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UNIVERSIDADE TIRADENTES

DIRETORIA DE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

O DIREITO PENAL DO INIMIGO: UMA ANÁLISE


CRÍTICA DO EXPANSIONISMO PENAL NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA

JÚLIO CÉSAR DO NASCIMENTO RABÊLO

ARACAJU
FEVEREIRO- 2016
2

UNIVERSIDADE TIRADENTES
DIRETORIA DE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

O DIREITO PENAL DO INIMIGO: UMA ANÁLISE


CRÍTICA DO EXPANSIONISMO PENAL NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA

Dissertação final submetida


examinadora para a obtenção do título de
Mestre em Direito, na área de
concentração em Direitos Humanos.

Autor: Júlio César do Nascimento Rabêlo

Orientador: Prof. Pós-Doutor Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho

ARACAJU
FEVEREIRO – 2016
3

O DIREITO PENAL DO INIMIGO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO


EXPANSIONISMO PENAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

JÚLIO CÉSAR DO NASCIMENTO RABÊLO

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM


DIREITO DA UNIVERSIDADE TIRADENTES COMO PARTE DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DIREITOS
HUMANOS.

Aprovada em: ____/____/____

_______________________________________________________________
Prof. PhD. Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Orientador)

________________________________________________________________
Profª. Drª. Veronica Teixeira Marques (Membro Interno da Banca)

________________________________________________________________
Profª. Drª. Karyna Batista Sposato (Membro Externo da Banca)

________________________________________________________________
Profª. PhD. Liziane Paixão Silva Oliveira (Membro Suplente)
4

SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO.............................................................................................. .........12

2- A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O DIREITO PENAL............................15

2.1 – A Sociedade Contemporânea................................................................................15

2.2 - A Sociedade Economicamente Globalizada e seus efeitos penais..........................17

2.3 - A relação entre a invisibilidade e a exclusão social com o aumento da


criminalidade................................................................................................................ 20

2.4 - A banalização das diferenças e o encarceramento como paradigma da


simplicidade.................................................................................................................25

2.5 - A seletividade do sistema penal............................................. ...............................28

3 - AS POLÍTICAS CRIMINAIS NA ATUALIDADE: CARACTERÍSTICAS DE


EXPANSÃO E RECRUDESCIMENTO DO DIREITO PENAL...............................31

3.1 – O Expansionismo Penal....................................................... .................................31

3.2 – Políticas de enfrentamento do crime.....................................................................33

3.2.1 - Das teorias de Conflito......................................................................................34

3.2.1.1 - Da Teoria do Etiquetamento ou Labelling Approach.......................................34

3.2.1.2 - Da Teoria crítica ou radical.............................................................................35

3.2.1.3 - Do Neorretribucionismo..................................................................................36
5

3.2.1.3.1 - Movimento Lei e Ordem, Política de tolerância zero, Teoria das janelas
quebradas e a Teoria das três faltas e está fora..................................................... .........36

3.3 – A criminalidade real, a cifra negra e a cifra dourada............................................40

3.4 - A expansão do direito penal em Jesús-Maria Silva Sanches..................................41

3.4.1 - As Velocidades do Direito Penal........................................... .............................44

3.5 – O Direito Penal Mínimo e o Direito Penal Máximo..............................................45

3.5.1 – Direito Penal Mínimo........................................................................................47

3.5.2 – Direito Penal Máximo.......................................................................................50

4 – O DIREITO PENAL DO INIMIGO.....................................................................52

4.1 – Considerações Preliminares................................................... ...............................52

4.2 – Análise da teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther


Jakobs....................................................................................................... ....................54

4.2.1 – Suporte Filosófico........................................................................... ..................55

4.2.2 – O Inimigo em Jakobs............................................................ .............................56

4.2.3 - Características do Direito Penal do Inimigo......................................................59

4.2.4 - O Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro........................61

4.2.4.1 – A edição da Lei nº 12.654/12 e o surgimento de um novo processo de escolha


inimigos no Brasil.........................................................................................................63

4.2.4.2 – A Lei nº 12.850/13 e a Ofensa a Garantias Constitucionais............................72

4.3 – O Direito Penal do Inimigo diante do Estado de Direito................................ .......78

4.3.1 – O Estado Democrático de Direito como garantidor dos direitos


humanos................................................................................. ......................................79

4.3.2 – A (In) compatibilidade do Direito Penal do Inimigo de J akobs com o Estado


Democrático de Direito.................................................................................... .............81
6

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 85

REFERÊNCIAS............................................................................................... ...........94
7

Rabelo, Julio Cesar do Nascimento


R114d O direito penal do inimigo: uma análise crítica do expansionismo
penal na sociedade contemporânea. / Julio Cesar do Nascimento Rabelo ;
orientação [de] Prof. Dr. Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho –
Aracaju: UNIT, 2016.

95 p. il.: 30cm

Inclui bibliografia.

Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos)

1.Direito penal. 2. Teoria de Günther Jakobs. 3. Direito penal do inimigo. 4.


Argumentos contrários à sua legitimidade. 5. Estado democrático de direito.
I. Carvalho, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. II. Universidade
Tiradentes. III. Título.

CDU: 343.2
Ficha catalográfica: Rosangela Soares de Jesus CRB/5 1701
8

Dedico este trabalho à minha esposa Simone, que durante


todo esse percurso me deu o apoio necessário em todos os
aspectos, grande exemplo de mulher, linda e guerreira, a
você um sonoro “Te amo”.

Dedico também aos presentes mais lindos que o bom Deus


me deu, meus dois filhos Anna Júlia e Lucca Gabriel,
papai ama muito vocês.
9

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai Ildon e a minha mãe Ana Maria, que ao longo da minha vida
além do amor e carinho que sempre dispensaram, fizeram de mim um homem honrado e
humilde; e aos meus irmãos, em especial Ildon Júnior, por estar sempre ao meu lado nessa
grande batalha diária que é a vida.

Agradeço ao meu professor e orientador Luís Gustavo Grandinetti, por ter me tirado
da superfície e me mostrado como é profundo o tema deste trabalho, foi, sem dúvida alguma,
a experiência mais enriquecedora da minha vida acadêmica e profissional.

Aos professores do programa de pós-graduação da Universidade Tiradentes, meu


muito obrigado pelos ensinamentos, em especial Professora Liziane, agradeço a paciência e o
cuidado dispensados ao longo desse árduo período.

Agradeço também aos grandes amigos que me acompanharam durante esse


mestrado, Paulo Pacheco e Luciana, vocês, sem sombra de dúvidas, tornaram mais leve essa
caminhada, bem como aos novos amigos que o curso me trouxe, entre os quais Vilobaldo e
Martha.

Por derradeiro, além de dedicar este trabalho, tenho que agradecer à minha esposa e
filhos por terem aturado e respeitado a minha ausência quando se fez necessária, bem como
por serem fonte primária e imediata de todos os meus sonhos.
10

RESUMO

A sociedade moderna vem sofrendo profunda influência da globalização econômica, em


especial no que concerne ao direito penal, vez que, com o surgimento de novas condutas
ilícitas, dá-se a criação de novos tipos penais e, ao lado disso, tipos penais já existentes
acabam recebendo um incremento com o recrudescimento das penas. Essa situação provocou
um aumento na utilização do direito penal, abandonando-se a característica de ultima ratio,
fenômeno que ficou conhecido como expansionismo penal. Como consequência, surgiu uma
vertente mais radical, representativa do direito penal máximo, tendo como principal expoente
o alemão Günther Jakobs que idealizou a Teoria do Direito Penal do Inimigo. Denominado de
Direito Penal de Terceira Velocidade, apresenta como principais características a antecipação
da tutela punitiva (caráter prospectivo), mitigação de garantias e endurecimento das penas.
Essa teoria será abordada no presente trabalho, apontando-se os principais argumentos
contrários à sua legitimidade, bem como se procurou discutir sua compatibilidade com o
Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Sociedade Moderna. Expansionismo Penal. Direito Penal do Inimigo. Estado


Democrático de Direito.
11

ABSTRACT

Modern society has undergone profound influence of economic globalization, in particular


with regard to criminal law, since, with the emergence of new illegal conduct, it gives the
creation of new criminal offenses and, next to that, existing criminal types they end up getting
an increase with the intensification of penalties. This situation led to an increase in the use of
criminal law, abandoning the characteristic of ultima ratio, a phenomenon that became known
as criminal expansionism. As a result, there was a more radical side, representing the
maximum criminal law, the main exponent of the German Günther Jakobs who conceived the
Theory of Criminal Law of the Enemy. Called Third Criminal Speed Law, presents the main
characteristics of anticipation of punitive protection (prospective character), mitigation and
guarantees of tougher penalties. This theory will be addressed in this paper, pointing up the
main arguments against the legitimacy, and we intend to discuss its compatibility with the
democratic rule of law.

Keywords: Modern Society. Criminal expansionism. Criminal Law of the Enemy. Democratic
state.
12

1. INTRODUÇÃO

O foco principal do presente estudo é a teoria de Günther Jakobs, o Direito Penal


do Inimigo, que foi analisada sob uma ótica crítica, confrontando sua legitimidade frente
ao Estado Democrático de Direito.

Desde o século passado o mundo vem passando por transformações, em especial


no mundo jurídico, onde visualizamos a expansão da utilização do direito penal,
situação esta que resulta de uma série de fatores, entre os quais a influência da mídia, a
sensação constante de insegurança e principalmente os efeitos oriundos do fenômeno
denominado globalização econômica.

Poderá ser observado que a globalização ao passo em que proporciona vantagens,


acaba também produzindo malefícios, mormente quando se fala em criação de novos
tipos penais até então impensados.

Como consequência dessa expansão do direito penal, surgiu uma ala mais radical,
aquela que Jesus-Maria Silva Sanchez denominou de Direito Penal de Terceira
Velocidade, representada pela teoria do direito penal do inimigo de Günther Jakobs, que
se caracteriza como verdadeiro direito penal do autor.

Construída sobre clara base contratualista, a teoria de Jakobs faz uma distinção
entre pessoa e inimigo, ressaltando que é necessária a existência de duas espécies de
direito penal, uma destinada ao delinquente comum – Direito Penal do Cidadão – e outra
destinada àquele que se coloca contrário ao Pacto Social firmado – Direito Penal do
Inimigo.

Enquanto na primeira espécie as garantias constitucionais e processuais são


obedecidas, na segunda essas garantias desaparecem, dando lugar a penas desumanas.

O ordenamento jurídico de vários países está recheado de normas com


características de um direito penal do inimigo, em especial o Brasil, como se verá
adiante, como citamos a título de exemplo as Leis nºs. 12.654/12 e 12.850/13, a primeira
13

que regula a utilização de dados genéticos no âmbito do processo penal, e a segunda que
regula o delito cometido por organizações criminosas.

A situação nos leva a concluir que a ideia de direito penal como ultima ratio foi
abandonada, estando hoje, o Estado, utilizando-se deste ramo do direito, em algumas
situações, como substituto de políticas públicas, dando um verdadeiro caráter simbólico
a esse ramo.

O objetivo principal deste trabalho é esmiuçar a teoria do direito penal do


inimigo, expondo seus fundamentos filosóficos, suas características e, principalmente,
verificar se há a compatibilidade desse instrumento com um Estado de Direito.

Demonstrou-se também, através de uma digressão histórica, os fatores que


conduziram a essa nefasta ascensão do direito penal, fazendo-o emergir como principal
remédio para solução dos problemas sociais, bem como de que modo normas com essas
características idealizadas por Jakobs se apresentam dentro da legislação.

Esta pesquisa é de natureza exploratória, pois como se vê, procurou-se levantar


informações a respeito da teoria de Jakobs, possibilitando a formação de convicções
acerca do assunto.

Para atingir esses objetivos foram utilizadas obras de filosofia, sociologia,


criminologia, bem como diversas obras de renomados penalistas pátrios e estrangeiros,
tudo no afã de promover uma análise crítica da teoria do direito penal do inimigo.

Na busca de dar uma maior profundidade ao trabalho, optou-se pela utilização de


pesquisas bibliográfica, documental, eletrônica, dando-se ênfase à doutrina,
jurisprudência, à própria legislação pátria, bem como artigos científicos.

Dito isto, o trabalho foi dividido em 03 (três) capítulos, a saber:

O capítulo inicial abordou as modificações introduzidas na sociedade


contemporânea, em especial no âmbito do direito penal, seja no que diz respeito aos
chamados delitos econômicos, categorizados como macrocriminalidade, seja no que
concerne ao aumento dos crimes praticados contra o patrimônio, ou seja, a
microcriminalidade.

Salientou-se também ainda no capítulo inicial, a questão atinente à seletividade


do direito penal, em que a produção das normas acaba tendo destinatários previamente
conhecidos, quais sejam, as classes menos favorecidas.
14

No capítulo subsequente, foram trazidas à baila as políticas criminais surgidas


após a Segunda Guerra, quando houve um incremento dos chamados movimentos lei e
ordem, acentuando o papel do direito penal, dando um protagonismo cada vez maior a
esse ramo do direito.

Dentro desse contexto, surgiram três vertentes de políticas criminais. A primeira,


denominada abolicionista, que prega a não utilização do direito penal como instrumento
de controle social, procurando atribuir às partes envolvidas na situação, capacidade de
resolver os problemas consensualmente.

A segunda, com um viés menos radical, a corrente denominada de minimalista,


pregadora de um direito penal mínimo e mais equilibrado, ou seja, diminui -se a
interferência estatal, garantindo-se assim uma maior liberdade aos cidadãos, tendo como
principal expoente o italiano Luigi Ferrajoli.

Do outro lado temos os defensores de um direito penal máximo, com acentuada


característica de prima ratio, reveladora de um direito penal do autor, que tem na teoria
de Jakobs, o direito penal do inimigo, sua face mais sombria.

No capítulo que segue foi analisada a teoria de Jakobs, fazendo exsurgir sua base
filosófica, expondo as principais características de sua teoria, demon strando também que
em países que se autoproclamam Estados Democráticos de Direito como o Brasil,
encontramos normas com essa característica.

Finalizando o trabalho, adentrou-se na principal problematização do tema


abordado, traremos à lume as críticas dirigidas a esse direito penal do inimigo, bem
como se observará que se trata de uma teoria com clara base totalitária que não se
coaduna com Estado de Direito.
15

2 – A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O DIREITO PENAL

2.1 – A Sociedade Contemporânea

Antes de iniciar a análise das principais características que circundam o direito


penal na atualidade, é necessário trazer à tona elementos da sociedade moderna que
direta ou indiretamente acabaram por influenciar esse ramo do direito.

A contemporaneidade, em especial o período pós-industrial, tem trazido para o


âmbito do direito penal novas demandas em razão do surgimento da preocupação com
novos bens jurídicos como o meio ambiente, bem como de novas espécies de condutas
delituosas, entre as quais podemos citar a criminalidade dita organizada, o terrorismo,
entre outros.

Esse fato tem gerado mudanças que acabam por vezes por influenciar a produção
de normas com características que desprezam princípios liberais, flexibilizando
garantias típicas de um direito penal pertencente a um Estado de Direito.

Nesse contexto de sociedade moderna, a globalização econômica, caracterizada


como fenômeno que influenciou não só o aspecto econômico, como também a política e
o direito, revela-se como fator preponderante para a discussão dos novos rumos do
direito penal.

Consoante se viu, a globalização produziu diretamente o aumento da


criminalidade, em especial os delitos econômicos e aqueles crimes praticados contra o
patrimônio.

A situação oriunda do aparecimento de novos riscos derivados dessa expansão de


mercados, avanços tecnológicos e consequente exclusão social, culminando com o
16

aumento da criminalidade, como se verá, revelam, especialmente em países


subdesenvolvidos, a falência do Estado Social. 1

O que se afigura patente também é que esse declínio do Estado Social em alguns
países, a exemplo do Brasil, paulatinamente, foi dando lugar ao que hoje se denomina
Estado Penal 2 , onde o ente público opta por priorizar investimentos em medidas de
caráter penal, deixando em segundo plano setores como a educação, saúde, etc.

Observa-se dentro dessa análise preliminar que a sociedade está em constante


evolução, fazendo-se necessário também que o direito evolua para atender às novas
demandas sociais que surgem, mormente àquelas que não podem, ou pelo menos não se
pretende, que sejam resolvidas por outro ramo do direito que não o penal.

Hodiernamente, observamos corriqueiramente que limites passam a ser


desrespeitados, medidas excepcionais como a ofensa a direitos fundamentais passam a
ser regra, caracterizando aquilo que Agamben (2004, p. 11-12) denominou de estado de
exceção3, ou seja, aquilo que se apresenta como a forma legal daquilo que não pode ter
forma legal.

Exemplo dessa suspensão da ordem jurídica nesta sociedade, podemos observar,


como ressalta o mesmo autor, na “military order”, promulgada pelo presidente dos
Estados Unidos no dia 13 de novembro de 2001, e que autorizou a “indefinite detention”
e o processo perante as “military commissions” dos não cidadãos suspeitos de
envolvimento em atividades terroristas. (AGAMBEN, 2004, p. 16).

1
Estado Social é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção
social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde
social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes de
acordo com o país em questão. Cabe, ao Estado do bem-estar social, garantir serviços públicos e proteção à
população. Schumpeter (1989, 213-232)
2
O conceito de Estado penal foi cunhado por Loïc Wacquant, sociólogo francês radicado nos EUA, que estuda a
segregação racial, a pobreza, a violência urbana, a desproteção social e a criminalização na França e nos Estados
Unidos da América no contexto do neoliberalismo. Autor de obras como Do Estado Providência ao Estado
Penal (1998), As prisões da miséria (1999), As duas faces do gueto (2008), Punir os pobres: o governo
neoliberal de Insegurança Social (2009), Wacquant questiona as estratégias de esvaziamento das ações de
proteção social estatal no contexto neoliberal e a emergência do Estado penal. (BRISOLA, Elisa. In Estado
penal, criminalização da pobreza e Serviço Social /Penal State, criminalization of poverty and social work. Pags.
129/130.)
3
Para Agamben (2004, p. 14) o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de
governo dominante na política contemporânea. Esse deslocamento de medida provisória e excepcional para uma
técnica de governo ameaça transformar radicalmente a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os
diversos tipos de Constituição. Apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre
democracia e absolutismo.
17

Outro aspecto importante na sociedade moderna é a existência de uma mídia


extremamente sensacionalista, despreocupada com a verdade, que acaba gerando uma
“espetacularização” do terror, bem como influencia diretamente o Legislativo a produzir
normas meramente simbólicas.

Nota-se, nesse toar, uma crescente utilização do direito penal, ferindo de morte
sua característica de intervenção mínima.

2.2 - A Sociedade Economicamente Globalizada e seus efeitos penais

O fim do século XX e o século XXI foram marcados por um fenômeno de


expansão do capitalismo e de uma pretensa derrubada de barreiras que acentuou um
processo denominado de globalização.

A globalização longe de ser um fator eminentemente econômico, como dito,


afetou diversos aspectos do cotidiano mundial, como os universos político e jurídico.

Segundo Zaffaroni (2000, p. 14-15), a globalização apresenta como


características principais a revolução tecnológica e comunicacional; redução do p oder
regulador econômico, sob o argumento de favorecimento de um mercado mundial;
aceleração da concentração de capital; redução de custos por corte de pessoal;
competição entre os poderes políticos para atrair investimento; crescente desemprego e
deterioração salarial; perda da capacidade dos Estados de mediação entre capital e
trabalho; especulação financeira que adota formas que dificultam os limites entre lícito
e ilícito; institucionalização de refúgios fiscais para capitais de origem ilícita; reduçã o
de preocupações fiscais para atrair capitais, etc.

Como salienta Bauman (1999, p. 7), a globalização é o destino irremediável do


mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na
mesma medida e da mesma maneira.

O consumo, diante do estreitamento dos mercados a nível nacional e


internacional, tomou proporções antes inimagináveis, o acesso a bens de toda natureza é
18

facilitado, permitindo àqueles que possuem capital toda uma gama de vantagens em
detrimento dos menos favorecidos.

Foi observado dentro desses contornos de expansão dos mercados e avanço do


capitalismo que, aliado ao fato de derrubar barreiras com relação ao estreitamento de
laços entre os mercados consumidores, acabam por outro lado erigindo obstáculos para
aqueles que não têm acesso aos bens pela falta de poder aquisitivo.

Essa atual conjuntura gera um processo cada vez mais presente de exclusão, ou
seja, de um lado temos aqueles que, com poder aquisitivo podem compor esse mercado
consumidor e se beneficiar de tudo que lhe é oferecido e, de outro, temos os que, em
virtude da falta de condições econômico-financeiras se veem à margem das benesses
oriundas desse fenômeno.

Esse período que ficou conhecido como da sociedade pós-industrial, foi marcado
pelo alto desenvolvimento de tecnologias, comunicação entre os povos e expansão dos
mercados.

A globalização, que consiste na integração dos países principalmente sob o


aspecto dos mercados econômico e consumidor, revela-se assim, um fenômeno que visa
a atender anseios do sistema capitalista.

Esse processo que caracteriza a atual sociedade, de fato derrubou as barreiras


antes existentes entre os mercados consumidores, ou seja, para quem reúne condições,
não há mais limites para satisfação de suas necessidades, a velocidade com que se faz
circular bens de consumo em escala mundial é absurda.

Ocorre, entretanto, que outras barreiras foram erigidas, ou seja, o acesso


facilitado ao consumo proporcionado pela globalização só se dá em relação àqueles que
possuem capacidade financeira para se valer dos seus benefícios, contudo, para quem
não reúne essas condições, além de se verem incapazes de ter acesso aos mais variados
bens de consumo, sofrem um verdadeiro processo de exclusão.

Nas palavras de Bauman (1999, p. 8), “a globalização tanto divide como une;
divide enquanto une - e as causas dessa divisão são idênticas às que promovem a
uniformidade do globo”.

Assinalando o pensamento de que a ideia de universalização não coincide com a


de globalização, Bauman (1999, p. 67) assim esclarece:
19

Assim como os conceitos de “civilização, “desenvolvimento”,


“convergência”, “consenso” e muitos outros termos chaves do
pensamento moderno inicial e clássico, a ideia de “universalização”
transmitia a esperança, a intenção e a determinação de se produzir a
ordem; além do que os outros termos afins assinalavam, ela indicava
uma ordem universal - a produção da ordem numa escala universal,
verdadeiramente global. Como os outros conceitos, a ideia de
universalização foi cunhada com a maré montante dos recursos das
potências modernas e as ambições intelectuais modernas. Toda a família
de conceitos anunciava em uníssono a vontade de tornar o mundo
diferente e melhor do que fora e de expandir a mudança e a melhoria em
escala global, à dimensão da espécie. Além disso, declarava a intenção
de tornar semelhantes a condições de vida para todos, em toda parte, e,
portanto, as oportunidades de vida para todo mundo; talvez mesmo
torná-las iguais. Nada disso restou no significado de globalização, tal
como formulado no discurso atual.

Observa-se assim, que a globalização longe de homogeneizar, operou uma


banalização da desigualdade, ferindo de morte direitos consagrados, em especial o da
igualdade tão festejada e consagrada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e
à qual se reporta Bobbio (1992, p.29), ao afirmar que a ideia de igualdade, mesmo
abandonada na hipótese do estado de natureza, ela faz eco na mencionada Declaração
quando diz que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, o que
seria uma maneira diferente de dizer que todos são livres e iguais por natureza.

Vê-se, portanto, que são nefastos os efeitos da globalização, seja promovendo


desigualdades e, via de consequência, exclusões, seja fomentando outros tipos de ações
igualmente desprezíveis, como bem nos fala Moraes (2011, p. 47):

A incessante busca do lucro faz com que o mercado premie ofertas a


preços especialmente baixos e, consequentemente, incite especuladores
a buscarem fronteiras do permitido e a arriscarem transgressões que se
podem esconder. Impossível coibir essas ações, sobretudo porque não
se dispõe, e dificilmente se disporá, de uma carta política global ou, ao
menos, de um sistema jurídico universal que, de alguma forma, obste o
crescimento econômico com base em uma pauta ética minimamente
necessária.

Chega-se, portanto, à conclusão, que a globalização produziu novas ameaças para


a sociedade e para o Estado, configurando-se como inimigo aquele que não pode compor
esse sistema capitalista e que acaba, assim, sendo invisibilizado.
20

2.3 - A relação entre a invisibilidade e a exclusão social com o aumento da


criminalidade

A Sociedade pós-industrial, com a difusão da globalização e a derrubada de


barreiras mercadológicas e o estímulo crescente ao consumismo, fez surgir um contexto
de exclusão e imensamente dicotômico, onde de um lado temos aqueles que, com poder
aquisitivo podem compor esse mercado consumidor e se beneficiar de tudo que lhes é
oferecido e, de outro, temos os que, em virtude da falta de condições econômico -
financeiras, se veem à margem das benesses oriundas desse fenômeno.

Temos evidenciado assim, como assevera Beck (2011, p. 24), que o processo de
modernização se torna “reflexivo”, convertendo a si mesmo em tema e problema. Ainda
segundo o referido autor, a distribuição e os conflitos distributivos em torno da riqueza
socialmente produzida ocuparão o primeiro plano enquanto em países e sociedades o
pensamento e a ação das pessoas forem dominados pela evidência da carência material.

A modernidade revelou seus próprios estranhos, aqueles que não podem fazer
parte desse sistema e que, por isso, sofrem um processo excludente, ou seja, não são
reconhecidos, são “estranhos”, são invisíveis.

O que existe na atual sociedade é o desprezo e o não reconhecimento da condição


humana, como bem assevera Dussel (1987, p. 19).

Frente a frente, pessoa a pessoa, é a relação de proximidade, de


vizinhança, como pessoas. A experiência da proximidade entre pessoas
como pessoas é que constitui o outro como “próximo” (próximo,
vizinho, alguém), como outro; e não como coisa, instrumento,
mediação.

Para Young (2002, p. 41), a palavra marginalização está ligada às pessoas que a
modernidade deixou para trás, são os bolsões de pobreza e de privação. A exclusão
21

social abrange uma expulsão mais dinâmica da sociedade, um declínio na motivação de


integrar os pobres nesse contexto.

Ainda para Jock Young (2002, p. 31), os processos de desintegração tanto da


esfera da comunidade, pelo aumento do individualismo, como da esfera do trabalho, em
razão das drásticas rupturas empreendidas pelo mercado globalizado, articulam uma
“dialética da exclusão”, caracterizada, segundo o autor, por [...] uma amplificação do
desvio que acentua progressivamente a marginalidade, num processo pírrico que envolve
tanto a sociedade mais ampla como, crucialmente, seu próprios atores, os quais, na
melhor hipótese, se metem na armadilha de uma série de empregos sem nenhuma
perspectiva, ou, na pior, de uma subclasse de ociosidade e desespero.

A modernidade trouxe também a ideia de beleza, limpeza e ordem, para fixar um


lugar de destaque para aqueles que se enquadrem nesses quesitos, como bem salientou
Freud (1997, p. 47) ao dizer que esses atributos ocupam uma posição especial entre as
exigências da civilização.

Freud (1997, p.46) afirma que não tem como separar a beleza e a ordem, pois,
assim como a limpeza, ela só se aplica às obras do homem. Contudo, ao passo que não
se espera encontrar asseio na natureza, na ordem, pelo contrário, foi imitada a partir
dela.

Dentro dessa linha, Bauman (1998, p. 24) afirma que a sociedade moderna só
reconhece aquele indivíduo para ela considerado “puro”, e o critério de pureza traduz -se
pela aptidão de participar do jogo consumista, os deixados fora como um “problema”,
como a “sujeira” que precisa ser removida, são consumidores falhos – pessoas incapazes
de responder aos atrativos do mercado consumidor porque lhes faltam os recursos
requeridos, pessoas incapazes de ser “indivíduos livres”, conforme o senso de
“liberdade” definido em função do poder de escolha do consumidor, são “impuros”,
“objetos fora do lugar”.

Ainda segundo Bauman (1998, p. 24), aqueles que a expansão da liberdade do


consumidor privou das habilidades e poderes do consumidor precisam ser detidos e
mantidos em xeque ao menor custo possível, ou seja, é mais barato excluir e encarcerar
os consumidores falhos, do que reestabelecer seu status de consumidor.

É nessa sociedade que a cada dia mais se despreza o outro e se banaliza o não
reconhecimento do próximo. O ser humano tem dificuldade de conviver com
22

adversidades e tendem a eliminar o outro quando as mesmas surgem.

Para Salo de Carvalho (2004, p. 192/193), o surgimento de novas formas


derivadas da exclusão é caracterizado pelo fato de que esses invisibilizados perdem o
status de cidadão.

Nas palavras de Carvalho (2014, p. 66), o outro indivíduo é aquele cujos desejos
se opõem aos meus, cujos interesses se chocam com os meus, cujas ambições se erguem
contra as minhas, cujos projetos contrariam os meus, cuja liberdade ameaça a minha,
cujos direitos usurpam os meus, sendo assim, a chegada do “outro” é perigosa para mim.

Observa-se isso, por exemplo, ao se enxergar o excluído da relação de consumo


como uma ameaça, tem-se que a tendência natural é tentar eliminá-lo, expurgá-lo da
convivência, não reconhecê-lo, invisibilizá-lo, criando-se uma tendência de se
incriminar esses problemas.

Um dos grandes problemas dessa seleção pelo sistema penal nas palavras de
Foucault (1977, p. 22), é que quando se toma a criminalidade, como se fosse
manifestação dos “portadores de uma essência maligna” que devem ser eliminados,
corre-se o risco de repetir essa história, em que a punição ganha poder não mais só sobre
as infrações, mas também sobre os indivíduos.

Os excluídos sob o ponto de vista econômico, acabam sendo também dentro de


outras esferas, ou seja, do ponto de vista social, cultural, e acerca desse fato assevera
Young (2002, p. 30):

A insatisfação face à situação social, a frustração de aspirações e o


desejo podem dar lugar a uma variedade de respostas políticas,
religiosas e culturais capazes de abrir possibilidades para os
imediatamente concernidos, mas também podem, frequentemente de
propósito, fechar e restringir as possibilidades de outros. Também
podem criar respostas criminais, e estas encerram muito frequentemente
a característica de restringir terceiros.

Como se verifica, a tendência de outrora quando da concepção do Estado de


Bem-estar Social de reabilitar os temporariamente inaptos, como bem acentua Bauman
(1998, p. 51) e estimular os que estavam aptos a se empenharem mais com a utilização
de dispositivos de previdência, já não se vê mais, a própria população que auxiliava
nessa hipótese, hoje procurar excluir.
23

Enxergamos dentro desse contexto que a única forma de ser reconhecido, de


voltar a ser visível, é compondo novamente ou passando a compor esse me rcado
consumidor.

Ao se ver diante dessa situação, ou seja, de que para ser feliz, para se ter uma
vida digna, é necessário consumir, surge para o indivíduo um objetivo, que é o de
adquirir tudo aquilo que lhe proporcionará “felicidade” e, para isso, a saí da para a
maioria se tornar um consumidor será delinquindo, praticando crimes para se obter
meios que lhe proporcionem compor esse mercado consumidor.

Observa-se assim, que na atual conjuntura, conforme menciona Carvalho (2014,


p. 81), a justificação moral da “barbárie civilizada” torna-se a pedra de toque para
pacificar as consciências, ou seja, quem não é sujeito moral não é humano.

A globalização e a intensificação do consumismo, como explica Sanchez (2013,


p.127), como fenômeno econômico, não se limita, efetivamente, a produzir ou facilitar a
atuação da macrocriminalidade. Também incide sobre a microcriminalidade enquanto
criminalidade de massas, e assim prossegue afirmando que os movimentos de capital e
de mão de obra, que derivam da globalização da economia, determinam a aparição no
ocidente de camadas de subproletariado, das quais pode proceder um incremento da
delinquência patrimonial de pequena e média gravidade.

Corroborando esse pensamento, Rúbio (2014, p.74) menciona que do ponto de


vista ético, a modernidade capitalista em seu atual estágio de desenvolvimento, fez sair
seus demônios predadores, os vínculos morais, o respeito mútuo e a solidariedade para
com os semelhantes se fragilizam.

Como explicitado por Dussel (1995, p. 78), o capitalismo reforça a criação de


inimigos para constituir a dominação, o excluído surge de uma espécie de nada para
criar uma nova fase na história, irrompe então, não apenas como o excluído da
argumentação, atingido sem ser parte, mas também excluído da vida, da produçã o e do
consumo, na miséria, na pobreza, na fome.

Constata-se assim, que os estranhos da sociedade moderna não são compostos


apenas por terroristas, traficantes de drogas ou integrantes de organizações criminosas,
mas também por aqueles que o fenômeno globalizador, impulsionado pelo capitalismo
famigerado criou, provocando graves consequências na esfera penal, dando ensejo à
24

elaboração de novos tipos penais diante das demandas que surgem e que o ordenamento
jurídico não prevê.

Acaba sendo uma decorrência natural diante desse novo panorama, enxergar o
excluído da relação de consumo como uma ameaça, e, como todo problema, tem -se a
ideia de que é preciso eliminá-lo, expurgá-lo da convivência.

Verifica-se, portanto, que a invisibilidade como bem explicitada e compreendida


nas palavras de Carvalho (2014, p. 167) como sendo o fenômeno político e psicossocial
do “desaparecimento intersubjetivo de um homem no meio dos outros homens”,
expressão que assume caráter crônico nas sociedades capitalistas, causadora de
humilhação social e reificação 4 , apresenta como consequência clara e inevitável o
aumento da criminalidade.

Esse fenômeno é verificado mais claramente nos países denominados de “terceiro


mundo” onde o nível de desigualdades atinge patamares absurdos, promovendo, via de
consequência, altas taxas de criminalidade ligadas a esse processo, ocasionado pelo
famigerado capitalismo que assola este século.

Vemos então, que nesse contexto atual, fenômenos como o terrorismo e a


exclusão social, assumem caráter crônico.

Com isso, aquela política-criminal cunhada em princípios liberais, fruto de uma


conquista amealhada durante vários séculos, vem dando lugar rapidamente a um direito
penal simbólico, preocupado somente, de forma imediata, em barrar o aumento dos
crimes, tentando incutir na sociedade uma pretensa sensação de segurança.

Abandona-se, assim, a ideia de Estado de direito como pensada pela


modernidade, uma vez que, como salienta Rebouças (2012, p.122), o Estado de direito
como formação típica da modernidade, contém um valor intrínseco, qual seja, “a
eliminação da arbitrariedade no âmbito da atividade estatal que afeta os cidadãos”,
nunca tendo, porém, se afastado totalmente do arbítrio.

4
A reificação como conceitua Fernando Braga da Costa em sua obra “Homens Invisíveis”, configura-se como o
processo pela qual, nas sociedades industriais, o valor (do que quer que seja: pessoas, relações inter-humanas,
objetos, instituições) vem apresentar-se à consciência dos homens como valor sobretudo econômico, valor de
troca: tudo passa a contar, primariamente, como mercadoria. (...) O trabalho reificado não aparece por suas
qualidades, trabalho concreto, mas como trabalho abstrato, trabalho para ser vendido. A sociedade que vive à
custa desse mecanismo produz e reproduz, perpetua e apresenta relações sociais como relações entre coisas. O
homem fica apagado, é mantido à sombra. Todo o tempo, fica prejudicada a consciência de que a relação entre
mercadorias (e a relação entre cargos) é, antes de tudo, uma relação que prevalece sobre a relação entre pessoas”
25

Essa situação, como afirma Souza (2008, p. 80), tem se refletido no


desenvolvimento de um Estado Neoliberal Penal que combate a criminalidade, sem,
contudo, atacar suas causas.

O cárcere surge então como principal meio a ser utilizado pelo Estado,
pressionado pela sociedade privilegiada, para resolver os problemas sociais.

O encarceramento, como se observa, é o remédio utilizado pelo Estado para


conter essa crescente criminalidade na atualidade, não é à toa, como afirma Bauman
(1998, p. 49) que durante os últimos vinte e cinco anos, a população de encarcerados e
de todos os que obtêm a sua subsistência da indústria carcerária – polícia, advogados,
fornecedores de equipamento carcerário – têm crescido constantemente. O mesmo tendo
ocorrido com a população de ociosos – exonerados, abandonados, excluídos da vida
econômica e social.

Como se observa, a sociedade moderna produziu seus estranhos, indivíduos que


se tornaram o alvo da ânsia criminalizadora do Estado.

Decorrência natural de tudo isso foi esse fenômeno que provocou um


expansionismo penal, uma vez que o Estado apenas enxerga o direito penal como única
forma de combater esse avanço da criminalidade.

Verifica-se, assim, que as causas que delineiam os estranhos da atualidade são


bem notórias, como o é o fato de que o Estado não se preocupa em expurgá -las,
preocupa-se, tão somente, em frear o avanço da criminalidade com a utilização o direito
penal, transformando-o em único instrumento capaz de conter esse problema social.

2.4 - A banalização das diferenças e o encarceramento como paradigma da


simplicidade5

5
Para David Sanchez Rubio (2014, p. 76), citando o sociólogo francês Edgard Morin, o paradigma da
simplicidade nada mais é que uma metodologia, uma forma característica da cultura ocidental e um modo de
construir, interpretar, organizar e hierarquizar a realidade para levar a cabo seus propósitos, uma vez que todo ser
humano faz simplificações e significa parcial e limitadamente o real, no momento em que absolutiza este
paradigma, ignora o que simplifica, acabando por amputar tudo e sacrificando muitas vidas. Porque quanto mais
mutilador é um pensamento, mais mutila seres humanos e suas vidas.
26

Essa invisibilidade social, como já afirmado, mais presente em sociedades mais


periféricas, como nos fala Carvalho (2014, p. 176-177), citando as ideias de Jessé Souza,
implica a existência de redes invisíveis e objetivas, as quais desqualificam os indivíduos
e grupos sociais precarizados como subprodutores e subcidadãos, sob a forma de uma
evidência social insofismável, tanto para os privilegiados quanto para as próprias
vítimas da precariedade, é um fenômeno de massa, permitindo a percepção de que a
marca diferencial desses tipos de sociedade é a produção social de uma “ralé estrutural”.

Esse fato, como afirma Carvalho (2014, p. 179), na sociedade atual introduziu
uma perversa dinâmica de invisibilidade pública e humilhação social, à medida que
naturaliza posições de desigualdade, prevalência e privilégios, indiferenças cortantes em
relações a inúmeros sujeitos e grupos sociais, estigmatizações e desumanizações
permanentes, desfigurando tanto o sentido quanto a eficácia da noção de dignidade
humana, especialmente nas ideologias e estratégias de controle penal.

O Estado, longe de expurgar as causas que conduzem os indivíduos excluídos à


criminalidade, utiliza tão somente o direito penal através do cárcere como política
pública, recheando esse ramo do direito de uma característica cada vez mais simbólica, e
com caráter punitivo cada vez mais acentuado, como, aliás, afirma Alberto Silva Franco
(1994, p.10):

A função nitidamente instrumental do Direito Penal ingressa numa fase


crepuscular cedendo passo, na atualidade, à consideração de que o
controle penal desempenha uma função nitidamente simbólica. A
intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens
jurídicos considerados essenciais para a convivencialidade, mas apenas
produzir um impacto tranquilizador sobre o cidadão e sobre a opinião
pública, acalmando os sentimentos individual ou coletivo, de
insegurança.

Souza (2008, p.79) afirma que violência e criminalidade não são causas dos
problemas de segurança pública, são consequências. Prossegue salientando que a ideia
equivocada desvia a discussão do seu principal foco – não a violência das pessoas, mas a
violência institucional, revelada pela miséria, desemprego, falta de investimento em
educação e saúde, pela desigualdade, em síntese, pela exclusão social.
27

Todos esses fatos denotam que a sociedade globalizada, marcada por um nefasto
processo dicotômico – onde de um lado se encontram aqueles que com seu poder
aquisitivo podem se valer de todas as vantagens do capitalismo e do consumismo, e de
outro, aqueles seres não reconhecidos, invisibilizados, estranhos – longe de unir, afasta;
longe de homogeneizar, produz diferenças; ao contrário de humanizar, desumaniza; e o
Estado, incapaz ou mesmo indolente diante dessa situação, despreza suas causas e busca,
somente através da penalização e do encarceramento, remediar essa doença crônica que
assola a humanidade.

O cárcere nos moldes como é conhecido, longe de resolver a situação da intensa


criminalidade, acaba servindo como motor propulsor para o seu avanço, onde os
detentos acabam aprendendo novas técnicas para o cometimento de crimes, como j á
salientava Foucault (1984, p. 131) ao dizer que desde 1820 se constata que a prisão,
longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos
criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade.

Essa situação acaba se revelando um grave problema social, e algo que se


apresenta como um ciclo vicioso, uma vez que o Estado encarcera o indivíduo no afã de
punir e prevenir novos crimes, mas a consequência disso acaba sendo justamente um
aumento da criminalidade, não só pelas razões antes enunciadas, mas porque a
ressocialização do indivíduo é algo utópico, vez que após sair da prisão, ele acaba
levando consigo um peso que se revela impossível de carregar, qual seja, o da
estigmatização.

A própria sociedade promove a marginalização desse indivíduo egresso do


cárcere, impondo as mais severas restrições, impedindo-o de retomar sua vida por meios
lícitos, fato que acaba fazendo com que ele retome a vida criminosa, e assim nos fala
Foucault (1984, p. 132) que a partir do momento em que alguém entrava na prisão se
acionava um mecanismo que o tornava infame, e quando saia, não podia fazer nada
senão voltar a ser delinquente.

Como consequência de tudo isso, notamos que a saída utilizada pelo Estado ante
esse aumento da criminalidade acaba sendo mesmo o direito penal, como bem diz
Hassemer (1999, p. 86):
28

El destinatário de todas estas exigências de la opinión pública que se


siente amenazada por la violência es, sobre todo, el derecho penal,
incluyendo tambiénel derecho procesal penal.

Desfecho de todas essas circunstâncias também não é outro senão a


implementação de uma legislação penal e processual penal de emergência que acabam
por legitimar o incremento da violência institucional e de algumas práticas distorcidas e
autoritárias de segurança. (SOUZA, 2008, p. 84).

2.5 - A seletividade do sistema penal

Como acentua Souza (2008, p. 79), a evolução que transita do Estado liberal ao
Estado neoliberal 6 somente agrava o problema da exclusão social. Para o mesmo autor, o
capitalismo desenfreado, a despeito de anunciar uma situação de paz, de segurança,
propicia o aprofundamento da miséria, da exclusão e da própria guerra.

Ainda para Souza (2008, p. 85), a onda de violência e criminalidade faz eclodir a
crise e marca uma tendência de endurecimento das respostas penais e de segurança
pública, em consonância com os anseios de alguns segmentos da sociedade.

Pois bem, as consequências do aumento da interferência estatal através do direito


penal acabam, na maioria das vezes, tendo destinatários certos, ou seja, aqueles que
vivem à margem da sociedade.

6
O neoliberalismo representa um movimento político filosófico que surgiu, após 1945, mediante as críticas ao
Estado de Bem-Estar Social apresentadas pelas ideias de economistas como Milton Fridman, Friedrich Hayeck e
Robert Nozick, cujas características gerais é o retorno ao individualismo centrado na postura contra o Estado
coercitivo e centralizador de direitos sociais e coletivos. Esta posição teve como principal influência as ideias de
filósofos como John Stuart Mill, James Stuart Mill e Jeramy Bentham considerados próceres do pensamento
liberal contemporâneo. Porém, o marco teórico-conceitual cerne do pensamento liberal atual centra-se nas ideias
de igualdade, liberdade e equidade do filósofo John Rawls (2002).
29

A produção exacerbada de normas penais, nos moldes como são editadas, leva -
nos a crer que elas acabam tendo endereço certo, ou seja, nota-se, em análise sumária,
que elas se dirigem àquelas camadas menos favorecidas.

Esse fato acaba nos levando à conclusão de que o direito penal reforça a
desigualdade social, sendo um instrumento de manutenção de interesses das class es mais
favorecidas, como preleciona Juarez Cirino dos Santos (1985, p. 26):

Através das definições legais de crimes e penas o legislador protege,


especialmente, os interesses e as necessidades (valores) das classes
dominantes, incriminando, rigorosamente, as condutas lesivas dos
fundamentos das relações de produção, concentradas na área da
criminalidade patrimonial: constrói tipos de condutas proibidas sobre
uma seleção de bens jurídicos próprios das classes dominantes,
garantindo seus interesses de classe e as condições necessárias à sua
dominação e reprodução como classe.

Esse fato é bem notório, como, aliás, já foi bem delineado anteriormente, uma
vez que em se tratando de microcriminalização, ou seja, aqueles delitos praticados, via
de regra, contra o patrimônio, são justamente cometidos pelos consumidores falhos,
aqueles seres privados do consumo que a globalização marginalizou, e aí, para
conseguirem se inserir nesse contexto, praticam as condutas tipificadas nas normas
penais que tutelam interesses de determinada classe.

Coadunando esse pensamento, Maria Lucia Karam (1993, p. 75) nos explica que
a definição e seleção de bens jurídicos se dá de maneira classista, ou seja, se faz
fundamentalmente em defesa de interesses daqueles que detêm riqueza e poder, as
classes dominantes.

Ainda segundo Karam (1993, p. 206):

A seleção dos que vão desempenhar o papel de criminoso, de mau, de


inimigo – os bodes expiatórios – naturalmente, também obedece à regra
básica da sociedade capitalista, ou seja, a desigualdade na distribuição
de bens. Como se trata aqui da distribuição de um atributo negativo, os
escolhidos para receber toda a carga de estigma, de injustiça e de
violência, direta ou indiretamente provocada pelo sistema penal, são
preferencial e necessariamente os membros das classes subalternas, fato
facilmente constatável, no Brasil, bastando olhar para quem está preso
ou para quem é vítima de grupos de extermínio .
30

Como salienta Wacquant (2007, p. 16), o encarceramento serve para neutralizar e


estocar fisicamente as frações excedentes da classe operária, notadamente os membros
despossuídos dos grupos estigmatizados que insistem em se manter em “rebelião aberta
contra seu ambiente social”.

Ressalta ainda Loic Wacquant acerca da famigerada punição dos pobres, o


seguinte:

Enfim, e sobretudo, para a classe superior e a sociedade em seu


conjunto, o ativismo incessante e sem freios da instituição penal cumpre
a missão simbólica de reafirmar a autoridade do Estado e a vontade
reencontrada das elites políticas de enfatizar e impor a fronteira sagrada
entre os cidadãos de bem e as categorias desviantes, os pobres
“merecedores” e os “não-merecedores”, aqueles que merecem ser alvos
e “inseridos” (mediante uma mistura de sanções e incentivos) no
circuito do trabalho assalariado instável e aqueles que, doravante,
devem ser postos no índex e banidos, de forma duradoura.
(WACQUANT, 2007, p. 17).

Vemos diante dessa conjuntura que a questão relativa à desigualdade social


atinge setores onde em verdade não poderia haver distorções, ou seja, até nas prisões há
uma seleção de determinadas categorias.

Para Dornelles (2003, p.54):

[...] o mito do Estado Mínimo é sublinhado, debilitando o Estado


Social e glorificando o ‘Estado Penal’. É a constituição de um
novo sentido comum penal que aponta para a criminalização da
miséria como um mecanismo perverso de controle social para,
através deste caminho, conseguir regular o trabalho assalariado
precário em sociedades capitalistas neoliberais.

Notamos que o Estado, além não procurar atender às expectativas sociais das
classes menos favorecidas, acaba por substituir políticas públicas por políticas de
encarceramento.

E o que é pior, na sociedade moderna a criminalização assume contornos raciais


e étnicos, na medida em que jovens pobres e negros e a população de rua são tidos como
perigosos para a sociedade, considerados ameaça para a sociedade dita privilegiada.
31

3 - AS POLÍTICAS CRIMINAIS NA ATUALIDADE: CARACTERÍSTICA DE


EXPANSÃO E RECRUDESCIMENTO DO DIREITO PENAL

3.1 – O Expansionismo Penal

O aumento absurdo da criminalidade na atualidade e a deficiência estatal em


conter esse avanço da violência, vem dando margem a uma mudança paradigmática no
âmbito do direito penal.

Apesar de existirem hodiernamente muitas vozes favoráveis ao que se denomina


direito penal mínimo, em que há a ideia de que o Estado só deve incriminar problemas
sociais onde se revele realmente necessária a tutela por esse ramo do direito, zelando
pela liberdade do indivíduo, há uma vertente diametralmente oposta que, por diversos
motivos, como se verá, desprezando muitas vezes a técnica e os princípios do direito
penal, acaba incitando a produção de tipos penais ou o aumento das penas que já
existem.

O momento, como afirma Cancio Meliá (2007, p. 55), é de uma política criminal
com características de “expansão” do direito penal.

Vemos hoje um abandono do direito penal fundado em ideais liberais, e que a


cada dia mais vem passando por mudanças, tornando-se bastante seletivo, como assevera
Andrade (2003, p. 187):

A eficácia invertida do sistema penal é consistente no fato de que a


função latente e real deste é construção seletiva da criminalidade e,
neste processo, a reprodução material e ideológica, das desigualdades e
diferenças sociais (de classe, gênero, raça) e não o combate da
criminalidade, com a proteção de bens jurídicos universais e geração de
segurança pública e jurídica.
32

Aliado a esse fator, a proliferação de leis penais também é algo bastante


preocupante. O Legislativo, utilizando-se do sistema penal sob uma ótica eminentemente
política7, acaba elaborando normas penais como forma a dar uma resposta à sociedade,
pensando não somente em proporcionar uma tranquilidade que na verdade não existe,
como também fazer política com a produção de leis, criminalizando condutas que, por
certo, acaso se respeitasse o direito penal como ultima ratio 8, não teriam a tutela deste
ramo do direito.

Acentua Cancio Meliá que quando se usa em sentido crítico o conceito de Direito
penal simbólico, quer-se, então, fazer referência a que determinados agentes políticos
tão-só perseguem o objetivo de dar a impressão tranquilizadora de um legislador atento
e decidido, isto é, que predomina uma visão latente sobre a manifesta.

Sobre essa situação, Munoz Conde (2012, p. 21) acentua que os problemas
político-criminais tinham se convertido em problemas fundamentais desse moderno
direito penal não só para os políticos encarregados pela elaboração de leis penais e
obrigados a responder perante seus eleitores e a opinião pública pela eficácia de sua
gestão, como também para teóricos, professores e assessores parlamentares nestas
questões.

A mídia também tem papel preponderante nessa fase de mudança na política


criminal, uma vez que, com sua atuação cada vez mais sensacionalist a e exploradora da
cultura do terror, acaba por potencializar a ânsia da população por leis cada vez mais
duras.

7
André Luís Callegari, quando se refere à politização do Direito Penal, assim se pronuncia: “A politização do
Direito Penal por meio da utilização política da noção de segurança, resulta de um empobrecimento ou
simplificação do discurso político-criminal, que passa a ser orientado tão somente por campanhas eleitorais que
oscilam ao sabor das demandas conjunturais midiáticas e populistas, em detrimento de programas efetivamente
emancipatórios”. (Callegari; Wermuth, 2010, p. 22)
8
O Direito Penal é o ramo mais invasivo da esfera privada do cidadão, sua utilização deve se dar com cautela,
deve ele se manter subsidiário e fragmentário, não se justificado seu uso do Direito Penal em casos que poderiam
ser resolvidos por outros ramos do Direito. Mir Puig esclarece o motivo do caráter subsidiário do direito penal
com as seguintes palavras: “O Direito Penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isso
puder ser obtido por outros meios, que serão preferíveis enquanto sejam menos lesivos aos direitos individuais.
Trata-se de uma exigência de economia social coerente com a lógica do estado social, que deve buscar o maior
benefício possível com o menor custo social. O princípio da ‘máxima utilidade possível’ para as eventuais
vítimas deve ser combinado com o ‘mínimo sofrimento necessário’ para os criminosos. Isso conduz a uma
fundamentação utilitarista do Direito Penal que não tende à maior prevenção possível, mas ao mínimo de
prevenção imprescindível. Entra em jogo, assim, o ‘princípio da subsidiariedade’, segundo o qual o Direito
Penal deve ser a ultima ratio, o último recurso a ser utilizado, à falta de outros meios menos lesivos” (Santiago,
2007, p. 93 e 94).
33

Aliado a isso, o papel que a mídia de massa cumpre na produção e difusão do


medo, tende a aumentar e consolidar um elevado grau de sensibilidad e de risco, criando,
por vezes, monstros onde não há.

E não é só, é por demais sabido que principalmente a televisão exerce grande
influência social, ora trazendo benefícios, ora malefícios, como verificamos quando
exploram determinados fatos de forma distorcida, acabando, por vezes, por persuadir a
população ao cometimento de barbáries.

Como bem explicitado por Newton e Walter Fernandes (1995, p. 409), uma
notícia sensacionalista sobre um crime, não raro, deflagra o cometimento de outros da
mesma natureza.

A doutrina, por sua vez, preocupada em fazer cumprir seu papel na tentativa de
contribuir para conter o avanço da criminalidade, vem criando teorias que, em
determinadas situações se revelam, a priori, incompatíveis com o papel do Estado
Democrático de Direito, como se mostra a polêmica Teoria do Direito Penal do Inimigo.

Essa crescente expansão já preocupava a comunidade jurídica como assevera


Munoz Conde (2012, p. 21), quando afirma que desde o início dos anos 1980, a chamada
Escola de Frankfurt, com Hassemer, Naucke Y Luderssen como expoentes, já havia
advertido sobre os perigos que, uma política criminal, demasiadamente pragmática e
disposta a resolver a qualquer preço, por meio do Direito Penal, problemas que não lhe
eram próprios, poderia ocasionar.

Resta-nos acreditar na utilização do ordenamento jurídico através do direito penal


como instrumento de preservação de poder, e assim nos fala Quinney (1980, p. 236)
quando afirma que o direito criminal é usado pelo Estado e pela classe dominante para
assegurar a sobrevivência do sistema capitalista.

3.2 – Políticas de enfrentamento do crime


34

3.2.1 - Das teorias de Conflito 9

3.2.1.1 - Da Teoria do Etiquetamento ou Labelling Approach

Segundo Penteado Filho (2015, p.73), a Teoria do Etiquetamento, interacionismo


simbólico, rotulação ou reação social, seria uma das mais importantes teorias de
conflito, surgida nos anos 1960 nos Estados Unidos, tendo como seus principais
expoentes Erving Goffman e Howard Becker.

Para o referido autor, a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana,


mas a consequência de um processo em que se atribui tal qualidade (estigmatização), e
ainda afirma:

O criminoso apenas se diferencia do homem comum em razão do


estigma que sofre e do rótulo que recebe. Por isso, o tema central desse
enfoque é o processo de interação em que o indivíduo é chamado de
criminoso. (PENTEADO FILHO, 2015, p. 73).

Para Baratta (2002, p. 86), não se pode compreender a criminalidade se não se


estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas
abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que
as aplicam), e que, por isso, o status social do delinquente pressupõe, necessariamente, o
efeito das atividades das instâncias oficiais de controle social da delinquência . Enquanto
não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento
punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias, não sendo, portanto,
considerado e tratado pela sociedade como um delinquente.

9
Teorias de conflito, nos dizeres de Nestor Sampaio Penteado Filho (2015, p. 65) argumentam que a harmonia
social decorre da força e da coerção, em que há uma relação entre dominantes e dominados, não existindo
voluntariedade entre os personagens para a pacificação social, sendo esta decorrente da imposição ou da coerção.
35

Nota-se claramente, que cabe à sociedade, com a anuência do Estado, rotular


aquelas atividades que consideram como conduta desviante, rotulando -as de perigosas,
impondo sanções a quem age dessa forma.

E mais, ainda para Baratta (2002, p. 93), o comportamento transgressor da norma


seria um comportamento já qualificado de modo valorativo e considerado como tendo
uma qualidade própria, quase como se fosse já dada, de que o processo do labelling não
fosse senão a simples confirmação.

No que diz respeito aos efeitos do etiquetamento, assinala Anyiar de Castro: “o


principal efeito da rotulação seria o de induzir a novos atos desviantes e/ou delitivos,
apesar da sua grande referência à reação social, esta teoria continua fortemente
vinculada à criminologia do Passar à Ação” (CASTRO, 1983. p. 101).

Fala-se em induzir a novos atos desviantes porque a criminalização primária seria


produtora propriamente do rótulo, que teria como consequência a reincidência que se
apresentaria como uma criminalização secundária, ou seja, ao se encontrar rotulado ou
etiquetado, o indivíduo carrega um estigma que o leva a ser colocado à margem pela
própria sociedade, tendo como consequência clara o cometimento de novos crimes.

A teoria do etiquetamento ou labelling approach se revela não só mantenedora


de interesses de determinada classe, como também um abuso do poder estatal, como bem
esclarece Cirino dos Santos (2006, p. 24):

A teoria da sociologia do desajuste é politicamente limitada e


historicamente confusa: não compreende a estrutura das classes e da
sociedade, não identifica as relações de poder político e de exploração
econômica (e sua interdependência) do modo de produção capitalista e,
definitivamente, não toma posição nas lutas fundamentais da sociedade
moderna.

3.2.1.2 - Da Teoria crítica ou radical


36

A teoria crítica se verifica como mais uma teoria de conflito e teve origem no
início do século XX, com o trabalho do holandês Bonger, com clara inspiração do
Marxismo, afirma ser o capitalismo a base da criminalidade na medida em que promove
o egoísmo, levando os homens, via de consequência, a delinquir. (PENTEADO FILHO,
2012, p. 75)

Os adeptos desta teoria asseveram que a classe trabalhadora, estigmatizada, é o


principal alvo do sistema punitivo, e assim sendo, mantém-se a estabilidade da produção
e da ordem social.

Os autores Newton e Walter Fernandes, em sua obra Criminologia Integrada,


resumem bem a ideia da teoria crítica quando assim nos fala:

A criminologia dialética ou crítica é um movimento radical,


caracterizado pelo questionamento da ordem social que gera o
fenômeno delinquencial e pelo compromisso com uma prática
social transformadora, tudo com vistas às condições estruturais da
desigualdade material e da marginalização econômica nas
sociedades sedimentadas na divisão e exploração de classes. [...]
proclama que o crime e a criminalidade não serão equacionados e
resolvidos sem alterações profundas e radicais na base estrutural
da sociedade capitalista. (FERNANDES e FERNANDES, 1995, p.
473).

3.2.1.3 - Do Neorretribucionismo

3.2.1.3.1 - Movimento Lei e Ordem, Política de tolerância zero, Teoria das janelas
quebradas e a Teoria das três faltas e está fora
37

Com o término da Segunda Guerra Mundial, países do ocidente, impregnados de


ideais socialistas, buscaram implementar uma política de bem-estar social, a qual se
denominou de “welfarestate”, o Estado Providência.

Acontece que, motivado por diversos fatores, entre os quais o enfraquecimento


dos ideais socialistas, surge um Estado neoliberal de mercado, afastando -se da sociedade
no que diz respeito ao seu papel prestacionista, gerando uma insegurança geral.

Como não poderia ser diferente, ocorre um aumento quase imediato da


criminalidade de massa, o que acaba por exigir uma interferência do Estado para coibir
seu avanço.

O denominado movimento lei e ordem teve seu nascedouro nos Estados Unidos
da América na década de 70, e surge como resposta estatal ao avanço crescente da
criminalidade, enxergando o crime e o criminoso como um mal que deve ser eliminado
da sociedade a qualquer preço.

Essa política criminal ganhou impulso com o movimento denominado


“Tolerância Zero”, implantado na cidade de Nova York pelo então prefeito Rudolph
Giuliani, que buscava criminalizar condutas de pequena ofensividade, tentando legitimar
um intervencionismo estatal exagerado como forma de garantir uma pseudotranquilidade
no seio da sociedade, baseada na cultura do medo.

Segundo Penteado Filho (2012, p. 76-77), essa vertente radical parte da premissa
de que os pequenos delitos devem ser rechaçados, o que acabaria inibindo os delitos
mais graves, fulminado o mal no nascedouro, atuando como prevenção geral.

Ainda segundo o autor, para essa teoria, haveria uma relação de causalidade entre
a desordem e a criminalidade.

Dentro desses contornos, vemos que essa política acaba sendo direcionada p ara
determinadas camadas sociais, e nesse sentido expõe Eduardo Galeano (2004, p. 19 -20):

Para os que mandam, não há “tolerância zero”. A exitosa receita de


Rudolph Giuliani, nascida para limpar as ruas de Nova Iorque dos
delinquentes e vendida no mundo inteiro, não se equivoca nunca. Aplica
sempre para baixo, jamais para cima a mão dura e o castigo preventivo,
que vem a ser algo assim como a versão policial da guerra preventiva.
Converte a pobreza em delito e atribuiu uma “conduta protocriminal” a
todos os pobres de origem africana ou latino-americana, que são
culpados enquanto não provem sua inocência. [...] Em muitos países,
38

pode-se ser preso pela cor da pele. Nos Estados Unidos, por exemplo.
Dentro das prisões, há quatro negros por cada dez presos. Fora das
prisões, há um negro para cada dez habitantes .

Frise-se que o movimento de lei e ordem com essa ideia de repressão à


criminalidade de forma implacável, contou com o apoio da sociedade, uma vez que a
insegurança acaba por gerar nas pessoas essa ânsia por algo que venha a coibir os
crimes.

Essa política criminal é uma clara expressão do que Ferrajoli (2014, p. 1010)
denomina de direito penal máximo 10, uma vez que segundo ele, esse sistema é próprio
do Estado absoluto ou totalitário, entendendo-se por tais expressões qualquer
ordenamento em que os poderes públicos sejam legibus ou “totais”, ou seja, não
disciplinados pela lei e, portanto, carentes de limites e condições.

Ainda na linha dessa política criminal cunhada na cultura do medo, surgiu


também nos EUA a chamada Teoria da “Janela Quebrada” (broken-windowstheory)11,
criada por Wilson e Kelling em um artigo publicado em 1992, a qual se utilizava da
metáfora das janelas quebradas para afirmar a ideia de que, punindo antecipadamente
pequenos delitos, prevenia-se, futuramente, males maiores.

No mencionado artigo, os autores usaram a imagem de janelas quebradas para


explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar -se numa
comunidade, causando a sua decadência e a consequente queda da qualidade de vida.

Sustentava-se que se uma janela de um imóvel fosse quebrada e não


imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se
importava com o local e que naquela região não havia autoridade responsável pela
manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras
para quebrar as demais janelas ainda intactas. Tão logo, todas as janelas estariam
quebradas.

Iniciava-se, assim, a decadência daquela rua e da própria comunidade. Apenas os


desocupados e pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter

10
Segundo Luigi Ferrajoli (2014, p. 102), direito penal máximo é aquele incondicionado e ilimitado, é o que se
caracteriza, além de sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das condenações e das penas e
que, consequentemente, configura-se como um sistema de poder não controlável racionalmente em face da
ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e anulação.
11
http://www.manhattan-institute.org/pdf/_atlantic_monthly-broken_windows.pdf
39

algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência era evidente. O passo seguinte
seria o abandono daquela localidade pelas “pessoas de bem”, deixando o bairro à mercê
dos “desordeiros”. Pequenas desordens levariam às grandes e, mais tarde, ao crime. Em
razão da imagem das janelas quebradas que seria a origem de todo o “caos”, o estudo
ficou conhecido como Broken Windows Theory.

Implementada por meio da operação tolerância zero (zero tolerance), é necessário


esclarecer que essa política acabou por diminuir sensivelmente o número de crimes em
Nova York.

Acontece, entretanto, como bem salienta Penteado Filho (2015, p. 78), que essa
teoria sofreu críticas em virtude do fato de que, com essa política implantada, h ouve o
encarceramento em massa da população menos favorecida, contudo, para o mesmo
autor, essas críticas não procedem, uma vez que o que se analisava não era a situação
pessoal do criminoso, mas sua conduta.

Também nessa mesma esteira surgiu a Teoria do “Three strikes and you’re out”
que faz referência a uma regra do jogo de beisebol que determina a expulsão do jogador
no cometimento da terceira falta, e, semelhantemente, impõe ela a “expulsão” daquele
que reitera pela terceira vez uma conduta criminosa.

Essa teoria nasceu no Estado norte-americano de Ilinois e posteriormente foi


adotada por vários Estados daquele país. A lei, orientada por esta teoria, estabelece uma
gradação das penas que varia de Estado para Estado, podendo imputar ao indivíduo que
delinque pela terceira vez a prisão perpétua.

Depreende-se claramente a ideia de recrudescimento da pena, uma vez que, como


dito, pode-se chegar à situação de impor o cárcere perpétuo ao delinquente que se revele
reincidente.

Diante do atual panorama, com a criminalidade cada vez mais acentuada e com
movimentos dessa espécie, observa-se uma ofensa frontal ao princípio da
proporcionalidade com o recrudescimento das penas e um desprezo ao princípio da
intervenção mínima, ou seja, utilizou-se o direito penal como fonte primeira (prima
ratio) para solução de problemas de pequena ou quase nenhuma relevância, fragilizando
direitos conquistados ao longo de vários séculos.
40

3.3 - A criminalidade real 12, a cifra negra 13 e a cifra dourada 14

Note-se que, inobstante tudo o que foi anteriormente relatado acerca da


criminalidade crescente e da utilização demasiada do direito penal, hiperinflacionando o
sistema com leis penais, vê-se ainda que a situação é muito mais grave do que aparenta.

Ora, é por demais claro que para que haja uma correta elaboração de leis penais,
para evitar o uso do direito penal em excesso ou mesmo mais restritivamente, é
necessário que se saiba o número real de crimes que são praticados. Contudo, vemos que
grande parte dos crimes deixa de fazer parte das estatísticas por razões diversas, fato que
se denominou de cifra negra.

Como razões que levam à existência dessa cifra negra, podemos citar a omissão
da própria vítima em comunicar a ofensa contra ela praticada; a desconfiança ou mesmo
incredulidade nas autoridades públicas; o medo; entre outros tantos aspectos que
conduzem à falta de comunicação dos delitos, o que acaba gerando uma falsidade nos
dados oficiais.

Observa-se assim, que por duas razões bastante plausíveis, não se pode ter por
legítimos os dados oficiais acerca da criminalidade, uma vez que não só os crimes mais
comuns praticados pela parcela da população marginalizada deixam de ser comunicados,
como também aqueles que são cometidos por quem detém os poderes econômicos e
políticos (cifra dourada).

Essa mácula nas estatísticas apresentadas conduz a uma série de ponderações,


haja vista que não sabemos de fato o índice real de criminalidade que assola a sociedade

12
Criminalidade revelada, é para Penteado Filho (2015, p. 57) é a quantidade efetiva de crimes perpetrados pelos
delinquentes.
13
Nos dizeres de Penteado Filho (2015, p. 59), cifra negra seria o número de delitos que por alguma razão não
são levados ao conhecimento das autoridades, contribuindo para uma estatística divorciada da realidade
fenomênica.
14
Para Penteado Filho (2015, p. 59), entende-se por cifra dourada a criminalidade de “colarinho branco”, definida
como práticas antissociais impunes do poder político e econômico, seja a nível nacional ou internacional, em
prejuízo da coletividade e dos cidadãos e em proveito das oligarquias econômico-financeiras.
41

contemporânea, bem como vemos que mesmo sem se ter noção do número efetivo d e
crimes cometidos, o direito penal já é utilizado de forma banalizada, quiçá se tivessem
os parlamentares esse conhecimento.

As cifras negra e dourada acabam acusando a deficiência do Estado quanto ao


quesito segurança. A hiperinflação legislativa fomentadora do direito penal simbólico é
baseada em números irreais, e o que se revela ainda mais preocupante é que o
conhecimento das infrações que de fato chegam ao conhecimento das autoridades, são
aquelas cometidas pela parcela da população já estigmatizada, tais como os pobres e os
negros.

As estatísticas que são reveladas pelas autoridades, apresentam-se seletivas, ou


seja, só acabamos tendo conhecimento das infrações denominadas de
microcriminalidade, consubstanciada esta principalmente pelo cometimento de crimes
contra o patrimônio.

Percebe-se assim que o equívoco das estatísticas acaba prejudicando a


implementação de uma política criminal baseada na real carência da sociedade, porque
vemos de um lado o cômputo maior de crimes cometidos por uma classe social excluída,
e por outro lado, pouca ou quase nenhuma comunicação de crimes que compõem a
chamada cifra dourada que é, como vimos, aqueles cometidos por quem detém o poder
econômico e político.

3.4 - A expansão do direito penal em Jesús-Maria Silva Sanches – As três


velocidades do direito penal

O Professor Catedrático de Direito Penal da Universidade de Pompeu Fabra, na


Espanha, Jesús-Maria Silva Sanchez, expõe em sua obra “A expansão do direito penal”
de forma brilhante quais seriam as possíveis causas do agigantamento desse ramo do
direito na sociedade moderna, bem como revela aquilo que denomina de “velocidades do
direito”.
42

“Ali onde chovem leis penais continuadamente, onde por qualquer


motivo surge entre o público um clamor geral de que as coisas se
resolvam com novas leis penais ou agravando as existentes, aí não se
vivem os melhores tempos para a liberdade – pois toda lei penal é uma
sensível intromissão na liberdade, cujas consequências serão
perceptíveis também para os que a exigiram da forma mais ruidosa -, ali
se pode pensar na frase de Tácito: péssima respublica, plurimae leges”
(SANCHEZ, 2013, pag. 25)

O que se observa é que já no início de sua obra, o mencionado autor ressalta o


papel incisivo do Estado para esse fenômeno de expansão do direito penal, quando
afirma que frequentemente a referida expansão se revela como fruto de uma
perversidade estatal que buscaria no permanente recurso à legislação penal uma aparente
solução fácil aos problemas sociais, deslocando ao plano simbólico, o q ue deveria se
resolver no plano da instrumentalidade. (SANCHEZ, 2013, p. 29).

Ao realçar as possíveis causas do expansionismo penal, Sanchez (2013, p.33)


inicia elencando o surgimento de novos bens jurídicos que necessitariam da proteção do
direito penal, que seriam provenientes daquilo que se denominou de novas realidades.

Outra causa seria o efetivo aparecimento de novos riscos, fazendo menção ao que
Ulrich Beck chamou de “sociedade de risco”. Para Sanchez (2013, p. 35) a sociedade
atual aparece caracterizada, basicamente, por um âmbito econômico rapidamente
variante e pelo aparecimento de avanços tecnológicos sem paralelo em toda a história da
humanidade, e tudo isso acabou tendo impacto direto no bem-estar das pessoas.

Sanchez (2013, p. 40) caracteriza a sociedade atual como sociedade da


“insegurança sentida” ou sociedade do medo, uma vez que segundo ele a sensação de
insegurança permeia entre os cidadãos.

O autor atribui também parcela de culpa dessa insegurança geral aos meios de
comunicação, afirmando que há correlação, uma vez que a mídia ocuparia posição de
privilégio nessa sociedade da informação e no seio de uma concepção do mundo como
aldeia global transmitem a imagem da realidade, o que ocasionaria, contudo, em
determinadas ocasiões, percepções inexatas. (SANCHEZ, 2013, p.47),

Dentro desses contornos, para Sanchez (2013, p. 50/51) a segurança se converte


em uma pretensão social à qual se supõe que o Estado e, em particular, o Direito Penal
43

devem oferecer a resposta, e vai além afirmando que atualmente a solução para a
insegurança não se busca em seu lugar natural que seria o “direito de polícia”, mas sim
no direito penal.

Outro ponto delicado que assola o atual modelo social segundo Sanchez (2013, p.
59), é a existência de um protótipo de vítima que não assume a possibilidade de que o
fato que sofreu derive de culpa sua ou que simplesmente corresponda ao azar. Para o
autor, parte-se do axioma de que haverá sempre um terceiro responsável a quem imputar
o fato e suas consequências patrimoniais e/ou penais, e a isso se denomina
Zurechnungsexpansion 15.

O descrédito de outras instâncias de proteção é algo que para Sanchez acaba se


somando às causas de expansão do direito penal, ou seja, vários fatores dão a conotação
de que só esse ramo do direito é capaz de resolver os problemas sociais, situação essa
que chega a um resultado que para o autor é desalentador, uma vez que vemos
abandonada a ideia do Direito Penal como ultima ratio, senão vejamos:

Por um lado, por a visão do Direito Penal como único instrumento


eficaz de pedagogia político-social, como mecanismo de socialização,
de civilização, supõe uma verdadeira expansão ad absurdum da outra
ultima ratio. Mas, principalmente, porque tal expansão é em boa parte
inútil, à medida que transfere ao Direito Penal um fardo que ele não
pode carregar. (SANCHEZ, 2013, p. 79).

Como já delineado, o corrente século foi veementemente marcado por um


fenômeno que modificou toda a estrutura da sociedade moderna, a globalização.

Como já vastamente explanado, a globalização, como reflexo dessa modernidade


centrada no “eu”, despreza o outro, como esclarece Bauman (1998, p. 29) quando fala:

Na sociedade moderna, e sob a égide do Estado moderno, a aniquilação


cultural e física dos estranhos e o diferente foi uma destruição criativa,
demolindo, mas construindo ao mesmo tempo; mutilando, mas
corrigindo.

15
Zurechnungsexpansion em Sanchez (2013, p. 59) seria a expansão da imputação de responsabilidade como
característica cultural da sociedade contemporânea.
44

Essa invisibilidade gerada pelo capitalismo nocivo acarretou, como era de se


esperar, um aumento na criminalidade, uma vez que aqueles excluídos do consumo, para
que pudessem se inserir nessa relação, buscaram meios que facilit assem esse intento, e,
como se observou no decorrer do trabalho, um desses meios foi justamente a prática de
crimes.

Logo, o que se notou é que há uma relação intrínseca entre o processo de


exclusão ocasionado pelo sistema capitalista através dessa sociedade globalizada, que
conduz ao não reconhecimento do outro, com o avanço da criminalidade, não só se
tratando da macrocriminalidade, mas e, com maior habitualidade, da
microcriminalidade, consistente em grande parte na prática de crimes contra o
patrimônio.

E esse é o pensamento de Sanchez (2013, p. 102/103), quando afirma que a


globalização econômica e a integração supranacional tem duplo efeito sobre a
delinquência, onde o primeiro seria o de que dão lugar a que determinadas condutas
tradicionalmente contempladas como delitivas devam deixar de sê-lo, pois o contrário se
converteria em um obstáculo às próprias finalidades perseguidas com a globalização e a
integração nacional. E o segundo é que esse fenômeno dá lugar à conformação de
modalidades novas de delitos clássicos, assim como a aparição de novos crimes.

Assevera ainda que a delinquência que faz surgir a expansão do Direito Penal é a
econômica, abandonando-se o paradigma do Direito Penal Clássico, sendo que essa nova
espécie de delinquência, tende a assinalar menos garantias pela menor gravidade das
sanções, ou é criminalidade pertencente ao âmbito da classicamente denominada
legislação excepcional. (SANCHEZ, 2013, p. 122).

3.4.1 - As Velocidades do Direito Penal

É de Jesús-Maria Silva Sanchez a ideia das “velocidades do Direito Penal”,


segundo ele o Direito Penal Moderno teria três velocidades, sendo a primeira
caracterizada pela pena de prisão, seguindo o modelo de Direito Penal liberal clássico,
45

que se utiliza preferencialmente da pena privativa de liberdade, mas se funda em


garantias individuais indissociáveis, e, como ele bem afirma, onde haveriam de se
manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e
os princípios processuais. (SANCHEZ, 2013, p. 193).

A segunda velocidade do Direito Penal leva em conta que aos delitos


socioeconômicos são imputadas penas privativas de liberdade, sendo que para estas
devem ser respeitadas todas as garantias e princípios processuais. A segund a velocidade
cuida do modelo que incorpora duas tendências: a flexibilização proporcional de
determinadas garantias penais e processuais aliadas à adoção de medidas alternativas à
prisão, ou seja, para os casos em que, por não se tratar já de prisão, senão de penas de
privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar
uma flexibilização proporcional à menor intensidade da sanção. (SANCHEZ, 2013, p.
193).

Nessa segunda velocidade, o autor defende a ideia de um Direito Penal que seja
ao mesmo tempo funcional e garantista, com a preservação de garantias individuais para
os delitos cuja pena prevista é a prisão. Contudo, para as novas modalidades de delitos,
as quais não trazem um perigo real a bens individuais, sustenta a flexibilização
controlada das regras de imputação, como também dos princípios político -criminais.

Por fim, e do outro lado da moeda, está a terceira velocidade do Direito Penal,
guardando esta estreita relação com a Teoria idealizada pelo alemão Günther Jakobs, do
Direito Penal do Inimigo, que se revelaria pela ampla antecipação da proteção penal, isto
é, a mudança de perspectiva do fato passado a um porvir; a ausência de uma redução de
pena correspondente a tal antecipação; a transposição da legislação jurídico-penal à
legislação de combate e o solapamento de garantias processuais. (SANCHEZ, 2013, p.
194).

3.5 - O Direito Penal Mínimo e o Direito Penal Máximo


46

O atual panorama do direito penal é visualizado através de três ângulos bem


definidos, por um lado temos aqueles que pregam a completa supressão do direito penal,
não enxergando a prisão como remédio para os delinquentes, do outro lado da moeda,
temos os que defendem uma maior interferência do Estado através do direito penal, e
finalmente, os pregadores de um direito penal mais equilibrado, conhecidos como
defensores de um direito penal mínimo.

Segundo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar (2003, p. 648):

“o abolicionismo é um movimento impulsionado por autores do norte da


Europa, embora com considerável repercussão no Canadá, Estados
Unidos e na América Latina. Partindo da deslegitimação do poder
punitivo e de sua incapacidade para resolver conflitos, postula o
desaparecimento do sistema penal e sua substituição por modelos de
solução de conflitos alternativos, preferentemente informais. Seus
mentores partem de diversas bases ideológicas podendo ser assinalada
de modo prevalentemente a fenomenológica, de Louk Hulsman, a
marxista, da primeira fase de Thomas Mathiesen, a fenomenológica -
histórica, de Nils Christie e, embora não tenha formalmente integrado o
movimento, não parece temerário incluir neste a estruturalista, de
Michel Foucault”.

Como afirmado, os abolicionistas pregam a descriminalização e despenalização


de condutas, afirmam que o direito penal não serve para resolver problemas sociais e
pugnam por outras formas de resolução dos conflitos.

Não bastasse, os abolicionistas não só se insurgem contra os sistemas prisionais,


como questionam sua eficiência, fazendo emergir a ideia de que outros ramos do direito
podem e devem resolver as celeumas da sociedade.

A ideia abolicionista passa por desconstruir o direito penal, revendo a finalidade


retributiva da pena, propugnando por uma faceta onde se possa atribuir às partes
envolvidas no conflito, um maior protagonismo.

Zaffaroni (2001, págs. 89 e 97), acerca da ideia abolicionista, assim nos diz:

“O abolicionismo nega a legitimidade do sistema penal tal como atua na


realidade social contemporânea e, como princípio geral, nega a
legitimação de qualquer outro sistema penal que se possa imaginar no
futuro como alternativa a modelos formais e abstratos de solução de
conflitos, postulando a abolição radical dos sistemas penais e a solução
dos conflitos por instâncias ou mecanismos informais. (...)
47

Na verdade, existem diferentes abolicionismos e, sem dúvida, é até


possível falar-se de um abolicionismo anárquico, (...). Entretanto, o
abolicionismo aqui referido não é este e, sim o abolicionismo radical do
sistema penal, ou seja, sua radical substituição por outras instâncias de
solução dos conflitos (ao contrário do abolicionismo da pena de morte,
da prisão, etc.), que surge nas duas últimas décadas como resultado da
crítica sociológica ao sistema penal. (...)
O abolicionismo representa a mais original e radical proposta político -
criminal dos últimos anos, a ponto de ter seu mérito reconhecido até
mesmo por seus mais severos críticos.”

Consoante se infere dos ideais abolicionistas, algumas características acabam


saltando aos olhos, como o aumento de políticas preventivas das situações, ou seja,
atuação antes de se tornar situações problemáticas; solução dos conflitos sem a
necessidade de recorrer para o modelo punitivo atual, preferindo o consensualismo;
deslocamento do poder punitivo do Estado para um tecido social, revigorado, baseado
em princípios morais e éticos comunitários; abolir não o direito penal, mas o sistema
punitivo atual, mudando percepções, comportamentos, extinguindo os paradigmas do
sistema penal, sobretudo o encarceramento.

3.5.1 - Direito Penal Mínimo

O Direito Penal deve ter como norte a seleção dos bens jurídicos mais
importantes para a convivência harmônica em sociedade, somente criminalizando
aquelas condutas que se revelem realmente nocivas e que tumultuem a relação do
indivíduo com o meio onde ele está inserido.

Não há que se cogitar como ilícita uma conduta que não ofenda minimamente um
bem jurídico tutelado.

Essa é a ideia dos defensores do direito penal mínimo, corrente que tem como
principal expoente o jus filósofo italiano Luigi Ferrajoli.

Referido autor idealizou um sistema penal garantista, criando o que ele


denominou de axioma do garantismo penal. Para Ferrajoli (2014, p. 90):
48

[...] Trata-se, em outras palavras, de implicações deônticas,


normativas ou de dever ser, cuja conjunção nos diversos sistemas,
que aqui se tornarão axiomatizados, dará vida aos modelos
deônticos, normativos ou axiológicos. A adoção destes modelos,
começando pelo garantista no grau máximo, pressupõe, assim,
uma opção ético-política a favor dos valores normativamente por
eles tutelados.

Construído sob o enfoque do princípio da intervenção mínima, o que sinaliza para


uma atuação mínima do punitivismo estatal, Ferrajoli (2014, p. 91) denomina de sistema
penal SG (Sistema Garantista), que resulta da adoção de dez axiomas ou princípios
axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressa através de máximas
latinas, como se observa:

“A 1 Nulla poena sine crimine

A 2 Nullum crimen sine lege

A 3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate

A 4 Nulla necessitas sine injuria

A 5 Nulla injuria sine actione

A 6 Nulla actio sine culpa

A 7 Nulla culpa sine judicio

A 8 Nullum judicium sine accusatione

A 9 Nulla accusatio sine probatione

A 10 Nulla probatio sine defensione”

E prossegue:

Denomino estes princípios, ademais das garantias penais e processuais


por eles expressas, respectivamente: 1) princípio da retributividade ou
da consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da
legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da
necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade
49

ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da


exteriorização da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da
responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionalidade, também no
sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da
separação entre juiz e acusação; 9) princípio do ônus da prova ou da
verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da
falseabilidade. (FERRAJOLI, 2014, p. 91).

O Direito Penal deve ser visto como ultima ratio, ou seja, apenas as condutas que
apresentem real lesividade social merecem ser incriminadas, e assim nos informa
Callegari (1998, p. 478):

“Haja vista que o Direito Penal lida com o bem jurídico liberdade, um
dos mais importantes dentre todos, nada mais lógico do que esse ramo
do Direito obrigar-se a dispor das máximas garantias individuais. E
mais, conhecendo o nosso sistema carcerário, fica claro que só
formalmente a atuação do Direito Penal restringe-se à privação da
liberdade. Na prática, a sua ação vai mais além, afetando, muitíssimas
vezes, outros bens jurídicos de extrema importância, como a vida, a
integridade física e a liberdade sexual, verbi gratia; uma vez que no
atual sistema prisional são frequentes as ocorrências de homicídios,
atentados violentos ao pudor, agressões e diversos outros crimes entre
os que ali convivem.”

Note-se que não há como se confundir o garantismo com o abolicionismo penal,


enquanto este se caracteriza por uma ampla liberdade, quase que numa total ausência do
Estado, aquele reage contra o rigor do jus puniendi estatal, ou seja, trata-se aqui de uma
liberdade regrada, um meio termo entre o abolicionismo e o direito penal máximo,
apesar de que ambos convergem no sentido de se insurgir em face do rigorismo, como
esclarece Queiroz ( 2002, p. 39-40) :

Por abolicionismo penal e por minimalismo (ou direito penal mínimo)


consideram-se movimentos de políticas criminais, vertentes da assim
chamada nova criminologia ou criminologia crítica, surgidas nos
Estados Unidos por volta dos anos 60 e 70 que, rompendo com a
criminologia tradicional (a criminologia positiva), e sob o influxo de
teorias sociológicas principalmente, das diversas tendências, contrapõe
ao paradigma “etiológico”, próprio da criminologia positiva, um novo
paradigma, o do “controle”. É natural. Pois, que sob influência comum,
ambos os movimentos, os mais representativos da criminologia
contemporânea, convirjam, em geral, em seus pressupostos e críticas ao
sistema de justiça penal. Coincidem, por motivo vário, [...] quanto à
50

“deslegitimidade” (ou ilegitimidade) deste mecanismo formal de


controle social. Ambos são, enfim, movimentos político-criminais
deslegitimadores do sistema penal. Veem, tanto o abolicionismo quanto
o minimalismo, o sistema penal como um subsistema funcional de
reprodução material e ideológica (legitimação) do sistema social global,
é dizer, das relações de poder e da propriedade existentes.

Vê-se assim, que a corrente minimalista trouxe uma proposta emancipatória,


propondo uma utilização sensata do direito penal pelo Estado, optando por deslegitimar,
por exemplo, a função da pena como hoje ela se apresenta.

3.5.2 – Do Direito Penal Máximo

Essa vertente prega a expansão do direito penal, defendendo uma hiperinflação


legislativa no que concerne às normas penais, bem como o recrudescimento das penas e
dos seus regimes de cumprimento.

A ideia de um Direito Penal mais atuante, baseada no atual momento de aumento


da criminalidade, enseja intolerância às práticas delituosas e solidifica a perspectiva de
um sistema penal mais firme e controlador.

Observa-se, portanto, que o direito penal máximo vai de encontro ao pensamento


das correntes abolicionista e minimalista.

Enquanto verificamos as correntes anteriores serem favoráveis à diminuição da


interferência estatal na vida das pessoas, os maximalistas procuram aumentar a tutela
dos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal.

O Direito Penal de Emergência é reflexo desse direito penal máximo, ou seja, em


situações de emergência, de excepcionalidade, tem-se a falsa percepção de que a
utilização do direito penal irá produzir uma solução rápida, mas na verdade, isso não
passa de um efeito meramente simbólico.

É sabido que durante muitos anos, sobretudo nos Estados autoritários, com a
justificativa de manter a segurança nacional, utilizou-se a violência além dos limites
51

autorizados pelo Estado de Direito. Hoje, novamente, por meio do absolutismo penal,
retoma-se essa ideia, com a adoção, pelos Estados, de atitudes repressivas e punitivas,
justificando esse abuso de violência pelo mesmo argumento: “segurança nacional”,
visando conter o aumento da criminalidade (CALLEGARI; DUTRA, 2007, p. 433).

Ainda para Callegari; Dutra (2007, p. 433), a pressão da sociedade, amedrontada


com a crescente criminalidade, tem servido como justificativa para o aumento da força
do Estado, o qual passa a exercer o controle penal, criando, como dito alhures, novos
tipos penais, enrijecendo as penas e suprimindo os direitos e garantias constitucionais,
chegando até a se falar de um “direito penal do inimigo”, visando, pura e simplesmente,
conter a criminalidade.

O Direito Penal Máximo permite, portanto, que se violem princípios


constitucionais, em especial o de maior relevância para o sistema penal, o da dignidade
humana.

Segundo Luigi Ferrajoli (2014, p. 102), direito penal máximo, é aquele


incondicionado e ilimitado, é o que se caracteriza, além de sua excessiva severidade,
pela incerteza e imprevisibilidade das condenações e das penas e que,
consequentemente, configura-se como um sistema de poder não controlável
racionalmente em face da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e
anulação.

E como exemplo mais flagrante desse direito penal máximo temos o Direito Penal
do Inimigo, teoria idealizada por Günter Jakobs, o qual elege “inimigos da sociedade”,
ou seja, aqueles que romperam com o “pacto social”, os quais requerem tratamento
repressivo maior, negando-se a eles diversas garantias processuais, como a ampla
defesa, o contraditório e o devido processo legal, teoria esta que será no próximo
capítulo objeto de estudo.
52

4 – O DIREITO PENAL DO INIMIGO

4.1 – Considerações Preliminares

Como já delineado, dentre vários fatores, o aumento absurdo da criminalidade na


atualidade e a deficiência estatal em conter esse avanço da violência, acabou na
sociedade contemporânea, desviando o foco do direito penal, relegando seu papel de
pacificação social e se centrando pura e simplesmente na proteção da norma, como
veremos.

Consequência direta desse fenômeno é a proliferação desenfreada de leis penais,


como bem acentua Cancio Meliá (2007, p. 55-56):

As características principais da política criminal praticada nos últimos


anos podem resumir-se no conceito da “expansão” do direito penal.
Efetivamente, no momento atual pode ser adequado que o fenômeno
mais destacado na evolução atual das legislações penais do “mundo
ocidental” está no surgimento de setores inteiros de regulação,
acompanhada de uma atividade de reforma de tipos penais já existentes,
realizada a um ritmo muito superior ao de épocas anteriores.

De forma também esclarecedora, Gracia Martin nos fala:

En los últimos años, la doctrina del Derecho penal dirige su mirada a


ciertas regulaciones del Derecho positivo que parecen diferenciarse del
Derecho penal general en virtud de determinadas características
peculiares, las cuales motivarían o podrían motivar su agrupamiento e
individualización como un particular corpus punitivo que podría
identificarse con la denominación “Derecho penal del enemigo”. Desde
una perspectiva general, se podría decir que este Derecho penal del
enemigo sería una clara manifestación de los rasgos característicos del
llamado Derecho penal moderno, es decir, de la actual tendencia
expansiva del Derecho penal que, en general, da lugar, formalmente, a
una ampliación de los ámbitos de intervención de aquél, y
materialmente, según la opinión mayoritaria, a un desconocimiento, o
por lo menos a una clara flexibilización o relajación y, con ello, a un
53

menoscabo de los principios y de las garantías jurídico-penales liberales


del Estado de Derecho 16

Em virtude disso, o modelo clássico, tal qual como pensado, ou pelo menos
imaginado durante os últimos séculos, vem sendo substituído por um direito penal
simbólico.

E foi nesse ambiente que surgiu a teoria do direito penal do inimigo, aquela que,
muito provavelmente, nas últimas décadas, foi a teoria que mais causou polêm ica no
seio da comunidade jurídica, despertando, em sua grande maioria, reações críticas
baseadas, principalmente, no fundamento de que seria ela incompatível com um Estado
de Direito, e também que seria uma prática de disseminação do medo.

Segundo Zaffaroni (2006, p. 9), a atual situação do planeta revela, em toda sua
crueza, uma contradição 17, provocando um grande transtorno na doutrina, uma vez que,
de uma vez só desnuda o fenômeno de todas as roupagens que o ocultaram até hoje, e
revela, como nunca acontecera antes, que a secular tradição legitimadora do exercício
estruturalmente discriminatório do poder punitivo operou como fissura absolutista no
Estado constitucional de direito.

E prossegue Zaffaroni (2006, p. 11):

“Na teoria política, o tratamento diferenciado de seres humanos


privados do caráter de pessoas (inimigos da sociedade) é próprio do
Estado Absoluto que, por sua essência, não admite gradações...”

Diante desses aspectos, revela-se de extrema importância que se compreenda, ou


pelo menos, frente à complexidade da questão, que se tente compreender o que de fato
Günther Jakobs sugere com a Teoria do Direito Penal do Inimigo.

4.2 – Análise da Teoria do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs

16
GRACIA MARTIN, Luis. Consideraciones críticas sobre el actualmente denominado “Derecho penal del
enemigo”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia (em línea). 2005. Núm. 07-02, p. 02:1-02:43.
Disponivel em http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-02.pdf. Acesso em: 05 de janeiro de 2016.
17
Para Zaffaroni (2006, p. 9), o tratamento diferenciado conferido a determinadas pessoas provocou uma
contradição entre a doutrina penal e a política do Estado Constitucional de Direito, uma vez que esta não admite
sequer uma clara situação bélica, pois implicaria no abandono do Estado de Direito e passaria ao de Polícia, o
que deslizaria rapidamente para um Estado Absoluto.
54

Essa teoria foi exposta por Günther Jakobs ao mundo em 1999, em Berlim,
durante uma conferência no Congresso realizado em outubro sobre “Os desafios da
ciência do direito penal frente ao futuro”. (CONDE, 2012, p. 25).

Nesse Congresso, como bem salienta Conde (2012, p. 25), Jakobs afirmou que, ao
lado de um direito penal cujo único objetivo é promover a segurança normativa, havia
outro direito penal, um direito penal do inimigo (Feindstrafrecht), pelo qual o Estado
diante de determinados sujeitos, que de forma grave e reiterada se comportam
contrariamente às normas básicas, tem que reagir de forma mais contundente.

Essa idealização de Jakobs de um direito penal do inimigo, como acentua Conde


(2012, p. 26), talvez não tivesse passado de uma discussão puramente acadêmica se os
fatos que se sucederam após o seu discurso não viessem a respaldar sua teoria, como por
exemplo os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque e o de 7 de
julho de 2005 ao metrô de Londres.

Jakobs desenvolveu um funcionalismo sistêmico baseado na teoria dos sistemas


de Niklas Lhumannn, estabelecendo que a função primordial da pena é a manutenção da
norma, colocando a estabilidade do ordenamento como principal objetivo da aplicação
do sistema jurídico.

Como explica Bitencourt (2014, p. 125):

Jakobs, por sua vez, incorporando fundamentalmente a teoria dos


sistemas sociais de Luhmann, concebe o Direito Penal como um sistema
normativo fechado, autorreferente (autopoiético) e limita a dogmática
jurídico-penal à análise normativo-funcional do Direito Positivo, em
função da finalidade de prevenção geral positiva da pena, com a
exclusão de considerações empíricas não normativas de valorações
externas ao sistema jurídico positivo.

Conforme se extrai da análise do funcionalismo sistêmico de Jakobs, pode ser


explicado como aquele que não concebe influências externas, não esbarra em limitações
materiais que não seja do próprio sistema, o autor crê na ideia de que a principal
finalidade da pena é mesmo a de reafirmar a vigência da norma.

4.2.1 – Suporte Filosófico


55

A teoria do direito penal do inimigo aparece, como dito alhures, como fiel retrato
da vertente maximalista do direito penal.

Consoante se observará adiante, Günther Jakobs deixa bem claro que dentro de
um mesmo ordenamento devem existir duas espécies de direito penal, aquele
denominado de Direito Penal do Cidadão e o chamado Direito Penal do Inimigo. No
primeiro são observadas todas as garantias constitucionais e processuais; já no que
concerne ao segundo, estas seriam reduzidas ou até mesmo suprimidas, cujos detalhes
serão abordados em tópico próprio.

Acontece, entretanto, que essa abordagem distinguindo cidadão de inimigo,


dando-se consequentemente tratamentos distintos, não surgiu com a teoria de Jakobs,
muito antes dela, aqueles que atentavam contra a existência do Estado já recebiam
tratamento diferenciado.

A teoria de Günther Jakobs, apesar de afirmar não seguir in totum a concepção


abstrata proposta por Rousseau e Fichte (2007, p. 26), possui como suporte filosófico
contratualistas como os já citados, como também Hobbes e Kant.

Acerca dessa ideia de contrato, depreende-se que os cidadãos renunciam parte de


sua liberdade e a transferem para uma autoridade – o Estado. Há uma transição do
Estado de natureza para um Estado Político e, nessa linha, aquele que se volta contra as
bases desse Contrato Social firmado, não merece o status de cidadão, deve ser
caracterizado como inimigo.

Em várias passagens de sua obra – Direito Penal do Inimigo – Jakobs (2007, p.


25) deixa clara a influência dos filósofos contratualistas, como se vê:

São especialmente aqueles autores que fundamentam o Estado de modo


estrito, mediante um contrato, entendem o delito no sentido de que o
delinquente infringe o contrato, de maneira que já não participa dos
benefícios deste: a partir desse momento, já não vive com os demais
dentro de uma relação jurídica.
56

Rousseau (1712-1778) afirma que qualquer malfeitor que ataque o direito social
deixa de ser membro do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como
demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor, e prossegue afirmando que a
consequência diz que: “ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como
cidadão”.

E mais, Fichte (1762-1814) afirma que “quem abandona o contrato cidadão em


um ponto em que no contrato se encontrava sua prudência, seja no modo voluntário ou
por imprevisão, em sentido estrito perde todos os seus direitos como cidadão e como ser
humano e passa a um estado de ausência completa de direitos”.

Hobbes (1984, apud Jakobs 2007, p. 27) revela que o delinquente, em princípio,
mantém em sua função de cidadão: o cidadão não pode eliminar, por si mesmo seu
status. Entretanto, a situação é distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de alta
traição: “pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa uma
recaída no estado de natureza... E aqueles que incorrem em tal delito não são castigados
como súditos, mas como inimigos”.

Ao retratar o pensamento de Kant em sua obra Sobre a paz eterna, Jakobs assim
nos fala:
Consequentemente, quem não participa da vida em um estado
comunitário-legal, deve retirar-se, o que significa que é expelido (ou
impelido à custódia de segurança); em todo caso, não há que ser tratado
como pessoa, mas pode ser tratado como anota expressamente Kant,
como um inimigo.( JAKOBS, 2007, pags. 28/29).

Como se observa, extraindo-se do pensamento dos contratualistas acima elencados, vê-se


mais precisamente em Hobbes e Kant, a base filosófica mais patente, uma vez que, como se
abordará adiante, inimigo não é todo aquele que pratica crimes, mas sim aqueles que atentam
contra a existência do próprio Estado, aqueles que vão de encontro à ordem social.

4.2.2 – O inimigo em Jakobs


57

Na teoria apresentada por Günther Jakobs, fica clara a distinção entre pessoa e
não pessoa, entre cidadão e inimigo. Em razão desse fato é mister tentar buscar dentro
do direito penal do inimigo quem seria o destinatário dessas normas mais duras.

Em todo caso, o antigo truque de transformar os inimigos em seres


que, por sua maldade, não preenchem o conceito de humanidade,
continua vigente. (GALLARDO, 2014, p. 26)

Pois bem, para o próprio Jakobs (2007, p. 42), o inimigo seria:

[...] quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece


garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode esperar ser
tratado como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já
que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas.

Para Sanchez (2013, p.149):

[…] O Inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua


ocupação profissional ou, principalmente mediante sua vinculação a
uma organização abandonou o Direito de modo supostamente duradouro
e não somente de maneira incidental. Em todo caso, é alguém que não
garante mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e
manifesta esse déficit por meio de sua conduta.

Ainda para Sanchez (2013, p.149), a caracterização do inimigo seria produzida


mediante a reincidência, a habitualidade, a delinquência profissional e pela integração
em organizações delitivas estruturadas.

Nota-se claramente que o conceito de inimigo de Jakobs não é político ou


religioso, mas normativo, ou seja, para Jakobs (2007, p. 29), citando Hobbes e Kant que,
como visto, conhecem um direito penal do cidadão para aqueles que não delinquem de
modo persistente, há também um direito penal do inimigo contra quem se desvia da
norma por princípio.
58

Zaffaroni (2006, p. 18) em perfeita definição do inimigo, afirma que seria aquele
a quem o direito negou a qualidade de pessoa, só sendo considerado sob o aspecto de ser
daninho, perigoso.

Como se evidencia pelo até agora visto, não é todo delinquente que é
categorizado como inimigo. Esse atributo somente é imputado àquele que se afasta d o
direito, ou seja, em face daquele que não mais reconhece o Estado como terceiro capaz
de promover a pacificação social e atenta contra sua própria existência.

O inimigo não tolera ou mesmo não reconhece as normas jurídicas, e opta por não
prestar uma segurança cognitiva, ou seja, o inimigo não é taxado somente pelo que fez
ou está prestes a fazer, ele é assim considerado pelo que representa para a sociedade,
diga-se, como um ser perigoso que dever ser banido do convívio social.

Os inimigos na sociedade moderna, como assevera Luiz Gracia Martin 18, seriam
os terroristas, os integrantes de organizações criminosas, traficantes de pessoas etc.,
como se vê:

Diferentes de los ciudadanos que han cometido un hecho delictivo son


los enemigos. Estos son individuos que en su actitud, en su vida
económica o mediante su incorporación a una organización, se han
apartado del Derecho presumiblemente de un modo duradero y no sólo
de manera incidental, y por ello, no garantizan la mínima seguridad
cognitiva de un comportamiento personal y demuestran este déficit por
medio de su comportamiento. Las actividades y la ocupación
profesional de tales individuos no tienen lugar en el ámbito de
relaciones sociales reconocidas como legítimas, sino que aquéllas son
más bien la expresión y el exponente de la vinculación de tales
individuos a una organización estructurada que opera al margen del
Derecho y que está dedicada a actividades inequívocamente
“delictivas”. Este es el caso, por ejemplo, de los individuos que
pertenecen a organizaciones terroristas, de narcotráfico, de tráfico de
personas, etc. y, en general, de quienes llevan a cabo actividades típicas
de la llamada criminalidad organizada.

Como se infere, evidenciando o dito anteriormente, Bitencourt (2014, p. 126)


retratando o pensamento de Jakobs assevera que para este autor o verdadeiro bem
jurídico penal a ser protegido é a validez fática das normas, porque somente assim se

18
GRACIA MARTIN, Luis. Consideraciones críticas sobre el actualmente denominado “Derecho penal del
enemigo”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia (em línea). 2005. Núm. 07-02, p. 02:1-02:43.
Disponível em http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-02.pdf. Acesso em: 05 de janeiro de 2016.
59

pode esperar o respeito aos bens que interessam ao indivíduo e à sociedade, e que esses
indivíduos considerados inimigos que reconhecem como legítimas.

4.2.3 - Características do Direito Penal do Inimigo

Ultrapassada essa fase inicial de se saber quem seria o inimigo para Jakobs, faz -se
necessário reconhecer de que modo essas normas se revelam dentro do ordenamento
jurídico.

Conforme já delineado, Conde (2012, p. 25) revela que Jakobs admite nas
sociedades atuais, junto a um direito penal dirigido à única tarefa de restabelecer através
da sanção punitiva a vigência da norma violada pelo delinquente e a confiança dos
cidadãos no Direito (segurança normativa), havia outro direito penal, um direito penal
que diante de determinados sujeitos que ameaçam o sistema, tem que reagir de forma
mais contundente visando a segurança cognitiva.

Nota-se então que ao querer preservar a confiança na norma e não apenas tentar
restaurar essa confiança depois de violada, a concepção de Jakobs (2007, p. 44) é
voltada para um direito penal prospectivo, ou seja, para ele o ponto de partida ao qual se
ata a regulação para o inimigo é a conduta não realizada, mas só planejada, isto é, não o
dano à vigência da norma que tenha sido realizado, mas o fato futuro.

Aliado a esse aspecto prospectivo do direito penal do inimigo, encontra -se o fato
de que, como bem salienta Conde (2012, p.25), no direito penal do inimigo, o Estado
para lutar eficazmente contra o inimigo impõe penas desproporcionais e draconianas,
penaliza condutas inócuas em si mesmas e elimina ou reduz ao mínimo certas garantias
e direitos do imputado no processo penal, estando aqui, o principal foco das críticas da
teoria de Jakobs.

Como se observou, algumas características exsurgem de modo acentuado como a


antecipação da punição, uma vez que criam-se tipos penais que tipificam atos
meramente preparatórios, aliada a essa característica temos também a imposição de
60

penas consideradas cruéis, bem como a diminuição ou mesmo a supressão de garantias


penais e processuais.

Cancio Meliá (2007, p. 67), corroborando o anteriormente dito, ressalta que o


Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs se caracteriza por três elementos, a saber:

[...] em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da


punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento
jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no
lugar de – como é o habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato
cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são
desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de
punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena
cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são
relativizadas ou inclusive suprimidas.

Com notória propriedade, afirma Luis Gracia Martin 19 no que concerne às


principais características da teoria de Jakobs:

La particular y distinta finalidad del Derecho penal del enemigo tiene


que dar lugar también, por fuerza, a una diferencia en sus principios
constitutivos y en sus reglas operativas con respecto al Derecho penal
del ciudadano. En concreto, en el Derecho penal del enemigo se
renuncia a las garantías materiales y procesales del Derecho penal de la
normalidad41. Estos principios y reglas propios del Derecho penal del
enemigo vendrían impuestos por el significado de las circunstancias
fácticas que caracterizan la actividad y la posición del enemigo frente a
la sociedad y se configurarían como instrumentos adecuados al fin de la
prevención del peligro que representa el enemigo, el cual sólo se puede
alcanzar mediante su vencimiento o eliminación en la guerra desatada
entre él y el Estado, y mediante su inocuización42 . Para hacer frente a
los enemigos se recurre en las sociedades modernas a regulaciones de
características tales que permitirían identificarlas como típicas de un
Derecho penal del enemigo43 . 1) Una primera manifestación de éste
está representada por aquellos tipos penales que anticipan la punibilidad
a actos que sólo tienen el carácter de preparatorios de hechos futuros44.
Estos tipos toman como base los datos específicos de abandono
permanente del Derecho y de amenaza permanente a los principios
básicos de la sociedad (falta de seguridad cognitiva) y su contenido ya
no es la comisión de hechos delictivos concretos y determinados, sino
cualquier conducta informada y motivada por la pertenencia a la
organización que opera fuera del Derecho. Mediante tales tipos se

19
GRACIA MARTIN, Luis. Consideraciones críticas sobre el actualmente denominado “Derecho penal del
enemigo”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia (em línea). 2005. Núm. 07-02, p. 02:1-02:43.
Disponível em http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-02.pdf. Acesso em: 05 de janeiro de 2016.
61

criminalizan conductas que tienen lugar en un ámbito previo a la


comisión de cualquier hecho delictivo en razón de la falta de seguridad
cognitiva que se supone en quienes actúan de cualquier modo en dicho
ámbito previo 45, o de conductas que simplemente favorecen la
existencia de una organización criminal y alimentan su subsistencia y
permanência.

Observamos que normas penais com essas características saltam aos olhos dentro
de vários ordenamentos jurídicos dos mais diversos países, a exemplo dos Estados
Unidos, Espanha, dentre tantos outros e, como se verá, mais particularmente, no Brasil.

4.2.4 - O Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro

Franciso Munoz Conde em sua obra Direito Penal do Inimigo (2012, p. 28),
afirma que ninguém nega a existência deste nos ordenamentos jurídicos atuais.

Ainda, quando se pensa em direito penal do inimigo vem logo à mente como
exemplo de normas desse jaez, como exemplifica Agamben (2011, p;16) o chamado
USA Patriot Act, promulgado pelo Senado no dia 26 de outubro de 2001, logo após os
atentados terroristas ocorridos em setembro do mesmo ano, o qual permite manter preso
estrangeiro suspeito de atividades que ponham em perigo a segurança nacional dos
EUA.

Contudo, o direito penal do inimigo não está presente só na legislação estrangeira,


no ordenamento jurídico brasileiro ele se revela bastante flagrante em diversas
passagens.

Como exemplo de um típico direito penal do inimigo temos o RDD – Regime


Disciplinar Diferenciado, instituto introduzido pela Lei nº 10.792/2003, que modificou a
Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84).

Em breve síntese, o regime disciplinar diferenciado caracteriza-se por impor ao


detento uma restrição maior à sua liberdade, evitando contato com outros presos,
restringindo contato com familiares, enfim, tolhendo ainda mais direitos que já foram
castrados quando de sua imposição ao cárcere.
62

Parte da doutrina brasileira avaliza esse instituto, priorizando a segurança nos


estabelecimentos prisionais, e, principalmente, a ordem pública, como afirma Mirabete
(2004, p. 151)

Exige-se, portanto, que o preso apresente alto risco para a ordem e


segurança do estabelecimento penal, no sentido de que sua permanência
no regime comum possa ensejar a ocorrência de motins, rebeliões, lutas
entre facções, subversão coletiva da ordem ou a prática de crimes no
interior do estabelecimento em que se encontra ou no sistema prisional,
ou então, que, mesmo preso, possa liderar ou concorrer para a prática de
infrações penais no mundo exterior, por integrar quadrilha, bando ou
organização criminosa. Por coerência, dada a natureza cautelar da
medida, o alto risco mencionado no §1º deve estar presente também na
hipótese regulada no §2º do art. 52.

Outro exemplo é a possibilidade de prisão preventiva constante no art. 312 do


Código de Processo Penal, que permite encarcerar fundamentando tão somente na
garantia da ordem pública, utilizando como critério o grau de periculosidade do agente:

Art. 312 – A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da


ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Esse instituto, segundo uma visão garantista, ofende, entre outros aspectos, a
paridade de armas entre a defesa e a acusação, e garante ao indivíduo uma prisão sem
culpa, como assevera Ferrajoli (2014, p. 505):

Se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um


sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido
encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser
considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem
submetido à pena.

O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2848/40) em diversas passagens possui


um direito penal do inimigo, a exemplo da reincidência e crimes que antecipam a
punibilidade a uma fase anterior ao seu cometimento, como se observa:
63

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando


não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim


específico de cometer crimes.

Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear


organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a
finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código.

Por óbvio que resta demonstrado à saciedade a presença do direito penal do


inimigo no ordenamento jurídico brasileiro, inobstante a certeza de que muitos outros
exemplos existem, e ainda hoje mais são editados.

Urge também esclarecer que todas as normas supra elencadas se encontram em


perfeita vigência dentro do Estado Democrático de Direito Brasileiro, e, como dito, mais
continuam a ser editadas, a exemplo das Leis nºs 12.654/12 e 12.850/13, a seguir
analisadas.

4.2.4.1 – A edição da Lei nº 12.654/12 e o surgimento de um novo processo de


escolha de inimigos no Brasil

A Lei nº 12.654/12 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a


possibilidade de se colher materiais genéticos e utilizá-los no âmbito da persecução
criminal, bem como para se traçar perfil de indivíduos condenados por determinados
crimes.

Não há um direito absoluto para negar a utilização do corpo humano


como prova, a não ser quando isso se faça de modo coercitivo e
violador da dignidade humana. (CARVALHO, 2014, p. 99).
64

O mencionado diploma promoveu alterações no âmbito da Lei nº 12.037/09,


bem como na Lei nº 7.210/84. A primeira regula o processo de identificação criminal e,
a segunda, a lei de execução penal.

Sobre sua utilização durante a persecução criminal, foi acrescentado um


parágrafo único ao art. 5º da Lei nº 12.037/09, que diz o seguinte:

Art. 5 o.......................................................................

Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3 o, a identificação


criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção
do perfil genético.

A Lei de Execução Penal ganhou um novo artigo, conforme transcrição a seguir:

Art. 9 o -A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com


violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes
previstos no art. 1 o da Lei n o 8.072, de 25 de julho de 1990, serão
submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,
mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica
adequada e indolor.

§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de


dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder
Executivo.

§ 2 o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz


competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de
dados de identificação de perfil genético.

Como se observou, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material


biológico para obtenção do perfil genético quando for essencial às investigações
policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício
ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa.
65

Os dados biológicos deverão ser armazenados em banco de dados de perfis


genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal, e terão caráter sigiloso,
sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa.

Com relação aos condenados por crime praticado dolosamente, com violência de
natureza grave contra pessoa, ou por qualquer crime hediondo, estes serão submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por
técnica adequada e indolor.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, realização de identificação criminal,


observa-se desde já que o legislador andou na contramão do que apregoa o princípio da
dignidade da pessoa humana, uma vez que, como se sabe, a Constituição Federal
considera esse meio de identificação como medida excepcional, priorizando a
identificação civil, senão vejamos:

art. 5º.

LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação


criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.

Verifica-se desde logo que o constituinte optou por priorizar a identificação


civil do indivíduo, uma vez que respeita a dignidade da pessoa humana, mormente no
que diz respeito à sua intimidade.

A identificação criminal, antes mesmo do advento da Lei 12.654/12, já era


tratada como uma opção mais invasiva e menos respeitadora dos direitos individuais,
razão pela qual só se admitia sua utilização em hipóteses excepcionais e, observe -se, que
ainda não se estava cogitando em coleta de material genético, e sim apenas do processo
datiloscópico e fotográfico.

Com a possibilidade, hoje, de se fazer a identificação criminal também através


da coleta de material genético, verifica-se que o legislador desprezou princípios
fundamentais, ensejando uma interferência cada vez maior na esfera privada do
indivíduo.

Além da violação desses preceitos que têm sido respeitados pelo Supremo
Tribunal Federal, a lei chega a ser inconstitucional por ser lacunosa, quando trata do
66

procedimento de antecipação de prova, porque não traça as regras básicas para tal
procedimento e não prevê solução para a recusa do indiciado em fornecer o material
genético.

Com maior gravidade, e aí revelando-se uma verdadeira seleção de “inimigos”


estatais, temos a previsão do art. 3º da mencionada lei, já transcrito a nteriomente que
determina que aqueles que forem condenados por crime praticado dolosamente, com
violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer crime hediondo, serão
submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de
DNA.

Como se vê, aqueles que cometeram os crimes mencionados no art. 3º da Lei


12.654/12, serão obrigados a colher material para se traçar um perfil genético, ou seja,
nos deparamos aqui com uma versão moderna daquilo que em tempos mais remotos
Lombroso logrou fazer, quando, estudando características de indivíduos encarcerados,
quis traçar um perfil dos criminosos da época.

Como se observa, o Estado elegeu os inimigos, aqueles que têm que ser
combatidos a qualquer preço, violando os princípios mais comezinhos que qualquer
Estado que se auto intitule Democrático de Direito deve obedecer.

Ademais, por mais que se avance no campo da ciência, existem aspectos que
interferem diretamente na confiabilidade do procedimento de coleta, tais como o fato de
que, muito embora resistente, o vestígio biológico está sujeito a alterações, mormente
quando de sua manipulação que, como se sabe, submete-se às mais diversas intempéries.

Verifica-se assim que, a pretexto da identificação de acusados, trata-se sim, de


um novo processo de escolha dos inimigos, utilizando-se de material genético para se
construir um banco de dados que permita, antecipadamente, localizar possíveis
destinatários da sanha incriminalizadora do Estado.

Observa-se também, que aos condenados por crime praticado dolosamente, com
violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer crime hediondo, estes serão
submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de
DNA, por técnica adequada e indolor.

Conclui-se então que o condenado não poderá se negar a fornecer material


genético, ante a obrigatoriedade prevista no novel art. 9A da Lei de Execução Penal
introduzido pela Lei nº 12.654/12.
67

Diante desse fato, verifica-se clara a incongruência da norma com o princípio


que garante a possibilidade de não fornecer prova contra si mesmo, decorrência do
próprio direito ao silêncio garantido constitucionalmente no art. 5º, LXIII, como se vê:

Art. 5º.

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de


permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado.”

O direito ao silêncio, como anuncia Pacelli (2013, p.383), tem raízes na Idade
Média e início da Renascença, é a versão do privilege against self-incrimation do
Direito anglo-americano.

Ainda segundo Pacelli (2013, p. 384), esse princípio atua também na tutela da
integridade física do réu, na medida em que autoriza expressamente a não participação
na formação da culpa.

Como bem salienta Silva (2012, p.71), a intervenção corporal demanda a


participação física da pessoa em um procedimento cujo resultado pode ensejar uma
condenação, de maneira que o indivíduo estaria cooperando coercitivamente com uma
atividade conflitante com os seus interesses.

O Supremo Tribunal Federal, no que diz respeito ao princípio da não


autoincriminação, por diversas vezes já considerou legítimo o direito do indiciado de
não contribuir com as investigações, a fim de não produzir provas contra si próprio,
como se vê:

STF HABEAS CORPUS nº 96219/SP

Data de publicação: 15/10/2008

“[...] Em virtude do princípio constitucional que protege qualquer


pessoa contra a autoincriminação, ninguém pode ser constrangido a
68

produzir provas contra si próprio [...], tanto quanto o Estado, em


decorrência desse mesmo postulado, não tem o direito de tratar
suspeitos, indiciados ou réus como se culpados (já) fossem [...]. Tais
consequências ' direito individual de não produzir provas contra si
mesmo, de um lado, e obrigação estatal de não tratar qualquer pessoa
como culpada antes do trânsito em julgado da condenação penal, de
outro ' qualificam-se como direta emanação da presunção de inocência,
hoje expressamente contemplada no texto da vigente Constituição da
República (CF, art. 5º, inciso LVII). Não se pode desconhecer, por
relevante, que a presunção de inocência, além de representar importante
garantia constitucional estabelecida em favor de qualquer pessoa, não
obstante a gravidade do delito por ela supostamente cometido, também
impõe significativa limitação ao poder do Estado, pois impede-o de
formular, de modo abstrato, e por antecipação, juízo de culpabilidade
contra aquele que ainda não sofreu condenação criminal transitada em
julgado. Na realidade, ao delinear um círculo de proteção em torno da
pessoa do réu - que nunca se presume culpado, até que sobrevenha
irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se
instrumento que inibe a opressão estatal e que, condicionado por
parâmetros ético-jurídicos, impõe, ao órgão acusador, o ônus integral da
prova, ao mesmo tempo em que faculta, ao acusado, que jamais
necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender -se e de
questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os
elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público. [...]”.

STF - HABEAS CORPUS HC 77135 SP (STF)

Data de publicação: 06/11/1998

“Ementa: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.


RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO
PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR
PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE
DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa
69

o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV


do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no
sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões
gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser
intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica
configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em
face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a
autoincriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova
capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade
não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde
se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou
proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em
questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que
intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a
escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o
faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um
apressado exame, o CPP , no inciso IV do art. 174 . Habeas corpus
concedido.”

STF - HABEAS CORPUS HC 83096 RJ (STF)

Data de publicação: 12/12/2003

“Ementa: HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 14 DA LEI Nº 6.368


/76. REQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE PERÍCIA DE
CONFRONTO DE VOZ EM GRAVAÇÃO DE ESCUTA
TELEFÔNICA. DEFERIMENTO PELO JUIZ. FATO
SUPERVENIENTE. PEDIDO DE DESISTÊNCIA PELA PRODUÇÃO
DA PROVA INDEFERIDO. 1. O privilégio contra a autoincriminação,
garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de
silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões
vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser
desfavorável. 2. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a
medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio,
70

do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela


autoridade designada para a realização da perícia.”

Depreende-se assim, diante do princípio que veda a autoincriminação, que a


inovação trazida pela Lei nº 12.654/12 que prevê a obrigatoriedade do fornecimento de
material genético, nos moldes como atualmente traçada, há de ser revista, uma vez que
deve prevalecer a autonomia da vontade do condenado.

Ainda analisando a Lei nº 12.654/12, foi trazido para o ordenamento jurídico


brasileiro a possibilidade de se impor àquele que foi condenado por crimes violentos
contra a pessoa, bem como aqueles previstos no art. 1º da Lei de Crimes Hediondos
(8.072/90) a obrigação de fornecer material genético com o fito de traçar seu perfil.

Pois bem, a norma penal em comento, em seu art. 3º já transcrito, exige a coleta
de material genético de indivíduos que já se submeteram a um processo judicial,
sofreram uma condenação definitiva, não havendo nada mais a se provar, lo go, indaga-
se com que intuito o Estado o obriga a fornecer material para que se trace seu perfil
genético? A resposta que se revela mais plausível é a de que referido material por certo
será utilizado em processo-crime futuro!!!!!

Como se observa, não bastasse a ofensa patente à autonomia privada do


condenado, a partir do momento em que é obrigado a fornecer material genético contra
sua vontade quando já não há mais processo tramitando, ou seja, não há nada mais a se
apurar ante a existência de decisão condenatória definitiva, a coleta de material se
constitui em flagrante prova pré-constituída a ser utilizada em processo ainda
inexistente.

A Constituição Federal em seu art. 5º, LVII, dispõe que ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, erigindo
como direito fundamental o de ser presumidamente inocente aquele que ainda não tem
contra si uma sentença penal condenatória. Trata-se, no dizer de Avena (2012, p. 27), de
um desdobramento do devido processo legal, consagrando-se como um dos mais
importantes alicerces do Estado de Direito.

A partir do momento em que conste num banco de dados informações sobre


indivíduos já condenados, por certo que futura utilização dessas informações gerará uma
71

efetiva presunção de culpabilidade, o que não se coaduna com um Estado Democrático


de Direito.

Nota-se pelo exposto e sem a necessidade de maiores digressões, que a Lei nº


12.654/12, tal como atualmente configurada, apresenta-se como uma norma violadora de
princípios, entre os quais e de maneira mais aparente o da dignidade da pessoa humana,
da presunção de inocência e o “Nemo tenetur se detegere” que impõe que o indivíduo
tem o direito de não contrair prova contra si mesmo, bem como viola a própria
autonomia da vontade.

Observa-se também que o novo diploma traz lacunas em seu bojo que merecem
ser sanadas, tais como a inexistência de regulação em caso de eventual recusa do
fornecimento do material genético por parte do condenado, além de se afigurar
extremamente desproporcional quando confrontada com determinados tipos penais
praticados sem violência ou grave ameaça.

Ora, posta da forma como o foi, revela-se a Lei nº 12.654/12 como um flagrante
exemplo de um direito penal simbólico, sendo ilógico conceber por parte do Estado que,
na busca de promover uma falsa sensação de segurança para a sociedade, que se utilize
de meios que violem a intimidade do cidadão, sua honra, sua imagem, seu direito de não
ser considerado um não cidadão.

Na forma em que se apresenta, se revela atentatória à dignidade da pessoa


humana, e por ser desproporcional ao submeter todos os condenados por crimes
hediondos e crimes dolosos violentos, de maneira genérica, à coleta de material
genético, apresenta-se como uma norma que mais condiz com Estados Totalitários, que
acabam por eleger seus próprios inimigos.

Não se trata de negar, absolutamente, a possibilidade de utilização de padrão


genético em processo criminal, mas sua admissão deve lastrear-se na excepcionalidade
da medida, na preferência pela obtenção de material sem violar o nemo tenetur se
detegere e na regulamentação das consequências quando houver recusa, como, aliás,
com especial clareza, nos ensina Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:

No momento, basta assinalar que, diante do direito posto, especialmente


da Convenção Americana, recepcionada como norma fundamental, não
há espaço para permitir-se a intervenção corporal destinada a extrair
72

compulsoriamente material biológico de investigados ou de réus”


(CARVALHO, 2014. p. 103).

4.2.4.2 – A Lei nº 12.850/13 e a ofensa a garantias constitucionais

O novel Diploma – Lei 12.850/13 – revogou a lei que regulava a utilização de


meios operacionais para o combate às denominadas organizações criminosas. E mais,
inseriu elementos para a caracterização da conduta criminosa prevista na Lei 12.694/12,
promovendo outras inovações, como se verá adiante.

A Lei nº 12.850/13 inseriu no ordenamento jurídico instrumentos que interferem


na privacidade do cidadão, sob o fundamento de combater as denominadas organizações
criminosas.

Em seu art. 3º, vislumbra-se o seguinte:

DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Art. 3 o Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem


prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção
da prova:

I - colaboração premiada;

II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;

III - ação controlada;

IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados


cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a
informações eleitorais ou comerciais;

V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos


da legislação específica;

VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da


legislação específica;
73

VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma


do art. 11;

VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais,


estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da
investigação ou da instrução criminal.

Infere-se do supratranscrito art. 3º que a Lei nº 12.850/13 deixou para a legislação


específica a regulamentação de interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas,
inclusive o aspecto atinente à quebra dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, sendo que
os demais instrumentos investigatórios previstos serão regulados pela própria lei, sem
prejuízo da legislação existente.

A lei sob ótica prevê que é dispensável a autorização judicial para que o
Ministério Público e o delegado de polícia tenham acesso a dados cadastrais do
investigado que se refiram exclusivamente à sua qualificação pessoal, filiação e
endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras,
provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, como se observa:

Art. 15. O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso,


independentemente de autorização judicial, apenas aos dados
cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação
pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral,
empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e
administradoras de cartão de crédito.

E é justamente neste ponto que surge relevante questionamento acerca dos limites
relativos à privacidade do indivíduo investigado, emergindo daí duas vertentes, quais
sejam: a preservação da esfera íntima da pessoa, e a outra, a utilização de instrumentos
que, embora possuam suporte legal, relativizam mencionado direito.

De início, salutar ressaltar os dizeres de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de


Carvalho (2014, p.89), em sua obra Processo Penal e Constituição, quando afirma que a
quebra de sigilos constitucionais só poderia ocorrer por ordem fundamentada da
autoridade judiciária, logo, permitir o acesso a essas fontes por outras autoridades sem a
necessidade de recorrer ao Judiciário, já se revela, a priori, temerário.
74

Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, por exemplo,


contrário à requisição de informações fiscais por parte do Ministério Público, como se
vê no julgamento do HC 160.646/SP de 19/9/2011, abaixo transcrito:

“HABEAS CORPUS . QUEBRA DE SIGILO FISCAL REALIZADA


DIRETAMENTE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE
CÓPIAS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA SEM
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE DA PROVA.
DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. Considerando o artigo 129, inciso VI, da Constituição


Federal, e o artigo 8º, incisos II, IV e 2º, da Lei Complementar 75/1993,
há quem sustente ser possível ao Ministério Público requerer,
diretamente, sem prévia autorização judicial, a quebra de sigilo
bancário ou fiscal.

2. No entanto, numa interpretação consentânea com o


Estado Democrático de Direito, esta concepção não se mostra a
mais acertada, uma vez que o Ministério Público é parte no processo
penal, e embora seja entidade vocacionada à defesa da ordem jurídica,
representando a sociedade como um todo, não atua de forma totalmente
imparcial, ou seja, não possui a necessária isenção para decidir sobre a
imprescindibilidade ou não da medida que excepciona os sigilos fiscal e
bancário.

3. A mesma Lei Complementar 75/1993 - apontada por


alguns como a fonte da legitimação para a requisição direta
pelo Ministério Público de informações contidas na esfera
de privacidade dos cidadãos - dispõe, na alínea a do inciso XVIII do
artigo 6º, competir ao órgão ministerial representar pela quebra do
sigilo de dados.

4. O sigilo fiscal se insere no direito à privacidade


protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do artigo 5º da Carta
Federal, cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão
pela qual, para que se mostre legítima, se exige a demonstração ao
Poder Judiciário da existência de fundados e excepcionais motivos que
justifiquem a sua adoção.
75

5. É evidente a ilicitude da requisição feita diretamente


pelo órgão ministerial à Secretaria de Receita Federal, por meio da qual
foram encaminhadas cópias das declarações de rendimentos do paciente
e dos demais investigados no feito.

6. Conquanto sejam nulas as declarações de imposto de


renda anexadas à medida cautelar de sequestro, não foi juntada
ao presente mandamus a íntegra do mencionado
procedimento, tampouco o inteiro teor da ação penal na qual a citada
documentação teria sido utilizada, de modo que este Sodalício não pode
verificar quais “provas e atos judiciais” estariam por ela contaminados,
exame que deverá ser realizado pelo Juízo Federal responsável pelo
feito.

7. Ordem concedida para determinar o desentranhamento


das provas decorrentes da quebra do sigilo fiscal realizada
pelo Ministério Público sem autorização judicial, cabendo
ao magistrado de origem verificar quais outros elementos de convicção
e decisões proferidas na ação penal em tela e na medida cautelar de
sequestro estão contaminados pela ilicitude ora reconhecida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros


da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a
ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson
Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

SUSTENTOU ORALMENTE: DRA. CAMILA JORGE


TORRES (P/ PACTE)

Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (Data do Julgamento).”

Recentemente o art. 15 da Lei nº12.850/12 que prevê a desnecessidade de


autorização judicial para acesso aos dados bancários por parte do delegado de polícia e
do Ministério Público foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade por parte da
ACEL – Associação Nacional das Operadora de Celular (LINK), na qual aponta-se
76

vício, uma vez que além de ofender a intimidade do cidadão, o acesso a tais dados seria
matéria atinente a reserva de jurisdição.

A pré-falada ADIN 5063 20 encontra-se ainda em andamento, contudo, já conta


com parecer pugnando pela sua improcedência firmado pelo Procurador Geral da
República Rodrigo Janot.

Ocorre, entretanto, que em data de 24 de fevereiro de 2016, o Plenário do Supremo


Tribunal Federal concluiu o julgamento conjunto de cinco processos que questionavam
dispositivos da Lei Complementar nº 105/2001, que permitem à Receita Federal receber
dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização
judicial21.

Dos onze Ministros, nove votaram no sentido de que a norma não resulta em quebra de
sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas
protegidas contra o acesso de terceiros.

O STF considerou que a transferência de informações dos bancos ao Fisco, não viola a
Constituição Federal.

Observa-se assim, que mesmo que ainda não tenha havido o julgamento da ADI
nº 5063, o posicionamento do STF já se revela claro no sentido de não enxergar ofensa a
direito individual o acesso a dados bancários por parte de determinadas autoridades.

Muito embora tenha havido essa mudança de entendimento por parte do Supremo
Tribunal Federal, que em momento anterior comungava com o entendimento de que o
acesso a esse tipo de dado dependeria de autorização judicial, o que se observa é que
direitos constitucionalmente garantidos como o é o sigilo bancário, muito embora não
seja absoluto, sua quebra depende do preenchimento de pressupostos legais, como
esclarece Carvalho (2014, p. 92), asseverando ainda que o sigilo bancário é considerado
parte integrante do direito à intimidade.

O acesso a tais dados, sem a consequente autorização judicial, ban aliza essa
espécie de prova, ferindo direito que possui tutela constitucional, qual seja, a vida
privada, a intimidade.

20
http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4494216
21
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670
77

É necessário que a quebra do sigilo bancário se dê de forma legítima, sendo


indispensável que se recorra ao juiz pleiteando tal medida, não somente quando se tratar
de organizações criminosas, como em qualquer outra situação que se revele necessária.

Resumindo a situação em comento, Carvalho (2014, p. 111), com peculiar


sutileza, revela-nos o limite que deve existir entre a preservação da intimidade do
cidadão e o acesso a informações que subsidiarão as investigações:

O que vai dar contorno, limite, peso e profundidade a tais direitos são as
regras que vão se superpondo para diminuir ou aumentar a densidade do
princípio. Se tais regras estiveram de acordo com a Constituição, são
legítimas e devem ser aplicadas mesmo para restringir o princípio. Se
estiveram em desacordo com a Constituição, se forem desarrazoadas,
são ilegítimas e não devem ser aplicadas.

Pois bem, o acesso indiscriminado a informações sigilosas ofende a intimidade do


cidadão, direito consagrado constitucionalmente, logo, o texto da lei em comento revela -
se norma condizente com a teoria que Jakobs propugna.

4.3 – O Direito Penal do Inimigo diante do Estado de Direito

Francisco Munoz Conde (2012, p. 66) afirma que a tese de Jakobs sobre direito
penal do inimigo é uma construção valorativamente ambígua, válida tanto para um
sistema democrático, como para um sistema totalitário.

Ainda para Conde (2012, p. 67), a análise deve se situar em um determinado


contexto sociopolítico e responder, a partir desse contexto, a duas questões básicas. A
primeira a de definir quem é o inimigo, e a segunda, se é compatível com o Estado de
Direito e com o reconhecimento a todos, sem exceções, dos direitos fundamentais que
correspondem ao ser humano pelo fato de serem considerados inimigos.
78

Analisando essas ponderações que, frise-se, não é só do supracitado autor, mas de


todos aqueles que são contrários à teoria de Jakobs, vê-se que a primeira, de certo modo
foi debatida anteriormente quando tratamos do complexo conceito de inimigo, razão
pela qual devemos nos ater, neste momento, ao segundo questionamento.

Pois bem, talvez respondendo à indagação, Jakobs assim acentua:

Um direito penal do inimigo, claramente delimitado, é menos perigoso,


desde a perspectiva do Estado de Direito, que entrelaçar todo o Direito
penal com fragmentos de regulações próprias do direito penal do
inimigo. (JAKOBS, 2007, p. 49-50)

O que se observa, e isso não se nega, é a presença de um direito penal do inimigo


em alguns países, entre os quais os mais representativos e poderosos da comunidade
internacional, dos direitos fundamentais e dos princípios do Estado de Direito. (CONDE,
2012, p. 29).

Chega-se à conclusão, diante do referenciado acima, de que a discussão acerca da


legitimidade do direito penal do inimigo dentro de um Estado de Direito é assente e
recorrente até os dias atuais.

4.3.1 – O Estado Democrático de Direito como garantidor dos direitos humanos

“O Estado de direito é um Estado de direitos fundamentais”


(CANOTILHO, 1999, p. 19)

A origem dos direitos humanos passa pela análise de pelo menos duas teorias que
se revelam aptas a descreve-la, quais sejam: a jusnaturalista e a positivista.

Para a teoria jusnaturalista os direitos humanos são inerentes ao ser humano e, em


virtude disso, nascem com a própria humanidade. Os jusnaturalistas idealizam como
algo natural, de origem divina.
79

Como esclarece Pagliuca (2010, p. 18), analisando o pensamento jusnaturalista,


afirma que os direitos humanos são próprios da criação do indivíduo, não sendo,
portanto, suscetíveis de relativizações.

Para a teoria positivista, os direitos humanos seriam aqueles que a lei cria.
Segundo Pagliuca (2010, p. 18), esses direitos não são considerados como próprios a
todo ser humano, mas concedidos e garantidos pelo estado de forma institucionalizada.

Feita essa análise, e analisando o Estado de Direito nas sábias palavras de


Canotilho (1999, p. 4), nós tem que é um Estado ou uma forma de organização político-
estadual cuja atividade é determinada e limitada pelo direito. Prossegue o mesmo autor
afirmando que Estado de não direito, por outro lado, seria aquele em que o poder
político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos
uma esfera de liberdade ante o poder protegida pelo direito.

Para Canotilho (1999, p. 4), para que se entenda o Estado de Direito, é necessário
antes de mais nada entender o seu contrário, ou seja, o Estado de não direito, expondo
como suas principais características:

Três ideias bastam para o caracterizar: (I) é um Estado que decreta leis
arbitrárias, cruéis ou desumanas; (2) é um Estado em que o direito se
identifica com a «razão do Estado» imposta e iluminada por «c hefes»;
(3) é um Estado pautado por radical injustiça e desigualdade na
aplicação do direito. Explicitemos melhor estas três ideias. «Estado de
não direito» é aquele em que existem leis arbitrárias, cruéis e
desumanas que fazem da força ou do exercício abusivo do poder o
direito, deixando sem qualquer defesa jurídica eficaz o indivíduo, os
cidadãos, os povos e as minorias. Lei arbitrária, cruel e desumana é, por
exemplo, aquela que permite experiências científicas impostas
exclusivamente a indivíduos de outras raças, de outras nacionalidades,
de outras línguas e de outras religiões.

Partindo dessa ideia de Estado de não direito, e ainda seguindo as orientações de


Joaquim José Gomes Canotilho (1999, p. 10), temos que Estado de Direito seria:

O Estado domesticado pelo direito é um Estado juridicamente vinculado


em nome da autonomia individual ou, se se preferir, em nome da
autodeterminação da pessoa. É a autonomia individual que explica
alguns dos postulados nucleares do Estado de direito de inspiração
germânica. Desde logo, o Estado de direito, para o ser verdadeiramente,
tem de assumir-se como um Estado liberal de direito. Contra a ideia de
um Estado de polícia que tudo regula a ponto de assumir como tarefa
80

própria a felicidade dos súbditos, o Estado de direito perfila-se como


um Estado de limites, restringindo a sua acção à defesa da ordem e
segurança públicas. Por sua vez, os direitos fundamentais liberais ─ a
liberdade e a propriedade ─ decorriam do respeito de uma esfera de
liberdade individual e não de uma declaração de limites fixada pela
vontade política da nação. Compreende-se, assim, que qualquer
intervenção autoritária sobre os dois direitos básicos ─ liberdade e
propriedade ─ estivesse submetida à existência de uma lei do
parlamento.

E não para por aí, não basta apenas que seja um Estado devidamente limitado
pelo direito, é necessário que seja uma ordem de domínio legitimada pelo povo, a
estruturar-se como um verdadeiro “Estado Democrático de Direito”.

O Estado Democrático de Direito caracteriza-se assim, de um lado, como


limitador do poder político e, de outro, como garantidor dos direitos fundamentais.

Nota-se assim, que a ideia de direitos humanos está ínsita na de Estado de Direito,
como nos revela Canotilho (1999, p. 12), afirmando que Estado de Direito é o Estado
que respeita e cumpre os direitos do homem consagrados nos grandes pactos
internacionais (exemplo: Pacto Internacional de Direitos Pessoais, Civis e Políticos;
Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais), nas gra ndes
declarações internacionais (exemplo: Declaração Universal dos Direitos do Homem) e
noutras grandes convenções de direito internacional (exemplo: Convenção Europeia dos
Direitos do Homem), e não encerra aí, prossegue nos falando que a vinculação do
Estado pelo direito internacional é, em alguns Estados, de tal forma intensa que leva as
próprias constituições internas a proclamarem o direito internacional como fonte de
direito de valor superior à própria Constituição (exemplo: Holanda e Áustria).

O Estado Democrático de Direito surge assim como instituição preservadora dos


bens passíveis de tutela jurídica, e como tal, como ente que busca efetivar os direitos
humanos.

4.3.2 – A (In) compatibilidade do Direito Penal do Inimigo de Jakobs com o Estado


Democrático de Direito
81

Os seres humanos são tão capazes de comportamentos perversos como


de imaginar e institucionalizar direitos humanos.” (GALLARDO, 2014,
p. 26).

O respeito aos direitos fundamentais do indivíduo revela a própria ideia nuclear


do Estado Democrático de Direito.

Alberto Silva Franco prefaciando a obra de Zaffaroni (2015, p.20) afirma que
num Estado Democrático de Direito, a intervenção penal não poderia ter uma dimensão
expansionista, ou seja, deveria ser necessariamente mínima, tendo por missão a defesa
dos direitos humanos.

Dito isto, e considerando as características propostas por Günther Jakobs em sua


teoria do direito penal do inimigo, observa-se flagrantemente que ela não se coaduna
com um Estado de Direito, sendo mais condizente com Estados Totalitários, como, aliás,
denunciam seus antecedentes históricos.

Exemplos flagrantes de Estados de não direito foram o Nazismo e o Fascismo, em


que os direitos fundamentais foram desprezados, cedendo lugar a interesses dos
governantes. O direito penal do inimigo encontra berço na história nesses regimes, em
que indivíduos perdiam o status de pessoa e passavam a ser alvo de uma política
criminal insana, sem qualquer resquício de humanidade.

O famoso penalista alemão Mezger, já acenava na década de 40 a possibilidade


de existência de um direito penal com característica daquele vivenciado na Alemanha
nazista, como se vê:

No futuro haverá dois (ou mais) “Direitos Penais”: um Direito Penal


para a generalidade (no qual em essência continuarão os princípios
vigentes até agora), e um Direito Penal (completamente diferente) para
grupos especiais de determinadas pessoas, como, por exemplo, os
delinquentes por tendência. O decisivo é em que grupo deve ser incluída
a pessoa em questão ... Uma vez que se realize a inclusão, o “ Direito
Especial” (isto é, a reclusão por tempo indefinido) deverá ser aplicado
sem limites. E desde esse momento carecem de objeto todas as
diferenciações jurídicas... Esta separação entre diversos grupos de
82

pessoas me parece realmente nova (estar na nova Ordem; nela se radica


um “novo começo”). (MEZGER apud CONDE, 2012, p. 61).

Cristiano Falk Fragoso (2015, p. 122), em sua obra Autoritarismo e Sistema


Penal também vê na Alemanha nazista exemplos de normas penais de cunho autoritário,
citando por exemplo as leis que criminalizavam o casamento e relações sexuais entre
judeus e alemães.

Verifica-se assim, como bem ressalta Zaffaroni (2006, p. 144), que o conceito de
inimigo nunca é compatível com um Estado de Direito nem com os princípios do
liberalismo político.

O estado de direito concreto de Jakobs, para Zaffaroni (2006, p. 163), deste


modo, torna-se inviável, porque seu soberano, invocando a necessidade e a emergência,
pode suspendê-lo e designar como inimigo quem considerar oportuno, na extensão que
lhe permitir o espaço de poder de que dispõe.

Fica claro que esse tipo de política de eleger ao bel-prazer de poucos, aqueles que
serão considerados inimigos, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito.

Resta cristalino que se analisados os escopos que fundamentam um Estado de


Direito, o direito penal do inimigo não teria guarida nesse modelo de Estado.

Magistralmente Zaffaroni (2006, p. 173), pontua:

O direito penal de garantias é inerente ao Estado de Direito, porque as


garantias processuais penais e as garantias penais não são mais do que o
resultado da experiência de contenção acumulada secularmente e
constitui a essência da cápsula que encerra o Estado de Polícia, ou seja,
são o próprio Estado de Direito.

E prossegue:

Numa perspectiva dinâmica, o direito penal do Estado de Direito não


pode cometer a ingenuidade de ceder um espaço e menos ainda, o seu
instrumento orientador ao Estado de polícia, confiando em que este se
mantenha neste âmbito acordado e compartimentalizado.
(ZAFFARONI, 2006, p. 173).
83

Por óbvio que o objetivo primordial de um Estado Democrático de Direito é a


preservação dos direitos humanos, logo, um direito penal nos moldes pensados por
Jakobs acaba por desvirtuar essa finalidade.

Nas sábias palavras de Shecaria e Correa Jr.(2002, pags. 8/9), se se trata de um


Estado Social e Democrático de Direito, que representa a fusão entre o Estado Liberal e
o Estado Social, a que se acrescenta uma terceira característica – a democracia –, não há
cogitar de sanção penal desregrada, arbitrária, sem limites.

A Carta Magna de todo Estado que se intitule Democrático de Direito prevê em


seu bojo direitos fundamentais e uma gama de instrumentos que visa garanti -los, sendo
que esse fato se apresenta como um verdadeiro sistema de limitação de abusos estatais
que visem, inclusive através do direito penal, ferir tais direitos.

Norberto Bobbio, prefaciando a obra de Luigi Ferrajoli (2014, p. 7), sobre a


Teoria do Garantismo Penal, afirma que a aposta é alta, referindo-se à elaboração de um
sistema geral de garantismo ou, se preferir, a construção de vigas -mestras do Estado de
Direito que tem por fundamento e por escopo a tutela da liberdade do indivíduo contra
as várias formas de exercício arbitrário do poder, particularment e odioso no direito
penal.

Um Estado efetivamente de Direito não pode admitir instrumentos próprios de um


Estado de não direito 22. Gallardo (2014, p. 26), com propriedade afirma que na América
Latina, e talvez no mundo todo, vivemos, como se fosse normal, um simulacro 23 de
direitos humanos.

Gallardo (2014, p. 26) ainda afirma:

No âmbito político, por exemplo, a guerra permanente por prevenção,


decidida pelos Estados Unidos contra o terrorismo em setembro de
2001, representa, com o apoio dos meios de comunicação de massa, os
terroristas e seus aliados não como seres humanos, mas como animais
ou, pior, como não pessoas.

22
Nas palavras de Canotilho, Estado de não direito, por outro lado, seria, aquele em que o poder político se
proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de liberdade ante o poder
protegida pelo direito (1999, p. 4).
23
Simulacro, do latim simulacrum, é uma imitação, falsificação ou ficção. O conceito está associado à
simulação, que é a acção de simular. Disponível em: Conceito de simulacro - O que é, Definição e
Significado http://conceito.de/simulacro#ixzz3y7uJ0cw7
84

Ferrajoli (2014, p. 328) assevera que o fundamento político ou externo do


moderno Estado de direito tem, com efeito, a função de garantia dos direitos
fundamentais.

Fica, com tudo isso, clara a ideia de que, normas com características tal como
aquelas idealizadas por Jakobs acabam, pelo menos para muitos jusfilósofos de peso
como os citados neste trabalho, sendo incompatíveis com o Estado de Direito, sendo
condizentes com aquilo que Canotilho chamou de Estado de não direito, representando
verdadeiro simulacro de direitos humanos, nas palavras de Helio Gallardo.
85

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade contemporânea assustada com o aumento da criminalidade, vivencia


um momento de hiperinflação legislativa em matéria penal, e esse fato decorre de várias
causas, em especial pelas novas condutas ilícitas que surgiram juntamente com a
ascensão do fenômeno da globalização econômica, o que ensejou a criação de novos
tipos penais, bem como o incremento de outros já existentes, assim como em virtude de
outros fatores como já destacado.

Antes de mais nada, é necessário esclarecer que, apesar de vários doutrinadores


afirmarem que houve uma mudança paradigmática no âmbito do direito penal,
asseverando que a dogmática empunhada pelo direito penal iluminista foi
gradativamente, na atual sociedade de risco, dando lugar a um direito penal menos
garantista e menos respeitador dos princípios que informam esse ramo, essa afirmação
não corresponde à realidade, haja vista que o alicerce do direito penal clássico e do
direito penal denominado de terceira velocidade é o mesmo, ou seja, ambos tem clara
base contratualista.

Ora, o direito penal liberal desde seu nascedouro reflete interesse de determinada
ou determinadas classes, o que, por vezes, acabou por despejar seu lado mais sombrio
sobre as classes menos favorecidas, sendo nítida a distinção entre as normas destinadas
às classes detentoras do poder, e aquelas dirigidas aos marginalizados, estava, portanto,
o direito penal mais “severo” ainda oculto, tendo ele, nos dias de hoje, sido
descortinado.

O que de fato se verificou nesses tempos modernos foi uma mudança no escopo
principal do direito penal, ou seja, esse ramo foi paulatinamente deixando de ter como
foco principal a pacificação social, abandonando seu caráter instrumental, elegendo a
proteção da norma como sua função primordial.

Essa situação ocasionou mudanças nas políticas criminais proclamadas


hodiernamente, quando vemos o Legislativo editar normas com acentuado caráter
86

simbólico, dando, pelo menos em tese, o remédio que a sociedade esperançosa e crente
na solução dos problemas ligados ao crime, anseia.

Foi dentro desse contexto que surgiu a teoria idealizada por Günther Jakobs, o
Direito Penal do Inimigo, tendo como substrato principal garantir a eficácia do
ordenamento jurídico.

A ideia de Jakobs é que se faz premente existir dentro de uma mesma realidade,
duas espécies de direito penal, um com normas destinadas ao cidadão, e outro com
normas dirigidas àquele que denomina inimigo.

O cidadão para Jakobs, destinatário do direito penal mais brando, seria aquele
delinquente não contumaz, que esporadicamente pratica delitos, para o qual seriam
mantidas todas as garantias previstas no ordenamento. Por outro lado, para o inimigo,
caracterizado este, com base nos filósofos contratualistas, como aquele indivíduo que
coloca em perigo o contrato social, que atenta contra a existência do Estado, seriam
destinadas normas menos respeitadoras dessas garantias, mais cruéis, visando manter
protegido o sistema jurídico.

A ideia de Jakobs, no que concerne às normas destinadas ao inimigo, como se


observou, é de antecipação da tutela punitiva, diminuição ou supressã o das garantias
constitucionais e processuais, bem como de criação de penas mais severas e desumanas.

Acontece, entretanto, que a incorporação desregrada de normas com caracteres de


um direito penal do inimigo, revela-se, pelo menos para os defensores de um direito
penal mínimo, por diversos fatores, incompatível com um Estado de Direito, protetor do
mínimo de dignidade do ser humano.

A ideia de um Estado com poder para eleger, ao seu bel-prazer, aqueles que serão
considerados inimigos, apresenta-se como um perigo sem precedentes, emergindo a
partir daí perguntas que permanecem sem respostas, quais sejam: como serão ditados os
critérios para caracterizar o inimigo? Esses critérios serão modificados com a mudança
de governantes? O cidadão de hoje poderá ser o inimigo de amanhã?

É óbvio que, pelo menos por hora, não existe um critério infalível de eleição de
inimigos. Se para a sociedade moderna o inimigo é o terrorista, o traficante de pessoas,
de órgãos, o estuprador, entre outros, amanhã poderá ser o ladrão de galinha, o motorista
embriagado, o batedor de carteiras!!!!
87

Uma outra situação que também revela um nítido caráter de norma condizente
com Estados Totalitários, é a de que o direito penal do inimigo clama por uma
antecipação da punição estatal, criminalizando condutas que ainda não entraram na fase
de execução, bem como cria crimes de duvidosa constitucionalidade, como se revelam
os delitos de perigo abstrato, violadores do princípio da ofensividade, haja vista que
punem condutas que sequer chegaram a lesar bens jurídicos.

A existência de penas cruéis desde muito tempo já era repugnável, que nos diga
Beccaria. O próprio cárcere por si só já se apresenta atentatório à dignidade humana,
quiçá, rechear o ordenamento com penas ainda mais degradantes como propõe a teoria
do direito penal do inimigo. Admitir isso, é o mesmo que abandonar o contrato social e
retroagir ao estado de natureza.

Em que pese tudo que até esse momento foi dito, que tornaria normas desse jaez
irremediavelmente incompatíveis com um Estado Democrático de Direito, temos que
nos atentar para a realidade que nos cerca, ou seja, em vários países, mormente aqueles
mais representativos na defesa dos direitos humanos, possuem no bojo de seus
ordenamentos leis com características presentes na teoria de Jakobs, como podemos citar
os Estados Unidos da América com o pacote legislativo para combate ao terrorismo
editado após o 11 de setembro de 2001, como também, e em especial, aqui no Brasil, a
exemplo das Leis nºs. 12.654/12 e 12.850/13.

Diante desse fato, notamos que na verdade o alemão Günther Jakobs apenas
constatou algo que já existia, ou seja, o direito penal do inimigo já permeava vários
ordenamentos jurídicos. Verifica-se, então, ao se discutir a legitimidade de normas com
esse aspecto dentro de um Estado Democrático de Direito, que a questão primordial é
apurar limites para a aplicação de um direito penal mais severo, tendo em vista que,
como dito, essas normas de exceção já estão inseridas no sistema jurídico, às vezes de
forma oculta, outras vezes de forma mais aparente.

Por óbvio que um indivíduo que abandona o pacto social firmado, que opta por
não se valer de suas benesses, deve receber um tratamento mais grave, isso é próprio de
um Estado de Direito tratar os desiguais desigualmente. Não seria isonômico, muito
menos justo, punir com o mesmo rigor aquele cidadão que por uma infelicidade praticou
um crime, da mesma forma que um criminoso contumaz, não se revelaria proporcional.
88

Ocorre, entretanto, que o estabelecimento de critérios para essa diferenciação não


pode ser político, mas sim jurídico, ou seja, o direito penal não pode ser objeto de
manobra eleitoreira, bem como não pode se revestir de caráter simbólico.

Se aparentemente é inevitável a convivência com normas desse tipo, ante o atual


estágio que a criminalidade alcançou, é necessário traçar limites bem claros para sua
edição, impondo regras que impeçam a flexibilização de garantias ou criação de penas
mais severas do que as já existentes.

Se é fato que o direito penal do inimigo nos exatos termos previstos por Jakobs é
digno de Estados Totalitários, não pode se conceber que esse tipo de norma exista de
forma oculta em ordenamentos jurídicos de Estados Democráticos de Direito. Logo, é
necessário, respeitando os direitos humanos, que se dê proporcional àquele que se impõe
de forma veemente contra o Estado praticando crimes, sem, todavia, afastar sua
condição de pessoa.
89

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