidade subsiste
quando a causa biológica não é de molde a suprimir totalmente a
capacidade de entendimento ético-jurídico ou de autogoverno; mas,
em tal caso, é autorizada a redução da pena, de um a dois terços341.

A expressão adotada pelo Código Penal tem provocado


diversas críticas. Há muito discutiu-se a potencial
existência de uma categoria intermediária entre a
doença mental e a normalidade psíquica. Findando a
controvérsia e defendendo a possibilidade de uma
classificação intermediária, Basileu Garcia ressalta que a
natureza não faz saltos entre a normalidade e a
anormalidade. Há, entre elas, graus intermediários. Só
resta apurar se esses indivíduos devem ou não ser
responsáveis342.
Segundo Nélson Hungria, não há que falar mais na
existência de semiloucos ou semirresponsáveis, mas na
existência de uma classe que não se enquadra nas
classificações de saúde mental e loucura. Segundo o
autor, há um estado psíquico que diminui a capacidade
de discernimento ou de autoinibição ao impulso
criminoso e que não se enquadra nos limites apontados
(saúde mental – loucura).
Atualmente, porém, pode dizer-se que o dissídio está superado: não
há semiloucos ou semi-responsáveis, mas entre a saúde mental e a
loucura há estados psíquicos que representam uma variação
mórbida da norma, embora alheios à órbita da loucura ou doença
mental, e os seus portadores são responsáveis, mas com menor
culpabilidade, em razão de sua inferioridade bio-ético-sociológica,
isto é, de sua menor capacidade de discernimento ético-social ou de
auto-inibição ao impulso criminal343.

3.2.1 Do conteúdo da semi-


imputabilidade
A semi-imputabilidade deve ser reconhecida quando
presente alguma perturbação mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado que
torne o indivíduo parcialmente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
tal entendimento.
O que a difere da inimputabilidade é a necessidade da
existência de perturbação mental, e não de doença
mental; e a exigência de que o desenvolvimento mental
incompleto ou retardado retire somente parcialmente a
capacidade do agente de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com tal
entendimento.
Não se trata mais de doença mental, mas de perturbação mental, o
que enquadraria as psicopatologias, em especial a falha de caráter
do portador de personalidade psicopática, ou anormal, que
apresenta grau considerável de inteligência, mas ausência de
afetividade, de sentimentos, e logo de arrependimento344.

Em razão da divergência dos requisitos presentes no


caput e parágrafo único do art. 26 do Código Penal
(saúde mental e perturbação da saúde mental,
respectivamente), imprescindível extrairmos do texto
legal a expressão ‘perturbação da saúde mental’ para
prestar-lhe maiores considerações.

3.2.1.1 Dos elementos constitutivos


causais da
semi-imputabilidade
3.2.1.1.1 Perturbação da saúde mental
São consideradas perturbações da saúde mental as
alterações do pensamento, das emoções e do
comportamento. Segundo Nélson Hungria, há quem
decline que as expressões ‘doença mental’ e
‘perturbação da saúde mental’ são sinônimas, porém
aponta que, apesar de considerar toda doença mental
como uma perturbação da saúde mental, a recíproca não
deve ser considerada verdadeira345.
Maximiliano Roberto Ernesto Führer critica esta posição:
“o conceito de doença mental é elástico e abrange
estados próximos, de modo que toda doença mental
perturba a saúde mental e toda perturbação da saúde
mental deve receber tratamento de doença, no mundo
do Direito”346.
Segundo o autor, a justificativa para o legislador ter
empregado a expressão “perturbação da saúde mental”
é a de que algumas anomalias (neuroses, psicopatias e
dependências não graves) “geralmente têm potencial
apenas para turbar parcialmente a consciência da
ilicitude da conduta”347.
Apesar dessa inclinação doutrinária, o autor rechaça
veementemente esse posicionamento348. Para
Maximiliano Roberto Ernesto Führer, “os efeitos de
determinada anomalia dependem da gravidade, das
circunstâncias e especialmente da predisposição do
indivíduo”349.
Segundo Nelson Hungria e Heleno Claudio Fragoso,
houve um período na história em que muito se divergiu
acerca da possibilidade de uma zona fronteiriça entre a
saúde e a doença mental350. Para melhor explicitar,
abordaram duas teorias que dizem respeito à
possibilidade de existência dessa zona intermediária.
Segundo a teoria dos “dois blocos” – na qual se afiliou a
escola positiva –, ou o agente é ou não é considerado
louco; não há meio termo. A teoria do “bloco único”, por
sua vez, sustenta não ser possível traçar uma linha
limítrofe entre o que vem a ser normalidade psíquica ou
doença mental, porém aponta a existência dos chamados
“fronteiriços” (assim chamados porque se encontram em
um grau de passagem entre a sanidade e a insanidade e,
por essa razão, não podem ser considerados
inimputáveis).
Apesar dessas divergências, segundo a doutrina,
pertencem a esse grupo psíquico todos aqueles que “são
uma mistura de caracteres normais e caracteres
anormais. São os degenerados ou inferiorizados
psíquicos”351. Ou seja, são todos aqueles que possuem
inferiorização psíquica, mas não se incluem no quadro de
doença mental; ou seja, possuem personalidade diversa
daquela do tipo normal.

3.2.1.1.2 Desenvolvimento mental


incompleto ou retardado
O Código Penal reconhece que, em razão de
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o
indivíduo pode ser total (inimputabilidade) ou
parcialmente (semi-imputabilidade) incapaz de
compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento – condições psíquicas
que já foram aqui abordadas.
Importante, no entanto, frisar que o desenvolvimento
mental incompleto ou retardado somente implicará a
determinação da semi-imputabilidade do agente se for
determinante para retirar parcialmente a compreensão
do caráter ilícito do fato ou de autodeterminação.
A semi-imputabilidade, conforme se depreende da leitura do art. 26,
parágrafo único, do CP, não constitui causa de isenção da
responsabilidade, pois não suprime a capacidade de o réu entender
o caráter criminoso do fato ou de autodeterminar-se segundo tal
entendimento, antes a considerando enfraquecida, diminuída, e
subsistindo, portanto, sua responsabilidade, facultando ao Juiz a
redução da pena (TACrimSP – AC – rel. Devienne Ferraz –
j.21.03.2000 – RT 780/622)

3.2.1.2 Dos elementos constitutivos


consequenciais
da semi-imputabilidade
3.2.1.2.1 Incapacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou de
autodeterminar-se de acordo com
tal entendimento
Em razão de perturbação da saúde mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o
agente deve encontrar-se, no momento dos fatos,
parcialmente incapaz de compreensão normativa352 ou
de determinação.
Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini entendem que
na semi-imputabilidade o indivíduo é considerado
imputável, mas por despender maior esforço para
conhecer o caráter ilícito do fato e autodeterminar-se,
sua conduta é considerada de menor reprovabilidade353.
Por fim, o que difere a inimputabilidade da semi-
imputabilidade acerca da matéria é o grau de
incapacidade para compreender o caráter ilícito do fato
ou determinar-se de acordo com esse entendimento.
Enquanto a inimputabilidade exige que essa
incapacidade seja total, a semi-imputabilidade é
reconhecida quando essa capacidade é parcialmente
diminuída.
3.3 Consequências jurídico-penais
Também conhecida como medida de correção e
segurança pelo direito alemão, a medida de segurança
possui caráter estritamente preventivo (especial) e é
considerada uma das consequências jurídicas do
crime354.
A medida de segurança constitui forma de imposição de
‘tratamento’ aplicável a determinados agentes que
tenham praticado fato definido como crime e sejam
considerados, por lei, perigosos. Essa periculosidade
deve, para imposição da medida de segurança, ser
constatada na época dos fatos e nos momentos que se
seguem355.
Por força do art. 97, caput, do Código Penal, ao
inimputável impõe-se medida de segurança de
internação ou tratamento ambulatorial. Segundo o
dispositivo em tela, a forma como o agente cumprirá a
medida de segurança dependerá exclusivamente da
espécie da pena privativa de liberdade (reclusão ou
detenção).
Aos crimes apenados com pena de reclusão, impõe-se a
medida de segurança de internação; aos apenados com
pena de detenção, o tratamento ambulatorial.
Aos considerados semi-imputáveis aplica-se o sistema
vicariante356. De acordo com esse sistema, o juiz poderá
optar por reduzir a pena privativa de liberdade de um a
dois terços ou substituí-la por medida de segurança (art.
98, do Código Penal).
Há de se observar que a lei estabeleceu a natureza da
pena como critério de determinação da medida de
segurança a ser imposta. Assim, se para o fato praticado
for prevista pena de reclusão, o agente deverá ser
internado em Hospital de Custódia; se prevista pena de
detenção, receberá tratamento ambulatorial.
De outro prisma, verificamos que o legislador preferiu
voltar-se para a natureza da pena imposta ao crime
praticado, a verificar as reais condições e necessidades
psíquicas de quem o praticou.
Corroboramos com o entendimento apregoado por
Jaques de Camargo Penteado e Oswaldo Henrique Duek
Marques de que a forma como a redação legal foi
elaborada nos dá a ideia de que a periculosidade do
agente está sempre ligada à prática de determinadas
infrações357.
A medida de segurança deve ser imposta de acordo
com as condições do autor dos fatos e das circunstâncias
necessárias para seu tratamento. Impor qual a melhor
medida de tratamento à pessoa com anomalia psíquica a
partir de dois critérios objetivos coloca o magistrado em
posição insustentável.
Apesar dessa determinação legal, há entendimento no
sentido de que, se não houver prova de maior
periculosidade ou recomendação médica, a substituição
das medidas se impõe. Tratamento inverso, por sua vez,
tem previsão legal no art. 184 da Lei n. 7.210/1984.
Assim, se o agente revelar incompatibilidade com a
medida, o tratamento ambulatorial poderá ser
convertido. A medida de segurança deve ser a mais
adequada à situação psíquica do sujeito.
A imposição das medidas de segurança relacionadas às
espécies de pena trata-se, na verdade, de uma
recomendação. A substituição vem a ser o retrato da
realidade. Não há como aplicar a medida mais adequada,
avaliando-se objetivamente a pena que seria
eventualmente aplicada ao agente.
285 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 262-265.
286 WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos Aires: Roque
Depalma, 1956, p. 166.
287 WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos Aires: Roque
Depalma, 1956, pp. 166-167.
288 Tal referência deve-se ao fato de alguns doutrinadores desconsiderarem
a conjunção coordenativa alternativa ‘ou’ e tratam o requisito in fine como
conjunção coordenativa aditiva.
289 O mesmo preceito aplica-se à hipótese de semi-imputabilidade.
290 Resolvemos por assim denominá-los, pois sua presença depende
necessariamente da existência dos elementos constitutivos principais.
291 Enrique Ferri destaca a dificuldade de apresentar a condição jurídico-
penal dos enfermos mentais que praticaram fato delitivo (FERRI, Enrique.
Principios de derecho criminal. Delincuente y delito em la ciência, em
la legislacion y em la jurisprudência. Trad. José Arturo Rodriguez Muñoz.
Madrid: Reus, 1933, p. 643).
292 COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde
mental, crime e justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo,
2006, p. 17.
293 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 543.
294 PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal. São
Paulo: Quartier Latin, 2007, pp. 42-43.
295 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 270.
296 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 208.
297 Marcello Jardim Linhares ressalta que no direito penal italiano, a
diversidade da terminologia (enfermidade da mente, psicoses, distúrbios
da atividade da mente, incapacidade de entender ou querer etc.) torna
dificultoso sustentar um conceito exato de doença mental (LINHARES,
Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense,
1978, p. 24).
298 Assim assinala o autor: “o conceito é tomado de forma ampla, incluindo
estados que não são propriamente doenças mentais, como o desmaio e o
delírio febril. É possível dizer, com Enrique Bacigalupo, que o conceito
jurídico de doença mental não se sobrepõe exatamente ao conceito
médico de enfermidade mental” (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto.
Tratado da inimputabilidade no direito penal. São Paulo: Malheiros,
2000, pp. 55-56).
299 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 55-56.
300 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 23.
301 Marcello Jardim Linhares destaca que o conceito de doença mental deve
abarcar não somente a enfermidade psíquica, mas também a enfermidade
física que provoque reflexos sobre a capacidade de entendimento e
vontade (LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio
de Janeiro: Forense, 1978, p. 23).
302 COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde
mental, crime e justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo,
2006, p. 25.
303 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 16.
304 COHEN, Cláudio; FERRAZ, Flávio Carvalho; SEGRE, Marco (org.) Saúde
mental, crime e justiça. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo,
2006, p. 17.
305 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 16.
306 Maximiliano Roberto Ernesto Führer ressaltou a obra de Erasmo de
Rotterdam, Elogio da loucura, oportunidade em que o artista considerava
a loucura como fonte de criatividade.
307 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 21.
308 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
309 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 22.
310 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 23-24.
311 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal
interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 264.
312 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 270-271.
313 PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal. São
Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 46.
314 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 27.
315 “[...] quanto mais precoce for a instalação do defeito, tanto maior e
mais evidente será a deficiência, que costuma vir acompanhada, via de
regra, de um psiquismo que flui com incerteza, inferioridade, labilidade
emotiva, impulsividade e dificuldade de relacionamento com o mundo,
isso quando não vem acompanhada de desenvolvimento mental
retardado ou com dano neuropsiquiátrico.” O autor ainda ressalta que se
houver transtorno mental concomitante, a surdo-mudez deve ser
considerada como doença mental e não como desenvolvimento mental
incompleto (PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense
civil e penal. De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu,
2003, p. 502).
316 De acordo com Guido Arturo Palomba, o silvícola puro “possui maneira
de pensar, de agir e de sentir próprias de sua comunidade,
profundamente diferentes do homem civilizado. Entre os conceitos
totalmente divergentes estão a noção de coletividade e de
individualidade, de propriedade, de ambição e de desapego. [...] O
comportamento dos índios, embora tenha nuances de tribo para tribo, de
maneira geral tende à apatia, à frieza e à insensibilidade [...]” (PALOMBA,
Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. De acordo
com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 505).
317 Apedeutismo corresponde à figura de indivíduos considerados
ignorantes por não saberem ler e escrever e não terem acesso (ou, ainda
que tenham acesso, mas não tenham contato) aos sistemas de
comunicação.
318 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral.
10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 443.
319 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 467.
320 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e
penal. De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003,
p. 483.
321 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e
penal. De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003,
p. 483.
322 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e
penal. De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003,
pp. 486-487.
323 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e
penal. De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003,
p. 487.
324 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral.
10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 444.
325 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral.
10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 440.
326 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral.
v. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 144.
327 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral.
v. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 144.
328 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 288.
329 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 288.
330 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 288-289.
331 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 289.
332 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 51.
333 Segundo Maximiliano Roberto Ernesto Führer, “a singela vontade de
praticar o crime não é dirimente e, neste caso, o agente será totalmente
responsável. A exclusão da culpabilidade ocorre se a enfermidade mental
chega a causar incapacidade de autodeterminação, por eversão, adversão
e perversão, que são os mecanismos de adulteração da vontade. Eversão
é a subversão das atividades volitivas. Ocorre na psicose maníaco-
depressiva e nas demais manias. Adversão é a redução ou ablação
daquelas atividades, como por exemplo, acontece nas depressões em
geral, no autismo e nas síndromes de diminuição do impulso vital.
Perversão é todo o desvio mórbido da vontade que atinge o caráter,
especialmente no que se refere aos limites esperados como normais. É
encontrável amiúde nas personalidades psicopáticas” (FÜHRER,
Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade no direito
penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 52).
334 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 289.
335 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 289.
336 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral.
v. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 144.
337 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 53.
338 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli declaram discordar
das terminologias ‘imputabilidade diminuída’ e ‘semi-imputabilidade’
“pois trata-se de hipóteses em que há delito, com todos os seus
caracteres, inclusive, logicamente, a culpabilidade que, em tal situação,
apresenta um menor grau de censurabilidade, em virtude de uma
perturbação da consciência que não chega a configurar uma
inimputabilidade” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT,
2011, p. 548).
339 Cezar Roberto Bitencourt critica as expressões imputabilidade diminuída
ou semi-imputabilidade ao afirmar que são “absolutamente impróprias,
pois, na verdade, soam mais ou menos com algo parecido como
semivirgem, semigrávida, ou então como uma pessoa de cor semibranca!
Em realidade, a pessoa, nessas circunstâncias, tem diminuída sua
capacidade de censura, de valoração, consequentemente a
censurabilidade de sua conduta antijurídica deve sofrer redução”
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10.
ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 444).
340 CARVALHO, Hilário Veiga de et al. Compêndio de medicina legal. São
Paulo: Saraiva, 1987, p. 349.
341 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 271.
342 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 462.
343 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 272.
344 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 209.
345 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 271.
346 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 60.
347 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 60.
348 Segundo o autor, o grau de inimputabilidade deve ser observado pelos
efeitos concretos que a anomalia produziu na consciência da ilicitude e na
capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao tempo do crime. Não é
possível previsão segura apenas considerando a classificação estática em
perturbação ou doença mental (FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto.
Tratado da inimputabilidade no direito penal. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 63).
349 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 61.
350 “Falava-se antigamente, em relação aos ‘fronteiriços’, que eram semi-
loucos (GRASSET, Regis). E é bem conhecida a polêmica que este conceito
suscitou. Digladiaram-se em campos opostos a teoria dos ‘dois blocos’ e a
teoria do ‘bloco único’. Segundo a primeira (a que se apegou à ‘escola
positiva’ como a uma definitiva solução científica), ou é-se louco ou não
se é louco, ou é-se responsável ou não se é responsável: não há graus
intermédios. A unidade das faculdades psíquicas não admite a concepção
de indivíduos parcialmente loucos. De modo diverso, entretanto,
postulava a teoria do ‘bloco único’: não há uma nítida linha de separação
entre os mentalmente sãos e os doentes mentais; estão de permeio os
‘fronteiriços’, que são graus de passagem (natura non facit saltus). Se os
‘fronteiriços’ não são inteiramente responsáveis, também não podem ser
declarados irresponsáveis. Atualmente, porém, pode dizer-se que o
dissídio está superado: não há semiloucos ou semi-responsáveis, mas
entre a saúde mental e a loucura há estados psíquicos que representam
uma variação mórbida da norma, embora alheias à órbita da loucura ou
doença mental, e os seus portadores são responsáveis, mas com menor
culpabilidade, em razão da sua inferioridade bio-ético-sociológica, isto é,
de sua menor capacidade de discernimento ético-social ou de auto-
inibição ao impulso criminoso. Não se trata, como outrora se dizia, de um
artifício de política criminal. A moderna psiquiatria fornece base científica
ao critério do ‘vício parcial de mente’ (segundo a expressão do Código
italiano)” (HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao
Código Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 272).
351 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código
Penal. v. 1. t. II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 273.
352 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 477.
353 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código penal
interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 270.
354 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 674. Segundo
Jaques de Camargo Penteado e Oswaldo Henrique Duek Marques,
“embora tenha como pressuposto a prática de fato previsto como crime,
em decorrência do princípio da reserva legal, a medida de segurança não
constitui retribuição, nem se fundamenta na culpabilidade do agente”
(DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; PENTEADO, Jaques de Camargo.
Nova proposta de aplicação de medida de segurança para os
inimputáveis. Boletim IBCCrim, n. 58, set.1997).
355 O entendimento de que a medida de segurança deve ser verificada nos
instantes que prosseguem à prática do crime é fator preponderante para a
aplicação da medida de segurança decorrente da interpretação do art. 97,
§ 1º, do Código Penal. De acordo com o dispositivo, o prazo mínimo de
cumprimento da medida de segurança é de um a três anos e
permanecerá por tempo indeterminado até à cessação da periculosidade
do agente.
356 Importante declinarmos que a reforma da Parte Geral do Código Penal
alterou o tratamento dado ao semi-imputável. A redação originária do
diploma adotava o sistema ‘duplo binário’, ou seja, aos semi-imputáveis
aplicavam-se medida de segurança e pena. Com a reforma, passou a
imperar o sistema vicariante segundo o qual ao juiz compete aplicar a
pena, reduzida de um a dois terços, ou medida de segurança.
357 DUEK MARQUES, Oswaldo Henrique; PENTEADO, Jaques de Camargo.
Nova proposta de aplicação de medida de segurança para os
inimputáveis. Boletim IBCCrim, n. 58, set.1997.
4 Da Imputabilidade do Psicopata

Iniciamos o presente capítulo com uma breve


abordagem da obra de Michel Foucault “Eu Pierre Rivière,
que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão”358.
De acordo com a obra, 3 de junho de 1835 foi marcado
pela prática cruel de um crime que abalou a comuna de
Aunay, na aldeia chamada La Faucterie. Filho de um
agricultor da região, Pierre Rivière matou a golpes de
foice a mãe grávida, a irmã adolescente e um irmão de
sete anos de idade.
Relatos dão conta de que, após o delito, Pierre saiu do
local dos fatos empunhando uma foice ensanguentada
sem esboçar qualquer sentimento de culpa ou remorso.
Pierre Rivière fugiu e dias depois foi preso.
Quando interrogado, narrou uma história fantasiosa,
afirmando ter praticado os crimes obedecendo à ordem
divina. Engenhoso em todos os seus planos, quis passar
a ideia de que não estaria dentro da normalidade mental.
Enquanto esteve preso, Pierre Rivière escreveu, em
memoriais, os fatos que o levaram à prática dos crimes.
A história fantasiosa até então sustentada foi substituída
por uma narrativa rica em detalhes, que apontava os
motivos que o levaram a praticar os delitos.
Até a apresentação dos memoriais, Pierre era
considerado louco por todos que o conheciam. Segundo
testemunhas, o passado de Pierre sempre chamou a
atenção de moradores da localidade e da própria família.
Quando criança, era conhecido pela dureza de caráter e
dificuldade de demonstrar afetos. Pierre tinha ainda o
hábito de assustar os seus amigos e irmãos. Em uma das
ocasiões, apontou uma foice para um dos seus irmãos,
ameaçando-lhe cortar as pernas. Um dos seus
divertimentos consistia em pegar pássaros e rãs,
levantar suas peles e pregar os animais, ainda com vida,
em árvores.
Considerado doente mental, peritos passaram a
questionar a capacidade psíquica de Pierre após a leitura
do memorial escrito pelo próprio criminoso. A figura que
até então aparentava portar algum transtorno mental
passou a ser avaliada por determinados psiquiatras como
indivíduo plenamente normal e consciente dos seus atos.
Esses profissionais perceberam que os traços
comportamentais de Pierre retratavam mais o perfil de
um indivíduo normal, mas maldoso, do que o de um
doente mental.
Apesar dessa discussão, Pierre foi condenado por crime
de parricídio à pena de morte, mas, por clemência real,
sua pena foi comutada para prisão perpétua. Meses
depois, foi encontrado morto em sua cela.
Os fatos narrados por Michel Foucault nos dão a ideia
da dificuldade de se encontrar o diagnóstico de um
indivíduo que se fazia passar por doente mental, mas ao
mesmo tempo demonstrou tamanha lucidez quando
relatou com detalhes todos os atos ardilosos pensados e
executados até a prática dos crimes.
Dados dão conta de que Pierre Rivière sustentava um
comportamento típico de psicopatas. Sempre mostrou-se
consciente dos seus atos e da figura que queria passar
para os demais. Tempos se passaram e o diagnóstico
permaneceu incerto. Essa incerteza do diagnóstico
reflete as inúmeras incertezas que moldam o instituto.
No caso concreto, Pierre Rivière foi considerado pessoa
com doença mental e, em razão disso, condenado à pena
de morte. Na legislação brasileira, a matéria ainda não
foi disciplinada sob inúmeras justificativas. Considerando
a ausência legislativa, e a necessidade de apreciação da
matéria, passaremos a estudá-la, fundamentando nossos
posicionamentos a partir das ferramentas oferecidas pelo
direito penal e com os mandamentos que parecem não
demandar maiores questionamentos no campo da
medicina, da psicologia e da criminologia.
4.1 Considerações iniciais
A psicopatia encontra-se em um campo obscuro de
todas as ciências que a estudam. Por isso, ingressamos
no estudo da psicopatia e abstraímos das inúmeras
proposições o perfil do psicopata e suas circunstâncias
norteadoras.
Considerando que a aferição da inimputabilidade ou
semi-imputabilidade advém da interpretação do art. 26,
caput e parágrafo único, do Código Penal, traçaremos
neste capítulo um quadro comparativo entre os
delineamentos apresentados pelo direito penal e o
estudo acerca da psicopatia.
4.2 O psicopata delinquente
A psicopatia não pressupõe que todos os seus
portadores pratiquem infrações penais. Não são raros os
casos em que os psicopatas sejam considerados apenas
pessoas desagradáveis ou que os seus ilícitos se limitem
à esfera cível.
Contudo, quando praticam crimes, a sua personalidade
é evidenciada na forma e circunstâncias em que as
infrações se deram, bem como na gravidade e sadismo
evidenciados.
De acordo com a psiquiatra Hilda Clotilde Penteado
Morana, o diagnóstico de transtorno de personalidade
antissocial é frequente no ambiente prisional359. E, não
há no Brasil, estudos epidemiológicos para validar a sua
incidência360.
Segundo a autora, “para crimes violentos, a taxa dos
psicopatas é quatro vezes maior que a dos não
psicopatas. Em apenados brasileiros, encontrou
reincidência criminal 4,52 vezes maior em psicopatas
que em não psicopatas”361.
A necessidade de excitação continuada é muitas vezes
a justificativa para que repetidas infrações sejam
praticadas. Viver emoções contínuas é circunstância de
subsistência do psicopata. Estejam onde estiver, serão
capazes de repetir suas ações, criminosas ou não. Isso
não implica afirmar que, necessariamente, sempre
cometerão a mesma modalidade de delito. Em geral, os
psicopatas praticam diversos delitos para alcançar sua
finalidade ou o seu simples bem-estar.
O que nos preocupa é o tratamento penal conferido a
esses indivíduos. Considerando que eles têm alto poder
de manipulação e apresentam-se destemidos ante
qualquer ameaça, tornam-se os principais inimigos do
sistema penitenciário.
No sistema, são capazes de sustentar conduta
exemplar visando receber os benefícios legais. Dentre os
presidiários, despem-se da figura de bom interno e
podem praticar os mais cruéis crimes ou apenas impedir
a recuperação dos demais. Os psicopatas são
irrecuperáveis. Assim como a aplicação de medida de
segurança é de grande desvalia.
Reconhecendo a irrecuperabilidade e a potencialidade
de praticarem condutas antissociais no sistema
penitenciário, sugere-se a imposição de pena especial
aos psicopatas, de modo que venham cumprir a sua
pena sem que os fins da pena se tornem inalcançáveis
para os demais internos.
4.3 O psicopata e o Código Penal
O Código Penal nada disciplinou acerca da psicopatia,
inclusive quanto a sua existência.
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli
reconhecem a necessidade de disposição legal específica
e a problemática envolvendo a ausência de definição da
psiquiatria acerca do assunto.
Outro dos problemas que continuam preocupando a ciência penal é o
das chamadas psicopatias ou personalidades psicopáticas. A
psiquiatria não define claramente o que é um psicopata, pois há
grandes dúvidas a seu respeito. Dada esta falha proveniente do
campo psiquiátrico, não podemos dizer como trataremos o psicopata
no direito penal362.

Importante destaque recebeu o transtorno com o


Código Penal em vigor, na sua redação original. Apesar
de o Código nada dispor sobre o tema em seu art. 22,
caput, e parágrafo único do Código Penal de 1940, a
psicopatia recebeu grande consideração no item 19 da
Exposição de Motivos do Decreto-Lei n. 2.848/1940.
Segundo se extrai da norma citada, o projeto visou
disciplinar a responsabilidade penal dos chamados
‘fronteiriços’, a saber, os psicopatas e os anormais
psíquicos.
Desde a entrada em vigor do Código Penal de 1940, já
pairavam dúvidas acerca da imputabilidade do psicopata,
principalmente em razão da dificuldade de entrosamento
no campo da psiquiatria. Apesar disso, resolveu a
Exposição de Motivos do Decreto-Lei n. 2.848/1940 assim
disciplinar:
Em face da diversidade ou dubiedade dos critérios científicos, o
projeto, no interesse da defesa social, só podia tomar um partido:
declarar responsáveis os “fronteiriços”, ficando ao prudente arbítrio
do juiz, nos casos concretos, uma redução de pena, e isto sem
prejuízo da aplicação obrigatória de medida de segurança. Para a
adoção de tal critério milita, além disso, uma razão de ordem
prática. É preciso reforçar no espírito público a idéia da
inexorabilidade da punição. Deixando-se a coberto de pena, quando
autores de crimes, os anômalos psíquicos, que vivem no seio do
povo, identificados com o ambiente social, e que o povo, por isso
mesmo, não considera irresponsáveis, fica desacreditada a função
repressiva do Estado. A fórmula do projeto virá aumentar a certeza
geral da punição dos que delinqüem, tornando maior a eficiência
preventiva da sanção penal, não somente em relação ao homo
typicus, como em relação aos psicopatas, que são, sem dúvida
alguma, intimidáveis.

No texto em destaque, observamos a preocupação do


legislador de apresentar à sociedade o posicionamento
legal a ser aplicável aos psicopatas, seja demonstrando
preocupação com o bem-estar social, seja com a
necessidade do cumprimento de sua função como
Estado.
Com a reforma da Parte Geral do Código Penal, por
meio do item 22 da Lei n. 7.209/1984, assim ficou
disciplinada a matéria:
22. Além das correções terminológicas necessárias, prevê o Projeto,
no parágrafo único, in fine, do art. 26, o sistema vicariante para o
semi-imputável, como conseqüência lógica da extinção da medida
de segurança para o imputável. Nos casos fronteiriços em que
predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de
segurança. Na hipótese oposta, pela pena reduzida. Adotada, porém,
a medida de segurança, dela se extrairão todas as conseqüências,
passando o agente à condição de inimputável e, portanto, submetido
às regras do Título VI, onde se situa o art. 98, objeto da remissão
contida no mencionado parágrafo único do art. 26.

O legislador não conferiu à psicopatia a sua devida


importância. Ateve-se apenas a alterar o modo de
cumprimento da medida de segurança (passando do
duplo binário para o sistema vicariante) e a prever aos
‘fronteiriços’ que apresentassem quadro mórbido a
imposição de medida de segurança.
Parece-nos que falta ao direito, em toda sua
completude, a coragem para apreciar a questão. Ainda
que pairem dúvidas nos demais campos de estudo, o
direito precisa posicionar-se a respeito e, se necessário,
propor mudanças nas formas de aplicação da pena
(imposição de pena ou medida de segurança).
Entendemos que, apesar de o Código Penal nada
disciplinar acerca dos psicopatas, a omissão não tem o
condão de afastar qualquer interpretação acerca do
assunto. O legislador conferiu o ‘critério-base’ para o
reconhecimento da inimputabilidade e semi-
imputabilidade. Por outro lado, temos a psiquiatria, que
nos confere instrumentos para analisar a psicopatia de
acordo com os ditames previstos pelo Código Penal.
O fato de haver omissão legislativa não nos impede de
analisar a psicopatia de acordo com as regras gerais
estabelecidas pelo Código Penal. Por esse motivo,
dedicamos o primeiro capítulo para estudar a psicopatia
e retirar desse estudo os aspectos essenciais exigidos
pela legislação penal pátria para o reconhecimento ou
não da imputabilidade do agente.
4.4 Da imputabilidade do psicopata
(transtorno da personalidade
antissocial) de acordo com a
doutrina
Como abordaremos adiante, a verificação da
imputabilidade do psicopata não apresenta
entendimento uníssono entre os doutrinadores.
Ao discorrer sobre o conceito de perturbação da saúde
mental, Guilherme de Souza Nucci apontou a
“condutopatia” – terminologia não formal criada pelo
psiquiatra brasileiro Guido A. Palomba para se referir aos
psicopatas – como uma forma de perturbação da saúde
mental. O autor defende que, nessas situações, a
inimputabilidade está afastada, devendo levar o juiz a
reconhecer a semi-imputabilidade e assim reduzir a pena
do acusado ou determinar o cumprimento de medida de
segurança, conforme a intensidade da perturbação da
saúde mental.
São caracterizadas as perturbações por várias espécies de neuroses,
como síndrome de pânico, condutopatia, encefalopatia menor,
alcoolismo moderado, toxicomania moderada, reações a estresse
etc.
Nesse caso, não há eliminação completa da imputabilidade; logo,
pode o agente sofrer o juízo de reprovação social inerente à
culpabilidade, embora o juiz seja levado a atenuar a censura feita,
reduzindo a pena de 1/3 a 2/3.
Além disso, caso a perturbação da saúde mental (como dissemos,
uma forma de doença mental) seja intensa o suficiente, de modo a
justificar um especial tratamento curativo, o magistrado ainda pode
substituir a pena privativa de liberdade por medida de segurança
(internação ou tratamento ambulatorial), conforme preceitua o art.
98 do Código Penal363.
Cezar Roberto Bittencourt destaca o fato de grande
parte das “chamadas personalidades psicopáticas” – sem
explicitar em qual contexto essa terminologia está sendo
utilizada –, encontrarem-se na zona fronteiriça e, em
razão disso, têm a culpabilidade diminuída.
Situam-se nessa faixa intermediária os chamados fronteiriços, que
apresentam situações atenuadas ou residuais de psicoses, de
oligofrenias e, particularmente, grande parte das chamadas
personalidades psicopáticas ou mesmo transtornos mentais
transitórios. Esses estados afetam a saúde mental do indivíduo sem,
contudo, excluí-la. Ou, na expressão do Código Penal, o agente não é
“inteiramente” capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, parágrafo
único, do CP). A culpabilidade fica diminuída em razão da menor
censura que se lhe pode fazer, em razão da maior dificuldade de
valorar adequadamente o fato e posicionar-se de acordo com essa
capacidade364.

Guido Arturo Palomba ressalta que a psicopatia365 é


uma perturbação da saúde mental e, dessa forma, deve
ser reconhecida a semi-imputabilidade dos psicopatas.
Excepcionalmente, porém, ao psicopata poderá ser
determinada a inimputabilidade ou imputabilidade366.
Segundo Santiago Mir Puig367, o tratamento penal a ser
reconhecido aos psicopatas provoca grandes discussões.
O Tribunal Supremo na Espanha tem rechaçado o
reconhecimento da irresponsabilidade completa, mas
admite em algumas situações o reconhecimento da semi-
imputabilidade. Estas decisões são fundamentadas sob a
justificativa de que a psicopatia somente está ligada ao
campo da afetividade e não à lucidez mental368.
Para o autor, o termo ‘alienado’, antes previsto em lei,
não era apropriado para alcançar os indivíduos com
psicopatia que praticavam delitos. Isso porque os
psicopatas não são considerados enfermos mentais, não
estão ‘fora de si’, e os seus atos não ultrapassam o limite
da personalidade do sujeito. Atualmente, o legislador
substituiu o termo por ‘anomalia’ (art. 20, 1º, do Código
Penal espanhol). A partir de então, a psicopatia passou a
ser disciplinada.
Entende ainda que o psicopata não sofre qualquer
alteração psíquica que o impeça de entender o caráter
ilícito do fato, mas seu poder de autocontrole parece não
ser o mesmo de uma pessoa normal369.
Günther Jakobs declara que as psicopatias tratam de
variações da personalidade do agente em seu sentido
negativo, responsáveis por torná-lo pessoa anormal.
Segundo o autor, “os representantes da psiquiatria
forense consideram, em consonância com a
jurisprudência, como uma rara exceção uma
conformação tão intensa a ponto de caber uma plena
exculpação”370.
César Dario Mariano da Silva elenca a psicopatia como
uma das hipóteses de perturbação da saúde mental e,
por conseguinte, trata-a como causa de semi-
imputabilidade371. Do mesmo modo, E. Magalhães
Noronha372, Hilário Veiga de Carvalho373 e Miguel Reale
Júnior374 compartilham o entendimento.
Segundo Juan Carlos Ferré Olivé et al., houve um
período na história que considerar os psicopatas
inimputáveis provocaria grande alarme social, mas as
recentes revisões das classificações científicas
internacionais produziram uma nova caracterização das
enfermidades que permite propor tratamento similar ao
dos transtornos mentais, ou, ainda, avaliar a proposição
de redução da pena para estes indivíduos 375.
Se em outros tempos rechaçava-se de plano a possibilidade de se
considerar uma inimputabilidade plena ou diminuída para os
psicopatas, as tendências científicas evoluíram, ainda que seja justo
dizer que em certas ocasiões a jurisprudência não tenha seguido o
mesmo caminho que a ciência. O transtorno do comportamento é
um estado similar à enfermidade mental, o que pressupõe – se
alcançada suficiente gravidade – contar como pressuposto
psicopatológico para poder considerar uma imputabilidade
diminuída. Entretanto, como se verá a seguir, este pressuposto é
necessário, mas ineficiente para se falar de inimputabilidade, porque
deve ser complementado com os efeitos psicológicos concretos
(capacidade de motivação normativa), que serão determinantes para
se estimar ou não a culpabilidade do sujeito376.

Ao tratar dos psicopatas, Basileu Garcia os identifica


como loucos morais ou psicopatas amorais e defende o
reconhecimento da inimputabilidade dos seus
portadores.
Lembre-se, outrossim, a categoria terrível dos loucos morais, ou
psicopatas amorais, como prefere denominá-los JOSÉ ALVES GARCIA,
ao traçar-lhes este perfil, na sua psicopatologia forense: “São
indivíduos insensíveis, anti-sociais ou perversos, destituídos de
compaixão, de vergonha, de sentimentos de honra e conceitos
éticos; não sentem simpatia pelas pessoas de seu grupo social e têm
conduta lesiva ao bem-estar e à ordem estabelecida. As
personalidades desse tipo mostram-se precocemente voluntariosas,
cruéis, insinceras, cometem faltas, não se adaptam nos colégios, e,
já na maturidade, tornam-se inacessíveis, impiedosas, brutais e
impulsivas. São frias, pérfidas e arrogantes. Seu campo de ação anti-
social é o das ofensas físicas contra pessoas e a propriedade,
reincidindo freqüentemente nos delitos de sangue”.
Os criminalistas propendem a incluir o louco moral entre os
imputáveis, visto como tem íntegra a inteligência, embora
grandemente transviada a afetividade. Não deixa de ser uma
anormal, mas a defesa da coletividade reclama que se lhe apliquem
penas. E, visivelmente, não o impede a fórmula prescrita no art. 22,
ao aludir, de modo expressivo, à total, à absoluta inaptidão para
compreender ou orientar-se377.

Maximiliano Roberto Ernesto Führer declara que,


embora a grande maioria dos doutrinadores aponte a
semi-imputabilidade como classificação adequada aos
psicopatas, esses agentes geralmente têm plena
consciência da ilicitude dos fatos e da capacidade de
autodeterminação. Segundo o autor, a deformidade ética
não pode ser considerada pressuposto de
inimputabilidade jurídica:
Muito se tem falado que a dinâmica da pena criminal não é
satisfatória nem adequada para a ressocialização do psicopata. Daí a
conveniência do juízo de semi-imputabilidade, onde poderia ser
aplicada medida de segurança.
A estrutura da argumentação não se sustenta.
[...]
Um juízo equivocado de semi-imputabilidade estará premiando a
malvadez pura378.

Ao defender a imputabilidade do psicopata, o professor


Walfredo Cunha Campos adota essa obra para justificar
seu entendimento.
É o que pode ocorrer, na prática, em caso de acusado que seja
considerado psicopata, havendo entendimento de se tratar semi-
imputável, o que, com a devida vênia, não pensamos ser a mais
acertada posição; preferimos seguir o ensinamento da professora
Michele O. de Abreu que, em seu brilhante livro sobre o tema, afirma
que os psicopatas são imputáveis porque ‘(...) são meticulosos,
premeditam seus atos e têm plena consciência do que pretendem
praticar e das suas consequências. Sabem exatamente até que
ponto podem ir e o momento em que devem parar’. E conclui, com
integral acerto: ‘O psicopata é imputável porque não está acometido
de qualquer distúrbio que provoque alteração em sua saúde
psíquica; além disso, tem plena consciência da leviandade
(imoralidade e ilegalidade) dos atos que pretendem praticar e
autocontrole suficiente para repeli-los no momento que refutarem
mais benéfico’379.

O psiquiatra forense argentino Hugo Marietan380


destacou os três critérios estabelecidos por Genoves
para apurar o grau de responsabilidade criminal dos
psicopatas que avaliam o grau de responsabilidade penal
do autor dos fatos. O primeiro deles impõe a
consideração da excepcionalidade da inimputabilidade,
ou seja, todos são considerados imputáveis até que a
inimputabilidade do sujeito seja constatada. Para o autor,
os psicopatas são, a priori, responsáveis penalmente
porque, assim como os infratores não psicopatas, têm
pleno conhecimento da norma penal.
O segundo critério diz respeito à irresistibilidade dos
impulsos. De acordo com esse aspecto, verifica-se se o
agente, além de ter conhecimento da ilicitude dos fatos,
consegue conter os impulsos irresistivelmente. Inserindo
a figura do psicopata nesse contexto, Hugo Marietan
ressalta que a ideia de ‘impulso irresistível’ é ambígua ao
fato de que alguns psicopatas preparam seus crimes
antes de praticá-lo.
Por fim, o último critério propõe que o sujeito não pode
ser considerado responsável criminalmente se sua ação
delitiva é produto da sua enfermidade mental. O autor
ressalta que a psicopatia não pode ser considerada
doença mental, portanto, o psicopata deve responder
criminalmente pelos fatos praticados.
Na Argentina, entende-se que essas pessoas não
possuem transtorno mental e “podem discernir e
entender a criminalidade de seus atos e dirigir suas
ações; em conseqüência, são responsáveis pelo que
fazem”381. Segundo Hugo Marietan, são considerados
imputáveis porque suas condições não estão abarcadas
pelo artigo 34 do Código Penal382.
Conforme observamos, a doutrina majoritária tende a
defender a semi-imputabilidade do psicopata, sob a
justificativa de que a psicopatia encontra-se na “zona
fronteiriça”. Percebe-se que, parte dos adeptos desse
entendimento, sequer consideram os critérios
biopsicológicos adotados pelo Código Penal,
expressamente expostos no caput e parágrafo único do
art. 26 do Código Penal.
A existência de uma “perturbação da saúde mental” (se
a psicopatia for compreendida em laudo pericial) – que,
aliás, é uma construção jurídica – não é suficiente, por si
só, para determinar a semi-imputabilidade do seu
portador. Como vimos ao longo deste trabalho, a
existência de uma “doença mental”, “perturbação
mental” ou “desenvolvimento mental incompleto ou
retardado” deve ser suficiente para afastar ou diminuir a
capacidade de o indivíduo, no momento da ação ou
omissão, entender o caráter ilícito do fato ou de
autodeterminar-se conforme esse entendimento.
Assim, não basta a constatação de uma doença mental
ou perturbação da saúde mental para o reconhecimento
da inimputabilidade ou semi-imputabilidade. Até porque
é possível que, por exemplo, uma pessoa com transtorno
afetivo bipolar (F31 – CID-10) ou com outro transtorno,
seja considerada imputável porque, no momento da ação
ou omissão criminosa, estiveram intactas suas
capacidades intelectiva e volitiva. Reduzir um transtorno
– muitas vezes sequer considerado uma doença mental
propriamente dita – à inimputabilidade ou semi-
imputabilidade do réu, viola a lei penal e revela a
necessidade de maior conhecimento sobre como os
transtornos mentais e de comportamento afetam e se
manifestam em seus portadores.
4.5 O psicopata (transtorno de
personalidade antissocial) nos
Tribunais
Retomamos os estudos iniciais deste livro para reforçar
que a psicopatia corresponde ao transtorno de
personalidade antissocial. Sustentar esse entendimento
nos parece adequado e oportuno, haja vista que um
laudo pericial ou avaliação psicológica realizados no
contexto forense criminal irão se valer da nomenclatura
diagnóstica prevista na décima revisão da Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde (CID-10)383, elaborada e
revisada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a
saber: transtorno de personalidade antissocial.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. EXECUÇÃO
PENAL. PROGRESSÃO INDEFERIDA EM 1º GRAU. MANUTENÇÃO DO
DECISUM PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REQUISITO SUBJETIVO NÃO
PREENCHIDO. PARECER PSICOLÓGICO DESFAVORÁVEL.
PSICOPATIA COMPATÍVEL COM TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE ANTISSOCIAL. ELEVADO RISCO DE
COMETIMENTO DE OUTROS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA.
ILEGALIDADE FLAGRANTE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa,
uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em
substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal,
admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de
ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Legítima é a
denegação de progressão de regime com fundamentos concretos, no
caso pelo não preenchimento do requisito subjetivo em virtude,
essencialmente, do conteúdo da avaliação psicológica
desfavorável à concessão do benefício, com a presença de
psicopatia compatível transtorno de personalidade
antissocial, estando presente elevado risco de cometimento de
outros delitos. Precedentes. 3. Habeas corpus não conhecido. (STJ -
HC: 308246 SP 2014/0283229-8, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO,
Data de Julgamento: 24/02/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 04/03/2015) (grifo nosso)

Até a publicação da primeira edição deste livro (2013),


os laudos periciais produzidos nos incidentes de
insanidade mental (arts. 149 a 154 do Código de
Processo Penal), apontavam, em regra, à semi-
imputabilidade do agente diagnosticado com transtorno
da personalidade antissocial (psicopatia). Além de certas
decisões apresentarem erroneamente o transtorno de
personalidade antissocial como expressão sinônima de
psicopatia, o seu diagnóstico foi tratado como
“pressuposto necessário” para o reconhecimento da
semi-imputabilidade dos periciados384. Entendia-se que,
além de o transtorno de personalidade antissocial
(psicopatia) dizer respeito a uma perturbação da saúde
mental, seus portadores possuíam parcial capacidade de
autodeterminação (parte final do parágrafo único do art.
26 do Código Penal)385. Os laudos eram judicialmente
acolhidos, e esse entendimento foi corroborado pelos
tribunais.
A questão parecia divergir apenas no tocante às
consequências do seu reconhecimento: a redução da
pena386 ou a aplicação de medida de segurança387 (art.
98 c.c o art. 96 do Código Penal).
Na segunda edição (publicado em 2021), constatamos
que o tema passou a ser tratado de modo diverso. À
medida que estudos e pesquisas científicas ganharam
destaque no país, sobretudo as produzidas
internacionalmente, as decisões judiciais já apontavam
para um novo entendimento: a imputabilidade do
psicopata e a sua influência desde a dosimetria da pena
aos aspectos ligados à sua execução388.
Nesta edição, a questão parece ter-se firmado.
Ressalvadas decisões isoladas389, o avanço sobre o
entendimento da imputabilidade do indivíduo com
transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) já é
uma realidade. Além de os laudos atestarem que o
transtorno de personalidade em estudo não consiste em
transtorno mental, têm apontado que sua existência, por
si só, não é capaz de retirar as capacidades de
entendimento e de autodeterminação do seu portador.
Não bastasse o reconhecimento da sua imputabilidade,
aspectos relacionados à personalidade, culpabilidade e
conduta social dos réus com o diagnóstico de transtorno
de personalidade têm sido preponderantes para provocar
a majoração da pena-base (art. 59 do Código Penal), na
dosimetria da pena (art. 68 do Código Penal). De igual
sorte, a presença nos autos de laudo e/ou avaliação
psicológica que apontem para o diagnóstico de
transtorno de personalidade antissocial do acusado tem
sido preponderante para o indeferimento dos pedidos de
progressão de regime (art. 33, 2º, do Código Penal e art.
112, §2º, da Lei n. 7.210/84) e livramento condicional
(art. 83 do Código Penal e art. 131 da Lei n. 7.210/84).
Nessas situações, a psicopatia (transtorno de
personalidade antissocial) é considerada requisito
subjetivo impeditivo para a concessão das benesses,
ainda que o condenado comprove “ostentar boa conduta
carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento”
(art. 112, §1º, da Lei n. 7.210/84).390
À medida que os ensinamentos acerca da psicopatia
têm avançado391, acreditamos que seu reconhecimento
também influirá na determinação do regime inicial de
cumprimento da pena privativa de liberdade mais
gravoso (art. 33, §3º, do Código Penal); na
impossibilidade de substituir a pena privativa de
liberdade nos termos dos incisos I a IV, do art. 59, do
Código Penal; como circunstância impeditiva para a
concessão de benesses; e em decisões judiciais que
dependam da avaliação da “culpabilidade, dos
antecedentes, da conduta social e da personalidade do
agente” do indivíduo, como a suspensão condicional da
pena (art. 77, inciso II, do Código Penal).
Sem a pretensão de esgotar a exposição dos julgados
sobre a matéria, destacaremos abaixo apenas alguns que
refutamos importantes, dadas as particularidades.

4.5.1 Transtorno de Personalidade


Antissocial (psicopatia):
Imputabilidade e Circunstância
judicial desfavorável (arts. 59,
caput, e 68, ambos do Código
Penal)392
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO E
HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ALEGAÇÃO DE VEREDICTO
MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. NÃO
RECONHECIMENTO DA SEMI-IMPUTABILIDADE PELOS JURADOS. RÉU
DIAGNOSTICADO COMO PSICOPATA. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE
LAUDO PSIQUIÁTRICO INDICANDO QUE O RÉU TINHA CAPACIDADES
COGNITIVA E VOLITIVA PRESERVADAS. VEREDICTO DOS JURADOS
AMPARADO EM PROVA CONSTANTE DOS AUTOS. VEREDICTO
MANTIDO.
1. A doutrina da psiquiatria forense é uníssona no sentido de
que, a despeito de padecer de um transtorno de
personalidade, o psicopata é inteiramente capaz de entender
o caráter ilícito de sua conduta (capacidade cognitiva).
2. Amparados em laudo psiquiátrico atestando que o réu
possuía, ao tempo da infração, a capacidade de
entendimento (capacidade cognitiva) e a capacidade de
autodeterminar-se diante da situação (capacidade volitiva)
preservadas, os jurados refutaram a tese da semi-
imputabilidade, reconhecendo que o réu era imputável.
3. Não merece qualquer censura a sentença proferida pelo
Presidente do Tribunal do Júri que deixou de reduzir a reprimenda
pela causa prevista no art. 26, parágrafo único, do Código Penal, se o
soberano conselho de sentença não afastou a tese da semi-
inimputabilidade do réu. Precedentes do TJDFT.
4. Existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na
escolha de uma delas pelo Tribunal do Júri, não pode a Corte
Estadual cassar a decisão do conselho de sentença para dizer que
esta ou aquela é a melhor solução, sob pena de ofensa ao princípio
constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, CF).
5. O Júri é livre para escolher a solução que lhe pareça justa, ainda
que não seja melhor sob a ótica técnico-jurídica, entre as teses
agitadas na discussão da causa. Esse procedimento decorre do
princípio da convicção íntima.
6. Pretensão recursal de cassação do julgamento improvida.
ALEGAÇÃO DE VEREDICTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA
DOS AUTOS, PELA INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO ÀS
QUALIFICADORAS. DESCABIMENTO. PROVAS SUFICIENTES QUANTO À
CONFIGURAÇÃO DAS QUALIFICADORAS REFERENTES AO MOTIVO
TORPE E À DISSIMULAÇÃO. 1. Adequada a incidência da qualificadora
do motivo torpe, em razão da existência de provas dando conta de
que o crime foi praticado pelo ciúme obsessivo nutrido pelo apelante
em razão do relacionamento de sua prima e ex-namorada com
outrem. Precedentes. 2. Resta configurada a dissimulação quando o
agente, a pretexto de falsa trégua, dissimuladamente atrai as
vítimas com a finalidade de obter aproximação física com elas,
viabilizando a prática dos homicídios, um tentado e o outro
consumado. ALEGAÇÃO DE ERRO NA FIXAÇÃO DA PENA. PRIMEIRA
FASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO
INIDÔNEA. DESCABIMENTO. PROCEDIMENTO DE INDIVIDUALIZAÇÃO
DA PENA CORRETO. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 59 DO
CÓDIGO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA E CORRETA. 1. Não
há que se falar em reforma da dosimetria da pena quando referido
1/2 procedimento foi elaborado em total consonância com os artigos
59 e 68 do Código Penal, bem como com os artigos 5º, inciso XLVI; e
93, inciso IX, ambos da Constituição Federal. 2. O juiz sentenciante
dispõe de discricionariedade na análise das circunstâncias judiciais e
na fixação das penas, desde que o faça com estrita observância das
diretrizes dos artigos 59 e 68 do Código Penal. 3. A circunstância
judicial relativa à conduta social refere-se ao comportamento do
agente no seio social, familiar e profissional. Revela-se por seu
relacionamento no meio em que vive, tanto perante a comunidade,
quanto perante sua família e seus colegas de trabalho. Assim, é
suficiente para exasperação da pena-base o fato de o agente não
estudar, não exercer qualquer ocupação lícita e levar vida
desregrada. 4. As consequências do crime devem ser consideradas
desfavoráveis ao agente quando um ente é brutal e
intempestivamente retirado do seio familiar, gerando traumas e
sequelas que dificilmente serão superadas. Alegar que o trauma e a
sequela carecem de maior fundamentação a justificá-las é atender a
anseios demasiadamente garantistas, eis que somente a família da
vítima pode dimensionar o sofrimento decorrente da perda da
mesma. 5. A premeditação é elemento concreto apto a justificar a
exasperação da pena base a título de circunstâncias do crime.
Precedentes do STJ. 6. A circunstância judicial relativa à
personalidade do agente pode ser aferida a partir do modo de agir
do réu no evento delituoso. Assim, deve o juiz sentenciante avaliar a
insensibilidade acentuada, a maldade, a desonestidade, a cupidez ou
a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na
consecução do delito, sendo dispensável, portanto, a submissão do
réu a exame psiquiátrico ou psicológico para se chegar a tal
conclusão. Precedentes do TJTO. 7. De acordo com a posição
majoritária da doutrina e da jurisprudência, a continuidade delitiva é
uma ficção jurídica, de modo que, a despeito da pluralidade de
crimes, considera-se a existência de um só delito, conforme o
preenchimento dos requisitos objetivos (delitos da mesma espécie,
condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e,
ainda, subjetivos (unidade de desígnios). Com isso, adotou-se a
teoria mista ou objetivo-subjetiva. Precedentes STJ. 8. Não há que se
falar em continuidade delitiva, no caso concreto, quando restou
comprovado que o agente possuía desígnios autônomos. Mantido,
pois, o concurso material (art. 69, CP). 9. Apelação conhecida e
improvida. (TJTO - AP 5004417-64.2012.827.0000, Rel. Juíza
convocada ADELINA GURAK, 5ª Turma da 1ª Câmara Criminal,
julgado em 10/2/2015).

Trata-se de apelação criminal interposta contra


sentença penal condenatória proferida pelo Tribunal do
Júri da comarca de Araguaína, no Estado de Tocantins,
que condenou o apelante aos crimes de homicídio
consumado, qualificado por motivo torpe e dissimulação
(art. 121, §2º, I e IV, do Código Penal), e de homicídio
tentado, qualificado por motivo torpe e dissimulação (art.
121, §2º, I e IV, c/c art. 14, II, Código Penal), cometidos
em concurso material (art. 69, Código Penal).
Entre outras matérias alegadas, o apelante pleiteou a
anulação do julgamento, por considerar a decisão dos
jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art.
593, III, alínea d) do Código de Processo Penal). Segundo
o recorrente, mesmo havendo laudo psiquiátrico
atestando a psicopatia do réu, os jurados não
entenderam pela sua semi-imputabilidade.
O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso e, no
tocante à matéria, destacou que o laudo psiquiátrico que
atestou a psicopatia do réu também indicou pela sua
plena capacidade de culpabilidade. Outrossim, pontuou
que a decisão dos jurados coadunou com as provas
constantes nos autos e, portanto, não há que falar na
nulidade do julgamento.
O Tribunal de Justiça destacou trechos do laudo
psiquiátrico em sua decisão, apontando a conclusão do
perito oficial:
[...] o réu entendia o caráter ilícito do fato, se determinava de acordo
com este entendimento e ainda simulou doença mental antes de
cometer o crime e, como revelou, já tinha a intenção homicida; o uso
do álcool aponta que a embriaguez foi preordenada e o único
distúrbio encontrado foi em relação ao seu tipo de personalidade que
não tenho dúvida de afirmar é anti-social, o que não modificou a sua
capacidade de entendimento e determinação.

Igualmente, informou que o perito oficial, em resposta


aos quesitos formulados pelo Ministério Público, concluiu
ser o réu pessoa com transtorno de personalidade
antissocial, reconhecendo-o como “psicopata”.
Destacamos o fato de a juíza relatora, ao julgar o
recurso, ter invocado o atual entendimento acerca da
psicopatia, argumentando que o psicopata é
inteiramente capaz de entender o caráter ilícito da sua
conduta (capacidade cognitiva) e de determinar-se
(capacidade volitiva).
A doutrina da psiquiatria forense é uníssona no sentido de que, a
despeito de padecer de um transtorno de personalidade, o psicopata
é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta
(capacidade cognitiva).
[...]
Quanto à capacidade volitiva, isto é, de autodeterminar-se diante da
situação, Robert Hare ensina que o comportamento dos psicopatas
[…] é resultado de uma escolha exercida livremente.
Portanto, segundo o autor supracitado, o psicopata possui suas
capacidades cognitiva e volitiva preservadas.

A discussão acerca da imputabilidade do psicopata


também se deu nos seguintes julgados:
a) Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. ARTIGO 121, §2°, II E IV, DO CÓDIGO
PENAL. DECISÃO DOS JURADOS PELA CONDENAÇÃO DO RÉU,
RECONHECENDO APENAS A QUALIFICADORA PREVISTA NO INCISO IV,
BEM COMO A SEMIIMPUTABILIDADE DO RÉU. SENTENÇA. RECURSO
DA DEFESA TÉCNICA COM FULCRO NO ARTIGO 593, III, “A”, “B”, “C” E
“D”, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

1. O Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu,


considerando a decisão dos Jurados, julgou parcialmente procedente
a pretensão punitiva estatal para condenar S.J.G. como incurso no
artigo 121, §2º, IV, do Código Penal, à pena de 17 (dezessete) anos e
04(quatro) meses de reclusão, em Regime Fechado, ex vi do artigo
33, §2º, alínea “a”, do citado Diploma Legal (indexador 947).

2. Recurso de Apelação da Defesa Técnica com fundamento no artigo


593, III, “a”, “b”, “c” e “d”, do CPP (indexador 918), alegando,
inicialmente, nulidade do laudo produzido no incidente de insanidade
mental, em razão de a perícia ter sido realizada por apenas um
Perito, conforme informações colhidas durante o julgamento, embora
esteja assinado por dois experts, bem como tendo em vista a falta
de fundamentação da referida peça técnica. Argumenta, ainda, que
o aludido laudo ingressou nos autos como prova emprestada. No
mérito, sustenta que a Decisão dos Jurados é manifestamente
contrária à prova dos autos e, ainda, negativa de autoria. Requer,
pois, a anulação da Decisão condenatória, submetendo o Acusado a
novo julgamento. Subsidiariamente, pede a diminuição da pena.
Formula, outrossim, prequestionamento com vistas ao eventual
manejo de recurso aos Tribunais Superiores (indexador 974).

3. Passa-se, desde logo, à análise da alegação defensiva de nulidade


do laudo produzido no incidente de insanidade mental nº 0021724-
19.2015.8.19.0038, relativo ao processo-crime 0021724-
19.2015.8.19.0038, concernente à vítima Fátima Miranda, juntado
aos presentes autos por linha, conforme apenso, sendo, pois,
utilizado neste feito como prova emprestada. Sendo assim, não foi
requerido pelas partes nos presentes autos a instauração de
incidente de insanidade mental.

4. Primeiramente, convém observar que o Código de Processo Penal


autorizou, expressamente, a realização de perícia por apenas um
expert, nos termos do artigo 159, com redação dada pela Lei 11.690,
de 2008, portanto, posteriormente à edição da Súmula nº 361 do
Supremo Tribunal Federal, cuja aprovação data de 13/12/1963, sendo
certo que a jurisprudência do Pretório Excelso já se orientava no
sentido da inaplicabilidade da aludida Súmula em se tratando de
peritos oficiais. No caso vertente, o Laudo Pericial foi elaborado pela
Perita Sandra Guenhalgh (anexo 885/889 – fls. 67/71), sendo
assinado por ela e pelo Doutor Miguel Challub. De qualquer forma,
não há como se afirmar que o Dr. Miguel Challub, que era o Médico
Diretor do Departamento de Perícias Forenses do Hospital
Psiquiátrico Heitor Carrilho, não tenha, em algum momento,
examinado o Recorrente, mormente considerando existir nos autos
entrevista concedida pelo respeitável médico-perito sobre o caso em
tela, em rede nacional de televisão. O laudo em questão concluiu
que, ao tempo da ação ou omissão, o Recorrente era capaz de
entender o caráter ilícito do fato e era inteiramente capaz de
determinar-se de acordo com esse entendimento. A combativa
Defesa Técnica pretende questionar as conclusões do incidente de
sanidade mental em sede de apelação. Todavia, tal já ocorreu por
ocasião da Sessão Plenária, onde foram ouvidos não só a Perita que
subscreve o aludido laudo, como, também, outros experts que foram
chamados para prestarem esclarecimentos, tendo o Júri de tudo
ficado ciente e decidido. Cabe destacar, por outro lado, que o Laudo
de Sanidade em tela foi aproveitado neste feito como prova
emprestada e, eventual nulidade, deveria ter sido arguida nos autos
dos quais se originou. A peça técnica em tela, aqui, é mais um,
dentre outros elementos, que serviu de base para a tomada de
Decisão do Conselho de Sentença, o qual, inclusive, decidiu de modo
diverso à conclusão ali chegada, já que reconheceu a semi-
imputabilidade, favorecendo ao Apelante. Deste modo, não há como
se acolher o pleito defensivo de nulidade.

5. Quanto à alegada contrariedade à prova dos autos, também não


assiste razão à Defesa, tendo em vista o acervo probatório coligido
ao longo das duas fases do procedimento escalonado do Júri, com
destaque para os depoimentos colhidos, em Juízo, sendo certo que a
materialidade delitiva restou positivada pelos Laudos de Exame de
Corpo de Delito de Necropsia (indexador 65, 296) e Laudo
Complementar de Exame de Corpo de Delito de Necropsia
(indexador 293). Senão vejamos.
O Delegado da Polícia Civil, o Doutor Marcelo Machado, que gravou a
confissão feita pelo Recorrente em sede inquisitorial, apresentou
relato firme e seguro em ambas as fases do procedimento
escalonado, esclarecendo que o Acusado deu detalhes quanto à
execução da vítima M.O.S.B, informações que, segundo o depoente,
só alguém que esteve na cena do crime poderia dar, conforme
trechos de sua fala colacionados. O Policial civil Carlos Eduardo de
Carvalho Pinheiro, por sua vez, disse que, em três dias de diligências
em Nova Iguaçu, o Acusado indicou aos policiais os locais em que
teria cometido diversos crimes, detalhando-os. Ressalta que as
vítimas eram sempre mulheres, brancas e que residiam sozinhas.
Pontua que o Recorrente indicou a residência da vítima M.O.S.B e
que esclareceu que esperou os cães da casa vizinha pararem de latir
para só então entrar no local. Salienta que o Réu relatou que
observou a rotina da vítima durante alguns dias, relatando, ainda, os
crimes cometidos em face de Caroline e Bianca, ressaltando que o
interior do imóvel da casa onde Bianca residia correspondia à
descrição feita pelo Acusado. Pontua, ainda, que o apelante disse
que gostava de ver as vítimas sofrerem.

G.E.S.B.N. filha da vítima do delito apurado nestes autos, narra, em


juízo, que, ao chegar à residência de sua mãe, percebeu que a porta
estava encostada e, ao adentrar ali, deparou-se com a vítima
deitada na sala, em um colchão, ensanguentada, com cortes nos pés
e com um cabo de faca em suas costas. Salienta que o trinco da
janela da sala já se encontrava quebrado antes do ocorrido e que a
depoente teve de passar por tratamento psicológico em razão dos
fatos. A Psiquiatra do Sistema Penitenciário, também
Psiquiatra forense do Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho,
Doutora Sandra, forneceu esclarecimentos sobre o laudo
elaborado por ela, nos autos do processo tendo por vítima
Fátima Miranda, afirmando que foi apurado que o Recorrente
tem transtorno de personalidade antissocial, mas que isso
não lhe retira a capacidade de entender o caráter ilícito de
sua conduta. Aduz que ele pode ser considerado um
psicopata, o que não se confunde com enfermidade mental,
ressaltando que o Réu não mostra qualquer arrependimento
ou empatia. Assevera que os psicopatas, em 99% das vezes,
têm consciência da ilicitude, de estar praticando um ato
criminoso e que, inclusive, tem capacidade para se controlar.
Esta última assertiva encontra eco nas declarações do
Doutor José de Mattos, Assistente Técnico do Ministério
Público, o qual não examinou pessoalmente o Réu, mas
assistiu à gravação das entrevistas realizadas com o
Apelante pelo Delegado de Polícia, tendo o expert afirmado,
em plenário, que o psicopata consegue controlar o seu
impulso, adiando uma ação criminosa, se o momento não se
mostrar propício.

C.P.C, vítima em outro processo e que sobreviveu a um ataque do


Recorrente, ouvida em Sessão Plenária, relatou que, ao acordar,
avistou o Acusado abaixado no chão e que, após ele a tocar, a
depoente tentou lutar, mas desmaiou. Ressalta que, ao recobrar a
consciência, o Réu ainda se encontrava em sua residência e que ele
admitiu que a observava há determinado período e que a mataria.
Relata que o Acusado informou que gostava de matar mulheres
brancas e loiras, ressaltando que havia matado diversas vítimas.
Disse, ainda, que o Réu portava um facão na cintura e que, após
conversar com o Apelante, este desistiu de matá-la.

B.R.C, vítima em outro procedimento, por sua vez, narra, em juízo,


que, ao acordar de madrugada, avistou o Acusado ao seu lado, em
pé observando a depoente. Afirma, ainda, que o Acusado imobilizou
a declarante e a enforcou, momento em que desmaiou. Salienta que
recebeu nove golpes com faca no pescoço e na boca e que seu filho,
de apenas cinco meses à época dos fatos, recebeu três cortes no
pescoço. Esclarece que, após a prisão do Réu, este levou os policiais
a residência da depoente, tendo admitido o crime. Salienta que sua
avó havia visto o Acusado em sua rua, ressaltando que o mesmo já
lhe pedira comida.

Desta forma, diante de todos os elementos coligidos ao longo das


duas fases do procedimento do Júri, não se vislumbra que a Decisão
dos Jurados se mostre contrária a prova dos autos. Não é demais
lembrar que, em sede de apelação, é defeso, no procedimento dos
crimes dolosos contra a vida, nova análise do mérito pelo Egrégio
Tribunal de Justiça, sob pena de violação do Princípio Constitucional
da Soberania dos Veredictos. Antes, o que cabe a este Colegiado é
verificar se a Decisão do Conselho de Sentença afigura-se
completamente dissociada do acervo probatório, o que inocorre no
caso vertente. Ao contrário do argumentado pela Defesa, há
elementos, sim, que podem indicar a autoria do crime ao Réu, sendo
certo que a confissão extrajudicial do Recorrente não restou isolada
nos autos e foi confrontada com as demais provas do processo,
mormente nas declarações dos policiais civis e demais relatos
colhidos ao longo das duas fases do procedimento. Destarte, em
havendo mais de uma versão sobre a mecânica dos fatos, como
acontece do caso vertente, todas com respaldo probatório nos autos
e tendo os Jurados optado por uma delas, não há de se falar em
cassação do veredicto, com vistas à realização de novo julgamento.
Nessa linha de ideias, somente se vislumbraria decisão
manifestamente contrária à prova dos autos se a Decisão do
Conselho de Sentença fosse absolutamente atentatória à verdade
apurada no feito, com dissociação integral do acervo probatório
coligido, com total e incontroverso desprezo da prova produzida no
processo, o que, repita-se, não se verifica na espécie. Deste modo,
não se acolhe a alegação defensiva.

6. DOSIMETRIA. O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo


previsto no tipo penal incriminador, ou seja, em 22(vinte e dois) anos
de reclusão, ao argumento, em síntese, de que o Réu ostenta maus
antecedentes, conforme Folha Penal (anotações 2 e 4 de 12,
indexador 369), personalidade marcada pela frieza, agressividade,
insensibilidade acentuada, passionalidade exagerada, maldade,
irresponsabilidade no cumprimento das obrigações, preguiça, já que
não tem trabalho fixo, covardia, torpeza, crueldade, aferidas pelo
Juízo através da análise das provas dos autos, inclusive, depoimento
das testemunhas, laudos médicos e termos de declarações do
Acusado na Delegacia e perante a Perícia Judicial. Destaca que o Réu
confessa friamente, contando detalhes sobre a morte violenta e
cruel da vítima destes autos, bem como de outras 11(onze) mortes
ainda em apuração, com o mesmo requinte de frieza e desprezo pela
vida humana. Assevera que o Réu possui personalidade sádica, que
une agressividade e libido, sentindo prazer em infligir dor e
humilhação a outras pessoas, mormente em vítimas mulheres,
vulneráveis por natureza. Quando à culpabilidade, consigna que esta
revela-se exacerbada, considerando a frieza e premeditação com
que o Acusado deu fim à vida da vítima, já que passou semanas
organizando sua ação, inteirando-se da rotina da vítima, seguindo-a
do trabalho até a casa até encontrar o momento oportuno para a
consumar seu intento criminoso. Pontua, inclusive, que, na noite do
crime, o Recorrente esperou os cachorros da vizinhança pararem de
latir, a fim de dar início à execução do crime. Também ressalta que a
conduta social do Réu merece maior censura, considerando a forma
do seu convívio em âmbito familiar, do trabalho, da comunidade
entre outros. Assevera que o Acusado não era bem quisto por sua
família, estando dela separado há alguns anos, sem qualquer tipo de
contato. Argumenta que, de acordo com a entrevista prestada
perante a perita do Juízo, o Réu não convive com seu filho e isso não
faz qualquer diferença em sua vida, ressaltando que o Recorrente
vivia perambulando pelas ruas sem trabalho fixo e residência certa.
Destaca que as consequências do crime também devem ser levadas
em conta, eis que famílias foram marcadas para sempre pela dor e
sofrimento, aduzindo que a filha da vítima Marilene ficou destruída,
após a morte de sua genitora. Destaca que ela informou que sua
mãe era pessoa boa e trabalhadora, cuidando dos pais doentes e
que a família até hoje não se reestruturou, tendo que se submeter a
tratamento psicológico. Assinala, outrossim, que a vítima deixou
03(três) filhos e 04(quatro) netos. No que respeita às circunstâncias
do crime, ressalta que merece destaque o modus operandi, já que o
Recorrente ingressou na casa da vítima mediante escalada, durante
o repouso noturno, surpreendendo-a, iniciando a execução do crime
por esganadura, seguida de marteladas, consumando-o por meio de
facadas em várias partes do corpo. Por fim, quanto aos motivos do
crime, Rel. Adriana Lopes Moutinho Daudt d’Oliveira salienta que
merece reprovabilidade os fatos de o Réu ceifar a vida de suas
vítimas pelo simples prazer de subjugá-las de vê-las padecerem em
suas mãos. Como se vê, a douta Magistrada sentenciante, após
análise minuciosa das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código
Penal, baseada em elementos concretos presentes nos autos,
procedeu ao incremento da pena mínima em 5/6 (cinco sextos),
alcançando a reprimenda de 22(vinte) dois anos de reclusão, em
brilhante e fundamentada decisão, a qual não merece qualquer
retoque, nesta fase, sendo certo que a majorante referente ao
recurso que dificultou a defesa da vítima, acolhida pelos Jurados, foi
utilizada para qualificar o crime. Na segunda fase da fixação da
reprimenda, considerando a circunstância agravante da reincidência
(indexador 625), consubstanciada na anotação 1 de 12, relativa à
condenação transitada em julgado por crime de roubo, em
06/05/2009, aumentou a pena em 04(quatro) anos, obtendo a
sanção intermédia de 26(vinte e seis) anos de reclusão. Contudo,
verifica-se que a confissão extrajudicial do Acusado não foi
considerada na Sentença impugnada. Assim, nos termos da Súmula
nº 545 do STJ, entendo que deve ser reconhecida no caso vertente.
Com efeito, diante dos termos do artigo 67 do Código Penal,
operando-se o devido abatimento entre as circunstâncias, reduzo a
pena para 24(vinte e quatro) anos e 09(nove) meses de reclusão.
Derradeiramente, tendo em vista o reconhecimento pelos Jurados da
causa de diminuição de pena relativa à semi-imputabilidade, reduzo
a pena na mesma razão adotada na Sentença impugnada, ou seja,
em 1/3(um terço), acomodando a pena em 16(dezesseis) anos e
06(seis) meses de reclusão. Quanto ao Regime Prisional de
cumprimento de pena, mantendo o Fechado, ex vi legis.

7. Por fim, no que tange às alegações de prequestionamento para


fins de interposição eventual de recursos extraordinário ou especial
arguido, as mesmas não merecem conhecimento e tampouco
provimento eis que não se vislumbra a incidência de quaisquer das
hipóteses itemizadas no inciso III, letras “a”, “b”, “c” e “d” do art.
102 e inciso III, letras “a”, “b” e “c” do art. 105 da C.R.F.B. e por
consequência nenhuma contrariedade/negativa de vigência, nem
demonstração de violação de normas constitucionais ou
infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral

8. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para reduzir a pena de


S.J.G para 16 (DEZESSEIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO,
mantido o Regime Fechado. DETERMINA-SE, ainda, que a Secretaria
observe o artigo 1º, p.u. da Resolução CNJ nº 113/2010 (com redação
que lhe foi Rel. Adriana Lopes Moutinho Daudt d’Oliveira 8ª Câmara
Criminal AP 0027769-39.2015.8.19.0038 dada pela Resolução CNJ nº
237/2016), conforme divulgado pelo Aviso TJ nº 57/2016, de
28/09/2016, a fim de que esta decisão seja comunicada à VEP,
imediatamente. (TJ-RJ - APL: 00277693920158190038
201805007233, Relator: Des(a). ADRIANA LOPES MOUTINHO DAUDT
D’ OLIVEIRA, Data de Julgamento: 31/10/2018, OITAVA CÂMARA
CRIMINAL, Data de Publicação: 05/11/2018).

Merece destaque o recurso de apelação n. 0027769-


39.2015.8.19.0038, interposto pelo réu, da decisão
condenatória proferida pelo presidente do Tribunal do Júri
da Comarca de Nova Iguaçu/RJ. O recorrente foi
condenado pela prática do crime de homicídio qualificado
com recurso que impossibilitou a defesa da vítima, na
forma do art. 121, §2º, IV do Código Penal.
Trata-se apenas de um dos julgamentos a que o
condenado foi submetido. Denominado como “serial
killer da Baixada” e “serial killer de Nova Iguaçu”, o
condenado ficou conhecido ao declarar, em depoimento
policial (2014), ter matado mais de 40 pessoas na
Baixada Fluminense, entre os anos de 2005 e 2014.
Conforme o laudo produzido no incidente de insanidade
mental, o recorrente é pessoa com transtorno de
personalidade antissocial e possui plena capacidade de
culpabilidade. Segundo a psiquiatra forense responsável
pela elaboração do laudo, em 99% das vezes, os
psicopatas têm consciência da ilicitude e capacidade
para se controlar.
A Psiquiatra do Sistema Penitenciário, também Psiquiatra forense do
Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho, Doutora Sandra, forneceu
esclarecimentos sobre o laudo elaborado por ela, nos autos do
processo tendo por vítima Fátima Miranda, afirmando que foi
apurado que o Recorrente tem transtorno de personalidade
antissocial, mas que isso não lhe retira a capacidade de entender o
caráter ilícito de sua conduta. Aduz que ele pode ser considerado um
psicopata, o que não se confunde com enfermidade mental,
ressaltando que o Réu não mostra qualquer arrependimento ou
empatia. Assevera que os psicopatas, em 99% das vezes, têm
consciência da ilicitude, de estar praticando um ato
criminoso e que, inclusive, tem capacidade para se controlar
(grifo nosso).

De acordo com o depoimento do assistente técnico do


Ministério Público, em Plenário, consoante as gravações
das entrevistas realizadas com o delegado de polícia, o
“psicopata consegue controlar o seu impulso, adiando
uma ação criminosa, se o momento não se mostrar
propício”.
Em suas declarações, o recorrente ainda declarou que
matava por prazer. “Só matava mesmo por prazer. [...]
Matava, ficava lá um pouco e depois saía”393. Confessou
também que os crimes eram premeditados e preparados
com uma semana ou mês de antecedência e as vítimas
eram aleatoriamente escolhidas e tinham suas rotinas
estudadas por ele.
[Ficava] observando a vítima, estudando. Esperava um mês, às
vezes uma semana [...]. Procurava saber onde ela mora, como era a
família dela. Passava na rua, via, dava uma olhada na casa... [...] aí
passava uns tempinho [sic] assim, eu ia de madrugada, numa
brecha da casa, numa facilidade, aproveitava, entrava e [...]394.

A preferência do apelante era por mulheres, e o modus


operandi era preferencialmente asfixia ou esganadura.
Somente quando as mortes lhe eram encomendadas, os
assassinatos se davam por golpes de faca.
Senti prazer, gostei.
Senti um desejo mais forte assim, aí continuei praticando.
Depois da primeira, continuei.
Eu gostava quando gritava, debatia... me arranhava.
Jornalista: Dava prazer?
Dava.
[...]
Eu saía, ia dar umas voltinhas, saía de bicicleta ou pegava um
ônibus. Sentava numa praça, parava numa padaria. Aí via uma
mulher lá, procurava me aproximar dela. Se ela estivesse numa
barraca ou numa padaria bebendo, parava perto, comprava um
jornal, ficava lendo. Fazia isso, comprava bebida. Aí seguia até em
casa.
[...]
Usava luva, touca...
Era tipo, como vou dizer? Calculista. Calculava tudo. Fazia tudo no
cálculo.
Jornalista: Como foi a primeira que você matou?
Enforcada, degolada, com a mão.
Jornalista: Como você descobriu essa vontade?
Quando eu matei a primeira.
[...]
Falar a verdade. Parar é complicado, é difícil.
Jornalista: Mataria mais 38?
Mataria. Porque já fui preso.
Jornalista. Se você sair hoje, você vai voltar a matar?
Provavelmente sim.
Se eu saísse daqui, por exemplo, daqui uns dez anos, quinze anos,
vinte anos... eu vou voltar a fazer a mesma coisa. É a vontade
mesmo, não tem jeito. Eu escolho a minha mulher, o meu perfil, o
que eu achar que deve ser, vai ser395.

Apesar da repercussão mundial que os delitos


supostamente praticados provocaram; da lucidez e
tranquilidade do recorrente ao narrar seus crimes; do
laudo de sanidade mental atestando ser o réu imputável
e plenamente capaz de entender o caráter ilícito dos
fatos e de se controlar, os jurados reconheceram a tese
de semi-imputabilidade do réu e a consequente causa de
diminuição da pena.
Derradeiramente, tendo em vista o reconhecimento pelos Jurados da
causa de diminuição de pena relativa à semi-imputabilidade, reduzo
a pena na mesma razão adotada na Sentença impugnada, ou seja,
em 1/3 (um terço), acomodando a pena em 16 (dezesseis) anos e 06
(seis) meses de reclusão. Quanto ao Regime Prisional de
cumprimento de pena, mantendo o fechado, ex vi legis.

No momento da aplicação da pena, o juiz a quo fixou a


pena-base acima do mínimo legal, considerando também
o comportamento do então condenado (personalidade,
culpabilidade e conduta social).
O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo previsto no tipo
penal incriminador, ou seja, em 22 (vinte e dois) anos de reclusão,
ao argumento, em síntese, de que o Réu ostenta maus
antecedentes, conforme Folha Penal (anotações 2 e 4 de 12,
indexador 369), personalidade marcada pela frieza,
agressividade, insensibilidade acentuada, passionalidade
exagerada, maldade, irresponsabilidade no cumprimento das
obrigações, preguiça, já que não tem trabalho fixo, covardia,
torpeza, crueldade, aferidas pelo Juízo através da análise das
provas dos autos, inclusive, depoimento das testemunhas, laudos
médicos e termos de declarações do Acusado na Delegacia e
perante a Perícia Judicial. Destaca que o Réu confessa friamente,
contando detalhes sobre a morte violenta e cruel da vítima destes
autos, bem como de outras 11 (onze) mortes ainda em apuração,
com o mesmo requinte de frieza e desprezo pela vida humana.
Assevera que o Réu possui personalidade sádica, que une
agressividade e libido, sentindo prazer em infligir dor e
humilhação a outras pessoas, mormente em vítimas
mulheres, vulneráveis por natureza. Quanto à culpabilidade,
consigna que esta revela-se exacerbada, considerando a
frieza e premeditação com que o Acusado deu fim à vida da
vítima, já que passou semanas organizando sua ação,
inteirando-se da rotina da vítima, seguindo-a do trabalho até
a casa até encontrar o momento oportuno para consumar seu
intento criminoso. Pontua, inclusive, que, na noite do crime,
o Recorrente esperou os cachorros da vizinhança pararem de
latir, a fim de dar início à execução do crime.
Também ressalta que a conduta social do Réu merece maior
censura, considerando a forma do seu convívio em âmbito
familiar, do trabalho, da comunidade entre outros. Assevera
que o Acusado não era bem quisto por sua família, estando dela
separado há alguns anos, sem qualquer tipo de contato. Argumenta
que, de acordo com a entrevista prestada perante a perita do Juízo, o
Réu não convive com seu filho e isso não faz qualquer diferença em
sua vida, ressaltando que o Recorrente vivia perambulando pelas
ruas sem trabalho fixo e residência certa.

b) Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais


AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. LATROCÍNIO. MEDIDA DE
SEGURANÇA. CONDENADO PORTADOR DE TRANSTORNO
ANTISSOCIAL DE PERSONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO
PARA O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE. MEDIDA DE SEGURANÇA
APLICADA EM RAZÃO DE VÍCIO EM DROGAS E ÁLCOOL.
REEDUCANDO PRESO HÁ MAIS DE TRÊS ANOS AGUARDANDO VAGA
EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE
TRATAMENTO AMBULATORIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não é possível a manutenção de medida de segurança com
base em transtorno de personalidade incurável se ele não
constitui doença que torna o reeducando inimputável ou
semi-imputável, pois a situação constituiria, na prática, em
imposição de pena de caráter perpétuo, vedada pelo artigo
5º, XLVII, b, da Constituição da República. Tratando-se de
condenado viciado em drogas e álcool, razão pela qual lhe foi
aplicada medida de segurança de internação, e encontrando-se em
abstinência há mais de três anos, tempo em que permaneceu preso,
mostra-se adequada sua colocação em tratamento ambulatorial,
para que seja avaliado se continuará afastado do vício após o
retorno à sociedade (TJMG. Agravo em Execução Penal n.
1.0145.13.002236-4/001, Rel. Des. Nelson Missias de Morais, 2ª
Câmara Criminal, j. 16/3/2017, P. 27/3/2017) (grifo nosso).

Trata-se de recurso de agravo em Execução Penal


parcialmente provido, para determinar que o recorrente,
pessoa com transtorno de personalidade antissocial,
cumpra medida de segurança consistente em tratamento
ambulatorial tão somente em razão do seu vício em
drogas e álcool.
Na decisão, o Tribunal ratificou nosso entendimento e
esclareceu que o recorrente só fora submetido à medida
de segurança em razão dos seus vícios. Esclareceu a
inexistência de tratamento para o indivíduo com
transtorno de personalidade antissocial, destacando que
se trata “de um transtorno estrutural, ou seja, não é uma
doença que a pessoa tem, é aquilo que ela é”.
No relatório, ainda constou:
O sentenciado não tem feito uso de álcool ou tóxicos, embora esteja
em ambiente protegido. Entretanto, trata-se de personalidade
antissocial. Seu histórico de ilícitos penais é volumoso. A psicopatia
ou transtorno antissocial de personalidade não priva o indivíduo de
sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação. Seu
comportamento padrão é por natureza transgressor e avesso às
normas de convívio social. Não há tratamento para tal desvio de
personalidade. Não há qualquer indicação técnica para remeter o
sentenciado para tratamento hospitalar ou ambulatorial, bem como,
pode-se afirmar que não ocorreu cessação de sua periculosidade. (f.
84v)

O Tribunal ainda levantou a problemática envolvendo a


imputabilidade do agente, a impossibilidade de cura e o
risco que ele é para a sociedade.
O caso do agravante encontra-se em zona fronteiriça. Por um lado,
enquanto portador de transtorno de personalidade, não é
inimputável, pois completamente capaz de compreender o caráter
ilícito de seus atos e de se autodeterminar por esse entendimento.
Por outro, embora imputável, seu transtorno faz dele um risco à
sociedade, como ressaltado em ambos os exames. Não bastasse,
não há cura para o transtorno.

Seguindo o voto, destacou que se fosse aplicada


medida de segurança tão somente pelo reconhecimento
da psicopatia (transtorno de personalidade antissocial), a
segregação do indivíduo dar-se-ia fundamentada
exclusivamente devido a sua personalidade. Assim,
considerando o fato de a psicopatia não ter cura e de que
sua segregação dar-se-ia até cessada sua periculosidade
– o que nunca ocorreria –, restaria evidente a imposição
de pena de caráter perpétuo, expressamente vedada na
Constituição Federal (art. 5º, XLVII, ‘b’).
Tivesse sido condenado à pena privativa de liberdade, a situação
seria diversa. Todavia, aplicada medida de segurança e não havendo
tratamento para seu transtorno, a segregação apenas com base em
sua personalidade é medida que, em última análise, significa a
imposição de verdadeira pena de caráter perpétuo, vedada em
nosso ordenamento jurídico por força do artigo 5º, XLVII, “b”, da
Constituição.
c) Superior Tribunal de Justiça
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. ART. 59 DO CP. CULPABILIDADE, PERSONALIDADE,
CONDUTA SOCIAL E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O aumento da pena-base está concretamente fundamentado em
elementos que extrapolam o tipo penal, não havendo que se falar
em violação do art. 59 do Código Penal.
2. A moduladora da personalidade “deve ser aferida a partir de uma
análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos
dos autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo de agir
do criminoso para a consumação do delito [...]” (HC 472.654/DF, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, DJe 11/3/2019).
3. No caso concreto, o referido vetor foi avaliado em razão da
forma como a recorrente planejou a ação criminosa, sua
frieza, dissimulação e traços de psicopatia.
4. Já a vetorial conduta social “corresponde ao comportamento do
réu no seu ambiente familiar e em sociedade, de modo que a sua
valoração negativa exige concreta demonstração de desvio de
natureza comportamental” (HC 544.080/PE, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, Quinta Turma, DJe 14/2/2020).
5. Na hipótese vertente, as instâncias de origem ressaltaram a
existência de alienação parental e a ausência de cuidados com seus
filhos, deixando-os inclusive aos cuidados dos coautores do crime.
6. Em relação às consequências do crime, qual seja, ter deixado a
vítima filhos órfãos, pode sim ser valorado de forma negativa, haja
vista tal componente não ser elemento inerente ao tipo penal do
homicídio (ut, AgRg no REsp 1616691/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO
REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe 18/11/2016) 7. Agravo regimental não
provido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 1.843.720/DF, relator Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de
24/5/2021) (grifo nosso).

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão


de autoria do relator, em que conheceu do agravo para
negar provimento ao recurso especial, por não
vislumbrar ilegalidade na valoração das circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal.
O agravante reitera que “a conduta social,
culpabilidade e personalidade foram analisadas segundo
a opinião do julgador, mas sem que fossem indicados
dados técnicos, científicos ou fáticos que emprestassem
força às opiniões”. A Quinta Turma, por unanimidade,
negou provimento ao recurso.
Verifica-se que, no julgamento em apreço, o recorrente
infere-se contra decisão judicial que majorou a pena-
base, com fundamento na presença das seguintes
circunstâncias judiciais desfavoráveis: culpabilidade,
personalidade, conduta social e consequências do crime.
No caso em apreço, a avaliação pessoal do magistrado
sobre a presença de “traços de psicopatia” na ré foi
suficiente e determinante para a majoração da pena-
base, considerada a circunstância judicial
“personalidade”. No julgamento do recurso, a Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou qualquer
ilegalidade na consideração pessoal do magistrado, sob
os seguintes fundamentos:
O juiz, ainda que tenha conhecimento jurídico, também é leigo no
que tange ao conhecimento aprofundado da mente humana.
Contudo, quis o legislador que o Magistrado, ao avaliar a fixação da
pena, levasse cm conta a personalidade do agente. Não como perito,
mas considerando os parâmetros do homem médio, à luz do caso
concreto.
O juiz, ainda que tenha conhecimento jurídico, também é leigo no
que tange ao conhecimento aprofundado da mente humana.
Contudo, quis o legislador que o Magistrado, ao avaliar a fixação da
pena, levasse cm conta a personalidade do agente. Não como perito,
mas considerando os parâmetros do homem médio, à luz do caso
concreto.

4.5.1.2 Transtorno de personalidade


antissocial (psicopatia) e a
impossibilidade de progressão de
regimes396
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. FECHADO
PARA O SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. CARÊNCIA DO REQUISITO
SUBJETIVO. SUBMISSÃO A EXAME CRIMINOLÓGICO. RÉU
DIAGNOSTICADO COMO SOCIOPATA E PSICOPATA. DECISÃO IDÔNEA.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso,
desde que em decisão motivada. Súmula 439/STJ. Súmula Vinculante
26/STF.
2. A atual redação do art. 112 da Lei de Execução Penal – LEP,
conferida pela Lei 10.792/2003, retirou a obrigatoriedade do exame
criminológico para concessão de benefício da execução penal.
Contudo, a despeito de retirar a obrigatoriedade de tal exame, a
nova redação do art. 112 da LEP não proibiu sua realização, que
pode ocorrer quando o magistrado entender ser conveniente, desde
que mediante decisão fundamentada.
3. O silêncio da Lei a respeito da obrigatoriedade do exame
criminológico, contudo, não inibe o juízo da execução do poder de
determiná-lo, desde que fundamentadamente. Isso porque a análise
do requisito subjetivo pressupõe a verificação do mérito do
condenado, que não está adstrito ao “bom comportamento
carcerário”, como faz parecer a literalidade da lei, sob pena de
concretizar-se o absurdo de transformar o diretor do presídio no
verdadeiro concedente do benefício e o juiz em simples
homologador. Precedente do STF.
4. Agravo em execução penal conhecido e improvido.
(TJ-TO- EP: 50078487220138270000, Rel. Juíza Adelina Gurak).

Trata-se de recurso de Agravo em Execução contra


decisão que indeferiu o pedido de progressão do regime
fechado para o semiaberto, com fundamento no parecer
desfavorável obtido por meio de exame criminológico.
O Tribunal de Justiça de Tocantins negou provimento ao
recurso, por unanimidade, ao ratificar a decisão do juiz a
quo, que negou a progressão de regime do apenado, haja
vista não preencher o requisito subjetivo para sua
concessão.
Conforme o exame criminológico, o apenado é
psicopata, e colocá-lo em sociedade, no momento, é
medida descabida, tendo em vista a alta probabilidade
de que volte a delinquir, inclusive em escalada.
Além disso, o recorrente apresenta risco social e à sua
família, vez que os próprios familiares alegam ter medo
do indivíduo – o que coaduna com o crime pelo qual foi
condenado: parricídio.
CONCLUSÃO
Baseado nos fortes e detalhados relatos de testemunhas, inclusiva
de sua própria genitora; no contexto no qual foram praticados os
crimes; no cometimento de parricídio; nos métodos utilizados
(modus operandi); nas motivações dos mesmos; na postura
intimidadora que assumiu para com as testemunhas mesmo perante
o magistrado; na discrepância e inadequação de suas emoções em
relação aos homicídios cometidos (ausência de empatia e/ou
remorso); na atuação (mentira, fingimento, sedução, manipulação)
perante este perito subscritor, podemos afirmar sem a menor
sombra de dúvida que se trata de um indivíduo frio, traiçoeiro,
calculista, dissimulado, de tal magnitude que, além de sociopata,
pode e deve ser considerado um psicopata, com todas as
características de prognóstico reservado em função da
irrecuperabilidade.
Portanto, a progressão de regime carcerário para o reeducando está,
do ponto de vista médico psiquiátrico forense, total e
definitivamente contra-indicada, sob pena de o mesmo voltar a
delinqüir, inclusive em escalada.

Ao negar provimento ao recurso, o Tribunal de Justiça


do Estado do Tocantins sustentou a sua decisão na
conclusão apresentada pelo psiquiatra da Junta Médica
do Poder Judiciário do Estado, a qual também sustentou
ser o avaliado pessoa com “transtorno dissocial
(sociopatia) e psicopatia”.
No presente caso, o exame criminológico fora contundente em
demonstrar que o reeducando não faz jus à concessão do benefício
da progressão para o regime semiaberto. O psiquiatra da Junta
Médica do Poder Judiciário do Estado do Tocantins, Dr. Wordney
Carvalho Camarço, concluiu que o apenado é portador de
personalidade dissocial (sociopatia) e psicopatia [...]. Desse modo,
na presente situação, levando em conta o elevado apenamento, a
gravidade dos delitos praticados, inclusive um parricídio, as notícias
constantes dos autos levadas a efeito pela mãe do sentenciado, a
respeito de que os familiares ainda têm medo do reeducando, bem
como o teor do exame criminológico, tenho que o requisito subjetivo
não se encontra preenchido por enquanto.
a) Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. CONDIÇÕES
SUBJETIVAS.
A progressão de regime assenta-se na conjugação favorável dos
requisitos objetivos e subjetivos a informarem modificação de
comportamento e condições que permitam ao apenado ser
transferido de regime mais rigoroso a outro menos rigoroso, em
gradual reinserção no meio social. Hipótese na qual o preso ostenta
atestados carcerários de conduta plenamente satisfatória,
consignando, a psicóloga, que a boa conduta deriva apenas da
contenção, constatando quadro clínico de psicopatia. Apenado que
narra com extrema frieza o latrocínio cometido, sem traços de
arrependimento. Adentrou na casa da vítima, senhora de avançada
idade e que era sua amiga, a pretexto de consertar um aparelho de
DVD, levando consigo seu filho de 4 anos de idade, mesmo sabendo
a cena de horror que a criança iria presenciar, não havendo
nenhuma dúvida do grau de periculosidade desse indivíduo, a qual
não restou abrandada pelo encarceramento, ainda representando
sério risco a si mesmo e à sociedade, não tendo a mínima condição
de ingressar em regime mais brando. Mazelas do sistema
penitenciário que não servem a lastrear a concessão de benefícios.
Decisão indeferitória mantida. AGRAVO EM EXECUÇÃO IMPROVIDO
(Agravo, n. 70037159431, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Rel. Fabianne Breton Baisch, j. 11/8/2010).

A 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio


Grande do Sul negou provimento ao recurso de Agravo
em Execução Penal (n. 70037159431) interposto contra
decisão que negou o benefício da progressão de regime
ao agravante que supostamente atendeu aos requisitos
objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei de
Execuções Penais.
Segundo o Tribunal, agiu acertadamente o magistrado a
quo ao negar o benefício, tendo em vista tratar-se de
preso com avaliações negativas resultantes dos laudos
social e psicológico aos quais foi submetido. No caso,
invocou a Súmula Vinculante n. 26397 e a Súmula n.
439398 do Superior Tribunal de Justiça.
Consoante o parecer psicológico, o quadro clínico do
agravante indica traços de psicopatia, destacando que o
bom comportamento carcerário do recorrente decorre,
exclusivamente, do controle interno imposto.
A psicóloga ressaltou a frieza com a qual o preso descreveu o
latrocínio cometido, salientando que o mesmo tinha laços de
amizade com a vítima, uma senhora já de avançada idade. Não
demonstrou sentimentos de culpa ou de arrependimento; o crime
foi cometido com requintes de perversidade e o quadro
clínico indicava traços de psicopatia. Desaconselhou a
progressão, fazendo constar, inclusive, que a boa conduta
carcerária derivava, exclusivamente, do controle interno
imposto (fls. 72/73).
No mesmo sentido foram as conclusões da assistente social,
observando que o reeducando descreveu o crime com exagerada
frieza, não demonstrando arrependimento. Concluiu que ainda era
precoce a concessão do benefício (fls. 74/75).
Nesse contexto, por óbvio, que a amenização do regime carcerário
no qual o preso se encontra atualmente colocaria em risco não só o
próprio apenado, como também a sociedade.
A progressão de regime não se constitui em direito subjetivo do
preso, mas depende da demonstração de mérito para tanto,
consubstanciado numa tomada de consciência sobre o delito
cometido, ainda que mínima, resultando na redução do grau de
periculosidade verificada quando do encarceramento.

Como se pode notar, a verificação de um preso com


psicopatia foi o suficiente para ser-lhe negado o direito
de progressão de regime, haja vista tratar-se de indivíduo
com alto grau de periculosidade.
Em recente decisão em sede de Agravo em Execução, o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu no
mesmo sentido:
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE PROGRESSÃO AO REGIME
SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITO SUBJETIVO NÃO
IMPLEMENTADO. Embora apresente conduta carcerária
plenamente satisfatória (fl. 04), há situação excepcional nos
autos que torna necessária a manutenção do recorrente no
regime fechado. Duas informações são extraídas do exame
do parecer psicológico de fls. 07/16, que desautorizam a
convivência em sociedade do condenado. Primeiramente,
verifica-se que o apenado não demonstra qualquer senso de
responsabilidade ou remorso, apontando a culpa por estar preso a
um erro judicial, sem demonstrar, no entanto, qualquer prova que
pudesse servir a embasar alguma revisão criminal no sentido. Em
segundo lugar, o laudo conclui que o encarcerado possui transtorno
de personalidade dissocial, comumente denominado de psicopatia,
aparentando frieza nas respostas e demonstrando desprezo pela
necessidade do outro ao negar a realidade. RECURSO IMPROVIDO
(grifo nosso) (Agravo, n. 70074805862, Segunda Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Rel. Rosaura Marques Borba, j. 14/9/2017).

Na decisão, o Tribunal destacou o cumprimento do


critério objetivo para a concessão do benefício da
progressão do regime fechado para o semiaberto,
contudo, reconheceu o descumprimento do requisito
subjetivo, já que se trata de indivíduo com transtorno de
personalidade dissocial, também conhecido como
psicopata.
b) Superior Tribunal de Justiça
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2221309 - MS (2022/0311246-6)
DECISÃO. Trata-se de agravo interposto por APARECIDO PEREIRA
MARQUES contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso do Sul, que não admitiu o recurso especial manejado com
apoio no art. 105, III, a, da Constituição Federal, em oposição a
acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 100):
“EMENTA - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - PROGRESSÃO DE REGIME
- EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL - REQUISITO SUBJETIVO
NÃO COMPROVADO - FALTA GRAVE - FUGA - DECISÃO DEVIDAMENTE
FUNDAMENTADA - PREQUESTIONAMENTO - DESNECESSIDADE DE
MANIFESTAÇÃO EXPRESSA SOBRE DISPOSITIVOS APONTADOS - COM
O PARECER, RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Ao Juízo da
Execução Penal não é vedado exigir a realização de exame
criminológico, desde que o faça por decisão devidamente
fundamentada, em consonância com as peculiaridades do caso
concreto, consoante Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça e
Súmula Vinculante 26 do Pretório Excelso. Para que o reeducando
obtenha progressão de regime, não basta demonstrar o
preenchimento de requisito meramente objetivo, a tanto afigurando-
se imprescindível, também, requisito de natureza subjetiva, nos
termos do art. 112 da Lei de Execuções Penais. Realizado exame
criminológico e demonstrado em laudo que o reeducando não se
mostra em condições de retornar ao convívio social, representando
risco à segurança pública e à coletividade, o indeferimento da
concessão do benefício se revela inevitável, porquanto ausente
indispensável requisito subjetivo. Ademais, a prática de falta grave
durante a execução da pena, embora não interrompa o prazo para a
obtenção do benefício do livramento condicional (requisito objetivo),
afasta o preenchimento do requisito subjetivo, obstando a concessão
da benesse. É assente na jurisprudência que, se o julgador aprecia
integralmente as matérias que lhe são submetidas, se torna
despicienda a manifestação expressa acerca de dispositivos legais
utilizados pelas partes como sustentáculo às suas pretensões. “
A defesa aponta negativa à vigência dos arts. 8 e 112 da LEP, uma
vez que “o juiz não fica adstrito às conclusões extraídas pelos
peritos, ainda mais quando as condições pessoais do requerente
indicam a viabilidade da fixação de regime prisional mais brando ou
até mesmo a sua colocação em liberdade condicional”. Aduz, ainda,
que “o laudo inconclusivo apresentado não é hábil para impedir a
progressão, pois não é enfático à situação psicológica do
reeducando, e os argumentos postos no laudo não foram aptos para
a denegação”. Requer, assim, seja concedida a progressão de regime
para o semiaberto. O recurso foi inadmitido com fundamento na
incidência da Súmula 83 do STJ (e- STJ, fls. 142-143). Daí este
agravo. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não
provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 189-197).
É o relatório.
Decido.
O Tribunal de origem indeferiu a progressão de regime pelos
seguintes fundamentos:
“Consoante se vê do Laudo Psicológico de fls. 45-69, não há
confirmação alguma acerca do preenchimento satisfatório de
requisito subjetivo, posto que o reeducando não demonstra
estar em condições de aceitar e retornar ao convívio social e
cumprir regras”. Nesse diapasão, enfatizou (fl. 52) o expert
que “o Sentenciado demonstrou um perfil dissocial,
indiferente, insensível, sem remorso ou culpa ou empatia,
manipulador e vigarista, sendo que tais características foram
confirmadas pelos testes psicológicos, cujos resultados
denotam imaturidade no trato com as emoções e manejos
defensivos, instabilidade, possibilidade de ruptura do
equilíbrio interno, dificuldade de elaborar conflitos
intrapsíquicos, ausência de repressões indispensáveis do
homem socialmente adaptado e que seu perfil pode ser
classificado como psicopático, motivo pelo qual concluí que
ele é acometido pelo transtorno de personalidade antissocial
global (CID10 F60.2) “. Por fim, o expert concluiu (fl. 54) que o
sentenciado “é acometido pelo transtorno de personalidade
antissocial global, também conhecido como psicopatia, motivo pelo
qual precisa ser submetido a tratamento psicoterápico, a fim de que
lhe seja propiciada a remissão dos sintomas dessa psicopatologia.
PORTANTO, CONSIDERANDO O OBJETIVO DO PRESENTE EXAME
CRIMINOLÓGICO, CONCLUO QUE O SENTENCIADO NÃO ESTÁ
APTO A PROGREDIR PARA O REGIME SEMIABERTO”. Ademais, o
agravante não apresentou qualquer fato técnico que pudesse
macular ou impugnar o referido laudo, salvo a menção atinente à
subjetividade do exame criminológico. Como cediço, ex vi do art. 112
da Lei de Execução Penal, a concessão da progressão de regime está
subordinada à constatação de condições pessoais que façam
presumir que o sentenciado tem aptidão para o convívio social e
apresente indicativos de que não voltará a delinquir, sendo,
portanto, necessário uma análise mais acurada do comportamento
do mesmo dada as circunstâncias pessoais do condenado, máxime
considerando que, in casu, fora condenado a 19 anos, 4 meses e 15
dias de reclusão, pela prática dos delitos capitulados nos artigos 33,
caput, da Lei nº 11.343/06, e artigos 129, §3º e 157, §2º, I, ambos do
Código Penal (fls. 29-31). Aliás, o risco ao convívio restou
expressamente consignado pelo perito, consoante salientado
alhures. Nesse contexto, a realização do exame revelou-se
imprescindível, face às particularidades detectadas, mormente
considerando que inexiste qualquer vedação neste particular, desde
que determinado em decisão fundamentada e motivada, consoante
Súmula nº 439 do Superior Tribunal de Justiça. [...] Mas não é só.
Mister se faz observar que durante o cumprimento da pena o
agravante cometeu falta grave (fuga), justamente no período que
obteve o direito a progressão para o regime semiaberto, consoante
se vê do Relatório da Situação Processual Executória de fl. 33. Com
efeito, em que pese o argumento de que o recorrente possui conduta
carcerária ótima, não se pode olvidar que realça histórico prisional
censurável, a colocar em xeque a pretensão enfocada. Como
pontuou a Procuradoria de Justiça (fl. 94), “o fato de o
comportamento do reeducando ter sido considerado ‘bom’ ou ‘ótimo’
não é suficiente para tirar conclusões acerca de suas condições
subjetivas, posto que essa avaliação é referente apenas às ações
praticadas dentro do sistema prisional, enquanto o benefício ora
analisado está ligado à segurança da vida em sociedade” (e-STJ, fls.
103-107).
Verifica-se, pois, que as instâncias ordinárias entenderam pelo
indeferimento do benefício em razão do não cumprimento do
requisito subjetivo por parte do recorrente, evidenciado pela
conclusão da avaliação psicológica que não foi favorável à concessão
do benefício, acarretando dúvidas sobre o juízo crítico do apenado.
Com efeito, “o julgador forma sua convicção pela livre apreciação da
prova, de modo que, uma vez realizado o exame criminológico, não é
possível suprimir dele a consideração de relatórios profissionais
desfavoráveis ao deferimento de benefícios da execução penal”
(AgRg no HC 426201/SP, Rel. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI, SEXTA
TURMA, julgado em 5/6/2018, DJe 12/6/2018). Ademais, o “atestado
de boa conduta carcerária não assegura o livramento condicional ou
a progressão de regime ao apenado que cumpriu o requisito
temporal, pois o Juiz não é mero órgão chancelador de documentos
administrativos e pode, com lastros em dados concretos,
fundamentar sua dúvida quanto ao bom comportamento durante a
execução da pena” (AgRg no HC 572.409/SP, Rel. Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 2/6/2020, DJe 10/6/2020).
Sobre o tema: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO.
EXAME CRIMINOLÓGICO REALIZADO. LAUDO DESFAVORÁVEL.
INDEFERIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É certo que o Superior Tribunal de
Justiça possui orientação de que a exigência de exame criminológico
depende de decisão fundamentada, em que sejam declinados
elementos concretos e individualizados, ocorridos durante o
cumprimento da pena, que apontem desabono ou demérito do
Sentenciado. 2. Na espécie, todavia, não há notícia nos autos de que
a decisão do Juiz das Execuções Criminais que condicionou a
pretendida progressão de regime prisional à realização da perícia foi
impugnada pelo Reeducando. Portanto, a despeito das alegações
defensivas sobre o comportamento carcerário do Agravante, a
determinação para a confecção do exame criminológico, a rigor, está
preclusa. 3. Concretizada a realização da perícia, o resultado
desfavorável pode ser empregado pelo Magistrado para firmar sua
convicção sobre o implemento do requisito subjetivo para o
abrandamento do regime carcerário. 4. Hipótese na qual o resultado
do exame criminológico concluiu que o Apenado não está apto a
cumprir pena em regime semiaberto, pois “é acometido pelo
transtorno de personalidade emocionalmente instável” e apresenta
“um perfil impulsivo, emocionalmente desequilibrado e imaturo, não
possuindo capacidade psicológica para controlar seus impulsos
primários, sublimar sua agressividade e aceitar o convívio social e
cumprir regras de conduta”(fl. 27). 5. Agravo desprovido.” (AgRg no
HC 662.367/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado
em 18/5/2021, DJe 28/5/2021).
“EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
INCONFORMISMO DA PARTE, ALEGANDO DETERMINAÇÃO DE EXAME
CRIMINOLÓGICO SEM FUNDAMENTOS CONCRETOS. IMPUGNAÇÃO
INCABÍVEL. EXAME JÁ EFETUADO. PRECLUSÃO. LAUDO PSICOLÓGICO
CONCLUSIVO, BASEADO EM ASPECTOS ABSTRATOS DA GRAVIDADE
DO CRIME. INOCORRÊNCIA. PSICÓLOGOS SE ATIVERAM À
PERICULOSIDADE DO EXECUTADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Incabível a impugnação de determinação de exame criminológico
com base em decisão sem fundamentos concretos, uma vez que a
defesa deveria ter se insurgido contra a realização da avaliação em
momento oportuno, ou seja, após a determinação do exame e antes
de sua confecção. Nesse sentido: Contra a determinação da
realização do exame, contudo, a d. Defesa sequer se insurgiu e,
agora, além de matéria abarcada pela preclusão, o que se tem é que
há prova recente nos autos, produzida durante a execução penal,
que não recomenda o benefício almejado (STJ - HC 609042, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, data da publicação: 39/9/2020). 2. Segundo
jurisprudência firmada por esta Corte, o parecer psicossocial
desfavorável é suficiente para impedir a progressão de regime: Não
se vislumbra qualquer ilegalidade ou arbitrariedade na decisão
impugnada, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto -
avaliação técnica desfavorável - que justificam o indeferimento da
progressão do regime prisional em razão da ausência do
cumprimento do requisito subjetivo pelo apenado (precedentes).
Habeas Corpus não conhecido. (HC 322.501/MS, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, Quinta Turma, julgado em 1º/9/2015, DJe 9/9/2015. 3. No
caso, ficou claro que os peritos da área psicológica avaliaram a
situação de periculosidade do apenado, quando descreveram que ele
não tem condições de retornar a viver em sociedade, bem como não
se ressentiu dos crimes que praticou. 4. Agravo regimental
improvido.” (AgRg no HC 650.845/AL, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/4/2021, DJe
19/4/2021)”
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL.
PLEITO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. LIVRAMENTO
CONDICIONAL. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DO
REQUISITO SUBJETIVO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Na hipótese, o
indeferimento do benefício foi devidamente fundamentado pelo Juízo
singular, em decisum confirmado pela Corte a quo, em razão do não
preenchimento do requisito subjetivo, com base em laudo pericial
parcialmente favorável ao Impetrante, não se constatando, pois, o
apontado constrangimento ilegal. 2. Agravo regimental desprovido.”
(AgRg no HC 477.529/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA,
julgado em 5/11/2019, DJe 28/11/2019)
Por fim, as instâncias ordinárias concluíram pelo não cumprimento
do requisito subjetivo por parte do recorrente, evidenciado pela
conclusão da avaliação psicológica que não foi favorável à concessão
do benefício. Desse modo, evidente que chegar a conclusão
contrária demandaria o revolvimento fático-probatório, providência
inviável em sede de recurso especial, conforme dispõe a Súmula
7/STJ.
Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, b,
do RISTJ, conheço do agravo para negar provimento ao recurso
especial. Publique-se. Intimem-se. (STJ - AREsp: 2221309 MS
2022/0311246-6, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de
Publicação: DJ 22/2/2023).

Trata-se de recurso de agravo interposto contra decisão


do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul,
que não admitiu o recurso especial manejado com apoio
no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, em oposição
a acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 100):
“EMENTA - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE
REGIME – EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL - REQUISITO
SUBJETIVO NÃO COMPROVADO – FALTA GRAVE – FUGA - DECISÃO
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – PREQUESTIONAMENTO -
DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA SOBRE
DISPOSITIVOS APONTADOS - COM O PARECER, RECURSO CONHECIDO
E DESPROVIDO. Ao Juízo da Execução Penal não é vedado exigir a
realização de exame criminológico, desde que o faça por decisão
devidamente fundamentada, em consonância com as peculiaridades
do caso concreto, consoante Súmula 439 do Superior Tribunal de
Justiça e Súmula Vinculante 26 do Pretório Excelso.
Para que o reeducando obtenha progressão de regime, não basta
demonstrar o preenchimento de requisito meramente objetivo, a
tanto afigurando-se imprescindível, também, requisito de natureza
subjetiva, nos termos do art. 112 da Lei de Execuções Penais.
Realizado exame criminológico e demonstrado em laudo que o
reeducando não se mostra em condições de retornar ao convívio
social, representando risco à segurança pública e à coletividade, o
indeferimento da concessão do benefício se revela inevitável,
porquanto ausente indispensável requisito subjetivo.
Ademais, a prática de falta grave durante a execução da pena,
embora não interrompa o prazo para a obtenção do benefício do
livramento condicional (requisito objetivo), afasta o preenchimento
do requisito subjetivo, obstando a concessão da benesse.
É assente na jurisprudência que, se o julgador aprecia integralmente
as matérias que lhe são submetidas, se torna despicienda a
manifestação expressa acerca de dispositivos legais utilizados pelas
partes como sustentáculo às suas pretensões”.
Com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, “b”,
do RISTJ, o recurso de agravo foi conhecido para negar
provimento ao recurso especial (Súmula 7, do STJ).
Segundo constou da decisão, o Tribunal de origem
indeferiu o benefício da progressão de regime, após a
avaliação psicológica do condenado atestar ser o mesmo
portador do transtorno de personalidade antissocial
“global” e verificadas as seguintes características:
Consoante se vê do Laudo Psicológico de fls. 45-69, não há
confirmação alguma acerca do preenchimento satisfatório de
requisito subjetivo, posto que o reeducando não demonstra estar em
condições de aceitar e retornar ao convívio social e cumprir regras.
Nesse diapasão, enfatizou (fl. 52) o expert que “o Sentenciado
demonstrou um perfil dissocial, indiferente, insensível, sem
remorso ou culpa ou empatia, manipulador e vigarista, sendo
que tais características foram confirmadas pelos testes psicológicos,
cujos resultados denotam imaturidade no trato com as emoções
e manejos defensivos, instabilidade, possibilidade de ruptura
do equilíbrio interno, dificuldade de elaborar conflitos
intrapsíquicos, ausência de repressões indispensáveis do
homem socialmente adaptado e que seu perfil pode ser
classificado como psicopático, motivo pelo qual concluí que ele é
acometido pelo transtorno de personalidade antissocial global
(CID10 F60.2)” (grifo nosso).

Oportuno destacar que, conforme estudado no primeiro


capítulo do livro, a expressão transtorno de
personalidade antissocial “global” é uma terminologia
criada pela psiquiatra forense Hilda Clotilde Penteado
Morana para se referir aos indivíduos com transtorno de
personalidade antissocial que também são psicopatas.
Relembramos, porém, que essa terminologia, apesar de
utilizada por determinados psiquiatras e psicólogos, não
vem categorizada na CID-10 ou DSM-V-TR.
Por fim, o expert concluiu (fl. 54) que o sentenciado “é acometido
pelo transtorno de personalidade antissocial global, também
conhecido como psicopatia, motivo pelo qual precisa ser
submetido a tratamento psicoterápico, a fim de que lhe seja
propiciada a remissão dos sintomas dessa psicopatologia.
PORTANTO, CONSIDERANDO O OBJETIVO DO PRESENTE EXAME
CRIMINOLÓGICO, CONCLUO QUE O SENTENCIADA NÃO ESTÁ APTO A
PROGREDIR PARA O REGIME SEMIABERTO” (grifo nosso).

4.5.1.3 Transtorno de personalidade


antissocial (psicopatia) e a
impossibilidade de livramento
condicional
RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL INTERPOSTO PELO
APENADO CONTRA DECISÃO JUDICIAL QUE INDEFERIU O PLEITO DE
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL, AO
FUNDAMENTO DE QUE O MESMO NÃO ATENDE AOS REQUISITOS
SUBJETIVOS INSERTOS NO ARTIGO 83, INC. III E PARÁGRAFO ÚNICO
DO CÓDIGO PENAL. AGRAVANTE CONDENADO PELA PRÁTICA DE
CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL CONTRA SUA FILHA BIOLÓGICA
MENOR, COM 04 (QUATRO) ANOS DE IDADE À ÉPOCA DOS FATOS.
EXAMES CRIMINOLÓGICO E PSIQUIÁTRICO REALIZADOS EM DUAS
OPORTUNIDADES, EM QUE SE CONSTATOU QUE O PENITENTE POSSUI
PATOLOGIA CONSUBSTANCIADA EM TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE ANTISSOCIAL. ADEMAIS, CONCLUI-SE QUE, O
MESMO NÃO DEMONSTRA ARREPENDIMENTO PELO QUE FEZ, NÃO
TENDO APOIO FAMILIAR, E TAMPOUCO PROVA TER CONDIÇÕES EM
PROVER A PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA, BEM COMO LOCAL ONDE
RESIDIRIA, CASO O BENEFÍCIO FOSSE CONCEDIDO. AGRAVANTE QUE,
APESAR DO IMPLEMENTO DO REQUISITO TEMPORAL, NÃO ATENDE
AO DISPOSTO NO INCISO III E PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 83 DO
CÓDIGO PENAL. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
Trata-se de recurso de agravo em execução, interposto pelo apenado
de André Ramalho Fernandes, representado por órgão da Defensoria
Pública, contra a decisão proferida pelo Juiz da Vara de Execuções
Penais, o qual indeferiu o benefício do livramento condicional ao
penitente, ao fundamento de que o mesmo, embora preencha o
requisito temporal, não demonstrou possuir juízo crítico acerca do
“grave crime sexual que cometeu contra a própria filha, visto que
tentou minimizar o que fez, não demonstrou arrependimento”, e não
percebe as causas determinantes do delito. Sustenta o agravante,
em suas razões, que da análise dos requisitos subjetivos para a
concessão do benefício, o magistrado não está adstrito ao resultado
do exame criminológico, cuja realização poderá ser dispensada,
podendo e devendo, “se arvorar em outras documentações que
comprovem que o apenado se encontra apto para usufruir do
benefício” por possuir autodisciplina e senso de responsabilidade.
Dentro dessa perspectiva, no caso dos autos, não obstante as
alegações defensivas de que o agravante preenche o requisito de
ordem objetiva, ante o cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena de
15 (quinze) anos e 9 (nove) meses de reclusão, pela prática do crime
de estupro de vulnerável cometido contra a própria filha, menor à
época com 04 (quatro) anos de idade, nos autos do processo nº
0309420-31.2012.8.19.0001, tem-se que o agravante não atende ao
requisito subjetivo do art. 83, inciso III, e parágrafo único, do Código
Penal. Por certo, do exame do conjunto de todo o histórico do
apenado, ora agravante, verifica-se que de acordo com os pareceres
médicos, o mesmo, além de não ter demonstrado arrependimento do
grave delito que cometeu, não encontra respostas, não justifica,
assim como não possui apoio familiar, pois os parentes da “esposa e
dele não aceitam o que fez”, além da ausência de instrução nos
autos de que o mesmo possui residência para morar, caso seja
concedido o benefício. Com efeito, o primeiro parecer psiquiátrico a
que o ora penitente foi submetido foi conclusivo no sentido de que
“com muito custo, o mesmo tenta se explicar e relata que sua
esposa não o queria mais, estava desesperado e um dia viu sua filha
sair do banho e estava sem roupas e logo sentiu desejo (...) todo o
relato do interno tem (...) algo (...) para se defender. Não mostra
arrependimento (...) entra em contradições. O único medo que tem é
de morrer ao sair pois familiares da esposa e dele não aceitam o que
fez (...) Paciente lúcido, orientado, normovigil, articulado e tentou
manipular todo o exame e minimizar o que fez. Existe patologia
que impeça o benefício. F60. Transtorno de personalidade,
antissocial.” (fls. 04/09 de índice 02) Em seguida, o agravante,
André, realizou o segundo exame, o qual atestou a existência
de transtorno de personalidade, in litteris: “(...) o mesmo
mostra-se totalmente sem emoção ao relatar o fato,
demonstra no diálogo querer se redimir, mas totalmente sem
culpa, sem querer bem a filha, parece querer apenas se livrar
da acusação. Não mostra de verdade arrependimento e não
pensa como sua filha está. Mostrando um desvio de
personalidade (totalmente sem empatia com seus
familiares).” (F-60): (fls. 15/21 de índice 02). Destarte, a
despeito do penitente nominado ter preenchido o requisito objetivo
temporal, as circunstâncias fáticas do caso concreto revelam que o
mesmo não reúne condições pessoais, que autorizem a concessão
do livramento condicional, por ausência de atendimento ao requisito
subjetivo previsto no art. 83, parágrafo único, do Código Penal.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
(TJ-RJ - EP: 50065370820228190500 202207601509, Relator: Des(a).
ELIZABETE ALVES DE AGUIAR, Data de Julgamento: 21/09/2022,
OITAVA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 23/9/2022) (grifo
nosso).

Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do


Rio de Janeiro conheceu e julgou desprovido o Recurso de
Agravo em Execução contra decisão que indeferiu a
concessão do benefício de livramento condicional, sob o
fundamento de o executado não atender ao requisito
subjetivo exposto no art. 83, inciso III, e parágrafo único
do Código Penal.
Segundo constou nos autos, o recorrente foi condenado
pela prática do crime de estupro de vulnerável contra
sua filha, que contava, à época dos fatos, com 4 anos de
idade.
Conforme a decisão do Juiz da Vara das Execuções
Penais, o réu não possui “juízo crítico acerca do ‘grave
crime sexual que cometeu contra a própria filha, visto
que tentou minimizar o que fez, não demonstrou
arrependimento’, e não percebe as causas determinantes
do delito”.
Quando submetido a uma primeira avaliação
psiquiátrica, o réu foi diagnosticado com transtorno da
personalidade antissocial (F60.2).
Conforme se abstrai da conclusão do laudo psiquiátrico,
o réu transferiu a culpa dos seus atos ao fato de a sua
esposa não “o querer mais”; não demonstrou
arrependimento e entrou em contradição. O seu único
“medo” (não está associado ao medo em si ou a eventual
remorso, mas a um mecanismo de preservação) é de
morrer ao sair, vez que os seus familiares e os da sua
esposa não aceitaram os seus atos:
“com muito custo, o mesmo tenta se explicar e relata que sua
esposa não o queria mais, estava desesperado e um dia viu sua filha
sair do banho e estava sem roupas e logo sentiu desejo (...) todo o
relato do interno tem (...) algo (...) para se defender. Não mostra
arrependimento (...) entra em contradições. O único medo que tem é
de morrer ao sair pois familiares da esposa e dele não aceitam o que
fez (...) Paciente lúcido, orientado, normovigil, articulado e
tentou manipular todo o exame e minimizar o que fez. Existe
patologia que impeça o benefício. F60. Transtorno de
personalidade, antissocial” (fls. 04/09 de índice 02). (grifo
nosso)

Quando submetido a um segundo exame, novamente


foi diagnosticado com transtorno de personalidade. O réu
não demonstrou ter verdadeiramente se arrependido dos
fatos. Todo o seu relato apenas expôs sua intenção de ser
beneficiado de algum modo.
“(...) o mesmo mostra-se totalmente sem emoção ao relatar o fato,
demonstra no diálogo querer se redimir, mas totalmente sem culpa,
sem querer bem a filha, parece querer apenas se livrar da acusação.
Não mostra de verdade arrependimento e não pensa como sua filha
está. Mostrando um desvio de personalidade (totalmente sem
empatia com seus familiares)” (F-60): (fls. 15/21 de índice 02).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


entendeu que, apesar de o recorrente ter preenchido o
requisito objetivo temporal, “as circunstâncias fáticas do
caso concreto revelam que o mesmo não reúne
condições pessoais que autorizem a concessão do
livramento condicional, por ausência de atendimento ao
requisito subjetivo previsto no art. 83, parágrafo único,
do Código Penal”.
4.6 Capacidade de culpabilidade do
psicopata
A partir desse momento, discutiremos a capacidade de
culpabilidade do psicopata, com fundamento nos
ensinamentos até o momento apregoados.
Reconhecemos, por ora, que a complexidade do assunto
também nos remete a soluções diversas e pautadas em
determinadas situações.

4.6.1 Psicopatia e inimputabilidade


A inimputabilidade do agente somente estará
configurada se, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, o agente era, ao tempo
da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
Seguindo a sistemática até então adotada,
analisaremos primeiramente se a psicopatia é um
transtorno mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Momento seguinte, na hipótese
de ser verificado o fato de a psicopatia tratar-se de
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, analisaremos se, em razão dessas
circunstâncias, o agente possui capacidade para
entender o caráter ilícito dos fatos ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento.

4.6.1.1 Psicopatia e doença mental


Conforme visto no primeiro capítulo, há muito se
defendeu o caráter de doença mental da psicopatia. Tal
concepção se deve principalmente à própria
compreensão etimológica do termo [do grego psyche
(mente) e pathos (doença)].
Há ainda quem sustente tal posicionamento, sob o
argumento de que a Organização Mundial da Saúde e a
Associação Americana de Psiquiatria dispuseram o
transtorno de personalidade antissocial no rol das
doenças mentais, portanto, como tal deve ser
considerada.
Com o avanço das pesquisas e dos estudos
direcionados, surgiu uma nova compreensão do tema.
A classe psiquiátrica vem se inclinando no sentido de
que o fato da psicopatia encontrar-se nesse rol
nosológico, não lhe confere, necessariamente, o caráter
de doença mental. Segundo esta corrente, a psicopatia é
um transtorno na personalidade do indivíduo, no qual
não provoca qualquer perturbação de ordem psíquica,
das perspectivas acerca da realidade ou qualquer outro
sintoma ocorrente em transtornos mentais como psicose,
depressão ou esquizofrenia:
[...] a psicopatia não pode ser compreendida a partir da visão
tradicional da doença mental. Os psicopatas não são pessoas
desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não
apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que
caracterizam a maioria dos transtornos mentais399.
O critério de inclusão universal que qualifica um sujeito de “doente
mental” baseia-se na correção do raciocínio que ele tem da
realidade. O psicopata demonstra pensar corretamente, ainda que as
provas apontem para uma inteligência emocional mínima. Sem
dúvida, este tipo de inteligência – que supõe a união cognoscitivo
com o emocional e que conforma um pensamento genuinamente
humano – ainda não é contemplado no momento de se considerar
uma pessoa como “doente mental”400.

Compartilhamos do entendimento majoritário no


sentido de que a psicopatia não se trata de um
transtorno mental, mas de um transtorno na
personalidade do indivíduo.
Coadunamos ainda com a posição do psiquiatra
argentino Hugo Marietan, ao afirmar que a psicopatia é
uma forma de ser401, um tipo de personalidade402 e,
portanto, não uma manifestação decorrente de
transtorno mental.
Questão que poderia provocar dúvidas acerca da
normalidade psíquica do agente diz respeito às recentes
pesquisas científicas que revelam que o sistema nervoso
do psicopata apresenta diferenciações quando
comparado ao sistema nervoso de indivíduos ‘normais’.
Hugo Marietan ressalta: “sempre se encontram algumas
anomalias cerebrais em psicopata e em psicóticos, mas
não são estatisticamente significativas nem constantes
em todos os psicopatas”403.
Outrossim, por muito tempo anunciaram que o cérebro
dos homossexuais era estruturalmente diferente do
cérebro dos homens heterossexuais. Apesar de
atualmente pesquisas darem conta de que a
homossexualidade pode estar atrelada à existência de
um gene específico, não há que se falar no
homossexualismo como doença mental404.
Defendemos que embora seja realmente convalidado o
entendimento de que todos os psicopatas apresentam
alguma alteração na estrutura do crânio, isso não lhe
impõe, necessariamente, a condição de doente mental.
Admitimos que eventual alteração apenas retrata a
diferença natural existente na classe humana.

4.6.1.2 Psicopatia e desenvolvimento


mental incompleto
ou retardado
Passemos a traçar um quadro comparativo entre a
psicopatia e o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado.
Considerando que o desenvolvimento mental
incompleto nos confere a noção de psiquismo que ainda
não se desenvolveu por completo, e desenvolvimento
mental retardado, que ainda não atingiu a maturidade
psíquica, não é possível compartilhar o entendimento de
que o psicopata se enquadra nesse perfil.
Conforme verificamos, uma das maiores qualidades do
psicopata consiste na sua engenhosidade em planejar
atos quase infalíveis e executá-los de forma
surpreendente. O psicopata possui capacidade
intelectual intacta. Muitas vezes, inclusive, apresenta
coeficiente intelectual acima da média.
Assim, não há que se falar que a psicopatia é forma
exemplificativa de desenvolvimento mental incompleto
ou retardado. Além disso, mesmo que fosse comprovado
tratar-se de doença mental, a informação não seria
suficiente para declará-lo inimputável. Os elementos
consequenciais precisariam ser avaliados e verificados.

4.6.1.3 Da capacidade para entender o


caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse
entendimento
De acordo com o art. 26 do Código Penal, a doença
mental ou o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado devem ser fatores desencadeantes para, no
momento dos fatos, tornarem o agente inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
O psicopata nasce conhecendo as normas que imperam
na sociedade para tornar uma convivência mais saudável
e justa. Em razão da divergência de ideais entre a
finalidade dessas normas e dos seus intentos, o
psicopata geralmente cria sua própria norma, porque
tem consciência que a norma vigente é fator impeditivo
para a prática livre dos seus atos.
Segundo Hugo Marietan, o psicopata compartilha a
maioria das normas que regem a sociedade, por isso,
pode adaptar-se comumente na sociedade sem ser
facilmente detectado. O psicopata conhece a norma
geral e se comporta de acordo com ela desde que esta
lhe seja mais benéfica405.
Conforme verificado, o psicopata não apresenta
qualquer alteração na percepção da realidade ou na sua
capacidade intelectiva – o que nos leva a concluir sua
plena capacidade para compreender o caráter ilícito do
fato.
O que poderia provocar questionamentos diz respeito à
sua capacidade de autodeterminação. Entendemos que
esse requisito consiste na verificação da incapacidade
que o sujeito possui na forma de agir conforme a razão e
a prática de atos resultantes de um impulso interno
irresistível.
O que tem levado inúmeros doutrinadores a entender
que a psicopatia está ligada à incapacidade (total ou
parcial) de frear os seus impulsos decorre, em parte, da
compreensão errônea do perfil do psicopata delineado
pela moderna psiquiatria.
Segundo Robert D. Hare, os psicopatas são impulsivos e
têm autocontrole deficiente. Em princípio, a afirmação
parece coadunar com o segundo elemento consequencial
da inimputabilidade (ausência de capacidade de
autodeterminação). Contudo, a impulsividade e o
autocontrole deficiente característicos do psicopata, não
são suficientes para afastar sua capacidade de
autodeterminação.
Os psicopatas são estritamente racionais. Suas
condutas são sempre valoradas e pormenorizadamente
delineadas. Não é incomum encontrarmos psicopatas
que escolhem um perfil de vítima, o modus operandi e
circunstâncias similares para a consecução dos seus
atos. Sua forma de agir está geralmente ligada a um
plano premeditado.
Entendemos ser contraditório afirmar, inicialmente, que
os psicopatas planejam seus crimes e seus atos, até
ocupam altos cargos e, ao mesmo tempo, defender que
são impulsivos e sem poder de autocontrole. Evidente
que pessoas bem-sucedidas apresentam um mínimo de
controle das suas ações.
O psicopata direciona sua conduta a uma finalidade já
determinada e tem consciência das suas consequências.
Ele ainda mantém o controle de toda a situação e do seu
comportamento, podendo, a qualquer tempo,
interromper ou adiar a execução dos seus atos se lhe for
mais conveniente.
Declinamos que o ato impulsivo e o autocontrole
deficiente são características que podem ser encontradas
em qualquer ser humano sem distinção de raça, cor,
sexo e opção sexual. Por esse motivo, entendemos não
ser plausível criar uma distinção de classificação e nela
abranger somente os psicopatas.
Pelos motivos mencionados, entendemos que o
psicopata tem plena capacidade para entender o caráter
ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento.

4.6.1.4 Considerações
Tendo em vista o fato de que a inimputabilidade
depende da existência concomitante dos elementos
constitutivos causais, consequenciais e temporal (no
momento da ação ou omissão), a psicopatia não tem, por
si só, o condão de afastar a imputabilidade do agente.
Primeiramente, não encontramos qualquer relação da
psicopatia com doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado. Consequentemente,
não haveria que avaliar se os elementos constitutivos
consequenciais estariam presentes. Ainda que houvesse
relação direta da psicopatia com os elementos
constitutivos causais, os consequenciais não estariam
presentes.
Diante disso, a psicopatia não tem o condão de excluir
(inimputabilidade) a imputabilidade do agente.

4.6.1.5 O psicopata com transtorno


mental
Atentamos ao fato de que, assim como qualquer outra
pessoa, o agente psicopata pode manifestar,
concomitantemente à psicopatia, algum transtorno
mental como esquizofrenia, psicose etc. Nessa situação,
é possível que o psicopata apresente sintomas
característicos do referido transtorno e, em razão desses,
venha a praticar delitos, tornando-se, ao tempo dos
fatos, inteiramente incapaz de entender seu caráter
ilícito ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Nesta hipótese, ao agente deve ser
reconhecida a inimputabilidade.
Igual tratamento deve ser conferido ao psicopata com
embriaguez patológica. Dessa forma, na eventualidade
de o psicopata praticar delito nessas condições, deve ser
reconhecida sua inimputabilidade desde que esta
circunstância tenha retirado do agente a capacidade
plena de ter conhecimento da ilicitude dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Como destacado, a psicopatia não é manifestação de
alguma doença mental, mas é possível que o psicopata
apresente algum transtorno mental em caráter de
comorbidade. Somente nessa circunstância entendemos
ser ele inimputável ou semi-imputável desde que
verificados os demais requisitos delineados pelo art. 26
do Código Penal.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais
decidiu, em Recurso de Agravo em Execução, o
cabimento de medida de segurança consistente em
tratamento ambulatorial a réu com transtorno de
personalidade antissocial tão somente em razão do vício
em álcool e tóxicos. Na decisão, destacou que o
transtorno não é causa para o reconhecimento da
inimputabilidade ou semi-imputabilidade do agente.
EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. LATROCÍNIO. MEDIDA DE
SEGURANÇA. CONDENADO PORTADOR DE TRANSTORNO
ANTISSOCIAL DE PERSONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO
PARA O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE. MEDIDA DE SEGURANÇA
APLICADA EM RAZÃO DE VÍCIO EM DROGAS E ÁLCOOL.
REEDUCANDO PRESO HÁ MAIS DE TRÊS ANOS AGUARDANDO VAGA
EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE
TRATAMENTO AMBULATORIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não é possível a manutenção de medida de segurança com base em
transtorno de personalidade incurável se ele não constitui doença
que torna o reeducando inimputável ou semi-imputável, pois a
situação constituiria, na prática, em imposição de pena de caráter
perpétuo, vedada pelo artigo 5º, XLVII, b, da Constituição da
República. Tratando-se de condenado viciado em drogas e álcool,
razão pela qual lhe foi aplicada medida de segurança de internação,
e encontrando-se em abstinência há mais de três anos, tempo em
que permaneceu preso, mostra-se adequada sua colocação em
tratamento ambulatorial, para que seja avaliado se continuará
afastado do vício após o retorno à sociedade. (TJMG. Agravo em
Execução Penal n. 1.0145.13.002236-4/001, Rel. Des. Nelson Missias
de Morais, 2ª Câmara Criminal, j. 16-03-2017, Public 27-03-2017).

4.6.2 Psicopatia e semi-


imputabilidade
Conforme o Código Penal, a semi-imputabilidade do
agente deve ser reconhecida se, em razão de
perturbação da saúde mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado o agente não era, ao
tempo da ação ou omissão, inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com este entendimento.
Seguindo a sistemática proposta pelo Código Penal,
analisaremos primeiro se a psicopatia consiste em
perturbação da saúde mental ou em desenvolvimento
mental incompleto ou retardado. Em seguida,
pontuaremos se a psicopatia afeta a capacidade de os
seus portadores entenderem o caráter ilícito dos fatos e
de autodeterminaram-se de acordo com esse
entendimento.

4.6.2.1 Psicopatia e perturbação da


saúde mental
Como vimos ao longo do trabalho, a doutrina
majoritária aponta a psicopatia como causa para o
reconhecimento da semi-imputabilidade, sob o
fundamento de corresponder a uma perturbação da
saúde mental.
Cabe salientar que a terminologia “perturbação da
saúde mental” é fruto de criação jurídica. Os
instrumentos internacionais de classificação diagnóstica
(CID-10 e DSM-V-TR) em nenhum momento expõem ou
tratam dessa categoria. Data venia a doutrina majoritária
nacional apontar a psicopatia como perturbação da
saúde mental, é necessário expor que essa associação
não é verificada pela Organização Mundial da Saúde e a
Associação Americana de Psiquiatria.
Com base nos ensinamentos sobre o conceito de
“perturbação da saúde mental”, defendemos que os
psicopatas não podem ser assim considerados. Seus
portadores são plenos em sua capacidade psíquica.
Ademais, psicopatia refere-se a um transtorno que
alcança apenas a personalidade do indivíduo; a sua
forma de se manifestar no mundo. Trata-se de uma
personalidade que assola determinados indivíduos e
provoca comportamentos não aceitos pela sociedade
(que podem ou não consistir em infrações penais).

4.6.2.2 Da capacidade para entender o


caráter ilícito dos fatos ou de
determinar-se de acordo com esse
entendimento
De acordo com o parágrafo único do art. 26 do Código
Penal, a perturbação da saúde mental ou o
desenvolvimento mental incompleto ou retardado devem
ser fatores desencadeantes para, no momento dos fatos,
tornar o agente parcialmente capaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.
Os psicopatas são pessoas que não se importam com
suas escolhas ou com os resultados desta. São
meticulosos em armar o plano e, quando agem, apesar
de aparentar serem impulsivos, seus atos retratam,
muitas vezes, a exteriorização de um plano já traçado.
Outrossim, o egocentrismo e o narcisismo do psicopata
podem impedi-lo de se colocar em situação que possa
lhe causar algum dano. Quando percebem que o plano
pode ser descoberto durante a execução, prontamente o
interrompem.
Considerando o apontado até o presente momento, nos
é evidente que o psicopata tem conhecimento do caráter
ilícito das suas ações e é capaz de evitá-las. O psicopata
possui liberdade de escolha dos seus atos, bem como da
forma como serão praticados. Em nenhum momento esta
liberdade de ação é maculada por qualquer perturbação
de ordem mental ou psíquica, seja no momento da sua
escolha ou durante a sua consecução.
4.6.2.3 Considerações
Entendemos que a psicopatia (transtorno da
personalidade antissocial) não corresponde a
perturbação da saúde mental ou a desenvolvimento
mental incompleto ou retardado. É uma forma de ser do
indivíduo; um distúrbio em sua personalidade. De igual
modo, a psicopatia não tem capacidade para
comprometer sua capacidade de compreender a ilicitude
de um fato e de autodeterminação.
Maximilano Roberto Ernesto Führer afirma que
reconhecer a semi-imputabilidade do psicopata, tão
somente em razão desta, seria premiar o seu
comportamento:
Muito se tem falado que a dinâmica da pena criminal não é
satisfatória nem adequada para a ressocialização do psicopata. Daí a
conveniência do juízo de semi-imputabilidade, onde poderia ser
aplicada medida de segurança.
A estrutura da argumentação não se sustenta.
[...]
Um juízo equivocado de semi-imputabilidade estará premiando a
malvadez pura406 (grifo nosso)
4.7 Psicopatia e imputabilidade
Considerando que o conceito de imputabilidade advém
da interpretação negativa dos artigos 26, caput e
parágrafo único, do Código Penal, não encontramos na
psicopatia qualquer causa determinante com condão de
afastar ou provocar a diminuição da capacidade de
culpabilidade do indivíduo. Por esta razão o temos por
imputável.
Na lição de Marcello Jardim Linhares:
imputável é o homem que reúne dentro de si qualidades de saúde
que o direito estabelece para que sofra uma pena; que se exigem
juntamente com o crime, como qualidades mínimas para poder ser
apenado. Tais qualidades são a capacidade de entender o que faz e
de querer aquilo que faz407.

O psicopata não possui qualquer transtorno mental,


desenvolvimento mental retardado ou incompleto e
perturbação da saúde mental que retire ou diminua a
capacidade para compreender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com este entendimento.
A psicopatia está muito distante de ser considerada
transtorno mental conforme preceitos da psiquiatria.
Outrossim, estudos realizados por especialistas
demonstram que os psicopatas possuem absoluta
compreensão das normas sociais e de suas
consequências, mas ainda assim agem conforme o seu
querer.
As consequências dos seus atos, medo ou qualquer
sentimento não são impeditivos para que um psicopata
aja ou deixe de agir. Ele apenas as considera
irrelevantes.
A afirmação poderia levar ao entendimento errôneo de
que o psicopata em muito se assemelharia a um animal
irracional que age impulsivamente. Contudo, inclusive
em descrições clínicas apresentadas, observa-se que o
psicopata possui domínio da situação, dos seus atos e
das circunstâncias que o circundam.
Outrossim, se destacam pela capacidade de criar
planos e estratégias para alcançar seus objetivos e
controlar seus impulsos e comportamento durante uma
ação, podendo, inclusive, adiar um comportamento se
lhe for mais benéfico.
Neste sentido, Robert D. Hare disciplina:
Eles compreendem as regras da sociedade e os significados
convencionais do certo e errado. São capazes de controlar o próprio
comportamento, têm consciência das potenciais conseqüências dos
próprios atos. Seu problema é que esse conhecimento não os
impede de ter um comportamento antissocial.
[...] Em minha opinião, os psicopatas certamente sabem muito bem
o que estão fazendo e podem ser considerados responsáveis pelos
próprios atos408 (grifo nosso).

Por fim, a psicopatia não provoca no indivíduo a


diminuição da inteligência, a incapacidade de associar as
ideias e a perda ou diminuição da perspectiva acerca da
realidade. O psicopata tem preservada a sua capacidade
intelectual, apesar de manifesta deficiência na sua
inteligência emocional.
Conforme os instrumentos e estudos conferidos pelas
ciências médicas, como também os preceitos
apresentados pelo direito penal no tocante ao instituto
da imputabilidade, não restam dúvidas da imputabilidade
do psicopata.
Parece existir grande dificuldade de a doutrina admitir a
imputabilidade do psicopata. Tratá-lo como imputável, ou
seja, propor sanção penal igual à do criminoso ‘normal’,
seria colocá-lo no mesmo plano de igualdade jurídica e
moral da sociedade comum. Seria julgá-lo como um par,
o que parece moralmente inadmissível.
O direito penal deve considerar as reais condições do
psicopata e conferir tratamento jurídico conforme, seja
no reconhecimento da sua imputabilidade, no momento
da dosimetria da pena, na negativa de concessão de
benefícios ou na imposição de medidas especiais para o
cumprimento da pena.

358 FOUCAULT, Michel. Eu Pierre Rivière, que degolei minha mãe,


minha irmã e meu irmão. Tradução de Denize Lezan Almeida. 5. ed. Rio
de Janeiro: Graal, 1977.
359 “O diagnóstico de Transtorno Anti-Social da Personalidade é bastante
freqüente entre presidiários. Para Moran (1999), tem prevalência e pode
alcançar até 60% dos prisioneiros do gênero masculino” (MORANA, Hilda
Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível prevenir? De jure:
Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo
Horizonte. n. 12, pp. 140-147, jan.-jun., 2009. Disponível em:
http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso em: 17 mar.
2010, p. 142). Entendemos que alcançam nesta porcentagem
apresentada pela autora, os portadores de Transtorno de Personalidade
Antissocial que se enquadram ou não no quadro de psicopatia.
360 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível
prevenir? De jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte. n. 12, pp. 140-147, jan.-jun., 2009.
Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso
em: 17 mar. 2010, p. 142.
361 MORANA, Hilda Clotilde Penteado. Reincidência criminal: é possível
prevenir? De jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte. n. 12, pp. 140-147, jan.-jun., 2009.
Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/28054. Acesso
em: 17 mar. 2010, p. 142.
362 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de
direito penal brasileiro – parte geral. 9. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 546.
363 NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Grupo GEN, 2023 pp. 271-272. E-book. ISBN 9786559646630. Disponível
em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559646630/.
Acesso em: 30 jul. 2023.
364 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: parte geral (arts. 1º
a 120). v.1. São Paulo: Saraiva, 2023. p. 238. E-book. ISBN
9786553627109. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627109/.
Acesso em: 30 jul. 2023.
365 Destaca-se que o psiquiatra forense Arturo Guido Palomba adota a
expressão condutopatia.
366 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de psiquiatria forense civil e
penal. De acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003,
p. 522.
367 PUIG, Santiago Mir. Derecho penal. Parte general. 6. ed. Barcelona:
Editorial Reppertor, 2002, p. 563.
368 “La STS 6 dic. 82 resume la doctrina jurisprudencial sobre las
psicopatías diciendo: ‘Normalmente se estima que por no afectar a la
inteligência y la voluntad (base de la imputabilidad) son intranscedentes a
efectos penales. No obstante, cuando los comportamientos psicopáticos
tienen de modo que la asociación de unas y otras deficiencias psíquicas
afecten a la inteligência o la voluntad, puden repercutir em la moderación
de la imputabilidad, por la via de lãs eximentes incompletas Del art. 9, 1 o
de las atenuantes por analogia Del mismo art.10’ (em el caso concreto
rechaza todo ello em um sujeto drogadicto bajo síndrome de abstinência,
refiriéndose em parte a ‘exigencias de política criminal’).”
369 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal – parte general. 6. ed. Barcelona:
Editorial Reppertor, 2002, p. 563.
370 JAKOBS, Günther. Tratado de direito penal. Teoria do injusto penal e
culpabilidade. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes e Geraldo
de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 760.
371 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – parte geral.
v. 1. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 146.
372 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal – introdução e parte geral. 32.
ed. São Paulo, 1997, p. 168.
373 CARVALHO, Hilário Veiga de et al. Compêndio de medicina legal. São
Paulo: Saraiva, 1987, p. 349.
374 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal – parte geral. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 209.
375 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 476.
376 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré et al. Direito penal brasileiro – parte geral.
Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 476.
377 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. v. I. t. I. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 457.
378 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 64.
379 CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri, Teoria e Prática. 8. ed.
Leme/SP: Mizuno, 2022. p. 489.
380 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos
Aires: Ananké, 2009, pp. 239-240.
381 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos
Aires: Ananké, 2009, p. 240.
382 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos
Aires: Ananké, 2009, p. 240.
383 A CID-10 continua a ser aplicada no Brasil e em vários países do mundo,
durante o período de transição da CID-11.
384 TJSP: “Os psicopatas são enfermos mentais, com capacidade parcial de
entender o caráter criminoso do ato praticado, enquadrando-se, portanto,
na hipótese do parágrafo único do art. 22 (art. 26 vigente) do CP (redução
facultativa da pena)” (RT 550/303). No mesmo sentido, TACRSP: JTACRIM:
85/541; TJSP: “Personalidade psicopática não significa, necessariamente,
que o agente sofra de moléstia mental, embora o coloque na região
fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses
funcionais” (RT 495/304); “A personalidade psicopática revela-se pelas
perturbações da conduta e não como enfermidade psíquica. Destarte,
embora não enfermo mental, é o indivíduo portador de anomalia psíquica,
que se manifesta quando do seu procedimento violento, ao cometer o
crime, justificando, de um lado, a redução da pena, dada a semi-
responsabilidade; e, de outro, a imposição, por imperativo legal, da
medida de segurança” (TJSP – Rev. Crim – Rel. Des. Adriano Marrey – TR
442/412).
385 TJMT: “A personalidade psicopática não se inclui na categoria das
moléstias mentais, acarretadoras da irresponsabilidade do agente.
Inscreve-se no elenco das perturbações da saúde mental, em sentido
estrito, determinantes da redução da pena” (RT 462/409-10).
386 HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COM VIOLÊNCIA
PRESUMIDA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ATENUANTE.
PACIENTE SEPTUAGENÁRIO NA DATA DA SENTENÇA. REDUÇÃO.
PROPORCIONALIDADE OBSERVADA. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO
APLICADA INFERIOR À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. REFORMATIO IN
PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. DESNECESSIDADE.
DIMINUIÇÃO DA REPRIMENDA. SEMI-IMPUTABILIDADE. PERCENTUAL
ADEQUADO. 1. A sentença proferida contra o semi-imputável é
condenatória, sendo a reprimenda fixada normalmente, seguindo as
regras do critério trifásico. Difere do plenamente imputável apenas
porque, sobre a pena obtida após a análise das circunstâncias judiciais,
das atenuantes e agravantes, causas de diminuição e aumento, será
aplicado o redutor previsto no art. 26, parágrafo único, do Código Penal. 2.
É idônea a valoração negativa da culpabilidade, fundada na circunstância
de o paciente ser promotor de justiça aposentado e, por isso, ter uma
maior capacidade de entender o caráter ilícito da conduta e da sua
repercussão social. 3. Os abalos emocionais causados à vítima, que, à
época dos fatos, tinha por volta de 12 anos, são aptos a agravar as
consequências do delito. 4. Está fundamentado o desvalor atribuído às
circunstâncias do crime, cuja prática decorreria de astúcia, pois o paciente
primeiro conquistou a confiança dos familiares e da vítima, para, depois,
dar início à prática dos atos libidinosos. 5. A personalidade antissocial,
narcisista e perversa, apurada em laudo psicológico produzido
durante a instrução criminal, autoriza o afastamento da pena-
base do mínimo legal. 6. A defesa não juntou aos autos as certidões de
antecedentes criminais do paciente, inclusive as mencionadas na
sentença, de forma que é inviável a análise da questão dos antecedentes
no presente writ. 7. A diminuição da pena operada em razão de o paciente
ser septuagenário na data da sentença não conduz, necessariamente, ao
retorno da pena à cominação mínima, mas, como as demais atenuantes e
agravantes, deve ser aplicada com a observância da razoabilidade e
proporcionalidade. 8. Razoabilidade da redução da reprimenda em 6
meses, em razão da referida atenuante. 9. Se o paciente praticou a
conduta delituosa por inúmeras vezes, mostrar-se-ia correta a
exasperação da pena na fração máxima de 2/3, segundo a jurisprudência
desta Corte. Contudo, pela vedação à reformatio in pejus, mantém-se o
aumento em metade, conforme fixado pelas instâncias ordinárias. 10. É
cediço que o réu se defende dos fatos, e não da tipificação atribuída na
denúncia. Se as condutas estavam narradas na exordial acusatória como
praticadas em concurso material, poderia o juiz reconhecer a
continuidade, que inclusive é muito mais benéfica ao réu, sem que
houvesse necessidade de aditamento. 11. Se foi reconhecido pelas
instâncias ordinárias que a semi-imputabilidade do paciente
consistia em uma plena capacidade de entender o caráter ilícito
do fato e uma parcial capacidade de determinar-se de acordo com
esse entendimento, mostra-se fundamentada a redução da pena
em 1/3, não sendo cabível a aplicação da fração máxima prevista
no art. 26, parágrafo único, do Código Penal. 12. Ordem denegada.
(STJ - HC: 135604 RS 2009/0085986-4, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, Data de Julgamento: 16/8/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 5/9/2011).
387 PENAL E PROCESSO PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. USO DE ARMA
DE FOGO. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.
PREPONDERÂNCIA DA MENORIDADE RELATIVA. RÉU SEMI-IMPUTÁVEL.
PERICULOSIDADE COMPROVADA. OPÇÃO PELA MEDIDA DE SEGURANÇA. 1.
NÃO SE JUSTIFICA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE MUITO ACIMA DO PATAMAR
MÍNIMO LEGAL, SE APENAS UMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FOI
CONSIDERADA EM DESFAVOR DO RÉU. 2. A MENORIDADE RELATIVA,
QUE CONDIZ COM A PERSONALIDADE DO AGENTE, PREPONDERA SOBRE
QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE, MESMO A REINCIDÊNCIA. 3.
TRATANDO-SE DE RÉU SEMI-IMPUTÁVEL, PODE O JUIZ OPTAR ENTRE A
REDUÇÃO DA PENA (ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO, CP) OU APLICAÇÃO DE
MEDIDA DE SEGURANÇA, NA FORMA DO ART. 98, DO CP. 4. CONFIRMADO,
POR LAUDO PSIQUIÁTRICO, SER O RÉU PORTADOR DE PSICOPATIA EM
GRAU EXTREMO, DE ELEVADA PERICULOSIDADE E QUE NECESSITA DE
ESPECIAL TRATAMENTO CURATIVO, CABÍVEL A MEDIDA DE SEGURANÇA
CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO, PELO PRAZO MÍNIMO DE 3 ANOS. 5.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-DF - APR: 992433020098070001
DF 0099243-30.2009.807.0001, Relator: JESUINO RISSATO, Data de
Julgamento: 1/3/2012, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 28/3/2012,
DJ-e, pág. 248).
388 Apelação Criminal – Júri – Homicídio qualificado (recurso que dificultou a
defesa da vítima) e ocultação de cadáver – Veredicto condenatório –
Reclamo defensivo – Mérito do apelo prejudicado quanto ao crime do art.
211, do CP, diante da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva
estatal – Lapso aplicável na espécie decorrido entre a data dos fatos e o
recebimento da denúncia (CP, arts. 109, V, 114, II, e 110, §1º, com
redação anterior ao advento da Lei n. 12.234, de 5/5/2010) – Extinção da
punibilidade, na parcela, decretada, ex officio – Preliminar – Alegação de
cerceamento de defesa e violação da garantia constitucional inerente ao
direito de não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), em razão de
leitura feita pelo representante do parquet, durante a sessão plenária, de
prova ilícita, consistente em parecer psiquiátrico confeccionado em
descompasso com o regramento legal (CPP, arts. 149/154), cujo teor
atestou ser o réu portador de transtorno de personalidade antissocial
(sociopatia) – Insubsistência – Apontamento utilizado como prova
emprestada, submetido a prévio contraditório e acostado aos autos antes
mesmo da prolação de decisão de pronúncia – Defesa que foi cientificada
acerca de seu conteúdo e não o impugnou, ao reverso, utilizou-o para
deduzir pedido de instauração de incidente de insanidade mental –
Observância do princípio da boa-fé processual e da vedação a
comportamento contraditório (venire contra factum proprium) que
desautoriza o reconhecimento de nulidade decorrente de situação
anteriormente aceita por quem a alega – Precedente do STJ – Prejudicial
rejeitada – Mérito – Pleito de anulação do julgamento por se tratar de
decisão manifestamente contrária à prova dos autos – Inviabilidade –
Opção dos jurados por uma das versões reveladas pelo acervo coligido
que obsta a pretensão anulatória, diante da soberania dos veredictos –
Teor inconclusivo do laudo de exame necroscópico, no que pertine à causa
mortis da vítima, que não é suficiente para afastar a convicção do
Conselho de Sentença acerca da materialidade delitiva – Apelante que,
em sede inquisitiva, negou a autoria do homicídio, mas confessou a
ocultação do cadáver, que foi encontrado no exato local onde ele indicou,
porém, já em adiantado estado de decomposição – Circunstância que,
inegavelmente, prejudicou o resultado da perícia técnica – Admissibilidade
de a inconsistência pericial, nessas hipóteses, ser suprida pelo conteúdo
da prova testemunhal (CPP, art. 167) – Precedentes do STJ – Qualificadora
(CP, art. 121, §2º, IV) que também encontra arrimo nos elementos de
prova amealhados durante a persecutio criminis – Condenação mantida –
Pena que não comporta ajuste porque está motivada e individualizada –
Registro de condenação definitiva pretérita apta para a configuração de
maus antecedentes, ainda que alcançada pelo quinquênio depurador –
Acusado diagnosticado como portador de transtorno de
personalidade antissocial, com elevada probabilidade de reincidir
em condutas criminosas (sic) – Psicopatia que, de acordo com a
avaliação realizada pelo expert, não tem o condão de afetar sua
capacidade de entendimento nem de autodeterminação,
tampouco configura espécie de doença mental – Aspecto que
evidencia personalidade desajustada, voltada para a prática de
crimes graves, e justifica o incremento da reprimenda (CP, art. 59)
– Regime fechado, único adequado, in casu (CP, arts. 33, §§2º e 3º, e 59),
ausente impugnação, no particular – Detração Penal (CPP, art. 387, §2º)
cuja análise se reserva ao juízo das execuções, a fim de se evitar
supressão de instância e violação ao duplo grau de jurisdição – Recurso
não provido (TJSP; Apelação Criminal 0001816-12.2010.8.26.0052; Rel.
Juvenal Duarte; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Criminal; Foro
Central Criminal –4ª Vara do Júri; j. 28/11/2018; Data de Registro:
29/11/2018) (grifo nosso).
No julgamento do AREsp: 1331087 GO 2018/0179496-1, o Superior
Tribunal de Justiça entendeu que a circunstância judicial (personalidade)
utilizada pelo juiz a quo para majorar a pena-base, com fundamento em
laudo pericial que atestou ser o réu pessoa com transtorno da
personalidade antissocial, é válida porque o citado transtorno “embora
seja catalogado na Classificação Internacional de Doenças (CID),
não caracteriza doença mental, ou seja, não afeta o pleno
entendimento do caráter ilícito dos atos, nem a autodeterminação
do autor do delito”. EMENTA: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP.
OMISSÃO REITERADA. IMPROCEDÊNCIA. ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE
OSTENTA FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. VIOLAÇÃO DO ART. 59 DO CP.
SUPOSTA ILEGALIDADE NA EXCLUSÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA
PERSONALIDADE DO RÉU. PROCEDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA NA SENTENÇA PARA A
VALORAÇÃO NEGATIVA DO REFERIDO VETOR. RESTABELECIMENTO.
REDIMENSIONAMENTO DA PENA. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PARCIAL
PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, NOS MOLDES DO DISPOSITIVO. (STJ
- AREsp: 1331087 GO 2018/0179496-1, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, Data de Publicação: DJ 9/8/2018). (grifo nosso)
389 APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ABSOLVIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. CREDIBILIDADE. HARMONIA
COM O CONTEXTO PROBATÓRIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE
USO DE ENTORPECENTES. DESCABIMENTO. DESTINAÇÃO MERCANTIL
EVIDENCIADA. TRAFICÂNCIA COMPROVADA. DOSIMETRIA.
RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.
POSSIBILIDADE. SENTENÇA QUE UTILIZOU A CONFISSÃO ESPONTÂNEA
EXTRAJUDICIAL COMO FUNDAMENTO. COMPENSAÇÃO DA AGRAVANTE DA
REINCIDÊNCIA COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.
POSSIBILIDADE. SEMI-IMPUTABILIDADE. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES
SOBRE A INTENSIDADE DA PERTURBAÇÃO DA SAÚDE MENTAL DO
ACUSADO. REDUÇÃO DA PENA NO PATAMAR MÁXIMO DE 2/3.
POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR
MEDIDA DE SEGURANÇA DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. ART. 98 DO CP.
VIABILIDADE. LAUDO PERICIAL QUE DEMONSTROU A NECESSIDADE DA
MEDIDA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Se as provas produzidas formam
um conjunto probatório harmônico e desfavorável ao apelante, no sentido
de que as substâncias apreendidas lhe pertenciam e destinavam-se à
comercialização, autorizando um juízo de certeza para o decreto
condenatório pelo crime de tráfico de entorpecentes, não há como acolher
o pedido de absolvição ou desclassificação para uso. O valor do
depoimento testemunhal de servidores policiais, especialmente quando
prestado em juízo, sob a garantia do contraditório, reveste-se de
inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só
fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da
repressão penal. Se o réu confirma na fase inquisitiva a prática do delito
narrado na denúncia, sendo tal confissão utilizada como fundamento para
sua condenação, impõe-se o reconhecimento da atenuante da confissão
espontânea. A agravante da reincidência deve ser compensada com a
atenuante da confissão espontânea, pois, tratando-se de circunstâncias
de natureza subjetiva, não há falar em preponderância de uma sobre a
outra. Para fixação do patamar de redução da pena em razão da semi-
imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP) deve ser observada a
intensidade da perturbação da saúde mental ou a graduação do
desenvolvimento mental do acusado. Se o laudo pericial, apesar de
atestar que o acusado teve reduzida a sua capacidade de
autodeterminação por ser portador de Transtorno de
Personalidade Antissocial, não informa qual a intensidade da
perturbação da sua saúde mental, deve a pena ser reduzida no
patamar máximo de 2/3 (dois terços). Reconhecida a semi-
imputabilidade através de laudo pericial e havendo no referido laudo
recomendação do perito acerca da necessidade de submissão do réu a
tratamento especial curativo, viável a substituição da pena privativa de
liberdade por medida de segurança de tratamento ambulatorial, nos
termos do art. 98 do CP. Recurso parcialmente provido. (TJ-MG - APR:
10043200003564001 Areado, Relator: Doorgal Borges de Andrada, Data
de Julgamento: 27/7/2022, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL,
Data de Publicação: 3/8/2022) (grifo nosso).
390 Súmula 439 - Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades
do caso, desde que em decisão motivada. (Publicação DJ-e 13/5/2010).
391 PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA, BEM COMO DOS
REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA. NÃO
CONSTATAÇÃO. SUSCITADA A EXISTÊNCIA DE EXCESSO DE PRAZO PARA A
CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. MARCHA PROCESSUAL
REGULAR. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DA AUTORIDADE IMPETRADA.
ALEGAÇÃO DE QUE O PACIENTE É PORTADOR DE TRATAMENTO DE
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL. PERÍCIA MÉDICA
DESIGNADA. FEITO DE ORIGEM SUSPENSO DEVIDO À INSTAURAÇÃO DE
INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. CUSTÓDIA CAUTELAR NECESSÁRIA
PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE DO CRIME. DECISÃO
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA COM BASE EM ELEMENTOS IDÔNEOS.
POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DELITIVA. INSUFICIÊNCIA DE MEDIDAS
CAUTELARES MAIS BRANDAS. PRECEDENTES DA COLENDA CÂMARA DESTE
TRIBUNAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REMÉDIO
CONSTITUCIONAL CONHECIDO E DENEGADO.
I. A segregação cautelar deve ser considerada exceção, restando
justificada quando demonstrada sua real indispensabilidade para
assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei
penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
II. De início, registre-se que a discussão sobre a ausência de
fundamentação idônea para a decretação preventiva do paciente, não
deve prosperar, pois como vimos no trecho supracitado do processo
originário, há provas suficientes dos indícios de autoria e da materialidade
delitiva. Necessidade da medida extrema evidenciada a partir do modus
operandi supostamente empregado no crime em tela, que preenche os
requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, conforme o auto da
prisão em flagrante do acusado, depoimentos das testemunhas às fls.
243/246 e, em especial, declaração da vítima. Assim, inviável tal
discussão neste writ. Em que pese a Defesa aponte que, no caso em tela,
sequer teria ocorrido ato libidinoso, vê-se, na peça acusatória, que o
Órgão Ministerial, ao narrar os fatos, descreveu que o paciente fora
acusado de pegar nas partes íntimas da vítima, menor de 12 (doze) anos
de idade, além de lhe falar palavras obscenas. De acordo com os relatos,
aquela não teria sido a primeira vez que o acusado agia de tal forma.
III. A presença de circunstâncias pessoais favoráveis não tem o condão de
garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a
justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese. Pela
mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de
medidas cautelares diversas da prisão.
IV. Em relação ao argumento de prazo tramitação processual, vale a pena
observar a resposta do magistrado a quo que delineou o referido
andamento do feito às fls. 584/586, restando claro que não existe desídia
no andamento do processo criminal, seguindo a sua marcha em ritmo
adequado à complexidade do caso, após a instauração do incidente de
insanidade, que suspendeu os prazos do processuais. Perícia médica
marcada para ser realizada pelos médicos peritos oficiais. V – Ordem
conhecida e denegada. (TJ-AL - HC: 08000987520238029002 Matriz de
Camaragibe, Relator: Des. João Luiz Azevedo Lessa, Data de Julgamento:
31/05/2023, Câmara Criminal, Data de Publicação: 01/06/2023).
392 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. ART. 59 DO CP. CULPABILIDADE, PERSONALIDADE,
CONDUTA SOCIAL E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O aumento a pena-base está concretamente fundamentado em
elementos que extrapolam o tipo penal, não havendo que se falar em
violação do art. 59 do Código Penal.
2. A moduladora da personalidade "deve ser aferida a partir de uma
análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos dos
autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo de agir do
criminoso para a consumação do delito [...]" (HC 472.654/DF, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, Sexta Turma, DJe 11/3/2019).
3. No caso concreto, o referido vetor foi avaliado em razão da
forma como a recorrente planejou a ação criminosa, sua frieza,
dissimulação e traços de psicopatia.
4. Já a vetorial conduta social "corresponde ao comportamento do réu no
seu ambiente familiar e em sociedade, de modo que a sua valoração
negativa exige concreta demonstração de desvio de natureza
comportamental" (HC 544.080/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta
Turma, DJe 14/2/2020).
5. Na hipótese vertente, as instâncias de origem ressaltaram a existência
de alienação parental e a ausência de cuidados com seus filhos, deixando-
os inclusive aos cuidados dos coautores do crime.
6. Em relação às consequências do crime, qual seja, ter deixado a vítima
filhos órfãos, pode sim ser valorado de forma negativa, haja vista tal
componente não ser elemento inerente ao tipo penal do homicídio (ut,
AgRg no REsp 1616691/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta
Turma, DJe 18/11/2016). 7. Agravo regimental não provido.” (AgRg no
AgRg no AREsp n. 1.843.720/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de 24/5/2021.)
393 FOLHA DE S. PAULO. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1561310-so-matava-por-
prazer-diz-rapaz-que-confessou-43-assassinatos-no-rio.shtml. Acesso em:
15 jan. 2020.
394 FOLHA DE S. PAULO. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1561310-so-matava-por-
prazer-diz-rapaz-que-confessou-43-assassinatos-no-rio.shtml. Acesso em:
15 jan. 2020.
395 Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/3826314/. Acesso em: 01
mar. 2020.
396 AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PROGRESSÃO
DE REGIME. BENEFÍCIO INDEFERIDO NA ORIGEM. INFORMAÇÕES
NEGATIVAS CONSTANTES DE LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO DO JUIZ. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE.
1. O juiz não está vinculado às conclusões do exame criminológico,
podendo dele divergir, desde que o faça de maneira fundamentada, com
base no princípio do livre convencimento motivado. Precedentes do STJ.
2. No laudo de exame criminológico, o perito judicial concluiu que o
sentenciado não estava apto a cumprir pena em regime mais branco pois
"possui um perfil dissocial, indiferente, emocionalmente insensível, sem
empatia, impulsivo, agressivo, opositor e com baixa capacidade de
tolerância às frustrações (...) denotam que seu repertório geral de
socialização, amabilidade, pró-sociabilidade, assistência, afago e
deferência são extremamente baixos, ao passo que o fator vinculado à
agressão é extremamente elevado, motivo pelo qual concluí que ele é
acometido pelo transtorno de personalidade antissocial global",
tendo a decisão, nessas premissas, indeferido o pedido de
progressão de regime prisional, pois ausente o requisito
subjetivo. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 692827 MS
2021/0292026-7, Relator: Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Julgamento: 29/03/2022, T6 -
SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/04/2022). (grifo nosso)
397 Súmula Vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no
cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da
execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de
25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou
não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo
determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame
criminológico”.
398 Súmula n. 439, do Superior Tribunal de Justiça: “admite-se o exame
criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão
fundamentada”.
399 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 38.
400 GARRIDO, Vicente. O psicopata: um camaleão na sociedade atual.
Tradução de Juliana Teixeira. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 89.
401 He dicho que la psicopatia es una manera de ser com necesidades
distintas y formas atípicas de satisfacerlas. (MARIETAN, Hugo. Curso
sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos Aires: Ananké, 2009, p. 98).
La psicopatia es uma forma de ser; se es psicópata, no se está psicópata.
Es uma variedad de individuo, no va a cambiar nunca, es así. Es uma
forma de ser em el mundo que aparece em cualquier estrato social y em
cualqueir condición familiar (MARIETAN, Hugo. El jefe psicopata:
radiografía de un depredador. Buenos Aires: Libros Del Zorzal, 2010, pp.
25-26).
402 Informação obtida por email em 4-7-2011.
403 Informação obtida por email em 16-7-2011.
404 CARTER, Rita. O livro de ouro da mente. O funcionamento e os
mistérios do cérebro humano. Tradução de Vera de Paula Assis. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003, p. 139.
405 MARIETAN, Hugo. Curso sobre psicopatía: los extravagantes. Buenos
Aires: Ananké, 2009, p. 101.
406 FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da inimputabilidade
no direito penal. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 64.
407 LINHARES, Marcello Jardim. Responsabilidade penal. t. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 22.
408 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 151.
Conclusão

Primeiramente, cabe informar que este trabalho surgiu


da necessidade de compreender a psicopatia a partir de
uma perspectiva primordialmente científica.
Até o início deste estudo, a psicopatia era entendida
como causa que diminuía a culpabilidade do seu portador
e, portanto, a semi-imputabilidade era medida que se
impunha. Aconteceu que, contrapondo ao entendimento
majoritário da doutrina e da jurisprudência brasileira,
identificamos estudos e pesquisas científicas
apresentadas por neurocientistas, psicólogos e
psiquiatras forenses ao redor do mundo que apontavam
para uma necessária revisão acerca do conceito de
psicopatia e da forma de enfrentamento pelo direito
penal brasileiro.
Como medida necessária, nos propusemos, por meio
desta obra, a apresentar em seu primeiro e longo
capítulo a compreensão da “psicopatia”, respeitada a
cientificidade que lhe é intrínseca. Primeiramente, foi
discutida a problemática terminológica, esclarecendo-se
que o termo “psicopatia”, apesar de ainda ser utilizado
pela classe científica, é atualmente empregado para
distinguir os demais indivíduos diagnosticados com
transtorno da personalidade antissocial, mas que não são
psicopatas.
A Organização Mundial da Saúde e a Associação
Americana de Psiquiatria não reconhecem a “psicopatia”
como um transtorno propriamente dito (“transtorno
psicopático” ou “transtorno da psicopata”). A
terminologia foi substituída por transtorno de
personalidade antissocial (F60.2), conforme os
instrumentos de classificação diagnóstica atualmente
aplicados no país - CID-10 e DSM-V-TR.
Como estudamos, a psicopatia é um transtorno de
personalidade que pode assolar parte da população
mundial sem qualquer predeterminação, em razão de
classe social, cor, sexo ou orientação sexual – apesar de
estudos apontarem sua maior incidência entre pessoas
do sexo masculino. O tema ainda demanda inúmeros
estudos, sobretudo no tocante à etiologia, mas há certos
pontos que parecem ser compartilhados pela maioria dos
seus estudiosos.
Conforme o psicólogo forense canadense Robert D.
Hare – atualmente a referência mundial sobre o estudo
da psicopatia –, o perfil do psicopata pode ser
caracterizado a partir de dois prismas: área emocional e
estilo de vida.
No tocante à área emocional, o psicopata é eloquente;
dotado de encanto superficial, personalidade egocêntrica
e presunçosa; incapaz de sentir remorso, culpa e
empatia; exímio mentiroso e manipulador e, por fim,
provido de emoções superficiais.
Quanto ao seu estilo de vida, lhe são característicos:
impulsividade, autocontrole deficiente, falta de
responsabilidade, comportamento antissocial na fase
adulta, problemas de conduta na infância e necessidade
de excitação continuada.
Robert D. Hare destaca para o fato de os psicopatas
serem hábeis em criar cenários utilizando seu talento
para mentiras e manipulação, com o fim de envolver e
enganar o(s) outro(s) interlocutor(es). Psiquiatras e
psicólogos inexperientes ou desatentos podem ser
facilmente ludibriados ao serem conduzidos a um
diagnóstico errôneo.
Os seus portadores não sustentam verdadeiro remorso,
culpa ou empatia. Suas emoções são superficiais. Não
raras vezes transferem a culpa dos seus atos às vítimas
ou à sociedade.
Segundo melhores ensinamentos, o psicopata tem
pleno conhecimento das normas que regem a sociedade,
mas não se importa em criar os próprios preceitos para
alcançar seus intentos. Isso não implica concluir seja ele
um grande violador de normas. Os seus portadores
convivem com as normas sociais e legais, mas escolhem,
livremente, as que pretendem seguir e/ou violar contínua
ou periodicamente.
Seus atos são praticados com absoluta lucidez (quando
não acometidos, em comorbidade, com transtorno
mental que lhe retire ou diminua as capacidades
intelectiva ou volitiva) e domínio sobre o próprio
comportamento. Tal característica é geralmente
evidenciada em três momentos, por exemplo, quando da
prática de infração penal: anterior, durante e posterior ao
seu cometimento.
Antes da prática de um delito, é comum verificar o
envolvimento do psicopata na escolha da vítima (na
predileção ou não por um perfil e na escolha prática), na
forma (abordagem súbita ou após ludibriar a vítima;
escolha dos instrumentos ou recursos para evitar que
venha a ser reconhecido pela vítima ou terceiros) e local
de abordagem (lugar ermo, local que não possa ser
avistado ou surpreendido por terceiros).
Durante a ação criminosa, o psicopata mantém controle
sobre seus atos, podendo, inclusive, adiar sua ação se,
por exemplo, acreditar que está prestes a ser
surpreendido por terceiros. O momento para o início dos
atos executórios de um delito pode, muitas vezes, sofrer
alterações, se assim julgar necessário.
Quanto à sua impulsividade, oportuno destacarmos que
essa difere daquela do indivíduo não psicopata no que se
refere aos freios inibitórios. Isso não significa dizer que os
psicopatas são desprovidos de freios e praticam todos e
quaisquer atos sem pensar nas suas consequências. É
certo, porém, que as razões que fazem com que o
psicopata deixe de praticar determinados atos podem ou
não coincidir com os mesmos critérios estabelecidos pelo
indivíduo não psicopata. O temor em ser surpreendido
por terceiros, por exemplo, pode fazer com que
abandone sua ação.
Após a prática do crime, o psicopata pode apresentar
qualquer tipo de comportamento que impeça sua
identificação ou associação ao delito praticado. Ademais,
é comum se enaltecer por não ter sido descoberto.
Como foi possível verificar, as características científicas
apresentadas sobre a figura do psicopata vêm,
concomitantemente, esclarecer o tema e desconstruir a
imagem equivocadamente incutida nos contextos social
e jurídico.
No âmbito jurídico, especificamente no tocante à
discussão sobre imputabilidade, semi-imputabilidade ou
inimputabilidade do psicopata, a questão deve ser
estudada além da associação simplista à uma
perturbação da saúde mental. Defender sua semi-
imputabilidade com fundamento exclusivo no fato de
tratar-se de uma “perturbação da saúde mental” (criação
jurídica e não médica) contraria a teoria biopsicológica
adotada pelo Código Penal em vigor.
Buscando compreender a imputabilidade do psicopata
com base nos elementos constitutivos legais (art. 26,
caput, e parágrafo único do Código Penal),
primeiramente verificamos que a psicopatia não consiste
em uma doença mental ou em desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, porque não provoca qualquer
alteração na capacidade psíquica do agente. Contudo,
ainda que assim fosse considerada, não teria o condão
de retirar do agente a capacidade de conhecer o caráter
ilícito dos fatos ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
O psicopata conhece exatamente as normas que regem
a sociedade e suas consequências. Ainda assim, investe
no plano premeditado e o pratica até onde lhe parece
mais conveniente. Nesse sentido, compartilhamos do
entendimento de Robert D. Hare: “os psicopatas são
racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo
por que agem assim. Seu comportamento é resultado de
uma escolha exercida livremente”409. Nessas
circunstâncias, entendemos que a psicopatia não tem o
condão de tornar o agente inimputável.
Se eventualmente o psicopata sofrer de alguma doença
mental em caráter de comorbidade, e essa for suficiente
para, no momento dos fatos, afastar completamente a
capacidade de querer ou entender, teremos presente a
inimputabilidade. Nessa situação, a inimputabilidade será
declarada não em razão da psicopatia, mas em
detrimento da doença mental.
No tocante à semi-imputabilidade, o psicopata não
pode ser considerado indivíduo com perturbação da
saúde mental (conceito unicamente jurídico). O fato de o
agente exteriorizar comportamento antissocial não
implica o necessário comprometimento da sua saúde
mental. Outrossim, ainda que fosse considerada
perturbação da saúde mental, essa circunstância não
teria o caráter de diminuir a capacidade de entender e
querer pelas razões já mencionadas.
Diante do exposto, atentando-se aos requisitos
delineados pelo art. 26, caput, e parágrafo único do
Código Penal, e aos ensinamentos pontuados pela
psiquiatria, psicologia, medicina legal e criminologia, não
verificamos qualquer relação da psicopatia com as
hipóteses de afastamento ou diminuição de
culpabilidade.
Primeiramente, não há que falar ser a psicopatia
transtorno ou doença mental, senão um transtorno na
personalidade do indivíduo. De igual modo, não há
qualquer associação ao desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Quando à perturbação da
saúde – terminologia jurídica não adotada pela
Organização Mundial da Saúde –, a questão parece sem
associação clara. Contudo, ainda que a doutrina venha a
considerá-la uma perturbação da saúde mental, é certo
que a psicopatia não tem condão de, por si só, reduzir a
capacidade de o seu portador entender o caráter ilícito
dos fatos ou de autodeterminar-se conforme esse
entendimento.
Concluímos este trabalho defendendo ser o psicopata
imputável, uma vez que seu transtorno (transtorno de
personalidade antissocial) não tem capacidade para, no
momento da ação ou omissão, afastar ou diminuir suas
capacidades de entender e de querer o ilícito. O
psicopata conhece as normas e leis que regem a
sociedade e, ainda assim, decide praticar um delito. Além
do mais, o psicopata mantém pleno domínio sobre seu
comportamento, podendo alterar a dinâmica dos fatos ou
desistir da sua ação após avaliação pessoal.
Entretanto, assassinos psicopatas não são loucos, de acordo com
padrões psiquiátricos e jurídicos aceitáveis. Seus atos resultam não
de uma mente perturbada, mas de uma racionalidade fria e
calculista, combinada com uma deprimente incapacidade de tratar
os outros como seres humanos, de considerá-los capazes de pensar
e sentir410.
[...] Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o
contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a
angústia subjetiva intensa que caracterizam a maioria dos
transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são
racionais, são conscientes do que estão fazendo e do motivo por que
agem assim411.
409 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 38.
410 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 23.
411 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos
psicopatas que vivem entre nós. Tradução de Denise Regina de Sales.
Porto Alegre: Artmed, 2013, p. 38.
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