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© 2015, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luis, 100 25689-900 Petrépolis, RJ Frei Anténio Moser Editores ‘Aline dos Santos Cameiro José Maria da Silva Lidio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretirio executive Jodo Batista Kreuch Em coedigao com Editora PUC-Rio Rua Marqués de S. Vicente, 225 ~ Casa da Editora PUC-Rio Gavea 22451-900 Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 3527-1838/1760 edpucrio@puec-rio.br www,pue-rio.br/editorapuerio Editoragéo: Maria da Conceigio B. de Sousa Projeto grafico: Alex M. da Silva Capa: Felipe Souza | Aspectos Ilustracdo de capa: © Jgaunion | Dreamstime ISBN 978-85-326-5026-9 (Vozes) ISBN 978-85-8006-150-5 (PUC-Rio) Editado conforme o novo acordo ortogratico. Reitor Pe, Josafia Carlos de Siqueira, S.J. Vice-reitor Pe, Francisco Ivern Simé, S.J. Vice-reitor para Assuntos Académi Prof. José Ricardo Bergmann Vice-reitor para Assuntos Administrativos Prof. Luiz Carlos Seavarda do Carmo Vice-reitor para Assuntos Comunitér Prof. Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio Vice-reitor para Assuntos de Desenvolvimento Prof. Sergio Bruni Decanos Prof, Paulo Fernando Cameiro de Andrade (CTCH) Prof. Luiz Roberto A. Cunha (CCS) Prof. Luiz Alencar da Silva Mello (CTC) Prof. Hilton Augusto Koch (CCBM) Conselho gestor Augusto Sampaio, Cesar Romero Jacob, Fernando S Hilton Augusto Koch, José Ricardo Bergmann, Lu Alencar Reis da Silva Mello, Luiz Roberto Cunha, Paulo Fernando Cameiro de Andrade ¢ Sergio Bruni. ‘Todos 0s direitos reservados. Nenhuma parte des- ta obra poder ser reproduzida ow transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrénico ou mecinico, incluindo fotocépia e gravagaio) ou arqui- vada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissio escrita da editora. Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda, Sumario Apresentacao ~ Os antropélogos: escolhas, faltas ¢ 0 inacabado de todas as listas, 7 Everardo Rocha e Marina Frid 1 Edward Tylor (1832-1917), 15 César Augusto de Assis Silva 2 James Frazer (1854-1941), 28 Elizabeth Chri a de Andrade Lima 3 Franz Boas (1858-1942), 42 ‘Margarida Maria Moura 4 Marcel Mauss (1872-1950), 61 Marcos PD. Lanna 5 Van Gennep (1873-1957), 79 Roberto DaMatta 6 Radcliffe-Brown (1881-1955), 91 Claudia Pereira 7 Bronislaw Malinowski (1884-1942), 103 José Guilherme C. Magnani 8 Ruth Benedict (1887-1948), 114 Gilmar Rocha 9 Margaret Mead (1901-1978), 133 Joao Martinho de Mendonca 10 Evans-Pritchard (1902-1973), 154 Carlos Alberto Steil Rodrigo Toniol 11 Lévi-Strauss (1908-2009), 167 José Carlos Rodrigues 12 Edmund Leach (1910-1989), 181 Mariza Peirano 13 Louis Dumont (1911-1998), 193 Luiz Fernando Dias Duarte 14 Victor Turner (1920-1983), 207 Aldenor Alves Soares 15 Mary Douglas (1921-2007), 225 Everardo Rocha Marina Frid 16 Erving Goffman (1922-1982), 240 Edison Gastaldo 17 Clifford Geertz (1926-2006), 251 Relivaldo Pinho 18 Marshall Sahlins (1930-), 265 Elizabeth Pissolato 19 Pierre Clastres (1934-1977), 282 Ovidio de Abreu Filho Apresentagdo Os antropélogos: escolhas, faltas e o inacabado de todas as listas Everardo Rocha* Marina Frid** E com o objetivo de propiciar uma proveitosa fonte de pesquisa ao leitor que, apés as publicacdes bem-sucedidas das colecdes Os fildsofos ~ Classicos da filosofia e Os historiadores — Classicos da histéria, a Editora PUC-Rio e a Editora Vozes iniciam, com este volume, a realizacio do projeto sobre os chamados classicos das ciéncias sociais. Evidentemente, sao incontaveis os nomes e miltiplas as possibilidades de intelectuais que poderiam ser inclufdos na categoria de cientistas sociais. Assim, este primeito vo- lume ~ Os antropélogos ~ que o leitor tem em maos deve ser entendido como parte inte- grante de uma colecdo mais ampla — Classicos das Ciéncias Sociais — que sera completada com a publicagio de mais dois volumes. A colecao planeja dividir as chamadas ciéncias sociais em trés grandes rubricas ~ a antropologia, a sociologia e a ciéncia politica. Com isso, sei possivel organizar de forma mais profunda, clara e diddtica a imensa massa critica e © pensamento disponivel no campo. Este volume, portanto, oferece um conhecimento tanto consistente quanto con- ciso sobre os principais antropélogos que construiram a histéria e 0 sucesso intelectual da disciplina. Foram estes pensadores, em larga medida, os grandes responsdveis pelo refinamento interpretativo e pelo lugar essencial que a antropologia possui hoje no em- preendimento de conhecer as culturas humanas. Escrito em um estilo acessivel, cada um dos textos deste livro procura cobrir aspectos da vida, da obra, do impacto e das prin- cipais contribuicées intelectuais desses antropélogos que, de certa forma, sio como que “pais fundadores” desse campo de reflexdes sobre a vida social ¢ a cultura. Neste sentido, acoletanea Os antropélogos tem por objetivo reunir e oferecer, para um puiblico amplo, in- is para uma trajetéria intelectual segura através do pensamento desses autores, beneficiando, sobretudo, trés grandes grupos de leitores. formagoes essenci: * Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFR). Professor do Departamento de Comunicagao Social da Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), “* Doutoranda do Programa de P6s-Graduagao em Comunicagao do Departamento de Comunicagao Social da Pontificia Universidade Catdlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora do Departamento de Administracao da Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). O primeiro deles é formado pelos profissionais ¢ estudantes de pés-graduacao ces da Capes, cerca de 120 cur- em Ciéncias Sociais, Existem no pais, segundo informa sos de pés-graduacdo em Antropologia, Sociologia e Ciéncia Politica. Nas reunides da 10 em Ciéncias Sociais), Anpocs (Associagao Nacional dos Programas de P6s-Graduz sdo apresentados mais de 600 trabalhos académicos. Os diversos encontros anuais da 4rea de ciéncias sociais e ciéncias sociais aplicadas, usualmente, envolvem um publico de milhares de pessoas, entre alunos de graduagao, iniciagao cientifica, especializacao, mestres, doutores, pesquisadores e professores, tendo, inclusive, significativa repercus- séo na midia nacional. Isto sem falar no fato de que o interesse que a antropologia desperta vai muito além dos cientistas sociais, em sentido estrito, e abrange pesquisado- res, professores e estudantes das areas de comunicacao, histéria, direito, administracio, economia, letras, psicologia, que perfazem cerca de 560 programas de pés-graduacao reconhecidos pela Capes. Pela intensidade das informagées que possui € pela objetividade com que as dis- ponibiliza, a coletanea Os antropdlogos também sera de grande utilidade para estudantes de graduacao em seus primeiros encontros com pensadores densos que de outra forma poderiam ser de dificil entendimento. Esses estudantes encontrarao aqui um caminho inicial s6lido e prazeroso de aprendizado e, de outro lado, seus professores poderao dis- por de um poderoso auxiliar na condugao do proceso de iniciagao cientifica em ciéncias sociais. Nos mais diversos cursos de graduacdo, existem disciplinas introdutorias diri- gidas ao campo das humanidades e as reflexes sobre cultura e sociedade, que tratam da obra dos classicos, levando muitas vezes professores € alunos a recorrerem a textos frag- mentados que, eventualmente, podem deixar lacunas. Ainda mais, existem professores das escolas ptiblicas e privadas de Ensino Médio que necessitam de um auxilio pontual, porém de extrema importéncia como material didatico para a montagem de suas aulas. Finalmente, e ainda nesse sentido de disponibilizar uma coletanea precisa em sua formulacéo e acolhedora em seu estilo, Os antropélogos sera uma leitura agradivel para o imenso ptiblico diletante formado por consumidores de informacao sobre a tematica da cultura, como podemos constatar através dos altos indices de audiéncia obtidos, so- bretudo na televisio fechada, por programas de entrevistas, talk shows, documentarios, painéis, entre outros, que tratam desses assuntos. O mesmo acontece com os (nao menos importantes) livros de divulgacao cientifica sobre fisicos, astrénomos, inventores, mate- maticos, médicos ou quaisquer outros destacados pensadores de uma determinada area da ciéncia. No entanto, nao é comum encontrarmos em livrarias ou bancas de jornais titulos que tratem, de forma introdutéria, sobre, por exemplo, “as contribuig6es de Max Weber para a compreensio da nossa sociedade” ou sobre “o significado do grande projeto etno- grafico de Malinowski”. Ao que parece, os cientistas sociais, importantes criadores das bases do pensamento contempordneo e, em larga medida, formatadores da experiéncia 8 cotidiana, nao sao suficientemente visiveis para 0 paiblico. Apesar do impressionante interesse dos tiltimos anos com obras que abrangem questées socioculturais — romances, © consumo do saber pa- revistas, filmes, novelas, casas dedicadas a palestras, cursos etc rece no ter dado a devida énfase & contribuigio desses pensadores. Este livro, portanto, visa contribuir para a supressdo dessa lacuna. Nesse sentido, a estratégia da colecdo de subdividir 0 campo das ciéncias sociais ias entre a virtual “importancia” do tra- em trés volumes evita comparacées desnecess: balho, por exemplo, de determinado cientista politico em comparagio com o de um antropélogo, minimizando questdes concernentes ao peso das diferentes disciplinas en- volvidas e as condigdes de um conhecimento interpretativo. Esse procedimento permite que a colecdo evite dividas sobre como e por que eleger um clissico em detrimento de outro que produziu seu trabalho a partir de um viés intelectual eventualmente diferen- te. Assim, este primeiro volume retine apenas ensaios sobre alguns dos antropélogos que ofereceram contribuigées significativas para 0 pensamento cientifico moderno e cujo conhecimento das obras é fundamental para alunos, professores e pesquisadores interessados em conhecer as culturas e a vida social. Retine, portanto, alguns dos clissi- cos da Antropologia. Se, como disse ftalo Calvino, um “clissico” é o livro ou o autor que nunca termi- nou o que tinha para dizer, pois seu texto rende para muito além de si mesmo, a selecao dos antropélogos para esta coletanea foi complexa e, inevitavelmente, deixou de lado au- tores também importantes. Porém, qualquer coletanea que se proponha abranger a vida ea obra dos principais economistas, fildsofos, historiadores, literatos, juristas e outros que tais lidam com um dilema permanente ¢ intrinseco sobre escolhas, auséncias, op- gGes e faltas. Selecdes tém que ser feitas ¢ lacunas so inevitéveis. No ensaio “El idioma analitico de John Wilkins”, Jorge Luis Borges faz referéncia a uma “certa enciclopédia chinesa” intitulada “Empério celestial de conhecimentos benévolos” e que dividia os animais em “a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitdes, e) sereias, f) fabulosos, g) cies em liberdade, h) incluidos na presente classifica- ¢Ao, i) que se agitam como loucos, j) inumeraveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo, 1) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe ica enciclopédia a imaginagao € capaz de a todos incluir no s. De fato, se o item “h” nos fala dos animais da propria lista —“incluidos na presente classificacdo” -, os itens “” e “I” indicam os que se parecem moscas”. Nesta mé que se refere ao seu objeto, os anima ausentam da lista classificatéria, so os “inumerdveis” e sao os “et cetera”. Uma lista na qual nada falta, absolutamente inclusiva, como sé a imaginagao, 0 maravilhoso, o bene- volente e, sobretudo, 0 celestial poderiam conceber. Toda classificacao, selecao ou lista é, portanto, arbitraria e conjectural. Felizmente, nas Ciéncias Sociais, e particularmente na Antropologia, existe um. relativo consenso sobre 0 que torna determinado autor ou texto um classico cuja con- 9 io € considerada, via de regra, uma referéncia em certo tipo de estudo. Foi com irito que selecionamos os nomes de alguns dos mais importantes formuladores éncia das teorias antropolgicas, aqueles que, efetivamente, formaram e deram uma exis proficua a disciplina. Acreditamos que os autores reunidos nesta coleténea seriam de plena aceitacao e, fora uma ou outra discordancia pontual, seriam igualmente seleciona- dos como classicos por colegas antropélogos no Brasil ou no exterior. O caminho, porém, do de uma lista para chegar aos nomes que compéem este livro comecou pela compd bastante abrangente que continha dezenas de pensadores, o que, evidentemente, ultra- passaria de muito os limites razodveis para um tinico volume. Assim, alguns critérios foram adotados para chegar a essa selecio de 19 autores mais pertinentes & proposta deste livro. Um primeiro aspecto considerado foi o de abranger somente os autores a partir do século XIX, quando jé se reconhece e mais propriamente se consolida a antro- pologia como um campo do saber cientifico. Por isso, nomes quinhentistas, seiscentistas ou setecentistas, pensadores como Nicolau Maquiavel, Thomas Morus, Etienne de La Boétie, Michel de Montaigne, Thomas Hobbes, John Locke ou Jean-Jacques Rousseau nao integram esta coletanea, apesar de serem absolutamente essenciais nao s de geragées de autores como também A constituigio do proprio campo de reflexoes so- bre a vida social, a cultura ¢ seus fendmenos. ‘Também nao se encontram neste livro ensaios sobre pensadores mais recentes e fundamentais como Augusto Comte, Emile Durkheim ou Max Weber, pois evidentemente estarao presentes nos demais volumes da colegao Classicos das Ciéncias Sociais. Além disso, algumas intuito de evitar as eventuais duplicaces de nomes. Sao os casos, por exemplo, de Karl as obras auséncias ocorrem com autores primordiais para as Ciéncias Sociais, mas que Marx e Michel Foucault, ambi Classicos da ja possuem ensaios nas colecdes anteriores; o primeiro em Os historiadores histéria, volume 2 € 0 segundo em Os filésofos ~ Classicos da filosofia, volume 3. Além disso, vale frisar que foram selecionados somente antropélogos estrangeiros. Fica a ideia para sicos brasileiros, com antropélogos cl a realizacao, no futuro, de uma coleténea apena: pois a antropologia aqui produzida possui tanto importancia cientifica quanto capaci- dade interpretativa. No momento, porém, trataremos apenas dos estrangeiros ¢, nesse sentido, a repercussao que a obra do antropélogo teve para os estudos no Brasil e seu im- pacto para o desenvolvimento da nossa antropologia foi um dos critérios apreciados. Isso pode ser observado, por exemplo, pelo volume de producao académica de pesquisadores brasileiros que fazem referéncia ao autor em seus curriculos latte Ainda assim, sabemos que ha outros importantes antrop6logos que merec ser destacados, mas tentar englobar todos no projeto de um tinico livro seria inviavel. Este é, por exemplo, 0 caso de Lewis Morgan, que pode ser considerado uma referén- cia € nao est neste volume. Porém, a lacuna pode ser minimizada pela presenca de dois outros nomes — Edward ‘Tylor ¢ James Frazer ~ igualmente expoentes da mes- ma corrente evolucionista. Diversos antropélogos também de consideravel relevancia 10 como Alfred Kroeber, David Maybury-Lewis, Edward Sapir, Georges Bataille, Hen- ri Hubert, Howard S. Becker, James Clifford, Johan Huizinga, Karl Polanyi, Lucien Lévy-Bruhl, Max Gluckman, Meyer Fortes, Raymond Firth ou William Foote-Whyte nao possuem ensaios dedicados a eles. Entretanto, muitos deles tiveram seus trabalhos referenciados pelos nossos ensaistas no contexto da obra dos antropélogos aqui apre- sentados, oferecendo algumas indicacdes que podem auxiliar o leitor interessado em aprofundar seu conhecimento. Enfim, toda lista traz sempre alguma forma de frustracdo, pois ao selecionar e contemplar um conjunto de nomes se torna, paradoxalmente, indicativa das auséncias ¢ faltas que comete. ‘Todas as listas possuem intrinsecamente um forte sentido de ina- cabado. Assim, a selecdo aqui realizada é, por definicao, incompleta ¢ nela caberiam outros tantos nomes. Porém, nao temos diivida ao afirmar que nenhuma lista de antro- pélogos classicos deixaria de fora os que figuram neste volume. Outro ponto a destacar é quanto & alta qualidade dos ensaios escritos especialmen- te para este volume Os antropélogos por pesquisadores br: de p6s-graduacio nas mais renomadas universidades do pais, com ampla obra publicada e, muitos deles, bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Porém, acima de tudo, todos 08 autores dos textos sio profundos conhecedores da obra dos antropélogos sobre 0s quais escreveram ¢ essa obra é parte integrante de sua formacao académica e de sua propria producao cientifica. Além dessa estatura intelectual, o volume, como o leitor vai perceber na leitura dos textos, reflete o inestimavel apoio que deram ao projeto, a imensa ileiros, atuantes em programas energia que dedicaram ¢ o grande entusiasmo com que a ele aderiram, E evidente tam- bém, como que uma marca atravessadora de todos os textos do volume, 0 vinculo tanto intelectual quanto afetivo que os nossos ensafstas possuem com os antropélogos clissi- cos sobre os quais escreveram eo cuidado que tiveram com 0 pitblico leitor na busca da maior clareza possivel na exposicao das ideias. Essa dedicaco se traduz no esforco coletivo de escrever um livro que, respeitados os estilos e escolhas dos autores € a ingularidade da obra do antropélogo objeto de cada ensaio, procurasse uma possivel homogeneidade capaz de facilitar a compreensao do leitor. sim, cada ensaio, de uma forma ou de outra, com mais ou menos énfase, procurou utili- zar uma linguagem clara e acessivel, m 10 mesmo tempo precisa e rigorosa, escrevendo a respeito de certos temas essenciais como: 0 antropélogo e o seu tempo — sua vida, as obras mais significativas, encontros intelectuais e acontecimentos marcantes. Os percursos ¢ influéncias — as conexdes do antropélogo com seus contemporaneos e discipulos, com a nossa cultura e nossa vida social. Os conceitos bdsicos de seu pensamento — as ideias que mar- cam e definem, antes de tudo e essencialmente, a abordagem do antropélogo ¢ 0 nticleo do seu pensamento. Em todo este esforgo de trabalhar em conjunto e harmonizar contetidos, cabe ob- servar a evidente opcao de conferir liberdade aos ensaistas para estruturar os seus textos, Lh do modo que julgassem ser mais propicio e, claro, para apresentar 0 antropélogo e sy obra. Portanto, os capitulos nao seguem padrées rigidos foram escritos em formaty livre. Sao ensaios introdutérios que, em linhas gerais, oferecem de maneira concisa un, conhecimento sobre a vida, os trabalhos mais significativos, a influéncia no desenvolvi. mento da disciplina e a forca disseminadora de sua perspectiva interpretativa, os concei. tos ¢ ideias centrais de seu trabalho. Os ensafstas fizeram ainda algumas consideracéey 0, sua relevancia para a drea e, ao final de cada sobre os ensinamentos do pensador clés ensaio, o leitor iré encontrar uma relacao de obras selecionadas do antropélogo, sobretu. do aquelas publicadas no Brasil. Assim, a coletnea Os antropologos € composta de 19 ensaios que foram ordenados de acordo com a data de nascimento dos antropélogos, iniciando com o texto sobre Ed. ward ‘Tylor - que nasceu em 2 de outubro de 1832 em Londres e morreu em 2 de janeiro de 1917 em Somerset, também na Inglaterra, escrito por César Augusto de Assis Silva, do Centro Brasileiro de Anilise e Planejamento (Cebrap). Em seguida, a obra do escocés James Frazer, que nasceu em Glasgow em 1° de janeiro de 1854 e faleceu em Cambridge na Inglaterra em 7 de maio de 1941, é apresentada por Elizabeth Christina de Andrade ima, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). O texto sobre Franz Boas, nascido em 9 de julho de 1858 em Minden, atual Alemanha, e que morreu em 21 de dezem- bro de 1942 em Nova York, é de autoria de Margarida Maria Moura, da Universidade de Sao Paulo (USP). Para o quarto capitulo, Marcos Lanna, da Universidade Federal de Carlos (UFSCar), preparou um ensaio sobre Marcel Mauss, nascido em 10 de maio de 1872 em Epinal, na Franca, e que morreu em 10 de fevereiro de 1950 em Paris. Roberto DaMatta, da Pontificia Universidade Catdlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), € quem nos apresenta a obra de Van Gennep, nascido em 23 de abril de 1873 em Ludwisgsburg, atual Alemanha, e que morre em Paris em 7 de maio de 1957. Radcliffe-Brown, também presente na coletanea com um texto de Claudia Pereira, da PUC-Rio, nasceu em 17 de janeiro de 1881 na Inglaterra, na cidade de Birmingham, e faleceu em 24 de outubro de 1955 em Londres. Dos antropélogos nascidos no século XIX, ainda temos Bronislaw Malinowski, com um ensaio de José Guilherme C. Magnani, da USB, e Ruth Benedict, com um ensaio de Gilmar Rocha, da Universidade Federal Fluminense (UFE). Mali- nowski nasceu na Cracévia, atual Polénia, em 7 de abril de 1884, e morreu em 16 de maio de 1942 em New Haven nos Estados Unidos. Benedict nasceu em 5 de junho de 1887 em Nova York e morreu, na mesma cidade, em 17 de setembro de 1948. ulo XX com 0 nono capitulo, escrito por Joao Martinho de Men- Chegamos a0 donea, da Universidade Federal da Paraiba (UFPB), sobre Margaret Mead, norte-ameri- embro de 1901 na Filadélfia e morreu em 15 de novembro cana, que nasceu em 16 de de: de 1978 em Nova York. Evans-Pritchard, que nasceu ¢ morreu na Inglaterra — Sussex, 21 de setembro de 1902 ¢ Oxford, 11 de setembro de 1973 -, integra a coletanea com um texto de Carlos Alberto Steil e Rodrigo Toniol, ambos da Universidade Federal do Rio 12 Grande do Sul (UFRGS). O capitulo seguinte, de José Carlos Rodrigues, da PUC-Rio, 6 dedicado a Lévi-Strauss, que nasceu em Bruxelas em 28 de novembro de 1908 e mor- reu em Paris em 30 de outubro de 2009. A obra de Edmund Leach ~ nascido em 7 de novembro de 1910 em Sidmouth, na Inglaterra, e falecido em 6 de janeiro de 1989 em Cambridge, no mesmo pais ~ é apresentada por Mariza Peirano, da Universidade de Bra- silia (UnB). Louis Dumont, que participa da coletanea com um texto de Lui , Fernando Dias Duarte, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nasceu em 1° de agosto de 1911 na Tessalénica, atual Grécia, e morreu em 19 de novembro de 1998 em Paris. No décimo quarto capitulo, Aldenor Alves Soares, da Universidade de Pernam- buco (UPE), escreve sobre Victor Turner, escocés nascido em Glasgow em 28 de maio de 1920 e que faleceu em Charlottesville, Estados Unidos, em 18 de dezembro de 1983. Everardo Rocha e Marina Frid, ambos da PUC-Rio, apresentam a antropéloga Mary Douglas, que nasceu em 25 de marco de 1921, em San Remo na Itilia, e morreu em 16 de maio de 2007 em Londres. Em seguida, Erving Goffman — nascido em 11 de junho de 1922 em Mannville, no Canadé, e falecido em 20 de novembro de 1982 na Filadélfia, nos Estados Unidos ~ é apresentado por Edison Gastaldo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Clifford Geertz, nascido em Sao Francisco, nos Estados Unidos, em 23 de agosto de 1926 ¢ falecido na Filadélfia, no mesmo pais, em 30 de ou- tubro de 2006, foi tratado no texto de Relivaldo Pinho, da Universidade da Amaz6nia (Unama). O tinico antropélogo vivo entre os listados na coletnea é 0 norte-americano Marshall Sahlins, nascido em 27 de dezembro de 1930 em Chicago, que é apresentado idade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Final- mente, Pierre Clastres, nascido em 11 de maio de 1934 em Paris ¢ que morre em 29 de julho de 1977 em Gabriac, também na Franca, é objeto do ensaio de Ovidio de Abreu no texto de Elizabeth Pissolato, da Univers Filho, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Cada capitulo é dedicado especificamente a obra de um pensador, portanto, pode ser lido separadamente e nao necessariamente em sequéncia. Mas, com o intuito de con- tibuir para a dindmica de leitura ¢ apontz s conexdes intelectuais, os antropélogos desta coletinea que forem mencionados em outros capitulos serdo sempre sinalizados com a mensagem “ver ensaio neste livro” entre parénteses ao lado dos seus nomes, logo em sua primeira entrada no texto. Esperamos, assim, que o ptiblico leitor se beneficie de uma visdo geral sobre o con- texto €as teorias de autores essenciais para as pesquisas, 0 ensino ea propria constituigio da antropologia. Temos a certeza de que essa obra pode se tornar uma referéncia edito- rial, pois, além de sua qualidade intelectual, estaré, mais uma vez, aliando a PUC-Rio, representada por sua editora, & Editora Vozes, com sua longa tradi¢do em publicagdes na rea de ciéncias humanas ¢ sua capilaridade em todo territério nacional. Portanto, no processo de desenvolvimento intelectual brasileiro e neste momento de nosso mercado editorial, é extremamente bem-vinda uma cole! ea de alta qualidade que contribua, 13 14 efetivamente, para ampliar 0 conhecimento que 0 ptiblico leitor possui sobre a Antro, pologia, essa ciéncia da diferenca que, paradoxalmente, nos integra. E, acima de tudo, estarmos mais préximos daqueles generosos pensadores que, com inteligéncia, esfor¢o » ctiatividade, interpretaram a vida social ¢ a cultura que nos torna a todos definitivamen. te humanos ¢ que muitos de nés tao ansiosamente desejamos entender. al Edward Tylor (1832-1917) César Augusto de Assis Siloa* Edward Burnett Tylor ocupa uma posicao ambivalente no ensino contempordneo de Antropologia. Por um lado, sem sombra de diivida, ele figura entre aqueles que siio tidos como os pais fundadores da disciplina. Sua biografia confunde-se com o nasci- mento da Antropologia como ciéncia e sua institucionali: do no meio universitério inglés. Afirma-se que a produgao de ‘Tylor causou bastante impacto na conformagao de problemas de pesquisa, delimitacao de recortes empiricos, preocupacdes metodolégi- cas, ou seja, elementos que deram os contornos da antropologia em fins do século XIX. Geralmente, ele é referido como o primeiro a definir 0 conceito de “cultura” em uma perspectiva antropoldgica em lingua inglesa, Além disso, de acordo com Adam Kuper (1989) e Stocking (2001: 107), dada a sua destacada atuacao no meio universitério inglés na passagem do século XIX para o XX, muitas vezes a Antropologia era referida como a cigncia de Tylor (Tylor’s science). Apesar dessa posicao notavel, ele é visto como um classico evolucionista, o que Ihe confere certo desprestigio no pantedo de fundadores da antropologia, pois é representan- te de um paradigma ultrapassado. O evolucionismo foi uma perspectiva dominante na antropologia desde a metade do século XIX até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A fase que se seguiu a este perfodo, o que se convencionou chamar de antropologia mo- derna, constituiu-se em grande medida na critica do evolucionismo. Como resultado, ‘Tylor é um autor pouco traduzido para o portugués, quase nada investigado, nio é lido com profundidade, sendo ger: mente ensinado nos cursos de graduacdo como membro de uma escola que nao deve ser mais copiada. Sao os elementos malvistos do evolucionismo que sao ressaltados, contra os quais a antropologia moderna se erigiu, como em um jogo de espelhos. ‘Tylor! nasceu em 2 de outubro de 1832, em Camberwell, Londres, Inglaterra, sen- do o quinto filho de uma préspera familia quacre?, proprictéria de indtistria metaltirgica (fundicao de bronze). Seus pais faleceram no inicio de sua vida adulta. Quando iria dedi- car-se a administrac: 10 dos negécios da familia, Tylor foi diagnosticado com tuberculose. Por conta disso, seguindo recomendagoes médicas, o mesmo se langou em viagens em * Realiza pés-doutorado no Centro Brasileiro de Andlise ¢ Planejamento (Cebrap). Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Sao Paulo (USP). 15 busca de climas mais quentes. Uma dess; sua trajetéria intelectual, a Em 1855, foi Para os Estados Unidos e paises da América Central. No ano i 5 hie ém quacre. E: te, em Havana, conheceu por acaso © arquedlogo Henry Christy, também qui 6 . . iquias preciosas do M 'stante conhecido por roubar Tulnas astecas € reliquias precio: arqueologia ¢ historia, © fruto desta ex; Mexicans, Ancient and Modern (Anahuac: » © autor combina apontamentos tipicos de literatura de ra observacdes antropolégicas, bem como um, anilise sobre 9 México antigo ¢ moderno Espantado com o carter nio moderno do pais, 0 autor preconiza sua absorgao full Pelos Estados Unidos com Além de Henry Ch; influenciou, 2 c A producio intelectual de Tylor é co alés. Em 1865, publicou seu segundo livr and the Development of Civilization (Pesqui nformadora do pensamento antropolégico a ‘0, Researches into the Early History of Mankin Sas sobre a antiga historia da humanidade ‘a desenvolvimento da civilizacao), is maduro do que o trabalho anterior, no qu cle confirma a tese da unicidade Psiquica da humanidade e o carg degenerativo da historia humana, Em 1871 ture: Researches into the Developme Custom (Cultura primitiy religido, linguagem, arte e costu bem ma ivo e nao ter progressivo € M! » Publicou o seu principal livro, Primitive Cul- mt of Mythology, Philosophy, Religion, Language, Art and uisas sobre o desenvolvimento da me). Neste, por meio de uma vasta co 9 mundo, o autor demonstrou que u . . 1 lay mitologia, filosofi 5 os mparacao com dad: vo desen- m progress antes e de moradores de pais ; ; e , > Pela British Association for th Advancement of Science (Soci ita Descent (Sobre um método de investigar 0 desenvolvimento das instituigdes, aplicado as leis de casamento e descendéncia), em que comparou por meio de métodos estatisticos dados relativos a casamento € parentesco cm 350 sociedades, concluindo que ha um mo- vimento que leva & prevaléncia das instituicOes masculinas ao longo do desenvolvimento da civilizagao. Como um dissidente quacre, durante o seu perfodo de formagio nao pode fre- quentar a universidade, condigio esta que fez dele um livre-pensador. Apesar disso, sua trajetoria posterior bem expressa 0 processo de institucionalizacao da disciplina de An- tropologia no meio universitério inglés. Em 1871, foi considerado Fellow da Royal Society. Apés reformas universitirias, em 1883, pode ser nomeado a um cargo piiblico, tornando-se conservador (Keeper) do museu da Universidade de Oxford (atualmente Museu Pitt-Rivers). Em 1884, foi o pri- meiro presidente da Secao de Antropologia da Sociedade Britanica para o Progresso da Cienels, De 1884 a 1896 foi o primeiro Leitor (Reader) da disciplina Antropologia na Universidade de Oxford. Em 1896, foi considerado professor, 0 grau mais elevado da carreira universitaria britinica. Foi p Institute, Em 1909, aposentou-se € recebeu 0 titulo de Professor Emérito. Dois anos de- pois, em 1912, foi sagrado cavaleiro (Sir). Em 1917, morreu aos 84 anos. ‘or duas vezes presidente do Royal Anthropological tke te em um contexto em que o entendimento da his- ‘Tylor produziu intelectualment téria da espécie humana passou por uma revolugio, pois ela foi ampliada sobremaneira. ‘Atéo século XIX, era comum a crenga, tes da historia humana estavam dados pelo tempo biblico. Com as descobertas cienttificas « hist6ria natural, na Franga e Inglaterra, 0 que era tido como mesmo pelos homens de ciéncia, de que os limi- no campo da arqueologia a vida antes do dilivio tornou-se pre-! vo menos 100 mil anos ou mais. Tal ampliagio historica combinada com vada pela tee da origem das espécies de Charles Darwin (1809-1882) icagdes acerca da condigao humana. historia, isto é, a existéncia da humanidade foi alargada em p a revolugao provo ctos € exigiram novas exp! causaram impa' ‘Tylor produziu no auge do paradi principais obras, e Early History of Mankind and the Development of Civilization (1865) ¢ periodo compreendido entre a publicagao dos gma evolucionista. Suas du Researches into th (1871) foram escritas no portantes de Charles Darwin: Origem das espécies (1859) e Descondé. a conformava 0 ponto de vista intelectual Primitive Culture dois livros mais im] cia do homem (1871). A perspectiva evolutiv de todos os homens educados de sua época. Especificamente, 0 contexto intelectual da década de 1860, de acordo com Stocking (1963), exigiu de Tylor um posicionamento frente as duas questoes antropolégicas candentes: a disputa entre plurigenistas versus monogenistas — isto €, a crenga ‘em uma origem plural ou tinica da humanidade — ¢ entre 17 te . = : 7 : a humanidade Com relacdo a primeira questo, Tylor se opunha a visio de que a human| a uma origem plural, tee que era defendida por certos cientistas, os quais seed mo espécies diferentes, com especial atenc0 P ©, 4 medigo da caixa craniana. De outro mod ‘rar a unicidade da humanidade, a despeito de "4 Postulado colocou como problema de investigas ’ enitre as diferentes sociedades no globo oa apesar de sua origem tinica, Em resposta a esta questao, Tylor demonstrou que a3 ferencas se explicariam, poi 4 fe ocesso Pols cada sociedade ocupa um estdgio diferente no pr evolutivo ~ ainda difusio. Desse modo, que ela € tinica — mas de desenvolvimento, e lugio). Tylor esboga, de certo modo, nO capitulo introdutério de sua prin estudadas co; obra de Tylor foi capital para demons heterogeneidade fisica ¢ cultural. Tal 8 explicacdo da persistente diferenga a diferenga na humani : - evo- nao seria de esséncia, mas de grau (de uma critica modern: cipal obra: ji autor a ideia de raca, afirma 0 aul rece tanto possivel quanto d. ide hereditéria, ou ra génea em Natureza, . s de varie- Par lesejavel eliminar considerag on aa 01 da 'cas humanas, e tratar a humanidade como a embora situada em dife Tentesgraus de ciiliasit Os detalhes da pesquisa provario, Peec-me que eng de cl Podem ser comparados sem se levar €M conta o quanto tribos que usam g mesmo implemento, seguem 0 mesmo costume ou acreditam no mes™ for dem diferir em sua configuracdo Corporal e na cor de pele e cabe™ lo (TYLOR, [1871] 2005; 76). Como o pensamento de um autor € fruto de seu tempo, apesar de rejeitar 0 plu- Tigenismo ¢ minimizar nogao de raga, Tylor nao deixa de, em certas passagens de sua vista evolutivo e conceber hierarquias entre as ragas humana OCKING, 200 obra, tomar uM ponto de (CASTRO, 2005: 29; ST¢ ae is con ‘4am ao pensamento biblico, pois a aie ins « jo cebiam a progressiva decadéne; desde a expulsio de Adio e Eva ¢ eA ato: am que olucionistas. Estes acreditavam qu lente de * cA, desenvolvimento, evoluca 2 NO Progresso e na unidade psiquica da © elementos que revelam a he- maior mérito intelectual foi se apropriar de 18 osofico ¢ abstrato de “homem universal” e expressé-lo analiticamente um argumento fi em sua concretude e diversidade a partir de dados etnogrificos de sociedades histori cas particulares. Outra influéncia conformadora da obra de ‘Iylor é o romantismo alemio, de 1 Johann Gottfried von Herder (1744-1803) e Gustav Klemm (1802-1867), movimento intelectual no qual 0 an oas (1858-1942) (cf. ensaio neste livro), so herdeiros do relativis- trop6logo inspirou-se para elaborar sua nogio de “cultura”. Tylor tanto quanto Franz Br mo alemio, apesar de sera evidenciado a seg ‘ura’ ngo seria um atributo somente de sociedades civilizadas, mas se apropriarem de modo diferenciado da nogao de cultura, como wir. O argumento romantico fundamental incorporado pela an- tropologia é que “cult algo definidor da humanidade. (© método por exceléncia da antropologia de Tylor € a comparacao. Além da cién- cia natura, afilologia comparada do alemao Max Miller (1823-1900) e do inglés James Cowles Prichard (1786-1848) ~ figura importante da antropologia britanica antes de 1850 — conformaram 0 modo como ‘Tylor analisa seu vasto universo empirico. Diferen- temente da tese biblica na qual a origem das diversidades linguisticas seria fruto da agio divina, apés a tentativa humana de construgao da Torre de Babel para chegar ao céu, a filologia do século XIX realizou comparagoes entre diversas linguas, mostrando filia- Ges a troncos comuns, bem como desenvolvimentos hist6ricos e empréstimos. Miiller estabeleceu conexdes das relacdes hist o entre linguas, © entre linguas indo-europeias e 0 sénscrito, bem como revelou as éricas entre religido, cultura e lingua. Prichard, por meio da com- ostumes ¢ tipos fisicos, mostrou vinculos entre diferentes nagoes, da tese do monogenismo. ‘Tais pensadores inspiraram, em grande povos ¢ racas, em favor omparativa da “cultura” em Tylor. medida, a abordagem c ak acluir que 0 evolucionismo darwinista, o iluminismo francés, oe filologia comparada constituem as principais influéncias con- formadoras do pensamento de ‘Tylor. Além de ser uma figura fundamental para a cons- tituigio da antropologia bri ‘Tylor é consensualmente referido como o primeiro a definir de maneira formal, bem como sua obra € peca fundamental para 0 desenvolvimento moderno desta palavra re outros, CASTRO, 2005: 17; KUPER, 2002: 83; CUCHE, 7: 117-124). Em sua definigio: Assim, podemos co! itanica, em uma perspectiva antropoldgica, 0 conceito de “cultura”. em lingua inglesa (cf, emu 2002: 35; WILLIAMS, 200 Cultura o1 aquete todo complexo que inclui conhecimento, eenca, arte, moral, Ie vostume € quaisquer outras capacidades e habitos adquiridos pelo ho- de membro da sociedade (TYLOR, [1871] 2005: 69). .u civilizagdo, tomada em seu mais amplo sentido etnografico, € mem na condicao 19 eategori » 240 cabe retomar a Benealogia da eae “Wilizacdo”. Williams (2007: versa Passou a desempenhar em di as C ativeis. Contudo, alguma 4 contribuicao de Tylor longa duracéo, desde a Idade M Sultivo?s kl uso ainda 'é correitl “cultura da cana de éculo XV car 0 cticar” para indicar Sou a ser empregada ve deum ser humano por a es ular dames om Herder, no século XVIII, ela passou a artis UM Povo e, éncie) 08 na sequéncia, lo, a oder! » temos o germe do mo ral, que a ant cultura” a de serials 's Mecanico, ind ae 1m povo (ELIAS, ado, Categorias, Por um c Concorda que todos os "4 de seu uso no plural, a 58 Como sindnimos P: i > da antro al. Diferentemente da 4 existéncia de TNEA indica os est 240 € Dartidério » concebenda Stas no, um: NO Univers Plicam poy 2° Wlor a dite jcula- culturas partic cos de ‘Agios espe Pyle Je P Ylor de Tita os objetivos d e, na me ‘des da humanidade, n Stigada sop ema m (cl Principios gerais, é ur acao humana. Delia 0 amplame, 4 civilizagao pode de e de viStOS como eg 'ando d *Pel na mode 55 causas uniform envolvir igios de desenv la histér; » para * Prévia ¢ pronto pat lagem A futuro. 4 @ historia do futur , “ooh 7-124) ngut nguls di ons investigagio desses dois grandes prineipios em vétios depar tamentos da etnografia, com atencdo especial & civilizacio das tribos inferiores como relacionada com a civilizacio das nag este livro (TYLOR, [1871] 2005; 69), "Ss mais elevadas, est4 dedicado Tal como esti nomeado o capitulo introdutério de sua obra maxima, ‘Tylor estava imbufdo em constituir uma “ciéncia da cultura”. Contudo, a definicao de leis para 0 inda algo muito incipiente. O antro- desenvolvimento hist6rico da humanidade era Pélogo estava ciente das dificuldades em fazer do estudo da vida social urs dominio da historia natural. De modo que Tylor recortou da hist6ria em geral aquilo que Ihe parecia vel: ser mais analis Seo campo de pesquisa for reduzido da Histéria como um todo para aquele ramo aqui chamado Cultura ~ a histéria néo de tribos on nacées, mas da condicao de conhecimento, religido, arte, costumes « semelhan- Gas entre elas ~a tarefa da investigacao revela-se limitada a um Ambito muito mais razoavel (TYLOR, [1871] 2005: 74), ‘Tor quer demonstrar leis gerais. Afirma que “se existe lei em algum, lugar, existe em todo lugar” ([{1871] 2005: 97). Conformado Por seu s6brio empirismo inglés, 0 au- ‘or organiza uma grande quantidade de dados etnogréficos em departamentos ou areas etnolégicas, tais como: linguagem, arte, mito, rito, religiao, vestimentas, arma, arte de Contax; costumes, com a intencio de aplicar seu método comparativo. De cert modo, ‘Tylor conformou 0 estudo desses dominios da vida social como objetos da antropologia. Um primeiro passo no estudo da civilizacio é dissecé-la em detalhes ¢, em seguida, classificé-Ia em seus grupos apropriados Assim, ao exa- minar as armas, elas devem ser classificadas como lanca, maga, funda, arco ¢ flecha, ¢ assim por diantes entre as artes téxtis, deve constay ta pecaria, confecgio de redes e diversos graus de complexidade no fares e tecerfioss 08 mitos estio divididos em t6picos como mitos do nase do sol e do poemte, do eclipse, do terremoto, mitos locais que usar algum conto fantastico para explicar 0$ nomes de lugares, mitos eponimicos aue explicam a ascendéncia de uma tribo transformando seu nome no de um ancestral imaginétio [..). Tas sdo uns poucos exemplos varia- dos de uma lista de centenas, ¢ 0 trabalho do etndgrafo € classificar esses detalhes com vista estabelecer sua distibuicdo na geograf « na historia ¢ as relag6es existentes entre el Em que consiste esta tarefa € um ponto que pode ser quase perfeitamente ilustrado comparando esses detalhes de culturas com as espécies de plantas €animais tal como estudadas pelo naturalista, Para o etnégrafo, 0 arco e flecha ¢ uma espé- cie, 0 habito de achatar os erdnios das criancas é uma espécie, a pratica por dezenas é uma espécie, A distribuicao geo- de contar os ntimer: srifica delas e sua transmissao de regito a regido tem de ser estudadas ista estuda a geografia de suas espécies bots ™m. nicas e zoo- como o natural I6gicas ({1871] 200: 21 ee alista para al © etndgrafo estaria em melhores condicées que o naturalista p O astrolabio medieval deu lugar ao quadrante, e este foi agora ie do, por sua ver, pelo homem do mar, que usa o mais delicado — 4 © assim acontece, em Sequéncia, ao longo da histéria das artes € ao a xemplos de progressio sio conhecidos por nés a 7 aS essa nocio de desenvolvimento est tao ne a Rossas mentes que, por meio dela, ea ea a confiando no conhecimento geral riais e letradas), © conceito de “Sobrevi dancia com sua concepeao de « cultura permanecam mesm j ee termo “sobrevivéncias”. Tait Costumes, opinides, ¢ assim por diante, que, por forga 2 : : : ferent Sontinuaram a existir num novo estado de sociedade difere : vas daquele no qual ‘veram sua origem, ¢ entao permanecem como pro © exemplos de uma condicéo mai a ‘antiga de cultura que evoluiu em wm ‘mais recente [1871] 2005: g7) 22 ‘Tylor possui wm importante papel nos estudos antropoldgicos de religiao, sendo © conceito de “animismo” sua maior contribuicéo. Este emerge de uma especulacio fi- los6fica do selvagem diante de dois problemas: a diferenca entre 0 corpo vivo e 0 morto ea natureza de formas humanas que aparecem em sonhos ¢ visées. A resposta a estes fenémenos produz a crenca da vida e do pensamento no corpo, que continua vivendo mesmo apés a morte fisica. na existéncia da alma, uma forma nao substancial, causa Afirma Tylor: Proponho aqui, através do termo animismo, investigar a enraizada dou- trina dos seres espirituais, que di corpo a propria esséncia da filosofia espiritualista, em oposicio & materialista [... 0 animismo caracteriza tribos situadas muito na base da escala da humanidade, ¢ dai ascende, profundamente modificado na sua transmissio, mas conservando do prinefpio ao fim uma continuidade ininterrupta, até ao seio da cultura moderna mais elevada, [..] Ao empregarmos o termo animismo para de- signar a doutrina dos espiritos em geral, estamos a afirmar que as ide relativas as almas, aos demOnios, as divindades ¢ as outras classes de se- res espirituais sio todas elas concepgdes com uma natureza andloga (TY- LOR, [1871] 1903, vol I, p. 425-426, apud ROSA, 2010: 300). jos poucos autores contemporaneos que apostam em uma lei- tura renovada desse evolucionista inglés. Em sua interpretacao, mais do que criar dis- tancia entre os civilizados © os selvagens, Tylor procurou demonstrar com 0 conceito 0 0 quanto ha de selvageria na crenca dos homens civilizados, tendo em Rosa (2010) € um di de animism vista que o anim! demais formas de cren’ jemo seria a base fundamental a partir da qual se originaram todas as ca em anjos, deménios, deuses, até uma divindade superior una. Ainda na interpretagao do autor, 0s leitores de Tylor teriam focado muito mais na no- cao de “sobrevivéncia” do que de “desenvolvimento”, 0 que limitaria o entendimento xxidade do pensamento de Tylor. Nesse caso, a crenca em alma mais do que da comple evivencia” dos selvagens, seria a base para o desenvolvimento de todas uma mera “sobr as religides modernas, ou seja, um elemento fundamental de continuidade na evolucao da cultura humana. 1k A antropologia evolucionista recebeu a alcunha pejorativa de “antropologia de “antropologia de poltrona” (armchair), pois as teorias eram ela- gabinete”, ou em inglés, boradas a partir de dados etnog! ficos coletados por terceiros (viajantes e missionarios). Contudo, ‘Tylor também realizou P sores fizeram. Como jé {04 afirmado, o mesmo esteve no México duran- esquisa empirica, ainda que em nada semelhante a0 que os seus suces: eriéncia que Ihe rendeu seu primeiro livro. Na obra Researches into te quatro meses, exP oo ind and the Development of Civilization, 0 autor dedicou alguns the Early History of Manki 23 - Também continua send? ou Seja. eae definidor ap hu 2m? Suposto de que a “cultur4 estagios nos quais estariam 4 Mais do que um simples evolucionista, Tylor era um antropélogo bastante sensivel ao desenvolvimento hist6rico dos fatos da cultura. Acreditava que as espécies etnografi- cas somente poderiam ser explicadas em uma narrativa hist6rica, sendo esta a chave para a compreensio de como nos tornamos quem somos. Além disso, sua heranga iluminista no progresso garantia a ele um suposto de que 0 estudo do passado seria um meio para a producao de uma sociedade melhor. nista, nos parece que o papel-chave da historia ento de Tylor, algo que permanece irretocavel. Com todos os excessos do pensamento evolucio- para explicar a cultura continua sendo a maior contribuigao do pensam Notas + Usei como fontes para este texto os primorosos trabalhos de Castro (1936) 6 Rosa (2010) sobre diferentes aspectos da obra de Tylor Mowimento raligioso protestante nascido no século XVII. Seus membros so conhecidos como quakers (os tremedores, em inglés). E caracterizado pelo pacifismo, simplicidade, rejei¢do da organizacao clerical e oposigao a Igreja Anglicana. (2005), Stocking (1963, 2001), Maret Obras selecionadas de Edward Tylor On a Method of Investigating the Development of Institutions; TYLOR, E.B. (1889). », Journal of Royal Anthropological Institute, 18, applied to Laws of Marriage and Descent 1889, p. 245-269. (1881). Anthropology: y A.C, Haddon. Londres: Watts, 1946. an Introduction to the Study of Man and Civilization - With introduction b; re: Researches into the Development of Mythology, Phi- ___ (1871). Primitive Cult d Custom. Nova York: J.P Putnam's Sons, 1920. losophy, Religion, Language, Art an 1s into the Early History of Mankind and the Development of Civili- (1865). Researches zation. 2. ed. Londres: John Murray/Albemarle Street, 1870. (1861). Anahuac: or Mexico and the Mexicans, Ancient and Modern. Londres: Longman/Green/! Roberts, 1861. 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Pois bem, o intento deste ensaio é exatamente apresentar ao publico leitor, es- pecialmente aquele que no conhece Frazer, nem mesmo o campo do conhecimento chamado de antropologia, nista, destacando o seu trabalho ¢, sobretudo, a sua fundamental uma leitura e interpretagao mais generosa desse importante antropélogo evolucio contribuicdo para 0 nascente pensamento antropol6gico. Algumas notas sobre 0 evolucionismo vitoriano Primeira mente como um de abordagem, constitui~ vimento do saber e fazer antropol6gicos. Primeiro, por caracterizar-se como pioneira na ensamento cientifico sobre a alteridade, em fins do século XIX, a qual ja grande corrente da moderna Antropologia, 0 evolucionismo surge atual- sistema de pensamento que, embora seja bastante criticado na sua forma se como uma escola de extrema importancia para o desenvol- andlise de um p' dispoe de uma teoria sistem um objeto, a saber: 0 estudo stdes que até OS NOSSOS dias ocupam grande parte do tempo de antropé- atizada, fundamentada em um método, e principalmente em das sociedades ditas primitivas; e segundo, por ter iniciado o estudo de que’ logos de todo o mundo, reas do conhecimento antropo! hoje foram, na verdade, elaboradas pelo evolucionismo, como € 0 caso de nogées tais to consanguineo, exogamia, totemismo, magia etc. de um momento histérico de grande euforia, otimismo e crenga no como, por exemplo, 0 estudo do parentesco e da religido que sio J6gico em que grande parte das categorias utilizadas até como: casamen! Produto bem-estar prom das teorias que acreditam na razao € no progresso, € defendem em seu humanidade caminharia inexoravelmente rumo ao progresso; ou seja, ica do evolucionismo parte do pressuposto de que existe uma historia qual todas as sociedades percorreriam em direc4o a um tipo de or- ncide com a propria sociedade europeia do inicio etido pelo progresso tecnoldgico e cientifico, o evolucionismo se co- loca como uma arcabouco que a a construgao teéri tinica ¢ linear, na ganizacdo social, que por sua vez coi do século XIX. De maneira sucinta apresento, a partir do antropélogo Roberto DaMatta (1983), ta através da apresentacio de quatro ideias gerais: “Primeiro, a ideia a escola evolucionis! 5 humanas deviam ser comparadas entre si por meio de seus costu- de que as sociedade' ines” (DaMATTA, 1983: 91). Tai costumes eram vistos como entidades isoladas do seu contexto (método comparativo). Nesse caso, 0 costume é concebido como ilustracao de estagios socioculturais especificos, isto é, se uma determinada sociedade apresenta, por exemplo, 0 costume de cativo de que esta socie’ sociedade do observador. fo canibalismo, este nada mais seria que uma ilustracio e/ou indi- dade se encontra num estagio de desenvolvimento inferior ao da 29 Sempre do mais simples ao mais complexo, . ui ‘Peito ao “modo tipico ae $ homens” (DaMATTA, 1983: Me ‘40 da diferenca espacial”, A quarta e tiltima ideia do evolucionismo diz res] ‘am as diferencas entre oO » €m particular para outro famoso. coll {a vitoriano, Lewis Henri Morgan (1877), as Sociedades que mesmo sendo contemP é eas afastam-se de certa forma do padriy Curopeu, eram consideradas como con 4 dentes a estégios anteriores do desenvolvimento da propria sociedade europeia. oe, 4 diferenga entre as culturas é reduzida a uma Suposta diferenca de estagios de ere es Evolucao lembra transformacao, progresso, desenvolvimento de alguma cois4 é de sua forma mais simples até sua forma mais complexa, O termo “evolugao” comes @ ganhar destaque ao ser relacionado as teorias da evolugao que flo meados do sécul artir 40 resceram a parti Darwin. Coinci parle © XIX entre as quais se destacam as de Herbert Spencer e a de Cha! identemente um sécul Ho de intenso desenvolvimento téenico, industri econdmico, social e cientifieg, _ E € exatamente através das ideias de Herbert Spencer que o evolucionismo a0 na antropologia, vindo 4 Se co) levando, Mas, Precisamente cia antropolégica e, Portanto, jetos de estudo € experim: ou melhor, een a cit T NOS primérdios da elaboracdo da a , cae s definir os objetivos desta, limitar seu! 9S antropélog jsm0 een cionis™ ares a esta ciéncia, € que o evolucion 08 hoje classificados Como evolucionistas imprecisdes em suas obras, entar métodos peculi Isto acarreta, ainda na atualidade, criticas al€ certo ponto exa mesmo tao ou mais imprecisas do que as imprecisées evolucionistas, acertos daqueles antropélogos fi "quem ofuscados pelos Seus erros, E a 30 a igeradas, € por } d fazendo com que a pesar de tudo 04! se diz contra 0 evolucionismo, principalmente contra 0 etnocentrismo do qual estavam imbuidas algumas obras deste periodo ¢ também contra a maneira como foi usado o mé- todo comparativo pelos evolucionistas, nao é possivel negar a imensa contribuigao legada, nfo $6. Antropologia, como também as ciéncias humanas em geral, pela aludida escola, Se tudo evolui, por que as ideias evolucionistas nao evoluiriam também? Por que as concepcées de evolucao ni © evolutismo? O mesmo se deu suplantadas pelas concepgoes culturalist atualizadas pelas ideias do neoevolucionismo. Na concepcao de Henri Bergson (1976) ~ coincidentemente considerado um pen- ‘a espiritualista ~ ha uma finalidade na vida porque ela nfo opera sem Jo se tornariam mais claras; evoluindo do evolucionismo para na antropologia, na qual as ideias evolucionistas foram as, funcionalistas e estruturalistas, além de serem sador evolucionis| uma direcio, mas isto néo significa a existéncia de objetivos definidos a priori, pois as possiveis diregdes — por nao mento de acordo com as combinag serem previamente definidas — sao atualizadas a cada mo- bes aleatérias de elementos que constantemente sao acrescentados a vida. Esta concepcao bergsoniana permite ver com outros olhos os preceitos evolucio- nistas. & preciso considerar que 0 pensamento evolucionista foi de inestimavel valor para o desenvolvimento apesar de seus excessos, cons humano. Além do mais, a princi mento humano ~ a de evolucio, no sen! sideravelmente este conhecimento; principalmente porque pela depuracaio pOde-se chegar ao pensamento evolutivo. Ou seja, permanece a ideia am-se as ideias de determinismo, unilinearidade e de etnocentris- tanto das ciéncias naturais quanto das ciéncias humanas; e que, seguiu tornar bem mais compreensivel o proceso hist6rico pal ideia que 0 evolucionismo trouxe para o conheci- tido de transformacao -, é uma ideia que impul- sionou con: do evolucionismo de evolugio e descart: mo. Como adverte Darcy Ribeiro, do para nao um neoevolucionista confesso, é preciso tomar cuida- {ue} jogar na mesma lata de lixo das doutrinas ultrapassadas, junto com 6 evolucionismo unilinear de ‘Tylor ou do progressivismo de Spencer, nada menos que a concepgao vital para as ciéncias sociais de que o pro- gresso hist6rico, néo sendo arbitrario nem erritico, é por isto mesmo, explicdvel e, em certa medida, até previsivel. [..]. Assim como as ciéncias da vida nao podem passar sem um esquema da evolugao biolégica ~ 0 que nao converte ninguém em darwinista -, assim também as ciéncias da sociedade nao podem prescindir do tinico esquema te6rico capaz de tornar a hist6ria inteligivel —c este sera inevitavelmente evolutivo, ainda que nao necessariamente evolucionista, de estilo tylorista ou spenceriano (RIBEIRO, s.d.: 25). Assim, a evolugao do mundo natural e do mundo cultural ocorre pelo constante acréscimo de um potencial vital, de alternativas para novas vidas e, ‘os seres vivos, que traz em si intimeras possibilidades consequentemente, novas possibilidades de mundos. 31 idades de entrecruzamento dag futuros, isto se torna possivel devido as vz possibi informagées que cada uma é portadora. Assim, 0 mundo e a sociedade humana Se tornam cada vez mais complexos proporcionando infinitos caminhos para a sua pr6. pria evolugao. Entre os principais temas tratados pelos autores evolucionistas do século XIX encontra-se a dimensao religiosa. Apesar de ocupar um lugar central nas investigacéty de varios expoentes do evolucionismo - como Edward Tylor (cf. ensaio neste livro), Ro- bertson Smith, Johann Bachofen, John Lubbock, Herbert Spencer, James George Fraztt ¢ Andrew Lang ~, ou talvez exatamente pela ampla variedade de teorias a seu respeito,a religiéo foi um tema muito controverso e, possivelmente, o que gerou resultados quali tativos menos satisfatérios. Analisados a partir da visao atual desta escola antropolégica, néo poucos sio 0s que dao razaio a Lewis Morgan quando este evitou abordar a questao religiosa argumen- tando que [.-.] 0 desenvolvimento das ideias religiosas € tao dificil de seguir que, provavelmente, nunca poderé constituir matéria de uma exposicéo pe feitamente satisfatdria. As crengas religiosas esto a tal ponto imbuidds de imaginacao e afetividade e assentam por conseguinte em conhecimen- tos téo incertos que todas as religides primitivas so grotescas e, em certa medida, ininteligiveis (MORGAN, s.d., I v.: 15). Apesar destas afirmacées, criticas, adverténcias e “profecias”, Morgan nao foi ou vido por seus colegas evolucionistas, Tylor, Bachofen e Lubbock, porque escreveram suas obras a respeito da religido antes que Morgan tivesse escrito este seu trecho; Lang, Spencer, Smith e Frazer por nao terem dado atengao a ele ou por desconhecé. lo. Mesmo considerando as limitagdes atribuidas as concepedes de religiay gestes autores, so inegdveis o seu pioneirismo na tentativa de uma abordagem mais sérig (apesar dos preconceitos) bem como a construefio de modelos teéricos (ainda que falhos) naa compreenso do ponto de vista antropolégico da dimensao religiosa, Bachofen entendia, nas palavras de Murray Leaf (1981: 130-131), “que a yey ito Primitiva expressava-se através de mitos, que ela seria a religido basica, reverg ora da mesma estrutura interna e da mesma relacdo com 0 comportamento que qualquer outra religido”. Segundo Marvin Harris (1983: 174), Bachofen elaborou um ss a da evolucao da organizacao social paralelo a uma evolucao das ideias ee e- lacionadas funcionalmente com aquela”; além disso, afirmava que quem inp he rumo da historia era uma sequéncia de reformas religiosas. O mais conhecido nn ? a evolucionista explicativo da religito foi o elaborado por James Frazer, no quay ei existéncia de trés fases de evolucdo pelas quais passam as sociedades urna os Perr e po, magia, sterior senvolve 0 conhe- religido e ciéncia. Para ele, entao, a religido seria um dos estégios (su ao da magia ¢ inferior e anterior ao da ciéncia) através do qual se de. 32 cimento humano. Por sua vez, Robertson Smith, assegura-nos Marvin Harris (1983: 181), estabelece “relacées entre a organi: ‘40 social, o ritual e as crengas”. E continua afirmando que, para Robertson Smith, “as instituic6es religiosas e as instituigdes po- liticas séo partes de um mesmo conjunto de costumes sociais”. Herbert Spencer faz, ainda conforme Marvin Harris (1983: 182), uma associagao das fungées das diferentes etapas da religiéo com “o controle politico, a coesio social, as atividades militares e as burocracias eclesidsticas”. S6 estas rapidas consideragées sobre a riqueza tematica do evolucionismo vito- riano ja so suficientes para provocar no leitor, pelo menos, uma curiosidade em buscar conhecer e aprofundar-se neste pensamento e viajar com estes autores, sem medo, e, sobretudo, sem preconceito. O cientista e seu tempo: biografia de Frazer Segundo informacées oferecidas sobre a biografia de Sir James George Frazer, oferecidas por Castro (2005): Frazer nasceu em Glasgow, Escécia, em 1854, numa familia de classe média, filho de um farmacéutico. Matriculou-se em 1869 na Universi- dade de Glasgow, graduando-se em 1874. Para completar sua formacdo, seguiu para o Trinity College em Cambridge, ao qual estaria ligado por quase todo o resto de sua vida, Dedicou-se com impressionante energia aos estudos classicos (i. é, aos autores gregos ¢ romanos, lidos no origi- nal) e, devido a seu desempenho, ganhou uma bolsa-prémio da universi- dade com duragao de seis anos (CASTRO, 2005: 18-19). Como varias de suas atividades académicas destaca-se uma em especial, realizada no ano de 1885, “uma palestra no Anthropological Institute, “on Certain Burial Costumes as Illustrative of the Primitive Theory of the Soul” (Sobre certos costumes funerdrios como ilustrativos da teoria primitiva da alma)” (CASTRO, 2005: 19). Na ocasiao estavam pre- sentes, entre outros, Francis Galton, Edward Tylor e Herbert Spencer. Celso Castro (2005: 19) ainda nos informa que no ano de 1884 Frazer se compro- mete com seu editor George MacMillan a “preparar uma nova traducao de Pausanias, gedgrafo e antiquario do século II d.C. que viajou extensamente pela Grécia e escreveu aquele que é geralmente reconhecido como 0 primeiro guia de viagem: Descrigéo da Grécia”. Em 1898, apés mais de 13 anos de trabalho, que incluiram viagens a Grécia para conhecer in /oco as recentes descobertas arqueolégicas e ver em que elas ajudariam a compreender o texto de Pausanias, o referido projeto teve como resultado uma “traducao comentada que veio a piiblico com nao menos do que seis volumes, ¢ mais de trés mil paginas. Ainda sob o tema da Antiguidade Classica produz no ano de 1929, os Fasti de Ovidio em cinco volumes. 33 Frazer era um amante dos estudos classicos, mas por esta mesma época, 20 Cy. nhecer 0 antropélogo William Robertson Smith (1846-1894), especializado no estudo histérico das religides do Oriente Médio, em especial do Antigo Testamento, os dois tio 86 se tornaram bastante amigos, como William levou Frazer a conhecer a antropologia mesmo sem fazé-lo abandonar os estudos classicos. Bem antes de concluir sua edigao de Pausanias, F que resultaria na sua maior obra, The Golden Bough (O ramo de ouro): A primeira edicao do Ramo de ouro foi publicada em 1890, em dois voly- mes e com um total de 800 paginas. A segunda edicao, de 1900, amplitva a obra em um volume [...). Frazer continuou, no entanto, aumentand® 9 livro. A terceira edigao, publicada entre 1911 ¢ 1915, tinha 13 volutes ¢ um total de 4.568 paginas, levando o leitor através de uma vertigin®st viagem por todas as provincias etnogrificas e mitologias do mundo. Fm 1922, Frazer preparou uma versio condensada em um volume qué st tornou um best-seller (CASTRO, 2005: 21). Em 1908, ainda segundo informacées de Castro (2005: 22), Frazer, ja conhecito no meio académico como antropélogo, aceitou um convite para mudar-se para a Uni- versidade de Liverpool, aps viver 34 anos em Cambridge. Na Universidade de Liver- pool foi criada especialmente para ele a disciplina de Antropologia Social, a primeira ser criada com esse titulo numa universidade em todo o mundo. Frazer e sua esposa viveram apenas cinco meses em Liverpool, retornaram a Ca- bridge e em 1914, j4 com 60 anos de idade, mudou-se para Londres, Nesse periodo ii- cia-se uma fase de sucesso junto ao piibico leitor. Ele nao para de produzir e no an de 1918 publica, em trés volumes, a obra Folk-Lore in the Old testament (Folclore no Antiko ‘Testamento), ainda nao traduzida para o portugués do Brasil, mas disponivel em eSPa nhol (EI folklore en el Antiguo Testamento) e publicada em 1986 pelo Fondo de Cultw- ra Econ6mica. Nessa obra, em particular, Frazer pde os documentos das escrituras 0 correspondéncia com os mitos da Antiguidade do Oriente Préximo. Quatro anos ants, yer ja tinha um novo projeto, em 1914, Frazer foi tornado (condecorado) cavaleiro da Coroa Britanica, e doravante P% saa ser chamado com o titulo Sir, No ano de 1910, Frazer produz quatro volumes para tratar do “Totemismo € 0° gamia”, obra baseada na teoria do tabu das unides consanguineas; entre 1913 ¢ 1924 escreve em trés volumes a obra intitulada A crenca na imortalidade e 0 culto dos mortos- Outros fatos marcantes da vida de Frazer, destacados por Celso Castro (2005: 23); acontecem jé na década de 20 do século passado: Em 1921, recebeu 0 titulo de doutor honoris causa pela Sorbonne €, €t 1922, iniciaram-se as Frazer Lectures [Conferéncias Frazer], realizadas anualmente até hoje, num regime de rodizio, pelas universidades de Glasgow, Cambridge, Oxford ¢ Liverpool, com a participagao dos an- tropélogos mais eminentes. Ainda em 1922, os Frazer deixaram sua ca8d 34 _ z> em Londres e passaram a viajar por varios paises, enquanto preparavam 0 retorno definitivo a Cambridge, onde construfram uma pequena casa. O final da vida, no entanto, foi duro para o casal. Completamente cego a partir de 1931, Frazer continuou com o auxilio da esposa a preparar no- vas edigdes de seus livros. Os dois morreram no mesmo dia, com poucas horas de diferenga. Segundo informacées oferecidas por Mary Douglas (cf. ensaio neste livro) ao in- toduzir a obra condensada de O ramo de ouro, a teoria de Frazer foi delineada em trés : “a primeira, em 1888, quando escreveu os verbetes sobre Totemismo e tabu para a Encyclopedia Britannica” (DOUGLAS, 1978: 10). Ja a segunda etapa “corresponde & publicagéo da primeira edigao de O ramo de ouro, em 1890” (DOUGLAS, 1978: 11) ¢ finalmente, na terceira, entre 1890 ¢ 1910, “Frazer desenvolveu novas ideias sobre a maneira pela qual o pensamento magico funcionava e como se enquadrava na psicologia moderna” (DOUGLAS, 1978: 11). Diante de uma obra tao vasta ¢ diversificada, alguns antropélogos Ihe renderam homenagens, a exemplo do funcionalista britanico Malinowski (1975: 198), que com grande entusiasmo assim o caracterizou: Frazer é tanto pioneiro da Antropologia cientifica moderna como o por- ta-vor de sua geracao. O fundamento de sua abordagem nao pode ser rejeitado. O método comparativo é ainda o principal instrumento te6- rico para a formulagio de prinefpios gerais da Ciéncia Antropoldgica. O postulado das necessidades basicas do homem deve permanecer como © ponto de partida da nossa investigagdo dos fendmenos culturais. O principio evolucionista ¢ seu instrumental capital nunca serio comple- tamente rejeitados pela Antropologia ou pelo humanismo. O interesse psicolégico de Frazer nos parece mais forte do que parecia ser hé um ‘culo, quarto de Para Bernardo Bernardi (1974) Frazer foi um “escritor versatil e erudito, foi so- bretudo um literato humanista. Dedicou-se a andlise comparativa ¢ levou ao maximo de- senvolvimento a problematica dos paralelismos entre o mundo classico antigo e a cultura dos primitivos” (BERNARDI, 1974: 181). E acrescenta: No amplo quadro comparativo, Frazer propde novos temas que perma- neceram na problematica geral da antropologia: a magia, o totemismo, a exogamia. Também ele formula um esquema evolutivo geral préprio em que a magia é a primeira manifestagio do espirito humano; a partir dela ter-se-iam desenvolvido, por ordem, a religido e a ciéncia (BERNARDI, 1974: 183). Darcy Ribeiro, ao prefaciar a edicao condensada para o portugués do Ramo de ouro tece varios elogios nao sé 4 obra em si, mas ao seu autor, o que aguca ainda mais a curiosi dade para se ter contato com a obra frazeriana. Afirma ele, encantado: 35 > Em nenhuma obra se pode ver, como nesta, 0 espirito humano se dejo. brar em manifestacdes tao variadas. Elas sdo hauridas por Frazet Ayo nas formas arcaicas que se lem nos velhos textos biblicos ¢ cléssigs como nas formas selvagens documentadas na literatura de viagey ¢ nos textos de etnografia. Compendiando estas fontes, Frazer no Pos tra, através da multiplicidade infinita de suas manifestagées, a unidage essencial do espirito humano, expressa na espantosa continuidade dos. mesmos arquétipos de pensamento e reiterando ao longo de milénios es povos de toda a terra (FRAZER, 1978). Tal entusiasmo merece ser registrado, por motivar a leitura de uma obra rica ew! detalhes, em informagées sobre a grande capacidade do homem em ser construtot ¢ re produtor de cultura. O ramo de ouro A obra condensada do O ramo de ouro ¢ editada em portugués encontra-se dividide em sete partes: 1) A arte da magia e a evolucio dos reis, na qual Frazer apresenta @ Su! teoria da magia e da religiao; 2) O tabu e os perigos da alma, em que se realiza a anise do duplo ou principio vital do homem ~ € 0 sentido tyloriano da palavra “alma” ~ € & tudo da significacdo dos interditos, cuja fungao € proteger o principio vital; 3) O d&us que morre, no qual esto presentes as varias interpretacoes dos rituais de morte do chefé ou do principe que se tornou doente, fraco demais ou muito velho; 4) Adénis, on s¢ pode ler um conjunto de interpretacdes dos ritos de magia agréria; 5) Os espiritos “os Bros, oportunidade na qual virios outros ritos de magia agréria sao interpretados; 6) 0 bode expiatério, em que Frazer explica o por qué da eliminacdo do chefe, além do estudo dos rituais de transferéncia do “mal” a um s6 “responsavel”; e 7) Balder, 0 belos Nest? iltima parte Frazer realiza a retomada, segundo a lenda do deus escandinavo Baldet, significagao geral do mito de O ramo de ouro. Celso Castro (2005: 20) assevera que em 1889, Frazer ao escrever para Ge0*8? ndo MacMillan fez uma espécie de resumo sobre o argumento do livro que estava escreve The Golden Bough (O ramo de ouro). Para Frazer, L...] propésito explicito seria explicar um tema da mitologia clé Tegra para a sucessao do sacerdécio no templo do bosque de Nemi, pet” to de Roma. Qualquer um poderia se tornar sacerdote e rei do bosau desde que primeiro arrancasse um ramo - 0 ramo de ouro — de uma Cert Arvore sagrada daquele bosque e, em seguida, matasse o sacerdote. Nas préprias palavras de Frazer seu objetivo seria: Através de uma aplicagéo do método comparativo, creio poder demo trar ser provavel que o sacerdote representou em sua pessoa o deus 40 bosque — Virbius — ¢ que seu sacrificio foi visto como a morte do deus. 36 Isso levanta a questao sobre o significado do difundido costume de se matar homens e animais vistos como divinos... 0 Ramo de Ouro, creio poder demonstrar, era o visco, ¢ toda a lenda pode, creio, ser posta em conexio, por um lado, com a reveréncia druidica pelo visco e os sacri- ficios humanos que acompanhavam seu culto; e, por outro lado, com a lenda nérdica da morte de Balder. O que quer que se pense das teorias [do livro}, descobririo que ele contém um grande estoque de costumes muito curiosos, muitos dos quais podem ser novidade mesmo para an- tropélogos reconhecidos. A semelhanga de muitos desses costumes ideias selvagens com as doutrinas fundamentais da Cristandade é ad- mirdvel. Mas nao faco referéncia a esse paralelismo, deixando que meus leitores tirem suas préprias conclusdes, de uma maneira ou de outra (FRAZER, apud CASTRO, 2005: 21). De fato, boa parte da obra de Frazer se encarregard de encontrar essas semelhan- cas, tome-se apenas uma que me é bastante familiar por té-la estudado em profundidade: 0 paralelismo entre o deus Adénis e 0 personagem biblico Sio Jodo Batista, o anunciador de Jesus Cristo!, Na obra O ramo de ouro, a Festa de Sao Joao é explicada pela presenca do fogo, e é, portanto, reminiscéncia de antigos cultos pagios e nao cristéos. Segundo Frazer: Em toda a Europa os camponeses tém, desde tempos imemoriais, 0 cos- tume de acender fogueiras em certos dias do ano e dancar e saltar a volta delas. Costumes desse tipo podem remontar, segundo as evidéncias his- toricas, a Idade Média, e sua analogia com costumes semelhantes ob- servados na Antiguidade contribui, com forte coeréncia interna, para provar que sua origem deve ser procurada num perfodo muito anterior & difusao do cristianismo (FRAZER, 1978: 214). E acrescenta: A época em que geralmente essas festas dos fogos eram realizadas em toda a Europa € 0 solsticio de verao, isto é, a véspera do solsticio (23 de junho) ou o proprio dia do solsticio (24 de junho). Um leve colorido cris: tao Ihe foi dado atribuindo-se-Ihe o nome de Festa de Sao Joao Batista, mas nao pode haver diividas de que a celebragio data de uma época mui- to anterior ao inicio da nossa era. [..] Embora se possa considerar como certa a origem paga do costume, a Igreja Catélica lancou sobre ele um véu cristo, declarando ousadamente que as fogueiras eram acesas em sinal do regozijo geral pelo nascimento do Batista, que oportunamente veio 20 mundo no solsticio de verdo [...] (FRAZER, 1978: 218). A mesma posicao de que as festas de Sao Jodo so uma reminiscéncia de antigos cultos pagaos e uma adaptacao feita pela Igreja Catélica, para imprimir-lhe um sentido cristao, é defendido pelo historiador Peter Burke: A noite de Sao Joao cai no solsticio de verao. Nos inicios da Europa moderna, es: festa era a ocasiao de muitos rituais, que incluiam acen- ay der fogueiras e pular por cima delas, tomar banho em rios, mergulhae ramos. O fogo ¢ a agua sio simbolos usuais de purificacdo, de modo ue € plausivel afirmar que o significado da festa era a renovacdo € 41% neracdo, e também a fertilidade, pois existiam rituais para adivinhts a proxima colheita seria boa ou se uma determinada moca se casarié no ano seguinte. O que tudo isso tem a ver com Sao Joao? E como se aIBte- ja medieval adotasse uma festa pré-cristd e a fizesse sua. [...] (BURRE, 1989: 205). De forma bastante contundente o citado historiador na verdade esta tentando des. montar toda uma linha de pensadores, estudiosos ¢ folcloristas que tentam associst Festa de Sao Joao a figura mitica de Sao Joao Batista, 0 anunciador do Messias, segundo © cristianismo. Ao questionar essa possibilidade, ele apenas admite que houve Wot adaptacao por parte da Igreja medieval de uma festa paga — a festa do fogo - para ul festa crista, e acrescenta: Assim como a Festa do Solsticio de Inverno, em 25 de dezembro» 0 a ser celebrada como o nascimento de Cristo, da mesina forma # Fee ta do Solsticio de Veréo veio a ser celebrada como o nascimento d anunciador de Cristo. O banho no rio era reinterpretado com? a comemoracao do batismo de Cristo por Sao Joao no Rio Jordao. Joao parece ter envergado o papel de espirito da vegetacio. As V2 ele aparecia com um ramo na mao, e muitas vezes era apresenti como um eremita, com pouca roupa, vivendo em lugares selvage”* ‘ (BURKE, 1989: 205). Parece-me que foi exatamente esse 0 exercicio proposto por Frazer: tentar monstrar o paralelismo entre certas praticas magicas e doutrinas do cristianismo. B foi a leitura que fiz de sua obra, néo buscando apenas criticar os seus erros de into lagao num tempo marcado pela ideia de progresso € de evolugéo. Ou seja, mes™° ‘a ofuscando a necessaria critica a sua producao, preferi extrair os seus muitos meri admitir a colaboracao de seu pensamento para a producio e construgao de parte 4& "4 nhas proprias ideias e formagao intelectual. Consideragées finais Nas aulas de Antropologia sempre incentivei 0s meus alunos a Jerem O ramo ouro, informando a eles que o texto de tao belo, tao rico em informacies e de estilo 140 agradavel, poderia ser lido num fim de semana, balangando-se o leitor em uma rede sugestdo sempre provocou risos entusiasmados em alguns alunos e espero, sincerame™™ ter provocado em alguns deles tal curiosidade. Sempre me incomodou demais a ortodoxia de certos intelectuais que, pot 4° cobrirem 0 “novo”, rechacam o “antigo” rotulando-o de superado, como se devess*! certas obras ¢ seus autores serem banidos das bibliotecas, da historia, da “face da ter?” 38 0 evolucionismo e 0 pensamento frazeriano, em particular, nao estéo superados do pensamento das ciéneias humanas. Pelo contririo, cada vez mais se faz necessaria a leitura de Frazer. Nas sociedades modernas e de consumo, nas sociedades e culturas es- petacularizadas o que vemos é a atualidade da magia e da religido presentes “num mundo secularizado”, convivendo em concomitancia com a ciéncia e a tecnologia. Para além do engano interpretativo de Frazer e de sua escola sobre as fases de desenvolvimento do pensamento humano no qual a religido substituiria a magia ¢ a ciéncia a religido, é mister a aceitacdo da atualidade do pensamento frazeriano. Cada vez mais homens e mulheres de todas as culturas, do Oriente ao Ocidente, de culturas cristis ou nao, acorrem a magia simpatica e 4 magia contagiosa, enchem os templos religiosos buscando em seus pastores, sacerdotes e pais e mies de santo 0 contato com a divindade © a sua salvacdio. Tentam compreender os mistérios que cercam a vida e a morte, ¢, prin- cipalmente, buscam explicacées para as suas finitudes. Por mais que a ciéncia tenha tentado e conseguido explicar os mistérios da vida humana e da morte bioldgica, ela nao tem explicagdes para o dia ¢ hora da morte do ser humano, ela nao consegue prever exatamente quando isso vai acontecer; tais explicacdes. continuam a fazer parte da ordem do sagrado, dos mistérios do sagrado. ‘Ademais, a magia, a religiéo e a ciéncia devem ser examinadas como forcas ativas na sociedade humana, que continuam a se fazerem presentes e atuarem nas acdes prat cas rituais em todas as culturas, de todos os tempos. Enfim, a leitura da obra de Frazer deve ser obrigat6ria para o cientista social, deve servir de referéncia a ilustrar néo um tempo ja superado ou uma sucessao de enganos te6ricos e/ou praticas emocéntricas, mas para demonstrar a aventura humana do homem ea sua busca pelo inexplicdvel, pelo nao dito ou visto, pelos mistérios que atravessam a sua existéncia; do homem e suas respostas para apazigué-lo consigo mesmo e com a natureza, consigo ¢ com seu deus. Frazer se despede do bosque de Nemi; o templo da deusa deu lugar as igrejas de Roma e seus sinos a tocarem o Angelus anunciam a Ave-Maria, enuncia Frazer co- movido. No entanto, afirma: mas “as arvores de Nemi ainda sao verdes”, (FRAZER, 1978: 250), portanto, outros deuses podem nela ainda se abrigar ¢ outros sacerdotes, quem sabe, buscarao disputar 0 titulo de rei do bosque? Frazer s6 nao previu isto: a justaposicdo entre magia, religio e ciéncia; s6 no imaginou que tantos anos depois os homens, de uma forma ou de outra, continuam buscando ora a magia, ora a religiao, ora a ciéncia, ora os trés para atenuar suas dores, para explicar seus infortiinios, para encontrar sentidos para a sua tao breve existéncia. 39 Nota | No doutorado realizei pesquisas sobre a Festa de Sao Jodo na cidade de Campina Grande, no Esta Paraiba, baizada de *O Maior S80 Joéo do Mundo’, o que me levou a realizar estudos sobre a of folguedo. Para tanto, revisitei O ramo de ouro e na busca de reconstituir a referida festa, exercitel 0 que Fa J previra em seu livro: 0 encontro de antigos cultos e reminiscéncias pags com o nascente cristaias Sobre esta questo consultar Lima (2008) e Lima (2010) Obras selecionadas de James Frazer FRAZER, J. (1918). Folklore in the Old Testament, Whitefish, MT: Kessinger, 2010. (1910). Totemism and Exogamy. Londres: Routledge, 2000 [The collected Work of J.G. Frazer]. — (1900). Pausanias and other Greek sketches. Cambridge: Cambridge Univeti Press, 2012. ——— (1890, 1906-1915, 1922). O ramo de ouro. Séo Paulo: Circulo do Livro, 1978 Referéncias AUZIAS, J.-M. A antropologia contempordnea. Sao Paulo: Cultrix, 1976 [Tradueao de Ca los Alberto da Fonseca]. BERGSON, H. A eooluedo criadora. Rio de Janeito: Zaha 1976 BERNARDI, B. Introducao aos estudos ¢ino-antropoldgicos ~ Perspectivas do homes }¥ boa: Ed. 70, 1974 [Traducdo de A.C. Mota da Silva} BURKER, P: Cultura popular na Idade Moderna. Sig Paulo: Companhia das Letras, 19% CASTRO, C. Footucionismo cultural — Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janci®! Zahar, 2005. DaMATTA, R. Relativizando —~ Uma ; 30 4 anolis: VO2eS rca a introducao a antropologia social. Petropolis: Vo#™ FRAZER, J.G. El folklore en el Antiguo 7s 6mni i Antiguo Testamento, México: Fondo de Cultura Econ6™ O ramo de ouro. Si Paulo: Citculo do Livro, 1978 [Traducio de Waltensir Dutt4l: HARRIS, M. El desarrollo de la Teoria Antropologica — Historia de las teorias de la cult?® 4. ed. Madri: Siglo Veintiuno, 1983 (raducio de Ramén Valdes del Toro). LEAK M. Uma histéria da Antropologia. Rig de Janeiro/Sao Paulo: Zahar/Edusp, 1981 [Tradugio de Sérgio EN. Lamarao e Waltensir Dutra]. 40 LIMA, E.C.A.L. A Festa de Sao Joao nos discursos biblico e folclérico. Campina Grande: EDUEFCG, 2010. A fidbrica dos sonhos ~ A invengao da Festa Junina no espago urbano. 2. ed. Cam- pina Grande: EDUFCG, 2008. MALINOWSKI, B. Uma teoria cientifica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1975 [Tradu- gio de José Auto}. MORGAN, L-H. A sociedade primitiva I. 2. ed. Lisboa/Sao Paulo: Presenga/Martins Fon- tes, [s.d.] [Traducao de Maria Helena B. Alves] [Coleco Sintese}. POIRIER, J. Historia da etnologia. S40 Paulo: Cultrix, 1981 [Traducio de Ivone Toledo]. RIBEIRO, D. O processo civilizatério, Sao Paulo; Circulo do Livro, [s.d.]. 41 3 Franz Boas (1858-1942) Margarida Maria Moura* Franz Boas nasceu em 9 de julho de 1858 em Minden, na Vestfalia, numa familia judaica de alta posicao social. Meyer Boas, seu pai, era comerciante € sua mae, Sophie Boas, fundou o primeiro jardim de infincia da cidade. Nas suas reminiscéncias, sys irma Hedwig Lehmann contou como se orgulhava de seu irmao mais velho, que levays sempre que ia herborizar nas cercanias da casa de campo da familia proxima a Minden A amizade de irmaos fundia-se com 0 amor & natureza, uma vocagao de meninos, que se deleitavam nos belos espacos abertos dessa regido da futura Alemanha, cheia de bosques €retiros, um rio caudaloso e de muitas corredeiras. Faleceu na grande metr6pole cosmo- polita, Nova York, em 21 de dezembro de 1942. Colocando-nos do ponto de vista de uma hist6ria das sociedades, Eric Hobsbawes vem em nosso auxilio: Um obscuro subproduto desse desenvolvimento inicial das ciéncias [.,] so as teorias da raga, A existéncia de diferentes ragas [.-.] de homens tinha sido muito discutida no século XVIII, quando o problema de uma criacao tinica ou miltipla do homem preocupava também 08 €sPiritos de reflexdo. A fronteira entre monogenistas e poligenistas nao era simples. O primeiro grupo reunia defensores da evolugao ¢ da igualdade humana; homens que consideravam que, sobre este ponto, a ciéncia nao era conflitante com a Escritura: os pré-darwinianos, Prichard ¢ Layren- ce, a0 lado de Cuvier, O segundo grupo incluia nao s6 cientistas de boa-fé, mas também racistas e escravagistas provenientes do sy] dos Estados Unidos. Estas discussdes a respeito das racas produziram yma viva explosio da antropometria, principalmente baseada na colecao, clas- sificagdo ¢ medida de cranios; pratica também encorajada pelo estranho “hobby” contempordnco da frenologia, que tentava determinar 0 carter [da pessoa] a partir da configuracao do cranio [...]. Ao MesMO tempo, uma mistura de nacionalismo, radicalismo, hist6ria e observacao de eam- po introduziram o igualmente perigoso tépico das permanentes cayacre- risticas raciais ou nacionais da sociedade. Na década de 1820, 08 im, gos * Doutora em Ciéncias Humanas (Sociologia) pela Universidade de Sao Paulo (USP). Professora livfe-docenig da FFLCH da Universidade de Sao Paulo, atuante no Departamento de Antropologia € no Diversitas (Nicieg de Estudos das Diversidades, Intolerancias ¢ Confltos). 42 ha a> —_ Thierry, historiadores revolucionérios franceses, tinham-se lancado a0 estudo da conquista normanda e dos gauleses [...]. Como bons radicais, mantinham 0 ponto de vista de que povo francés descendia dos gaule- ses, 08 aristocratas dos teutdes que os conquistaram, argumentagio que mais tarde seria usada com fins conservadores por etnégrafos das classes altas como o Conde de Gobineau. A crenca de que uma linhagem racial especifica sobrevivia - ideia defendida com compreensivel zelo por um naturalista galés, W. Edwards, em favor dos celtas -, se encaixava admi- ravelmente a uma época em que os homens pretendiam a romantica € misteriosa individualidade de suas nagoes para reivindicar missdes mes- sidnicas para elas, se fossem revolucionérias, ou para atribuir sua riqueza ¢ poderio a uma superioridade inata [se fossem racistas] (intercalagoes de M.M.M.). Os piores abusos decorrentes da aplicagio pratico-politica das teorias racistas ocorreram, entretanto, ap6s 1848. Irmos das consideragées humanisticas da Antropo- logia Filos6fica de Degérando, quando escreve sobre a “Influéncia exercida pela lingua sobre o desenvolvimento das faculdades do espirito” (In: Dos signos e da ante de pensar considerados em miituas relagées), 4 tematica de “Une note instructive sur les recherches a realiser sur les diferences anatomiques des diverses races humaines”, de Cuvier, significa mover-nos do século XVIII ¢ dos inicios do século XIX para meados da segunda metade deste tiltimo. Se Degérando era observador do meio ambiente, sensivel a observacéo participante, vendo o seu universo de preocupagoes tangente de outros universos, com Cuvier produziu-se um estreitamento do campo de indagacao, ja que esta se voltou para a antropometria dos esqueletos como locus de observacao. Mesmo antes de Gobineau, Cuvier jé falara de racas civilizadas e ragas faltas em civilizagdo, aludindo respectivamente ao branco € ao negro. Em 1817, na época em que comecava a surgir uma idealizacao delirante da sociedade egipcia, Cuvier afirmava que Go nao resultava do génio criador de uma raga de negros, mas de “gente aquela civili como nés” (leia-se curopeus brancos). Na verdade, o que predominou na sociedade egip- cia antiga foi um desenvolvido fendmeno de mesticagem entre tipos humanos de pele clara do norte da Africa e da Asia Ocidental e de pele escura da Africa Negra, em especial da Nubia, com a qual o contato era extremamente facilitado pela rota do Rio Nilo, assim como os caminhos pelos desertos da Libia, a este, de transito dificil, mas nao impos- sivel, além do fato de que a rota que margeia o litoral mediterraneo pusesse os egipcios em contato com 0s africanos camitas — os berberes atuais -, e as passagens do Deserto do Sinai, a leste, igualmente praticdveis, apesar das dificuldades que ofereciam, permitindo ligacées com a Palestina, a Siria e a Mesopotamia, onde jé viviam povos semitas. Nao se pode esquecer a enorme aceitagio das teorias do Conde de Gobineau nos estados alemaes, uma vez que sua exaltagao do homem nérdico favorecia muito mais 0 povo alemao que o francés, no qual a presenga gaulesa introduzia um elemento somato- 43

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