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28 Os equipamentos da casa popular Erm{nia Maricato Rouse | Z | ibaa Fé1co stale i O interior da casa popular revela, aos —_capitalismo brasileiro a partir dos anos ‘olhos de quem o analisa, as 50, que se combina contraditoriamente contradigdes da vida doméstica, do ‘a uma situaco de baixo poder aquisitivo universo ideolégico, do padrio de e de precariedade das condicdes de ‘consumo, enfim do proletariado. vida das massas trabalhadoras. Mas ndo é essa especificidade que ele contraste entre o edificio e a casa, reflete mais claramente. Ao contrério, _freqiientemente inacabados, com (© que se destaca é principalmente o solugSes improvisadas, e os aparelhos que & mais genérico: 0 padrfo de eletrénicos e eletrodomésticos, & ‘consumo criado pelo tipo de notével. Ele se expressa nas formas dos Grescimento industrial adotado pelo _televisores, das geladeiras, dos liquidificadores, nas cores, no design dos objetos {“modernos” para 0 nosso contexto cultural) que tem como ano de fundo uma parede mal erguida e tijolo, que espera muito tempo pelo acabamento, ou entdo a parede de ‘tébuas cuja pintura tenta disfarcar a precariedade dos milhares de barracos ‘no Brasil, que possuem esses equipamentos. A formica, colorida dos méveis de cozinha, 0 laqueado eo acabamento dos eletrodomésticos, a intra, frisos, vedagso, etc, do referéncias de um universo distinto daquele da habitacdo construfda artesanalmente, de forma bastante atrasade, ¢ com esses recursos escassos (1), A organizagdo e a tecnologia rnecasérios & produgo dos eletrodomésticos, a “racionalizago"” imbologia contidos em sua imagem so informages que “gritam’ 10 ambiente improvisado, entulhado, insficiente e inadequado para o nimero de pessoas e de objetos que ali convivern. ‘Ao invés de um ambiente, talvez esperado por alguns, que tentam a ‘marca da autenticidade popular, que reflta nos objetos solugSes pessoais, ‘que constatamos nos levantamentos (que fizemos a cerca dos equipamentos da casa proletéria 6 que no hé auto- ctnstrupio de moveis de forma sigificativa e que o repasse de moveis cu eparethos usados ndo é tao frequente idque a grande maioria 6 nova, adguirida em grandes lojas, pelo sistema de prestagSes mensais (nfo ‘stenderiamos essas afirmagées por cautela, para casos de favelas e invasbes (2). Novo PADRAO DE CONSUMO POPULAR ‘Acomparagdo entre levantamentos efetuados no decorrer das décadas de 50, 60 e 70 (inclusive IBGE) suger historia de que o modelo industrial iniciado nos anos 50, acompanhado de acentuado 6xodo rural, promoveu uma rmudanga nos padres de consumo da populagdo trabalhadora. Se antes dos anos 60 a case era alvo central para aplicagdo das “economias”, depois dessa (paca verificamos que as “economias” se dividem entre 0 embrido da futura casa e as prestagbes os aparelhos domésticos ¢ também os méveis. Os primeiros comodos, bastante congestionados, s80 “equipados”, antes mesmo de sua ampliagdo ou acabamento, tarefa que se arasta por anos. Podemos dizer que os novos equipamentos sZo introduzidos em detrimento da qualidade da moradia, entre-outros fatores. (3) De fato, o consumo dos produtos industrializados néo significa uma melhora nas condi¢ées de vida, porque tle se dé justemente com a queda da renda familiar, em que pese a incorporagdo de novos membros da familia proletaria, 8 forca de trabalho ativa, Constatamos que além do terreno, do material de construgo, dos méveis e dos aparelhos domésticos, sio também adquiridos através de restagBes mensais até mesmo os ‘objetos de uso pessoal como roupas e sapatos, o que revela o baixo poder aquisitivo, Sem o recurso do financiamento nfo haveria possibilidade de se implantar essa mudanga no padrio de consumo. Um levantamento domiciliar efetuado 1n0 municipio de Osasco (ver nota 2) revelou que na época, em 1975, apenas 63% das casas tinham chuveiro elétrico enquanto 73,3% tinham liquidificador, 77 8% geladeira e 87,8% televisor. Esso um dado importante a cerca da higiene pois 0 clima da regiéo Metropolitana de Sdo Paulo nfo permite dispensar o banho aquecido ina maior parte do ano (esse dado ‘combina também com a auséncia de gua corrente em grande parte dos domicitios). As salas apresentam-se como o local ‘mais organizado e “arrumado” das casas levantadas, jé que ai slo recebidas as visitas. Isso representa algum esforco jd que grande parte delas 6 utilizada como dormitério & noite. Para essa fungo contribui o sofé-cama, presente em 59,9% das casas. Pela leitura das plantas com localizagao dos méveis, pudemos observar ainda que freqientemente © niimero de pessoas 6 maior que o nimero comportado pelas camas. Talvez a concluséo mais importante ‘que podemos tirar desse universo contrastante e anérquico que 60 interior da casa popular num pais capitalista periférico, 6 que ele no & fruto da interveneéi livre do morador. Existe um padréo de consumo, calcado na produgo industrial que atinge até mesmo o proletério rural, (4) Mas longe de ser homogeneamente moderno, esse padrio combina produtos industrializados “modernos” (principaimente automével, vitrola e enceradeira, além dos jé citados) com a auto-construgio da casa, com a extrema precariedade de infraestrutura e equipamentos urbanos, @ freqiientementacom a subnutri¢go. Nao 6 0 caso de estranhar, (como quer a critica burguesa) que a habitagSo popular urbana das cidades brasil contenham esses aparelhos, hoje necessirios & sobrevivéncia fisi cultural. Ao contrério, deveria conter outros mais como as méquinas de lavar secar, que facilitam as tarefas das mulheres, principalmente dquelas que ‘trabalham fora de casa. O que importa 6 chamar atengo para o alcance da influéncia que tem a indistria oligopélica, produtora de bens durdveis. Esse setor industrial, fruto da necessidade de expansio das empresas capitalistas internacionais, constituiram- se em bioco privilegiado da economia brasileira até poucos anos atrés. Mas ‘fo 6 s6 na politica econémica que se evidencia 0 poder dessas empresas, ccarros chefes do capitalismo brasileiro 1no perfodo 50/70. As transformacdes culturais pelas quais passou o pats, esse perfodo, das quais elas foram agentes fundamentais, vo desde a modificacSo do design das nossas Cidades, que se adaptaram ao automével, até aspectos do comportamento social através de padres de consumo pessoal edoméstico. ‘AS DETERMINACOES DESSE CONSUMO ‘Mesmo considerando que vivemos em uma época em que “os objetos distinguem seu possuidor’” (Baudriltard) no acreditamos que o consumo proletério de bens seja ‘predominantemente simbélico, e nem possa ser considerado supérfluo. A leitura da casa popular revela um ‘certo despojamento, diferente do ‘excesso de objetos com excesso de rmensagens da casa burguesa. € evidente que os bens “modernos”

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