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Finisterra, XVII, 55-56, 1993, pp. 73-100 DESENVOLVIMENTO REGIONAL E INDUSTRIA DE ALTA- -TECNOLOGIA: UM ESTUDO DAS DINAMICAS LOCATIVAS) G. B. BENKO® O estudo dos mecanismos determinantes da localizagao industrial constituiu desde sempre uma das principais preocupagdes em geogra- fia econémica. A partir da década de 70, as questées referentes a localizagio industrial adquiriram uma nova dimens&o: a rapidez das mudangas tecnoldégicas e a aceleragéo dos processos de inovagio deram origem ao aparecimento de novas actividades, nao se conhe- cendo bem a sua légica de organizacio espacial. Para melhor se compreenderem esses mecanismos é necessario levar em linha de conta algumas questies tedricas focadas em traba- Ihos recentes, onde se colocam em evidéncia, por um lado, as novas tendéncias de organizacio das actividades no espago e, por outro lado, as dificuldades das teorias de localizagao na andlise dos processos em curso. De acordo com Philippe Aydalot, a estrutura territorial dos paises ocidentais transformou-se e os mecanismos que justificavam a estrutura espacial no passado parecem incapazes de a explicar no presente. A localizagio de uma actividade é um problema crucial para qualquer empresdrio, pois dela dependem directamente os custos de produgio. No entanto, as autoridades locais, bem como o Estado, preocupam-se com esta quest&o, fundamentalmente pela responsabi- lidade que detém no ordenamento do terri (1) No original "Développement Régional et Industrie de Haute-Technologie: une étude sur les localisations''. Tradugiio de Mario Vale, (2) Maitre de Conférences de Géographie, Département de Géographie, Université de Paris |- Panthéon Sorbonne, 191, rue Saint-Jacques, 75005 PARIS, FRANCE, Tel: (33-1) 43 267161 Fax: (33-1) 43 25 45 35 74 A problematica da localizagdo industrial tem suscitado leituras diversificadas. Um dos primeiros enfoques enfatiza os trabalhos empi- ricos, nos quais se procura caracterizar as concentragdes de activi- dades, as especializagées territoriais ou a associag4o de caracteristicas em espacos diferenciados. Foi igualmente possivel construir uma teoria geral no Ambito das interdependéncias locativas. Trata-se, essencialmente, de determinar as normas de localizagéo de uma em- presa que procura maximizar os seus lucros em fungao de decisdes individuais. Assim, as (teorias cléssicas vado determinar — segundo o principio da localizagao dptima associada aos custos dos transportes —, os factores levados em linha de conta pelas empresas no processo de decisfo de implantacao. Os elementos tidos como principais sao: os custos relativos de obtengio de matérias-primas, aqueles que concer- nem ao acesso ao mercado e, finalmente, os custos diferenciados do trabalho, aos quais se acrescentam os factores de aglomeracao e as economias externas. De acordo com estas teorias, as empresas determinam entdo a sua localizagéo em fungao das vantagens comparativas de cada espaco, avaliadas segundo os factores mencionados. O conjunto destas teorias pode-se qualificar como teorias de localizagéo "weberianas', uma referencia ao nome do fundador da andlise te6rica, Alfred Weber (1909), constitui o ponto de partida de um ntimero significativo de reflexes jd quase ha um século. Todavia, os estudos geograficos da localizagao industrial, quer de Ambito global quer parcial, siio essencialmente descritivos e condu- zem A construgio de tipologias ou A enumeragao de factores que se apoiam prontamente na diversidade dos casos particulares. A auséncia de um esquema tedrico de referéncia suficientemente rigoroso nao permite colocar em evidéncia a articulagdo desses factores, nem inte- grar os resultados noutros modelos mais gerais. O objectivo da teoria de localizagio é o de fornecer uma explicag’o da organizagao espacial das empresas, de identificar as varidveis que determinam a localiza- ¢fio e de apresentar solugées analiticas. Deve também fornecer respos- tas detalhadas As numerosas quest6es que dizem respeito 4 separagdo espacial das empresas, 4 influéncia do ambiente, etc. As abordagens mais ambiciosas procuram analisar as leis que presidem ao equilfbrio espacial das empresas. 75 Os conhecimentos teéricos actuais sao insuficientes e a teoria da localizac%o encontra-se em crise, a concepgio “weberiana” perdeu o seu interesse e, principalmente, nao é satisfatéria na andlise do com- portamento industrial contemporaneo. Ademais, as novas teorizagdes pos-weberianas na&o tém feito sendo timidamente a sua aparigdo, essencialmente nos pafses anglo-saxénicos. Examinemos os grandes eixos das teorias que procuram explicar 0 nascimento e implantagiio geografica dos novos espagos industriais. A teorizagio actual pode separar-se em duas grandes familias: uma pri- meira série reagrupa trés tendéncias teéricas. Em primeiro lugar, trata-se de investigar os factores de localizagao exdgena, especificos As industrias de alta-tecnologia, condicionando a implantagao e o desenvolvimento destas indistrias numa determinada regido. A segunda tendéncia desenvolve-se em torno da ideia de R. VERNON (1966), a teoria do ciclo de vida do produto, enquanto a terceira estuda o "meio inovador" (AYDALOT), designado também por "complexo territorial de inovagio" (STOHR), concentrando-se sobre as condigées geograficas que favorecem a emergéncia dos sectores de alta-tecnologia. Estes tedricos tiveram grande sucesso nos anos 70 e 80, através das suas descrigdes sistemdticas e minuciosas da expansfo de novos ramos industriais no tempo € no espago. Quadro 1: Classificago das teorias de localizagao das indistrias de alta-tecnologia A/Teorias parciais B/Teoria global A.1.— Enumeragiio de factores Organizagao industrial A.2.— Teoria do ciclo de vida do produto Mercado de trabalho: A33.— Complexos territoriais de inovagio Economias ¢ deseconomias de aglomeragao Contudo, alguns investigadores procuraram ir mais longe ao formularem uma teoria mais geral, interpretando os mecanismos e os processos globais da evolugio geo-econdmica do capitalismo contemporaneo (SCOTT, WALKER, STORPER, CASTELLS e SAYER). 76 I—OS TRES EIXOS DAS TEORIAS EXPLICATIVAS 1 — FACTORES DE LOCALIZACAO Observando os factores de localizacio tradicionais, a indistria de alta-tecnologia 6 considerada como mével ("footloose"), mas deve-se sublinhar que nem todos os tipos de industria de alta-tecnologia tém 0 mesmo comportamento locativo e que nado existe um modelo tinico nesta matéria. Por exemplo, as caracteristicas do investidor (privado, publico ou militar), ou a taxa de crescimento, tém uma influéncia determinante sobre o modelo espacial de instalacio das empresas. A importancia e a combinagio dos factores de localizagiio nao sao idénticas para todos os ramos da indiistria ou para empresas de dimensao distinta. A partir de estudos realizados sobre complexos industriais existentes, um grande numero de factores explicativos foi explicitado. Podemos resumi-los nos seguintes pontos: A fora de trabalho (0 capital humano) A capacidade de atrair e de reter a mao-de-obra é um dos elemen- tos mais importantes a levar em linha de conta na escolha de novas localizagdes pelas empresas de alta-tecnologia. Neste dominio sao necessdrios dois tipgs de mao-de-obra: os quadros (que representam uma percentagem superior quando comparada com as indtistrias tradicionais) — cientistas, engenheiros e gestores — e uma mio-de-obra barata para a execugaio de servigos ¢ fabricacio rotineiras, Esta dualidade social, com tendéncia para se acentuar, define bem as caracteristicas do sitio. Por um lado, 0 local deve ser apreendido como agradavel para a vida e trabalho dos quadros, seja para os fixar na area, seja para os atrair, (pois a sua mobilidade € muito superior & dos assalariados nao qualificados); por outro lado, este espaco deve ter acesso a um grande mercado de trabalho com miao-de-obra disponivel para as outras categorias. A oferta de trabalho, o nivel médio das remuneragées € 0 nivel de sindicalizagdo influenciam o comportamento espacial da alta-tecnologia. Universidades e institutos de investigagdo A maioria das empresas instala-se no interior de zonas universita- tias. Este facto explica-se facilmente pela resposta directa 4s neces- 17 sidades da alta-tecnologia, oferecendo uma disponibilidade de mao- -de-obra de alta qualidade e dando a possibilidade de colaboragdo na investigagao industrial desenvolvida por equipas cientificas jd insta- ladas, paralelamente ao ensino. Pode estabelecer-se uma troca nos dois sentidos, com a participagio de universitdrios na actividade industrial e de cientistas-engenheiros do sector privado no ensino, A qualidade da paisagem A maior parte dos autores considera como importante a oferta de alojamento e a existéncia de infra-estruturas culturais e de ensino. Uma paisagem construida aprazivel, a limpeza, a seguranga e os equi- pamentos de lazer desempenham um papel considerdvel. A grande urbanizagdo continua a ser um factor importante para atrair quadros, contudo os inconvenientes das metrépoles podem ser minimizados na periferia das grandes cidades. Este meio peri-urbano nao oferece apenas cultura, ensino e transportes (sobretudo transporte aéreo), mas também emprego para o cénjuge e possibilita a mobilidade inter- -empresas dos quadros sem mudar de residéncia. A infra-estrutura de transporte O custo do transporte nao ¢ tao importante nas indtistrias de alta- -tecnologia como nas indiistrias tradicionais. Em contrapartida, o acesso facil e ripido proporcionado as pessoas é essencial, logo as ligagdes aéreas sfo trunfos importantes. Os espagos situados nas proximidades das auto-estradas e aeroportos conheceram uma indus- trializagio répida. Como exemplo pode referir-se 0 "boom" do imobi- lidrio de empresas nas proximidades de Roissy ¢ de Orly na regido parisiense. Os servigos ¢ 0 clima politico e de negécios A presenga de consultores e de fontes de informagao (acessibili- dade 4 informagio) é fundamental para o desenvolvimento da alta- -tecnologia. A disponibilidade do capital de risco desempenha um papel crucial no caso dos "spin-off". & um factor de progresso, de criagdo de emprego e estimula a investigagio privada. A sua presenga é importante ao nivel regional. O agrupamento de varias empresas no mesmo local demonstrou ser vantajoso, devido as sinergias geradas, que tém uma importancia 78 estratégica na circulagéo de informagao e na motivagiio das firmas. O papel dos poderes ptiblicos (pela facilidade dos tramites administrati- vos, pela relevancia do poder local, etc.) é um factor importante para a localizagdo das empresas. As economias de aglomeracgao Alguns autores (PLANQUE, MALECKI, DORFMAN) atribuem grande importancia 4s economias ligadas as concentragées urbanas de grande dimensdo. Os novos espacos industriais, pelo menos os de maior sucesso, nasceram nas margens das metrépoles (Boston, Los Angeles, Paris, etc.). Os estudos empiricos levam-nos a concluir que as economias de aglomeragiio sao essenciais as actividades de Investi- gacio e Desenvolvimento (I&D) e que os "spin-offs" diminuem na mesma proporgaio da populagao adjacente (MALECKI, 1986). Este fenémeno é natural, pois sabe-se que somente uma infima parte da populagio tem capacidade "empresarial"” ou “inovadora” e que é necessdria a existéncia prévia de grandes empresas com poten- cial para dar origem a "spin-offs". As economias urbanas facilitam a formagio de redes de informagiio e de contactos pessoais, estes tlti- mos dificilmente substitufveis pelas transmissGes técnicas. A fertili- zacio cruzada nao é possivel sendo num meio de elevada densidade. Os efeitos de escala também sao perceptiveis no funcionamento dos mercados de trabalho locais. A rotagio da mao-de-obra torna-se ficil, exprimindo-se por uma forte mobilidade entre empresas ao nivel intra-regional. O grande ntiimero de empresas presentes num espago limitado leva a uma redug4o, em proporgao, dos custos fixos da infra- -estrutura, Nos novos complexos de produgao instala-se um novo relacionamento social ligado aos novos modos de vida, de formagiio e de ritmo, com uma divisao do trabalho acentuada. O nascimento desta nova comunidade humana, ligada a uma reprodugiio social prépria, contribui directamente para a redugio do custo de produgdo na area considerada e, assim, continua a atrair empresas. Os elementos aqui considerados sio apreendidos por certos tedri- cos como um conjunto de condigdes prévias necessdrias ao nascimen- to de complexos de alta-tecnologia. Com efeito, verifica-se a presenga maioritéria destes elementos nos espagos tecnopolitanos, embora nao se possa afirmar que eles explicam s6 por si o crescimento destas 79 reas. Este tipo de teorizagdo pode ser considerado como necessirio mas nao é suficiente para uma verdadeira teoria cientifica da localizagdo e da dinamica dos novos espagos industriais. 2-A TEORIA DO CICLO DE VIDA DO PRODUTO Ao colocarmos os problemas da localizagao num quadro concep- tual mais amplo, os investigadores evocam muitas vezes a teoria do ciclo de vida do produto, que é um dos elementos mais discutidos na teoria da localizacdo das actividades de "ponta". A primeira conceptualizagéo deve-se a R. VERNON (1966) que, em seguida, foi desenvolvida por varios autores (ver NORTON e REES, 1979). A permissa central baseia-se na constatagdo que cada ramo industrial percorre um ciclo dividido em trés partes: fase de desenvolvimento (ou de inovagio), fase de maturidade (ou de cresci- mento) e fase de estandardizacio, O aumento da producdo leva a uma modificacio do sistema produtivo, O ciclo de producdo depende do nivel de sofisticagao da indiistria que desenvolve o produto. Uma industria que utiliza uma tecnologia de nivel médio apresenta um ciclo de cerca de trinta anos, tipico de um bem durdvel, como um aparelho eléctrico, A evolugao da produ- ¢do divide-se em trés grandes fases. A primeira fase é a da concepgao do produto e a fabricagio inicial, ambas muito exigentes em requisi- tos de capital e em recursos humanos muito qualificados para a investigagdo e desenvolvimento. A produgdo encontra-se associada, em geral, a uma aglomeragio industrial, com ligagdes ao departamento de I&D e a sede social, verificando-se uma tendéncia para a localizagaéo destas unidades na mesma d4rea (BUSWELL, LEWIS, 1970). As modificagdes periddicas das necessidades em trabalho e em material so facilitadas por um ambiente flexivel ¢ rico em recursos. Na segunda etapa, quando o volume de vendas atinge 0 m4ximo, o produto jd se encontra aperfei- coado e, como tal, os recursos humanos em I&D so menos necessd- rios, passando-se © inverso em relacgio 4 mio-de-obra afecta a producao. A estandardizagio do produto permite o desenvolvimento da estandardizag4o global a longo prazo. Na terceira fase, 0 produto torna-se "mével" e o seu fabrico pode ser transferido para areas peri- féricas para reduzir os custos de produgio (através do recurso a uma 80 Quadro 2 — Caracterfsticas das empresas nas trés fases de desenvolvimento (ndustria Tradicional) Fase de Fase de Fase de. Eactores, desenvolvimento maturidade estandardizagiio Capital capital de risco — fundo de rotagao- capital de equidade volume elevado volume elevado volume elevado Mao-de-obra niio- qualificada, Mao-de-obra técnica ¢ cientifica Pessoal de gestiio reduzido Pessoal de marketing reduzida média vlevada elevada me reduzida elevado reduzido. reduzido elevado médio Beonomias externas essenciais, em grande numero muito fiteis pouco importantes Localizagia aglomeragao industrial, centro urbano (produ- ¢80, 1&1 e sede social no mesmo local} aglomeragio industrial produto «mdvel>, transferivel para a periferia Quadro 3 — Caracteristicas das empresas nas trés fases de desenvolvimento (Indtstria de "Ponta’) Fase de desenvolvimento Fase de maturidade capital de risco ~ volume elevado fundo de rotagio em grande quan tidade mais capital de risco cientifica Mao-de-obra nfio- reduzida reduzida qualificada Mao-de-obra técnica & elevada elevada, Pessoal de gestao estiivel (médio) estdvel (médio) Pessoal de marketin; estavel (médio) estiivel (médio) Economias externas essenciais, em grande mtimero muito icis Localizagiio aglomerago industrial, centro urbano (produgiio, [&D e sede social ne mesmo local) aglomeragio industrial miao-de-obra menos qualificada). E evidente que no sector de "alta- -tecnologia”, a estandardizagdo sé ocorre quando uma grande empresa domina o mercado (calculadoras, jogos electrénicos, semicondutores, etc) e, neste caso especifico, a fabricagao pode ser transferida para o 81 exterior do tecnopélo, Esta concepgao habitual, aplicada sobretudo as grandes empresas, no se pode empregar no estudo da evolugao recente da “alta-tecnologia", que diz respeito essencialmente as pequenas empresas. A figuras 1 e 2 ilustram claramente esta situagdo, onde se observa a redugao do ciclo de vida dos produtos de "alta- -tecnologia’’, que se situa entre os 5 e os 7 anos. A diferenca essencial entre as duas figuras reside na auséncia da fase de estandardizaciio na figura 2. Do ponto de vista do comportamento da localizagao, ela é a OESENVOLYIMENTO ESTANOARDIZACAQ 3 t MATURIDADE volume de venaa: 0 10 20 30 tempo (anos) Figura 1 — Ciclo de vida do produto tradicional volume de vendas 0 5 10 6 20 tempo {anos} Figura 2 — Ciclo de vida do produto de "alta-tecnologia" 82 antitese da primeira representacao. Este ciclo rapido nao tem extensio na fase de estandardizacgaéo e, consequentemente, na produgao de massa a longo prazo. Nesta 6ptica, como nao existe um grande volume de producao em série, a utilizacio de mo-de-obra altamente qualificada é continua, tal como a inovacgdo do produto. Assim, o contributo do pessoal de I&D é necessdrio, mas, em vez de realizar protétipos, a empresa envolve-se na substituig¢éo do produto. Em geral, as matérias-primas para os novos produtos da indtistria de "ponta” jd sdo sofisticadas e especializadas e a frequéncia do ciclo do produto reforca a apeténcia para o abastecimento das linhas de producao a partir dos fornecedores locais. E, portanto, aconselhavel um aprovisionamento local para mudar radicalmente a concepgio. Refira-se, igualmente, que a venda e o lucro sao mantidos (na indtis- tria de "ponta") pela multiplicacio dos ciclos do produto. Na figura 2, 0 produto nao ultrapassa a fase de desenvolvimento ilustrada na figura 1, embora nio seja indiferente 4s vantagens que uma economia de aglomeragiio pode oferecer. Assim, os tecnopdélos (concentragio de empresas com o mesmo perfil) podem constituir uma aglomerag¢ao no sentido tradicional do termo, tal como uma zona industrial no passado. As pequenas e as grandes empresas podem obter vantagens similares desde que se encontrem envolvidas na produgaio com ciclos reduzidos, enquanto na produgdo com ciclos longos apenas as grandes empresas podem tirar beneficios, através da relocalizagiio das actividades de produgio estandardizada na periferia. No conceito de inércia locativa, criada pelas vantagens da aglome- ragao, as ligacdes locais e a forga de trabalho tém um papel importan- te, em virtude da inovagado nas pequenas empresas de "alta-tecnolo- gia" decorrer essencialmente de um processo interno que deve ser ali- mentado pelas vantagens da aglomeragio. Na teoria do ciclo do produto — que relaciona a localizagéo com a organizagao da produgiio — observa-se um movimento que vai desde a concentra¢do e a centralizacao 4 disperso e a descentralizagaéo da produgao. Tradicionalmente, os novos ramos de actividade desenvol- vem-se nos pélos urbanos, devido, por um lado, 4 miao-de-obra altamente qualificada e, por outro lado, a dimensio do mercado, transferindo-se, em seguida, para espagos periféricos durante a fase de estandardizagao do produto. 83 Este esquema é posto em causa e deve ser revistos por varias razdes: observa-se uma tendéncia para a descentralizagiio das fungdes de I&D (PLANQUE, 1983) e o aparecimento de centros locais de suporte a nova tecnologia. Em Franga, ha mais de uma década que se assiste a uma reorganiza¢ao do sistema produtivo sob o duplo efeito da revoluciio tecnoldgica e da abertura das economias nacionais. Estas mutagdes econdmicas tém impactes espaciais. As consequéncias sao explicadas por muitos autores através de um enfoque dual (POTTIER, 1985): por um lado, a forte ligagaio entre a produgao e as actividades de I&D reforga os grandes pélos e, por outro lado, a procura de uma inovago permanente e o progresso nas telecomunicagGes favorecem a descentralizacfo das fungGes de tecnologia de "ponta". Esta oposigao é explicada por Pottier como consequéncia da diviséo da actividade de inovagaio em dois niveis: grandes inovagGes e pequenas inovagées. As primeiras correspondem ao surgimento de novos produtos, a constituigdo de novos ramos. Neste caso, a difuséo do desenvol- vimento a partir dos pélos de maior dimensio parece ser valida. As inovagdes menos importantes, mas permanentes, sao uma necessidade para adaptar os produtos a evolugao da procura num mercado cada vez mais internacional e instdvel e para adaptar as novas tecnologias, em particular para desenvolver a automacio. A teoria do ciclo do produto simplifica excessivamente o desen- volyimento espago-temporal da produgio, considerando de igual modo todos os ramos. As variacdes entre os sectores so muito signi- ficativas e as relacdes entre a organizagio da produgas, a tecnologia e a evolucio do mercado sao, com efeito, muito mais complexas, como demonstrou STORPER (1985). As relagées inter e intra-empresas e as condigées dptimas de produg&o so muito diferenciadas entre os varios ramos industriais. 3—0O MEIO INOVADOR A terceira tendéncia teérica em voga encontra-se ligada as condi- ges geograficas (econémicas, sociais e fisicas) da produgio. Procura- -se estudar os problemas de inovagio tecnolégica nos meios regio- nais. 84 Este enfoque pode resumir-se do seguinte modo: a empresa inova- dora nao existe previamente nos meios locais; ela é gerada por eles, Os comportamentos inovadores dependem das varidveis definidas ao nivel local ou regional. O passado dos territérios, a sua organizacio, a sua capacidade em criar um projecto comum e o consenso que os estrutura constituem a base da inovagdo. O acesso ao conhecimento tecnoldégico, 0 savoir-faire, a composigaéo do mercado de trabalho, bem como outras componentes dos meios locais determinam o menor ou maior grau de receptividade a inovagao dos territérios. Esta escola de pensamento coloca, assim, a hipdtese do papel determinante desempenhado pelos meios locais como incubadores de inovagio, prismas através dos quais passarao os impulsos criativos. Do ponto de vista regional, a andlise permite compreender por que razdo algumas regides sio inovadoras, outras deixaram de © ser, ou ainda as razGes que est&éo na base da implantagio de novas tecno- logias em espacos produtivos de génese recente. O espago deixou de ser entendido apenas segundo a éptica da localizagio industrial para dar origem a um novo objecto de observagiio: o "meio". Esta teoriza- ¢&o permite integrar o conjunto dos elementos participantes no fun- cionamento deste espago: a composigao do tecido industrial, as rela- ces complexas que se estabelecem através dele entre as empresas, as caracteristicas da mao-de-obra, 0 savoir-faire, a presenga de infra- -estruturas, 0 quadro geografico, enfim, tudo 0 que forma a regiao. A nogio de meio inovador foi definida por C. PERRIN (1989), como um conjunto territorializado onde se desenvolvem redes inova- doras, através da aprendizagem feita pelos actores de transacgGes multilaterais geradoras de externalidades especificas 4 inovagao e da convergéncia das aprendizagens com formas cada vez mais eficazes de criagéo tecnoldgica. As grandes aglomeragdes (e sobretudo os seus espagos centrais) sao considerados, desde ha muito, como espagos propfcios 4 inovagio ou "incubadores", Recentemente, observa-se o aparecimento de novos meios incubadores, nas regides tradicionalmente mais indus- trializadas, que se tornaram complexos territoriais de inovagao, termo explicitado por STOHR (1986). O crescimento destes complexos é assegurado pela ocorréncia de numerosos "spin-offs", ou seja, a formago de novas empresas a partir de empresas existentes. O mes- 85 mo espirito e os mesmos mecanismos garantem, ao nivel micro-eco- némico, a criacdo de centros de "germinagio") de empresas. Estas teorias utilizam uma linguagem bioldgica, descrevendo, de uma forma quase sempre fascinante, o funcionamento, a dindmica e os elementos destes novos complexos de produgao. Todavia, as res- postas aos problemas de localizacao sao parciais, em virtude de nao se explicar a prépria localizagio destes complexos e de se negligenciar os processos globais de evolugao do sistema produtivo. Estas trés tentativas de teorizagdo contribuem com um bom ntime- ro de elementos novos e originais, mas néo nos levam a uma teoria geral da localizagdo, que possa fornecer uma explicagio cientifica para a implantagao dos novos conjuntos industriais - em particular, para uma melhor compreensao da formagdo actual dos espacos dos modelos de localizagdo da industria transformadora e das actividades tercidrias, Estes modelos resultam de um conjunto de dinamicas gue compreendem a natureza das relagdes entre o exterior € 0 interior das firmas, as estratégias de concorréncia e as condigdes dos mercados de trabalho locais (SCOTT e STORPER, 1987, SCOTT, 1988b, WALKER, 1988). TI - ORGANIZAGAO GEOGRAFICA DO SISTEMA PRODUTIVO: EM DIRECCAO A UMA TEORIA GLOBAL Neste ponto, procura-se estudar um enfoque mais global, que permita uma unificagao entre a organizagao industrial e a localizagao. Em primeiro lugar, é necessdrio evocar a organizagdo da produgao, logo a diviséio e integragio do trabalho produtivo nos sistemas complexos. Podemos distinguir dois tipos de divisdéo do trabalho: interno (técnico) e externo (social). A forma classica — fordista — decompée 0 processo de produgao em trés niveis: a concepgao (tarefa altamente qualificada), a fabrica- ¢ao qualificada e a montagem (execugio desqualificada). Com o aumento do volume de producio (expansaio do mercado), a divisio acentua-se e as operagdes tornam-se cada vez mais especializadas. Esta divisiio entre os niveis de produgdo pode levar a uma divisio entre estabelecimentos e mesmo entre empresas. (3) Na lingua francesa, "pépiniéres d'entrepriscs". 86 Esta situagao resulta de uma desintegragao espacial no primeiro caso e de uma desintegracio vertical (organizacional) no segundo (Fala-se de desintegragao vertical de uma empresa quando as diferen- tes etapas da producio niio sfio efectuadas na mesma empresa). A ten- déncia para a desintegracdo vertical (que implica uma extensaio da divisdo social do trabalho) tornou-se comum, o que pode explicar a multiplicagaéo das pequenas empresas ( O seu sucesso é, assim, muitas vezes sobrestimado e mal interpretado!). A divisdo interna do trabalho é acompanhada por uma divisao externa (social) entre as firmas espe- cializadas na produg4o de diferentes bens intermédios. O conjunto da produg&o é coordenado por um grande nimero de transac¢ées externas e internas, conduzidas pelo mercado (e pelos pre¢os), por um lado, e administradas pelos gestores da empresa, por outro. Um aumento da produgio (derivado do crescimento do merca- do) permite obter economias de escala, quer internas quer externas, consoante os casos. A organizagao da produgio — integrada ou desin- tegrada — depende da economia realizdvel na gestao da producio. Esta questio crucial tem sido rigorosamente estudada ha ja alguns anos pela escola dos "custos de transacgdes", representada essencial- mente por O. E. WILLIAMSON (1975), precedida pelos trabalhos precursores de R. H. COASE (1937). Estas questées foram brilhan- temente explanadas sob 0 ponto de vista geografico por Allen Scott. O modelo CWS — Coase-Williamson-Scott — demonstra que 0 que induzia uma firma para a integragiio vertical nao era somente a busca de economias de escala mas também as economias de gama, ou seja, a busca de economias na gestdo, realizdveis através da integracao de varios processos produtivos. Parece evidente que a rotinizagao dos processos de trabalho segundo os principios tayloristas, pela autonomizacgio das diferentes fungdes a realizar, pode enfraquecer essas economias de gama. No inicio, pode ocorrer a desintegragao espacial — em busca de condigdes locais mais vantajosas sobre o mercado de trabalho — e, posteriormente, a desintegragio vertical, recorrendo-se, entao, 4 subcontratagéo em larga escala. Em contra- partida, o nticleo estratégico da empresa (concepgiio, I&D, marketing) mantem-se verticalmente integrado (LEBORGNE e LIPIETZ, 1988). Assim, a desintegragao surge quando as economias internas de inte- gracHo (gama) so reduzidas ou negativas. 87 Sao varias as raz6es e condigGes que podem reforgar a desintegra- ¢Ho vertical. SCOTT e STORPER (1987) ¢ STORPER ¢ WALKER (1989) dao os seguintes exemplos: a incerteza do mercado resulta muitas vezes na desintegragio, como forma de evitar a transmissao deste elemento através da estrutura vertical da empresa. A consequéncia desta acgéo resulta num alargamento considerdvel do dominio da subcontratagao. Em segundo lugar, a forte concorréncia econémica pode levar a firma a mudar frequentemente a configuracao dos seus métodos de producao e a variedade dos seus produtos. Cada mudanga implica uma reestruturagdo (mais ou menos importante) do seu sistema de ligagdes produtivas. Ela possui o m4ximo de possibilidades reestrutu- radoras quando estas ligagGes sao externalizadas. Em terceiro lugar, constata-se que para certos produtos especifi- cos, as empresas especializadas oferecem melhores condigGes para o fornecimento de produtos intermédios ou de servigos. Acontece também que estes bens (ou servigos) intermédios so processados em empresas que nfo conseguem atingir o nivel inferior de produgao Optima a nfo ser no caso de trabalharem para um grande numero de empresas situadas a jusante. Finalmente, verifica-se que a desintegracao é facilitada desde que haja uma aglomeragio geografica de empresas, 0 que reduz conside- ravelmente os custos das transacgGes externas. Esta desintegragfio vertical que caracteriza a produgdo actual (PIORE e SABEL, 1984) permite a realizagdo de lucros crescentes através das economias externas que ela proporciona. A especializagao das empresas leva 4 diminuig&o constante dos custos de produgao (SCOTT e STORPER, 1987). Alain Lipietz completa esta andlise considerando prioritariamente © aparecimento das pressées financeiras, reintroduzindo 0 conceito da quasi-integragdo vertical. A instabilidade do mercado, os custos elevados da investigac&o, a diminuigio do ciclo de vida dos produ- tos,ou seja a multiplicacdo dos riscos, e a imobilizagdo do capital-fixo conduzem os investidores a entrar num sistema de "mutualidade dos riscos". A desconcentracéo das grandes empresas em redes de firmas especializadas é uma resposta possivel a este desafio, A divisao social do trabalho assim resultante ndo suprime a hierarquia e o controlo 88 capitalista, E nesta éptica que os trabalhos de HOUSSIAUX (1957) e de ENSIETTI (1983) voltam ao primeiro plano na andlise da economia contemporanea, pelo conceito de quasi-integrac&o vertical (ou inte- gragao diagonal). LIPIETZ e LEBORGNE (1988) definem 0 conceito como relagdes estdveis entre fornecedores e clientes; uma parte importante do cliente no volume de negécios do fornecedor; um campo de subcontratagao que vai da concepgdo a comercializagao; formas ndo-mercantis de relacgGes inter-empresariais, indo da subordinagao a parceria. Assim, a empresa dominante beneficia das vantagens da integracdo vertical (custos reduzidos das transacgées, flexibilidade da politica global, gestdo "Just-in-Time") e da desintegracdo vertical (capacidade inova- dora das empresas subcontratadas, partilha dos riscos e das imobiliza- gdes, exigéncias no dominio da qualidade). Esta situagao implica a realizagio de aliangas estratégicas, transferéncia de tecnologia, colaboragao permanente, "joint-venture", etc. A parceria desenvolve- -se no interior da dominagiio hierarquica das empresas. A quasi-integragao vertical exprime a posigao a meio termo entre a desintegraco vertical e horizontal (subcontratagdo e relagao de mercado). A extensdo do mercado favorece a divisiio social do trabalho, conceito desenvolvido por Adam Smith em 1776 ("A diviséo do trabalho é limitada pelo mercado"), 0 que significa dizer que o crescimento da produgdo impulsiona novas actividades e empresas especializadas, criando condigGes de localizagiio especificas. Estabe- lece-se uma série de relagdes entre contratante e subcontratado, comprador, utilizador e vendedor. As trocas de informagao inter- -industriais e os contratos pessoais multiplicam-se, formando-se também centros de crescimento com niveis de transacgées intensos. A histéria da industrializagao capitalista ilustra, assim, a formacdo periddica de complexos industriais — como foi 0 caso, por exemplo, da indtstria téxtil em Lancashire ou em Lyon — movimento que continua até aos nossos dias com a nova vaga dos distritos industriais de alta-tecnologia. A divisao social do trabalho —e através dela a grande variedade de oferta nas transac¢des — favorece a flexibilidade do sistema produtivo. Os produtos (o tipo de produgio) como as ligagdes inter-empresas (verticais e horizontais) podem ser alteradas rapidamente. Como as 89 actividades transaccionais sio muito intensas entre os conjuntos e sub-conjuntos de empresas, a concentragao espacial torna-se evidente. Nestes espacos, as economias de escala externas séo consumidas sob a forma de economias de aglomeragdo. A aglomeragdo geografica das unidades industriais e¢ a divisio social do trabalho fortificam-se mutuamente no espago e no tempo (SCOTT, 1988a). A concentragao geogrdfica impulsiona a divisdo social do trabalho pela redugdo dos custos de transacgao externos as empresas, conduzindo a uma aglomeragao densa, como resultado da proliferagio das ligagées inter- ~empresariais. Figura 3 — Esquema da economia dos novos complexos de produgao. Aspectos corganizacionais Economias externas Divistio social da trabalho Aspectos espaciais Economias de aglomeragao Relagdes inter-industriais Formagtio da estrumura do meteado de trabalho local A aglomeragio das actividades econémicas forma, paralelamente, uma bacia de emprego, criando mercados de trabalho locais. A forga de trabalho dos novos centros de crescimento decompée-se em duas grandes partes, como jd o observdmos: os assalariados altamente qualificados e especializados (engenheiros, cientistas ¢ técnicos) e os assalariados nao especializados, com ocupagao nos servigos e na fabricagio e com nfveis de remuneragaéo baixos. O emprego de imigrantes — regulares ou nfo — e de mao-de-obra feminina represen- tam uma percentagem muito elevada neste segmento. A disponibili- dade de miio-de-obra desempenhou sempre um papel relevante na localizagao industrial desde os trabalhos de Weber. As instituigdes, as organizac6es e as aliangas politicas do regime fordista de produgao em massa decompéem-se na Europa Ocidental e na América do Norte. O trabalho produtivo nos novos centros de crescimento assenta nas novas experiéncias sociais e politicas. A nova configuragao do poder, das classes e da tecnologia traca os novos contornos de um mercado de trabalho segmentado. Esta nova situagio permite a realizagio de

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